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SERVIÇO SOCIAL E A TRADIÇÃO MARXIANA: rebatimentos na formação
profissional do assistente social na contemporaneidade
Francisco dos Santos Neto1
Silvana Alves da Silva2
RESUMO: Este artigo surge da necessidade de fomentar o debate acerca da influência da tradição marxiana no Serviço Social brasileiro. Assim, discute a aproximação da profissão à teoria social crítica de Marx, que corrobora para o amadurecimento das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa constitutivas do trabalho profissional. Para sua elaboração, utilizou-se elementos contidos nos TCC’s dos autores deste ensaio, defendidos no ano de 2017, na FASS/UFPA. O estudo demonstrou que a maturação intelectual da profissão ocorre na medida em que avança a perspectiva marxiana na formação profissional em Serviço Social, especialmente, com a consolidação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996).
Palavras-chave: Serviço Social; Teoria Social de Marx; Formação Profissional; Diretrizes Curriculares.
ABSTRACT: This article arises from the need to foment the debate about the influence of the Marxian tradition in the Brazilian Social Service. Thus, he discusses the approximation of the profession to Marx's critical social theory, which corroborates the maturity of the theoretical-methodological, ethical-political, and technical-operative dimensions of professional work. For its elaboration, we used elements contained in the TCC's of the authors of this essay, defended in the year 2017, at FASS/UFPA. The study showed that the intellectual maturation of the profession occurs as the Marxian perspective advances in professional training in Social Work, especially with the consolidation of the ABEPSS Curriculum Guidelines (1996).
1 Estudante de Pós. Universidade Federal do Pará. [email protected] 2 Estudante de Pós. Universidade Federal do Pará. [email protected]
Keywords: Social Work; Marx's Social Theory; Professional qualification; Curricular Guidelines.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo fomentar o debate acerca da influência da
tradição marxiana no Serviço Social brasileiro. Trazendo a discussão da aproximação
da profissão à teoria social crítica de Marx, que contribui para o amadurecimento dos
pressupostos básicos constitutivos do trabalho profissional: dimensão teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa.
Para alcançar os objetivos propostos buscou-se perceber o movimento do
objeto de estudo em uma perspectiva crítico-dialética, utilizando-se elementos
contidos no referencial teórico dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC’s)
pertencentes aos autores deste ensaio, defendidos no ano de 2017, na Universidade
Federal do Pará e dos estudos realizados ao longo da inserção dos mesmos no
Grupo de Estudos e Pesquisas em Serviço Social, Política Social e Formação
Profissional (GEPSS), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
(PPGSS/UFPA).
O estudo demonstrou que a maturidade intelectual da profissão ocorre na
medida em que avança a perspectiva marxiana na formação profissional em Serviço
Social, especialmente, com a consolidação do Projeto Ético-Político Profissional
balizado/materializado com a aprovação do Código de Ética Profissional de 1993,
Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996) e Lei de Regulamentação da Profissão
(8.662/1993).
Os instrumentos normativos supracitados expressam, sobretudo, o horizonte
de que formação se deseja para o assistente social brasileiro. Ainda que num contexto
adverso, eles indicam a possibilidade de criar estratégias de enfrentamento e
respostas concretas de defesa de uma formação profissional embasada na teoria
social crítica marxiana (SANTOS; ABREU, 2012, p. 78).
Partiu-se da afirmação de Iamamoto (1998) de que a formação profissional em
Serviço Social deve se transformar em debate constante e central para a categoria.
Por conseguinte, Netto (2005) indica a importância de uma formação acadêmica
qualificada, baseada em princípios teóricos e metodológicos críticos e sólidos,
propícios a viabilizar uma análise concreta da realidade social. “Formação que deve
abrir a via à preocupação com a (auto) formação permanente e estimular uma
constante preocupação investigativa” (NETTO, 2005, p. 16).
Entretanto, como afirma Silva (1995, p.19), “a formação profissional deve ser
entendida como um processo dialético”, que acaba por incorporar as contradições
decorrentes da inserção da profissão e dos profissionais na própria sociedade. Com
esse entendimento, discutir formação profissional implica acompanhar o movimento da
sociedade e a trajetória histórica do próprio Serviço Social, buscando entender os
condicionamentos que a sociedade impõe sobre o trabalho profissional.
