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ZINARA MARCET DE ANDRADE NASCIMENTO
FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE
ACUMULAO DO CAPITAL:
O CASO TUPY-SOCIESC
CURITIBA
2008
2
ZINARA MARCET DE ANDRADE NASCIMENTO
FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE
ACUMULAO DO CAPITAL:
O CASO TUPY-SOCIESC
CURITIBA
2008
Tese apresentada como requisito parcial
obteno do grau de Doutor, no Programa
de Ps-Graduao em Educao Linha
de Pesquisa Mudanas no Mundo do
Trabalho, Universidade Federal do Paran
Orientadora: Profa. Dra. Noela Invernizzi
3
4
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos primeiros Professora Doutora Noela Invernizzi, minha
orientadora, pelas sugestes, crticas, provocaes nesta construo.
Aos membros da Banca de Qualificao que em muito contriburam com possveis
direes para a concluso deste trabalho.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFPR que
oportunizaram meu crescimento acadmico, em especial s Professoras Doutoras Accia
Kuenzer e Lgia Klein.
Professora Doutora Jussara Maria Tavares Puglielli Santos por ter-me encorajado a
participar do processo de seleo do doutorado.
Aos colegas Paulo Perna e Jane Drewinski por pacientemente ouvirem minhas
inquietaes e pelas horas de estudos realizadas em conjunto.
CAPES pela bolsa de estudo concedida.
s funcionrias da secretaria do Programa de Ps-Graduao em Educao pelas
inmeras gentilezas.
Aos egressos do curso de Engenharia de Fundio e demais engenheiros que
concederam as entrevistas necessrias
Aos colegas do IST pelo incentivo e entusiasmo com o tema investigado, especialmente
ao colega Joo B. L. Ghizoni pela reviso dos textos.
Senhora Linda e sua filha Glaci que gentilmente me hospedaram em Joinville no
decorrer da pesquisa de campo.
Ao Claus Germer pelo incentivo e ateno.
Aos meus familiares por aceitarem minhas ausncias.
5
RESUMO
No atual contexto scio-histrico, em que significativa parcela do processo produtivo tem por
base a microeletrnica, a engenharia considerada pelos empresrios como a protagonista do
desenvolvimento scio-econmico. Diante dessa realidade, houve expressivo aumento no
nmero de cursos e de egressos de engenharia. Entretanto, a mdia divulga constantemente a
falta de engenheiros. A partir dessas questes, a presente investigao tem como objetivo
compreender a relao entre a formao e a insero dos engenheiros na atual fase de
acumulao capitalista, marcada por aspectos contraditrios. Nessa perspectiva, percebe-se que
h um descompasso entre o estgio vigente de desenvolvimento da cincia e da tecnologia e a
flexibilizao das diretrizes curriculares dos cursos de engenharia, bem como entre o discurso
oficial acerca da relevncia da profisso e a insero no mercado formal de trabalho de seus
profissionais. Para melhor compreender as questes levantadas, alm de uma ampla pesquisa
bibliogrfica, foram realizadas entrevistas, com roteiros semi-estruturados, com a primeira
turma do curso de Engenharia de Fundio, nico no Brasil, ofertado por uma instituio
tradicional de ensino tecnolgico em uma rea eminentemente industrial no interior do Estado
de Santa Catarina. Foram entrevistados tambm engenheiros de indstrias da regio e de duas
entidades de classe. Com a mesma finalidade foram analisadas as reformas educacionais e as
respectivas polticas institudas para os cursos de engenharia, assim como seus reflexos no
processo de ensino-aprendizagem dessa graduao. Como aporte terico, a presente pesquisa
segue o referencial marxista por entender que seus fundamentos so essenciais para a
compreenso da dinmica de valorizao do capital, bem como as necessidades de organizao
e gesto do trabalho na atual fase de acumulao de mais-valia. A partir de tal referencial
possvel entender os motivos pelos quais houve a incorporao dos princpios relativos ao lema
Aprender a Aprender no processo de ensino-aprendizagem das engenharias. A pesquisa
emprica, respaldada pela literatura crtica, evidencia que a formao do engenheiro passa por
uma forte integrao tcnica e comportamental, assim como reafirma que o xito na profisso
requer muito mais do que as Competncias da Modernidade enfatizadas pelo discurso
hegemnico, exigindo do engenheiro a capacidade de articular os conhecimentos empricos,
tecnolgicos e cientficos de sua rea de conhecimento, bem como buscar conhecimentos
tericos de outras reas, em especial de Gesto. Conclui-se que a suposta insuficincia de
engenheiros no est diretamente atrelada ao nmero de egressos, mas, principalmente,
poltica educacional vigente que permitiu a expanso dos cursos de engenharia sem o devido
cuidado com a qualidade das graduaes e com o nvel dos profissionais que se formam em
engenharia, porm, de acordo com a tradio do pas de dependente de inovaes tecnolgicas.
Palavras-Chave: Formao de Engenharia; Insero Profissional; Educao Tecnolgica;
Aprender a Aprender; Acumulao Capitalista; Inovao Tecnolgica
6
ABSTRACT
In the current socio-historic context, in which significant part of the productive process has
microelectronics as a basis, engineering is considered by entrepreneurs as the protagonist of
the socio-economic development. In face of this reality, there was an expressive increase in
the number of courses as well as in the number of graduated students of engineering.
However, the media often informs us of the constant lack of engineers. Having these
questions as a starting point, this investigation has as a main aim to understand the relation
between the formation of the engineers and their insertion in the labor market in the present
stage of capitalist accumulation, marked by contradictory aspects. From this perspective, it is
possible to notice some irregularities between the present phase of scientific and
technological development and the making of the engineering curricula more flexible, as well
as between the official discourse about the importance of the profession and the insertion of
the engineers in the labor market. To better understand the issues raised here, in addition to
ample bibliographical research, several interviews were carried out, using semi-structured
guidelines, with the first group that majored in foundry engineering, the only one in Brazil,
offered by a traditional institution in technological teaching in an eminently industrial area in
the state of Santa Catarina. Engineers from industries of the region were also interviewed, as
well as some from class corporations. With the same intent the educational reforms and their
respective policies for engineering courses were analyzed, as well as their reflections in the
process of teaching-learning in that course. As a theoretical basis this dissertation follows the
Marxist references believing that its foundations are crucial to the comprehension of the
dynamics of capital estimation, as well as the needs of organization and management of work
in the present stage of more-value accumulation. Considering this referent a starting point it
is possible to understand the reasons why there was an incorporation of the principles relating
to the motto Learning to Learn in the teaching-learning process of engineering. The
empirical research, based on critical literature, proved that the formation of the engineer is
undergoing a strong technical and behavioral integration, and reassures that success in the job
requires much more than the Competencies for Modernity emphasized by the hegemonic
discourse, demanding from the engineer the ability not only to articulate the empirical,
technological and scientific knowledge in their area of studies, but also to search for
theoretical knowledge in other areas, especially in management. The conclusion to which one
comes is that the alleged lack of engineers is not directly related to the number of people who
finish their undergraduate engineering courses, but mainly to the present educational policy,
which allowed the expansion of the engineering courses without the appropriate attention to
their quality, although according to the tradition of the country, which is dependent on
technological innovations.
Key words: Engineering formation; labor market insertion; technological education; learning
to learn; capitalist accumulation; technological innovation
7
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Crescimento do Nmero de Cursos de Engenharia. ........................................79
FIGURA 2 Crescimento das Modalidades de Engenharia no Brasil .................................81
FIGURA 3 Dispndio das Atividades Inovadoras no Brasil 2000/2003 ............................83
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Principais Atividades de Mecatrnica ............................................................... 53
QUADRO 2 Formao para a atuao em Mecatrnica ............................................................54
QUADRO 3 Competncias para o Profissional .......................................................................115
9
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Distribuio Institucional dos Cientistas e Engenheiros no Brasil e nos EUA......85
TABELA 2 Empresas no Brasil por Nmero de Funcionrios e Engenheiros ..........................89
TABELA 3 Empresas Empregadoras de Engenheiros .............................................................91
TABELA 4 Faixa Etria dos Engenheiros no Brasil em 2005 ..................................................92
TABELA 5 Ramos da Engenharia e Respectivos Engenheiros Empregados .................................93
TABELA 6 Distribuio das IES, Cursos e Matrculas Brasil 1996 a 2004 ...............................111
TABELA 7 Analfabetos no Brasil de 1940 A 1960................................................................152
TABELA 8 Tempo de Empresa e Atividade e Idade dos Egressos Entrevistados ...............206
TABELA 9 Escolarizao dos Funcionrios da Tupy Fundies .........................................207
TABELA 10 Percurso Escolar dos Egressos e Incio da Vida de Trabalhador.....................225
TABELA 11 Demais Engenheiros Entrevistados ..................................................................239
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AJORPEME Associao Joinville e Regio da Pequena, Micro e Mdia Empresa
ANET Associao Nacional de Educao Tecnolgica
BVQI BUREAU VERITAS QUALITY INTERNATIONAL
CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CEAG Curso de Especializao em Administrao para Graduandos
CES Cmara de Educao Superior
CEFET Centro Federal de Educao Tecnolgica
CIEE Centro de Integrao Empresa Escola
CMPJ Centro de Mecnica de Preciso de Joinville
CNE Conselho Nacional de Educao
CNI Confederao Nacional da Indstria
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
COBENGE Congresso Brasileiro de Ensino de Engenharia
CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CUT Central nica dos trabalhadores
DIEESE Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos
EMBRACO Empresa Brasileira de Compressores S.A.
