288
1 ZINARA MARCET DE ANDRADE NASCIMENTO FORMAÇÃO E INSERÇÃO DE ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE ACUMULAÇÃO DO CAPITAL: O CASO TUPY-SOCIESC CURITIBA 2008

FORMAÇÃO E INSERÇÃO DE ENGENHEIROS NA ATUAL … · uma forte integração técnica e comportamental, assim como reafirma que o êxito na profissão ... 2.3 O PAPEL E O PERFIL

  • Upload
    lekien

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    ZINARA MARCET DE ANDRADE NASCIMENTO

    FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE

    ACUMULAO DO CAPITAL:

    O CASO TUPY-SOCIESC

    CURITIBA

    2008

  • 2

    ZINARA MARCET DE ANDRADE NASCIMENTO

    FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE

    ACUMULAO DO CAPITAL:

    O CASO TUPY-SOCIESC

    CURITIBA

    2008

    Tese apresentada como requisito parcial

    obteno do grau de Doutor, no Programa

    de Ps-Graduao em Educao Linha

    de Pesquisa Mudanas no Mundo do

    Trabalho, Universidade Federal do Paran

    Orientadora: Profa. Dra. Noela Invernizzi

  • 3

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Meus agradecimentos primeiros Professora Doutora Noela Invernizzi, minha

    orientadora, pelas sugestes, crticas, provocaes nesta construo.

    Aos membros da Banca de Qualificao que em muito contriburam com possveis

    direes para a concluso deste trabalho.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFPR que

    oportunizaram meu crescimento acadmico, em especial s Professoras Doutoras Accia

    Kuenzer e Lgia Klein.

    Professora Doutora Jussara Maria Tavares Puglielli Santos por ter-me encorajado a

    participar do processo de seleo do doutorado.

    Aos colegas Paulo Perna e Jane Drewinski por pacientemente ouvirem minhas

    inquietaes e pelas horas de estudos realizadas em conjunto.

    CAPES pela bolsa de estudo concedida.

    s funcionrias da secretaria do Programa de Ps-Graduao em Educao pelas

    inmeras gentilezas.

    Aos egressos do curso de Engenharia de Fundio e demais engenheiros que

    concederam as entrevistas necessrias

    Aos colegas do IST pelo incentivo e entusiasmo com o tema investigado, especialmente

    ao colega Joo B. L. Ghizoni pela reviso dos textos.

    Senhora Linda e sua filha Glaci que gentilmente me hospedaram em Joinville no

    decorrer da pesquisa de campo.

    Ao Claus Germer pelo incentivo e ateno.

    Aos meus familiares por aceitarem minhas ausncias.

  • 5

    RESUMO

    No atual contexto scio-histrico, em que significativa parcela do processo produtivo tem por

    base a microeletrnica, a engenharia considerada pelos empresrios como a protagonista do

    desenvolvimento scio-econmico. Diante dessa realidade, houve expressivo aumento no

    nmero de cursos e de egressos de engenharia. Entretanto, a mdia divulga constantemente a

    falta de engenheiros. A partir dessas questes, a presente investigao tem como objetivo

    compreender a relao entre a formao e a insero dos engenheiros na atual fase de

    acumulao capitalista, marcada por aspectos contraditrios. Nessa perspectiva, percebe-se que

    h um descompasso entre o estgio vigente de desenvolvimento da cincia e da tecnologia e a

    flexibilizao das diretrizes curriculares dos cursos de engenharia, bem como entre o discurso

    oficial acerca da relevncia da profisso e a insero no mercado formal de trabalho de seus

    profissionais. Para melhor compreender as questes levantadas, alm de uma ampla pesquisa

    bibliogrfica, foram realizadas entrevistas, com roteiros semi-estruturados, com a primeira

    turma do curso de Engenharia de Fundio, nico no Brasil, ofertado por uma instituio

    tradicional de ensino tecnolgico em uma rea eminentemente industrial no interior do Estado

    de Santa Catarina. Foram entrevistados tambm engenheiros de indstrias da regio e de duas

    entidades de classe. Com a mesma finalidade foram analisadas as reformas educacionais e as

    respectivas polticas institudas para os cursos de engenharia, assim como seus reflexos no

    processo de ensino-aprendizagem dessa graduao. Como aporte terico, a presente pesquisa

    segue o referencial marxista por entender que seus fundamentos so essenciais para a

    compreenso da dinmica de valorizao do capital, bem como as necessidades de organizao

    e gesto do trabalho na atual fase de acumulao de mais-valia. A partir de tal referencial

    possvel entender os motivos pelos quais houve a incorporao dos princpios relativos ao lema

    Aprender a Aprender no processo de ensino-aprendizagem das engenharias. A pesquisa

    emprica, respaldada pela literatura crtica, evidencia que a formao do engenheiro passa por

    uma forte integrao tcnica e comportamental, assim como reafirma que o xito na profisso

    requer muito mais do que as Competncias da Modernidade enfatizadas pelo discurso

    hegemnico, exigindo do engenheiro a capacidade de articular os conhecimentos empricos,

    tecnolgicos e cientficos de sua rea de conhecimento, bem como buscar conhecimentos

    tericos de outras reas, em especial de Gesto. Conclui-se que a suposta insuficincia de

    engenheiros no est diretamente atrelada ao nmero de egressos, mas, principalmente,

    poltica educacional vigente que permitiu a expanso dos cursos de engenharia sem o devido

    cuidado com a qualidade das graduaes e com o nvel dos profissionais que se formam em

    engenharia, porm, de acordo com a tradio do pas de dependente de inovaes tecnolgicas.

    Palavras-Chave: Formao de Engenharia; Insero Profissional; Educao Tecnolgica;

    Aprender a Aprender; Acumulao Capitalista; Inovao Tecnolgica

  • 6

    ABSTRACT

    In the current socio-historic context, in which significant part of the productive process has

    microelectronics as a basis, engineering is considered by entrepreneurs as the protagonist of

    the socio-economic development. In face of this reality, there was an expressive increase in

    the number of courses as well as in the number of graduated students of engineering.

    However, the media often informs us of the constant lack of engineers. Having these

    questions as a starting point, this investigation has as a main aim to understand the relation

    between the formation of the engineers and their insertion in the labor market in the present

    stage of capitalist accumulation, marked by contradictory aspects. From this perspective, it is

    possible to notice some irregularities between the present phase of scientific and

    technological development and the making of the engineering curricula more flexible, as well

    as between the official discourse about the importance of the profession and the insertion of

    the engineers in the labor market. To better understand the issues raised here, in addition to

    ample bibliographical research, several interviews were carried out, using semi-structured

    guidelines, with the first group that majored in foundry engineering, the only one in Brazil,

    offered by a traditional institution in technological teaching in an eminently industrial area in

    the state of Santa Catarina. Engineers from industries of the region were also interviewed, as

    well as some from class corporations. With the same intent the educational reforms and their

    respective policies for engineering courses were analyzed, as well as their reflections in the

    process of teaching-learning in that course. As a theoretical basis this dissertation follows the

    Marxist references believing that its foundations are crucial to the comprehension of the

    dynamics of capital estimation, as well as the needs of organization and management of work

    in the present stage of more-value accumulation. Considering this referent a starting point it

    is possible to understand the reasons why there was an incorporation of the principles relating

    to the motto Learning to Learn in the teaching-learning process of engineering. The

    empirical research, based on critical literature, proved that the formation of the engineer is

    undergoing a strong technical and behavioral integration, and reassures that success in the job

    requires much more than the Competencies for Modernity emphasized by the hegemonic

    discourse, demanding from the engineer the ability not only to articulate the empirical,

    technological and scientific knowledge in their area of studies, but also to search for

    theoretical knowledge in other areas, especially in management. The conclusion to which one

    comes is that the alleged lack of engineers is not directly related to the number of people who

    finish their undergraduate engineering courses, but mainly to the present educational policy,

    which allowed the expansion of the engineering courses without the appropriate attention to

    their quality, although according to the tradition of the country, which is dependent on

    technological innovations.

    Key words: Engineering formation; labor market insertion; technological education; learning

    to learn; capitalist accumulation; technological innovation

  • 7

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 Crescimento do Nmero de Cursos de Engenharia. ........................................79

    FIGURA 2 Crescimento das Modalidades de Engenharia no Brasil .................................81

    FIGURA 3 Dispndio das Atividades Inovadoras no Brasil 2000/2003 ............................83

  • 8

    LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 Principais Atividades de Mecatrnica ............................................................... 53

    QUADRO 2 Formao para a atuao em Mecatrnica ............................................................54

    QUADRO 3 Competncias para o Profissional .......................................................................115

  • 9

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Distribuio Institucional dos Cientistas e Engenheiros no Brasil e nos EUA......85

    TABELA 2 Empresas no Brasil por Nmero de Funcionrios e Engenheiros ..........................89

    TABELA 3 Empresas Empregadoras de Engenheiros .............................................................91

    TABELA 4 Faixa Etria dos Engenheiros no Brasil em 2005 ..................................................92

    TABELA 5 Ramos da Engenharia e Respectivos Engenheiros Empregados .................................93

    TABELA 6 Distribuio das IES, Cursos e Matrculas Brasil 1996 a 2004 ...............................111

    TABELA 7 Analfabetos no Brasil de 1940 A 1960................................................................152

    TABELA 8 Tempo de Empresa e Atividade e Idade dos Egressos Entrevistados ...............206

    TABELA 9 Escolarizao dos Funcionrios da Tupy Fundies .........................................207

    TABELA 10 Percurso Escolar dos Egressos e Incio da Vida de Trabalhador.....................225

    TABELA 11 Demais Engenheiros Entrevistados ..................................................................239

  • 10

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AJORPEME Associao Joinville e Regio da Pequena, Micro e Mdia Empresa

    ANET Associao Nacional de Educao Tecnolgica

    BVQI BUREAU VERITAS QUALITY INTERNATIONAL

    CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CEAG Curso de Especializao em Administrao para Graduandos

    CES Cmara de Educao Superior

    CEFET Centro Federal de Educao Tecnolgica

    CIEE Centro de Integrao Empresa Escola

    CMPJ Centro de Mecnica de Preciso de Joinville

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNI Confederao Nacional da Indstria

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    COBENGE Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia

    CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia

    CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia

    CUT Central nica dos trabalhadores

    DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos

    EMBRACO Empresa Brasileira de Compressores S.A.