2 O PERCURSO RECENTE DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: avanços para o debate teórico-crítico da profissão
Iamamoto (2014) afirma o surgimento do Serviço Social ligado à iniciativa
particular de grupos e frações de classe, que se manifestam, especificamente, por
mediação da Igreja Católica na maioria dos estados brasileiros3. Isto é, nessa relação
fundamenta-se a formulação de seus primeiros objetivos políticos e sociais, orientado
por posições de tendências humanistas e conservadoras frente à “questão social”4
(YAZBEK, 2009, p. 3).
3 No caso do Pará, em particular na sua capital, o surgimento está mais ligado à ação do empresariado articulado ao SESI. Ver “As influências teórico-metodológicas do Serviço Social no Pará: das origens às Diretrizes Curriculares (2002)”. Santos Neto, 2016. 4 “A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia (o trabalho é social, e a apropriação privada das condições e dos frutos do trabalho, que se traduz na valorização crescente do capital e no crescimento da miséria relativa do trabalhador), a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão” (IAMAMOTO, 2014, p. 83-84).
Netto (1992) atribui a um momento particular da ordem burguesa: fase do
capitalismo monopolista, o surgimento do Serviço Social enquanto profissão. Para ele,
o Serviço Social surge para dar respostas concretas às requisições advindas do
desenvolvimento da questão social. Sendo assim, Netto (1992) defende que o
surgimento da profissão não se encerra na simples referência à questão social, mas
nas respostas dadas pelos assistentes sociais nesse contexto.
Já em seu processo de desenvolvimento, o Serviço Social passa a denunciar o
conservadorismo, que como afirma Netto (2005), não surgiu repentinamente, mas já
tinha se tornado motivo de problematização por volta da década de 19605. Sendo que
dos anos 70 a 80, essa problematização se encontra numa escala em que coincide
com a crise da ditadura brasileira. Neste contexto, as lutas sociais eclodem, fazendo
com que a profissão se confronte com uma realidade em que seu corpo profissional
passou a ser contestado, uma vez que, no conjunto dos profissionais, reverberava as
exigências políticas e sociais postas na ordem desta conjuntura.
O processo de luta pela democracia no país encontra no interior da categoria o
cenário favorável para tencionar o rompimento com o quase monopólio do
conservadorismo na profissão. “Sendo descoberta, no processo de derrota da ditadura
a condição política inicial para a construção de um novo projeto profissional” (Netto,
2005, p. 10).
[...] as aspirações democráticas e populares, irradiadas a partir de interesses dos trabalhadores, foram incorporadas e até intensificadas pelas vanguardas do Serviço Social. Pela primeira vez, no interior do corpo profissional, repercutiam projetos societários distintos daqueles que respondiam aos interesses das classes e setores dominantes. (NETTO, 2005, p. 11).
Neste mesmo período, a categoria profissional passa a relacionar-se com os
movimentos sociais, com unidades acadêmicas e profissionais, passando a conversar
com “setores progressistas do Serviço Social latino-americano, reformulou-se a grade
curricular, consolidou-se a formação pós-graduada, as práticas profissionais se 5 Nesse período, a contestação ao conservadorismo profissional tem sua base vinculada às primeiras aproximações com o marxismo, denominado por Netto (2015) de “marxismo vulgar”, de cunho Althusseriano, proveniente de folhetins e panfletos concernentes à militância política da época. A aproximação direta às obras de Marx é datada no ínicio da década de 1980 com a publicação da obra “Relações Sociais e Serviço Social: esboço de uma interpretação histórico e teórico-metodológica” de autoria da Profa. Dra. Marilda Villela Iamamoto e Raul de Carvalho, que traz o debate de categorias presentes na teoria social crítica de Marx.
diversificaram, ganhou carta de cidadania na profissão o pluralismo político e teórico”
(NETTO, 2016, p. 62-63).
Tal processo contribuiu com a consolidação do debate do Serviço Social como
profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho. Iamamoto (2014) atribui à
década de 1980 o período em que o Serviço Social ganha caráter de especialização
do trabalho coletivo na sociedade, afirmando desta forma, a primazia do trabalho na
constituição dos indivíduos sociais. Para a autora, essa orientação se distingue da
“prioridade do mercado, tão cara aos liberais” (IAMAMOTO, 2014, p. 2).