ENADE Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
ETT Escola Tcnica Tupy
FATECS Faculdades de Tecnlogos
FGV Fundao Getlio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FISENGE Federao Interestadual de Sindicatos de Engenheiros
IBM Internacional Business Machine
ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Prestao de Servios
IEL Instituto Euvaldo Lodi
IES Instituio de Ensino Superior
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IST Instituto Superior Tupy
ITA Instituto Tecnolgico de Engenharia
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MBA Master Business Administration
MEC Ministrio da Educao
OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
PAC Poltica de Acelerao do Crescimento
PEA Populao Economicamente Ativa
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PED Programa Estratgico de Desenvolvimento
PL Projeto de Lei
PIB Produto Interno Bruto
PINTEC Pesquisa de Inovao Tecnolgica
RAIS Relao Anual de Informaes Sociais
SAI Servio de Avaliao Institucional
SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
11
SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SESU Secretaria do Educao Superior
SOCIESC Sociedade Educacional de Santa Catarina
TCC Trabalho de Concluso de Curso
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
USP Universidade de So Paulo
12
SUMRIO
INTRODUO ....................................................................................................................... 15
CAPTULO I
FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NO ATUAL CONTEXTO
CAPITALISTA: UM OLHAR MATERIALISTA HISTRICO ....................................... 27
1.1 A ENGENHARIA E A CINCIA NO CAPITALISMO ................................................... 28
1.2 OS FUNDAMENTOS PARA A APREENSO DO TEMA .............................................34
1.3 CONSEQNCIAS DA APROPRIAO DA CINCIA PELO CAPITAL PARA OS
TRABALHADORES, EM ESPECIAL PARA OS ENGENHEIROS .................................... 42
1.4 CONCLUSES ................................................................................................................... 59
CAPTULO II
DO ENGENHEIRO-ARTISTA AO ENGENHEIRO DA ATUAL FASE DE
ACUMULAO CAPITALISTA ........................................................................................ 61
2.1 PRIMEIROS TEMPOS ..................................................................................................... 62
2.2 A FORMAO E A INSERO DOS ENGENHEIROS NO BRASIL .........................70
2.3 O PAPEL E O PERFIL DO ENGENHEIRO NA ATUAL FASE DE ACUMULAO DO CAPITAL ................................................................................................................... 82
2.4 ALGUNS ASPECTOS DO MERCADO DE TRABALHO DO ENGENHEIRO
BRASILEIRO NA ATUALIDADE .........................................................................................88
2.5 CONCLUSES .................................................................................................................. 99
CAPTULO III
A FLEXIBILIZAO DO ENSINO DE ENGENHARIA: POLTICAS E DIRETRIZES .................................................................................................................................................. 102
3.1 O CONTEXTO DAS MUDANAS NA POLTICA EDUCACIONAL: A SOCIEDADE
DO CONHECIMENTO ...........................................................................................................103
3.2 O APRENDER A APRENDER: SUAS RAZES DE SER ..........................................1114
13
3.3 BREVES CONSIDERAES SOBRE OS PRINCIPAIS TERICOS EM TEMPOS DE
APRENDER A APRENDER .................................................................................................. 119
3.4 AS POLTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO
ANALISADO ...........................................................................................................................121
3.5 A LEGISLAO ESPECFICA DOS CURSOS DE ENGENHARIA ...........................125
3.6 A NOVA FORMAO PARA O NOVO PERFIL: O APRENDER A APRENDER NO
ENSINO DE ENGENHARIA ..................................................................................................129
3.7 CONCLUSES ................................................................................................................. 140
CAPTULO IV
DA ESCOLA TCNICA TUPY AO INSTITUTO SUPERIOR TUPY E SUA
ENGENHARIA DE FUNDIO ........................................................................................143
4.1 A ESCOLA TCNICA TUPY: SURGIMENTO E CONCEPES .............................145
4.1.1 A Escola Tcnica Tupy: crescimento e consolidao .................................................... 151
4.2 O CONTEXTO DE NASCIMENTO DO INSTITUTO SUPERIOR TUPY E SUA
EXPANSO ...........................................................................................................................162
4.3 O CURSO DE ENGENHARIA DE FUNDIO ..........................................................174
4.3.1 A Concepo, a misso e os objetivos do curso de Engenharia de Fundio ................ 177
4.3.2 As disciplinas que compem a grade curricular ..............................................................181
4.3.3 A adequao da metodologia de ensino concepo do curso e a filosofia do IST .....186
4 CONCLUSES ...................................................................................................................189
14
CAPTULO V
A FORMAO E A INSERO DOS ENGENHEIROS NA ATUAL FASE DE
ACUMULAO DO CAPITAL .........................................................................................191
5.1 A CONFORMAO DOS OPERRIOS JOINVILLENSES: A CLASSE EM SI......195
5.2 A ATUAL ATIVIDADE PROFISSIONAL DOS EGRESSOS .......................................204
5.3 O PROCESSO DE GRADUAO DOS EGRESSOS .....................................................224
5.4 AS PERCEPES DOS DEMAIS ENGENHEIROS ENTREVISTADOS ACERCA DO
TEMA INVESTIGADO...........................................................................................................238
5.5 CONCLUSES .................................................................................................................246
CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................250
REFERNCIAS ...................................................................................................................265
ANEXOS ................................................................................................................................ 277
15
INTRODUO
A educao tecnolgica, em especial a de nvel superior, h muito pauta de grandes
debates e reflexes, pois alm de ser considerada fonte de progresso econmico e social,
sempre despertou grande interesse ao mundo empresarial capitalista pelo fato de propiciar
inovaes que permitem a acumulao da mais-valia, logo, vantagens competitivas. Isso ocorre
porque a incorporao constante da cincia e da tecnologia produo de mercadorias constitui
um dos aspectos peculiares do modo de produo capitalista que, para sobreviver, necessita
revolucionar seus mtodos e seus instrumentos de produo de mercadorias em prol da
valorizao incessante do capital.
Portanto, mais do que nunca, num momento em que acumulao de mais-valia requerer
mudanas rpidas e constantes no processo produtivo e, conseqentemente, nas relaes
sociais, possuir conhecimento que viabilize a tecnologia mais avanada sinnimo de
diferencial mercadolgico, ou seja, fator de sobrevivncia perante o acirramento da
competitividade global.
Assim sendo, os profissionais devidamente qualificados em um dos ramos tcnico-
cientficos, isto , aqueles capazes contribuir de alguma forma com a produo de
conhecimento novo e lucrativo, colaborando com a acumulao capitalista, costumam
encontrar maior facilidade para inserir-se produtivamente na sociedade; em geral, recebem
bons salrios e alcanam condies sociais acima da mdia dos trabalhadores. Como
conseqncia, o ensino de carter tcnico-cientfico superior tido pelo senso comum como
algo imanentemente positivo, relacionado a uma viso triunfalista e neutra da cincia,
tornando-se um elemento precioso na constante e insacivel valorizao do capital.
Neste contexto, insere-se a graduao em engenharia. Como segmento do ensino
superior, os cursos de engenharia esto sujeitos s polticas educacionais, com suas limitaes e
contradies. Ao mesmo tempo, como rea de conhecimento especfico, possui
particularidades; porm, em ambos os casos, subordinada lgica capitalista, motivo pelo qual
compreend-la requer a apreenso da dinmica do capital, na qual a produo da vida social
ocorre por meio da produo de mercadorias, um processo complexo e repleto de aspectos
contraditrios.
Nesta tese parte-se do pressuposto que a importncia atribuda a esta profisso em face
da necessidade de inovaes em busca do lucro num contexto marcado pela produo de
mercadorias com base em processos automatizados, com elevado grau de desenvolvimento da
16
microeletrnica nos processos de trabalho e gesto, foi um dos motivos que incentivaram o
significativo aumento da oferta de cursos e do nmero de egressos em engenharia nos ltimos
anos. Entretanto, mais do que levantar dados acerca do crescimento dos cursos de engenharia
preciso investigar em que medida a graduao em engenharia propicia uma qualificao
profissional condizente com o atual estgio de desenvolvimento da cincia e tecnologia, bem
como se h a correspondente possibilidade de insero profissional e equivalncia salarial da
referida categoria, haja vista as notcias veiculadas pela mdia nacional que propagam a
dificuldade de preencher as vagas nas indstrias em razo da falta de fora de trabalho
qualificada e, nos ltimos meses, a falta de engenheiros em virtude do Plano de Acelerao de
Crescimento do atual governo federal e do aquecimento econmico por que passa o pas.
Assim, apesar do crescimento dos cursos de graduao em engenharia, existe uma
insistente urgncia do empresariado nacional em aumentar ainda mais o nmero de engenheiros
graduados no pas em funo da relevncia da referida profisso para alcanar o desejado grau
de desenvolvimento scio-econmico contemporneo.
Contudo, contraditoriamente ao avano da cincia e da tecnologia, alm da anunciada
falta de trabalhadores devidamente qualificados, so inmeras as crticas acerca da questo
educacional que apontam a precarizao do ensino em todos os seus nveis no Brasil. No que
diz respeito aos estudos relativos aos problemas do ensino superior, do ponto de vista
acadmico pode-se citar BAUER (2006), CASTRO (2002), GISI (2000), SAVIANI (1984)
SCHWARTZMAN (2002) e muitos outros, que abordam vrias questes inerentes s
problemticas do assunto independentemente da rea de conhecimento. A partir das reflexes e
contribuies de tais autores possvel perceber que mesmo as profisses tradicionais, como a
engenharia, aps a reforma da educao dos anos 90, passaram por grandes mudanas. A
referida reforma teve como objetivo regulamentar a constituio do novo perfil da fora de
trabalho em virtude das novas formas de organizao e gesto do trabalho para satisfazer a
eterna necessidade de acumulao do capital. De acordo com as anlises crticas, foi instaurada
uma nova poltica educacional, vigente, regulamentada em tempos de neoliberalismo e ps-
modernidade, que teve como principal objetivo viabilizar a qualificao de um novo perfil de
trabalhador, diferente do modelo anterior, conhecido como taylorista/fordista,
independentemente do ramo. As mudanas na organizao e gesto do trabalho exigiram fora
de trabalho multifuncional, mais criativa, com habilidades de comunicao interpessoal e
trabalho em equipe, capacidade de liderana, enfim, apta a realizar com autonomia vrios tipos
de tarefas e a solucionar problemas inusitados com a maior agilidade possvel. Sob tais
circunstncias, os engenheiros tambm tiveram que alterar seu perfil profissional, no lhes
17
bastando somente a capacidade tcnica, fundamental para as inovaes, mas insuficiente para
garantir o bom desempenho e insero no mercado de trabalho.
