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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1539 FRANCINEIDE: uma mulher de coragem, garra e muita determinação. A comunidade de Córrego do Sal situa-se em Icapuí, município localizado no semiárido brasileiro, onde a renda em sua maioria é mantida pela pesca da lagosta, agricultura ainda que pequena, assim como da mineração do petróleo. Nessa mesma comunidade mora uma chefe de família que vive uma constante busca por melhores condições de vida. “Meu nome é Francisca Batista, mas todos me conhecem por Francineide sou filha de Areia Branca no Rio Grande do Norte, mas me considero icapuiense”, explica a mesma. A comunidade de Córrego do Sal já é antiga, ela conta que seus avós já residiam na comunidade, sendo apenas seus pais que haviam mudado para Areia Branca. “Meu avô chegou aqui na seca de 1915, vindo da Paraíba”, explica Francineide. “Córrego do Sal já é antiga, já foi exportadora de salina, já tivemos viveiro de camarão e outras coisas”. Inicialmente Francineide foi auxiliar de professora, na comunidade de Manibú, também em Icapuí, ensinando no antigo pré-escolar. “Durante dez anos como educadora eu subia esse morro todo dia, e quando eu vi o que minhas filhas estavam sofrendo, a gente foi para cima para pedir um transporte escolar”, diz. Foi aí que ela começou a perceber os problemas que envolviam a sua comunidade, como educação, saúde, melhores condições de moradia como água, energia elétrica, etc. A partir dessa demanda, em 1997, fundou-se a primeira associação de moradores da comunidade do Córrego do Sal, onde a agricultora passou 11 anos no cargo de presidente. As mulheres na comunidade têm papel transformador, pois como ela mesma mencionava durante a conversa: “a gente via a dificuldade do dia-a-dia nas nossas casas, nossas crianças não tinham nem transporte para ir até a escola”. E assim elas se mobilizavam e iam à luta na busca de transporte escolar, energia e água de qualidade. “Batalhamos para construir a igreja, que tem a festa tradicional de São José, que é o momento social que a gente tem na comunidade”, conta ela empolgada por mais uma conquista coletiva. “Foi buscando trabalhador do Rio Grande do Norte em cima de caminhão, cantando sem saber, para que os pedreiros trabalhassem até chegar o dia da festa e a igreja estivesse de pé”. Icapuí Outubro/2014 ‘’Uma abelha só não faz mel.’’ Francineide

Francineide: uma mulher de coragem, garra e muita determinação

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Em Córrego do Sal mora uma chefe de família que vive uma constante busca por melhores condições de vida. Apicultora, agricultora, chefe de cozinha, agente de saúde são todos atributos de Dona Francineide que com muita força e perseverança segue lutando no Semiárido brasileiro.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1539

FRANCINEIDE: uma mulher de coragem, garra e muita determinação.

A comunidade de Córrego do Sal situa-se em Icapuí, município localizado no semiárido brasileiro, onde a renda em sua maioria é mantida pela pesca da lagosta, agricultura ainda que pequena, assim como da mineração do petróleo.

Nessa mesma comunidade mora uma chefe de família que vive uma constante busca por melhores condições de vida. “Meu nome é Francisca Batista, mas todos me conhecem por Francineide sou filha de Areia Branca no Rio Grande do Norte, mas me considero icapuiense”, explica a mesma.

A comunidade de Córrego do Sal já é antiga, ela conta que seus avós já residiam na comunidade, sendo apenas seus pais que haviam mudado para Areia Branca. “Meu avô chegou aqui na seca de 1915, vindo da Paraíba”, explica Francineide. “Córrego do Sal já é antiga, já foi exportadora de salina, já tivemos viveiro de camarão e outras coisas”.

Inicialmente Francineide foi auxiliar de professora, na comunidade de Manibú, também em Icapuí, ensinando no antigo pré-escolar. “Durante dez anos como educadora eu subia esse morro todo dia, e quando eu vi o que minhas filhas estavam sofrendo, a gente foi para cima para pedir um transporte escolar”, diz. Foi aí que ela começou a perceber os problemas que envolviam a sua comunidade, como educação, saúde, melhores condições de moradia como água, energia elétrica, etc. A partir dessa demanda, em 1997, fundou-se a primeira associação de moradores da comunidade do Córrego do Sal, onde a agricultora passou 11 anos no cargo de presidente.

