Upload
ngohanh
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Fórum de Contratação
e Gestão Pública
ISSN 1676-5826
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP Belo Horizonte ano 12 n. 142 p. 1-141 out. 2013
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 1 22/10/2013 11:33:00
© 2013 Editora Fórum Ltda.Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou
fotocópias ou de gravação, sem permissão por escrito do possuidor dos direitos de cópias (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).
Luís Cláudio Rodrigues FerreiraPresidente e Editor
Supervisão editorial: Marcelo BelicoRevisão: Cristhiane Maurício Lucieni B. Santos Marilane CasorlaBibliotecário: Ricardo Neto - CRB 2752 - 6ª RegiãoPesquisa jurídica: Ézio Lacerda Júnior - OAB/GO 37488
Daniela Guerra Macedo Vargas Aragão - OAB/GO 23953EResponsável pela orientação prática personalizada: Antônio Flávio de OliveiraCapa: Igor Jamur
Editora Fórum Ltda.Av. Afonso Pena, 2770 - 16º andar - Funcionários - CEP 30130-007Belo Horizonte - MG - BrasilTel.: 0800 704 3737www.editoraforum.com.brE-mail: [email protected]
Os conceitos e opiniões expressas nos trabalhos assinadossão de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Os acórdãos estampados na íntegra correspondem às cópias obtidas junto aos respectivos tribunais ou se originam de publicações de seus julgados.
Impresso no Brasil / Printed in BrazilDistribuído em todo o Território Nacional
F745 Fórum de Contratação e Gestão Pública : FCGP. – ano 1, n. 1, (jan. 2002)- . – Belo Horizonte : Fórum, 2002-
MensalISSN 1676-5826
1. Direito administrativo. I. FórumCDD: 341.3CDU: 342.9
Este periódico está catalogado em:
Nossas orientações práticas personalizadas não pretendem adotar uma posição exclusiva de determinado autor. Toda orientação fornecida deve ser tomada como tal, ou seja, fruto de estudos, pesquisas legais, doutrinadas e jurisprudenciais naquele momento, levando-se ainda em conta a exatidão de dados, objeto e elementos fornecidos pelo consulente.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 2 22/10/2013 11:33:00
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013 9ARTIGOS
DOUTRINA
Artigos
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
Agnaldo Nogueira Gomes
Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Assessor da Divisão de Parcerias Público-Privadas do Escritório de Projetos do Estado-Maior do Exército.
Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público pela Sui Juris. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Assessora da Gerência Jurídica, vinculada à Presidência, da Telebrás.
Palavras-chave: Privatização. Parcerias Público-Privadas.
Sumário: 1 Introdução – 2 As Parcerias Público-Privadas na Inglaterra (a origem) – 3 O processo de privatização no Brasil – 4 Parcerias Público-Privadas no Brasil – 5 Breves questões sobre o conteúdo jurídico das Parcerias Público-Privadas no Brasil – 6 Vantagens da Parceria Público-Privada sobre o modelo tradicional de contratação – 7 Conclusão – Referências
1 Introdução
O presente trabalho tem por objetivo pes-
quisar a origem das Parcerias Público-Privadas
(PPP) no Brasil, sob a perspectiva da influência
britânica sobre o modelo pátrio e salientar alguns
aspectos controversos (que pela própria natureza
do trabalho, não se tem a pretensão de esgotar)
que despontaram com o novo modelo concessório
trazido pela Lei nº 11.079/2004.
Parceria Público-Privada é um assunto em
voga, muito embora, fazendo uma análise crítica
das iniciativas dos Governos Federal, Estaduais e
Municipais quanto a esse tipo de modelo contra-
tual, parece que não tiveram o impulso desejado.
As iniciativas estão ainda atrasadas e estancadas,
mormente se levar em consideração as demandas
de serviços, infraestrutura e o número de entes
da federação brasileira, muito embora 22 estados
e o Distrito Federal já possuam leis próprias que
versam sobre questões institucionais, garantias e
setores prioritários.
Nas experiências estaduais (dados de julho
de 2011), as PPPs em sentido estrito (concessão
administrativa e patrocinada) são uma realidade
em sete estados brasileiros. A soma dos valores
estimados dos investimentos nos 17 contratos
analisados chega a mais de 7 bilhões de reais.1 As
experiências de PPPs em prisões, habitação e cen-
tros administrativos ainda são incipientes, mas
abrangem relevantes valores estimados de investi-
mento. O maior número de PPPs estaduais envolve
estádios de futebol que serão utilizados na Copa
do Mundo de 2014.2 A única PPP federal assinada
até o momento é a do Complexo Datacenter BB/
CEF, inaugurado em 20.03.2013, porém há nove
projetos federais em estudo.3
As PPPs são uma das formas de relacio-
namento entre o setor público e o setor privado
— empresas e organizações não governamentais.
Essa relação se dá pela viabilização de arranjos
que propiciam a realização de projetos considera-
dos de interesse social, possibilitando o exercício
de atividade empresarial pelas empresas, ou de
atividade sem fins lucrativos para determinadas
organizações, com perspectiva de retorno positi-
vo para ambos os lados. No ajuste são fixadas as
responsabilidades e obrigações das partes, são
alocados os riscos e é elaborado um plano de fi-
nanciamento que viabilizará a implementação do
projeto.
1 NASSAR. Parcerias Público-Privadas (PPP) no Governo. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.
2 PEREIRA. Observatório das Parcerias Público-Privadas. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.
3 Novo Colégio Militar em Manaus, Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes, Parques Nacionais de Jericoacoara e de Ubajara, no Ceará, Exército abastecimento de veículos militares e controle de frota, Vila Naval (Itaguaí/RJ), Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), Novos Fuzis/IMBEL, Parques Nacionais de Brasília, Chapada dos Veadeiros e das Emas, Receita Federal (NASSAR. Parcerias Público-Privadas (PPP) no Governo. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO).
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 9 22/10/2013 11:33:00
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
10 ARTIGOS
A sigla PPP é conhecida mundo afora.
Existe uma série de versões para o surgimento
das Parcerias Público-Privadas. Existem progra-
mas de PPP na França, que é o berço do Direito
Administrativo continental (na sistemática de
que temos aqui no Brasil), na Inglaterra, na África
do Sul, em Portugal, na Espanha, na Noruega, na
Alemanha, na Grécia, na Irlanda, na Itália, no
Japão, na Austrália e no Leste Europeu, que está
migrando para esse tipo de contrato. As normas
da União Europeia impõem basicamente dois re-
quisitos para ingresso na organização: a restrição
fiscal (como tivemos aqui no Brasil com a Lei de
Responsabilidade Fiscal) e a adoção de um progra-
ma de PPP.
Os programas de PPP são uma realidade
em países como os Estados Unidos da América,
Canadá, México, Chile e Colômbia. Somente al-
guns países mais ao sul da América do Sul não
têm programa de PPP.4
Inicia-se o presente trabalho com um histó-
rico sobre o surgimento das PPPs no Brasil, tendo
como pano de fundo sua origem e experiência na
Inglaterra.
Sobre o novo regime concessório no Brasil e
a crise das concessões, partir-se-á para a seguinte
indagação: a PPP é uma concessão? Na Lei
nº 11.079/2004 o legislador escolheu o instituto
das concessões para construir o contrato de PPP.
O Legislador afirma que PPP é uma concessão, no
entanto pretende-se perquirir neste trabalho se
essa hipótese é verdadeira.
Igualmente analisar-se-á o conceito de con-
cessão, ainda que brevemente, alcançando as PPPs
patrocinadas e administrativas que o legislador
denominou ou identificou como modalidades
de PPP. Noutro âmbito, estudar-se-á a concessão
patrocinada — identificando-se o objeto da dele-
gação —, partindo da ideia básica de que uma
concessão envolve um movimento de translação.
Verificar-se-á também a distinção entre a PPP e a
concessão comum da Lei nº 8.987/2005. Por fim,
serão analisadas as concessões administrativas,
e essas, sem dúvida, são as que mais despertam
curiosidades e polêmicas. O ponto fulcral cinge-
se em desvendar se a concessão administrativa é
4 Algumas legislações de PPPs internacionais: Chile, Decreto nº 900, de 1996, do Ministério de Obras Públicas; França, Ordonnance nº 2004 -559, Du 17 juin 2004, sur les contrats de partenariat; Irlanda, National Development Finance Agency Act, 2002; Portugal; Decreto-Lei nº 86, de 2003.
de fato uma concessão, ou uma elucubração, uma
invenção do legislador para tentar fugir do regime
previsto na Lei nº 8.666/1993.
Dentro da concessão administrativa ana-
lisar-se-á sua natureza jurídica, o objeto da dele-
gação, a distinção dos demais tipos concessórios,
assim como as diferenças da concessão adminis-
trativa dos demais contratos já existentes, os quais
são celebrados com base no regime jurídico ante-
rior, instituído pela Lei nº 8.666/1993. Identificar-
se-ão figuras que se assemelham, em muito,
com a concessão administrativa, como o regime
de empreitada integral prevista no art. 6º da Lei
8.666/1993, as terceirizações e as franquias. A in-
dagação que se pretende elucidar é se esses tipos
contratuais não estavam abarcados pelo escopo de
uma concessão administrativa.
Far-se-á, assim, uma correlação — toman-
do-se por base o plano de reforma do aparelho do
Estado — do papel dessas novas concessões em
relação aos setores e atividades do Estado.
Passa-se no próximo tópico às origens dos
programas de PPPs, que se deram na Inglaterra,
que muito influenciaram o novo regime concessó-
rio brasileiro.
2 As Parcerias Público-Privadas na Inglaterra
(a origem)
Para contextualizar o surgimento das PPPs
no Brasil, identificar-se-ão as motivações e os de-
safios encontrados no início da década de 1980,
na Inglaterra, na implantação do seu programa de
PPP.
Na Inglaterra a experiência é a mais expres-
siva de todas. Surgiu fruto de projetos e testes
feitos em um período de tempo. As PPPs são
con sideradas um terceiro estágio ou avanço nas
formas de prestações de serviços na Administração
Pública britânica. A Inglaterra, como os demais
países europeus, sofreu no pós-guerra grande
intervenção do Estado na economia. Lá teve, mais
que no Brasil, um modelo mais consubstanciado
do Welfare State — Estado de Bem-Estar Social.
O Estado, à época, assumia para si grande parte
dos empreendimentos de interesse público, e
esses empreendimentos, na medida em que eram
chamados para o Estado, recebiam o rótulo de
serviços públicos. Por isso pode-se verificar que
por detrás do conceito de serviço público há uma
grande influência histórica. A história é quem
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 10 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
11ARTIGOS
vai indicar o que é ou não serviço público. Sendo
assim, à época do Welfare State pode-se identificar
um rol mais extenso de serviços públicos.
A justificativa seria, então, a crise fiscal do
Estado que se deflagrou pelo alto custo da máqui-
na administrativa e da incapacidade para se pro-
ver os serviços. A resposta imediata a esse período
foram as privatizações (venda de ativos).
No Brasil, nos Governos Militares teve-se
um movimento de descentralização de serviços,
porém, tal movimento foi interna corporis. Os ser-
viços saíram da responsabilidade do ente estatal
e foram transferidos para entidades criadas pelo
Estado, que estavam sob o controle estatal. Eram
as empresas públicas e as sociedades de economia
mista. Houve uma descentralização de serviços
públicos também na Inglaterra, e os empreendi-
mentos de interesse público distribuídos por essas
empresas estatais foram privatizados. Verificou-
se não só a transferência da atividade, como no
Brasil, mas também a venda dos ativos, pois as
empresas estatais foram alienadas para a inicia-
tiva privada. Identificado aqui o primeiro passo
para se chegar às PPPs.
A consequência dessas privatizações foi um
alívio das contas públicas. Aplicava-se o modelo
tarifário em decorrência do modelo de solidariza-
ção de custos — paga quem usava o serviço — e
não mais toda a sociedade por meio de tributos.
Eram os bens diretos do serviço.
Mais do que essa perspectiva de caráter
fiscal, foi verificado, também, que os serviços
executados pela iniciativa privada eram melho-
res se comparados aos prestados pelo aparato do
Estado.5 Em decorrência disso, iniciou-se uma
busca de outras formas de parcerias (ainda não as
PPPs), passando a admitir o ingresso do setor pri-
vado em outras atividades.
Tudo começou com os contratos de servi-
ços. Nesses sinalagmas o contratado assumia não
somente a contratação de tarefas isoladas, mas, a
um só tempo, a concepção e a execução. Na re-
alidade, uniram-se as tarefas como solução para
o problema da Administração Pública. À época,
ocorreu a soma do “DB”: Design (desenho) e do
5 “Subjacente estava a de que esses agentes teriam mais habilida-de que o Estado para desempenhar tarefas que estariam, assim, fora do escopo de atuação do Poder Público, embora tenham sido desempenhadas no passado” (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 51).
