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A TEORIA DE MARX E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO CRÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO. Emilene Oliveira de Bairro 1 Leonia Capaverde Bulla 2 RESUMO Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o processo de construção do Serviço Social brasileiro e sobre a Teoria de Marx, enfatizando a importância dessa teoria para o entendimento da realidade contemporânea da sociedade capitalista. Tem como objetivo dar uma contribuição para a construção do Serviço Social brasileiro e sua apropriação da Teoria de Marx. Destaca-se que tanto o Método Dialético-Crítico como a Teoria Marxista são transversais à formação profissional em Serviço Social e a esse artigo, que discute alguns aspectos da sociedade capitalista e seus rebatimentos na profissão e na população brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Teoria de Marx; Serviço Social; Sociedade Capitalista. ABSTRACT This article presents some reflections on the process of construction of the Brazilian Social Work and on the Theory of Marx, emphasizing the importance of this theory for the understanding of the contemporary reality of capitalist society. It aims to make a contribution to the construction of Brazilian Social Service and its appropriation of Marx's Theory. It is noteworthy that both the Dialectic- Critical Method and the Marxist Theory are transversal to the professional formation in Social Service and to this article, which discusses some aspects of capitalist society and its refutations in the profession and in the Brazilian population. KEYWORDS: Theory of Marx; Social Work; Capitalist Society 1 Bacharela em Serviço Social (UNIPAMPA), Mestra em Serviço Social (PUCRS) e Doutoranda em Serviço Social (PUCRS); [email protected]. 2 Assistente Social, Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação de Políticas Sociais e Serviço Social (UFRGS); [email protected].

A TEORIA DE MARX E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A … · se à Teoria Social Crítica Marxiana e Marxista, de forma geral, fundamentada numa perspectiva de transformação e mudança social,

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A TEORIA DE MARX E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A FORMAÇÃO

CRÍTICA DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO.

Emilene Oliveira de Bairro1

Leonia Capaverde Bulla2

RESUMO Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o processo de construção do Serviço Social brasileiro e sobre a Teoria de Marx, enfatizando a importância dessa teoria para o entendimento da realidade contemporânea da sociedade capitalista. Tem como objetivo dar uma contribuição para a construção do Serviço Social brasileiro e sua apropriação da Teoria de Marx. Destaca-se que tanto o Método Dialético-Crítico como a Teoria Marxista são transversais à formação profissional em Serviço Social e a esse artigo, que discute alguns aspectos da sociedade capitalista e seus rebatimentos na profissão e na população brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria de Marx; Serviço Social; Sociedade Capitalista.

ABSTRACT This article presents some reflections on the process of construction of the Brazilian Social Work and on the Theory of Marx, emphasizing the importance of this theory for the understanding of the contemporary reality of capitalist society. It aims to make a contribution to the construction of Brazilian Social Service and its appropriation of Marx's Theory. It is noteworthy that both the Dialectic-Critical Method and the Marxist Theory are transversal to the professional formation in Social Service and to this article, which discusses some aspects of capitalist society and its refutations in the profession and in the Brazilian population.

KEYWORDS: Theory of Marx; Social Work; Capitalist Society

1 Bacharela em Serviço Social (UNIPAMPA), Mestra em Serviço Social (PUCRS) e Doutoranda em Serviço Social

(PUCRS); [email protected].

2Assistente Social, Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação de Políticas Sociais e Serviço Social (UFRGS); [email protected].

1. INTRODUÇÃO:

Do ponto de vista teórico-metodológico, é problemático entender a

sociedade contemporânea atual sem fazer uma leitura crítica das nuances do que

acontece no cotidiano vivido e do que ocorreu no passado, distante mas, ao mesmo

tempo, tão presente. Entender a realidade social a partir da Teoria Marxista, mesmo

com suas diversas correntes expressas nestes 100 anos de Revolução Russa

(1917-2017), mostra quanta diversidade perpassa o cotidiano de milhares de

sujeitos que se utilizam dessa leitura para analisar a sociedade de classes3.

