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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de São José do Inhacorá/RS 77 Formar ou não uma Cooperativa? O Caso dos Agricultores Familiares de São José do Inhacorá/RS NARESSI, Adelar José 8 COTRIM, Décio 9 RESUMO Este artigo trata da discussão acerca da formação ou não de uma cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, no município de São José do Inhacorá, na região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Para elucidação do caso foram entrevistados, paritariamente, lideranças e agricultores do município, com a finalidade de identificar quais os setores da agricultura familiar encontram-se desamparados e carentes de organização. Buscou-se também perceber o interesse das lideranças municipais e, principalmente, dos agricultores familiares em formar, fazer parte, bem como participar das tomadas de decisões da organização em prol da coletividade. Os dados obtidos revelam que tanto lideranças quanto agricultores reconhecem existir a necessidade de formar uma nova organização, como forma de organizar os setores e suprir as carências, em busca do desenvolvimento da agricultura familiar local. O estudo evidenciou também a falta de credibilidade por parte dos agricultores em relação ao modelo de cooperativismo atual. Identificou ainda, a inexistência de espírito cooperativo nos agricultores, que apesar de admitirem fazer parte do quadro social, não demonstram interesse em participar das decisões da nova organização. Assim, com o entendimento de que antes de termos direitos, temos deveres, conclui-se que este não é o momento certo de formar a nova organização, mas sim de primeiramente entender os valores e princípios do cooperativismo para posteriormente formar a cooperativa. Palavras-chave: Cooperativismo. Agricultura familiar. Participação. ABSTRACT This paper discusses the extent to which it is worth to create a new cooperative, formed exclusively by family farmers, in the town of São José do Inhacorá, northwest of the state of Rio Grande do Sul. To elucidate the issue, leaders and farmers of the town were equally interviewed, in order to identify which sectors of family farming need help and organization. We also sought to understand the interest of the leaders and, mainly of the family farmers, in being part, as well as in participating of the decisions of the organization in favor of the collectivity. The obtained data showed that both leaders and farmers recognize the need to form a new organization as a way to organize sectors and meet needs, in search of the development of local family 8 Engenheiro de Produção Agroindustrial, Pós-graduando em Gestão do Cooperativismo ESCOOP, Extensionista da EMATER/RS-ASCAR, E-mail: [email protected]. 9 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR UFRGS, Extensionista da EMATER/RS-ASCAR, E-mail: [email protected].

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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de São José do Inhacorá/RS

77

Formar ou não uma Cooperativa? O Caso dos Agricultores Familiares de São

José do Inhacorá/RS

NARESSI, Adelar José8 COTRIM, Décio9

RESUMO

Este artigo trata da discussão acerca da formação ou não de uma cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, no município de São José do Inhacorá, na região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Para elucidação do caso foram entrevistados, paritariamente, lideranças e agricultores do município, com a finalidade de identificar quais os setores da agricultura familiar encontram-se desamparados e carentes de organização. Buscou-se também perceber o interesse das lideranças municipais e, principalmente, dos agricultores familiares em formar, fazer parte, bem como participar das tomadas de decisões da organização em prol da coletividade. Os dados obtidos revelam que tanto lideranças quanto agricultores reconhecem existir a necessidade de formar uma nova organização, como forma de organizar os setores e suprir as carências, em busca do desenvolvimento da agricultura familiar local. O estudo evidenciou também a falta de credibilidade por parte dos agricultores em relação ao modelo de cooperativismo atual. Identificou ainda, a inexistência de espírito cooperativo nos agricultores, que apesar de admitirem fazer parte do quadro social, não demonstram interesse em participar das decisões da nova organização. Assim, com o entendimento de que antes de termos direitos, temos deveres, conclui-se que este não é o momento certo de formar a nova organização, mas sim de primeiramente entender os valores e princípios do cooperativismo para posteriormente formar a cooperativa. Palavras-chave: Cooperativismo. Agricultura familiar. Participação.

ABSTRACT

This paper discusses the extent to which it is worth to create a new cooperative, formed exclusively by family farmers, in the town of São José do Inhacorá, northwest of the state of Rio Grande do Sul. To elucidate the issue, leaders and farmers of the town were equally interviewed, in order to identify which sectors of family farming need help and organization. We also sought to understand the interest of the leaders and, mainly of the family farmers, in being part, as well as in participating of the decisions of the organization in favor of the collectivity. The obtained data showed that both leaders and farmers recognize the need to form a new organization as a way to organize sectors and meet needs, in search of the development of local family

8 Engenheiro de Produção Agroindustrial, Pós-graduando em Gestão do Cooperativismo ESCOOP,

Extensionista da EMATER/RS-ASCAR, E-mail: [email protected]. 9 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Desenvolvimento Rural PGDR – UFRGS, Extensionista da

EMATER/RS-ASCAR, E-mail: [email protected].

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farming. However, the study has also revealed the lack of credibility on the part of farmers in relation to the current cooperativism model. Besides that, it has identified the inexistence of a cooperative spirit among farmers, which, despite admitting to be part of a social frame, did not show any interest in participating on the decisions of a new organization. Thus, with the understanding that, before having rights, we have duties, we concluded that this is not the right time to form a new organization, but firstly it is necessary to work on values and principles of cooperativism, so that, later on, a new cooperative can be formed. Keywords: Cooperativism. Family farming. Participation.

1 INTRODUÇÃO

As terras que atualmente constituem o município de São José do Inhacorá,

desde 1682, integravam a Província das Missões, administrada pelos Jesuítas. Essa

situação perdurou até por volta de 1750, quando foi assinado o Tratado de Madrid e

este território passou a pertencer a Portugal. Em 1757, os Jesuítas foram expulsos e

a região passou a ser governada por milicianos espanhóis.

No ano de 1801, a região foi reconquistada e integrada definitivamente à área

Rio-grandense, sendo que antes fazia parte da Colônia do Sacramento. São José do

Inhacorá pertenceu respectivamente aos seguintes municípios: Rio Pardo, até 1809,

Cachoeira do Sul, até 1819, Cruz Alta, até 1834 e Santo Ângelo, até 1954. Em 16 de

dezembro de 1954 passou a fazer parte do município de Três de Maio, do qual se

emancipou em 1992.

Os primeiros moradores enfrentaram grandes dificuldades, como o ataque de

animais selvagens e dos bandidos que fugiam de Santo Ângelo na Guerra entre

Chimangos e Maragatos. Tinham dificuldades na obtenção de sementes para o

plantio de suas roças, pequenas lavouras que abriam no meio das matas virgens.

Enfrentavam também os Índios Guaranis que fugiram da Guerra do Chaco, entre

Paraguai e Bolívia, quando aproximadamente 250 famílias indígenas acamparam na

região, durante três meses.