    ENADE Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

    ETT Escola Tcnica Tupy

    FATECS Faculdades de Tecnlogos

    FGV Fundao Getlio Vargas

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

    FISENGE Federao Interestadual de Sindicatos de Engenheiros

    IBM Internacional Business Machine

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Prestao de Servios

    IEL Instituto Euvaldo Lodi

    IES Instituio de Ensino Superior

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IST Instituto Superior Tupy

    ITA Instituto Tecnolgico de Engenharia

    LDB Lei de Diretrizes e Bases

    MBA Master Business Administration

    MEC Ministrio da Educao

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    PAC Poltica de Acelerao do Crescimento

    PEA Populao Economicamente Ativa

    P&D Pesquisa e Desenvolvimento

    PED Programa Estratgico de Desenvolvimento

    PL Projeto de Lei

    PIB Produto Interno Bruto

    PINTEC Pesquisa de Inovao Tecnolgica

    RAIS Relao Anual de Informaes Sociais

    SAI Servio de Avaliao Institucional

    SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas

  • 11

    SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial

    SESU Secretaria do Educao Superior

    SOCIESC Sociedade Educacional de Santa Catarina

    TCC Trabalho de Concluso de Curso

    UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

    USP Universidade de So Paulo

  • 12

    SUMRIO

    INTRODUO ....................................................................................................................... 15

    CAPTULO I

    FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NO ATUAL CONTEXTO

    CAPITALISTA: UM OLHAR MATERIALISTA HISTRICO ....................................... 27

    1.1 A ENGENHARIA E A CINCIA NO CAPITALISMO ................................................... 28

    1.2 OS FUNDAMENTOS PARA A APREENSO DO TEMA .............................................34

    1.3 CONSEQNCIAS DA APROPRIAO DA CINCIA PELO CAPITAL PARA OS

    TRABALHADORES, EM ESPECIAL PARA OS ENGENHEIROS .................................... 42

    1.4 CONCLUSES ................................................................................................................... 59

    CAPTULO II

    DO ENGENHEIRO-ARTISTA AO ENGENHEIRO DA ATUAL FASE DE

    ACUMULAO CAPITALISTA ........................................................................................ 61

    2.1 PRIMEIROS TEMPOS ..................................................................................................... 62

    2.2 A FORMAO E A INSERO DOS ENGENHEIROS NO BRASIL .........................70

    2.3 O PAPEL E O PERFIL DO ENGENHEIRO NA ATUAL FASE DE ACUMULAO DO CAPITAL ................................................................................................................... 82

    2.4 ALGUNS ASPECTOS DO MERCADO DE TRABALHO DO ENGENHEIRO

    BRASILEIRO NA ATUALIDADE .........................................................................................88

    2.5 CONCLUSES .................................................................................................................. 99

    CAPTULO III

    A FLEXIBILIZAO DO ENSINO DE ENGENHARIA: POLTICAS E DIRETRIZES .................................................................................................................................................. 102

    3.1 O CONTEXTO DAS MUDANAS NA POLTICA EDUCACIONAL: A SOCIEDADE

    DO CONHECIMENTO ...........................................................................................................103

    3.2 O APRENDER A APRENDER: SUAS RAZES DE SER ..........................................1114

  • 13

    3.3 BREVES CONSIDERAES SOBRE OS PRINCIPAIS TERICOS EM TEMPOS DE

    APRENDER A APRENDER .................................................................................................. 119

    3.4 AS POLTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO

    ANALISADO ...........................................................................................................................121

    3.5 A LEGISLAO ESPECFICA DOS CURSOS DE ENGENHARIA ...........................125

    3.6 A NOVA FORMAO PARA O NOVO PERFIL: O APRENDER A APRENDER NO

    ENSINO DE ENGENHARIA ..................................................................................................129

    3.7 CONCLUSES ................................................................................................................. 140

    CAPTULO IV

    DA ESCOLA TCNICA TUPY AO INSTITUTO SUPERIOR TUPY E SUA

    ENGENHARIA DE FUNDIO ........................................................................................143

    4.1 A ESCOLA TCNICA TUPY: SURGIMENTO E CONCEPES .............................145

    4.1.1 A Escola Tcnica Tupy: crescimento e consolidao .................................................... 151

    4.2 O CONTEXTO DE NASCIMENTO DO INSTITUTO SUPERIOR TUPY E SUA

    EXPANSO ...........................................................................................................................162

    4.3 O CURSO DE ENGENHARIA DE FUNDIO ..........................................................174

    4.3.1 A Concepo, a misso e os objetivos do curso de Engenharia de Fundio ................ 177

    4.3.2 As disciplinas que compem a grade curricular ..............................................................181

    4.3.3 A adequao da metodologia de ensino concepo do curso e a filosofia do IST .....186

    4 CONCLUSES ...................................................................................................................189

  • 14

    CAPTULO V

    A FORMAO E A INSERO DOS ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE

    ACUMULAO DO CAPITAL .........................................................................................191

    5.1 A CONFORMAO DOS OPERRIOS JOINVILLENSES: A CLASSE EM SI......195

    5.2 A ATUAL ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS EGRESSOS .......................................204

    5.3 O PROCESSO DE GRADUAO DOS EGRESSOS .....................................................224

    5.4 AS PERCEPES DOS DEMAIS ENGENHEIROS ENTREVISTADOS ACERCA DO

    TEMA INVESTIGADO...........................................................................................................238

    5.5 CONCLUSES .................................................................................................................246

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................250

    REFERNCIAS ...................................................................................................................265

    ANEXOS ................................................................................................................................ 277

  • 15

    INTRODUO

    A educao tecnolgica, em especial a de nvel superior, h muito pauta de grandes

    debates e reflexes, pois alm de ser considerada fonte de progresso econmico e social,

    sempre despertou grande interesse ao mundo empresarial capitalista pelo fato de propiciar

    inovaes que permitem a acumulao da mais-valia, logo, vantagens competitivas. Isso ocorre

    porque a incorporao constante da cincia e da tecnologia produo de mercadorias constitui

    um dos aspectos peculiares do modo de produo capitalista que, para sobreviver, necessita

    revolucionar seus mtodos e seus instrumentos de produo de mercadorias em prol da

    valorizao incessante do capital.

    Portanto, mais do que nunca, num momento em que acumulao de mais-valia requerer

    mudanas rpidas e constantes no processo produtivo e, conseqentemente, nas relaes

    sociais, possuir conhecimento que viabilize a tecnologia mais avanada sinnimo de

    diferencial mercadolgico, ou seja, fator de sobrevivncia perante o acirramento da

    competitividade global.

    Assim sendo, os profissionais devidamente qualificados em um dos ramos tcnico-

    cientficos, isto , aqueles capazes contribuir de alguma forma com a produo de

    conhecimento novo e lucrativo, colaborando com a acumulao capitalista, costumam

    encontrar maior facilidade para inserir-se produtivamente na sociedade; em geral, recebem

    bons salrios e alcanam condies sociais acima da mdia dos trabalhadores. Como

    conseqncia, o ensino de carter tcnico-cientfico superior tido pelo senso comum como

    algo imanentemente positivo, relacionado a uma viso triunfalista e neutra da cincia,

    tornando-se um elemento precioso na constante e insacivel valorizao do capital.

    Neste contexto, insere-se a graduao em engenharia. Como segmento do ensino

    superior, os cursos de engenharia esto sujeitos s polticas educacionais, com suas limitaes e

    contradies. Ao mesmo tempo, como rea de conhecimento especfico, possui

    particularidades; porm, em ambos os casos, subordinada lgica capitalista, motivo pelo qual

    compreend-la requer a apreenso da dinmica do capital, na qual a produo da vida social

    ocorre por meio da produo de mercadorias, um processo complexo e repleto de aspectos

    contraditrios.

    Nesta tese parte-se do pressuposto que a importncia atribuda a esta profisso em face

    da necessidade de inovaes em busca do lucro num contexto marcado pela produo de

    mercadorias com base em processos automatizados, com elevado grau de desenvolvimento da

  • 16

    microeletrnica nos processos de trabalho e gesto, foi um dos motivos que incentivaram o

    significativo aumento da oferta de cursos e do nmero de egressos em engenharia nos ltimos

    anos. Entretanto, mais do que levantar dados acerca do crescimento dos cursos de engenharia

    preciso investigar em que medida a graduao em engenharia propicia uma qualificao

    profissional condizente com o atual estgio de desenvolvimento da cincia e tecnologia, bem

    como se h a correspondente possibilidade de insero profissional e equivalncia salarial da

    referida categoria, haja vista as notcias veiculadas pela mdia nacional que propagam a

    dificuldade de preencher as vagas nas indstrias em razo da falta de fora de trabalho

    qualificada e, nos ltimos meses, a falta de engenheiros em virtude do Plano de Acelerao de

    Crescimento do atual governo federal e do aquecimento econmico por que passa o pas.

    Assim, apesar do crescimento dos cursos de graduao em engenharia, existe uma

    insistente urgncia do empresariado nacional em aumentar ainda mais o nmero de engenheiros

    graduados no pas em funo da relevncia da referida profisso para alcanar o desejado grau

    de desenvolvimento scio-econmico contemporneo.

    Contudo, contraditoriamente ao avano da cincia e da tecnologia, alm da anunciada

    falta de trabalhadores devidamente qualificados, so inmeras as crticas acerca da questo

    educacional que apontam a precarizao do ensino em todos os seus nveis no Brasil. No que

    diz respeito aos estudos relativos aos problemas do ensino superior, do ponto de vista

    acadmico pode-se citar BAUER (2006), CASTRO (2002), GISI (2000), SAVIANI (1984)

    SCHWARTZMAN (2002) e muitos outros, que abordam vrias questes inerentes s

    problemticas do assunto independentemente da rea de conhecimento. A partir das reflexes e

    contribuies de tais autores possvel perceber que mesmo as profisses tradicionais, como a

    engenharia, aps a reforma da educao dos anos 90, passaram por grandes mudanas. A

    referida reforma teve como objetivo regulamentar a constituio do novo perfil da fora de

    trabalho em virtude das novas formas de organizao e gesto do trabalho para satisfazer a

    eterna necessidade de acumulao do capital. De acordo com as anlises crticas, foi instaurada

    uma nova poltica educacional, vigente, regulamentada em tempos de neoliberalismo e ps-

    modernidade, que teve como principal objetivo viabilizar a qualificao de um novo perfil de

    trabalhador, diferente do modelo anterior, conhecido como taylorista/fordista,

    independentemente do ramo. As mudanas na organizao e gesto do trabalho exigiram fora

    de trabalho multifuncional, mais criativa, com habilidades de comunicao interpessoal e

    trabalho em equipe, capacidade de liderana, enfim, apta a realizar com autonomia vrios tipos

    de tarefas e a solucionar problemas inusitados com a maior agilidade possvel. Sob tais

    circunstncias, os engenheiros tambm tiveram que alterar seu perfil profissional, no lhes

  • 17

    bastando somente a capacidade tcnica, fundamental para as inovaes, mas insuficiente para

    garantir o bom desempenho e insero no mercado de trabalho.