Build (construção).6 Percebeu a Administração Pública britânica que a fórmula dava mais certo que as contratações isoladas. Inspirada na crise fiscal, dada a escassez de recursos públicos para se manter as obras, adicionalmente, passou-se a permitir nos contratos que a responsabilidade do contratado não ficasse só na concepção e na construção, mas se estendesse também aos finan-ciamentos. O particular, portanto, é que deveria buscar os recursos para a implementação dos empreendimentos, por meio de endividamento próprio. Além disso, transpassava-se, também, a operação. Nesse sentido é que apareceram os con-tratos de Design (desenho) + Build (construção) + Finance (financiamento) + Operate, chamados de DBFO, ou seja, em um único contrato estava a ges-tão daquele modelo. Esse foi o caminho seguido pelo programa de PPP britânico.
Acrescenta-se a esses fatores o fato de que ha-via uma crise fiscal do Estado. Por outro lado, ha via também liquidez no mercado que podia apor os re cursos necessários ao programa.7 Por seu turno, o Estado tinha limitações de ordem jurí dica e de or dem econômica para suprir as necessidades sociais.
A parceria inglesa teve seu início em 1992 com o programa Private Finance Iniciative (PFI), que seria uma iniciativa de financiamento priva-do, chefiado por John Major.8 Esse programa tor-nou essas modalidades de contratação uma prática administrativa, muito embora esse modelo tenha, no início, encontrado algumas dificuldades.
Esse movimento de reforma do Estado iniciou-se na década de 1980 na Inglaterra, tendo o mesmo movimento ocorrido no Brasil na década
de 1990.9
6 “Exemplos de funções mais afeitas ao setor privado seriam aque-las inerentes à concepção (designing) e à construção (building) de grandes obras ou sua gestão sob a forma de serviços” (SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE).
7
parcerias público-privadas no Reino Unido as normas de restri-
(Tratado de Maastricht)” (SILVA. Mecanismos de atuação esta-tal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE).
8 “A versão inglesa das PPPs — a (PFI) nasceu em 1992 por iniciativa do gabinete conservador de John Major com o objetivo de estimular empreendimentos conjuntos envolvendo os setores público e privado, em um contexto de implementação da agenda liberal de Margareth Thacher. A PFI
-mentar a participação do capital privado na prestação de serviços públicos” (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algu-mas experiências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 50).
9 “Há a chamada Teoria da Convergência que diz que os países do mundo caminham para uma linha comum. Alguns autores,
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 11 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
12 ARTIGOS
Os chamados House Association foram o
germe das PPPs na Inglaterra. Sob os auspícios do
Estado de Bem-Estar Social, havia no Reino Unido
um programa de financiamento de casas pelo
Poder Público. Havia entidades não lucrativas
(House Associations) que buscavam financiamen-
to junto ao Governo Britânico, e, com o aluguel
dessas casas pagava-se o financiamento ao longo
do tempo. Diante das restrições fiscais existen-
tes, o Governo Britânico optou por interromper o
programa. A partir daí, o financiamento não sai-
ria mais dos cofres públicos. O Governo passou
a estimular que as House Associations buscassem
financiamento no mercado. Embora tenha sofrido
muitas críticas à época, essa decisão do Governo
gerou um bom resultado. Com a necessidade de
buscar financiamento privado, foi criada uma sé-
rie de ferramentas financeiras de longo prazo nos
financiamentos das PPPs. E assim se criou um
programa que mais se assemelharia à PPP brasi-
leira. O PFI na Inglaterra pode ser traduzido na
PPP do Brasil, muito embora a PPP da Inglaterra
não se confunda com a PPP brasileira.
À época, criou-se uma comissão do Tesouro
britânico — uma força-tarefa — que tinha a mis-
são de difundir as práticas do PFI, para além do
conhecido DBFO, e estimular outras formas de
parceria. Por essa razão, no Governo trabalhista
de Tony Blair já não era mais conveniente cha-
mar aquele programa de PFI, dada à completude e
amplitude deste. Resolveu-se chamar o programa
de Public-Private Partnerships (PPP). A Parceria
Público-Privada no Reino Unido é um programa
que envolve todas as modalidades de ajuste, as
conformações contratuais e associativas entre o
Estado e a iniciativa privada. Nesse sentido, as
joint ventures, os contratos de gestão, os contratos
de terceirização, bem como as privatizações, en-
quadram-se no programa de PPP no Reino Unido.10
quando vão tratar das concessões, da reforma do Estado, das PPPs, sempre vêem o Brasil com intervalo de mais ou menos uma década para implementação de mudanças empreendidas na Europa. Foi assim com a reforma do Estado, na Inglaterra, em es-pecial, foi na década de 1980 e aqui no Brasil na década de 1990, as PPPs foram em 1992 e aqui no Brasil iniciou-se a discussão em 2001 e a Lei 11.079 foi promulgada em 2004. “A idéia de que necessariamente haverá convergência se forem adotadas as políti-cas e instituições consideradas imprescindíveis pelo establishment para a promoção do desenvolvimento econômico funciona como
-alizam sobre os países em desenvolvimento para que se adequem aos ‘padrões mundiais’” (Disponível em: <http://criticaeconomi-
pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013).10 “No cenário britânico há, fundamentadamente, três tipos de
projetos na categoria das PFIs. São eles: projetos do tipo free
Na Inglaterra há uma entidade do Tesouro britânico, considerada uma força-tarefa especiali-zada em PPP, o National Audit Office (NAO), res-ponsável por auditar as contas dos entes públicos e opinar, favoravelmente ou não, sobre projetos na forma de PFI. Há também a PPP sob a forma de joint venture — a Partnerships UK —,11 agência hí-brida formada pelo capital público (minoritário) e privado, com missão complementar à força-tarefa do Tesouro.12 O desafio daquela entidade é conti-nuar a disseminar dentro do Reino Unido todas essas práticas de associação e parceria.
Os projetos de PFIs implementados até o ano de 2010 naquele país chegaram a mais de 600 e a uma soma de investimentos da ordem de quase 53 bilhões de libras em PPPs contratadas.13 Entre os projetos de maior destaque pode-se citar a constru-ção da linha férrea, em que parte ficará submersa, cruzando o Canal da Mancha, com gasto de mais de £4 bilhões. Igualmente há estudos sobre possí-veis parcerias para a modernização e manutenção do metrô de Londres, que significará o maior in-vestimento na história das PPPs britânicas.14
Essas experiências reduziram, sobremanei-ra, a percepção dos riscos dos empreendimentos públicos. Diogo Rosenthal Coutinho explica a es-colha do modelo inglês para a implantação das
PPPs no Brasil:
standing, joint ventures (JV), e projetos envolvendo serviços ven-didos ao setor público. Projeto do tipo free standing são aqueles nos quais os custos são recuperados por meio da cobrança dos
Joint Ventures são projetos em que os setores público e privado participam conjuntamente, mas nos quais o setor privado tem controle dos procedimentos e decisões relevantes. O setor público tem um papel de apoio ou de asse-gurar benefícios sociais mais amplos, como, por exemplo, cuidar
terceira categoria — a dos serviços vendidos ao setor público — representa os serviços prestados pela iniciativa privada ao setor público (tratamentos e acompanhamentos de idosos ou crian-ças, por exemplo) (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas experiências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 57).
11 Ver informações sobre PPP inglesa em: <http//www.partnershi-puk.org.uk>.
12 COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas expe-riências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 56.
13 Desses projetos, 275 estão em fase operacional nos setores de transporte (14%), educação (20%), saúde (25%), presídios, defesa (17%), meio ambiente (7%), lazer, habitação, desenvolvimento de tecnologia e obras públicas em geral (17%). “[...] No reino Unido
-cando os Governos regionais e locais com os demais 30% dos projetos. Da ótica do gasto público, as PPPs representam 11% do investimento do setor público durante o período de 1998-2004” (COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas expe-riências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 54).
14 Ver os relatórios sobre PFIs britânicas em The Finance Initiative Research Paper 01/117,
18.12.2001. Disponíveis também dados sobre as PPPs britânicas em: <http:// www.ippr.org>.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 12 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
13ARTIGOS
As razões para a escolha do Reino Unido
são duas: o pioneirismo na institucionalização fi-
nanceira e jurídica e dos arranjos e a relativa se-
melhança que têm esse país e o Brasil no que diz
respeito às trajetórias de reforma do Estado per-
corridas, respectivamente, nas décadas de 80 e 90
do século passado. Ambos passaram — e passam
ainda hoje, em grande intensidade — por experi-
ências de privatizações, terceirizações, “liberaliza-
ções em geral”, com ou sem posterior regulação,
bem como parcerias.15
Passa-se no próximo tópico ao processo de
privatização no Brasil, que se deu por motivos se-
melhantes aos ocorridos na Inglaterra, somente
ocorrendo uma década depois.
3 O processo de privatização no Brasil
No Brasil, a intervenção do Estado na eco-
nomia não foi uma ação planejada ou de medidas
deliberadas contra o setor privado, mas oriunda
de circunstâncias que forçavam o Governo a inter-
vir no sistema econômico nacional.16
Sendo assim, enquanto a economia estava
em contínuo crescimento não havia oposição do
setor privado à presença do Estado na economia. A
intervenção do Estado, portanto, era uma escolha
política, em que se pretendia, mediante a criação
de empresas estatais, promover a industrialização
e o crescimento econômico. Competia ao Estado
complementar as atividades do setor privado, com
investimentos em infraestrutura e em setores em
que a demanda de capital era elevada e o retorno
muito baixo ou a longo prazo.
No primeiro Governo de Getúlio Vargas
(1930-1945), implantou-se uma política de subs-
tituição das importações, ficando estabelecido
que as atividades de interesse estratégico para
o país deveriam estar reservadas ao Estado. Em
consonância com essa ideologia nacionalista fo-
ram fundadas a Companhia Siderúrgica Nacional
(1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942) e a
Companhia Hidroelétrica do São Francisco (1945).
No segundo governo de Getúlio (1951-1954), foi
criada a Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A (1953).
Em 1952, Vargas idealizou e fundou um
banco de fomento com capital integralmente da
15 COUTINHO. Parcerias Público-Privadas: relatos de algumas expe-riências internacionais. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 49.
16 BAER et albrasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico.
União, o atualmente denominado Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
criado com a finalidade de financiar empreendi-
mentos privados, permitindo um avanço indus-
trial no Brasil.
Durante o regime militar (1964-1985) a es-
tatização da economia foi ainda mais estimulada,
sendo criadas inúmeras empresas estatais pelos
Governos Federal e Estaduais. Vale destacar a cria-
ção de uma empresa estatal no Rio de Janeiro, cujo
objetivo era realizar tão somente a construção da
Ponte Rio-Niterói.17
Em 1972, foi criada a Telecomunicações
Brasileiras – Telebras, empresa de telefonia que
por várias décadas — até sua privatização ocor-
rida em 1998 — era a holding das empresas esta-
duais no país, como exemplo, Telebrasília, Telesc,
CTMR, Telesp, Telern.18
As empresas estatais eram supervisiona-
das por diversos ministérios, os quais impunham
regras próprias de administração, muitas vezes
preterindo critérios técnicos em face de razões
de conveniência política, como, por exemplo, au-
mentos de capital sem prévia definição de recur-
sos orçamentários para essa finalidade, mostrando
ausência de preocupação com os gastos públicos
em geral.
As distorções e ineficiências das políticas
públicas, limitadas pela escassez de recursos para
investimento em infraestruturas e pelo elevado
endividamento do setor público — Tesouro nacio-
nal e empresas estatais — deixaram clara a neces-
sidade de reformar o Estado transferindo para o
setor privado as atividades que poderiam ser con-
troladas pelo mercado, o que se denominou pro-
cesso de privatização.
No Brasil, o processo de privatização signi-
ficou uma alteração do papel desempenhado pelo
Estado na atividade econômica. A necessidade da
privatização, ocorrida principalmente a partir da
década de 1980 foi motivada por fatores de ordem
financeira, jurídica e política, em face de um cená-
rio de crescimento dos direitos sociais e econômi-
cos e, consequentemente, do rol de atribuições do
Estado. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
esse crescimento do Estado, atuante em vários
17 Empresa de Construção e Engenharia de Obras Especiais (ECEX). Disponível em: <http://www2.transportes.gov.br/bit/02-rodo/9-
18 DIAS; CORNILS. Alencastro: o general das telecomunicações, p. 8-9.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 13 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
14 ARTIGOS
setores da vida social, colocava em risco a própria
liberdade individual, chegando a afetar o princí-
pio da separação dos Poderes e conduzindo a uma
ineficiência na prestação dos serviços.19
A privatização, no âmbito financeiro, bus-
cou diminuir os gastos públicos com empresas
estatais deficitárias. Já no âmbito jurídico, justi-
ficou-se pela necessidade de assumir formas de
gestão privada dos serviços públicos, sem os con-
troles excessivos e a burocracia da Administração
que travavam a atividade das empresas estatais.
No cenário político, a privatização inspirou-se na
concepção neoliberal, pregando a substituição do
Estado pela iniciativa privada, eis que mais apta
para gerir atividades comerciais e industriais, com
o consequente aumento da eficiência.20
Segundo o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado de 1995, a reforma do Estado
envolveu múltiplos aspectos. Primeiramente,
buscava um ajuste fiscal devolvendo ao Estado
capacidade de definir e implementar políticas pú-
blicas. Por meio da liberalização comercial, hou-
ve o abandono do Estado da estratégia fracassada
protecionista da substituição de importações.