Os primeiros moradores, na grande maioria de origem alemã, começaram a

chegar a São José do Inhacorá por volta de 1923, ocupando áreas próximas dos rios

Inhacorá e Buricá e dos Lajeados Restinga, Itu, Caramuru, Jundiá, Mato Queimado,

Barra Seca, Ilha e Tonguinha. As famílias eram muito dadas às lidas caseiras e

tinham por costumes a troca de favores e serviços e a visita aos vizinhos nos finais

de semana. (SÃO JOSÉ DO INHACORÁ, 2013).

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O município de São José do Inhacorá localiza-se na região Noroeste do

estado do Rio Grande do Sul. Apresenta uma população de 2.200 habitantes, com

62,18% da população residindo no meio rural. (SÃO JOSÉ DO INHACORÁ, 2013). A

extensão territorial é de 77,81 km², representando uma densidade demográfica de

28 habitantes por quilômetro quadrado. O interior do município está dividido em 23

localidades, onde se encontram as 477 famílias de produtores rurais, sendo 100%

de regime familiar.

A economia do município baseia-se principalmente no setor primário. A

principal atividade é a agrícola, com cultivo de soja, milho, trigo, mandioca e cana-

de-açúcar, seguida da pecuária, com criação de bovinos de leite, suínos, ovinos,

peixes e aves. No setor secundário, destaca-se o crescimento de algumas indústrias

(metalúrgicas, moveleiras, têxteis, artefatos de cimento, fábrica de palitos) que

absorvem a mão-de-obra da população da zona urbana. Os estabelecimentos

comerciais são de pequeno porte e operam com gêneros alimentícios de primeira

necessidade, tecidos e instrumentos mais elementares na atividade agrícola.

A prestação de serviços resume-se a oficinas mecânicas, fotógrafos, salões

de beleza, bares, eletrônicas, construtoras, armazéns, açougues, costureiras,

funerária, farmácia, posto de combustível, eletricista, escritório despachante e de

contabilidade e atendimento odontológico. Além disso, o município conta com

serviços de atendimento público como Brigada Militar, cartório, Correios e

Telégrafos, banco postal, unidades sanitárias, laboratório clínico, Bansicredi,

Emater/RS-Ascar, Casa do Agricultor, hospital, escola estadual e municipal,

biblioteca pública, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Cooperativa Agropecuária

Alto Uruguai (COTRIMAIO).

O relevo é bastante acidentado, terras dobradas, com pequenas e grandes

elevações. Apresenta também algumas partes planas e depressões. O clima

predominante é o temperado. As temperaturas máximas ocorrem nos meses de

dezembro, janeiro e fevereiro, e as temperaturas mínimas ocorrem nos meses de

junho, julho e agosto, com intensas formações de geadas. As estações do ano não

estão bem definidas, conforme temperatura.

A agropecuária, ao longo dos anos, desempenhou papel importante no

crescimento do município, como geradora de renda e mão-de-obra. Por outro lado,

as mudanças provocadas pelo processo de desenvolvimento, aliadas à revolução

tecnológica, distorceram as funções das pequenas propriedades rurais. As políticas

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agrícolas, desenvolvidas durante o período compreendido como “Revolução Verde”,

impuseram aos agricultores um regime de monocultura, forçando os agricultores a

abandonarem a produção diversificada e de subsistência e partirem para o cultivo

em grande escala, visando exclusivamente ao mercado externo e ao lado comercial

da produção, sem atender à demanda do mercado local e de subsistência.

Não demorou muito para que os produtores percebessem que a monocultura

era um sistema equivocado para as propriedades de pequeno porte. O crescente

aumento no custo da produção, a dependência de máquinas e insumos externos,

aliados à oscilação dos preços dos produtos no mercado externo, tornaram a

atividade inviável, deixando as propriedades ineficientes e insustentáveis. Os

produtores, descapitalizados, foram obrigados a repensar suas atividades e a partir

em busca de alternativas e formas de produção que ofereçam condições de renda e

de qualidade de vida para suas famílias.

Frente a essa situação, a bovinocultura de leite passou a ser a principal

atividade econômica para grande número de famílias rurais, estando presente em

quase 50% das propriedades. Um diagnóstico recente, realizado pela Secretaria

Municipal do Agronegócio e Meio Ambiente, identificou que diariamente são

produzidos 31.000 litros de leite, em 216 propriedades do município.

A atividade vem recebendo diversos incentivos que visam a fomentar a

produção, resultando em melhorias significativas e crescentes, tanto na

produtividade como também na qualidade do produto. Observa-se, porém, que o

setor carece de melhor organização e gestão da produção, principalmente na

comercialização do produto.

Atualmente, 16 empresas, diariamente, circulam pelo interior do município,

recolhendo a produção. Produtores da mesma localidade recebem preços diferentes

pelo produto, variando de R$ 0,69 a R$ 0,97 por litro de leite comercializado.

Destaca-se também que, apesar de o volume de produção ser significativo e

crescente, não existe nenhuma unidade de recebimento, resfriamento e

processamento da produção no município.

Entre tantas ações de incentivo à atividade leiteira, destaca-se a prestação de

serviços de máquinas, em diversas atividades, como confecção, transporte e

compactação de silagem, fenação, transporte de adubo orgânico e serviços com

roçadeiras tratorizadas. Além desses serviços, que são prestados através dos 10

grupos de máquinas existentes, o município conta também com o Conselho de

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Desenvolvimento Comunitário (FUNDEC), criado em 1993, que desde o ano de

1995 presta serviços com um trator de esteiras.

Tanto os grupos de máquinas quanto o FUNDEC vêm prestando relevantes

serviços em prol dos agricultores familiares. O que se observa é a necessidade de

melhor organizar a prestação desses serviços e também adquirir mais máquinas

para melhorar o atendimento e consequentemente as condições de desempenho

das atividades geradoras de renda.

A alternativa de geração de renda, que se encontra em pleno crescimento, é o

setor das agroindústrias, que resulta no processamento da matéria-prima produzida

nas propriedades rurais. Atualmente, estão em atividade três agroindústrias

formalizadas, sendo um abatedouro, uma agroindústria de embutidos e uma de chás

e aditivos para chimarrão. O Programa Estadual de Agroindústria Familiar do estado

do Rio Grande do Sul apresenta uma série de medidas para facilitar a implantação e

a legalização das agroindústrias familiares. Através desse programa estão

formalizadas mais quatro agroindústrias, sendo duas de derivados de cana-de-

açúcar, uma de panificação e confeitaria e uma de açougue e embutidos. Além

dessas, várias famílias desenvolvem a agroindustrialização de forma artesanal e

informal, oportunizando receita extra para as propriedades.