É relevante a reflexão que, nem todos os sujeitos mesmo não se

reconhecendo enquanto pertencente à classe proletária, ele está situado nela. As

classes sociais existem e percebe-se concretamente essa divisão, que existe na

sociedade capitalista ao longo da sua história. “A divisão da sociedade em classes, a

propriedade privada do solo e dos meios de produção, não são pois de modo

nenhum um produto da “natureza humana”. São o produto de uma evolução da

sociedade e das instituições econômicas e sociais” (MANDEL, 2015, p. 16). Esse

produto é expresso nas múltiplas faces de dominação dos meios de produção pelos

capitalistas, detendores do capital. A banalização na era do capitalismo4 selvagem,

faz com que as situações do dia-a-dia se transformem em coisas “banais” como a

violência contra a mulher, estupros coletivos, perda de direitos, falta de professores

e de merenda nas escolas, entre tantas outras barbaries sociais.

Porque essa massa de proletários não tem liberdade de escolha – a não ser a escolha entre a venda da sua força de trabalho e a fome permanente – é obrigada a aceitar como preço da sua força de trabalho o preço ditado pelas condições capitalistas normais no mercado de trabalho, quer dizer, o mínimo vital socialmente reconhecido. O proletariado é a classe dos que são obrigados, por essa coação econômica, a vender a sua força de trabalho de maneira mais ou menos contínua (MANDEL, 2015, p. 42).

3 “Com a teoria marxista, a consciência de classe operária encarna-se numa teoria científica de nível mais elevado. Marx e Engels não descobriram as noções de classe social e de luta de classe. [...] explicaram de forma científica a origem das classes, as causas do desenvolvimento das classes, o fato que toda a história humana pode ser explicada pela luta de classes e, sobretudo, as condições materiais e morais sob as quais a divisão da sociedade em classes pode dar lugar a uma sociedade socialista sem classes (MANDEL, 2015, p. 74, grifos do autor). 4 “O capitalismo é um sistema específico de domínio de classe, caracterizado pela propriedade

privada dos meios de produção, pela concorrência, pela produção mercantil genralizada, pelo caráter mercantil da força de trabalho, pela inevitabilidade das crises periódicas de sobreprodução generalizada” (MANDEL, 2015, p. 106).

Dito isto, considera-se aqui que existem sim diferentes classes sociais, mas

que a lógica do capital, que é cada momento mais excludente e travestida de crises,

provocadas pelo próprio sistema, culmina na culpabilização do povo por essas

ações. O capital se reinventa na realidade objetiva dos seres vivos, e aqui salientam-

se os seres humanos e a própria natureza que pede socorro, e isso mostra-se nos

desastres ocorridos pela ganância, pelo fetiche do poder e do dinheiro, que lança

mão de qualquer ação para conseguir o que deseja, citando o caso da cidade de

Mariana/MG no ano passado.

A humanidade se desumaniza, cada dia mais, e a velocidade da exploração,

dominação, convertidas e apresentadas cotidianamente pelo racismo, homofobia,

machismo, desigualdades sociais aflora numa barbarie social sem precedentes.

Muitas vezes, não se vê qual o próximo passo para a construção de uma outra

sociedade, pois muitos passos já foram tentados e experenciados ao longo dos

anos, as tarefas foram sendo colocadas em prática e as transformações foram

ocorrendo, mesmo que distante do ideal ou do sonho de outra sociedade, mas

existem em diversos países do globo, experiências que mostram que é possível.

Pois, “toda revolução é um processo complexo e demorado” (TONET, 2012, p. 40).

É importante também observar que muitas críticas feitas a diversos países, e

aqui incluindo o Brasil, suscitam reflexões sobre os caminhos trilhados que não

deram certo e nos desafiam a buscar alternativas, novas vias por onde se deveria ir.