É neste sentido, que Iamamoto (1998) também afirma a existência de um
projeto profissional resultado de amplas e coletivas discussões, construído ao longo
das décadas finais do século XX: o Projeto Ético-Político (PEP), que representa um
patrimônio sociopolítico e profissional, que, segundo a autora:
[...] O núcleo desse patrimônio é compreensão da história a partir das classes sociais e suas lutas, da centralidade do trabalho e dos trabalhadores [...] Alimentado teoricamente pela tradição marxista – no diálogo com outras matrizes analíticas – e politicamente pela aproximação das forças vivas que movem a história; as lutas e movimentos sociais (IAMAMOTO, 2014, p. 4).
Para tanto, parte-se da concepção de que o PEP apresenta princípios “para
uma leitura e uma atuação radicalmente críticas e anticapitalistas” (VASCONCELOS,
2015, p. 169). Tais princípios, tal como as diretrizes norteadoras desse projeto, se
desdobram no Código de Ética Profissional do assistente social de 1993, na Lei de
Regulamentação da Profissão de Serviço Social (8.662/93) e nas Diretrizes Gerais
para o curso de Serviço Social da ABEPSS (1996).
Todavia, como Netto (2005) destaca, todo conjunto de profissionais se
transmuta em um campo de divergências e oposições. Considerando que a defesa de
um projeto profissional hegemônico por parte das entidades da categoria não a exime
de ter contradições e enfrentamentos em seu interior, ao contrário, traz coerência
histórica para seu evolver.
Entretanto, é na órbita da influência marxiana que nos anos 1990 o Serviço
Social se consolida no meio acadêmico, frente à comunidade das Ciências Humanas e
Sociais, como área de conhecimento. Conduzindo-se conquistas teóricas, políticas e
ganhos práticos que se desvelam no exercício profissional (CFESS, 1993). Conforme
Pontes (1996) afirma:
[...] A ventilação do debate profissional com novas perspectivas teórico-analíticas, significou a inauguração de uma nova época para a história profissional, especialmente, pela presença da perspectiva de raiz marxista, que transformou o ponto de vista da profissão. Depois dela, a profissão adentra-se num processo mudancista, cuja interferência se expressa, tanto no processo de formação dos profissionais, quanto na sua relação no mundo das organizações públicas e privadas em que está inserido (PONTES, 1996, p. 2).
Por conseguinte, a formação profissional, como afirma Ramos e Abreu (2016),
se constitui em suporte de “materialização e enraizamento do projeto ético-político da
categoria, sendo motivo de discussões teóricas e ações políticas e acadêmicas.
Compreendida a partir de sua inserção no processo de desenvolvimento das relações
produtivas e de reprodução social.
Para Mota e Tavares (2016), mesmo que o PEP não se resuma apenas em
seus instrumentos normativos, há que se ater na força material, que favorecem as
condições da prática e da formação profissional, além de contribuírem
impreterivelmente para a consolidação de uma cultura profissional marcada por
concepções, valores e referenciais teórico-metodológicos embasados na teoria
marxiana.
Contudo, Ferrarez (2016) coloca que apesar dos avanços vivenciados pelo
Serviço Social na década de 1990, a contrarreforma do Estado e a defesa da
privatização da educação reverberam no processo formativo dos profissionais,
ademais, os maiores impactos deste contexto são refletidos nas Unidades de Ensino a
partir da implementação de várias medidas que desqualificam um pensar crítico
condizente com a defesa de uma sociedade mais consciente.
É indispensável, desta forma, enfatizar que as respostas profissionais nesse
contexto devem implicar em “conhecimento teórico-metodológico, nas habilidades e
competência técnico-operativa e na direção ético-política construída pela categoria”
(NASCIMENTO E OLIVEIRA, 2016, p. 134). Sendo imprescindível que a categoria
tenha como desafio, mobilizar-se em torno da defesa do patrimônio intelectual e ético-
político conquistado a duras penas pela vanguarda de assistentes sociais brasileiros,
os quais impõe-se, diante da formação e do trabalho profissional, radicalmente
comprometidos com a transformação radical da sociedade.
3 SUPERAÇÃO DA “INTENÇÃO DE RUPTURA” (OU MARXISMO VULGAR) NA PÓS-RECONCEITUAÇÃO: a apropriação da obra de Marx como subsídio para a construção das atuais Diretrizes Curriculares
Na década de 1990, a Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
(ABESS), atual ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social) começou a discutir a criação de uma nova proposta curricular, considerando
que, de acordo com os acúmulos teóricos da ABEPSS, o currículo de 1982 expressou
fragilidade na apreensão das mediações que articulam a direção social do trabalho
profissional, do projeto de sociedade vinculado aos interesses da classe trabalhadora
e às demandas colocadas aos assistentes sociais nas diversas instituições.