Atualmente, a comercialização é realizada de forma direta aos consumidores

finais ou através da Central de Vendas de Produtos Coloniais, Agroindustriais e

Artesanais, existente no município. Nos últimos anos, os Programas Institucionais,

como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de

alimentação Escolar (PNAE), demonstram ser importantes alternativas de mercado

para absorver a produção resultante das agroindústrias familiares. Percebe-se que o

setor das agroindústrias demonstra enorme potencial de geração de renda e

qualidade de vida para as famílias rurais. Por outro lado, percebe-se que o setor

precisa melhorar a organização para poder enfrentar o mercado e alcançar os

objetivos esperados.

Salienta-se que, recentemente, outras atividades, como a fruticultura, a

horticultura, a apicultura, a ovinocultura e a piscicultura também passaram a ser

exploradas com maior intensidade nas pequenas propriedades rurais do município,

como alternativas de geração de renda para as famílias. Ao mesmo tempo em que

essas atividades surgem como alternativas de geração de renda, muitos entraves

são observados, como o baixo preço recebido pela produção, a interferência de

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intermediários e atravessadores, o alto custo dos insumos, a carência de mão-de-

obra e de assistência técnica e gerencial, além da fiscalização tributária e sanitária.

Esses fatores interferem diretamente no desenvolvimento das propriedades e até

mesmo na permanência das famílias no meio rural.

Outro fator determinante para provocar a busca por uma alternativa que

venha ao encontro dos anseios dos agricultores familiares e de suas atividades é a

situação na qual se encontra a Cooperativa Agropecuária Alto Uruguai Ltda.

(COTRIMAIO). A grande maioria dos produtores rurais de São José do Inhacorá está

associada a esta organização cooperativa, que está presente em 18 municípios da

região, com quase 12.000 associados e mais de 600 colaboradores.

O empreendimento, com 44 anos de atuação no comércio de recebimento de

grãos e de leite, lojas agropecuárias, supermercados e postos de combustíveis,

recentemente decretou processo de liquidação extrajudicial, com continuidade de

negócios. A medida foi tomada, em janeiro de 2013, visando a proteger o patrimônio

e buscar prazo para renegociação das dívidas. A cooperativa já perdeu causas na

justiça, movida por credores, e vem enfrentando leilões do seu patrimônio, o que

tornou a situação insustentável. Para tirar a cooperativa da crise em que se

encontra, a nova diretoria está analisando criteriosamente todos os negócios e

aqueles que não estão gerando sobras estão sendo desativados. Tal decisão pode

provocar o encerramento das atividades da unidade local.

Preocupados com essa situação, autoridades, lideranças municipais e das

comunidades, juntamente com alguns produtores, buscam encontrar uma alternativa

para organizar o setor produtivo e enfrentar essas dificuldades. Recentemente,

baseado em experiências de outras regiões, o cooperativismo, voltado

exclusivamente à agricultura familiar, passou a ser estudado como forma de

contribuir para a competitividade das pequenas propriedades rurais e suas

atividades. Dessa forma, alicerçados no espírito cooperativista, e contando com

suporte do Programa Gaúcho do Cooperativismo Rural, os produtores estão sendo

desafiados e incentivados a criar uma nova organização cooperativa de agricultores

familiares, como forma de atingir os objetivos comuns.

O presente estudo visa a observar os cenários, identificar os atores sociais do

cooperativismo e, a partir destes, indicar o caminho da constituição, ou não, de uma

nova cooperativa de agricultores familiares no município de São José do Inhacorá.

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2 METODOLOGIA

Para a realização do estudo, utilizou-se a entrevista semiestruturada como

técnica de coleta de dados para obtenção das informações necessárias. Mediante a

aplicação de uma entrevista, procurou-se identificar o real interesse das autoridades

e lideranças municipais, bem como dos agricultores familiares, quanto à constituição

e participação no quadro social de uma nova cooperativa de agricultores familiares,

no município de São José do Inhacorá.

De acordo com Marconi e Lakatos (2006), a entrevista é um encontro entre

duas pessoas, no qual uma delas pode obter informações em relação a determinado

assunto, através de uma conversa de natureza profissional. Trata-se de um método

usado na investigação social, para a coleta de dados ou para auxiliar no diagnóstico

de um determinado assunto ou problema. A entrevista de forma não estruturada

permite que o entrevistado tenha a total liberdade para expressar suas opiniões e

sentimentos.

A coleta de informações para a execução da pesquisa aconteceu mediante a

aplicação de entrevistas a 22 pessoas, no período de 10 de julho a 05 de agosto de

2013. A investigação acerca das opiniões das autoridades e lideranças municipais

ligadas ao setor agropecuário do município foi executada mediante a aplicação da

entrevista para 11 pessoas, envolvendo o Executivo Municipal, Secretários,

Assessoria Jurídica, lideranças sindicais e presidentes de conselhos e associações

municipais. Para identificar a opinião dos agricultores familiares, a entrevista foi

dirigida a 11 pessoas representantes dos segmentos da bovinocultura de leite, das

agroindústrias, da Associação Central de Vendas de Produtos Coloniais, dos

hortifrutigranjeiros e a integrantes dos grupos de máquinas do município.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A cooperação sob a ótica social e humana, de uma forma mais ampla, como

processo de relação social, está na essência do ser humano, representada pela vida

em comunidade desde a pré-história, como meio de sobrevivência, através da

segurança ou exploração de um território em comum e da busca de necessidades

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básicas, como alimento e moradia. Entretanto, essas formas de organização,

mesmo que primitivas, nos servem como referência até os dias de hoje, quando se

busca a melhoria da qualidade de vida dos associados de cooperativas e das

comunidades. (LAGO, 2009).

Para Lago (2009), a cooperação é uma prática tão antiga quanto a própria

humanidade e, de certa forma, ajudou o homem a enfrentar as dificuldades a ele

impostas. Sem a cooperação, os seres humanos possivelmente estariam vivendo

ainda em cavernas.

Conforme Zamberlam e Froncheti (1992 apud LAGO, 2009), a cooperação é

uma forma de organização de trabalho, podendo estar presente em todas as formas

sociais: meios de produção comunal primitivo, escravista feudal, capitalista e

socialista.

Sob a ótica econômica, a cooperação pode ser considerada uma estratégia

para a geração de vantagens competitivas para as organizações. Enquanto a

sociedade ainda não estiver organizada, estando valendo a lei do mais apto, o

competidor terá melhor resultado que o cooperador, restringindo a existência da

cooperação. No entanto, no momento em que a sociedade se organiza, a

cooperação passa a gerar maiores benefícios que a competição individual. (LAGO,

2009, p. 37-38).

Segundo Wickert (2010), a cooperativa é uma associação de pessoas

comprometidas a realizar, em bases empresariais e na colaboração recíproca,

atividades econômicas de interesse grupal, com o objetivo de melhorar as condições

econômicas e sociais de seus associados. Para tanto, os objetivos comuns, de

forma participativa e democrática, devem ser colocados em primeiro lugar, acima

dos interesses particulares. Além disso, os princípios do cooperativismo devem ser

seguidos e cumpridos.