O programa de privatizações é um reflexo
da conscientização da gravidade da crise fiscal
e da correspondente restrição da capacidade do
Estado de promover poupança por meio de em-
presas estatais.21 Preconiza o programa a transfe-
rência para o setor privado do dever da produção
que, a priori, será realizada com mais eficiência.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
a ideia de privatização, em um sentido amplo,
abrange um processo aberto visando a diminui-
ção do Estado. No entanto, ao lado desse concei-
to amplo, existe um mais restrito. Neste âmbito,
entende-se por privatização a venda de ativos ou
ações de empresas estatais para o setor privado,
modalidade esta disciplinada no ordenamento ju-
rídico pátrio pela Lei nº 9.491/1997.22
Fernando Collor de Mello (1990-1992), ao
ins ti tuir o Programa Nacional de Desestatização
19 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 5-6.
20 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 05-06.
21 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 5-6.
22 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 22-23.
(PND) com a Lei nº 8.031, de 1990, foi o primei-ro presidente brasileiro a adotar as privatiza-ções como parte de seu programa econômico. O Plano Collor, idealizado pela então Ministra Zélia Cardoso de Mello, implementou um modelo neo-liberal de aber tura às importações, privatização, moder ni zação industrial e tecnológica, sendo co-nhecido por um dos maiores programas de priva-tização do mundo.23
Mas foi principalmente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com a criação do Conselho Nacional de Desestatização pela Lei nº 9.491/1997, adotando algumas reco-men da ções, então em vigor, do Consenso de Washington e do FMI, que o Brasil realizou um enor me e polêmico programa de privatizações. À época, implantaram-se gestões na área política e finan ceira para enquadrar os estados no programa, con dicionando as transferências de recursos finan-ceiros da União para os estados à submissão dos go ver nadores às políticas recomendadas pelo FMI.
Durante esse governo, o processo de priva-tização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro, que se tornaria uma das maiores multina-cionais do mundo; a Telebras, monopólio estatal de telecomunicações; e a Eletropaulo.
Os leilões de privatização, que foram públi-cos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foram objeto de violentos protestos, prin-cipalmente de militantes esquerdistas.
Alguns economistas, no entanto, embora compartilhassem do pensamento ideológico ado-tado pelo programa de privatizações, apontavam duas grandes falhas desse processo. A primeira, no que concerne à possibilidade de eventuais compradores poderem efetuar parte do pagamento com títulos da dívida pública emitidos pelos su-cessivos Governos com o objetivo de resolver cri-ses financeiras e que, ao se tornarem inegociáveis, pressionavam o déficit público (comumente deno-minadas como “moedas podres”), os quais possuí-am valor nulo, ou quase nulo, no mercado.24
A segunda, consistente na possibilidade de
o BNDES25 financiar parte do preço de compra.26
23 ANUATTI-NETO et al. Os efeitos da privatização sobre o desem-Revista
Brasileira de Economia, p. 1-5.24
25 BNDES (1999a). Privatizações no Brasil – 1991/99. BNDES, Rio de Janeiro.
26 No caso da Eletropaulo o aporte foi de 100% e a compradora, a AES, não teria pagado em dia nem a primeira prestação, vide BRANDÃO; ALBERTO JR. Um rolo chamado Eletropaulo. Época.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 14 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
15ARTIGOS
Em outros termos, recursos públicos foram
utilizados para compra do patrimônio público
por empresas privadas. Os “investidores” nas
estatais as adquiriram empregando, em sua
maioria (quando não em 100%, como no caso da
Eletropaulo), recursos obtidos a juros subsidiados
do próprio Governo, que vendia suas empresas
concedendo financiamentos do BNDES e dos
fundos de pensão, o que significa que não houve
aporte de capital estrangeiro.27
As privatizações durante o governo do
Presidente Fernando Henrique Cardoso evidencia-
ram traços curiosos do programa brasileiro, como,
por exemplo, algumas aquisições feitas com a
participação financeira dos fundos de pensão das
próprias empresas estatais (como no caso da Vale)
ou da participação de empresas estatais de países
europeus, como no caso da Light Rio, em que o
controle acionário foi adquirido pela empresa es-
tatal de energia elétrica da França.
Apesar de gerar 78,61 bilhões de dólares de
receita para o Estado, segundo dados da Revista
Brasileira de Economia (v. 59, abr./jun. 2005), as
privatizações não evitaram o endividamento pú-
blico, que era de 60 bilhões de dólares em julho
de 1994 e saltou para 245 bilhões em novembro
de 1998.
Poucos anos atrás linhas telefônicas eram
consideradas bens com expressivo valor, o que
dificultava o acesso de boa parte da população a
esse meio de comunicação. Não restam dúvidas
que o sistema de empresas de economia mista que
administrava a telefonia no Brasil, por intermé-
dio da holding do sistema de autofinanciamento,
a Telebras, não atendia a população de maneira
adequada.
Segundo a Revista Brasileira de Economia
(v. 59, abr./jun. 2005), com a privatização de ape-
nas 19% do total das ações da Telebras (que for-
mava seu controle acionário), o Governo Federal
arrecadou 22 bilhões de reais, e o sistema recebeu
ainda investimentos da ordem de 135 bilhões de
reais dos compradores privados, tornando a telefo-
nia fixa um serviço universalmente acessível nas
cidades, embora ainda permaneça deficiente nas
áreas rurais, onde sua operação é menos lucrativa.
Ainda com base nas informações da Revista
Brasileira de Economia (v. 59, abr./jun. 2005), o
27 O Estado de S. Paulo.
número total de telefones fixos no Brasil teve um
altíssimo crescimento: passou de 16,6 milhões em
1998 para 35 milhões em 2006. Já os telefones ce-
lulares passaram de 7,4 milhões para 95 milhões
no mesmo período.28
O jornalista Ethevaldo Siqueira, no jornal
O Estado de S. Paulo, em reportagem publicada
em 2007, informa que os investimentos das em-
presas de telefonia privatizadas somaram mais de
R$148 bilhões, valor esse três vezes superior ao
que a Telebras e as teles sob o seu controle inves-
tiam — pelo falido sistema de autofinanciamento
—, gerando receitas para o Governo, em forma de
arrecadação de impostos, de aproximadamente
R$100 bilhões, somente com a rede de telefonia,
até o ano de 2006. Conforme o jornalista, os leilões
de licença de frequências de banda para empresas
de telefonia móvel renderam R$8 bilhões para o
Poder Público.29
Esse novo modelo mais liberalizante do se-
tor econômico possibilitou a abertura a capitais
estrangeiros e promoveu, sem dúvidas, uma me-
lhoria na eficiência alocativa da economia com
um aumento da competitividade dos produtos
nacionais.
Cumpre destacar os avanços tecnológicos
promovidos com a privatização, as melhorias de
infraestrutura alcançadas, a excelência das rodo-
vias, ainda que haja questionamentos sobre o cus-
to dos pedágios para a população.
Insta destacar, ainda, que diante da opção
do Estado em realizar as privatizações das empre-
sas estatais individualmente, em vez de privatizar
as holdings, ao contrário do que se previa, tem se
evitado a concentração do capital de um grupo de
empresas nas mãos de um único grupo econômi-
co, como, por exemplo, no setor siderúrgico.
Ademais, pode-se observar os efeitos da re-
estruturação das empresas privatizadas como a
Usiminas, Acesita e Celma, que em pouco tempo
após as privatizações, apresentaram consideráveis
melhorias operacionais e financeiras. Sem contar
28 No caso dos celulares a comparação entre os dois números é mais complexa: deve-se lembrar de que, além do “fator privatização”, contribuiu para o grande aumento no número de celulares em operação o extraordinário progresso tecnológico dessa modali-dade que nascia, permitindo que os preços internacionais desses aparelhos portáteis se reduzissem acelerada e continuamente des-de 1998, o que permitiu que se tornassem acessíveis às classes de renda mais baixas.
29 SIQUEIRA. Privatização gerou R$265 bi ao país. O Estado de S. Paulo.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 15 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
16 ARTIGOS
a Vale do Rio Doce, hoje considerada a segunda
maior mineradora do mundo e a maior empresa
privada do Brasil, sendo a maior produtora de
mi nério de ferro do mundo e a segunda maior
de níquel.
Em que pese a relevância das críticas so-
bre o processo de privatização no Brasil, o qual,
de fato, não foi um processo sem defeitos, não se
pode olvidar os benefícios trazidos ao país pela
política neoliberal implementada, que possibili-
tou o desengessamento da economia, que já apre-
sentava um quadro de recessão, e uma solução à
falência do Estado, cada vez mais endividado, ten-
do em vista o seu inchaço, representando, ainda,
verdadeira melhoria na prestação dos serviços.
Isto não significa, como já salientado, que o
processo de privatização não deva ser aperfeiçoa-
do. Cito como exemplo de melhoria a ampliação
do universo de compradores, gerando uma possi-
bilidade de mais receitas ao programa.30
As privatizações, em seu sentido amplo, aí
englobando as Parcerias Público-Privadas (PPPs),
se realizadas com lisura, configuram verdadeiros
instrumentos para alavancar o desenvolvimento
e integrar o Brasil no âmbito mundial. Ademais,
se assim consideradas, serão uma das alternati-
vas, quiçá a mais vantajosa para o Estado, para a
concretização de medidas que envolvam elevados
custos, como a melhoria de infraestrutura dos nos-
sos aeroportos, de transportes, estádios, rede ho-
teleira, o que, considerando a Copa do Mundo de
2014 e as Olimpíadas de 2016, alcança ainda mais
importância.
Passa-se no próximo tópico mais especifica-
mente às PPPs no Estado Brasileiro, sob o influxo
do Programa de Reforma do Aparelho do Estado,
como um novo modelo concessório para a solução
dos “gargalos” de infraestrutura e empreendimen-
tos pouco rentáveis à iniciativa privada.
4 Parcerias Público-Privadas no Brasil
Cabe destacar que os motivos que impul-
sionaram o surgimento da PPP — considerada
30 Segundo Mário Henrique Simonsen, da forma como o progra-ma está sendo conduzido, não está atraindo “nem as poupanças pulve rizadas, nem os capitais externos”. No caso das poupan-ças pulverizadas, porque o que está em jogo é o controle acioná-rio das empresas. No caso dos capitais externos, porque os lances têm de ocorrer em intervalos de tempo extremamente curtos, o
-Exame).
esta como uma forma de privatização, ou seja, um
conjunto de instrumentos do Poder Público para
diminuir o tamanho do Estado, transferindo suas
atribuições para o setor privado — remontam da
década de 1970, com o início da crise do Estado,
mas só se tornam evidentes nos anos 1980, pondo
em xeque o modelo econômico vigente naquele
período. A redefinição do papel do Estado é tema
que ganhou alcance universal na década de 1990.31
Marco Aurélio de Barcelos Silva, citando
Aragão, Brasileiro, Lima Neto et al. descreve os
fatores que motivaram o surgimento das PPPs no
Brasil:
a) a necessidade crescente pelos serviços essenciais e o esgotamento dos recursos fiscais; b) as ineficiên-cias e a inflexibi li dade do aparelho do Estado; c) os conhe cimentos técnicos e gerenciais acumu lados pela iniciativa privada, mas não presentes no setor público e d) a própria racionalização dos recursos fiscais e financeiros da sociedade.32
No Brasil a PPP nasceu em um momento de
crise fiscal. No ano 2000, a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LC nº 101/2000) impôs uma série de restri-
ções ao endividamento público. À época, a União
gastava a maior parte de seus recursos com cus-
teio (em torno de 98%). Sobravam apenas 2% para
investimentos e ainda havia a LRF que limitava os
gastos. Nesse momento de necessidade de inves-
timentos, se a União alocasse mais recursos para
o custeio corria-se o risco de a máquina governa-
mental parar. Foi esse momento de crise fiscal que
motivou a busca do financiamento privado. Em
face desse cenário, tornou-se interessante fazer
com que o recurso necessário não viesse mais do
orçamento, mas de particulares, sem caracterizar
o endividamento do Estado, alocando-o ao desafio
de investimento em infraestrutura, fomentando o
desenvolvimento econômico e a competitividade
do país.
O modelo vigente à época se tornara ine-
ficiente para fazer frente às demandas sociais diri-
gidas ao Estado Brasileiro, urgindo, com isso, a
necessidade de reconstrução estatal. Descontrole
fiscal, redução das taxas de crescimento econômico
31 Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - 1995.32 ARAGÃO, Joaquim; BRASILEIRO, Anisio; LIMA NETO, Osvaldo et al.
Parcerias sociais para o desenvolvimento nacional e fatores críticos para o seu sucesso. Natal: EDUFRN, 2004 apud SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administra-ção. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 16 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
17ARTIGOS
e elevação dos índices de inflação geraram a crise
do Estado de Bem-Estar Social. Nos últimos 20 anos
esse modelo se mostrou superado e ineficiente em
virtude, principalmente, da aceleração do desen-
volvimento tecnológico e da globalização da
economia mundial, que trouxeram uma grande
com petição entre as nações.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado de 1995 preconizava a “superação da admi-
nistração pública burocrática” e o surgimento da
Administração Pública Gerencial voltada para
os resultados. Quer se demonstrar que as PPPs
apresentam-se como “possível alternativa de pre-
enchimento das lacunas e omissões encontráveis
no método tradicional de contratação até então
utilizado pela Administração Pública no Brasil”.33
O novo modelo concessório das PPPs bra-
sileiras surgido em meados da década de 2000
teve grande influência das PPPs britânicas. A
Inglaterra, diante da crise fiscal e da incapacidade
de investimentos em infraestrutura no início da
década de 1980, iniciou seu programa de priva-
tização (venda de ativos). Identificado aqui o pri-
meiro passo para se chegar às PPPs nacionais.