Mas é inegável que algumas mudanças ocorreram, principalmente, nas políticas

públicas, como saúde, educação, habitação entre outras. O que acontece, é que a

aliança, feita com usurpadores do sistema social, faz com que o olhar coletivo seja

esmagado pela poderosa mão do individualismo, marca registrada do sistema

capitalista, isto sim é inegável.

Como estamos inseridos no sistema capitalista5, e até destruí-lo, só serão

feitas reformas. Essa é a grande contradição do sistema: estamos engolidos pelo

sistema que explora, oprime e realmente deprime. Pois, convenhamos é essencial

salientar: quem luta diariamente contra o sistema e mesmo não sabendo muito bem

como lidar, é desgastante. Isso pode ser visto e presenciado no cotidiano de quem

tem participado das manifestações após o Golpe de 2016, as marchar e atos Fora

5 “[...] o sistema capitalista, sobretudo nos períodos de crise, produz e reproduz fenômenos como fascismo, o racismo, os golpes de Estado e as ditaduras militares” (LÖWY, 2015, p. 663).

Temer, tem uma veia de unificar as massas6, mas isso não se completa, muito pelo

fato, de como foi dito no início do texto, existem diversas correntes, e essas

correntes de “esquerda” fazem leituras aproximadas ou discordantes, dependendo

do olhar de cada sujeito, mesmo todas as direções se filiando, por exemplo, a um

pensamento marxista.

Essa não “unificação das massas” corrobora para o enfraquecimento da luta.

Essa realidade evidencia-se nos atritos para aproximação entre os partidos políticos

de esquerda e os movimentos sociais, como um todo, que se organizam tendo em

vista as suas demandas. Mesmo que a luta seja contra a reforma da previdência,

existe no momento orgânico de cada coletivo, as suas pautas especificas que

podem ou não fragmentar a luta. Então é uma diversidade de demandas e lutas

cotidianas que perpassam o furor das massas. As vezes, existem momentos e

pautas que unificam. Mas, ainda assim, percebe-se que cada um veste a sua

camiseta, ou seu boné, com a ideia de representar o seu bloco de lutas. Não se quer

dizer que esse fato desfaça o poder que tem a luta de massas na rua. Percebe-se,

porém, um furor e atrito nessa relação, pois ainda não se sabe bem como lidar e

como puxar um levante firme, com base sólida e que seja realizado pelo povo, com

o protagonismo do povo. Essa falta tem sido sentida nas marchas recentes do

Brasil. Fala-se isso, a partir de nossa própria observação e experiência.

Esse olhar de transformação, que se espraia numa vontade fugaz de mudar

o mundo, e o contexto global, de perda de direitos e graves retrocessos, é percebido

e vizualizado com base na leitura de marxistas que, junto com as obras de Karl

Marx, não medem esforços para contribuir para a análise da realidade capitalista.

Realmente, para entender a realidade brasileira e o mundo, fazendo análise da

conjuntura, torna-se primordial a apreensão da Teoria Marxista e seu Método

Dialético-Crítico que tem embasado o Serviço Social brasileiro.

2. SERVIÇO SOCIAL E A TEORIA DE MARX

Todo esse olhar vínculado a uma perspectiva crítica para entender a

sociedade é resgatado e fomentado dentro do Serviço Social brasileiro, isto é

6 “Do ponto de vista da luta de classe, é necessário favorecer uma política de frente única operária; é necessário combater todo o acordo político com partidos burgueses mesmo de “esquerda”, que põe em causa a independência política de classe do proletariado” (MANDEL, 2015, p. 131).

importante frisar, pois a profissão, de forma hegemônica, mas não homogênica, filia-

se à Teoria Social Crítica Marxiana e Marxista, de forma geral, fundamentada numa

perspectiva de transformação e mudança social, com vistas a emancipação do povo.

Dessa forma, os Assistentes Sociais, por meio das suas instâncias representativas

como o conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e ENESSO se posicionam no seu

cotidiano, durante seus múltiplos processos de trabalho, em sala de aula, em

debates, em redes sociais, entre tantos outros espaços, de forma coletiva junto com

a classe trabalhadora e o povo de forma em geral, organizados ou não em partidos

políticos, movimentos sociais, entidades civis e demais espaços de articulação da

classe.