A identidade cooperativa, segundo as Deliberações de Manchester, é descrita

por Menezes (2005, p. 94-95)), assim:

I Definição de Cooperativa – Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida. II Valores do Cooperativismo – As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição de seus fundadores, os membros das

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cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação pelo semelhante. III Princípios do Cooperativismo – Os princípios cooperativos são as linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam os seus valores à prática: Adesão voluntária e livre – As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e a assumir as responsabilidades como membros, sem discriminações de sexo, sociais, raciais, políticas e religiosas. Gestão democrática pelos membros – As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto); as cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira democrática. Participação econômica dos membros – Os membros contribuem equitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver, uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das seguintes finalidades: — desenvolvimento de suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos será indivisível; — benefício aos membros na proporção das suas transações com a cooperativa; — apoio a outras atividades aprovadas pelos membros. d) Autonomia e independência – As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa. e) Educação, formação e informação – As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir eficazmente para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação. f) Intercooperação – Trabalhando em conjunto através das estruturas locais, regionais e internacionais, as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão força ao Movimento Cooperativista. g) Interesse pela comunidade – As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas por seus membros.

De acordo com Cotrim (2009), a cooperativa apresenta-se como uma das

alternativas de organização social, representando a possibilidade de superação das

dificuldades ao redor das necessidades e objetivos comuns a uma determinada

classe social. A cooperativa exige uma mudança de postura dos atores sociais

envolvidos, tornando-se empreendedores de sua própria organização coletiva. Além

disso, segundo o mesmo autor, as organizações cooperativas têm seus objetivos

principais centrados na melhoria das condições de trabalho ou de consumo dos

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atores sociais envolvidos, na melhoria da renda e na ampliação do

autodesenvolvimento de seus membros.

Conforme descreve Wickert (2010), uma cooperativa é constituída de dois

elementos fundamentais: o social, que é a reunião de pessoas, e o econômico, que

é a prestação de serviços. Para alcançar os resultados esperados, esses elementos

precisam estar equilibrados, motivando a participação e ao mesmo tempo

desenvolvendo o projeto econômico dos associados. Segundo a lei nº 5.764/71,

”celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se

obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício de uma atividade

econômica de proveito comum, sem objetivo de lucro. São sociedades de pessoas,

com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência,

constituídas para prestar serviços aos associados”. A cooperativa tem por finalidade

construir a melhoria das condições socioeconômicas de seus membros, buscando a

sua autonomia política e financeira através da autoajuda e ajuda mútua de seus

associados.

A agricultura familiar, para Wanderley (apud TEDESCO, 1999), é uma

categoria social recente, que no Brasil assume ares de novidade e renovação. É um

conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações específicas e

particulares. Atualmente, a agricultura familiar sente-se obrigada a modificar sua

vida social tradicional para adaptar-se ao novo contexto socioeconômico. Essas

transformações do agricultor familiar moderno não produzem uma ruptura total e

definitiva com as formas anteriores, gestando, antes, um agricultor portador de uma

tradição camponesa, o que lhe permite, com precisão, adaptar-se às novas

exigências da sociedade.

O Ministério do Desenvolvimento Social define agricultura familiar, como:

A agricultura familiar é uma forma de produção onde predomina a interação entre gestão e trabalho; são os agricultores familiares que dirigem o processo produtivo, dando ênfase na diversificação e utilizando o trabalho familiar, eventualmente complementado pelo trabalho assalariado. (BRASIL, 2013).

A participação do ser humano em uma organização, bem como na sociedade,

varia de acordo com a sua motivação. Para Abrantes (2004), a motivação do ser

humano é um dos grandes segredos para o sucesso de qualquer negócio. Uma

pessoa ou um grupo desmotivado pode levar ao fracasso qualquer iniciativa ou

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tentativa de negócio, por melhor que tenha sido o planejamento. Se, por um lado é

difícil motivar uma pessoa, por outro lado é muito fácil desmotivá-la. O que promove

a motivação é um bom ambiente, onde as pessoas se sentem úteis, respeitadas e

com liberdade de expressão, de sentimentos e de ideias.

No que se refere à participação dos associados, Schneider (2003) acredita

que existem alguns fatores importantes que dificultam o desenvolvimento de

processos educativos na cooperação, no seio das cooperativas brasileiras.

Primeiramente, a não participação dos associados na gestão de suas cooperativas,

por não se sentirem donos. Ao contrário, sentem-se alijados da tomada de decisões,

não participando efetivamente das reuniões e assembleias, abrem mão do direito de

participação. Repassam aos gestores as rédeas institucionais, considerando não

dominarem, eles próprios, os saberes necessários à gestão. Sendo assim, o

crescimento das cooperativas determina a profissionalização institucional, afastando,

ainda mais, os associados da gestão participativa e causando isolamento de espaço,

de conhecimento e, também, cultural, dentro da instituição.

O sócio é imediatista, é sôfrego em buscar o resultado, é oportunista nos negócios, é antes de tudo o indivíduo e não a sociedade. Enquanto a sociedade caminha lenta, gradual e sistematicamente, visando à segurança do presente e enraizando bases sólidas para o futuro, o sócio só percebe o presente e se aninha no passado. (BENATO, 1994, p. 7 apud SCHNEIDER, 2003, p. 48).

Para Ricciardi (2000), considerando que a cooperativa é uma sociedade de

pessoas, que usam seu capital e unem seus esforços para atingir objetivos comuns,

com uma gestão democrática, a atitude dos cooperados é extremamente importante.

O cooperado, além de ser a força de trabalho é, e deve comportar-se como, dono e

usuário da cooperativa. Além disso, é preciso que ele se interesse pelo que é seu,

seguindo o estatuto social e acompanhando o andamento de sua empresa. O

associado deve refletir que se ele aderiu à cooperativa para atender principalmente

a suas próprias necessidades, optou pela ação em grupo. A empresa cooperativa só

tende a crescer se os cooperados participarem plenamente de todos os seus

momentos e atividades.

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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de São José do Inhacorá/RS

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3.2 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O debate sobre a constituição de uma cooperativa exclusivamente de

agricultores familiares no município de São José do Inhacorá/RS surgiu tendo em

vista as necessidades e carências de alguns segmentos, como a produção de leite,

as agroindústrias, a central de vendas de produtos coloniais, o setor de

hortifrutigranjeiros, a assistência técnica, os grupos de máquinas, o FUNDEC e os

programas institucionais PAA e PNAE.