Assim sendo, de acordo com as expectativas das pesquisas educacionais relacionadas
com as transformaes ocorridas no setor produtivo, amplamente conhecido por mundo do
trabalho, bem como as conseqncias das alteraes realizadas para a classe trabalhadora,
tem-se como objeto de pesquisa investigar a relao entre a formao e a insero de
engenheiros na atual fase de acumulao da mais-valia, com recorte emprico nas condies da
graduao e a insero dos primeiros egressos do curso de engenharia de fundio de uma
instituio de ensino tecnolgico vinculada a uma indstria do mesmo ramo.
Nesta perspectiva, so questes que merecem ser investigadas para compreender a
referida relao e a atual fase valorizao do capital: Em que medida o ensino de engenharia
sofreu os impactos das reformas educacionais dos anos 90? A graduao em engenharia aps as
reformas permite aos engenheiros uma qualificao profissional que v para alm de uma
formao utilitarista, portanto, capacitando profissionais para alm do domnio operacional de
um determinado fazer? Qual a atual forma de ensino-aprendizagem dos cursos de engenharia?
Esta possibilita ao aluno a compreenso do processo tecnolgico na sua totalidade? Ou seja, em
que medida o graduando consegue perceber a importncia da apreenso da lgica de
funcionamento em detalhes para ser capaz de decidir e alterar processos e criar novas
tecnologias? Como se articula a formao e a insero dos engenheiros na cadeia produtiva das
indstrias metalrgicas a partir das formas de organizao do trabalho na atual fase de
acumulao do capital? Como trabalhada a dimenso comportamental no processo de
formao em educao tecnolgica? As instituies de educao tecnolgica, cujos alunos
muitas vezes freqentam cursos noturnos para ter condies de arcar com seus estudos,
cumprem seu papel? A formao tcnica tem possibilitado a insero produtiva desejada?
Quais as razes sobre as notcias que anunciam a falta de engenheiros no mercado de trabalho e
qual a sua veracidade? Quais seriam as mediaes capazes de possibilitar a compreenso da
contradio entre a utilizao do conhecimento cientfico pelo capital e a possibilidade de
existncia digna para a maioria dos seres humanos? Como percebida a relao capital x
trabalho destes trabalhadores? Enfim, caracteriza-se o ensino de engenharia por ser polivalente
ou politcnico?
A evidncia de muitas contradies entre as reais condies da educao tecnolgica de
nvel superior, logo, a respeito da engenharia, e o mercado de trabalho na atual fase capitalista
foram motivadoras para a elaborao da presente investigao. Cabe lembrar que, embora o
tema passe pela Cincia e Tecnologia, a investigao centrada nas questes educacionais.
18
O interesse pelo estudo sistematizado sobre a relao entre a formao de engenheiros
e a insero produtiva dos engenheiros, luz do materialismo histrico1, foi fomentado por
dois motivos que, na verdade, decorriam dos questionamentos apresentados. Primeiro, pelas
particularidades de determinada instituio de ensino tecnolgico, de carter privado, fundada
em 1959 seguindo o modelo de uma escola de formao tcnica sua, empresa Georg Fischer.
A referida instituio foi criada com a finalidade especfica de atender a necessidade de fora
de trabalho qualificada para a indstria Tupy Fundies e se tornou referncia por preparar
trabalhadores para as indstrias regionais. Respaldada na credibilidade junto comunidade, em
1997 passou a oferecer cursos de graduao tecnolgica e a partir de 2001 a ofertar o primeiro
curso de engenharia. Atualmente o Instituto Superior Tupy uma Universidade que conta com
mais de 3000 alunos e possui cerca de 30 cursos de formao superior, sendo comandada por
um Conselho de Administrao composto por empresrios da regio, sendo a maior parte de
seus alunos trabalhadores do cho-de-fbrica das indstrias regionais que buscam os cursos de
graduao com a expectativa de melhores salrios e melhores condies de vida. Segundo, em
razo da constatao de tratar-se de um objeto bastante interessante, polmico e ainda pouco
explorado sob a tica marxista.
A relevncia do estudo est, portanto, em contribuir com a escassa literatura sobre a
temtica em foco a partir da percepo da dinmica contraditria da atual forma de organizao
social e as implicaes destas nos processos de formao da classe trabalhadora, especialmente
a dos engenheiros.
Ao longo das disciplinas realizadas,com suporte da literatura pertinente ao tema, mas
em especial o seminrio de tese, foram construdas as hipteses norteadoras do presente estudo:
que h uma integrao entre a qualificao tcnica e a comportamental na educao tecnolgica
a fim de responder s necessidades do atual estgio de acumulao do capital; que h uma
extenso das atribuies do engenheiro para alm das estabelecidas no perfil do egresso
constante nas diretrizes curriculares e no projeto pedaggico, devendo este incumbir-se tambm
da gesto de pessoas, motivo pelo qual sua formao passa a integrar a dimenso
comportamental; que muitas vezes, apesar de executar atividades complexas, sua insero
formal acontece de forma subordinada e precarizada, ou seja, desempenha tarefas que requerem
conhecimentos de engenharia, mas no formalmente contratado como engenheiro; a proposta
pedaggica do curso de engenharia de fundio aligeirada; as contradies entre a sua
1 Utiliza-se a expresso MATERIALISMO HISTRICO, suprimindo-se o termo DIALTICO, por compreender
que a referida expresso significa a anlise do movimento da sociedade com seus fenmenos contraditrios, a
partir da sua base material, ao longo do processo de humanizao.
19
formao e sua insero levam conscincia da sua realidade.
Definidos o problema e as hipteses, por todo tempo, buscou-se literatura que abordasse
as questes relativas investigao pretendida que tomassem por referncia a mesma
concepo terico-metodolgica pela qual se pautam as pesquisas em Educao e Trabalho na
UFPR, ou seja, que percebem as transformaes do processo produtivo e as implicaes destas
nos processos de formao humana, na medida em que considera que o trabalho, sob a lgica
do capital, continua a ser a categoria fundante da humanizao, fonte de produo do
conhecimento, mas tornou-se da produo de mercadorias, com finalidades especficas da
referida forma de organizao social.
Nesta perspectiva foram buscadas obras que tratassem do processo de trabalho dos
engenheiros e da sua formao no decorrer do processo civilizatrio, em especial s relativas s
ltimas dcadas do sculo XX e incio do XXI a fim de compreender as mudanas ocorridas
tanto nas atividades prticas da categoria, como na sua subjetividade. No que diz respeito
concepo marxista dessa literatura, pode-se afirmar que so bastante escassas as informaes,
tanto por se tratar de uma rea com pouca tradio de documentao do seu percurso histrico,
como por se tratar de uma categoria de trabalhadores mais voltada aos estratos da burguesia
nacional e internacional. Por tal motivo, a elaborao da tese necessitou recorrer a estudos de
outras reas de conhecimento que possuem estudos e pesquisa de concepo marxista para
poder apreender os fenmenos que de certa forma incidem sobre toda a classe trabalhadora,
como, por exemplo, as polticas educacionais que flexibilizaram o processo de graduao
para todas as categorias profissionais. Pela mesma razo, isto , pela falta de literatura marxista,
foi necessrio recorrer a escritores no marxistas, a exemplo dos livros do historiador
Apolnrio Ternes e outros autores que versam sobre a histria de Joinville e o
desenvolvimento local, para melhor compreender as categorias de anlise levantadas.
No mbito da literatura com referencial materialista-histrico que discute as questes
relativas ao tema, foram de extrema relevncia os seguintes autores, embora nem todos
especficos da engenharia:
KAWAMURA (1981), que em seu livro Engenheiro: trabalho e ideologia, alm de
efetuar um precioso resgate histrico da engenharia no Brasil, evidencia os nexos entre as fases
de desenvolvimento no pas e o papel do engenheiro em cada uma das distintas etapas. Para a
autora, houve um momento de grande prestgio da categoria, no qual esta desempenhou o papel
de intelectual orgnico da burguesia nacional;
20
NOBLE (1977), que em American by Design: Science, Technology, and the Rise of
Corporate Capitalism, aborda a contribuio dos engenheiros nas indstrias dos Estados
Unidos da Amrica a partir do final do sculo XIX. Para Noble, o empenho dos engenheiros
em prol da apropriao da cincia pelo capital rendeu-lhes prestgio e elevada insero social,
mas fez com que os mesmos deixassem de perceber que sob tais circunstncias so fora de
trabalho assalariada e subordinada lgica de explorao capitalista;
CAMPOS (1997), com sua dissertao de Mestrado em Educao defendida na UFSC
com o ttulo A Nova Pedagogia Fabril - tecendo a educao do trabalhador. A autora, ao
analisar as estratgias gerenciais utilizadas na formao de um novo tipo de trabalhador,
adequado aos novos requerimentos de qualificao, atitudes e comportamentos, demandados
pelos processos de modernizao tecnolgica e organizacional, apresenta em seu segundo
captulo uma anlise crtica que desmistifica a condio do povo ordeiro e trabalhador e do
empresrio honesto e empreendedor na cidade de Joinville. Um estudo de grande
compreenso na constituio da subjetividade da classe operria joinvilense;
DAGNINO (2006), em seu artigo O papel do engenheiro na sociedade, discute a
participao da categoria na sociedade dividida em duas de classes antagnicas: capital e
trabalho. Para Dagnino, os cursos de engenharia esto impregnados pela ideologia dominante,
motivo pelo qual as discusses sobre Cincia, Tecnologia e Sociedade acabam sem contribuir
para a compreenso da cincia como uma produo social decorrente da prtica dos indivduos
orientada pela lgica da valorizao do capital;
SILVA (2005), com a tese A Qualificao para o Trabalho em Marx, defendida no
curso de ps-graduao em economia na UFPR, que, alm de realizar um portentoso resgate
das formas de organizao e gesto do trabalho ao longo da existncia da humanidade, explica
que a qualificao de um indivduo para o trabalho possui duas dimenses: uma de carter
tcnico, que, prepara para as tarefas intelectuais e manuais, e outra dimenso de carter
comportamental, que a autora denominou de superestrutural. Silva destaca que em razo da
atual fase de acumulao do capital, a dimenso superestrutural se sobreps dimenso
tcnica. A investigao realizada por essa autora desnuda a concepo pedaggica conhecida
por Aprender a Aprender.