É salutar demarcar, que esse olhar aqui expresso, neste artigo é inspirado

nas obras de Marx e de seus seguidores, mas também, na militância e experiências

de participação em movimentos sociais, dos assistentes sociais e de alunas (os) do

Serviço Social, portanto, o embasamento teórico é fomentado na realidade concreta

dos sujeitos que vivenciam as mazelas sociais e sobrevivem em meio a sociedade

desigual capitalista. “A desigualdade dos rendimentos e das fortunas não é um fato

unicamente econômico. Implica uma desigualdade ante as possibilidades de

sobrevivência, uma desigualdade ante a morte” (MANDEL, 2015, p. 11). Torna-se

imperioso resistir e lutar, diariamente, contra o sistema excludente em que se vive.

O papel fundamental da Teoria elaborada por Marx e Engels, além de ajudar

a entender a realidade social, contribui com um olhar crítico sob a sociedade. E

assim, o Serviço Social durante a sua trajetória no Brasil aproxima-se e apropria-se

dessa malha de marxismos, aglutinados na acadêmia e nos diversos espaços onde

ela, a teoria, perpassa. Por isso, entender o processo construído, a muitas mãos,

pelo Serviço Social no Brasil, é aproximar-se da vertente da Teoria Social Marxiana

e dos diversos marxistas.

Então, para entender a profissão e sua relação com a sociedade capitalista,

é preciso conhecer seu contexto histórico e o movimento dialético constante, até

chegar ao que ela é hoje, uma profissão que luta/resiste constantemente pelos

direitos sociais, políticos, civis e humanos. “O Serviço Social brasileiro é uma

construção histórica e coletiva da categoria profissional, de várias gerações de

assistentes sociais que contribuíram para isso” (MARTINELLI; RAICHELIS;

YAZBEK, 2008, p. 6). Mesmo a profissão apresentando uma aproximação com a

Teoria Social de Marx, que data dos anos 1960, mas de forma inviesada, é nos anos

1980 que categoria profissional passou a se debruçar com mais êxito e firmeza

sobre essa leitura.

Por meio de estudos bibliográficos, sabe-se que até a década de 1970 é

incipiente falar de Marxismo7 puro, “original” de Marx, no Serviço Social brasileiro.

Observa-se que, a partir da década de 1980, ocorre o protagonismo de um Serviço

Social crítico, aliado à classe trabalhadora e contrário ao sistema capitalista. Pois,

demarca-se que “[...] a teoria social de Marx passa a ser articulada de maneira mais

efetiva com a profissão, por intermédio, inicialmente de Iamamoto em 1982 no livro

Relações Sociais e Serviço Social no Brasil [...]” (MORAES, 2013, p. 249). Esse

apontamento foi feito também por José Paulo Netto, na apresentação do livro

“Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: Ensaios Críticos” (IAMAMOTO,

2008).

Aliada a essa leitura, está a vinculação direta, da Teoria Social Crítica de

Marx com o Serviço Social brasileiro e seu Projeto Ético-Político Profissional

(PEPP), que tem como base a transformação social com uma direção/orientação

social, ética e política da profissão. Essa leitura foi fortalecida e passou a

fundamentar a profissão nos anos 1980, o momento de consolidação de um Serviço

Social crítico frente à realidade social brasileira. Conforme sustenta Netto, “a

existência deste “Serviço Social crítico” – que hoje implementa o chamado projeto

ético-político – é a prova conclusiva da permanente atualidade da Reconceituação

como ponto de partida da crítica ao tradicionalismo [...]” (NETTO, 2005, p. 18, grifos

do autor).