No Brasil o tema ganhou maiores contornos
e expressão com o Programa de Reforma do Estado,
que teve iniciada sua implementação nos idos da
década de 1990, alcançando sua maior expressão
no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse
período, segundo Carlos Ari Sundfeld (2007), foi
que se iniciaram as “privatizações de grandes em-
presas federais, a flexibilização de monopólios de
serviços públicos e o estímulo ao Terceiro Setor”.
Como se disse, ganhou especial importância de-
corrente da necessidade de incremento do setor de
infraestrutura enfraquecido pela baixa capacidade
de investimento por parte do Estado.
A partir de 2002, a implementação das PPPs
foi fomentada, especialmente no final do governo
de Fernando Henrique Cardoso, e em 2003, no
início do governo do Presidente Lula. Falava-se
na necessidade de o Brasil adotar, ou criar um
programa de PPP, a partir das experiências de
países como Inglaterra (principalmente), Portugal
33 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.
e Chile.34 Muito se falava em PPP, mas não se dava delineamentos mais precisos.
Começaram a surgir em âmbito estadual, e depois na União, projetos de lei sobre PPP, toman-do o Estado de Minas Gerais a posição de pionei-ro na aprovação de diploma legal sobre o tema.35 Após calorosos debates no Congresso Nacional, foi aprovada a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, a chamada Lei das PPPs. Era o início de uma nova era no regime concessório no Brasil. Existia, formalmente, um texto legal aprovado, pronto para ser estudado, analisado, criticado, fu-gindo da imprecisão dos discursos políticos, até então recorrentes.
Salienta-se que a PPP no Reino Unido tem um sentido muito mais amplo que a PPP no Brasil, a qual adotou um sentido estrito, só compreen-dendo contratos que envolvam o chamado DBFO, consistente nas operações de concepção, opera-ção, financiamento e operação.36 A PPP no Brasil nasceu com base no antigo modelo das conces-sões. O investidor, ao se deparar com a legislação brasileira, verificará algumas diferenças. PPP no Brasil é concessão.
Não se pode negar que a Inglaterra é o país com um maior número de projetos de PPP. Uma série histórica que ensina os desafios e benefícios alcançados com esse tipo de associação.
Gustavo Binenbojm37 aponta como fatores
da adoção tardia do modelo de PPPs no Brasil o
34 “A Expressão “PPP” entrou rapidamente na moda em 2003, es-pecialmente porque o próprio Presidente da República pôs-se a usá-la vinculando-a ao ciclo de crescimento que queria para o país” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 16).
35 “A primeira lei a ser editada foi a do Estado de Minas Gerais (nº 14.868, de 16.12.2003), que seria seguida pela de São Paulo (nº 11.688, de 19.5.2004) e várias outras” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 49).
36 “Em sentido amplo parcerias público-privadas são os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecido entre a Administração Pública e particulares para viabilizar o desenvol-vimento, sob a responsabilidade destes, da atividade com algum
contratos muito conhecidos como a concessão de serviço público, regida pela Lei 8.987/95, [...] e os recentes contratos de gestão com Organizações Sociais (OSs) e termos de parceria com organi-zações da sociedade civil de interesse público. Pode-se mencionar também os diversos mecanismos contratuais ou não, que viabili-zam o uso privado de bem público, de forma onerosa ou gratuita, em atividade com alguma relevância social [...] A base legal dessas múltiplas parcerias não está na lei das PPPs, mas na legislação que as foi, pouco a pouco, organizando, especialmente a partir dos anos 90 [...] Em sentido estrito, ‘PPPs’ são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão
Apenas esses contratos sujeitam-se ao regime criado por essa lei” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 20-23).
37 BINENBOJM. Temas de direito administrativo e constitucional: artigos e pareceres: as Parcerias Público-Privadas na Constituição, p. 123.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 17 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
18 ARTIGOS
esgotamento da capacidade de endividamento do Estado, a valorização da responsabilidade fiscal com o advento da LC nº 101/2000 e o cumprimento das obrigações assumidas pelo Governo brasileiro com seus credores nacionais e estrangeiros — que diminuíam de forma significativa a capacidade de investimentos em infraestrutura e serviços pú-blicos, desembocando em meados da década de 2000 na procura por investimentos privados para financiamento de setores, mudando a visão gover-namental, no sentido de o Poder Público criar con-dições mais favoráveis aos investidores privados. Também como motivo para a adoção tardia das PPPs no Brasil, Gustavo Binenbojm aponta: [...] o exaurimento dos serviços públicos econômicos não autossustentáveis, o que inviabiliza a opção pelo formato da concessão comum [...] Daí ser justificável a previsão de uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao privado, como forma de criar o ambiente de atratividade necessário para seduzir os investidores particulares.38
38 BINENBOJM. Temas de direito administrativo e constitucional: ar-tigos e pareceres: as Parcerias Público-Privadas na Constituição, p. 123.
Ressalta-se que já havia naquele tempo a concessão prevista na Lei nº 8.987/1995 como mo-delo de translado de serviços e gestão do empre-endimento público a particulares. No entanto, o modelo concessório até então existente no Brasil já não atraía mais os investidores e os empreen-dedores. Eis que as melhores e maiores estatais já estavam privatizadas, bem como os serviços públicos com maior possibilidade de retorno de investimentos, como, por exemplo, no campo das telecomunicações, energia elétrica e as grandes rodovias. Em uma visão perfunctória, mostrava-se um possível esgotamento do modelo concessório. No entanto, permanecia premente a necessidade de investimentos em infraestrutura não necessa-riamente atrativos aos particulares, muito embora não se falasse, ainda, em ganhos de eficiência.
Afere-se, pois, que o contexto de surgimento das PPPs deu-se pelo esgotamento do modelo con-tratual anterior da Lei nº 8.987/1995, a qual não viabilizava os novos investimentos necessários para a infraestrutura. Com isso, o legislador bra-sileiro revisitou a ideia de concessão e criou duas novas modalidades de concessão no direito bra-sileiro: (i) contratos de concessão na modalidade
patrocinada; e (ii) na modalidade administrativa.39
39 Lei nº 11.079/2004. Art. 2º Parceria público-privada é o contrato admi nistrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou admi nis trativa.
Muito embora a expressão Parcerias
Público-Privadas em sentido amplo se refira às
mais variadas formas de associação entre o setor
público e setor privado para a consecução de fins
de interesse público, a sigla PPP no Brasil surgiu
para designar somente dois tipos de parcerias: a
concessão patrocinada e a concessão administra-
tiva, espécies do gênero concessão, ao lado da
concessão comum da Lei nº 8.987/1995. Ao se
referir à PPP, neste trabalho, estar-se-á a reportar
ao novo modelo concessório estabelecido pela Lei
nº 11.079/2004.40
Como as PPPs em sentido amplo já exis-
tiam no Brasil desde a década de 1990, a ques-
tão que suscitou críticas foi a adoção pelo novo
regime de concessões da nomenclatura “PPP” pelo
legislador. Aparentemente a razão não é jurídica,
mas sim de conveniência, servindo-se da denomi-
nação da PPP mundial, que representava no mer-
cado oportunidades de investimentos e negócios.
“Era um chamamento ao investidor para novos
negócios”.41
O projeto de Lei nº 2.456, que tratava das
PPPs, continha uma série de dispositivos não re-
produzidos na Lei nº 11.079/2004. O projeto de
lei, quando submetido ao Congresso Nacional, fi-
cou em torno de um ano sendo debatido e atraiu
interesse de bancos e empreiteiros (oportunidades
de negócios), governantes (capacidade de imple-
mentação de obras) e sociedade organizada (mais
serviços públicos). Esse foi o processo histórico
das PPPs no Brasil e da Lei nº 11.079/2004.
Cabe destacar que a ideia de “concessão
patrocinada” já estava prevista no art. 24 do Pro-
jeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional que
viria a ser convertido na Lei nº 8.987/1995. Não
fosse o veto do Presidente Fernando Henrique
Cardoso a esse dispositivo, que continha a ideia
de garantia de “uma receita bruta mínima” nos
contratos de concessão, ter-se-ia, já no ano de
1995, a concepção de concessão patrocinada no
Brasil.42 Cita-se o dispositivo vetado:
40 Cabe destacar o pioneirismo da Lei mineira nº 14.868/2003 sobre as PPPs.
41 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Administrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.
42 À época, nas razões de veto do Presidente, foi dito que “garantias como essa do estabelecimento de receita bruta mínima, além de
-tam, na realidade, um risco potencial de dispêndio com subsídio pelo Poder Público” (BINENBOJM. Temas de direito administrativo e constitucional: artigos e pareceres: as Parcerias Público-Privadas na Constituição, p. 123).
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 18 22/10/2013 11:33:01
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
19ARTIGOS
Art. 24. O Poder concedente poderá garantir, no contrato de concessão, uma receita bruta mínima, ou, no caso de obras viárias, o correspondente a um tráfego mínimo, durante o primeiro terço do prazo da concessão.
Parece que à época (1995), o veto do dispo-
sitivo acima retratou uma opção política, mas não
a adoção da ideia de uma concessão “patrocina-
da” no Brasil. Passa-se no próximo item, ainda que
brevemente, às questões polêmicas sobre as PPPs
no Brasil, aos aspectos metodológicos e ao conteú-
do jurídico do novo modelo contratual.
5 Breves questões sobre o conteúdo jurídico das
Parcerias Público-Privadas no Brasil
Inicialmente surgiram algumas críticas ao
nome dado pelo legislador à nova modalidade
de concessão, em razão da concepção comum
de parceria envolver duas pessoas que se unem
com vínculos comuns. Todavia, nas PPPs o par-
ceiro privado está no contrato em razão do lucro
e o Estado, pela obtenção de infraestrutura. Há,
então, um caráter sinalagmático típico nos contra-
tos de PPP. O nome dado não teria sido apropriado
segundo os críticos.43
Outra questão que se discute é se era real-
mente necessária uma nova lei para tratar das PPPs.
Os institutos que existiam, à época, não supriam
as necessidades da sociedade e do Estado no que
diz respeito à prestação de serviços públicos?44
43 “Pelo fato do vocábulo parceria trazer em si a idéia de lucro, alguns resistem a sua utilização no âmbito do direito público. O oróprio Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende discutível a utilidade de transpor-se esse vocábulo quando na realidade o que se está fazendo é rebatizar a colaboração econômica entre o setor público e o setor privado, hipótese em que entidades não estatais participam de atividades estatais de índole econômica, com
de serviço público” (DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas).
44 “No segundo semestre de 2002, Carlos Ari Sundfeld estudou
dos programas de PPP no Brasil. Sua conclusão foi no sentido de que, embora muitas formas de parcerias já fossem juridica-mente viáveis, havia necessidade de uma nova lei nacional, que complementasse a lei de concessões, bem como de criar uma estrutura orgânica na Administração Federal para cuidar do pro-grama. Então, apresentou para debates a primeira proposta de texto normativo, que deu início à consideração do assunto pelo Governo Federal [...] Após incisiva crítica aos substitutivos ao pro-jeto de lei federal, preparou uma nova proposta, reconstruindo o texto do projeto, criando os conceitos de concessão ‘adminis-
vários diplomas legais e concebendo uma nova solução para o Fundo Garantidor. Suas ponderações sugestões acabaram aceitas e serviram de base para a elaboração de um novo texto, que tam-bém incorporou outras preocupações, tanto do Governo como da
-
PPPs” (SUNDFELD. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD (Coord.). Parcerias Público-Privadas, p. 17).
Parte da doutrina afirmava incisivamente que não
era necessária uma nova lei. Argumenta que as
PPPs já estavam disciplinadas em outros diplo-
mas normativos, como a Lei nº 8.987/1995 e a Lei
nº 8.666/1993. O que se precisava, realmente, era
de uma complementação, alguns pequenos ajus-
tes nessas leis. Afirmava que era absolutamente
desnecessária uma lei nova para essa finalidade;
que a concessão administrativa não seria uma
concessão e bastaria pequeno ajuste pontual na
Lei nº 8.666/1993 para a sua existência.
Celso Antônio Bandeira de Mello afirma
que para possibilitar a celebração de contratos
de concessão administrativa bastaria a dilação
do prazo máximo previsto na Lei nº 8.666/1993
— de cinco anos, prorrogáveis por mais um ano
— para certos contratos de prestação de servi-
ços.45 Aparentemente, a concessão patrocinada,
realmente, já tinha substrato na Lei nº 8.987/1995.
No entanto, para a criação da concessão adminis-
trativa, dada a estrutura da Lei nº 8.666/1993, não
seria possível apenas com pequenos ajustes. Fazia-
se imprescindível incluir num capítulo à parte e
autônomo às suas características trazidas na Lei
nº 11.079/2004.