A discussão sobre a constituição da nova cooperativa tem se intensificado

nos últimos anos, tendo em vista o crescimento de alguns segmentos como a

bovinocultura de leite, as agroindústrias e o setor de hortifrutigranjeiros. Outro fator

relevante é que o modelo de cooperativismo atual, não atende as necessidades dos

agricultores familiares e não está preparado para acompanhar o crescimento desses

segmentos. É o caso da Cooperativa Agropecuária Alto Uruguai Ltda. (COTRIMAIO),

que recentemente decretou processo de liquidação extrajudicial, com possibilidade,

inclusive, de encerrar as atividades da unidade local.

De acordo com o que já vem sendo discutido por lideranças e conselhos

municipais, a nova cooperativa surgiria com o propósito de organizar, dar suporte

técnico e gerencial, tanto na produção quanto na comercialização dos produtos,

promovendo o desenvolvimento social, econômico e ambiental dos segmentos

envolvidos, bem como do quadro de associados da nova organização.

Este estudo tem por objetivo identificar a real necessidade, bem como

descobrir quais os segmentos que se encontram desamparados e demonstram

interesse em formar e fazer parte de uma nova organização cooperativa. Buscou-se

também perceber o interesse das lideranças municipais e, principalmente, o

interesse e a motivação dos agricultores em formar, fazer parte do quadro social,

bem como em participar das tomadas de decisões de uma nova cooperativa de

agricultores familiares.

Para elucidação dessas dúvidas, usou-se a técnica da entrevista como forma

de obtenção das informações necessárias para se chegar a uma conclusão a

respeito do problema em questão. A aplicação da entrevista foi realizada de forma

que os entrevistados tiveram a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. Foi

elaborado um conjunto de questões previamente definidas, mas a aplicação ocorreu

de forma semelhante a uma conversa informal entre duas pessoas, o entrevistador e

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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de São José do Inhacorá/RS

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o entrevistado, ambos com pleno conhecimento sobre o caso abordado. Durante a

aplicação das entrevistas, servimo-nos também da experiência de extensionista rural

para identificar o que o entrevistado estava sentindo ou pensando, mas que não

manifestou para não contrariar ou comprometer a relação de trabalho e de amizade

existente entre extensionistas e assistidos.

Procurou-se identificar a opinião dos entrevistados mediante a aplicação de

quatro questionamentos. O primeiro tinha por objetivo perceber se os entrevistados

acreditam que o modelo de cooperativismo existente atualmente no município

atende as necessidades dos agricultores familiares. O segundo questionamento

procurou identificar quais os segmentos da agricultura familiar estão desamparados

pelo modelo atual de cooperativismo. O terceiro questionamento foi em relação à

credibilidade dos entrevistados quanto à formação de uma nova organização

cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, se esta atenderia às

expectativas e necessidades dos associados, nos diversos segmentos envolvidos. O

quarto e último questionamento buscou ouvir a opinião dos entrevistados, de forma

direta e objetiva, em relação à formação ou não, e quais os segmentos que devem

fazer parte da cooperativa de agricultores familiares no município de São José do

Inhacorá.

3.2.1 Posicionamento das Lideranças Municipais

Entre as lideranças foi possível perceber forte preocupação em relação à

carência de organização de diversos segmentos e, por consequência, a necessidade

imediata de encontrar uma forma de organizar e fortalecer esses setores, a fim de

torná-los competitivos.

Os entrevistados, de um modo geral, relataram que acreditam que, através do

cooperativismo, as carências serão supridas e que, através desse sistema de

organização, a agricultura familiar encontrará o caminho para o pleno

desenvolvimento.

Em relação ao primeiro questionamento, diversas foram as opiniões, mas

todos os entrevistados opinaram que o modelo atual de cooperativismo existente

atualmente em São José do Inhacorá atende parcialmente as necessidades e as

expectativas dos agricultores familiares, deixando alguns setores desamparados.

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Capítulo IV - Formar ou não uma Cooperativa? O caso dos agricultores familiares de São José do Inhacorá/RS

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A cooperativa de crédito parcialmente atende as expectativas, no sentido do seu envolvimento com a sociedade, porém o associado não vê a cor do dinheiro das sobras da cooperativa, apesar da propalada integralização na cota capital que nunca cresce. A cooperativa de produção em muitos momentos fez e ainda faz a sua função de cooperativa como balizadora de preços de insumos, sementes e demais mercadorias, assim como das mercadorias comercializadas pelos associados. Os problemas são sucessivas más gestões, que descapitalizaram a cooperativa, perdendo poder aquisitivo e consequentemente competitividade no fornecimento de insumos e a credibilidade na compra dos produtos dos associados. (LIDER 2).

Na visão do líder sindical, o modelo atual de cooperativismo existente está

ainda muito distante da real necessidade dos agricultores familiares.

As cooperativas atualmente atendem somente em parte as necessidades dos agricultores familiares. As cooperativas tomaram outro rumo, procurando atingir metas de faturamento e resultado, sem observar se o seu associado está tendo o resultado esperado ou se está sendo atendido. De um modo geral, o sistema atual de cooperativismo de produção está falido. (LÍDER 10).

Em relação ao atendimento aos associados por parte da cooperativa de

produção COTRIMAIO, da qual a grande maioria dos agricultores familiares de São

José do Inhacorá faz parte, as manifestações não foram favoráveis à situação atual.

A COTRIMAIO, quando na sua fundação, atendeu bem a seus associados, mas com o passar dos anos ela se envolveu em uma região muito extensa e com isso deixou de ser uma organização voltada para seus associados e isso fez com que entrasse em crise financeira. (LÍDER 11).

No que se refere aos segmentos da agricultura familiar que se encontram

desamparados no momento e que devem fazer parte da nova organização, todos os

segmentos abordados na entrevista foram citados pelas lideranças. Por outro lado,

ficou evidente certa desconfiança em relação à participação da bovinocultura de leite

e dos grupos de máquinas. Todos se manifestaram dizendo que há a necessidade

desses segmentos integrarem a nova organização, mas alertaram para o descrédito

desses setores em relação ao associativismo, devido a diversas experiências

malsucedidas.

Vários setores e segmentos eram atendidos no período da criação da COTRIMAIO, desde bovinocultura de leite, suinocultura, hortifrutigranjeiros, assistência técnica e as culturas regionais. Com o passar dos anos ela se voltou demais para as médias e grandes

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propriedades, o que fez com que São José do Inhacorá ficasse desamparado. (LÍDER 11).

Quanto aos Programas Institucionais, o Programa de Aquisição de Alimentos

do Governo Federal (PAA) ainda não está sendo executado no município. No que se

refere ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) existe ainda grande

dificuldade na obtenção dos produtos. A cada compra, recai sobre a EMATER/RS-

ASCAR e a Secretaria Municipal do Agronegócio e Meio Ambiente a

responsabilidade de organizar os produtores para realizarem o fornecimento de seus

produtos. Os responsáveis pela aplicação do Programa no município manifestaram-

se da seguinte forma:

Falta organização na comercialização dos produtos. Por São José do Inhacorá ser um município pequeno, com vocação agrícola, os agricultores deveriam estar melhor amparados pela cooperativa. Quase não dá para acreditar que com quase quinhentas famílias de agricultores familiares, ainda temos dificuldades em conseguir os produtos da agricultura familiar para atender à meta do Programa Nacional de Alimentação Escolar. (LÍDER 6).