As construções e contribuições cotidianas do Serviço Social por meio de seu

processo histórico de ruptura com o tradicionalismo de sua gênese e de crítica ao

modelo capitalista, consistem na construção de um perfil profissional, em que a

apreensão da realidade é feita em situações cotidianas, em relações sociais e nas

expressões de luta e resistência, frente às desigualdades vividas pela população. É

com essa concepção que o Serviço Social brasileiro vislumbra a transformação

social. Consolidando-se “[...] a partir da década de 80, os setores críticos (em geral,

7 Nas palavras de Lênin: “O marxismo é o sistema das ideias e da doutrina de Marx. Marx continuou e completou as três principais correntes de ideias do século XIX, que pertencem aos três países mais avançados da humanidade: a filosofia clássica alemã, a economia política clássica inglesa e o socialismo francês [...]” (LENIN, 1987, p.16-17).

respaldados na teoria marxista) assumem a vanguarda da profissão” (SANT’ANA,

2000, p.80), e buscam fomentar a articulação entre teoria e método, expressa nos

diversos processos de trabalho.

Esse processo de amadurecimento que transcorre no Serviço Social é

constitutivo da formação profissional. Dessa forma é essencial afirmar que, o Projeto

Profissional da categoria, encontra-se comprometido com a emancipação política, e

tem como horizonte final a emancipação humana (BRAVO, 2009), e vincula-se a um

novo projeto coletivo de sociedade. Esse amadurecimento é fortalecido com a

contribuição da pesquisa na área de Serviço Social, com as produções de

conhecimento na pós-graduação e, também com os documentos da Lei da

Regulamentação da Profissão (BRASIL, 1993), do Código de Ética Profissional

(CFESS, 1993) e das Diretrizes da ABEPSS (1996).

O Serviço Social como as demais profissões, sofre os rebatimentos da

sociedade do capital e da barbárie. Mas como uma profissão cuja direção é social e

política, se propõe a apreender as contradições existentes no mundo do trabalho,

contradições essas que afunilam os direitos dos trabalhadores, conquistados por

meio da luta e organização dos mesmos. Essas contradições “[...] do processo de

produção entre forças produtivas e relações sociais correspondentes vai gerando

consciência do processo de exploração. O homem ao tomar consciência desse

processo e das leis histórico-sociais [...]” (QUIROGA, 1991, p 73), se descobre e

observa possibilidades de intervenção na realidade. Sendo assim, o Serviço Social,

como uma profissão, intervém nas múltiplas expressões da Questão Social, durante

o seu exercício profissional e seus múltiplos processos de trabalho, em que busca

materializar seu Projeto Ético-Político. Por conta disso, o assistente social, como

trabalhador assalariado e inserido em espaços institucionais, encontra-se, por vezes,

“amarrado” aos desafios e interlocuções ditados pela instituição empregadora, pois a

função e direção social da profissão apresentam-se na contra-corrente institucional.

Por isso, é deveras importante essa articulação que o Serviço Social foi

desenvolvendo e aprimorando com a Teoria de Marx e seus seguidores, para

entender todo esse emaranhado que é a sociedade de classes. Pois o assistente

social encontra-se inserido no mundo do trabalho e aglutinado ao sistema capitalista.

Vai, dessa forma, traçando estratégias de intervenção na realidade concreta, de

forma a questionar, propor e buscar por processos sociais emancipatórios e assumir

uma postura crítica frente à realidade social, e contribui de forma coletiva para as

ações que fomentem uma possível mudança social. O assistente social necessita

estar em constante aprimoramento e qualificação permanente para intervir na

realidade, assim, ser um agente de transformação.

Sempre é necessário frisar que o Serviço Social é uma profissão inserida na

divisão social e técnica do trabalho, e se põe na “contra mão” do sistema capitalista,

explorador e dominador, que aliena a população, precariza o trabalho e os

trabalhadores e assola os direitos já conquistados. E os profissionais encontram-se

em espaços contraditórios, inseridos em diversas áreas e instituições, com seus

determinantes estruturais que acabam por sufocar e burocratizar os serviços e os

direitos da população. Por isso mesmo, cabe ressaltar, que o Serviço Social, como

profissão, não fará “revolução”. Mesmo sendo uma profissão que tem um diferencial

enorme, por encontrar-se ao lado da classe trabalhadora e de seus direitos, e

vincular-se a uma Teoria Crítica de Revolução que visa o Socialismo, ainda é uma

profissão. Porém, “[...] a perspectiva de revolução é central para o reconhecimento

da possibilidade histórica de superação das contradições constitutivas da

sociabilidade burguesa e do próprio Estado, [...]” (CLOSS, 2015, p. 190).