Com relao s obras de fundamentao no marxista, mencionado anteriormente, de
21
grande importncia foram os vrios livros de Apolinrio Ternes, historiador oficial da cidade de
Joinville. Tambm muito til foi a tese do professor Sandro Murilo dos Santos, h muito
diretor-presidente da SOCIESC, com o ttulo A adaptao estratgica de uma organizao de
ensino tecnolgico privada: o estudo de caso da SOCIESC. Nela o autor retrata o processo de
expanso do seu produto: a educao tecnolgica. Tambm Telles (1987), com o livro A
histria da engenharia no Brasil, no qual o autor descreve o processo histrico de graduao
das engenharias no pas, em muito contribuiu ao complementar as informaes apresentadas
por Kawamura.
Feitos os apontamentos acerca da literatura que apoiou a construo da tese, cabe
destacar que, para alm da anlise da literatura existente sobre a temtica do estudo, foram
consultados inmeros informativos e documentos internos da instituio de educao
tecnolgica em questo, referentes ao processo de graduao dos engenheiros de fundio.
Importa registrar que durante o perodo 2003-2005 lecionei na referida instituio, inclusive
no curso de engenharia de fundio, o que facilitou em muito a aquisio de informaes
relevantes e documentos para a investigao pretendida.
De grande relevncia na construo desta tese foram os estudos especficos da categoria
elaborados pelo Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Scio-Econmicos
DIEESE com a finalidade de subsidiar os debates na ltima campanha salarial dos engenheiros
em evento nacional organizado pela Federao Interestadual de Sindicatos dos Engenheiros
FISENGE.
Cumpre destacar, contudo, que significativa parcela das fontes utilizadas para construir
o Captulo IV, que trata da trajetria percorrida da escola tcnica at chegar ao ensino superior,
so fontes oficiais da instituio de ensino, em especial o Projeto Poltico-Pedaggico do curso
de engenharia e outros documentos, principalmente atas das reunies de colegiado do curso. A
inteno na anlise destes documentos esteve em compreender como a concepo pedaggica
do curso se articulou s mudanas do processo produtivo, bem como em compreender como o
currculo elaborado se articula com as diretrizes curriculares vigentes. Contudo, no foram
encontradas outras fontes que trouxessem informaes distintas e pudessem estabelecer o
contraponto com as existentes, que permitissem uma viso mais imparcial e fidedigna,
inclusive as contradies desse processo.
Feitas as consideraes acerca da concepo filosfica que orienta a presente tese e das
fontes utilizadas para a sua construo, cabe, portanto, fazer as referncias sobre o mtodo de
construo de conhecimento utilizado. Nesse sentido, preciso enfatizar que a opo pelo
mtodo decorreu da prpria concepo filosfica que, na maioria das vezes, utiliza a dialtica
22
como lgica para analisar a dinmica do desenvolvimento da sociedade, tomando por base a
sua materialidade, uma vez que permite perceber a realidade para alm da sua aparncia
imediata, pois
O mundo da pseudoconcreticidade um claro-escuro de verdade e engano. O
seu elemento prprio o duplo sentido. O fenmeno indica a essncia e, ao
mesmo tempo, a esconde. A essncia se manifesta no fenmeno, mas s de
modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ngulos e aspectos. O
fenmeno indica algo que no ele mesmo e vive apenas graas ao seu
contrrio. A essncia no se d imediatamente; mediata ao fenmeno e,
portanto, se manifesta em algo diferente daquilo que . (KOSIK, 1976, p.11)
Portanto, houve um grande esforo no uso desse mtodo na investigao realizada.
Espera-se, pois, ter realizado uma abordagem adequada s categorias do mtodo, a saber:
contradio, prxis, mediao, hegemonia e totalidade. Todas esto presentes no decorrer dos
captulos elaborados, principalmente a contradio, fortemente marcada no estudo realizado.
A partir da concepo de mundo em questo, estudados os pressupostos tericos,
analisadas as fontes, delimitado o problema, foi definida a determinao mais simples do
objeto, isto , Quais foram as condies de insero dos egressos da primeira turma de
engenharia de fundio a partir do curso de graduao realizado?. Desta forma foi possvel
definir as duas principais categorias de contedo que contriburam para a percepo das
transformaes do processo produtivo relativas categoria dos engenheiros: a organizao do
trabalho no atual contexto de acumulao de mais-valia e os processos pedaggicos relativos
formao dos engenheiros. Definidas as mais importantes categorias de anlise, fios
condutores da investigao pretendida, as subcategorias foram surgindo a partir das leituras
acerca das duas categorias principais, bem como da proximidade do objeto investigado.
O objeto de estudo teve como o principal recurso material de investigao as entrevistas
com os egressos da primeira turma de engenharia de fundio do Instituto Superior Tupy, que
trouxeram muitas informaes importantes tanto sobre o processo de formao, como sobre a
insero e o desempenho da atividade profissional aps a obteno do ttulo de bacharel em
engenharia.
Para realizar as entrevistas com os egressos foi construdo um roteiro de perguntas
abertas, semi-estruturadas, (Anexo 1) com base nas duas grandes categorias de contedo
anteriormente citadas. A inteno da realizao das entrevistas era apreender a realidade
concreta dos egressos do ramo da fundio na regio de Joinville.
Assim, foram feitas as primeiras entrevistas de carter exploratrio com os egressos do
23
curso de engenharia de fundio, que possibilitaram tanto a confirmao das categorias de
contedo levantadas, como indicaram a necessidade de elaborar um segundo roteiro semi-
estruturado, com perguntas abertas, para a coleta de dados com outros engenheiros de
indstrias da regio. Por tal razo, foram entrevistados trs engenheiros com vasta experincia
no setor industrial de Joinville. O critrio de seleo para a entrevista destes foi a insero
profissional em indstrias que fossem consideradas lderes na sua rea de atuao. Os
entrevistados atuam no ramo de fundio, no de plstico e no de linha-branca. Os trs
entrevistados tm mais de dez anos de atividades na engenharia. Foram elaborados roteiros
especficos para estas entrevistas (Anexo 2). Alm destes, foram entrevistados dois engenheiros
que presidem entidades de representao de classe, um do sindicato da categoria e outro do
conselho regional (Anexo 3).
Foi extremamente difcil conseguir as entrevistas, tanto dos egressos como dos demais
engenheiros, envolvendo cerca de um ano e meio da primeira at a ltima, isto , de meados de
2006 at o final de 2007.
Dos doze egressos do curso de engenharia, apenas nove aceitaram conceder entrevistas.
Dos nove, cinco trabalham em Joinville e quatro no interior do Estado de So Paulo, dois em
Mau e dois em Santa Brbara do Oeste.
Apesar dos doze se encontrarem inseridos formalmente em indstrias de fundio,
somente trs esto contratados como engenheiros. Dos trs, dois esto trabalhando fora do pas,
um na Inglaterra e um nos Estados Unidos da Amrica com vnculo empregatcio no Brasil.
Recebem ajuda de custo para manter-se fora do pas e o fator decisivo foi a fluncia da lngua
inglesa. H apenas uma engenheira entre os dozes egressos.
Aps a degravao das fitas, a tabulao das informaes foi feita de acordo com as
subcategorias das duas principais, isto , a organizao do trabalho no atual contexto de
acumulao do capital e os processos pedaggicos da formao dos engenheiros.
Os depoimentos dos egressos foi bastante intrigante, pois apesar da maioria no estar
formalmente contratada, apenas um afirmou que gostaria de estar recebendo salrio de
engenheiro, embora declare gostar da atividade profissional exercida e sentir-se valorizado.
As respostas ganharam significado aps a compreenso da constituio da histria da
Escola Tcnica Tupy e reafirmaram que a qualificao de um trabalhador possui duas
dimenses: uma tcnica, que prepara o trabalhador para as atividades manuais e intelectuais e
uma dimenso superestrutural que conforma o trabalhador para a sua insero na diviso social
do trabalho. Por tal razo, julgou-se oportuno realizar um resgate histrico do processo de
configurao do operariado joinvilense ao longo das dcadas que, articulado s polticas
24
neoliberais, elucidam tais respostas.
A exposio do esforo analtico empreendido com a literatura e com a parte emprica
foi distribuda em cinco captulos. O primeiro aborda, em linhas gerais, a relao entre a
engenharia e a cincia capitalista, apresentando os fundamentos do arcabouo terico-
metodolgico para a apreenso do tema; o segundo consiste de um resgate histrico sobre a
profisso de engenharia ao longo da existncia da humanidade; no terceiro, apresenta-se uma
recuperao da construo das polticas educacionais voltadas ao ensino superior em
decorrncia da atual fase de acumulao do capital; no quarto, uma abordagem acerca do
percurso entre a constituio da Escola Tcnica Tupy ao Instituto Superior Tupy; e no quinto, a
anlise das entrevistas com os egressos e demais engenheiros que permitiram compreender o
processo de graduao e a real atividade prtica dos engenheiros na atual fase de acumulao
do capital.