    Assim sendo, de acordo com as expectativas das pesquisas educacionais relacionadas

    com as transformaes ocorridas no setor produtivo, amplamente conhecido por mundo do

    trabalho, bem como as conseqncias das alteraes realizadas para a classe trabalhadora,

    tem-se como objeto de pesquisa investigar a relao entre a formao e a insero de

    engenheiros na atual fase de acumulao da mais-valia, com recorte emprico nas condies da

    graduao e a insero dos primeiros egressos do curso de engenharia de fundio de uma

    instituio de ensino tecnolgico vinculada a uma indstria do mesmo ramo.

    Nesta perspectiva, so questes que merecem ser investigadas para compreender a

    referida relao e a atual fase valorizao do capital: Em que medida o ensino de engenharia

    sofreu os impactos das reformas educacionais dos anos 90? A graduao em engenharia aps as

    reformas permite aos engenheiros uma qualificao profissional que v para alm de uma

    formao utilitarista, portanto, capacitando profissionais para alm do domnio operacional de

    um determinado fazer? Qual a atual forma de ensino-aprendizagem dos cursos de engenharia?

    Esta possibilita ao aluno a compreenso do processo tecnolgico na sua totalidade? Ou seja, em

    que medida o graduando consegue perceber a importncia da apreenso da lgica de

    funcionamento em detalhes para ser capaz de decidir e alterar processos e criar novas

    tecnologias? Como se articula a formao e a insero dos engenheiros na cadeia produtiva das

    indstrias metalrgicas a partir das formas de organizao do trabalho na atual fase de

    acumulao do capital? Como trabalhada a dimenso comportamental no processo de

    formao em educao tecnolgica? As instituies de educao tecnolgica, cujos alunos

    muitas vezes freqentam cursos noturnos para ter condies de arcar com seus estudos,

    cumprem seu papel? A formao tcnica tem possibilitado a insero produtiva desejada?

    Quais as razes sobre as notcias que anunciam a falta de engenheiros no mercado de trabalho e

    qual a sua veracidade? Quais seriam as mediaes capazes de possibilitar a compreenso da

    contradio entre a utilizao do conhecimento cientfico pelo capital e a possibilidade de

    existncia digna para a maioria dos seres humanos? Como percebida a relao capital x

    trabalho destes trabalhadores? Enfim, caracteriza-se o ensino de engenharia por ser polivalente

    ou politcnico?

    A evidncia de muitas contradies entre as reais condies da educao tecnolgica de

    nvel superior, logo, a respeito da engenharia, e o mercado de trabalho na atual fase capitalista

    foram motivadoras para a elaborao da presente investigao. Cabe lembrar que, embora o

    tema passe pela Cincia e Tecnologia, a investigao centrada nas questes educacionais.

  • 18

    O interesse pelo estudo sistematizado sobre a relao entre a formao de engenheiros

    e a insero produtiva dos engenheiros, luz do materialismo histrico1, foi fomentado por

    dois motivos que, na verdade, decorriam dos questionamentos apresentados. Primeiro, pelas

    particularidades de determinada instituio de ensino tecnolgico, de carter privado, fundada

    em 1959 seguindo o modelo de uma escola de formao tcnica sua, empresa Georg Fischer.

    A referida instituio foi criada com a finalidade especfica de atender a necessidade de fora

    de trabalho qualificada para a indstria Tupy Fundies e se tornou referncia por preparar

    trabalhadores para as indstrias regionais. Respaldada na credibilidade junto comunidade, em

    1997 passou a oferecer cursos de graduao tecnolgica e a partir de 2001 a ofertar o primeiro

    curso de engenharia. Atualmente o Instituto Superior Tupy uma Universidade que conta com

    mais de 3000 alunos e possui cerca de 30 cursos de formao superior, sendo comandada por

    um Conselho de Administrao composto por empresrios da regio, sendo a maior parte de

    seus alunos trabalhadores do cho-de-fbrica das indstrias regionais que buscam os cursos de

    graduao com a expectativa de melhores salrios e melhores condies de vida. Segundo, em

    razo da constatao de tratar-se de um objeto bastante interessante, polmico e ainda pouco

    explorado sob a tica marxista.

    A relevncia do estudo est, portanto, em contribuir com a escassa literatura sobre a

    temtica em foco a partir da percepo da dinmica contraditria da atual forma de organizao

    social e as implicaes destas nos processos de formao da classe trabalhadora, especialmente

    a dos engenheiros.

    Ao longo das disciplinas realizadas,com suporte da literatura pertinente ao tema, mas

    em especial o seminrio de tese, foram construdas as hipteses norteadoras do presente estudo:

    que h uma integrao entre a qualificao tcnica e a comportamental na educao tecnolgica

    a fim de responder s necessidades do atual estgio de acumulao do capital; que h uma

    extenso das atribuies do engenheiro para alm das estabelecidas no perfil do egresso

    constante nas diretrizes curriculares e no projeto pedaggico, devendo este incumbir-se tambm

    da gesto de pessoas, motivo pelo qual sua formao passa a integrar a dimenso

    comportamental; que muitas vezes, apesar de executar atividades complexas, sua insero

    formal acontece de forma subordinada e precarizada, ou seja, desempenha tarefas que requerem

    conhecimentos de engenharia, mas no formalmente contratado como engenheiro; a proposta

    pedaggica do curso de engenharia de fundio aligeirada; as contradies entre a sua

    1 Utiliza-se a expresso MATERIALISMO HISTRICO, suprimindo-se o termo DIALTICO, por compreender

    que a referida expresso significa a anlise do movimento da sociedade com seus fenmenos contraditrios, a

    partir da sua base material, ao longo do processo de humanizao.

  • 19

    formao e sua insero levam conscincia da sua realidade.

    Definidos o problema e as hipteses, por todo tempo, buscou-se literatura que abordasse

    as questes relativas investigao pretendida que tomassem por referncia a mesma

    concepo terico-metodolgica pela qual se pautam as pesquisas em Educao e Trabalho na

    UFPR, ou seja, que percebem as transformaes do processo produtivo e as implicaes destas

    nos processos de formao humana, na medida em que considera que o trabalho, sob a lgica

    do capital, continua a ser a categoria fundante da humanizao, fonte de produo do

    conhecimento, mas tornou-se da produo de mercadorias, com finalidades especficas da

    referida forma de organizao social.

    Nesta perspectiva foram buscadas obras que tratassem do processo de trabalho dos

    engenheiros e da sua formao no decorrer do processo civilizatrio, em especial s relativas s

    ltimas dcadas do sculo XX e incio do XXI a fim de compreender as mudanas ocorridas

    tanto nas atividades prticas da categoria, como na sua subjetividade. No que diz respeito

    concepo marxista dessa literatura, pode-se afirmar que so bastante escassas as informaes,

    tanto por se tratar de uma rea com pouca tradio de documentao do seu percurso histrico,

    como por se tratar de uma categoria de trabalhadores mais voltada aos estratos da burguesia

    nacional e internacional. Por tal motivo, a elaborao da tese necessitou recorrer a estudos de

    outras reas de conhecimento que possuem estudos e pesquisa de concepo marxista para

    poder apreender os fenmenos que de certa forma incidem sobre toda a classe trabalhadora,

    como, por exemplo, as polticas educacionais que flexibilizaram o processo de graduao

    para todas as categorias profissionais. Pela mesma razo, isto , pela falta de literatura marxista,

    foi necessrio recorrer a escritores no marxistas, a exemplo dos livros do historiador

    Apolnrio Ternes e outros autores que versam sobre a histria de Joinville e o

    desenvolvimento local, para melhor compreender as categorias de anlise levantadas.

    No mbito da literatura com referencial materialista-histrico que discute as questes

    relativas ao tema, foram de extrema relevncia os seguintes autores, embora nem todos

    especficos da engenharia:

    KAWAMURA (1981), que em seu livro Engenheiro: trabalho e ideologia, alm de

    efetuar um precioso resgate histrico da engenharia no Brasil, evidencia os nexos entre as fases

    de desenvolvimento no pas e o papel do engenheiro em cada uma das distintas etapas. Para a

    autora, houve um momento de grande prestgio da categoria, no qual esta desempenhou o papel

    de intelectual orgnico da burguesia nacional;

  • 20

    NOBLE (1977), que em American by Design: Science, Technology, and the Rise of

    Corporate Capitalism, aborda a contribuio dos engenheiros nas indstrias dos Estados

    Unidos da Amrica a partir do final do sculo XIX. Para Noble, o empenho dos engenheiros

    em prol da apropriao da cincia pelo capital rendeu-lhes prestgio e elevada insero social,

    mas fez com que os mesmos deixassem de perceber que sob tais circunstncias so fora de

    trabalho assalariada e subordinada lgica de explorao capitalista;

    CAMPOS (1997), com sua dissertao de Mestrado em Educao defendida na UFSC

    com o ttulo A Nova Pedagogia Fabril - tecendo a educao do trabalhador. A autora, ao

    analisar as estratgias gerenciais utilizadas na formao de um novo tipo de trabalhador,

    adequado aos novos requerimentos de qualificao, atitudes e comportamentos, demandados

    pelos processos de modernizao tecnolgica e organizacional, apresenta em seu segundo

    captulo uma anlise crtica que desmistifica a condio do povo ordeiro e trabalhador e do

    empresrio honesto e empreendedor na cidade de Joinville. Um estudo de grande

    compreenso na constituio da subjetividade da classe operria joinvilense;

    DAGNINO (2006), em seu artigo O papel do engenheiro na sociedade, discute a

    participao da categoria na sociedade dividida em duas de classes antagnicas: capital e

    trabalho. Para Dagnino, os cursos de engenharia esto impregnados pela ideologia dominante,

    motivo pelo qual as discusses sobre Cincia, Tecnologia e Sociedade acabam sem contribuir

    para a compreenso da cincia como uma produo social decorrente da prtica dos indivduos

    orientada pela lgica da valorizao do capital;

    SILVA (2005), com a tese A Qualificao para o Trabalho em Marx, defendida no

    curso de ps-graduao em economia na UFPR, que, alm de realizar um portentoso resgate

    das formas de organizao e gesto do trabalho ao longo da existncia da humanidade, explica

    que a qualificao de um indivduo para o trabalho possui duas dimenses: uma de carter

    tcnico, que, prepara para as tarefas intelectuais e manuais, e outra dimenso de carter

    comportamental, que a autora denominou de superestrutural. Silva destaca que em razo da

    atual fase de acumulao do capital, a dimenso superestrutural se sobreps dimenso

    tcnica. A investigao realizada por essa autora desnuda a concepo pedaggica conhecida

    por Aprender a Aprender.

