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222 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 Nº 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 Nº 6 Em entrevista concedida à Revista Brasileira de Educação em setembro de 1996, durante breve estada no Brasil, o sociólogo François Dubet reflete sobre a sua experiência de um ano como professor de história e geografia em um colégio da periferia de Bordeaux, França. Conhecido por suas pesquisas sobre a juventude marginalizada na França, Fran- çois Dubet quis vivenciar, diretamente como profes- sor, os dilemas da escola francesa contemporânea. François Dubet é pesquisador do Centre d’Ana- lyse et d’Intervention Sociologiques (CNRS - École des Hautes Études en Sciences Sociales), professor titular e chefe do departamento de sociologia da Universidade de Bordeaux II e membro senior do Institute Universitaire de France. É autor de mais de uma dezena de livros, entre os quais: La galère: jeunes en survie. Paris: Fayard, 1987; Les lycéens. Paris: Seuil, 1991; Sociologie de l’experience. Paris: Seuil, 1994 (Edição portuguesa: Lisboa, Instituto Piaget, 1997) e A l’école. (com Danilo Martucelli) Paris: Seuil, 1966. Por quê, enquanto pesquisador, você escolheu lecionar por um ano em um colégio? Eu quis ensinar durante um ano por duas ra- zões um pouco diferentes. A primeira é que nos meus encontros, coleti- vos ou individuais, com professores, eu tinha a im- pressão de que eles davam descrições exagerada- mente difíceis da relação pedagógica. Eles insistiam muito sobre as dificuldades da profissão, a impos- sibilidade de trabalhar, a queda de nível dos alunos, etc. E eu me perguntava se não era um tipo de en- cenação um pouco dramática do seu trabalho. Espaço Aberto Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor Entrevista com François Dubet Entrevista concedida à Angelina Teixeira Peralva Marilia Pontes Sposito Universidade de São Paulo Tradução de Ines Rosa Bueno

François Dubet

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222 Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5 Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6

Em entrevista concedida à Revista Brasileirade Educação em setembro de 1996, durante breveestada no Brasil, o sociólogo François Dubet refletesobre a sua experiência de um ano como professorde história e geografia em um colégio da periferiade Bordeaux, França. Conhecido por suas pesquisassobre a juventude marginalizada na França, Fran-çois Dubet quis vivenciar, diretamente como profes-sor, os dilemas da escola francesa contemporânea.

François Dubet é pesquisador do Centre d’Ana-lyse et d’Intervention Sociologiques (CNRS - Écoledes Hautes Études en Sciences Sociales), professortitular e chefe do departamento de sociologia daUniversidade de Bordeaux II e membro senior doInstitute Universitaire de France. É autor de maisde uma dezena de livros, entre os quais: La galère:jeunes en survie. Paris: Fayard, 1987; Les lycéens.

Paris: Seuil, 1991; Sociologie de l’experience. Paris:Seuil, 1994 (Edição portuguesa: Lisboa, InstitutoPiaget, 1997) e A l’école. (com Danilo Martucelli)Paris: Seuil, 1966.

Por quê, enquanto pesquisador, você escolheulecionar por um ano em um colégio?

Eu quis ensinar durante um ano por duas ra-zões um pouco diferentes.

A primeira é que nos meus encontros, coleti-vos ou individuais, com professores, eu tinha a im-pressão de que eles davam descrições exagerada-mente difíceis da relação pedagógica. Eles insistiammuito sobre as dificuldades da profissão, a impos-sibilidade de trabalhar, a queda de nível dos alunos,etc. E eu me perguntava se não era um tipo de en-cenação um pouco dramática do seu trabalho.

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Quando o sociólogo quer saber o que é ser professorEntrevista com François Dubet

Entrevista concedida à

Angelina Teixeira PeralvaMarilia Pontes SpositoUniversidade de São Paulo

Tradução de Ines Rosa Bueno

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A segunda razão é que, durante uma interven-ção sociológica com um grupo de professores, en-contrei duas professoras com uma resistência muitogrande ao tipo de análise que eu propunha. Elas dei-xaram o grupo. Uma delas escreveu uma carta emque me criticava particularmente por não ter lecio-nado, de ser um “intelectual”, de ter uma imagemabstrata dos problemas. Foi um pouco por desafioque eu quis dar aulas para ver do que se tratava.

Devo dizer que esta experiência não era nadacentral para mim já que não era o coração do meutrabalho de pesquisa; nunca imaginei seriamenteescrever um livro sobre a minha experiência de pro-fessor. Assumi uma classe de cinquième, 2º ginasial(que começa após os cinco anos de escola elemen-tar), com crianças de 13/14 anos, em um colégiopopular, bastante difícil em que o nível dos alunosé baixo e dei aulas durante um ano. Portanto, davolta às aulas em setembro até o mês de junho, qua-tro horas por semana, ao lado de minhas ativida-des de acadêmico, de chefe de departamento, meesforcei para ser um professor razoável. Ensinei his-tória e geografia já que são disciplinas que me in-teressavam e que não requeriam uma formação es-pecífica como o inglês ou as matemáticas, pelo me-nos no nível escolar em que eu trabalhava.