Considera-se que com uma nova lei, cria-se
uma vitrine para investimentos, concentram-se as
atenções para as novas práticas concessórias, bem
como proporciona a adoção de um diploma legal
mais claro e limpo. As PPPs em sentido estrito no
Brasil são modalidades de concessões sui generis,
com particularidades que lhes dão característi cas
próprias, distintas da concessão comum da Lei
nº 8.987/1995. Aproximam-se do modelo inglês
do PFI (DBFO) — de transmitir ao particular a
responsabilidade pelo empreendimento — e, no
Brasil, é concessão. É um aprimoramento do mo-
delo anterior de concessões.
Antes de adentrar ao estudo das modali-
dades de concessão patrocinada e administrativa,
mesmo brevemente, delinear-se-á o que é uma
concessão.
Concessão de serviços públicos é um con-
trato. As concessões são antigas no Brasil, como as
de sesmarias, tipos de concessões que conferiam
benefícios aos indivíduos escolhidos pela coroa
portuguesa.
Ensina o Professor Marco Aurélio de Barcelos
Silva que há várias concepções do termo concessão
45 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 766.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 19 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
20 ARTIGOS
no Brasil, como concessão de aposentadoria, que
não é contrato, mas o reconhecimento de um
direito. Há a concessão de uso de bem público em
que se concede o uso de bem público ao particular.
“A concessão de serviços públicos é atributiva
constitutiva e prestacional porque se translada
a alguém uma situação jurídica e dele se espera
uma prestação que é a oferta do serviço público
transladado”.46
A Constituição diz que concessão é contrato
que deve ser precedido de licitação (art. 175, CF).
É um contrato de gestão, por intermédio do qual
se concede aos particulares a gestão dos serviços
públicos. O art. 175 da CF prevê as concessões
apenas de serviços públicos, e para isso há uma
razão histórica. As primeiras concessões original-
mente no Brasil eram basicamente de ferrovia e de
energia elétrica, porque eram rentáveis. A ativida-
de, quando era prestada pelo Estado, era remune-
rada por tributos, sob a perspectiva fiscal. Quando
transladadas para o particular, a remuneração do
serviço se dá por meio de tarifas pelos próprios
usuários. As concessões, no Brasil, em decorrên-
cia do tratamento jurídico dado pela Constituição
e pelas circunstâncias históricas, envolvem a
ideia de serviços públicos e de remuneração pe-
los usuários. As PPPs vieram quebrar esses dois
paradigmas.
Outra questão que se afigura é se o instituto
da concessão possui características próprias que
lhes dão a configuração ou concessão é aquilo
que o legislador atribuir como tal? O legis la-
dor, em 1995, com base na previsão do art. 175
da CF, pareceu indicar que concessão de ser viços
públicos seria remunerada por meio de tarifa.
Tanto a Lei nº 8.987/1995 como a Lei nº 8.666/
1993 mostraram-se insuficientes como ferra men-
tas para prover as soluções para a Admi nis tra ção
Pública, e um dos principais aspectos que estava
por trás dessa conformação jurídica é justa mente a
presença de tarifas e os serviços públicos. Pelo fato
de a concessão ter de ser remu ne rada por tarifa
retirava-se do objeto da Lei nº 8.987/1995 aquelas
atividades tidas como deficitárias, não lucrativas.
O particular se ria responsável por de se nhar,
construir a obra, finan ciar e operar o em preen-
dimento, mas não veria resultados econômicos
e lucrativos no empreendimento. Muito embora
46 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Admi-nistrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.
a Lei nº 8.987/1995 não proibisse que atividades
potencialmente deficitárias fos sem objeto de uma
concessão, o mercado não admi tia uma concessão
que não fosse vantajosa econo mi camente.
Como grande parte das rodovias superavitá-
rias e dos serviços lucrativos já haviam sido con-
cedidos na década de 1990, sobraram somente as
atividades que não interessavam aos particulares,
sob o ponto de vista lucrativo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro47 e Celso
Antônio Bandeira de Mello fazem críticas à Lei
nº 11.079/2004, considerando que a mensagem
que acompanhou o Projeto de Lei encaminhado
ao Congresso Nacional propugnava por uma eco-
nomia de investimentos em obras de infraestru-
tura, para as quais o Governo não dispunha de
recursos suficientes. Alertam para o fato de a Lei
nº 11.079/2004 prever duas modalidades de con-
cessões em que a forma de remuneração abrange,
total ou parcialmente, a contribuição pecuniária
do Poder Público, podendo, inclusive, nas con-
cessões patrocinadas chegar a mais de 70% com
autorização legislativa (art. 10, §3º) e, nas admi-
nistrativas, até a 100% da remuneração do Poder
Público.48
Tais argumentos mitigam a exposição de
motivos apresentada pelo Governo ao Congresso
Nacional. O modelo brasileiro baseou-se na matriz
britânica, pelos mesmos motivos, ou seja, a falta
de recursos públicos para as obras de infraestrutu-
ra e a grave crise fiscal, porém, não foi semelhante
quanto à participação dos recursos públicos e à
prestação de garantias ao parceiro privado.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro prossegue
cri ti cando que “outro objetivo das parcerias
público-privadas, menos declarado, mas também
verda deiro, é o de privatizar a Administração Pú-
blica, transferindo para a iniciativa privada grande
parte das funções administrativas do Estado”.49
Nesse contexto histórico, a Lei nº 11.079/
2004 criou a concessão patrocinada que tem a
mesma lógica da concessão de serviço público,
47 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 143.
48 “Seguramente, este não é um modo de acudir à carência de recur-sos públicos; antes, pressupõe que existam disponíveis e implica permissão legal para que sejam despendidos: exatamente a antí-
(BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p.763).49 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-
missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 143.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 20 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
21ARTIGOS
em que se translada o serviço público para o parti-
cular que será responsável também pelo desenho,
construção, financiamento e operação. Do mes-
mo modo, ele vai se remunerar pela exploração,
gestão do empreendimento, e vai também receber
tarifas cobradas junto ao desempenho direto pelo
serviço. Por seu turno, como as tarifas são insu-
ficientes, o Poder Público vai complementar, pa-
trocinar a atividade com fins de dar viabilidade
econômica ao empreendimento público.
Conclui-se, pois, que a concessão patro-
ci nada nada mais é do que a concessão comum
de que já tratava a Lei nº 8.987/1995, quanto ao
objeto a ser transferido, diferenciando, todavia,
no aspecto quanto à lucratividade desses serviços,
que são considerados deficitários e pouco atraentes
à iniciativa privada, ao passo que nas concessões
comuns eram lucrativos.
Há também na concessão patrocinada as ta-
rifas dos usuários e a prestação do serviço públi-
co. Porém, o que há de novidade é o patrocínio do
Poder Público nessa nova modalidade de conces-
são. Esse complemento vai depender da previsão
contratual, como, por exemplo, mensal, ou anual,
dependendo, na verdade, da previsão contratual
que disciplinará a forma de pagamento desses re-
cursos. A lei foi omissa sobre esse aspecto.
A análise sobre quais atividades necessa-
riamente vão se enquadrar em uma concessão
patrocinada, portanto, depende do caso concreto.
Determinadas atividades que em algumas situa-
ções são extremamente lucrativas, em outros con-
textos podem se revelar deficitárias. Portanto, não
há, aprioristicamente, um rol de atividades susce-
tíveis a uma concessão patrocinada.
Ian Ramalho Guerriero, da Assessoria Eco-
nômica, Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, ensina em termos gerais que:
projetos que tenham Taxa Interna de Retorno (TIR)50 compatível com o retorno exigível no mercado, po-dem ser estruturados como Concessão. Projetos que não alcancem uma TIR suficiente sozinhos, podem ser estruturados como PPP: incluindo contrapresta-ções e subsídios para elevar as receitas até o nível adequado de retorno. Projetos cujas receitas sejam poucas e os custos de transação para transferência ao setor privado sejam elevados, podem ser estrutu-rados como obras públicas.51
50 Um projeto típico tem um grande investimento no começo, segui--
51 GUERRIERO. Estruturação de projetos. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.
Em determinados casos pode o Poder Público dar o patrocínio integral como meio de re-gulação, por ter como objetivo, por exemplo, não somente a boa trafegabilidade da rodovia, mas os efeitos de “arraste econômico que a implantação da rodovia pode proporcionar como a integração entre municípios e a geração de empregos, desde que busquem objetivos legítimos e motivados”.52
Reconhece que a concessão patrocinada no Brasil já era possível pelo regime concessório an-terior, pois o art. 11 da Lei nº 8.987/1995 já con-templava uma abertura ao poder concedente de prever a possibilidade de outras fontes comple-mentares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas.53
Projetos associados ou receitas acessórias são negócios acessórios que geram renda para o con ces sionário para além da tarifa. São ampla men-te utilizados nas rodovias onde pode se con ce der parte de sua faixa de domínio54 para coloca ção, por exemplo, de postos de gasolina, per mi tir a ex-ploração por meio de restaurantes e lojas nos em-pre en dimentos, para que a receita aufe rida com o alu guel possa servir para reduzir a tarifa do usuário.
Outra forma de receita adicional são as complementares, as quais haverá a receita da tari-fa e o subsídio público. Neste complementar, há o germe da concessão patrocinada.
Nas receitas alternativas não se aplica a ta-rifa, já que é substituída por outra forma de re-mu ne ração, enquadrando-se em uma concessão
de ser viço público totalmente “patrocinada” na
própria Lei nº 8.987/1995.55
52 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Admi-nistrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.
53 “Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço pú-blico, poderá o poder concedente prever, em favor da conces-sionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”.
54 A faixa de domínio é a base física sobre a qual se assenta a rodo-via, sendo constituída pela pista de rolamento onde os veículos trafegam, canteiros, obras de arte, acostamentos e sinalização, estendendo-se até o alinhamento das cercas que separam a estra-da dos imóveis marginais ou da faixa de recuo. Em geral, faz-se uma reserva de 60 metros, quando se trata de pista simples, e de 100 metros, em caso de pista dupla, mas essa distância pode va-
da rodovia. Além uma área de 15 metros na lateral da estrada, de
não se pode construir por questões de segurança (inciso III do art. 4º do Capítulo II da Lei nº 6.766 de 19.12.1979, e alterações impostas pela Lei nº 9.785, de 29.01.1999 e suas atualizações e Manual de Acesso de Propriedades Marginais a Rodovias Federais).
55 O Professor Floriano de Azevedo Marques Neto, antes mes-mo da Lei nº 11.079/2004, em interessante artigo, já previa a
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 21 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
22 ARTIGOS
O pedágio-sombra é também uma prática rotineira em países da Europa, como Inglaterra e Portugal, que consiste em transferir a gestão de um serviço público, potencialmente tarifável, em que na tarifação, quem continua pagando é o Tesouro. Com base na leitura da Lei nº 8.987/1995 já era possível vislumbrar o pedágio-sombra, pois há a previsão de receitas alternativas.
Outra questão interessante é saber se pela Cons tituição Federal seria possível a complemen-tação ou a substituição da tarifa. Disciplina o art. 175 da CF:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou per-missão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.Parágrafo único. A lei disporá sobre:III - política tarifária;
Esse dispositivo seria um obstáculo à com-plementação ou substituição tarifária? Falar em política tarifária não significa necessariamente tratar de cobrança de tarifa. Uma eventual política tarifária poderia contemplar isenção de tarifas, o que não a descaracteriza como plano de política tarifária. Entendimento contrário tornaria restriti-vo, em excesso, o dispositivo constitucional.
A Lei nº 8.987/1995, nesta linha de entendi-mento, previu outras fontes provenientes de recei-tas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados. O que há no modelo tarifário — que é o modelo das concessões comum e pa-trocinada — é a troca da solidarização dos custos pela individualização dos custos. É nesse sentido que se afirma que os serviços públicos econômi-cos do Estado, que podem ser individualizados, os ditos uti singuli, são os que poderão ser objeto de uma concessão comum ou patrocinada. Somente sendo individualizados é que se pode deflagrar o sistema de tarifas. Se não há individualização não há como cobrar tarifa.
Este esquema jurídico dificulta que ou-
tros serviços — como, por exemplo, os de caráter
possibilidade de uma concessão de serviço público onde defendia a possibilidade de o Poder Público complementar ou substituir as tarifas em uma concessão de serviços transferidos ao particu-lar. O entendimento está em obra em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, que tratava das concessões de serviços sem ônus para usuário. Cita o FUST (criado pela Lei Federal
recursos do FUST, de origem tributária, poderiam ser utilizados para diminuição do valor nas contas de serviços de telecomuni-cações de estabelecimentos de ensino e bibliotecas (MARQUES NETO. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário: direito público: estudos em homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari, p. 339).
universal (uti universi), como os serviços sociais,
que não são tarifados — possam ser submetidos
a essa lógica da concessão comum e patrocinada.
Não se consegue, portanto, pegar um serviço não
tarifável — um serviço administrativo — e apli-
car as regras da concessão comum e patrocinada.
Há a necessidade de um novo arcabouço jurídico
que viabilize esse translado ao particular dos ser-
viços que não podem ser submetidos ao modelo
tarifário.