    Com relao s obras de fundamentao no marxista, mencionado anteriormente, de

  • 21

    grande importncia foram os vrios livros de Apolinrio Ternes, historiador oficial da cidade de

    Joinville. Tambm muito til foi a tese do professor Sandro Murilo dos Santos, h muito

    diretor-presidente da SOCIESC, com o ttulo A adaptao estratgica de uma organizao de

    ensino tecnolgico privada: o estudo de caso da SOCIESC. Nela o autor retrata o processo de

    expanso do seu produto: a educao tecnolgica. Tambm Telles (1987), com o livro A

    histria da engenharia no Brasil, no qual o autor descreve o processo histrico de graduao

    das engenharias no pas, em muito contribuiu ao complementar as informaes apresentadas

    por Kawamura.

    Feitos os apontamentos acerca da literatura que apoiou a construo da tese, cabe

    destacar que, para alm da anlise da literatura existente sobre a temtica do estudo, foram

    consultados inmeros informativos e documentos internos da instituio de educao

    tecnolgica em questo, referentes ao processo de graduao dos engenheiros de fundio.

    Importa registrar que durante o perodo 2003-2005 lecionei na referida instituio, inclusive

    no curso de engenharia de fundio, o que facilitou em muito a aquisio de informaes

    relevantes e documentos para a investigao pretendida.

    De grande relevncia na construo desta tese foram os estudos especficos da categoria

    elaborados pelo Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos

    DIEESE com a finalidade de subsidiar os debates na ltima campanha salarial dos engenheiros

    em evento nacional organizado pela Federao Interestadual de Sindicatos dos Engenheiros

    FISENGE.

    Cumpre destacar, contudo, que significativa parcela das fontes utilizadas para construir

    o Captulo IV, que trata da trajetria percorrida da escola tcnica at chegar ao ensino superior,

    so fontes oficiais da instituio de ensino, em especial o Projeto Poltico-Pedaggico do curso

    de engenharia e outros documentos, principalmente atas das reunies de colegiado do curso. A

    inteno na anlise destes documentos esteve em compreender como a concepo pedaggica

    do curso se articulou s mudanas do processo produtivo, bem como em compreender como o

    currculo elaborado se articula com as diretrizes curriculares vigentes. Contudo, no foram

    encontradas outras fontes que trouxessem informaes distintas e pudessem estabelecer o

    contraponto com as existentes, que permitissem uma viso mais imparcial e fidedigna,

    inclusive as contradies desse processo.

    Feitas as consideraes acerca da concepo filosfica que orienta a presente tese e das

    fontes utilizadas para a sua construo, cabe, portanto, fazer as referncias sobre o mtodo de

    construo de conhecimento utilizado. Nesse sentido, preciso enfatizar que a opo pelo

    mtodo decorreu da prpria concepo filosfica que, na maioria das vezes, utiliza a dialtica

  • 22

    como lgica para analisar a dinmica do desenvolvimento da sociedade, tomando por base a

    sua materialidade, uma vez que permite perceber a realidade para alm da sua aparncia

    imediata, pois

    O mundo da pseudoconcreticidade um claro-escuro de verdade e engano. O

    seu elemento prprio o duplo sentido. O fenmeno indica a essncia e, ao

    mesmo tempo, a esconde. A essncia se manifesta no fenmeno, mas s de

    modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ngulos e aspectos. O

    fenmeno indica algo que no ele mesmo e vive apenas graas ao seu

    contrrio. A essncia no se d imediatamente; mediata ao fenmeno e,

    portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que . (KOSIK, 1976, p.11)

    Portanto, houve um grande esforo no uso desse mtodo na investigao realizada.

    Espera-se, pois, ter realizado uma abordagem adequada s categorias do mtodo, a saber:

    contradio, prxis, mediao, hegemonia e totalidade. Todas esto presentes no decorrer dos

    captulos elaborados, principalmente a contradio, fortemente marcada no estudo realizado.

    A partir da concepo de mundo em questo, estudados os pressupostos tericos,

    analisadas as fontes, delimitado o problema, foi definida a determinao mais simples do

    objeto, isto , Quais foram as condies de insero dos egressos da primeira turma de

    engenharia de fundio a partir do curso de graduao realizado?. Desta forma foi possvel

    definir as duas principais categorias de contedo que contriburam para a percepo das

    transformaes do processo produtivo relativas categoria dos engenheiros: a organizao do

    trabalho no atual contexto de acumulao de mais-valia e os processos pedaggicos relativos

    formao dos engenheiros. Definidas as mais importantes categorias de anlise, fios

    condutores da investigao pretendida, as subcategorias foram surgindo a partir das leituras

    acerca das duas categorias principais, bem como da proximidade do objeto investigado.

    O objeto de estudo teve como o principal recurso material de investigao as entrevistas

    com os egressos da primeira turma de engenharia de fundio do Instituto Superior Tupy, que

    trouxeram muitas informaes importantes tanto sobre o processo de formao, como sobre a

    insero e o desempenho da atividade profissional aps a obteno do ttulo de bacharel em

    engenharia.

    Para realizar as entrevistas com os egressos foi construdo um roteiro de perguntas

    abertas, semi-estruturadas, (Anexo 1) com base nas duas grandes categorias de contedo

    anteriormente citadas. A inteno da realizao das entrevistas era apreender a realidade

    concreta dos egressos do ramo da fundio na regio de Joinville.

    Assim, foram feitas as primeiras entrevistas de carter exploratrio com os egressos do

  • 23

    curso de engenharia de fundio, que possibilitaram tanto a confirmao das categorias de

    contedo levantadas, como indicaram a necessidade de elaborar um segundo roteiro semi-

    estruturado, com perguntas abertas, para a coleta de dados com outros engenheiros de

    indstrias da regio. Por tal razo, foram entrevistados trs engenheiros com vasta experincia

    no setor industrial de Joinville. O critrio de seleo para a entrevista destes foi a insero

    profissional em indstrias que fossem consideradas lderes na sua rea de atuao. Os

    entrevistados atuam no ramo de fundio, no de plstico e no de linha-branca. Os trs

    entrevistados tm mais de dez anos de atividades na engenharia. Foram elaborados roteiros

    especficos para estas entrevistas (Anexo 2). Alm destes, foram entrevistados dois engenheiros

    que presidem entidades de representao de classe, um do sindicato da categoria e outro do

    conselho regional (Anexo 3).

    Foi extremamente difcil conseguir as entrevistas, tanto dos egressos como dos demais

    engenheiros, envolvendo cerca de um ano e meio da primeira at a ltima, isto , de meados de

    2006 at o final de 2007.

    Dos doze egressos do curso de engenharia, apenas nove aceitaram conceder entrevistas.

    Dos nove, cinco trabalham em Joinville e quatro no interior do Estado de So Paulo, dois em

    Mau e dois em Santa Brbara do Oeste.

    Apesar dos doze se encontrarem inseridos formalmente em indstrias de fundio,

    somente trs esto contratados como engenheiros. Dos trs, dois esto trabalhando fora do pas,

    um na Inglaterra e um nos Estados Unidos da Amrica com vnculo empregatcio no Brasil.

    Recebem ajuda de custo para manter-se fora do pas e o fator decisivo foi a fluncia da lngua

    inglesa. H apenas uma engenheira entre os dozes egressos.

    Aps a degravao das fitas, a tabulao das informaes foi feita de acordo com as

    subcategorias das duas principais, isto , a organizao do trabalho no atual contexto de

    acumulao do capital e os processos pedaggicos da formao dos engenheiros.

    Os depoimentos dos egressos foi bastante intrigante, pois apesar da maioria no estar

    formalmente contratada, apenas um afirmou que gostaria de estar recebendo salrio de

    engenheiro, embora declare gostar da atividade profissional exercida e sentir-se valorizado.

    As respostas ganharam significado aps a compreenso da constituio da histria da

    Escola Tcnica Tupy e reafirmaram que a qualificao de um trabalhador possui duas

    dimenses: uma tcnica, que prepara o trabalhador para as atividades manuais e intelectuais e

    uma dimenso superestrutural que conforma o trabalhador para a sua insero na diviso social

    do trabalho. Por tal razo, julgou-se oportuno realizar um resgate histrico do processo de

    configurao do operariado joinvilense ao longo das dcadas que, articulado s polticas

  • 24

    neoliberais, elucidam tais respostas.

    A exposio do esforo analtico empreendido com a literatura e com a parte emprica

    foi distribuda em cinco captulos. O primeiro aborda, em linhas gerais, a relao entre a

    engenharia e a cincia capitalista, apresentando os fundamentos do arcabouo terico-

    metodolgico para a apreenso do tema; o segundo consiste de um resgate histrico sobre a

    profisso de engenharia ao longo da existncia da humanidade; no terceiro, apresenta-se uma

    recuperao da construo das polticas educacionais voltadas ao ensino superior em

    decorrncia da atual fase de acumulao do capital; no quarto, uma abordagem acerca do

    percurso entre a constituio da Escola Tcnica Tupy ao Instituto Superior Tupy; e no quinto, a

    anlise das entrevistas com os egressos e demais engenheiros que permitiram compreender o

    processo de graduao e a real atividade prtica dos engenheiros na atual fase de acumulao

    do capital.