Entre as lideranças, houve unanimidade em relação à credibilidade na

formação da nova organização cooperativa. Embora com algumas ressalvas, todos

os entrevistados acreditam que a formação de uma cooperativa, exclusivamente

voltada à agricultura familiar, atenderia às necessidades e expectativas dos

associados.

Acredito que a constituição de uma nova cooperativa atenderia às necessidades dos associados, desde que realmente seja formada por pequenos agricultores, de abrangência somente do nosso município ou de no máximo cinco municípios da região. Com isso o associado conseguiria acompanhar o planejamento e as atitudes da diretoria da cooperativa. (LÍDER 11).

Ainda em relação à credibilidade quanto à constituição da nova organização

cooperativista, outra liderança, representando o Conselho Municipal de

Desenvolvimento do Agronegócio, manifestou-se da seguinte forma:

Acredito na nova cooperativa. No momento em que for criada uma organização e gerenciada por um grupo de pessoas as quais tenham conhecimento em gestão cooperativista, tenho certeza que uma nova cooperativa de agricultores familiares daria certo. (LÍDER 9).

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O representante da administração municipal, quando entrevistado em relação

à formação da cooperativa, expressou a opinião mais pessimista entre os líderes

entrevistados, principalmente no que se refere à aceitação e participação dos

associados, dizendo o seguinte:

Acredito que a nova cooperativa poderá atender às necessidades dos associados. Apesar de acreditar, fico na dúvida, porque não consigo medir o grau de aceitação dos agricultores familiares nessa alternativa. A perspectiva da permanência ou a sobrevivência da agricultura familiar nos deixa na dúvida, pois anualmente ocorre uma diminuição considerável das famílias no meio rural, e isto vem sendo cada vez mais preocupante, pois cada vez mais os jovens estão procurando alternativas de emprego na cidade, abandonando assim a propriedade. (LÍDER 1).

Outras lideranças manifestaram-se de forma mais positiva em relação à

formação da cooperativa, destacando a importância do cooperativismo e da

participação do quadro social nas decisões, em busca de alternativas que viabilizem

o crescimento socioeconômico da agricultura familiar.

Em nível de lideranças da comunidade está bem madura a decisão e a importância da criação da cooperativa da agricultura familiar, ao mesmo tempo em que em nível dos produtores há certa frieza em relação ao tema, porém há necessidade de reunir um número de vinte lideranças e traçar metas, objetivos e prioridades para então envolver a sociedade como um todo e com o passar dos anos ter-se uma cooperativa forte e envolvida nos diferentes aspectos da sociedade. A cooperativa também é importante no sentido de representar a coletividade da agricultura familiar, tanto em defender os interesses da classe bem como buscar novas alternativas de renda e principalmente novas formas de comercialização, tanto para o mercado institucional bem como para a participação em feiras. (LIDER 2).

Para outro entrevistado:

[...] Se houver um grupo de agricultores interessado em formar uma nova cooperativa, estou em pleno acordo. Porém todas as entidades ligadas à agricultura devem promover e incentivar a participação dos agricultores familiares e auxiliá-los na busca do sucesso da nova organização. (LÍDER 9).

Ainda, quando questionado sobre formação da nova organização cooperativa,

outro entrevistado afirma que:

Venho trabalhando a ideia de formar essa cooperativa há bastante tempo, junto aos conselhos, quando fiz parte das diretorias. Mas para dar certo, deve haver a participação e o apoio do poder público, sindicato,

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associações, conselhos, igrejas e também da ACI. Com isso a agricultura familiar conseguiria se organizar e planejar melhor suas propriedades e atividades, tendo assim maior viabilidade econômica, social e ambiental. (LÍDER 11).

Ainda em relação à formação ou não da nova cooperativa, a opinião

manifestada pela assessoria jurídica do município refere-se ao cooperativismo como

forma de dar legalidade às atividades que serão desenvolvidas através dessa forma

de organização.

Entendo que uma cooperativa viria ao encontro do que é legal. Assim como estão as coisas, os objetivos não são atendidos. Legalizá-la é o caminho correto para o sucesso da mesma. É necessário haver leis que regulem o que os associados pretendem executar. Uma cooperativa, antes mesmo de nascer, já vem regulamentada. Isso dá um “status” novo e o sócio se sente protegido. Com amparo legal e as coisas funcionando bem, mais cidadãos vão aderir à nova cooperativa. (LÍDER 8).

3.2.2 Posicionamento dos Agricultores Familiares

Sabemos que o sucesso de uma organização cooperativista só acontece se

houver a participação efetiva dos associados, tanto no quadro social, como nas

tomadas de decisões dos atos cooperativos a serem desempenhados ao longo da

sua existência. De acordo com Lago (2009), existe, atualmente, um entendimento

entre os agricultores de que o cooperativismo apresenta-se como uma forma de

organizar a produção e a coordenação dos sistemas agroindustriais, na busca de

melhor eficiência e maior competitividade frente aos mercados cada vez mais

dinâmicos e exigentes. Para os autores, os associados buscam no cooperativismo

participar de um mercado competitivo, através da união de suas unidades produtivas

em torno de uma cooperativa.

Para Wickert (2010), a participação e a cooperação entre os associados são

características importantes para o desenvolvimento e essenciais na vida da

cooperativa. Nela, os objetivos e interesses econômicos dos sócios estão

diretamente envolvidos.

O objetivo central do presente estudo é justamente identificar se os

agricultores entrevistados estão dispostos a fazer parte do quadro social e ao

mesmo tempo participar das tomadas de decisões da nova cooperativa de

agricultores familiares do municio de São José do Inhacorá. Mediante o

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posicionamento dos agricultores, saberemos se este é o momento certo de formar a

nova organização cooperativa.

Entre os agricultores entrevistados ficou claro que estes conhecem as

carências enfrentadas pelos segmentos a que pertencem. Sabem também que uma

organização cooperativa oportuniza meios legais de conduzir e promover o

desenvolvimento, mediante organização dos setores, tanto na produção quanto na

comercialização dos produtos da agricultura familiar. A maioria dos agricultores

reconhece a cooperativa como uma organização reguladora do mercado e como

oportunidade de agregação de valor aos produtos, visando a garantir o

desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a sustentabilidade de seus associados.

Se de um lado, a importância do cooperativismo como forma de melhorar o

resultado das atividades e promover o desenvolvimento local está clara, de outro

lado, contrariando as lideranças e também os autores consultados, existe forte

desconfiança e também grande insegurança entre os agricultores em relação ao

sucesso e ao futuro desse modelo de organização.