Um grande número de autores, entre eles
o professor Carlos Ari Sundfeld, entende que nas
concessões administrativas se aplique a mesma
lógica econômico-contratual das concessões co-
mum e patrocinada para outros serviços que não
os serviços públicos tarifáveis. Se a concessão
patrocinada já representava uma ruptura com o
ele mento tarifa das concessões comuns, com a
possi bilidade de patrocínio cem por cento, a con-
cessão administrativa veio desconstituir outro ele-
mento considerado típico nas concessões, que é a
figura dos serviços públicos. Poder-se-ia ter, então,
outras atividades que não de caráter econômico
— que não serviços industriais ou comerciais do
Estado ou que não serviços uti singuli — submeti-
dos a essa lógica contratual.
Outro ponto é que na concessão adminis-
trativa não tem um objeto predefinido. Poder-se-ia
dizer que a concessão administrativa se confun-
diria com a concessão patrocinada cem por cen-
to? Na concessão administrativa entende-se que
o único responsável pela remuneração é o Poder
Público. Qual seria a diferença de uma concessão
administrativa — que é inteiramente remunerada
pelo Poder Público — de uma concessão integral-
mente patrocinada? A maioria dos autores, inclu-
sive Carlos Ari Sundfeld e Maria Sylvia Zanella
Di Pietro,56 entende que uma concessão patroci-
nada cem por cento é uma concessão administra-
tiva, porque o §1º do art. 2º da Lei nº 11.079/2004
utiliza o termo “adicionalmente” para se referir à
remuneração do parceiro público ao parceiro pri-
vado nessa modalidade de concessão.57
56 “Como a concessão patrocinada supõe serviços públicos que per-mitam cobrança de tarifa do usuário, os demais serviços públicos, a serem prestados, gratuitamente, somente poderão ser objeto de concessão administrativa” (DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 144).
57 Art. 2º, §1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços pú-blicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro pú-blico ao parceiro privado.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 22 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
23ARTIGOS
O legislador, no entanto, foi cauteloso ao di-
ferenciar as modalidades de concessão na Lei das
PPPs. Definiu a concessão patrocinada no §1º do
art. 2º como “a concessão de serviços públicos ou
de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13
de fevereiro de 1995, quando envolver, adicional-
mente à tarifa cobrada dos usuários, contrapres-
tação pecuniária do parceiro público ao parceiro
privado”. Por outro lado, quando se referiu à con-
cessão administrativa no §2º do art. 2º definiu:
“Concessão administrativa é o contrato de presta-
ção de serviços de que a Administração Pública
seja a usuária direta ou indireta, ainda que envol-
va execução de obra ou fornecimento e instalação
de bens” (grifos nossos).
O que se evidencia é que a Lei nº 8.987/1995
não é a lei de concessões, mas, sim, a lei que trata
das concessões e permissões de serviços públi-
cos, com base na política tarifária estabelecida
na CF. Ademais, o preâmbulo e o art. 1º da Lei
nº 8.987/1995 só se referem às concessões e per-
missões de serviços públicos.58 Seria uma leitura
equivocada afirmar que a Lei nº 8.987/1995 trataria
de todas as formas de concessões. Ao contrário,
seu objeto caberia somente nas concessões co-
muns de serviços públicos e concessões patro-
cinadas se adicionalmente à tarifa houvesse uma
contraprestação do parceiro público.
A concessão administrativa não se identifica
integralmente à concessão patrocinada. Além do
objeto anteriormente citado (serviços públicos), a
própria topografia legislativa coloca ambas as de-
finições e seus respectivos objetos em dispositivos
diferentes. O §1º trata da concessão patrocinada e
o §2º trata da concessão administrativa. Por fim,
na concessão administrativa a Administração é
usuária direta ou indireta dos serviços, previsão
não encontrada na concessão patrocinada (§1º do
art. 2º da Lei nº 11.079/2004). Não é o patrocínio
cem por cento nas concessões patrocinadas que
vai transmudá-la em concessão administrativa, e
até mesmo por incompatibilidade do seu objeto
(serviços públicos).59
58 “Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispen-sáveis contratos”.
59 -ram que as concessões administrativas podem ter como objeto serviços públicos como usuária indireta (DI PIETRO. Parcerias na
Será de fato uma concessão administrativa
uma concessão? Celso Antônio Bandeira de Mello,
tecendo críticas acirradas à Lei nº 11.079/2004,
entende a concessão administrativa como uma
“falsa concessão”, por considerar que a contra-
prestação que a Administração teria de pagar ao
parceiro privado pela prestação do serviço não
seria tarifa, mas uma remuneração decorrente de
contrato como qualquer outra, o que descaracteri-
zaria a parceria como uma concessão:
[...] o que diferencia a concessão de serviço pú-blico de outros contratos de prestação de serviços é o fato de o contratado se remunerar mediante a exploração do serviço, por ele mesmo efetuada, normalmente pela cobrança de “tarifas” direta-mente dos usuários — conquanto esta não seja necessariamente sua única forma de remuneração. Deveras, o que faz distinto um contrato de presta-ção de serviços de limpeza pública, por exemplo, de uma concessão do serviço de limpeza pública? O serviço, em si, é o mesmo. A única distinção entre eles é que no primeiro o contratado é remunerado pela Administração por prestar tal serviço, não pas-sando de mero executor material; e no segundo o concessionário se remunera cobrando ele próprio sua retribuição dos usuários [...] Deveras, não bas-ta chamar um contrato de prestação de serviços como concessão para que ele adquira, como em um passe-de-mágica, esta qualidade. Também não basta chamar de tarifa o pagamento feito ao presta-dor de serviço em um contrato desta índole para tal pagamento se converta em tarifa e o dito contrato se transforme em uma concessão; assim como não bastaria chamar uma cadeira de alto-falante para poder irradiar sons por meio dela.60
Como dito alhures, desde a Lei nº 8.987/1995
— pelo seu art. 11 — já era possível uma conces-
são de serviços públicos cem por cento patrocina-
da pelo Poder Público e, mais que isso, o elemento
tarifa não seria fator determinante para se confi-
gurar uma concessão, como, por exemplo, nas
concessões comuns em que não há cobrança de
tarifas, sendo a remuneração do concessionário
por meio das receitas alternativas.61
Celso Antônio Bandeira de Mello consi-
dera que a Lei nº 11.079/2004 visa, na verdade,
via bilizar um contrato de prestação de serviços
com a fuga do regime geral de contratação da Lei
nº 8.666/1993, aplicando os prazos das concessões,
Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceiriza-ção, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 145).
60 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 764-765.61 “Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço pú-
blico, poderá o poder concedente prever, em favor da conces-sionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 23 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
24 ARTIGOS
proporcionando um regime vantajoso e maiores
garantias para os contratantes privados.62
Marco Aurélio Barcelos Silva apresenta
contraponto à ideia de que o elemento serviço pú-
blico não está necessariamente ligado a um servi-
ço público, asseverando que:
[...] se é certo que o art. 175 da Constituição da República estabelece que os serviços públicos de-vam ser transferidos ao particular por meio de uma concessão (ou permissão), a recíproca não é verda-deira, isto é, uma concessão não tem sempre que se referir a um serviço público, podendo a lei incre-mentar-lhe objeto. Crê-se, dessa maneira, ser viável a existência de outras modalidades de concessão, a exemplo do que ocorre na concessão administrati-va. Cita-se a opinião de WALD, segundo quem, da própria etimologia da palavra, extrai-se que a con-cessão é uma cessão na qual o Estado continua sem que haja, necessariamente, a delegação da presta-ção de um serviço público.63
Pensa-se ser a concessão de serviços públi-
cos translativa, atributiva constitutiva e prestacio-
nal, porque confere, por meio de um contrato, a
uma concessionária uma situação jurídica e dele
se espera uma prestação que é a oferta do serviço
público remunerado por tarifa. Poder-se-ia, então,
aplicar essa lógica das concessões às atividades
outras, que não serviços públicos — como as ati-
vidades administrativas em geral — sob a gestão
da Administração Pública, como, por exemplo, a
gestão de presídios.
Por seu turno a concessão administrativa
tam bém é um contrato de gestão de empreendi-
men to público. O Professor Marco Aurélio Barcelos
Silva explica o termo “empreendimento pú blico”:
“Diz-se ‘empreendimento’ pelo fato de os ser vi-
ços transferidos compreenderem uma plêiade
de atividades exploradas e geridas pelo conces-
sio nário, incluída a administração de recursos
finan ceiros, materiais e humanos”.64 Dentro do
movi mento de parcerias é a forma mais sofisticada
de con tratação de serviços para além da ideia de
62 “Assim, percebe-se que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados é a realizar um simples contrato de prestação de serviços — e não uma concessão — segundo um re-gime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos. Ou seja, quer ensejar aos contratan-tes privados (os parceiros), nas ‘concessões’ administrativas tanto como nas patrocinadas, vantagens e garantias capazes de atender aos mais venturosos sonhos de qualquer contratado” (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 765).
63 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.
64 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.
serviços públicos. É uma concessão, a teor do art. 2º da Lei nº 11.079/2004, que não se refere à concessão de serviço público mas tão somente a concessão como gênero, enquadrando aqui tanto a patrocinada (de serviços ou de obras públicas) como a concessão administrativa (prestação de serviços e serviços sociais).
A interpretação sistemática da Lei nº 11.079/ 2004 permite verificar e perceber que vários dis-positivos legais referentes à concessão de serviço público serão aplicados à concessão administrati-va.65 Di Pietro ensina que alguns dispositivos da Lei nº 8.987/1995, como os arts. 21 e 23 (contra-tos), art. 25 (responsabilidade da concessionária perante o poder concedente), art. 27 (transferência da concessão), art. 25, §§1º a 3º (subcontratação), art. 29 (encargos do poder concedente), art. 31 (encargos da concessionária), arts. 32 a 39 (extin-ção, encampação, caducidade, rescisão, anulação, falência ou extinção da empresa, falecimento ou incapacidade do titular) e art. 36 (reversão). Todos esses dispositivos caracterizam poderes do conce-dente de uma concessão de serviço público, que em um contrato de empreitada previsto na Lei nº 8.666/1993 — que tem como objeto a mera exe-cução material do serviço — não se justificariam.
O Professor Marco Aurélio de Barcelos Silva entende a concessão administrativa como uma “concessão de empreendimentos públicos desdobradas em serviços sociais (não tarifáveis), serviços administrativos e demais empreendimen-tos complexos”.66 Essa é uma posição minoritária. São poucos os autores que defendem que a con-cessão administrativa é uma concessão, que tenha por objeto algo distinto de serviço público.
Chega-se ao rol de atividades que seriam, por natureza, objeto de uma concessão administrativa por exclusão. O art. 4º, III, da Lei nº 11.079/2004 exclui dos objetos das Parcerias Público-Privadas as atividades que sejam exclusivas do Estado.67 Caberiam aqui as atividades que não possam ser tarifáveis, os empreendimentos públicos uti uni-
versi ou serviços públicos impróprios como saúde,
educação, seguridade social, ditos indivisíveis,
65 “Art. 3º As concessões administrativas regem-se por esta Lei, apli-cando-se-lhes adicionalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e no art. 31 da Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995”.
66 Marco Aurélio de Barcelos Silva, Pós-Graduação em Direito Administrativo, Parcerias Público-Privadas, IDP, Brasília, 2009.
67 “Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão obser-vadas as seguintes diretrizes: III - indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de ou-tras atividades exclusivas do Estado”.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 24 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
25ARTIGOS
como, por exemplo, a coleta de lixo.68 Nos serviços
uti singuli — que são divisíveis e tarifáveis — só
caberá a concessão comum e a patrocinada.
A Lei de PPP trouxe como grande inovação
em face da PPP britânica e da Lei nº 8.987/1995
o compartilhamento de riscos e aumento de ga-
rantias.69 O Professor Marco Aurélio de Barcelos
Silva comparando, neste ponto, as PPPs com os
regimes jurídicos da Lei nº 8.666/1993 e da Lei
nº 8.987/1995 preleciona que:
as contratações realizadas com base na Lei de Licitações, o risco do negócio está, em sua quase integralidade, disposto nas mãos da Administração Pública, o contrário acontecendo nas concessões de serviços públicos, em que esse mesmo risco está por força da legislação — alocado nas mãos do con-cessionário. O art. 2º da lei federal nº 8.987/95 traz como elemento conceitual dessa modalidade de contratação a assunção integral dos riscos do negó-cio pelo concessionário.70
Ponto controvertido está no inc. III do art. 5º
da Lei das PPPs, que estabelece que sejam reparti-
dos os riscos entre as partes, inclusive os decorren-
tes de caso fortuito, força maior, fato do príncipe
e álea econômica extraordinária. Na concessão
comum, o concessionário age por sua conta e ris-
co, de maneira que não são repartidos os riscos
inerentes ao empreendimento, entendidos, aqui,
aqueles decorrentes da álea ordinária. Quanto aos
decorrentes da álea extraordinária, Celso Antônio
Bandeira de Mello, tecendo críticas incisivas aos
institutos da Lei nº 11.079/2004, entende que não
seria possível onerar o concessionário pelo fato do
príncipe, por ferir as normas constitucionais de
responsabilidade do Estado.71 Da mesma forma é
68 No Município de São Paulo há uma PPP para o serviço de coleta de lixo. Celso Antônio Bandeira de Mello critica tal empreendimento: “Foi este meio grotesco o de que se utilizou a Prefeitura Municipal de São Paulo, na última gestão, para efetuar contratos de presta-ção de serviço de recolhimento de lixo com prazo correspondente ao de concessões, atribuindo tal nome ao contrato de ‘tarifa’ o pagamento que fazia ao prestador. É evidente que o contrato em tais condições é nulo de pleno direito” (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 765).