Expressando, desta forma, dificuldade na apreensão da realidade social enquanto
totalidade histórica em movimento, em função da não abstração dos
fundamentos/categorias do método materialista histórico dialético e da teoria social de
Marx.
Desta forma, foi realizada em 1991, pela ABESS, a pesquisa intitulada
“AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
BRASILEIRO PÓS NOVO CURRICULO: avanços e desafios”. Nesta pesquisa foram
levados em consideração alguns pontos centrais, como a questão do eixo norteador
do currículo (história/teoria/método), a relação entre pluralismo e hegemonia no
debate profissional, o ecletismo enquanto problema epistemológico, as mediações da
formação, e a capacitação/precarização do trabalho docente. (ABESS/CEDEPSS,
1966).
Nesse sentido, para a construção das Diretrizes Curriculares da ABEPSS
foram realizados eventos com o objetivo de construir uma nova proposta de formação
profissional de forma coletiva. Para Wener (2011) as DC’s propostas pela ABEPSS
apresentam um movimento de resistência e confronto, lutando por uma formação com
base na teoria social crítica e na tradição marxista comprometidas com as lutas
emancipatórias.
Tal processo formativo, conforme Iamamoto (1998) deve se articular em três
pressupostos básicos constitutivos, são estes: as dimensões: teórico-metodológica,
ético-político e técnico-operativo. Assim, a autora diz que a formação deve guiar-se
“no sentido de discutir a questão social em seus desdobramentos e o Serviço Social
na divisão social e técnica do trabalho, a partir da visão social crítica. Tais temas, são
estruturados a partir de núcleos temáticos” (Idem, p. 81, 1998), e encontram-se
articulados entre si, subdividindo-se em núcleo de fundamentação da vida social, da
formação sócio-histórica da sociedade brasileira e do trabalho profissional, os quais se
estendem em matérias, disciplinas e demais componentes do currículo (KOIKE, 2009,
p. 15).
Tais núcleos, mesmo que possuam particularidades, se apresentam como
elementos que trabalhados de forma articulada durante todo processo de formação
profissional, possibilitam a apreensão da totalidade da realidade social (MACIEL E
CAPUTTI, 2016, p. 110-111). Totalidade entendida como “unidade do diverso,
sínteses de múltiplas determinações” (Marx, 1982, p. 14).
Quanto às suas particularidades, o Núcleo de Fundamentos Teórico-
Metodológicos, é responsável por tratar do ser social enquanto totalidade histórica,
oferecendo os princípios fundamentais da vida social que serão particularizados nos
núcleos de fundamentação da realidade brasileira e do trabalho do assistente social.
Tendo como objetivo a compreensão do ser social, historicamente situado no
processo de constituição e desenvolvimento da sociedade burguesa. O trabalho é
entendido como central no processo de reprodução da vida social (ABEPSS, 1996,
p.10).
De acordo com Marx “o trabalho é condição de existência do homem,
independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de
mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana" (MARX,
1988, p. 50). Nesse sentido, o trabalho é a atividade fundante do ser social, da vida
social, e das relações sociais (LUKÁCS, 1979, p. 26).
Nessa direção, Lewgoy (2013) explicita que esse rigor teórico-metodológico e o
acompanhamento da dinâmica da sociedade proporcionam a atribuição de uma visão
crítica às dimensões interventiva e operativa da profissão. A autora destaca que a
capacidade de crítica e análise possibilita “a definição de objetos de ação em suas
particularidades socioinstitucionais, para a elaboração de estratégias de intervenção
comprometidas com o propósito do projeto ético-político, ou seja, de superação do
(neo) conservadorismo profissional” (LEWGOY, 2013, p. 81).
No que se refere ao Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-Histórica da
Sociedade Brasileira, ocorre o apontamento da constituição econômica, social, política
e cultural do Brasil, em suas diversas configurações tidas como particularidades
históricas nacional. Esta compreensão se relaciona à apreensão dos movimentos que
proporcionaram a instalação de determinados padrões de desenvolvimento no país,
“bem como os impactos econômicos, sociais e políticos peculiares à sociedade
brasileira, tais como suas desigualdades sociais, diferenciação de classe, de gênero e
étnico raciais, exclusão social, etc.” (ABEPSS, 1996, p. 11).