Quanto ao questionamento sobre o modelo atual de cooperativismo, ou seja,

quanto à atuação da COTRIMAIO, em relação a seus associados e suas atividades,

houve unanimidade entre os entrevistados de que essa cooperativa não é o modelo

ideal esperado pelos produtores. A maioria dos agricultores relata que a cooperativa,

ao longo de sua existência, prestou relevantes serviços em prol de seus associados.

Porém, atualmente, devido à crise financeira na qual se encontra, as necessidades

estão sendo atendidas apenas de forma parcial. Alguns produtores entrevistados

chegaram a afirmar que as suas necessidades não estão sendo atendidas pela

cooperativa.

A cooperativa não atende as minhas necessidades, como deveria. [...] Quando estava bem até que atendia, mas de uns tempos para cá, não atende mais. (AGRICULTOR 5).

Para outro entrevistado:

Entendo que as minhas necessidades e expectativas de associada não são atendidas totalmente. Poderia melhorar os preços dos insumos agrícolas e deveria comprar os produtos dos agricultores para vender nas lojas e supermercados. Os produtos dos associados precisam ser mais valorizados em relação aos produtos industrializados vindos de fora. Os produtos da agricultura familiar deveriam ser os primeiros a serem colocados nas prateleiras. (AGRICULTOR 3).

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Quanto ao questionamento em relação aos segmentos que se encontram

atualmente desamparados ou desorganizados, cada entrevistado fez questão de

evidenciar a carência dos segmentos aos quais pertencem.

Os produtores de leite entendem que esta é a atividade que necessita de

maior atenção.

Como produtor de leite, sou suspeito em falar isso, mas a produção de leite precisa funcionar de forma mais organizada. A COTRIMAIO não oferece nada a mais do que as outras empresas. Já faz uns quatro anos que vendemos o leite pra nossa associação, pro nosso grupo, e não posso me queixar. Então, eu acho que se for uma cooperativa que vai trabalhar honestamente, tem tudo para dar certo. Só não pode ficar muito grande, pra não perder o controle dos negócios. (AGRICULTOR 7).

Os integrantes da central de vendas de produtos coloniais, agroindustriais e

artesanais manifestaram que este segmento precisa de mais atenção para ampliar

seus negócios ou até mesmo para permanecer na atividade.

A central de vendas precisa de mais atenção. Não adianta abrir mais um ponto de vendas se a associação de produtores não estiver organizada. À medida que tiver uma organização legalizada e forte, vários setores poderão fazer parte e serem beneficiados, como as agroindústrias, os hortigranjeiros e a merenda escolar. A cooperativa também vai ter que se preocupar em dar assistência técnica para estes setores. (AGRICULTOR 6).

Com base nesse relato, percebemos a real necessidade de organização

desse setor. Esse segmento precisa estar organizado e legalizado nos três eixos,

fiscal, sanitário e ambiental, para ser competitivo e atingir novos mercados,

principalmente os mercados institucionais, como o PNAE e PAA.

Em relação ao atendimento às propriedades com serviços de máquinas, os

entrevistados manifestaram-se dizendo que os serviços hoje prestados são muito

importantes. Relataram ainda que, para o município desenvolver o setor

agropecuário, esse tipo de incentivo é fundamental e precisa ser ampliado ainda

mais, mediante aumento nos subsídios e também incluindo outras atividades que

ainda não são desenvolvidas.

No relato de um dos entrevistados, ficou evidente a preocupação dos

produtores em relação à prestação desses serviços, através de uma cooperativa.

Os serviços de máquinas da prefeitura, do FUNDEC e também dos grupos são muito importantes para os produtores. É uma forma de incentivar a produção. Se não podemos contar com esses serviços

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subsidiados, temos que pagar máquinas particulares. Além de não existir máquinas suficientes para atender a todos, aumenta muito o nosso custo de produção. Precisa se achar uma forma de manter os serviços e adquirir mais máquinas, para prestar os serviços que ainda não são realizados. É muito importante que estes serviços continuem sendo prestados, só não sei isso vai ser possível através de uma cooperativa. Hoje os grupos têm de 20 a 30 produtores e às vezes não funciona direito, principalmente quando dois ou mais produtores precisam do serviço ao mesmo tempo. Precisa ser criada uma nova forma de organização, porque quanto maior o grupo, mais difícil de atender. (AGRICULTOR 8).

Outro entrevistado acredita na cooperativa como forma de organizar os

atendimentos em serviços de máquinas, manifestando inclusive seu desejo de

ajudar a decidir os rumos da cooperativa. No entanto, também evidenciou certa

desconfiança quanto à funcionalidade da organização.

Acredito que através de uma cooperativa o atendimento poderá funcionar melhor. Hoje, nos grupos, quem tem trator é mais beneficiado que os outros, e o prestador de serviços escolhe quem vai atender primeiro, não segue um roteiro pré-definido. Mas não basta criar a cooperativa, tem que fazer andar de forma organizada e bem administrada. Diferente dos grupos, na cooperativa os sócios devem ajudar a decidir os rumos da cooperativa. Me coloco à disposição para ajudar a cooperativa a dar certo. O problema é que muitos não participam e depois são os primeiros a reclamar. (AGRICULTOR 9).

No que se refere à credibilidade dos agricultores em relação à constituição de

uma nova cooperativa, exclusivamente de agricultores familiares, as manifestações

foram praticamente unânimes. Todos os entrevistados se manifestaram dizendo que

acreditam que a nova organização atenderia às expectativas e às necessidades dos

associados. Por outro lado, ficaram evidentes, em todas as manifestações, tanto de

forma verbal quanto na fisionomia dos entrevistados, as dúvidas e inseguranças

quanto ao funcionamento e ao sucesso da nova organização. Este entrevistado

relata que:

Acredito que uma nova cooperativa pode atender às necessidades dos associados. Seria, talvez, uma forma de organizar as atividades que não são atendidas pela COTRIMAIO. Mas, tenho dúvidas de como isso vai funcionar. Ultimamente só se houve falar que as cooperativas estão todas falindo. (AGRICULTOR 3).

Outro agricultor entrevistado manifestou uma posição ainda mais pessimista:

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Acredito, mas me sinto inseguro em participar de mais uma cooperativa. Já sou sócio de três e não sei se tenho algum benefício com isso. Pelo que escuto por aí, as outras cooperativas, em outras regiões, também não oferecem vantagens para seus sócios. A maioria delas estão falidas. [...] Preciso pensar melhor sobre o assunto, quem sabe conhecer alguma cooperativa que está dando certo. Se é que existe! Quem sabe se eu conhecer alguma cooperativa onde os associados estão satisfeitos eu comece a mudar a minha opinião e acreditar mais no cooperativismo. (AGRICULTOR 5).