69 “O direito brasileiro passa a adotá-lo (o instituto das PPP), inovando ao prever garantias que o poder público poderá prestar
PIETRO. Par cerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 142).
70 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.
71 “Não parece possível onerar o parceiro privado com o encargo de repartir os riscos oriundos do fato do príncipe, pois confor-
Pietro, o princípio constitucional da responsabilidade do Estado impediria tal solução. O Poder público é que teria que assumir as consequências de seu ato” (BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 770).
seu entendimento quanto às sujeições imprevis-
tas “quando o parceiro privado atuou sobre as
informações técnicas que hajam sido oferecidas
e afiançadas como bastantes pelo Poder Público”.
Outro aspecto que se mostra interessante
são as figuras que se assemelham, em muito, à
concessão administrativa, como o regime de em-
preitada integral prevista no art. 6º, inciso VIII
e inciso II, alíneas “a” e “b” do art. 10 da Lei
nº 8.666/1993, e as terceirizações e as franquias.
Questiona-se, no entanto, se esses tipos de contra-
tos não estavam dentro do escopo de uma conces-
são administrativa.
Sobre as semelhanças e dessemelhanças
ensina Di Pietro que:
na concessão administrativa, se o objeto for a prestação de serviços, o concessionário, da mes-ma forma que na empreitada, vai assumir apenas a execução material de uma atividade prestada à Administração Pública; esta é que detém a gestão do serviço. No entanto, não é possível identificar inteiramente a concessão administrativa com a em-preitada. Em primeiro lugar, porque, na primeira, o parceiro privado sujeitar-se-á às normas da Lei nº 11.079/04, da Lei nº 8.987/95 (arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 e da Lei nº 9.074/95 (art. 31), enquanto a segunda aplica-se a Lei nº 8.666/93. Inclusive a concessão administrativa escapa à regra da limita-ção de prazo que consta na Lei 8.666 (art. 57).72
Di Pietro entende a concessão administrati-
va como um misto de empreitada, serviço remu-
nerado pela Administração, tendo como objeto a
execução material de atividade e de concessão de
serviço público sujeita também a algumas normas
da Lei nº 8.987/1995.73
Di Pietro mostra a semelhança com as ter-
ceirizações, chamando de terceirizações de ser-
viços públicos, no entanto submetidas ao regime
jurídico da Lei nº 11.079/2004 e algumas normas
da Lei nº 8.987/1995, com todas as peculiaridades
que a diferenciam do regime geral dos contratos
da Lei nº 8.666/1993. Para diferenciar, a autora
afirma que “Não sob a forma de empreitada de
obra, de serviço ou de fornecimento (porque isto
está vedado expressamente pelo artigo 2º, §4º, III,
da Lei nº 11.079). É a terceirização da gestão do
serviço, podendo ou não envolver obra, forneci-
mento e instalação de bens”.74
72 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permis-são, franquia, terceirização, Parcerias Público-Privadas e outras formas, p. 152.
73 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 152.
74 “Na lei mineira (de nº 14.868, de 16.12.2003) esse objetivo está mais claro, porque o artigo 5º, §1º prevê a possibilidade de
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 25 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
26 ARTIGOS
Segundo Di Pietro, “se o objeto da concessão
administrativa — delegação da execução de
serviço público — se revelar verdadeiro haverá
terceirização de atividade meio (serviços admi-
nistrativos) e atividade fim (serviços sociais do
Estado)”.75
Quanto às franquias, muito embora não
exista dispositivo legal específico que discipline os
contratos de franquia na Administração Pública,
nada impede a adoção do sistema, aplicando-se o
art. 62, §3º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993.76 Quando
tomar a forma de terceirização e quando na forma
de concessão estará sujeita à Lei nº 8.987/1995. No
entanto, não se considera que as franquias estejam
no escopo de uma concessão administrativa,
embora possuam algumas semelhanças, tais como
transferência ao franqueado de poderes e deveres
próprios do concedente, conservando, este último,
alguns dos poderes e deveres como o de controlar
e fiscalizar a atuação do franqueado.
Nas palavras de Di Pietro — muito embora
se referindo às concessões de serviço público —
“a grande diferença está no fato de que, enquanto
na concessão de serviço público o concessionário
atua em nome próprio e segundo técnicas próprias
de organização e trabalho, na franquia o franque-
ado atua sob o nome do franqueador utilizando a
sua marca e suas técnicas de atuação”. Esse en-
tendimento também se aplica às concessões admi-
nistrativas, com o plus de que nestas, o parceiro
público tem maior autonomia de atuação.
Por fim, o Professor Marco Aurélio Barcelos
Silva faz elucidativa diferenciação entre PPPs e
privatizações em sentido estrito, explicando que:
Ao contrário do que de possa ouvir falar, parce-rias não caracterizam “entreguismo”. O Estado não abandona suas atribuições em mãos alheias. Pelo
parceria público-privada nas seguintes áreas I - educação, saú-de e assistência social; II - transportes públicos; III - saneamen-to básico; V - ciência, pesquisa e tecnologia; VI - agronegócio, especialmente na agricultura irrigada e na agroindustrialização; VII - outras áreas públicas de interesse social ou econômico. E o mesmo artigo 5º, ao indicar as atividades que podem ser objeto de parceria, inclui a ‘implantação e a gestão de empreendimento público, incluída a administração de recurso humanos, materiais
-vidades administrativas” (DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, Parcerias Público-Privadas e outras formas, p. 153).
75 DI PIETRO. Parcerias na Administração Pública: concessão, per-missão, franquia, terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas, p. 153.
76 “§3º Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais, no que couber: I - aos contratos de seguro, de
e aos demais cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado”.
Contrário, embora se permita que a execução direta de uma de uma atividade seja implementada por um particular, o Poder Público mantém-se firme na função de regulação e fiscalização do contrato, ba-lizando a atuação contratado em favor da satisfação de interesse público.77
Analisar-se-ão, no próximo tópico, as vanta-gens do modelo das PPPs sobre o modelo tradicio-nal de contratação.
6 Vantagens da Parceria Público-Privada sobre o
modelo tradicional de contratação
O novo modelo concessório suscitou inú-meras críticas que trouxeram a necessidade de maior aprofundamento no debate acerca das PPPs no Brasil. Vejamos algumas das opiniões:
“Na verdade a PPP é uma forma de privati-zação de setores e serviços públicos estratégicos. Criaram um novo nome para uma coisa antiga e conhecida de todos”, Nota Pública, Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).78
“Afinal, Parceria Público-Privada é assim mesmo. O governo faz todas as concessões sonha-das pelos capitalistas que detestam riscos, e se o empreendimento der chabu, a conta é da viúva, quer dizer, do povo”, Roberto Requião.79
“Nas PPPs o contratado particular presta o serviço, não assumindo totalmente o risco do empreendimento, pois há contribuição financeira do Poder Público. Ou seja, capitalismo com ris-co reduzido para o grande capital”, Tarso Cabral Violin.80
“É um sistema que exige muita sintonia en-tre governo e empresa privada. Se o governo não cumprir sua parte, sobra o recurso à Justiça e aí as ações levam anos e anos para obter a primeira solução, e aí vem a outra instância [...]”, Marlus Renato Dall’Stella.81
“Nos falta agilidade nas parcerias entre o Estado e o setor privado, uma vez que a legislação das PPPs é extremamente burocrática”, Presidente do Conselho de Infraestrutura da CNI, José de Freitas Mascarenhas, Valor Econômico (04 out.
2011).82
77 SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE.
78 -
79 Disponível em: <http://www.robertorequiao.com.br/site/PPPs-Por tuguesas-e-um-alerta-ao-Governo-Dilma>.
80 Disponível em: <http://blogdotarso.com/2011/02/17/beto-richa- propoe-criar-agencia-para-regular-suas-privatizacoes-via-ppps/>.
81 Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2011/ 03/05/as-ppps-nao-decolaram/>.
82 Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/1036524/cni-pro poe-fundo-de-garantia-de-aportes-privados-para-ppp-avancar>.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 26 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
27ARTIGOS
“Falta um marco regulatório mais robusto e
claro para as parcerias público-privadas (PPPs)”,
Brasil, Investimentos e Negócios (BRAIN).83
Diante desse quadro de críticas e descon-
fiança percebe-se a necessidade de distribuição
de informações públicas e produção de conheci-
mentos sobre o tema das PPPs.
83 Disponível em: <http://www.brainbrasil.org/media/BRAiN%20% 20Atratividade%20do%20Brasil%20como%20polo%20interna-cional%20de%20investimentos%20e%20neg%C3%B3cios.pdf>.
Abaixo, seguem esquematizadas algumas
diferenças entre a contratação de PPP e a contrata-
ção do sistema tradicional, assim como alguns dos
seus benefícios:
Lei nº 8.666/1993 PPP Benefício da PPP
- Várias licitações:
- Projeto
- Obras
- Manutenção
- Concurso público
- Uma única licitação que engloba todos
os serviços
- Prazo de execução da obra;
- Garantia de que a infraestrutura será mantida e
operada;
infraestruturas que geram receitas
acessórias (burocracia, licitação, falta
de direito privado nas relações com
efetiva execução do projeto tal como
concebido pela Administração Pública
- O pagamento se dá em função da
disponibilização dos serviços (apenas o serviços;
- Menor custo para o Governo;
- Utilização da tecnologia do setor privado;
- Alteração do projeto básico gera - O privado pode alterar o projeto sem - O Governo tem maior garantia de pagar o que foi
- Riscos de atraso, problemas de
- O Governo paga mediante disponibilização dos
serviços e a longo prazo;
- Projeto básico e projeto executivo - Possibilidade de a Concessionária
elaborar os projetos básico e executivo
- Aproveitamento da expertise e das tecnologias de
Como se nota, as PPPs trazem vantagens em
relação aos sistemas tradicionais de contratação,
muito embora se possa considerar que algumas
das críticas ao novo modelo concessório deman-
dam reflexão com vistas ao aprimoramento da
legislação. Pensa-se que há espaço para que a qua-
lidade do debate público brasileiro sobre as PPPs
seja aprimorada.
Há nas PPPs a fiscalização do Poder Público
focada no resultado, padrões de desempenho e
níveis de serviço, deixando ao parceiro privado
as escolhas dos meios, técnicas e tecnologias ne-
cessárias (modificação da lógica de fiscalização
do Poder Público, de fiscalização de meios para
resultado, ou seja, de Estado prestador de serviços
públicos para o Estado Regulador).
Na verdade percebe-se que a Lei de PPPs
“partiu da ideia de a Administração deve contratar
a gestão de uma atividade, abrindo mão de definir
os meios necessários para realizá-la [...] em um
projeto de PPP o que interessa na verdade, é o ser-
viço, de caráter continuado”.84
Todavia, para uma contratação segura e efi-
ciente, que traga resultados legítimos que corres-
pondam aos anseios e necessidades da sociedade,
não se pode prescindir que as especificações con-
tratuais devem ser objetivas e haja no objeto as
especificações dos produtos e serviços (clareza
84 SILVA. Aspectos metodológicos e conteúdo jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 27 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
28 ARTIGOS
dos produtos, clareza na transferência do risco
da esfera pública para a esfera do privado), per-
mitindo ao setor privado avaliar corretamente o
produto/serviço a ser entregue. Tais especificações
possibilitam à Administração Pública receber o
que contratou com efetivo ganho de gestão. As
especificações contratuais devem ser objetivas e,
se possível, traduzidas em indicadores men su-
ráveis de desempenho e operacionalmente fáceis
de lidar.
Sendo assim, do ponto de vista do parceiro
público, a PPP facilita a fiscalização da prestação
do serviço; cria incentivo para o adequado cum-
primento contratual por meio da vinculação do
desempenho ao pagamento da contraprestação
pública. Do ponto de vista do parceiro privado,
evita ou reduz a existência de conflitos sobre a
ade quada prestação dos serviços que ensejam
a redução ou mesmo o não pagamento da con-
traprestação pública.
Quanto à dimensão e riscos, o valor do in-
vestimento deve ter uma dimensão razoável que
permita diluir os custos de modelagem, em face
da quantidade e complexidade dos estudos envol-
vidos para a contratação de uma PPP, tomando-se
em conta que o custo de modelagem para o setor
público é maior que numa contratação tradicional.
Ademais, acrescenta-se que a maior parte
dos ganhos de eficiência com a PPP deriva da trans-
ferência de risco ao setor privado. Investimentos
de maior dimensão maximizam os benefícios des-
sa transferência de risco (ex.: riscos de construção,
elevação de custos e atraso na conclusão).
Por seu turno, há necessidade, na fase de es-
truturação dos projetos, que seja analisada a “ca-
pacidade do setor público para regular e fiscalizar
a PPP, o interesse do Governo e capacidade e inte-
resse do setor privado pelo projeto”.85
A capacidade do setor público para regular e
fiscalizar a PPP é verificada: (i) na modelagem do
projeto (inclusive gestão das consultorias; (ii) na
gestão do procedimento licitatório (minimizado
pelo fato de não haver fase de negociação); (iii) de-
pois de celebrado o contrato, na gestão da PPP e na
verificação do desempenho do parceiro privado.