Desta forma, o primeiro captulo busca mostrar as razes pelas quais nem toda formao
em engenharia de carter politcnico e que, embora a atual gesto e organizao do processo
produtivo na sociedade capitalista seja extremamente dependente do trabalho intelectual, ela
est diretamente articulada ao grau de desenvolvimento cientfico alcanado por uma nao e
sua respectiva insero na diviso social do trabalho. Para tanto, julgou-se procedente trazer os
fundamentos que permitissem compreender que tal fenmeno no natural ou espontneo, mas
uma construo social que decorre da estrutura da sociedade capitalista que s sobrevive com a
acumulao da mais-valia.
O segundo captulo, ao abordar a atuao dos engenheiros ao longo do processo de
humanizao, tem como preocupao evidenciar que a referida profisso nas sociedades
capitalistas teve avanos e recuos em decorrncia das necessidades reais, porm antagnicas,
entre os donos dos meios de produo e a classe trabalhadora. Neste percurso histrico foi
possvel perceber que os aspectos relacionados profisso e formao, isto , o conceito, o
desempenho, a insero profissional e o prestgio da engenharia, mudaram na medida em que
foram alteradas as formas pelas quais os indivduos satisfazem suas necessidades imediatas e
garantem as condies de suas existncias de acordo com as possibilidades materiais de
determinado contexto. Contudo, apesar de todas as alteraes e do indiscutvel avano
tecnolgico, ficou evidenciado que expressiva parcela dos engenheiros brasileiros continua
voltada gesto da tecnologia e dos processos produtivos, mas no s inovaes.
O terceiro captulo teve como objetivo mostrar como e com que intencionalidades as
polticas educacionais foram alteradas a partir da dcada de 90. Para tanto, iniciou com o
resgate de aspectos considerados fundamentais que levassem compreenso dos motivos pelos
25
quais foram necessrias novas polticas e aprendizagens para os cursos de engenharia. Assim, o
captulo iniciou com uma anlise crtica sobre a Sociedade do Conhecimento para
posteriormente analisar a concepo pedaggica amplamente conhecida como Aprender a
Aprender, resultante da nova forma de organizao e gesto dos processos de trabalho para a
obteno da mais-valia, bem como as polticas educacionais vigentes. Buscou-se tambm
apresentar essas questes com as duas dimenses do processo de qualificao do trabalhador
que se articulam de forma dialtica: a dimenso tcnica, que prepara o desempenho das
atividades, quer sejam intelectuais, quer sejam manuais, e a dimenso superestrutural, que
prepara o trabalhador para o seu papel na diviso social do trabalho. Logo, foi possvel ratificar
que os processos e as prticas pedaggicas tambm so definidos em virtude das demandas da
reproduo da base material.
No quarto captulo apresenta-se o percurso de existncia da instituio de educao
tecnolgica de grande tradio e reconhecimento na cidade de Joinville, uma vez que esta faz
parte do recorte emprico da investigao realizada. O objetivo da construo deste captulo
esteve em verificar como as alteraes no processo produtivo estiveram refletidas e expressas
nos processos educacionais, j que os pressupostos que orientam esta tese defendem que a
realidade s pode ser apreendida a partir da materialidade. Ficou claro que o surgimento da
escola tcnica foi um fato decorrente das transformaes que o capital precisou enfrentar para
se recompor e continuar a extrair a mais-valia naquele momento histrico, que requeria a
melhora da qualificao dos seus empregados a fim de corresponder ao intenso processo de
industrializao pelo qual passava o pas. Tambm ficou evidente que o desenvolvimento da
indstria local sempre esteve vinculado diviso tcnica do trabalho que a partir do chip, na
dcada de 70, foi internacionalmente orientada. Assim, em decorrncia de tais transformaes,
que interferiram objetivamente no processo de qualificao da classe trabalhadora, surgiu o
Instituto Superior Tupy e o seu curso de Engenharia de Fundio, cuja primeira turma graduou
doze alunos dos quarenta que iniciaram o curso.
No quinto e ltimo captulo apresenta-se a anlise das entrevistas com os egressos e
demais engenheiros a fim de compreender a relao entre a formao e a insero dos
engenheiros na atual fase de acumulao capitalista. Nele possvel verificar a assertividade
das hipteses levantadas. Em razo da quantidade de informaes este foi estruturado em duas
sees relativas s duas categorias de contedo que guiaram a elaborao desta tese por todo
momento.
Espera-se, pois, com o estudo realizado luz do materialismo histrico, ter colaborado
para elucidar a relao entre a infra e a superestrutura na constante e insacivel acumulao de
26
mais-valia do modo de produo capitalista, motivo pelo qual se buscou desvelar os reais
objetivos da formao do curso de engenharia de fundio da Tupy; a dimenso da formao
comportamental e seus reflexos no desempenho da atividade profissional; a estrutura
hierrquica da cadeia produtiva metalrgica a fim de verificar quais as condies e
possibilidades de insero produtiva deste segmento de trabalhadores; e como tal categoria de
trabalhadores apreende a realidade a partir das relaes sociais de produo.
27
CAPTULO I
FORMAO E INSERO DE ENGENHEIROS NO ATUAL CONTEXTO
CAPITALISTA: UM OLHAR MATERIALISTA HISTRICO2
Acompanhando a transferncia de
tecnologia dos pases avanados para
aqueles em desenvolvimento a transferncia
de idias tambm ocorre. Essas idias
guiam a poltica de desenvolvimento e, em
menor medida, a sua crtica.
ANDREW FEENBERG
consenso entre as mais distintas reas de conhecimento que, a partir das trs ltimas
dcadas do sculo XX, aps grave crise do modo de produo capitalista e o posterior advento
do microchip, a organizao e gesto dos inmeros procedimentos relacionados existncia
humana pautaram-se, cada vez mais, por processos informatizados e automatizados. Foram
tantas as mudanas nesse contexto que ele recebeu a denominao de terceira revoluo
tecnolgica. Sob tais circunstncias, as grandes indstrias produtoras de bens de consumo e as
grandes empresas prestadoras de servios, a exemplo dos bancos, investiram fortemente em
tecnologia3 para ganhar em termos de produtividade e atingir o objetivo principal: aumentar
seus lucros. Aquelas que no atingiram a mesma capacidade tecnolgica, em geral, perderam as
condies de disputar o mercado, e com isso, foram eliminadas da concorrncia global.
Todavia, fundamental ter clareza que a tcnica, bem como a inovao, no exclusiva de um
ou de outro modo de produo, mas decorrente das necessidades de superao dos limites
fsicos no processo de humanizao. Porm, suas formas de desenvolvimento e utilizaes
dependem da forma de organizao social, questo evidenciada no prximo captulo com a
historicidade da engenharia.
Sob os moldes do capital, o interesse empresarial pela cincia e sua aplicao em
tecnologia cresceu vertiginosamente em razo de essas auxiliarem na obteno da mais-valia e,
conseqentemente, pelas profisses ligadas produo de inovaes, motivo pelo qual, nos
2 Como destacado na pgina 17, nota de rodap anterior, utiliza-se a expresso MATERIALISMO HISTRICO,
suprimindo-se o termo DIALTICO. 3 Segundo Faria, O termo tecnologia tem sido usado para identificar mquinas e ou utilizao de novas mquinas
no processo produtivo. Esta concepo evidentemente restrita, o que acaba prejudicando a interpretao e anlise
dos problemas relativos aos efeitos da tecnologia sobre o processo de trabalho bem como o encaminhamento de
solues. [...] A tecnologia deve ser entendida como um conjunto de conhecimentos aplicados a um determinado
tipo de atividade. (FARIA, 1992, p.29). Como ser visto adiante, esses conhecimentos no so neutros, mas
resultantes da ideologia capitalista e seus interesses de classe.
28
ltimos anos, diversos ramos de engenharia reafirmaram sua importncia e reconhecimento no
processo produtivo capitalista. Porm, nem toda engenharia, independentemente do segmento
de especializao, capaz de gerar inovaes tecnolgicas, fato reconhecido at mesmo pela
prpria categoria profissional.
Todavia, as razes pelas quais nem toda formao em engenharia alcana os patamares
desejveis de preparao com o domnio do conhecimento cientfico para a produo de
inovaes apresentam vrias divergncias e polmicas. Tratar essa questo controversa o
objetivo deste primeiro captulo. Para tanto, busca-se esclarecer que o avano da engenharia,
assim como de toda cincia e tecnologia, est relacionado, s relaes sociais de produo
desenvolvidas por um coletivo em determinado contexto scio-histrico. Essas articulaes no
so imediatas, mas dependem da insero na diviso social do trabalho de cada sociedade que,
por sua vez, em funo do elevado grau de desenvolvimento cientfico alcanado pela
humanidade, de carter internacional.
Necessrio, portanto, evidenciar de maneira consistente a existncia de uma relao
mediada por mltiplos fenmenos entre a formao e a insero dos engenheiros e a
reproduo da base material numa articulao dialtica entre os aspectos econmicos, polticos
e ideolgicos de uma organizao social. Buscou-se, ao longo do presente captulo, explicitar
como tal relao manifesta-se neste referido binmio. Para tanto, so apresentados, na segunda
seo, os fundamentos necessrios de acordo com o referencial terico-metodolgico que
orienta esta tese, j explicitados na introduo.
1.1 A ENGENHARIA E A CINCIA NO CAPITALISMO
Ao longo dos sculos, a Engenharia no tem sido somente uma profisso de destaque,
mas de paradoxos, pois se por um lado traz benefcios que possibilitam humanidade viver
melhor e vencer dificuldades de vrias ordens, sobretudo as impostas pela prpria natureza, por
outro, historicamente, engenha artefatos que contribuem com a classe proprietria dos meios de
produo na dominao e represso poltico-ideolgica da classe trabalhadora.