O Serviço Social é uma profissão que valoriza a vida, e a sociedade justa,

no entanto não faz revolução, mas luta constantemente junto a população de forma

coletiva, para romper as amarras do capitalismo, de uma forma particular e coletiva.

“Sem dúvida, o Serviço Social, enquanto categoria profissional, não possui

condições de efetivar um processo revolucionário, dado que tal construção deve ser

fruto de um movimento de classe, coletivo e ampliado” (FREIRE, 2013, p. 52). Com

isso, se mostra que é preciso pensar num Projeto Societário Coletivo, feito a muitas

mãos, e com esforços, coragem e vontade de mudança com vários atores

envolvidos. Mas o Serviço Social contribui para a formação de uma massa pensante

de profissionais que, por meio da leitura da realidade embasada na Teoria de Marx,

possam intervir de forma mais qualificada, crítica e questionadora frente à realidade

social. Nesse sentido, o assistente social precisa estar preparado para as

intervenções e ações cotidianas, mensuradas por uma formação profissional com

qualidade e compartilhada de forma crítica e atenta ao movimento dinâmico da

realidade objetiva. Dada sua postura crítica e a intencionalidade profissional,

instrumentalizada no cotidiano de sua prática, o assistente social rompe com as

ações tarefeiras, assistencialistas e imediatistas que rondam os processos de

trabalho nas instituições e desenvolvem a capacidade de intervenção

transformadora. Pelo minímo que seja, tentando não ser utópico, na era do Capital,

algumas ações coletivas contribuem sim, de forma significativa para a mudança na

vida dos sujeitos que encontram-se em vulnerabildades. Mesmo não mudando a

estrutura do Capital, não podemos deixar de lutar por uma outra sociedade, mesmo

que mínima sejam essas mudanças.

Conclui-se esse artigo com a certeza que é preciso apreensão teórica de

forma crítica para entender o que ocorre na sociedade do capital, mas tendo a

clareza que se visa a mudança da sociedade. Essa mudança da sociedade se

vislumbra por meio de um outro modo de vida, uma realidade para além do capital e

que o povo seja livre da exploração, dominação e qualquer forma de desigualdade.

Cabe destacar, que a superação do capitalismo é um meio para ocorrer o estágio de

transição (socialismo) para o fim, o Comunismo8 . Sabe-se que a supressão do

capital, nos dias cotidianos vivenciados parece no mínimo utópico, um sonho vago e

abstrato. Porém é importante continuar caminhando, pois, “ [...] o que marca o

socialismo é a autoconstrução humana plena, livre, social, consciente e universal”

(TONET, 2012, p. 37-38). É um longo caminho a percorrer, possivelmente, não se

verá tal estágio, mas pretende-se deixar uma contribuição para as próximas

gerações.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A vinculação à construção de uma nova ordem societária, sem dominação e

exploração de classe, etnia, gênero e geração, materializa-se no Projeto Ético-

Político Profissional (PEPP) do assistente social, que tem uma direção social de

orientação marxista, e que assume um compromisso com a classe trabalhadora, de

lutar constantemente em favor dos direitos humanos. De forma coletiva, luta-se pela

construção de uma outra sociedade, para além do capital. Embora o assistente

social, por meio de sua autonomia profissional relativa, se “esbarre” nas burocracias

8 “[...] o comunismo enquanto suprassunção da propriedade privada é a vinculação da vida humana efetiva enquanto sua propriedade é o vir-a-ser do humanismo prático; ou o ateísmo é o humanismo mediado consigo pela supressão da religião, o comunismo é o humanismo mediado consigo mediante a suprassunção da propriedade privada” (MARX, 2010, p. 132).

diárias das instituições, por meio de seu arcabouço teórico-metodológico, ético-

político e técnico-operativo tem condições de traçar, de alguma forma, estratégias

para uma intervenção para além do que se encontra como aparente e como

demanda imediata.