    Desta forma, o primeiro captulo busca mostrar as razes pelas quais nem toda formao

    em engenharia de carter politcnico e que, embora a atual gesto e organizao do processo

    produtivo na sociedade capitalista seja extremamente dependente do trabalho intelectual, ela

    est diretamente articulada ao grau de desenvolvimento cientfico alcanado por uma nao e

    sua respectiva insero na diviso social do trabalho. Para tanto, julgou-se procedente trazer os

    fundamentos que permitissem compreender que tal fenmeno no natural ou espontneo, mas

    uma construo social que decorre da estrutura da sociedade capitalista que s sobrevive com a

    acumulao da mais-valia.

    O segundo captulo, ao abordar a atuao dos engenheiros ao longo do processo de

    humanizao, tem como preocupao evidenciar que a referida profisso nas sociedades

    capitalistas teve avanos e recuos em decorrncia das necessidades reais, porm antagnicas,

    entre os donos dos meios de produo e a classe trabalhadora. Neste percurso histrico foi

    possvel perceber que os aspectos relacionados profisso e formao, isto , o conceito, o

    desempenho, a insero profissional e o prestgio da engenharia, mudaram na medida em que

    foram alteradas as formas pelas quais os indivduos satisfazem suas necessidades imediatas e

    garantem as condies de suas existncias de acordo com as possibilidades materiais de

    determinado contexto. Contudo, apesar de todas as alteraes e do indiscutvel avano

    tecnolgico, ficou evidenciado que expressiva parcela dos engenheiros brasileiros continua

    voltada gesto da tecnologia e dos processos produtivos, mas no s inovaes.

    O terceiro captulo teve como objetivo mostrar como e com que intencionalidades as

    polticas educacionais foram alteradas a partir da dcada de 90. Para tanto, iniciou com o

    resgate de aspectos considerados fundamentais que levassem compreenso dos motivos pelos

  • 25

    quais foram necessrias novas polticas e aprendizagens para os cursos de engenharia. Assim, o

    captulo iniciou com uma anlise crtica sobre a Sociedade do Conhecimento para

    posteriormente analisar a concepo pedaggica amplamente conhecida como Aprender a

    Aprender, resultante da nova forma de organizao e gesto dos processos de trabalho para a

    obteno da mais-valia, bem como as polticas educacionais vigentes. Buscou-se tambm

    apresentar essas questes com as duas dimenses do processo de qualificao do trabalhador

    que se articulam de forma dialtica: a dimenso tcnica, que prepara o desempenho das

    atividades, quer sejam intelectuais, quer sejam manuais, e a dimenso superestrutural, que

    prepara o trabalhador para o seu papel na diviso social do trabalho. Logo, foi possvel ratificar

    que os processos e as prticas pedaggicas tambm so definidos em virtude das demandas da

    reproduo da base material.

    No quarto captulo apresenta-se o percurso de existncia da instituio de educao

    tecnolgica de grande tradio e reconhecimento na cidade de Joinville, uma vez que esta faz

    parte do recorte emprico da investigao realizada. O objetivo da construo deste captulo

    esteve em verificar como as alteraes no processo produtivo estiveram refletidas e expressas

    nos processos educacionais, j que os pressupostos que orientam esta tese defendem que a

    realidade s pode ser apreendida a partir da materialidade. Ficou claro que o surgimento da

    escola tcnica foi um fato decorrente das transformaes que o capital precisou enfrentar para

    se recompor e continuar a extrair a mais-valia naquele momento histrico, que requeria a

    melhora da qualificao dos seus empregados a fim de corresponder ao intenso processo de

    industrializao pelo qual passava o pas. Tambm ficou evidente que o desenvolvimento da

    indstria local sempre esteve vinculado diviso tcnica do trabalho que a partir do chip, na

    dcada de 70, foi internacionalmente orientada. Assim, em decorrncia de tais transformaes,

    que interferiram objetivamente no processo de qualificao da classe trabalhadora, surgiu o

    Instituto Superior Tupy e o seu curso de Engenharia de Fundio, cuja primeira turma graduou

    doze alunos dos quarenta que iniciaram o curso.

    No quinto e ltimo captulo apresenta-se a anlise das entrevistas com os egressos e

    demais engenheiros a fim de compreender a relao entre a formao e a insero dos

    engenheiros na atual fase de acumulao capitalista. Nele possvel verificar a assertividade

    das hipteses levantadas. Em razo da quantidade de informaes este foi estruturado em duas

    sees relativas s duas categorias de contedo que guiaram a elaborao desta tese por todo

    momento.

    Espera-se, pois, com o estudo realizado luz do materialismo histrico, ter colaborado

    para elucidar a relao entre a infra e a superestrutura na constante e insacivel acumulao de

  • 26

    mais-valia do modo de produo capitalista, motivo pelo qual se buscou desvelar os reais

    objetivos da formao do curso de engenharia de fundio da Tupy; a dimenso da formao

    comportamental e seus reflexos no desempenho da atividade profissional; a estrutura

    hierrquica da cadeia produtiva metalrgica a fim de verificar quais as condies e

    possibilidades de insero produtiva deste segmento de trabalhadores; e como tal categoria de

    trabalhadores apreende a realidade a partir das relaes sociais de produo.

  • 27

    CAPTULO I

    FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NO ATUAL CONTEXTO

    CAPITALISTA: UM OLHAR MATERIALISTA HISTRICO2

    Acompanhando a transferncia de

    tecnologia dos pases avanados para

    aqueles em desenvolvimento a transferncia

    de idias tambm ocorre. Essas idias

    guiam a poltica de desenvolvimento e, em

    menor medida, a sua crtica.

    ANDREW FEENBERG

    consenso entre as mais distintas reas de conhecimento que, a partir das trs ltimas

    dcadas do sculo XX, aps grave crise do modo de produo capitalista e o posterior advento

    do microchip, a organizao e gesto dos inmeros procedimentos relacionados existncia

    humana pautaram-se, cada vez mais, por processos informatizados e automatizados. Foram

    tantas as mudanas nesse contexto que ele recebeu a denominao de terceira revoluo

    tecnolgica. Sob tais circunstncias, as grandes indstrias produtoras de bens de consumo e as

    grandes empresas prestadoras de servios, a exemplo dos bancos, investiram fortemente em

    tecnologia3 para ganhar em termos de produtividade e atingir o objetivo principal: aumentar

    seus lucros. Aquelas que no atingiram a mesma capacidade tecnolgica, em geral, perderam as

    condies de disputar o mercado, e com isso, foram eliminadas da concorrncia global.

    Todavia, fundamental ter clareza que a tcnica, bem como a inovao, no exclusiva de um

    ou de outro modo de produo, mas decorrente das necessidades de superao dos limites

    fsicos no processo de humanizao. Porm, suas formas de desenvolvimento e utilizaes

    dependem da forma de organizao social, questo evidenciada no prximo captulo com a

    historicidade da engenharia.

    Sob os moldes do capital, o interesse empresarial pela cincia e sua aplicao em

    tecnologia cresceu vertiginosamente em razo de essas auxiliarem na obteno da mais-valia e,

    conseqentemente, pelas profisses ligadas produo de inovaes, motivo pelo qual, nos

    2 Como destacado na pgina 17, nota de rodap anterior, utiliza-se a expresso MATERIALISMO HISTRICO,

    suprimindo-se o termo DIALTICO. 3 Segundo Faria, O termo tecnologia tem sido usado para identificar mquinas e ou utilizao de novas mquinas

    no processo produtivo. Esta concepo evidentemente restrita, o que acaba prejudicando a interpretao e anlise

    dos problemas relativos aos efeitos da tecnologia sobre o processo de trabalho bem como o encaminhamento de

    solues. [...] A tecnologia deve ser entendida como um conjunto de conhecimentos aplicados a um determinado

    tipo de atividade. (FARIA, 1992, p.29). Como ser visto adiante, esses conhecimentos no so neutros, mas

    resultantes da ideologia capitalista e seus interesses de classe.

  • 28

    ltimos anos, diversos ramos de engenharia reafirmaram sua importncia e reconhecimento no

    processo produtivo capitalista. Porm, nem toda engenharia, independentemente do segmento

    de especializao, capaz de gerar inovaes tecnolgicas, fato reconhecido at mesmo pela

    prpria categoria profissional.

    Todavia, as razes pelas quais nem toda formao em engenharia alcana os patamares

    desejveis de preparao com o domnio do conhecimento cientfico para a produo de

    inovaes apresentam vrias divergncias e polmicas. Tratar essa questo controversa o

    objetivo deste primeiro captulo. Para tanto, busca-se esclarecer que o avano da engenharia,

    assim como de toda cincia e tecnologia, est relacionado, s relaes sociais de produo

    desenvolvidas por um coletivo em determinado contexto scio-histrico. Essas articulaes no

    so imediatas, mas dependem da insero na diviso social do trabalho de cada sociedade que,

    por sua vez, em funo do elevado grau de desenvolvimento cientfico alcanado pela

    humanidade, de carter internacional.

    Necessrio, portanto, evidenciar de maneira consistente a existncia de uma relao

    mediada por mltiplos fenmenos entre a formao e a insero dos engenheiros e a

    reproduo da base material numa articulao dialtica entre os aspectos econmicos, polticos

    e ideolgicos de uma organizao social. Buscou-se, ao longo do presente captulo, explicitar

    como tal relao manifesta-se neste referido binmio. Para tanto, so apresentados, na segunda

    seo, os fundamentos necessrios de acordo com o referencial terico-metodolgico que

    orienta esta tese, j explicitados na introduo.

    1.1 A ENGENHARIA E A CINCIA NO CAPITALISMO

    Ao longo dos sculos, a Engenharia no tem sido somente uma profisso de destaque,

    mas de paradoxos, pois se por um lado traz benefcios que possibilitam humanidade viver

    melhor e vencer dificuldades de vrias ordens, sobretudo as impostas pela prpria natureza, por

    outro, historicamente, engenha artefatos que contribuem com a classe proprietria dos meios de

    produo na dominao e represso poltico-ideolgica da classe trabalhadora.