Do ponto de vista marxista, a anlise histrica da engenharia, tal como apresentada no
Captulo II, evidencia a sua proximidade com as classes dominantes e, conseqentemente, o
status scio-econmico dos seus profissionais. Embora se caracterize como uma categoria
relativamente pequena quando comparada ao total da diviso tcnica e social do trabalho,
29
houve um aumento expressivo de cursos, de especialidades e do nmero de engenheiros nos
ltimos anos, aspecto analisado ao longo desta tese. Esse fenmeno, entretanto, no retirou
dessa profisso o seu prestgio social e nem apagou o imaginrio ttulo de doutor que recebem
os bacharis de engenharia, mas trouxe outras mudanas expressivas na formao e insero no
mercado de trabalho dessa categoria.
Tornar-se engenheiro, porm, nunca foi uma tarefa simples, pois, independentemente de
poca histrica, criar engenhosidades um ato que requer acmulo de conhecimentos, embora
seja possvel afirmar que, por muitos sculos, isso tenha ocorrido de forma tcita. Porm, h
muito, para alm da prtica, a formao em engenharia consiste num processo de aprendizagem
que exige uma slida formao escolar e acmulo de conhecimentos na trajetria pessoal,
fatores diretamente articulados s condies materiais de existncia e no somente ao interesse
e ao gosto pela arte de engenhar. Assim, condio sine qua non para concluir a graduao em
tal rea que o indivduo tenha adquirido o domnio da cincia bsica no decorrer da sua
escolarizao para, posteriormente, assimilar os contedos inerentes e graduar-se.
Todavia, o aprofundamento terico dos contedos e o grau das competncias tcnicas
desenvolvidas no decorrer de um curso de engenharia transcendem as condies objetivas
individuais dos graduandos. Dependem, sobremaneira, das relaes sociais estabelecidas para a
reproduo material, as quais se manifestam no avano da cincia e da tecnologia, com seus
diversos reflexos, em cada contexto scio-histrico.
Do ponto de vista terico-metodolgico que orienta esta tese, essa condio tcnico-
cientfica, por sua vez, est objetivada nos mecanismos e instrumentos disponveis para a
reproduo da base material, ou seja, nas foras produtivas, as quais representam o somatrio
do todo trabalho e conhecimento desenvolvidos por uma dada sociedade a partir de suas
atividades prticas e que possibilitam estruturar de forma especfica a organizao de uma
coletividade de indivduos. No por outro motivo que as foras produtivas, em termos de
cientificidade, ganham expressiva eficcia de um modo de produo a outro, pois decorrem do
aumento do grau de objetivao do conjunto de conhecimentos produzidos e sistematizados em
mquinas e equipamentos, os quais contribuem para ampliar a produtividade quando
comparados s formas anteriores4, uma vez que so resultantes do aprimoramento do trabalho
4 Segundo Germer, no artigo Marx e o papel das foras produtivas na revoluo social, a expresso foras
produtivas tem sido estigmatizada como um fator de determinismo tecnolgico. O autor esclarece que a
referida categoria, de grande importncia e relevncia, tem sido reduzida a [...] enunciados simples, mecnicos e
unilaterais. Para o autor, isso ocorre em razes de trs equvocos: [...] primeiro, por ser associado, pelos seus
crticos, ao stalinismo; em segundo lugar, porque a defesa enftica da primazia das foras produtivas foi tema de
uma obra inaugural do chamado marxismo analtico, corrente que, apesar do nome desvia-se decisivamente dos
fundamentos filosficos do marxismo; finalmente, por ter sido desenvolvido polemicamente por Althusser e seus
30
humano:
A natureza no constri mquinas nem locomotivas, ferrovias, telgrafos
eltricos, fiadoras automticas etc. So estes produtos da indstria humana;
material natural, transformado em rgos da vontade humana sobre a natureza
ou de sua ao na natureza. So rgos do crebro humano criados pela mo
humana; fora objetivada em conhecimento (MARX, 1985, p.230, grifo
nosso).
Porm, importa perceber que a tecnologia e a cincia alm de aspectos relevantes da
infra-estrutura, so tambm aspectos da supra-estrutura, uma vez que como conhecimentos so
produtos ideolgicos, prprios de um determinado contexto.
A partir de tal compreenso, possvel afirmar que a cincia e a tecnologia so de
carter transitrio, isto , mudam de acordo com as necessidades reais da forma de estruturao
social vigente e predominante, o que no significa que ocorram mecanicamente, de forma
linear, apenas com aspectos vantajosos e de melhorias aos seres vivos e ao planeta, ou em
decorrncia do passar do tempo, mas conforme as demandas prticas que garantam a
constituio scio-econmica hegemnica, conscientemente ou no, de um coletivo.
Sob o mesmo enfoque, cabe ainda afirmar que, ao mesmo tempo em que o estgio
alcanado pela cincia e a sua aplicao tecnolgica imprimem e reforam as relaes sociais
de produo, em especial a diviso social e tcnica do trabalho, bem como suas formas de
organizao e gesto, so tambm determinadas por elas5. No por outro motivo que nos
ltimos sculos elas possuem caractersticas do modo de produo capitalista, ou seja,
elaboradas e implementadas a fim de alcanar o principal objetivo deste, o acmulo de mais-
valia, cuja nica maneira de ser obtida via a explorao da fora de trabalho daqueles
desprovidos dos meios de produo.
Nessa perspectiva entende-se que os diversos ramos da engenharia contempornea
respondem s exigncias do capitalismo e desenvolvem-se marcadas pela constante busca de
lucro. O mesmo acontece com todos os demais ramos de atividades, independentemente de
prestarem trabalho simples ou complexo, produtivo ou improdutivo.
seguidores. Estas circunstncias somam-se inegvel complexidade dos temas e ao fato de que Marx no dedicou
uma obra especfica anlise de transies entre os modos de produo at o capitalismo. (GERMER, 2007) 5 Tal como mostrado por Marx no captulo da Maquinaria, a introduo da indstria fabril eliminou significativa
parcela da produo manufatureira, que por sua vez havia substitudo a forma artesanal (e familiar), bem como
proletarizou e urbanizou tais produtores, principalmente os produtores menores, assalariando-os. No final do
sculo XX, o agrobusiness expulsou do campo trabalhadores rurais, inchando os centros urbanos e trazendo
grandes problemas sociais e o putting-out, ou seja, trabalhadores que prestam servios para grandes indstrias em
suas casas da forma mais precarizada possvel. Inegavelmente existem reaes dos trabalhadores.
31
Portanto, para entender a atual formao e a insero dos engenheiros preciso,
sobretudo, a apreenso da dinmica do capital, um movimento dialtico entre a infra e a
superestrutura, cuja compreenso s possvel com o resgate histrico do capitalismo e da
diviso social do trabalho resultante desta movimentao.
Essa retomada de acontecimentos ao longo da existncia humana capaz de elucidar
que o acmulo de conhecimento articula-se diretamente ao poder poltico de uma sociedade e
ao seu potencial de dominao sobre os demais, fenmeno que se acentuou a partir do incio do
sistema capitalista. Nesse sentido, de acordo com a ideologia dessa forma hegemnica de
organizao social no mundo contemporneo, o potencial tecnolgico considerado
preponderante para o desenvolvimento da civilizao em todos os aspectos, motivo pelo qual as
naes que desenvolvem pesquisas cientficas avanadas so consideradas as mais
desenvolvidas, denominadas de pases centrais e industrializados6. As demais, a maioria, as
quais dependem da produo tcnico-cientfica dos pases centrais, so conhecidas por pases
perifricos. Esses ltimos, na medida de suas possibilidades so importadores de tecnologias,
nem sempre de acordo com suas necessidades preponderantes por dois motivos: falta de
recursos (financeiros, materiais, cientficos) e a disposio de liberalizao do conhecimento
pelos pases centrais j que o conhecimento de ponta pode ser segredo industrial. Alm disso,
preciso ter clareza de que [...] a dinmica convencional de explorao de conhecimento
cientfico e tecnolgico liderada pelos pases centrais no contempla os interesses dos pases
perifricos (DAGNINO, 2004. p.102), pois suas necessidades imediatas so bastante distintas.
Dessa forma, embora as principais caractersticas das sociedades regidas pela lgica do
capital sejam universais, e apesar de ser a forma predominante por todo globo terrestre no
presente, isto , tanto nos pases centrais, como nos perifricos, suas estratgias, possibilidades
e necessidades de organizao e gesto de reproduo da base material diferem entre as naes,
pois dependem de diversos fatores, que se manifestam por meio do grau de desenvolvimento
intelectual alcanado e objetivado nas suas foras de produo. No foi por outra razo que no
incio, na fase concorrencial do capitalismo, final do sculo XVII e incio do XVIII, quando o
comrcio e a navegao eram setores mais desenvolvidos do que a manufatura, A nao mais
poderosa no mar, a Inglaterra, conservou a primazia no comrcio e na manufatura (MARX,
ENGELS, 1998, p.68).
Sculos mais tarde, aps a consagrao do capital, pela mesma razo, isto , potencial e
6 Segundo artigo do economista Jeffrey Sachs publicado na Gazeta Mercantil em 30/07/2000, p.2, somente uma
pequena parcela do globo terrestre, na qual vivem 15% da populao mundial, produz praticamente todas as
inovaes tecnolgicas.