As mulheres na comunidade têm papel transformador, pois como ela mesma mencionava durante a conversa: “a gente via a dificuldade do dia-a-dia nas nossas casas, nossas crianças não tinham nem transporte para ir até a escola”. E assim elas se mobilizavam e iam à luta na busca de transporte escolar, energia e água de qualidade.

“Batalhamos para construir a igreja, que tem a festa tradicional de São José, que é o momento social que a gente tem na comunidade”, conta ela empolgada por mais uma conquista coletiva. “Foi buscando trabalhador do Rio Grande do Norte em cima de caminhão, cantando sem saber, para que os pedreiros trabalhassem até chegar o dia da festa e a igreja estivesse de pé”.

Icapuí

Outubro/2014

‘’Uma abelha só não faz mel.’’ Francineide

Articulação Semiárido Brasileiro – CearáBoletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Realização Apoio

A apicultura foi um dos projetos iniciais. “Foi dada a oportunidade para os jovens, trazendo uma melhoria, uma atividade para a juventude dentro da comunidade, só que os jovens tiveram aquele primeiro impacto que ia dar certo, como até hoje tá dando, mas a responsabilidade foi pouca”, explica Francineide. Rindo muito, ela sintetiza esse processo de transição na seguinte frase: “começou na juventude e terminou na velha-guarda”. O meliponário é de abelhas jandaíras, que não apresenta ferrão e são bastante dóceis, o que facilita a criação racional das mesmas próximo a domicílios. A manutenção não necessita de muito tempo e o retorno é garantido.

Dentro das dificuldades encontradas na produção, “o único problema é a falta de chuva, que assim não tem flores, e sem as flores para elas irem buscar o néctar, elas não produzem”, resume ela. Para driblar tais problemas, na falta das flores, elas produzem o alimento artificial para as abelhas, uma espécie de xarope de açúcar. “A única diferença é que quando elas se alimentam do artificial a coloração do mel muda, não fica tão transparente, fica um pouco mais amarelado”, salienta a agricultora e também apicultora.

Outro grande problema que existia na comunidade era o nim, planta de origem indiana, que é da mesma família que o cedro ou mogno, que tem como característica o seu potencial inseticida, e prejudica a produção de mel, pois ao se alimentar as abelhas morrem. Para solucionar a comunidade eliminou as mesmas e substituíram por outras árvores como o cajueiro.

Mais uma das empreitadas da comunidade é a comida caseira e tradicional. No meio da comunidade existe uma palhoça que atende clientes das mais variadas nacionalidades. “A importância da culinária foi que os turistas que através da comida vieram conhecer e visitar nossa comunidade, gente de Cuba e até africano já veio comer aqui” conta Francineide orgulhosa.

Os pratos mais famosos são: a galinha no coco, a vaca atolada (que é do sul, mas é feito à maneira icapuiense), o peixe bêbado e a mariscada dentro do coco verde “Estou sempre criando pratos que não tinham na redondeza, porque da praia do Ceará até barreiras, só é servido peixe frito ou peixe cozido”.

Ela conta que uma vez recebeu a visita de um grupo de estudantes, e todos tiravam fotografias, e que até aí tudo bem. “Quando eu olhei nas costas da camisa de um deles que estava escrito gastronomia, eu disse: 'Valha meu Deus onde eu fui amarrar meu burro! Meu Deus do céu são estudantes de gastronomia!' E eles disseram que não tinham visto nenhum prato igual o daqui.”, contou Francineide orgulhosa. “Isso enriquece a gente, é uma valorização boa!”.

Posterior a sua profissão de professora ela conta que “surgiu oportunidade na saúde e eu fui fazer o que eu queria, ser socorrista, que antigamente era um orgulho para gente dizer que era socorrista de pista, e hoje somos conhecidos como agente de saúde”. Atende, além da sua comunidade, outras como Vila União, Vila Nova, entre outras.

As aspirações de Francineide não são pequenas, ela sonha ainda em cursar gastronomia, mas devido às condições ainda não conseguiu e junto a isso ela quer cursar enfermagem.

Já com relação à comunidade, seu principal objetivo é reforçar a participação de todos da comunidade nos processos produtivos. “A comunidade ainda é pequena, somos todos uma família, e graças a isso aqui é tranquilo, a droga ainda não bateu na nossa porta perturbando nosso sossego”. Esperançosa e consciente de seus desafios ela segue a caminhada de luta e perseverança.