    Do ponto de vista marxista, a anlise histrica da engenharia, tal como apresentada no

    Captulo II, evidencia a sua proximidade com as classes dominantes e, conseqentemente, o

    status scio-econmico dos seus profissionais. Embora se caracterize como uma categoria

    relativamente pequena quando comparada ao total da diviso tcnica e social do trabalho,

  • 29

    houve um aumento expressivo de cursos, de especialidades e do nmero de engenheiros nos

    ltimos anos, aspecto analisado ao longo desta tese. Esse fenmeno, entretanto, no retirou

    dessa profisso o seu prestgio social e nem apagou o imaginrio ttulo de doutor que recebem

    os bacharis de engenharia, mas trouxe outras mudanas expressivas na formao e insero no

    mercado de trabalho dessa categoria.

    Tornar-se engenheiro, porm, nunca foi uma tarefa simples, pois, independentemente de

    poca histrica, criar engenhosidades um ato que requer acmulo de conhecimentos, embora

    seja possvel afirmar que, por muitos sculos, isso tenha ocorrido de forma tcita. Porm, h

    muito, para alm da prtica, a formao em engenharia consiste num processo de aprendizagem

    que exige uma slida formao escolar e acmulo de conhecimentos na trajetria pessoal,

    fatores diretamente articulados s condies materiais de existncia e no somente ao interesse

    e ao gosto pela arte de engenhar. Assim, condio sine qua non para concluir a graduao em

    tal rea que o indivduo tenha adquirido o domnio da cincia bsica no decorrer da sua

    escolarizao para, posteriormente, assimilar os contedos inerentes e graduar-se.

    Todavia, o aprofundamento terico dos contedos e o grau das competncias tcnicas

    desenvolvidas no decorrer de um curso de engenharia transcendem as condies objetivas

    individuais dos graduandos. Dependem, sobremaneira, das relaes sociais estabelecidas para a

    reproduo material, as quais se manifestam no avano da cincia e da tecnologia, com seus

    diversos reflexos, em cada contexto scio-histrico.

    Do ponto de vista terico-metodolgico que orienta esta tese, essa condio tcnico-

    cientfica, por sua vez, est objetivada nos mecanismos e instrumentos disponveis para a

    reproduo da base material, ou seja, nas foras produtivas, as quais representam o somatrio

    do todo trabalho e conhecimento desenvolvidos por uma dada sociedade a partir de suas

    atividades prticas e que possibilitam estruturar de forma especfica a organizao de uma

    coletividade de indivduos. No por outro motivo que as foras produtivas, em termos de

    cientificidade, ganham expressiva eficcia de um modo de produo a outro, pois decorrem do

    aumento do grau de objetivao do conjunto de conhecimentos produzidos e sistematizados em

    mquinas e equipamentos, os quais contribuem para ampliar a produtividade quando

    comparados s formas anteriores4, uma vez que so resultantes do aprimoramento do trabalho

    4 Segundo Germer, no artigo Marx e o papel das foras produtivas na revoluo social, a expresso foras

    produtivas tem sido estigmatizada como um fator de determinismo tecnolgico. O autor esclarece que a

    referida categoria, de grande importncia e relevncia, tem sido reduzida a [...] enunciados simples, mecnicos e

    unilaterais. Para o autor, isso ocorre em razes de trs equvocos: [...] primeiro, por ser associado, pelos seus

    crticos, ao stalinismo; em segundo lugar, porque a defesa enftica da primazia das foras produtivas foi tema de

    uma obra inaugural do chamado marxismo analtico, corrente que, apesar do nome desvia-se decisivamente dos

    fundamentos filosficos do marxismo; finalmente, por ter sido desenvolvido polemicamente por Althusser e seus

  • 30

    humano:

    A natureza no constri mquinas nem locomotivas, ferrovias, telgrafos

    eltricos, fiadoras automticas etc. So estes produtos da indstria humana;

    material natural, transformado em rgos da vontade humana sobre a natureza

    ou de sua ao na natureza. So rgos do crebro humano criados pela mo

    humana; fora objetivada em conhecimento (MARX, 1985, p.230, grifo

    nosso).

    Porm, importa perceber que a tecnologia e a cincia alm de aspectos relevantes da

    infra-estrutura, so tambm aspectos da supra-estrutura, uma vez que como conhecimentos so

    produtos ideolgicos, prprios de um determinado contexto.

    A partir de tal compreenso, possvel afirmar que a cincia e a tecnologia so de

    carter transitrio, isto , mudam de acordo com as necessidades reais da forma de estruturao

    social vigente e predominante, o que no significa que ocorram mecanicamente, de forma

    linear, apenas com aspectos vantajosos e de melhorias aos seres vivos e ao planeta, ou em

    decorrncia do passar do tempo, mas conforme as demandas prticas que garantam a

    constituio scio-econmica hegemnica, conscientemente ou no, de um coletivo.

    Sob o mesmo enfoque, cabe ainda afirmar que, ao mesmo tempo em que o estgio

    alcanado pela cincia e a sua aplicao tecnolgica imprimem e reforam as relaes sociais

    de produo, em especial a diviso social e tcnica do trabalho, bem como suas formas de

    organizao e gesto, so tambm determinadas por elas5. No por outro motivo que nos

    ltimos sculos elas possuem caractersticas do modo de produo capitalista, ou seja,

    elaboradas e implementadas a fim de alcanar o principal objetivo deste, o acmulo de mais-

    valia, cuja nica maneira de ser obtida via a explorao da fora de trabalho daqueles

    desprovidos dos meios de produo.

    Nessa perspectiva entende-se que os diversos ramos da engenharia contempornea

    respondem s exigncias do capitalismo e desenvolvem-se marcadas pela constante busca de

    lucro. O mesmo acontece com todos os demais ramos de atividades, independentemente de

    prestarem trabalho simples ou complexo, produtivo ou improdutivo.

    seguidores. Estas circunstncias somam-se inegvel complexidade dos temas e ao fato de que Marx no dedicou

    uma obra especfica anlise de transies entre os modos de produo at o capitalismo. (GERMER, 2007) 5 Tal como mostrado por Marx no captulo da Maquinaria, a introduo da indstria fabril eliminou significativa

    parcela da produo manufatureira, que por sua vez havia substitudo a forma artesanal (e familiar), bem como

    proletarizou e urbanizou tais produtores, principalmente os produtores menores, assalariando-os. No final do

    sculo XX, o agrobusiness expulsou do campo trabalhadores rurais, inchando os centros urbanos e trazendo

    grandes problemas sociais e o putting-out, ou seja, trabalhadores que prestam servios para grandes indstrias em

    suas casas da forma mais precarizada possvel. Inegavelmente existem reaes dos trabalhadores.

  • 31

    Portanto, para entender a atual formao e a insero dos engenheiros preciso,

    sobretudo, a apreenso da dinmica do capital, um movimento dialtico entre a infra e a

    superestrutura, cuja compreenso s possvel com o resgate histrico do capitalismo e da

    diviso social do trabalho resultante desta movimentao.

    Essa retomada de acontecimentos ao longo da existncia humana capaz de elucidar

    que o acmulo de conhecimento articula-se diretamente ao poder poltico de uma sociedade e

    ao seu potencial de dominao sobre os demais, fenmeno que se acentuou a partir do incio do

    sistema capitalista. Nesse sentido, de acordo com a ideologia dessa forma hegemnica de

    organizao social no mundo contemporneo, o potencial tecnolgico considerado

    preponderante para o desenvolvimento da civilizao em todos os aspectos, motivo pelo qual as

    naes que desenvolvem pesquisas cientficas avanadas so consideradas as mais

    desenvolvidas, denominadas de pases centrais e industrializados6. As demais, a maioria, as

    quais dependem da produo tcnico-cientfica dos pases centrais, so conhecidas por pases

    perifricos. Esses ltimos, na medida de suas possibilidades so importadores de tecnologias,

    nem sempre de acordo com suas necessidades preponderantes por dois motivos: falta de

    recursos (financeiros, materiais, cientficos) e a disposio de liberalizao do conhecimento

    pelos pases centrais j que o conhecimento de ponta pode ser segredo industrial. Alm disso,

    preciso ter clareza de que [...] a dinmica convencional de explorao de conhecimento

    cientfico e tecnolgico liderada pelos pases centrais no contempla os interesses dos pases

    perifricos (DAGNINO, 2004. p.102), pois suas necessidades imediatas so bastante distintas.

    Dessa forma, embora as principais caractersticas das sociedades regidas pela lgica do

    capital sejam universais, e apesar de ser a forma predominante por todo globo terrestre no

    presente, isto , tanto nos pases centrais, como nos perifricos, suas estratgias, possibilidades

    e necessidades de organizao e gesto de reproduo da base material diferem entre as naes,

    pois dependem de diversos fatores, que se manifestam por meio do grau de desenvolvimento

    intelectual alcanado e objetivado nas suas foras de produo. No foi por outra razo que no

    incio, na fase concorrencial do capitalismo, final do sculo XVII e incio do XVIII, quando o

    comrcio e a navegao eram setores mais desenvolvidos do que a manufatura, A nao mais

    poderosa no mar, a Inglaterra, conservou a primazia no comrcio e na manufatura (MARX,

    ENGELS, 1998, p.68).

    Sculos mais tarde, aps a consagrao do capital, pela mesma razo, isto , potencial e

    6 Segundo artigo do economista Jeffrey Sachs publicado na Gazeta Mercantil em 30/07/2000, p.2, somente uma

    pequena parcela do globo terrestre, na qual vivem 15% da populao mundial, produz praticamente todas as

    inovaes tecnolgicas.