32
domnio cientfico, a partir do ps-guerra, os Estados Unidos, perante os pases devastados,
desenvolveram as condies objetivas e se tornaram a mais importante potncia mundial:
Eram o pas que exercia a liderana industrial, no s em termos quantitativos mas
tambm qualitativos, no sentido de que o padro ou modelo industrial norte-americano
nos aspectos tecnolgico e organizativo era o mais avanado. A superioridade
econmica dos Estados Unidos apoiava-se em uma combinao de qualidades
insuperveis em nvel mundial: possuam um gigantesco mercado, a mais apurada
tecnologia, a maior disponibilidade de capital, a fora de trabalho mais qualificada e os
gerentes mais eficientes. Paralelamente, o pas detinha absoluta superioridade
monetrio-financeira [...] (GERMER, et al, 1994, p.7)
Mandel denomina esta fase, ps-guerra, de capitalismo tardio e relata que, para atingir
essa condio de pas hegemnico, os Estados Unidos aumentaram o investimento em
pesquisas [...] de menos de 100 milhes de dlares em 1928 para cinco bilhes em 1953/54,
12 bilhes em 1959, 14 bilhes em 1956 e 20,7 bilhes de dlares em 1970. Tais aumentos
tornam inevitvel uma expanso no volume de inovaes [...] (MANDEL, 1985, p.181)
A engenharia norte-americana desenvolveu-se de forma fantstica nesse perodo, em
especial os ramos da aeronutica e da indstria militar. Com a reconstruo de vrios pases, o
Japo e a Alemanha alcanaram nveis semelhantes em cincia e tecnologia. Os Estados
Unidos, conseqentemente, perderam o status de potncia hegemnica do sistema capitalista.
A Amrica Latina jamais alcanou o mesmo nvel de desenvolvimento cientfico e
permanece na condio de dependente das inovaes dos pases centrais, apesar de todos os
esforos para ajustar-se ao padro de reproduo desses. O captulo seguinte, com
consideraes acerca do desenvolvimento histrico da engenharia, mostra que, apesar de toda a
retrica acerca da importncia das inovaes, o Brasil continua na condio de pas importador
de tecnologia.
Todavia, por ser a cincia elaborada a partir do conjunto de conhecimentos
sistematizados ao longo dos sculos, em linguagem especfica e com rigor metodolgico,
precisa de indivduos devidamente qualificados e preparados para o trabalho complexo. Por tais
motivos, os engenheiros gozam de grande prestgio junto comunidade empresarial, pois, em
tese, possuem uma densa formao que os torna capazes de gerar inovaes, que, na atual fase
de acumulao capitalista, so sinnimos de vantagens competitivas, essenciais para garantir a
acumulao da mais valia, vital existncia do capital.
Porm, tal como teorizado por Marx e Engels na Ideologia Alem, no somente a
33
relao entre as naes est condicionada a esse grau de desenvolvimento, como tambm as
prprias relaes internas de uma sociedade, pois dele decorre a diviso social e tcnica do
trabalho, j que ... cada novo estgio da diviso do trabalho determina, igualmente, as relaes
dos indivduos entre si no tocante matria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho
(MARX, ENGELS, 1998, p.12). Portanto, a engenharia desenvolvida por uma sociedade
sempre o resultado da interao entre a cincia desenvolvida e as relaes sociais de produo,
motivo pelo qual no a mesma em todos os pases existentes num mesmo momento histrico
e tem o papel e perfil dos engenheiros alterados de acordo com as mudanas decorrentes das
necessidades prticas.
Importa destacar, entretanto, que nem sempre a cincia e a tecnologia foram
sistematicamente aplicadas produo capitalista. De acordo com Braverman, a apropriao da
cincia pelo capitalismo se deu a partir da inveno da mquina a vapor, pois at ento, [...] a
cincia no estava estruturada diretamente pelo capitalismo e nem dominada pelas instituies
capitalistas (BRAVERMAN, 1981, p. 138). Tal fenmeno acarretou grandes mudanas na
produo de mercadorias e a cincia e a tecnologia foram cada vez mais direcionadas ao
aumento da produtividade e ao acmulo da mais-valia. Corroborando com Braverman,
Mandel7, afirma que a exacerbao da apropriao da cincia pelo capital ocorreu a partir da
dcada de 40 do sculo XX como conseqncia da acentuao da concorrncia entre os
capitalistas e das prprias contradies inerentes a esse processo de acumulao. Assim, tal
como h muito Marx havia apontado ao estudar a dinmica do capitalismo, aps determinada
fase de avano das foras produtivas dessa forma de organizao social [...] todas as cincias
foram foradas a se colocar a servio do capital (MARX apud MANDEL, 1985, p.175)
A compreenso dessa necessidade de apropriao da cincia e sua aplicao no processo
produtivo condio essencial para perceber a relao entre a formao e a insero
profissional dos trabalhadores como resultante do uso do conhecimento sob a lgica do capital.
Neste sentido, tal como afirmado anteriormente, faz-se necessrio o resgate histrico da diviso
social do trabalho a fim de compreender como o trabalho de carter social, para a satisfao das
necessidades, transformou-se em trabalho especfico do modo de produo capitalista
desenvolvido em funo de produzir a maior quantidade de mercadorias com o menor tempo de
trabalho possvel, e, acima de tudo, obter os lucros extraordinrios, logo, a mais-valia.
Porm, ao revolucionar continuamente seus mecanismos e mtodos de produo
7 Segundo Mandel em O Capitalismo Tardio: A acelerao da inovao tecnolgica um corolrio da aplicao
sistemtica da cincia produo. Embora tal aplicao tenha razes na lgica do modo de produo capitalista,
esta no esteve de maneira alguma contnua e uniformemente entrelaada mesma, ao longo da histria desse
modo de produo. (MANDEL, 1985, p.175).
34
recorrendo s inovaes tecnolgicas e, desta forma, investir em mquinas e equipamentos,
acaba por diminuir a compra da fora de trabalho, uma conseqncia interessante e em certa
medida vantajosa para o capitalista, j que consegue diminuir seus custos de produo.
Entretanto, a diminuio da utilizao da fora de trabalho, resulta tambm em menos mais-
valia, nico elemento capaz de gerar a mais-valia, motivo pelo qual o capitalista procura
revolucionar continuamente seus mecanismos e mtodos de produo para amenizar os efeitos
dessa contradio.
Isso exigiu, e continua exigir, vrias e intensas mudanas na organizao e gesto do
seu processo de trabalho e na conformao e adaptao da classe trabalhadora, inclusive
daqueles altamente qualificados como os engenheiros.
No entanto, para que seja possvel a percepo da realidade sob a forma social do
capital preciso estar ciente das bases que a aliceram. Por tal motivo, a prxima seo
apresenta alguns dos fundamentos essenciais para a apreenso da constituio e da reproduo
capitalista. Isto se faz necessrio porque a passagem do concreto imediato para o concreto
pensado s possvel por meio da interveno terica, condio indispensvel para a real
compreenso da gnese do mundo contemporneo e, portanto, da formao e insero dos
engenheiros na atual fase de acumulao.
1.2 OS FUNDAMENTOS PARA A APREENSO DO TEMA
Como foi abordado at aqui, existe uma relao, embora no imediata, mas mediada,
entre o desenvolvimento da cincia e a forma de organizao de um determinado coletivo. A
construo dessa articulao pode ser consciente ou no, mas sempre social. Muitas so as
justificativas e tentativas de explicaes para tal fenmeno. Dentre todas, optou-se pelo
marxismo pelas razes j expostas.
Marx, ao longo de sua vida, dedicou-se a estudar as relaes sociais sob a organizao
social do capital e desvendou que a mercadoria, forma elementar da riqueza no capitalismo,
possui um carter fetichista que encobre a essncia predatria desse modo de produo ao
impossibilitar a percepo de que o trabalho social transformado em trabalho alienado, que
enriquece o proprietrio dos meios de produo na razo direta em que reduz a dimenso
35
humana do trabalhador8.
A fim de esclarecer sistematicamente que esse modelo social impossibilita a existncia
humana na sua plenitude, recorrendo abstrao, demonstrou que uma mercadoria no
capitalismo constitui uma relao social, mas que s interessa se possuir tanto valor de uso
como valor de troca, pois no ato da troca que o capitalista se apropria da parte de trabalho
realizada pelo operrio que no foi devidamente pago. Chamou este fenmeno de mais-valia e
mostrou que esta o nico elemento capaz de valorizar o capital.
Para tanto, em O Capital, Marx percorreu um longo caminho analtico para desvelar que
a luta dos capitalistas para conseguir o aumento da mais-valia no se limita a simplesmente
comprar a fora de trabalho abaixo do seu valor9; tampouco possvel simplesmente aumentar
a jornada de trabalho, porque h um limite que no pode ser ultrapassado, pois no h como
impedir a exausto e o desgaste fsico do trabalhador. Demonstrou, ento, que se faz
imprescindvel aumentar a fora produtiva do trabalho, isto , criar alteraes no processo de
produo de mercadorias que possibilitem a reduo do tempo de trabalho socialmente
necessrio. Como resultado, mesmo que no planejado, reduz-se o valor da fora de trabalho
dos ramos que constituem os meios de subsistncia do trabalhador e, desta forma, diminui-se o
salrio e o acmulo de mais-valia obtido.
Assim, Marx preocupou-se em diferenciar a mais-valia absoluta da mais-valia
relativa. A primeira justamente por ser obtida por meio do prolongamento da jornada de
trabalho, tal como afirmado acima: inviabiliza-se pela existncia de limitao do dispndio de
energia pelo organismo do trabalhador, quer execute trabalho simples ou altamente qualificado;
portanto, tornou-se insuficiente perante a crescente concorrncia capitalista. A segunda, relativa
aos dois componentes da jornada de trabalho, trabalho necessrio e mais-trabalho, consiste na
reduo do primeiro, isto , do tempo de trabalho social necessrio, o qual diminui na razo
direta do desenvolvimento da fora produtiva do trabalho, enquanto o valor das mercadorias cai
na razo inversa do seu desenvolvimento:
O desenvolvimento da fora produtiva do trabalho, no seio da produo
capitalista, tem por finalidade encurtar a parte da jornada de trabalho na qual o
trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para prolongar a outra
8 Para Marx o trabalho humano possui uma dimenso ontolgica: Antes de tudo o trabalho um processo entre o
homem e a natureza [...](MARX, 1998, p. 142). Porm, ao explicar sobre Processo de Trabalho e Processo de
Valorizao. Esclarece que esta uma forma genrica, insuficiente para compreender a forma social do capital e
seus elementos constitutivos. 9 De acordo com os pressupostos marxistas, entende-se o valor da fora de trabalho como aquele capaz de garantir
os meios de subsistncia necessrios para o trabalhador manter sua existncia e de sua famlia.