No questionamento que se refere à formação ou não da nova cooperativa, as

manifestações foram unânimes em favor da formação da nova organização

cooperativa. Porém, percebemos que alguns dos entrevistados levaram em

consideração a relação de trabalho existente entre extensionista e assistido.

Constatamos que alguns dos entrevistados se posicionaram de forma favorável à

formação da cooperativa mais para agradar aos extensionistas com quem trabalham

do que propriamente pensando em benefício próprio.

A entrevista foi finalizada com um questionamento, considerado a chave para

chegar a uma conclusão acerca deste estudo. Assim, procuramos identificar o

posicionamento dos entrevistados, quanto à expectativa em fazer parte do quadro

social e também das tomadas de decisões da nova organização.

Com uma visão participativa e demonstrando um espírito cooperativista,

somente um dos entrevistados se mostrou motivado e com disposição de participar

da nova cooperativa, em busca de melhorias em favor da coletividade.

A cooperativa precisa ser formada para termos uma entidade só nossa, da agricultura familiar. Através dela poderemos buscar investimentos, atender aos setores que hoje não estão sendo atendidos. Para termos uma agricultura familiar bem-sucedida, precisamos buscar novas parcerias, novos mercados, melhorar os preços dos insumos adquiridos e também dos produtos vendidos. Estou disposto a participar. Alguém precisa começar. Precisamos nos organizar se quisermos ver nossos direitos atendidos. (AGRICULTOR 10).

Todos os demais agricultores, quando questionados quanto à formação da

nova organização, posicionaram-se de forma favorável. Por outro lado, evidenciaram

grande descrédito em relação ao funcionamento e ao sucesso da organização.

Relataram também, não ter interesse em participar das tomadas de decisões da

cooperativa.

As manifestações apresentadas a seguir, sintetizam as opiniões da maioria

dos agricultores entrevistados.

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Na opinião de um dos entrevistados:

A cooperativa pode ser formada, desde que não aconteça o mesmo que a maioria das outras cooperativas, que são mal administradas. Posso até me associar, mas não pretendo me envolver muito. (AGRICULTOR 3).

Da mesma forma se manifestou outro entrevistado:

Pode ser formada, mas quem for administrar tem que trabalhar honestamente e prestar contas para os associados. Também acho que não deve crescer demais para não perder o controle, como no caso da COTRIMAIO. Os beneficiados devem ser os sócios e não os dirigentes. (AGRICULTOR 6).

Com base nesses depoimentos, percebemos que a posição dos agricultores

familiares, na atualidade, difere em muito da época em que as famílias chegaram a

esta região, por volta de 1920, quando as famílias buscavam na união e na troca de

favores, uma forma de enfrentar as dificuldades. O posicionamento dos agricultores

difere, também, da literatura estudada, na qual os autores afirmam que a

cooperação e a participação entre os associados são essenciais para a vida das

cooperativas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste estudo permitiu esclarecer uma série de dúvidas em

relação à agricultura familiar e suas formas de organização, que nos permitiu chegar

à conclusão acerca do tema formar ou não a cooperativa de agricultores familiares

no município de São José do Inhacorá/RS.

No que se refere aos setores ou segmentos da agricultura familiar que se

encontram desamparados e carentes de organização, houve um consenso de ideias.

Tanto as lideranças municipais quanto os agricultores manifestaram que os

principais setores que necessitam de melhor organização na estrutura de produção

e funcionamento são: a bovinocultura de leite, as agroindústrias, a central de vendas

de produtos coloniais, agroindustriais e artesanais e o acesso aos Programas

Institucionais (PAA e PNAE). A eficácia dos serviços de assistência técnica e

assessoramento desses setores também precisam ser melhorados.

Em relação ao modelo atual de cooperativismo, ficou evidenciado que as

necessidades dos agricultores familiares, no momento, não estão sendo atendidas

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plenamente pelas cooperativas. A crise financeira enfrentada pela COTRIMAIO, que

levou à decretação de processo de liquidação extrajudicial, tem comprometido o

atendimento a seus associados. Alguns setores, que se encontram em crescimento,

não são atendidos, como os hortifrutigranjeiros, as agroindústrias e os Programas

Institucionais (PAA e PNAE).

As divergências de opiniões começaram a surgir quando do questionamento

em relação à credibilidade quanto à formação da nova organização cooperativa,

exclusivamente, por agricultores familiares. Entre as lideranças municipais, todos

acreditam que a cooperativa será o caminho para legalizar, regrar, assessorar e

organizar a produção resultante da agricultura familiar. Entre os produtores, mesmo

manifestando certa credibilidade, ficaram evidenciadas as dúvida e inseguranças

quanto ao funcionamento e ao futuro da nova organização.

No que diz respeito a formar ou não uma cooperativa de agricultores

familiares, houve unanimidade entre as lideranças em favor da formação imediata da

nova organização. Os agricultores também foram unânimes em favor da formação

da cooperativa. Porém, a falta de motivação foi evidenciada pela maioria dos

agricultores.

Entende-se que a participação efetiva dos associados em todos os negócios

da cooperativa, aliados aos atos administrativos, desempenhados com envolvimento

e responsabilidade de todos, são fundamentais para o sucesso de uma organização

cooperativa. O ponto chave para a conclusão deste estudo foi, justamente, a falta de

interesse e motivação demonstrada por parte dos agricultores familiares em

participar dos negócios e das tomadas de decisões em uma nova cooperativa.

Assim, o estudo permitiu concluir que este não é, ainda, o momento certo de

constituir a nova organização. O cenário está identificado e a arena está sendo

preparada. Falta a confiança e o entrosamento entre os atores para

desempenharem o papel de idealizadores de uma organização capaz de promover o

crescimento econômico e social da agricultura familiar do município de São José do

Inhacorá/RS.

Evidencia-se, porém, a necessidade das lideranças municipais somarem

esforços para que a ideia da constituição da cooperativa não caia no esquecimento.

Com o pensamento de que é mais importante formar cooperados do que formar

cooperativas, precisam-se promover meios de estimular a participação e a educação

cooperativa. Os gestores, colaboradores e associados devem estar igualmente

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capacitados, conscientes e comprometidos, para que cada ator possa desempenhar

o seu papel dentro da organização. Os gestores e colaboradores precisam gerir e

trabalhar com responsabilidade e eficiência, enquanto os associados precisam

assumir a posição de verdadeiros donos da cooperativa.

Por fim, entende-se que para a uma organização cooperativa alcançar o

sucesso esperado, como propulsora do desenvolvimento local, os valores e os

princípios do cooperativismo devem ser entendidos e cumpridos, cada um em seu

tempo certo, ou seja, primeiro o cooperativismo, depois a cooperativa.

REFERÊNCIAS

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