  • 32

    domnio cientfico, a partir do ps-guerra, os Estados Unidos, perante os pases devastados,

    desenvolveram as condies objetivas e se tornaram a mais importante potncia mundial:

    Eram o pas que exercia a liderana industrial, no s em termos quantitativos mas

    tambm qualitativos, no sentido de que o padro ou modelo industrial norte-americano

    nos aspectos tecnolgico e organizativo era o mais avanado. A superioridade

    econmica dos Estados Unidos apoiava-se em uma combinao de qualidades

    insuperveis em nvel mundial: possuam um gigantesco mercado, a mais apurada

    tecnologia, a maior disponibilidade de capital, a fora de trabalho mais qualificada e os

    gerentes mais eficientes. Paralelamente, o pas detinha absoluta superioridade

    monetrio-financeira [...] (GERMER, et al, 1994, p.7)

    Mandel denomina esta fase, ps-guerra, de capitalismo tardio e relata que, para atingir

    essa condio de pas hegemnico, os Estados Unidos aumentaram o investimento em

    pesquisas [...] de menos de 100 milhes de dlares em 1928 para cinco bilhes em 1953/54,

    12 bilhes em 1959, 14 bilhes em 1956 e 20,7 bilhes de dlares em 1970. Tais aumentos

    tornam inevitvel uma expanso no volume de inovaes [...] (MANDEL, 1985, p.181)

    A engenharia norte-americana desenvolveu-se de forma fantstica nesse perodo, em

    especial os ramos da aeronutica e da indstria militar. Com a reconstruo de vrios pases, o

    Japo e a Alemanha alcanaram nveis semelhantes em cincia e tecnologia. Os Estados

    Unidos, conseqentemente, perderam o status de potncia hegemnica do sistema capitalista.

    A Amrica Latina jamais alcanou o mesmo nvel de desenvolvimento cientfico e

    permanece na condio de dependente das inovaes dos pases centrais, apesar de todos os

    esforos para ajustar-se ao padro de reproduo desses. O captulo seguinte, com

    consideraes acerca do desenvolvimento histrico da engenharia, mostra que, apesar de toda a

    retrica acerca da importncia das inovaes, o Brasil continua na condio de pas importador

    de tecnologia.

    Todavia, por ser a cincia elaborada a partir do conjunto de conhecimentos

    sistematizados ao longo dos sculos, em linguagem especfica e com rigor metodolgico,

    precisa de indivduos devidamente qualificados e preparados para o trabalho complexo. Por tais

    motivos, os engenheiros gozam de grande prestgio junto comunidade empresarial, pois, em

    tese, possuem uma densa formao que os torna capazes de gerar inovaes, que, na atual fase

    de acumulao capitalista, so sinnimos de vantagens competitivas, essenciais para garantir a

    acumulao da mais valia, vital existncia do capital.

    Porm, tal como teorizado por Marx e Engels na Ideologia Alem, no somente a

  • 33

    relao entre as naes est condicionada a esse grau de desenvolvimento, como tambm as

    prprias relaes internas de uma sociedade, pois dele decorre a diviso social e tcnica do

    trabalho, j que ... cada novo estgio da diviso do trabalho determina, igualmente, as relaes

    dos indivduos entre si no tocante matria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho

    (MARX, ENGELS, 1998, p.12). Portanto, a engenharia desenvolvida por uma sociedade

    sempre o resultado da interao entre a cincia desenvolvida e as relaes sociais de produo,

    motivo pelo qual no a mesma em todos os pases existentes num mesmo momento histrico

    e tem o papel e perfil dos engenheiros alterados de acordo com as mudanas decorrentes das

    necessidades prticas.

    Importa destacar, entretanto, que nem sempre a cincia e a tecnologia foram

    sistematicamente aplicadas produo capitalista. De acordo com Braverman, a apropriao da

    cincia pelo capitalismo se deu a partir da inveno da mquina a vapor, pois at ento, [...] a

    cincia no estava estruturada diretamente pelo capitalismo e nem dominada pelas instituies

    capitalistas (BRAVERMAN, 1981, p. 138). Tal fenmeno acarretou grandes mudanas na

    produo de mercadorias e a cincia e a tecnologia foram cada vez mais direcionadas ao

    aumento da produtividade e ao acmulo da mais-valia. Corroborando com Braverman,

    Mandel7, afirma que a exacerbao da apropriao da cincia pelo capital ocorreu a partir da

    dcada de 40 do sculo XX como conseqncia da acentuao da concorrncia entre os

    capitalistas e das prprias contradies inerentes a esse processo de acumulao. Assim, tal

    como h muito Marx havia apontado ao estudar a dinmica do capitalismo, aps determinada

    fase de avano das foras produtivas dessa forma de organizao social [...] todas as cincias

    foram foradas a se colocar a servio do capital (MARX apud MANDEL, 1985, p.175)

    A compreenso dessa necessidade de apropriao da cincia e sua aplicao no processo

    produtivo condio essencial para perceber a relao entre a formao e a insero

    profissional dos trabalhadores como resultante do uso do conhecimento sob a lgica do capital.

    Neste sentido, tal como afirmado anteriormente, faz-se necessrio o resgate histrico da diviso

    social do trabalho a fim de compreender como o trabalho de carter social, para a satisfao das

    necessidades, transformou-se em trabalho especfico do modo de produo capitalista

    desenvolvido em funo de produzir a maior quantidade de mercadorias com o menor tempo de

    trabalho possvel, e, acima de tudo, obter os lucros extraordinrios, logo, a mais-valia.

    Porm, ao revolucionar continuamente seus mecanismos e mtodos de produo

    7 Segundo Mandel em O Capitalismo Tardio: A acelerao da inovao tecnolgica um corolrio da aplicao

    sistemtica da cincia produo. Embora tal aplicao tenha razes na lgica do modo de produo capitalista,

    esta no esteve de maneira alguma contnua e uniformemente entrelaada mesma, ao longo da histria desse

    modo de produo. (MANDEL, 1985, p.175).

  • 34

    recorrendo s inovaes tecnolgicas e, desta forma, investir em mquinas e equipamentos,

    acaba por diminuir a compra da fora de trabalho, uma conseqncia interessante e em certa

    medida vantajosa para o capitalista, j que consegue diminuir seus custos de produo.

    Entretanto, a diminuio da utilizao da fora de trabalho, resulta tambm em menos mais-

    valia, nico elemento capaz de gerar a mais-valia, motivo pelo qual o capitalista procura

    revolucionar continuamente seus mecanismos e mtodos de produo para amenizar os efeitos

    dessa contradio.

    Isso exigiu, e continua exigir, vrias e intensas mudanas na organizao e gesto do

    seu processo de trabalho e na conformao e adaptao da classe trabalhadora, inclusive

    daqueles altamente qualificados como os engenheiros.

    No entanto, para que seja possvel a percepo da realidade sob a forma social do

    capital preciso estar ciente das bases que a aliceram. Por tal motivo, a prxima seo

    apresenta alguns dos fundamentos essenciais para a apreenso da constituio e da reproduo

    capitalista. Isto se faz necessrio porque a passagem do concreto imediato para o concreto

    pensado s possvel por meio da interveno terica, condio indispensvel para a real

    compreenso da gnese do mundo contemporneo e, portanto, da formao e insero dos

    engenheiros na atual fase de acumulao.

    1.2 OS FUNDAMENTOS PARA A APREENSO DO TEMA

    Como foi abordado at aqui, existe uma relao, embora no imediata, mas mediada,

    entre o desenvolvimento da cincia e a forma de organizao de um determinado coletivo. A

    construo dessa articulao pode ser consciente ou no, mas sempre social. Muitas so as

    justificativas e tentativas de explicaes para tal fenmeno. Dentre todas, optou-se pelo

    marxismo pelas razes j expostas.

    Marx, ao longo de sua vida, dedicou-se a estudar as relaes sociais sob a organizao

    social do capital e desvendou que a mercadoria, forma elementar da riqueza no capitalismo,

    possui um carter fetichista que encobre a essncia predatria desse modo de produo ao

    impossibilitar a percepo de que o trabalho social transformado em trabalho alienado, que

    enriquece o proprietrio dos meios de produo na razo direta em que reduz a dimenso

  • 35

    humana do trabalhador8.

    A fim de esclarecer sistematicamente que esse modelo social impossibilita a existncia

    humana na sua plenitude, recorrendo abstrao, demonstrou que uma mercadoria no

    capitalismo constitui uma relao social, mas que s interessa se possuir tanto valor de uso

    como valor de troca, pois no ato da troca que o capitalista se apropria da parte de trabalho

    realizada pelo operrio que no foi devidamente pago. Chamou este fenmeno de mais-valia e

    mostrou que esta o nico elemento capaz de valorizar o capital.

    Para tanto, em O Capital, Marx percorreu um longo caminho analtico para desvelar que

    a luta dos capitalistas para conseguir o aumento da mais-valia no se limita a simplesmente

    comprar a fora de trabalho abaixo do seu valor9; tampouco possvel simplesmente aumentar

    a jornada de trabalho, porque h um limite que no pode ser ultrapassado, pois no h como

    impedir a exausto e o desgaste fsico do trabalhador. Demonstrou, ento, que se faz

    imprescindvel aumentar a fora produtiva do trabalho, isto , criar alteraes no processo de

    produo de mercadorias que possibilitem a reduo do tempo de trabalho socialmente

    necessrio. Como resultado, mesmo que no planejado, reduz-se o valor da fora de trabalho

    dos ramos que constituem os meios de subsistncia do trabalhador e, desta forma, diminui-se o

    salrio e o acmulo de mais-valia obtido.

    Assim, Marx preocupou-se em diferenciar a mais-valia absoluta da mais-valia

    relativa. A primeira justamente por ser obtida por meio do prolongamento da jornada de

    trabalho, tal como afirmado acima: inviabiliza-se pela existncia de limitao do dispndio de

    energia pelo organismo do trabalhador, quer execute trabalho simples ou altamente qualificado;

    portanto, tornou-se insuficiente perante a crescente concorrncia capitalista. A segunda, relativa

    aos dois componentes da jornada de trabalho, trabalho necessrio e mais-trabalho, consiste na

    reduo do primeiro, isto , do tempo de trabalho social necessrio, o qual diminui na razo

    direta do desenvolvimento da fora produtiva do trabalho, enquanto o valor das mercadorias cai

    na razo inversa do seu desenvolvimento:

    O desenvolvimento da fora produtiva do trabalho, no seio da produo

    capitalista, tem por finalidade encurtar a parte da jornada de trabalho na qual o

    trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para prolongar a outra

    8 Para Marx o trabalho humano possui uma dimenso ontolgica: Antes de tudo o trabalho um processo entre o

    homem e a natureza [...](MARX, 1998, p. 142). Porm, ao explicar sobre Processo de Trabalho e Processo de

    Valorizao. Esclarece que esta uma forma genrica, insuficiente para compreender a forma social do capital e

    seus elementos constitutivos. 9 De acordo com os pressupostos marxistas, entende-se o valor da fora de trabalho como aquele capaz de garantir

    os meios de subsistncia necessrios para o trabalhador manter sua existncia e de sua famlia.