Indiscutivelmente, na dinâmica da história, moldam-se dialéticamente e
contraditoriamente as demandas e respostas que o Serviço Social é solicitado a
responder. Sendo assim, seguindo da visão marxiana, o pontapé inicial adotado pelo
projeto de formação profissional do assistente social encontra-se no desvelamento do
movimento das relações sociais na sociedade capitalista e no dever de sua superação
(RAMOS E ABREU, 2016, p. 256).
Já o Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional considera a profissão do
Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo “e sua prática como
concretização de um processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas
expressões da questão social” (ABEPSS, 1996, p. 12).
Essa formação profissional defendida hegemonicamente pela categoria
expressa uma concepção de ensino e aprendizagem alicerçada na dinâmica
societária, estabelecendo indicadores para a inserção do assistente social na
realidade do espaço sócio-ocupacional, “no qual o trabalho é tratado como categoria
dialética, como práxis, e, essa concepção deve perpassar toda a formação
profissional” (CAPUTI, 2014, p. 67).
Nesse sentido, verifica-se que a proposta de formação profissional contida nas
DC’s da ABEPSS, notadamente, se estruturam sob a égide da influência da teoria
social crítica de Marx, uma vez que elencam questões centrais no processo formativo
tais como: a centralidade do trabalho na reprodução da vida social; a compreensão da
questão social e suas múltiplas expressões e o rigor histórico e teórico-metodológico
no trato do processo formativo.
Reflete-se, desta maneira, a influência marxiana no curso de Serviço Social,
sobretudo, pelo esforço elencado no projeto de formação profissional hegemônico em
oferecer subsídios teóricos no sentido de formar profissionais/intelectuais com a
capacidade crítica-interventiva a partir de uma visão de totalidade sobre os processos
concretos da vida social e da teia de relações que se produzem e reproduzem na
sociedade do capital.
4 CONCLUSÃO
Cabe mensurar que a preocupação com uma formação profissional crítica e
emancipadora tem sido um desafio/compromisso encarado pelo conjunto profissional
desde a década de 1980, com destaque como marco desse processo a aprovação das
DC’s da ABEPSS (1996), onde demarca-se que esta área do conhecimento (Serviço
Social) se propõe a formar profissionais/intelectuais comprometidos com a
transformação radical da sociedade burguesa.
Destaca-se que a transformação das bases estruturais da sociedade burguesa
se constrói por meio das lutas coletivos engrenadas pelo conjunto da classe
trabalhadora. Contudo, concorda-se com a afirmação de Marx, a saber “a arma da
crítica não pode substituir a crítica das armas, que o poder material tem de ser
derrubado pelo poder material, mas a teoria converte-se em força material quando
penetra nas massas. (MARX, 2005, p. 151).
Portanto, é imprescindível que os assistentes sociais aprofundem suas
elaborações teóricas, bem como efetivem o seu trabalho profissional nas instituições a
luz da teoria social crítica e do método de Marx, haja vista que esta poderá fornecer
uma visão crítica sobre os processos sociais em curso, a dinâmica institucional, dos
sujeitos atendidos pelas políticas públicas, entendidos como ser social ontológico.
É si ne qua non a preservação do patrimônio intelectual do Serviço Social, haja
vista ser essa base teórico-metodológica que oxigena a visão crítica dos sujeitos
profissionais, pois não se pode perder de vista que a teoria social de Marx nos oferece
condições concretas de analisar a realidade com base nas categorias essenciais, ou
seja, totalidade, legalidade do ser social, contradição, mediação e singularidade-
universalidade-particularidade. Estas evidenciam a contradição essencial do modo de
produção capitalista, a saber: a realização dos processos de trabalho coletivo e
apropriação individual dos seus produtos, o que reverbera sobre a falácia da liberação
do trabalho na sociabilidade burguesa, que coisifica o homem que trabalha
transformando-o em própria mercadoria.
Então, o desafio que se coloca ao Serviço Social brasileiro é o de estar em
consonância com o seu Projeto Ético-Político. Isso só é possível a partir do
fortalecimento dos espaços de discussão da categoria, bem como pela inserção dos
profissionais nos espaços de luta e movimentos gerais da classe trabalhadora, na
direção do projeto societário defendido (hegemonicamente) pelo conjunto dos
assistentes sociais, almejando, cotidianamente, romper o conservadorismo e todas as
suas manifestações, as quais estruturam esse modo de produção que desejamos
superar.
REFERÊNCIAS
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