36
parte da jornada de trabalho durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o
capitalista. (MARX, 1988, v.1, p.243)
Assim, para demonstrar a necessidade do capitalismo para alm da obteno da mais-
valia absoluta, Marx, a partir do Captulo XI, analisou as fases de organizao e gesto do
processo de trabalho iniciando pela sua forma mais simples: a cooperao. Nela, a extrao da
mais-valia ocorria pelo fato do capitalista reunir muitos trabalhadores a fim organizar a
produo e obter aumento de produtos [...] numa escala quantitativa maior que antes
(MARX, 1988, v.1, p.244).
Embora o objetivo de Marx no estivesse em analisar os processos de organizao e
gesto do trabalho, valeu-se de tal prerrogativa para demonstrar que o capital criou formas para
manter o seu movimento incessante de acumulao. Assim, ao procurar produzir cada vez
maior quantidade de mercadorias com o menor tempo possvel, diminuiu continuamente o
tempo de trabalho socialmente necessrio e, conseqentemente, o valor da prpria fora de
trabalho que, como qualquer outra mercadoria, [...] determinado pelo tempo de trabalho
necessrio produo, portanto tambm reproduo desse artigo especfico (MARX, 1988,
v.1, p.137). Isso aconteceu no somente na medida em que melhorou as foras produtivas
existentes, mas tambm porque paralelamente ampliou os mtodos de controle e a explorao
da classe trabalhadora10.
Esse barateamento da fora de trabalho no excluiu os trabalhadores que exercem
trabalho complexo; muito pelo contrrio, pois so estes os mais dispendiosos. A esse respeito,
Rubin (1980) esclarece que a produo de mercadorias tem dois tipos de trabalho: simples e
qualificado. Para o autor, o primeiro consiste na capacidade fsica inerente a todos os
indivduos, sem a necessidade de educao especial. O segundo, o trabalho qualificado,
complexo, requer uma aprendizagem mais longa ou profissional (RUBIN, 1980, p.176) e,
portanto, se expressa de duas formas no maior valor dos produtos produzidos pelo trabalho
qualificado e no maior valor da fora de trabalho qualificada (ibidem)
Por tal motivo, necessrio apreender esse fenmeno de barateamento e enxugamento
dos salrios como uma construo scio-histrica para compreender o papel da cincia no
10
Enquanto valor, a prpria fora de trabalho representa apenas determinado quantum, de trabalho social mdio
nela objetivado. A fora de trabalho s existe como disposio do indivduo vivo. Sua produo pressupe,
portanto, a existncia dele. Dada a existncia do indivduo, a produo da fora de trabalho consiste em sua
prpria reproduo ou manuteno. Para sua manuteno o indivduo vivo precisa de certa soma de meios de
subsistncia. O tempo necessrio produo da fora de trabalho, corresponde, portanto, ao tempo de trabalho
necessrio produo desses meios de subsistncia ou o valor da fora de trabalho o valor dos meios de
subsistncia necessrios manuteno do seu possuidor (MARX, 1988, v.1, p.137)
37
capitalismo e, conseqentemente, a formao e a insero dos engenheiros ao longo de tal
lgica, uma dinmica iniciada h muito e ainda no terminada.
Nesse desenvolvimento histrico, a primeira fase do capitalismo, isto , na cooperao,
caracterizada pelo fato de diversos trabalhadores sob o comando de um detentor de capital,
principiou a diviso do trabalho com base no processo produtivo. Na aparncia imediata no
houve, em geral, modificao substantiva no modo de trabalho do indivduo que utilizava suas
ferramentas para realizar seu trabalho manual e ainda possua as condies de controle
intelectual da mercadoria que produzia. Porm, numa anlise mais apurada, percebem-se
mudanas qualitativas11, pois o gerenciamento do capitalista do trabalho coletivo para
aproveitar melhor os meios de produo, possibilitou diminuir a mdia de trabalho socialmente
necessrio uma vez que
... 1 dzia de pessoas juntas, numa jornada simultnea de 144, proporciona um
produto global muito maior do que 12 trabalhadores isolados ... Isso resulta do
fato de que o homem , por natureza, se no um animal poltico, como acha
Aristteles, em todo caso um animal social. (MARX, 1988, v.1, p.247)
Portanto, ao conduzir as atividades na busca do aumento da produtividade sem o aumento
da jornada, houve o aumento da frao de trabalho excedente, no pago, com o mesmo nmero
de horas trabalhadas. Neste mesmo processo, planejamento de controle da produo de
mercadorias pelo capitalista, foi dado o primeiro passo no sentido da desqualificao tcnica
do trabalhador, fator que posteriormente possibilitou a diminuio da necessidade de
preparao tcnica de mesmo nvel para todos pelo fato de cindir a unidade do trabalho que
composta por atividades manuais e intelectuais. Todavia, o que o processo de trabalho perdeu
em razo dessa ciso, foi compensada, pois
A associao dos trabalhadores cria a fora coletiva de trabalho, que por sua
vez, aumenta o rendimento individual, por promover uma adio capacidade
do trabalho de cada indivduo. Como resultado potencializa o trabalho obtido
num mesmo tempo, expande a produo de mercadorias e a qualidade do
trabalho realizado, amplia a fora produtiva e viabiliza maior trabalho
excedente. (SILVA, 2005, p.74)
A constante, porm, insacivel necessidade de valorizao do capital levou busca do
11
Nas palavras de Marx: De incio a diferena , portanto, meramente quantitativa (MARX, 1988, v.1, p.244).
Cabe lembrar que existem duas formas de cooperao: a cooperao simples, em que todos fazem o mesmo, isto ,
no h diviso do trabalho; e a cooperao com diviso do trabalho, que a manufatura desenvolvida. A
cooperao, como categoria geral, a base da produo de mais-valia relativa.
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aumento de produtividade e, em conseqncia, a novas formas de organizao e gesto do
processo de trabalho. Surge, ento, a manufatura, a qual requer a decomposio de determinada
atividade em suas diversas operaes parciais12
. Logo, o revolucionamento do processo de
trabalho na manufatura tem como ponto de partida a fora de trabalho. Assim, por executar
apenas uma operao simples o trabalhador transforma todo seu corpo em rgo automtico
unilateral dessa operao e, portanto, necessita para ela menos tempo que o artfice, que
executa alternadamente toda uma srie de operaes. (MARX, 1988, v.1, p.256). Por outro
lado, a repetio contnua da mesma ao limitada, bem como a concentrao de ateno,
ensina o trabalhador a atingir o efeito til com o mnimo de esforo. A diviso manufatureira
possibilita o aumento da produtividade do trabalho, a qual [...] depende no s da virtuosidade
do trabalhador, mas tambm da perfeio de suas ferramentas (MARX, 1988, v.1, p.257).
Marx explica que foi durante a manufatura, forma especfica do modo de produo
capitalista em busca do aumento de lucro e produtividade, que as ferramentas de trabalho foram
aperfeioadas, o que mais tarde possibilitou o surgimento da grande indstria, movida pela
maquinaria. Porm, essa nova forma de organizao do trabalho, de carter parcelado,
exacerbou a separao entre as atividades intelectuais e manuais. Em decorrncia, acentuou a
diferena entre os trabalhadores mais qualificados e os menos qualificados, ao mesmo tempo
em que trouxe a eliminao ou a reduo dos custos para com o processo de aprendizagem e
em conseqncia uma proporcional desvalorizao relativa da fora de trabalho:
Como forma especificamente capitalista do processo de produo social e sob
as bases preexistentes ela no podia desenvolver-se de outra forma, a no ser na
capitalista apenas um mtodo especial de produzir mais-valia relativa ou
aumentar a autovalorizao do capital o que se denomina riqueza social
custa dos trabalhadores (MARX, 1988, v.1, p.273, grifo nosso)
Com a separao formal entre as atividades intelectuais e manuais houve tambm a
hierarquizao da fora de trabalho. A aptido para o trabalho dos indivduos passou a ser
considerada de acordo com uma escala de referncias que os classifica de hbeis a inbeis. Os
primeiros recebem preparo para o desempenho de sua atividade profissional e desenvolvem
alguma forma de habilidade especial, o que demanda custos de aprendizagem. Os segundos
limitam-se a funes fragmentadas, cuja execuo no requer preparao formal e por isso no
12
De acordo com Marx, a manufatura: introduziu a diviso do trabalho e a desenvolve mais do que na cooperao
na cooperao simples; combina ofcios anteriormente separados; pode ser composta ou simples; todavia, depende
da fora, habilidade, rapidez e segurana do trabalhador individual no manejo de seu instrumento de trabalho; cada
trabalhador executa uma funo parcial, perdendo a noo do processo cientfico da produo.
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h custos. Todavia, mesmo para os considerados hbeis o custo tornou-se cada vez menor uma
vez que a partir da diviso manufatureira as atividades foram cada vez mais simplificadas. Os
maiores salrios so pagos queles cuja preparao da fora de trabalho demandou maior
tempo e maior quantidade de dinheiro, o equivalente geral de todas as mercadorias. Entretanto,
mesmo os mais hbeis sofreram prejuzos em relao ao processo de aprendizagem, pois
No caso do trabalhador manual eliminada grande parte da atividade
intelectual, enquanto para o trabalhador intelectual eliminada grande parte da
atividade prtica. O parcelamento do trabalho que ata o trabalhador a uma nica
operao durante a vida inteira reduz, em abrangncia, sua capacidade de
trabalho e transforma seu corpo em rgo especializado dessa operao.
(SILVA, 2005, p.83)
Desta forma, alm de aumentar a produtividade e, portanto, aumentar a quantidade
produzida com me