  • 36

    parte da jornada de trabalho durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o

    capitalista. (MARX, 1988, v.1, p.243)

    Assim, para demonstrar a necessidade do capitalismo para alm da obteno da mais-

    valia absoluta, Marx, a partir do Captulo XI, analisou as fases de organizao e gesto do

    processo de trabalho iniciando pela sua forma mais simples: a cooperao. Nela, a extrao da

    mais-valia ocorria pelo fato do capitalista reunir muitos trabalhadores a fim organizar a

    produo e obter aumento de produtos [...] numa escala quantitativa maior que antes

    (MARX, 1988, v.1, p.244).

    Embora o objetivo de Marx no estivesse em analisar os processos de organizao e

    gesto do trabalho, valeu-se de tal prerrogativa para demonstrar que o capital criou formas para

    manter o seu movimento incessante de acumulao. Assim, ao procurar produzir cada vez

    maior quantidade de mercadorias com o menor tempo possvel, diminuiu continuamente o

    tempo de trabalho socialmente necessrio e, conseqentemente, o valor da prpria fora de

    trabalho que, como qualquer outra mercadoria, [...] determinado pelo tempo de trabalho

    necessrio produo, portanto tambm reproduo desse artigo especfico (MARX, 1988,

    v.1, p.137). Isso aconteceu no somente na medida em que melhorou as foras produtivas

    existentes, mas tambm porque paralelamente ampliou os mtodos de controle e a explorao

    da classe trabalhadora10.

    Esse barateamento da fora de trabalho no excluiu os trabalhadores que exercem

    trabalho complexo; muito pelo contrrio, pois so estes os mais dispendiosos. A esse respeito,

    Rubin (1980) esclarece que a produo de mercadorias tem dois tipos de trabalho: simples e

    qualificado. Para o autor, o primeiro consiste na capacidade fsica inerente a todos os

    indivduos, sem a necessidade de educao especial. O segundo, o trabalho qualificado,

    complexo, requer uma aprendizagem mais longa ou profissional (RUBIN, 1980, p.176) e,

    portanto, se expressa de duas formas no maior valor dos produtos produzidos pelo trabalho

    qualificado e no maior valor da fora de trabalho qualificada (ibidem)

    Por tal motivo, necessrio apreender esse fenmeno de barateamento e enxugamento

    dos salrios como uma construo scio-histrica para compreender o papel da cincia no

    10

    Enquanto valor, a prpria fora de trabalho representa apenas determinado quantum, de trabalho social mdio

    nela objetivado. A fora de trabalho s existe como disposio do indivduo vivo. Sua produo pressupe,

    portanto, a existncia dele. Dada a existncia do indivduo, a produo da fora de trabalho consiste em sua

    prpria reproduo ou manuteno. Para sua manuteno o indivduo vivo precisa de certa soma de meios de

    subsistncia. O tempo necessrio produo da fora de trabalho, corresponde, portanto, ao tempo de trabalho

    necessrio produo desses meios de subsistncia ou o valor da fora de trabalho o valor dos meios de

    subsistncia necessrios manuteno do seu possuidor (MARX, 1988, v.1, p.137)

  • 37

    capitalismo e, conseqentemente, a formao e a insero dos engenheiros ao longo de tal

    lgica, uma dinmica iniciada h muito e ainda no terminada.

    Nesse desenvolvimento histrico, a primeira fase do capitalismo, isto , na cooperao,

    caracterizada pelo fato de diversos trabalhadores sob o comando de um detentor de capital,

    principiou a diviso do trabalho com base no processo produtivo. Na aparncia imediata no

    houve, em geral, modificao substantiva no modo de trabalho do indivduo que utilizava suas

    ferramentas para realizar seu trabalho manual e ainda possua as condies de controle

    intelectual da mercadoria que produzia. Porm, numa anlise mais apurada, percebem-se

    mudanas qualitativas11, pois o gerenciamento do capitalista do trabalho coletivo para

    aproveitar melhor os meios de produo, possibilitou diminuir a mdia de trabalho socialmente

    necessrio uma vez que

    ... 1 dzia de pessoas juntas, numa jornada simultnea de 144, proporciona um

    produto global muito maior do que 12 trabalhadores isolados ... Isso resulta do

    fato de que o homem , por natureza, se no um animal poltico, como acha

    Aristteles, em todo caso um animal social. (MARX, 1988, v.1, p.247)

    Portanto, ao conduzir as atividades na busca do aumento da produtividade sem o aumento

    da jornada, houve o aumento da frao de trabalho excedente, no pago, com o mesmo nmero

    de horas trabalhadas. Neste mesmo processo, planejamento de controle da produo de

    mercadorias pelo capitalista, foi dado o primeiro passo no sentido da desqualificao tcnica

    do trabalhador, fator que posteriormente possibilitou a diminuio da necessidade de

    preparao tcnica de mesmo nvel para todos pelo fato de cindir a unidade do trabalho que

    composta por atividades manuais e intelectuais. Todavia, o que o processo de trabalho perdeu

    em razo dessa ciso, foi compensada, pois

    A associao dos trabalhadores cria a fora coletiva de trabalho, que por sua

    vez, aumenta o rendimento individual, por promover uma adio capacidade

    do trabalho de cada indivduo. Como resultado potencializa o trabalho obtido

    num mesmo tempo, expande a produo de mercadorias e a qualidade do

    trabalho realizado, amplia a fora produtiva e viabiliza maior trabalho

    excedente. (SILVA, 2005, p.74)

    A constante, porm, insacivel necessidade de valorizao do capital levou busca do

    11

    Nas palavras de Marx: De incio a diferena , portanto, meramente quantitativa (MARX, 1988, v.1, p.244).

    Cabe lembrar que existem duas formas de cooperao: a cooperao simples, em que todos fazem o mesmo, isto ,

    no h diviso do trabalho; e a cooperao com diviso do trabalho, que a manufatura desenvolvida. A

    cooperao, como categoria geral, a base da produo de mais-valia relativa.

  • 38

    aumento de produtividade e, em conseqncia, a novas formas de organizao e gesto do

    processo de trabalho. Surge, ento, a manufatura, a qual requer a decomposio de determinada

    atividade em suas diversas operaes parciais12

    . Logo, o revolucionamento do processo de

    trabalho na manufatura tem como ponto de partida a fora de trabalho. Assim, por executar

    apenas uma operao simples o trabalhador transforma todo seu corpo em rgo automtico

    unilateral dessa operao e, portanto, necessita para ela menos tempo que o artfice, que

    executa alternadamente toda uma srie de operaes. (MARX, 1988, v.1, p.256). Por outro

    lado, a repetio contnua da mesma ao limitada, bem como a concentrao de ateno,

    ensina o trabalhador a atingir o efeito til com o mnimo de esforo. A diviso manufatureira

    possibilita o aumento da produtividade do trabalho, a qual [...] depende no s da virtuosidade

    do trabalhador, mas tambm da perfeio de suas ferramentas (MARX, 1988, v.1, p.257).

    Marx explica que foi durante a manufatura, forma especfica do modo de produo

    capitalista em busca do aumento de lucro e produtividade, que as ferramentas de trabalho foram

    aperfeioadas, o que mais tarde possibilitou o surgimento da grande indstria, movida pela

    maquinaria. Porm, essa nova forma de organizao do trabalho, de carter parcelado,

    exacerbou a separao entre as atividades intelectuais e manuais. Em decorrncia, acentuou a

    diferena entre os trabalhadores mais qualificados e os menos qualificados, ao mesmo tempo

    em que trouxe a eliminao ou a reduo dos custos para com o processo de aprendizagem e

    em conseqncia uma proporcional desvalorizao relativa da fora de trabalho:

    Como forma especificamente capitalista do processo de produo social e sob

    as bases preexistentes ela no podia desenvolver-se de outra forma, a no ser na

    capitalista apenas um mtodo especial de produzir mais-valia relativa ou

    aumentar a autovalorizao do capital o que se denomina riqueza social

    custa dos trabalhadores (MARX, 1988, v.1, p.273, grifo nosso)

    Com a separao formal entre as atividades intelectuais e manuais houve tambm a

    hierarquizao da fora de trabalho. A aptido para o trabalho dos indivduos passou a ser

    considerada de acordo com uma escala de referncias que os classifica de hbeis a inbeis. Os

    primeiros recebem preparo para o desempenho de sua atividade profissional e desenvolvem

    alguma forma de habilidade especial, o que demanda custos de aprendizagem. Os segundos

    limitam-se a funes fragmentadas, cuja execuo no requer preparao formal e por isso no

    12

    De acordo com Marx, a manufatura: introduziu a diviso do trabalho e a desenvolve mais do que na cooperao

    na cooperao simples; combina ofcios anteriormente separados; pode ser composta ou simples; todavia, depende

    da fora, habilidade, rapidez e segurana do trabalhador individual no manejo de seu instrumento de trabalho; cada

    trabalhador executa uma funo parcial, perdendo a noo do processo cientfico da produo.

  • 39

    h custos. Todavia, mesmo para os considerados hbeis o custo tornou-se cada vez menor uma

    vez que a partir da diviso manufatureira as atividades foram cada vez mais simplificadas. Os

    maiores salrios so pagos queles cuja preparao da fora de trabalho demandou maior

    tempo e maior quantidade de dinheiro, o equivalente geral de todas as mercadorias. Entretanto,

    mesmo os mais hbeis sofreram prejuzos em relao ao processo de aprendizagem, pois

    No caso do trabalhador manual eliminada grande parte da atividade

    intelectual, enquanto para o trabalhador intelectual eliminada grande parte da

    atividade prtica. O parcelamento do trabalho que ata o trabalhador a uma nica

    operao durante a vida inteira reduz, em abrangncia, sua capacidade de

    trabalho e transforma seu corpo em rgo especializado dessa operao.

    (SILVA, 2005, p.83)

    Desta forma, alm de aumentar a produtividade e, portanto, aumentar a quantidade

    produzida com me