A todo momento, milhões de injustiças e desigualdades são vivenciadas e o

Serviço Social tem, em sua característica enquanto profissão inserida na divisão

social e técnica do trabalho, não o caráter salvador e messiânico, mas sim a

possibilidade de contribuir com a mudança social, em distintos atendimentos que faz

em diversos espaços sócio institucionais. E na conjuntura atual de um golpe burguês

e mídiatico, observa-se os dois lados, de uma sociedade dividida em classes. O

Serviço Social que posiciona-se de forma coletiva ao lado da classe trabalhadora e

contra os retrocessos e desmanches do bem público e dos direitos sociais,

trabalhistas da população, segue firme nas lutas diárias. Dessa forma, é interessante

conhecer a construção histórica da profissão no Brasil e suas nuances, como os

momentos de conquistas e desafios constantes enfrentados pelos profissionais que

hoje vinculam-se a um Projeto Profissional de transformação social, fundamentado

na Teoria Social de Marx.

4. REFERÊNCIAS:

ABEPSS, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. BRASIL. Lei 8.662/93. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília: D.O.U, 1993. BRAVO, Maria Inês Souza. O significado político e profissional do Congresso da Virada para o Serviço Social brasileiro. IN: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, nº 100, p. 679-708, out./dez. 2009. CFESS, Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do/a Assistente Social. Brasília: CFESS, 1993. CLOSS, Thaisa Teixeira. Fundamentos do Serviço Social: Um estudo a partir da produção da área. Tese de Doutorado. Porto Alegre: PUCRS, 2015. FREIRE, Silene de Moraes. Garantia de direitos, ampliação e consolidação da cidadania no Brasil: desafios do Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. IN: Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) (Orgs). Projeto ético político e exercício profissional em serviço social: os princípios do código de ética articulados à atuação crítica de assistentes sociais. Rio de Janeiro: CRESS, 2013. IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. 10. Ed. São Paulo: Cortez, 2008. LENIN, V. I. O que é marxismo? Tradução: Mariano Soares. Porto Alegre: Editora Movimento, 1987. LÖWY, Michael. Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil.(Tradução: Deni Alfaro Rubbo e Marcelo Netto Rodrigues). IN: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, nº 124, p. 652-664, out./dez. 2015. MANDEL, Ernest. Introdução ao Marxismo. (Tradução: Mariano Soares). 2ª Ed. Porto Alegre: Renascença, 2015. MARTINELLI, Maria Lúcia. RAICHELIS, Raquel; YAZBEK, Maria Carmelita. O Serviço Social brasileiro em movimento: fortalecendo a profissão na defesa de direitos. IN: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, ano XXIX, n. 95, p.05-32, setembro 2008. MARX, Karl Heinrich. Manuscritos Econômicos-Filosóficos (Tradução: Jesus Ranieri). 4ª Reimpr. São Paulo: Boitempo, 2010.

MORAES, Carlos Antonio de Souza. A “viagem de volta”: * significados da pesquisa na formação profissional do Assistente Social. IN: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 114, p. 240-265, junho 2013. NETTO, José Paulo.O Movimento de Reconceituação 40 anos depois. IN: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, nº 84, p. 05-20, novembro 2005. QUIROGA, Consuelo. Invasão Positivista no Marxismo: manifestações no ensino da Metodologia no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1991. SANT’ANA, Raquel Santos. O desafio da implantação do projeto ético-político do Serviço Social. IN: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo. N. 62, p. 73-92, mar.2000. TONET, Ivo. Sobre o Socialismo. 2ª Ed. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.