O interesse de Governo deve ser caracteriza-
do pela discricionariedade para escolher os pro-
jetos que serão prioritariamente implementados.
85 SOUTO. Estruturação de Projetos. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.
A avaliação da capacidade e interesse do
setor privado pelo projeto se dá pela existência de:
capacidade técnico-financeira e disponibilidade;
interesse do setor privado pelo projeto e pela es-
tru tura contratual da parceria (sobretudo, a dis-
tri buição eficiente de riscos); fluxo regular de
pro jetos com características similares; estruturas
pro fissionalizadas para a montagem das propostas,
redução da incerteza quanto ao comportamento da
Admi nistração; conhecimento mútuo dos objetivos
e das expectativas das partes; expectativa quanto a
um bom grau de concorrência (a avaliação da con-
corrência deve ser analisada em concreto, em face
de um projeto em concreto, um mercado em con-
creto, um momento em concreto).
Para que um projeto de PPP seja bem-suce-
dido não poderá prescindir da avaliação prévia
sobre a conveniência e oportunidade da contrata-
ção como PPP e de estudos sobre o impacto fiscal.
A avaliação prévia sobre a conveniência e
oportunidade da contratação como PPP se dá com
prévios estudos técnicos realizados por equipe
multidisciplinar, ocasião em que serão verificadas
a mensuração e projeção da demanda; o projeto
operacional/indicadores de desempenho; o proje-
to de engenharia/programa de investimentos; e os
estudos ambientais.
Os estudos sobre o impacto fiscal levantam
a viabilidade econômico-financeira do modelo
econômico-financeiro; o modelo do negócio; a es-
trutura de financiamento; e a análise de riscos. Os
estudos jurídicos devem se debruçar sobre a mo-
delagem jurídica, edital e contratos.
Estudos detalhados se traduzem em menor
contraprestação do Poder Público e serviços de
melhor qualidade: é o valor pelo dinheiro (Value
for Money). Esta característica de conteúdo econô-
mico é a maior motivação para a adoção de progra-
mas de PPPs por diversos países.
No âmbito do controle prévio das PPPs fe-
derais há a IN nº 52/2007, do Tribunal de Contas
da União (TCU), prevendo que os estudos devem
ser submetidos ao TCU, permitindo a correção de
falhas antes do lançamento do edital, antes da lici-
tação e antes da assinatura do contrato com menor
custo para o processo regulatório, proporcionando
um planejamento eficiente.
O Professor Marco Aurélio Barcelos Silva
considera que a “instituição do marco legal de
PPPs no Brasil implicou, de fato, em um avanço
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 28 22/10/2013 11:33:02
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
29ARTIGOS
metodológico nas ferramentas de contratação do
Poder Público, aprimorando determinados pontos
existentes nas relações contratuais da Admi-
nistração”86 e acrescenta que “PPPs podem ser
iden tificadas como um mecanismo de atuação
estatal destinado a suprir a crescente demanda
da sociedade por melhores infraestruturas e por
serviços públicos mais eficientes em um ambiente
de restrição orçamentária”.87
Pensa-se ser a PPP muito mais do que
uma fuga do regime contratual tradicional da Lei
nº 8.666/1993. Na verdade, traduz-se em uma
compra de know-how privado e melhor custo —
bene fício tecnológico com ganho na eficiência,
e gestão voltada para resultados que reflitam as
aspirações e os anseios da sociedade.
7 Conclusão
Em desfecho deste trabalho é possível com-
pendiar suas principais conclusões nas seguintes
proposições objetivas:
a) Em que pese a relevância das críticas so-
bre o processo de privatização no Brasil, o qual,
de fato, não foi um processo sem defeitos, não se
pode olvidar dos benefícios trazidos ao país pela
política neoliberal implementada, que possibilitou
o desengessamento da economia, que já apresen-
tava um quadro de recessão, e uma solução à fa-
lência do Estado cada vez mais endividado, tendo
em vista o seu inchaço, representando, ainda, ver-
dadeira melhoria na prestação dos serviços. Esse
novo modelo mais liberalizante do setor econômi-
co possibilitou a abertura a capitais estrangeiros,
promovendo, sem dúvidas, uma melhoria na efici-
ência alocativa da economia com um aumento da
competitividade dos produtos nacionais.
Cumpre destacar os avanços tecnológicos
promovidos com a privatização e as melhorias
de infraestrutura alcançadas, em vários setores
da economia, notadamente no setor de telefonia,
assim como a excelência das rodovias, ainda que
permeiem questionamentos sobre o custo dos pe-
dágios para a população.
b) O legislador escolheu o instituto das
concessões para construir o contrato de PPP. O
Legislador afirma que PPP é uma concessão.
86 SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE.
87 SILVA. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE.
c) O programa de PPP no Brasil buscou no
sistema britânico a matriz para a sua implementa-
ção no Brasil, muito embora a PPP no Reino Unido
tenha um sentido muito mais amplo que a PPP no
Brasil, o qual adota um sentido estrito, compre-
endendo tão somente contratos que envolvam o
chamado DBFO — operações de concepção, cons-
trução, financiamento e operação. A PPP no Brasil
nasceu com base no antigo modelo das conces-
sões. O investidor, ao se deparar com a legislação
brasileira, perceberá algumas diferenças. PPP no
Brasil é concessão.
d) O modelo brasileiro se baseou na matriz
britânica, pelos mesmos motivos, ou seja, a falta
de recursos públicos para as obras de infraestrutu-
ra e crise grave fiscal, porém, não foi semelhante
quanto à participação dos recursos públicos e à
prestação de garantias ao parceiro privado.
e) As Leis nºs 8.987/1995 e 8.666/1993 mos-
traram-se insuficientes como ferramentas para po-
der prover soluções para a Administração Pública,
e um dos principais aspectos que estava por trás
dessa conformação jurídica é justamente a presen-
ça de tarifas e os serviços públicos.
f) A concessão patrocinada no Brasil já era
pos sível no regime concessório anterior, pois o
art. 11 da Lei nº 8.987/2004 já conferia ao poder
concedente a previsão da possibilidade de outras
fontes complementares, acessórias, alternativas ou
de projetos associados, com ou sem exclusividade,
com vistas a favorecer a modicidade das tarifas. No
en tanto, para a criação da concessão administra-
tiva, dada a estrutura da Lei nº 8.666/1993, não
seria possível apenas com pequenos ajustes nesse
diploma normativo. Seria necessário incluir um
capítulo à parte e autônomo com as suas carac-
terísticas trazidas na Lei nº 11.079/2004.
g) A Lei nº 11.079/2004 criou a concessão
patrocinada, evidenciando idêntica lógica à con-
cessão de serviço público, em que se translada
o serviço público para o particular, o qual assu-
mirá a responsabilidade também pelo desenho,
construção, financiamento e operação. Do mesmo
modo, a sua remuneração dar-se-á pela exploração
e gestão do empreendimento, assim como recebe-
rá tarifas cobradas junto ao desempenho direto
pelo serviço. Por outro lado, como as tarifas são
insuficientes, o Poder Público vai complementar,
patrocinar a atividade com fins de dar viabilidade
econômica ao empreendimento público.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 29 22/10/2013 11:33:03
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
Agnaldo Nogueira Gomes, Isabel Luiza Rafael Machado dos Santos
30 ARTIGOS
h) Com base no inciso III do art. 175 da
Constituição Federal é possível a complementação
ou a substituição da tarifa, pois falar em política
tarifária não significa necessariamente afirmar a
cobrança de tarifa. Uma eventual política tarifá-
ria poderia contemplar isenção de tarifas, o que
não o descaracteriza como um plano de política
tarifária.
i) A teor do art. 2º da Lei nº 11.079/2004,
que não se refere à concessão de serviço público,
mas sim à concessão como gênero, enquadra-se
aqui tanto a concessão patrocinada (de serviços
ou de obras públicas) como a concessão adminis-
trativa (prestação de serviços e serviços sociais).
j) A concessão administrativa é um contrato
de gestão de empreendimentos públicos. É a for-
ma mais sofisticada de contração de serviços para
além de serviços públicos. É concessão de empre-
endimentos públicos desdobradas em serviços
sociais (não tarifáveis), serviços administrativos e
demais empreendimentos complexos. Essa é uma
posição minoritária.
l) O rol de atividades que seria, por natu-
reza, objeto de uma concessão administrativa se
afirma por exclusão. O art. 4º, inciso III, da Lei
nº 11.079/2004 exclui dos objetos das Parcerias
Público-Privadas as atividades que sejam exclusi-
vas do Estado. Caberia aqui as atividades que não
possam ser tarifáveis, os empreendimentos públi-
cos uti universi ou serviços públicos impróprios
como saúde, educação, seguridade social, ditos
indivisíveis, como, por exemplo, a coleta de lixo.
Nos serviços uti singuli que são divisíveis e tarifá-
veis só caberá a concessão comum e a patrocinada.
m) Há necessidade, na fase de estruturação
dos projetos de PPPs, de análise da capacidade do
setor público para regular e fiscalizar a PPP, do
interesse do Governo e da capacidade e interesse
do setor privado pelo projeto. Todavia, para uma
contratação segura e eficiente, com ênfase nos re-
sultados, considera-se que as especificações con-
tratuais devem ser objetivas. No objeto deve haver
especificação dos produtos e serviços permitindo
à Administração Pública receber o que contratou
com efetivo ganho de gestão.
n) Para que um projeto de PPP seja bem-
sucedido não poderá prescindir da avaliação
pré via sobre a conveniência e oportunidade da
con tra tação como PPP e de estudos sobre o impacto
fiscal;
o) A PPP é muito mais do que uma fuga do
regime contratual tradicional da Lei nº 8.666/1993.
É, na verdade, uma compra de know-how priva-
do e melhor custo — benefício tecnológico com
ganho de eficiência e gestão voltada para resulta-
dos que representem as aspirações e os anseios da
sociedade.
Referências
ANDRADE, Rogério Emílio de. Parcerias Público-Privadas no contexto da crise fiscal do Estado: pers-pectiva jurídica. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emílio de (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP Ed., 2006.
ANUATTI-NETO, Francisco et al. Os efeitos da privati-zação sobre o desempenho econômico e financeiro das empresas privatizadas. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, v. 59, n. 2, abr./jun. 2005.
BAER, Werner et al. As modificações no papel do Estado na economia brasileira. Pesquisa e Planejamento Econômico, São Paulo, v. 3, n. 4, 1993.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros. 2008.
BINENBOJM, Gustavo. Temas de direito administra-tivo e constitucional: artigos e pareceres: as Parcerias Público-privadas na Constituição. São Paulo: Renovar, 2008. p. 123.
BRANDÃO, Vladimir; ALBERTO JR., Carlos. Um rolo chamado Eletropaulo. Economia e Negócios. Época, n. 249, 21 fev. 2003.
CONSULTA sobre reversão da venda da Vale tem data fixada. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 nov. 2006. Nacional.
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-privadas: relatos de algumas experiências internacio-nais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parcerias público-privadas e outras for-mas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
DIAS, Lia Ribeiro; CORNILS, Patrícia. Alencastro: o ge-neral das telecomunicações. São Paulo: Plano Editorial, 2004.
GUERRIERO, Ian Ramalo. Estruturação de projetos. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário: direito público: estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
NASSAR, Erika Melissa França. Parcerias Público-Privadas (PPP) no Governo. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 30 22/10/2013 11:33:03
Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013
O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas
31ARTIGOS
NUNES, Ricardo da Costa. Privatização e Ajuste Fiscal no Brasil. Brasília: Esaf, 1998.
PEREIRA, Bruno Ramos. Observatório das Parcerias Público-Privadas. In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.
PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/plandi1.htm>.
SILVA, Cleide. Infra-estrutura: a volta da privatização: custo do pedágio põe rodovias paulistas em xeque. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 out. 2007. Economia e Negócios, p. b4.
SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Aspectos metodoló-gicos e conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP: um aprimoramento do modelo contratual da administração. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado – RERE, Salvador, n. 9, mar./maio, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 10 abr. 2013.
SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Mecanismos de atuação estatal: Parcerias Público-Privadas (PPPs). Revista Eletrônica de Direito Administrativo – REDAE, Salvador, n. 20, nov./jan. 2009/2010. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/revista/redae-20-novembro-marco-urelio.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013.
SIMONSEN, Mário H. Privatização já!. Exame, out. 1995
SIQUEIRA, Ethevaldo. Privatização gerou R$265 bi ao país. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 out. 2007. Eco-nomia e Negócios.
SOUTO, Vania Lucia Lins. Estruturação de Projetos In: CURSO DE PPP DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-tão; Assessoria Econômica – ASSEC, 02 abr. 2013.
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007.
ZYMLER, Benjamin; ALMEIDA, Guilherme Henrique da La Roche. O controle externo das concessões de ser-viços públicos e das Parcerias Público-Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):
GOMES, Agnaldo Nogueira; SANTOS, Isabel Luiza Rafael Machado dos. O processo de privatização no Brasil e as Parcerias Público-Privadas. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 12, n. 142, p. 9-31, out. 2013.
FCGP_142_2013-MIOLO.indd 31 22/10/2013 11:33:03