Podemos dizer muitas coisas sobre esta expe-riência.

Logo, me dei conta de que a “observação par-ticipante” era um absurdo. Durante duas semanas,tentei ficar observando, isto é, ver a mim mesmodando aula. Mas após duas semanas, estava com-pletamente envolvido com o meu papel e eu não erade maneira algum um sociológo, embora tivesse meesforçado para manter um diário de umas cinquentapáginas no qual redigi minhas impressões. Entretan-to, não acredito que se possa fazer pesquisa se co-locando no lugar dos atores; eu acho que é um sen-timentalismo sociológico que não é sério ou quesupõe muitas outras qualidades diferentes das mi-nhas. Contudo, eu fiz este trabalho em boas con-dições pois fui muito bem acolhido pela grandemaioria dos professores que ficaram bastante sen-sibilizados pelo fato de eu ir dar aulas e tive real-

mente muito apoio, muita simpatia (...) Aliás, nãoé preciso esconder que o fato de ser um homem nomeio de mulheres pode também ajudar. Era um cli-ma bastante agradável.

A minha primeira surpresa, e que é fundamen-tal, corresponde ao que os professores dizem nassuas entrevistas. Os alunos não estão “naturalmen-te” dispostos a fazer o papel de aluno. Dito de ou-tra forma, para começar, a situação escolar é defi-nida pelos alunos como uma situação, não de hos-tilidade, mas de resistência ao professor. Isto signi-fica que eles não escutam e nem trabalham espon-tâneamente, eles se aborrecem ou fazem outra coi-sa. Lá, na primeira aula, os alunos me testaram, elesqueriam saber o que eu valia. Começaram então aconversar, a rir (...) Um aluno, um menino que es-tava no fundo da sala, fazia tanto barulho que eupedi para ele vir se sentar na frente. Ele se recusou.Fui buscá-lo, o levantei e o trouxe para frente. Elegritava: “Ele vai quebrar meu ombro!” Bom, final-mente, depois de dez minutos, houve um contato(...) fiquei muito contente que o menino tivesse 13anos, pois se tivesse pego uma classe de troisième(3º ginasial) e que o menino tivesse 1,80 m e pesasse75 kilos, eu estaria com problemas. Ou se eu fosseuma jovem professora de 22 anos, não sei comoteria reagido.

A minha segunda surpresa: é preciso ocuparconstantemente os alunos.Não são alunos capazesde fingir que estão ouvindo, sonhando com outracoisa e não fazer barulho. Se você não os ocupa comalguma coisa, eles falam. É extremamente cansati-vo dar a aula já que é necessário a toda hora dartarefas, seduzir, ameaçar, falar (...) Por exemplo,quando a gente fala “peguem os seus cadernos”, sãocinco minutos de bagunça porque eles vão deixarcair suas pastas, alguns terão esquecido seus cader-nos, outros não terão lápis. Aprendi que para umaaula que dura uma hora, só se aproveitam uns vin-te minutos, o resto do tempo serve para “botar or-dem”, para dar orientações. Tive muitas dificulda-des. Por exemplo, não sabia como contar históriase fazer com que os alunos escrevessem ao mesmotempo. Se eu contasse a história de Roland e de

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Carlos Magno, os alunos me escutavam como se eucontasse um conto de fadas e não escreviam nada.E quando escreviam, obviamente, não entendiamnada do que eu dizia, eles perguntavam se era paraescrever com caneta azul, vermelha ou sublinhar (...)É extremamente difícil e eu tive uma grande agita-ção na sala, muito penosa, que durou mais ou menosdois meses. Durante estas dificuldades, falei dissocom os meus colegas. Disse a meus colegas que elesbagunçavam e eu estava tão mais surpreso com abagunça porque, tendo sido assistente muito jovemainda, nunca tive a menor sombra de um problemadesta natureza. Porém lá, de cara, eu não contro-lava nada e os meus colegas apreciaram talvez queeu tivesse tido problemas, já que alguns me ofere-ceram um livro: Comment enseigner sans stress? (co-mo ensinar sem estresse?) Talvez eu pudesse dizerque sentia dificuldades porque meu status social mepermitia dizê-lo sem ter o sentimento de vergonha.Pode ser mais duro para um professor iniciante.

Você disse que fez um “golpe de estado”.Depois de dois meses, eu estava um pouco de-

sesperado: eu não conseguia nunca dar a aula. E en-tão um dia, fiz um “golpe de estado” na sala. Dis-se aos alunos: de hoje em diante não quero maisouvir ninguém falar, não quero mais ouvir ninguémrir, não quero mais agitação. Aliás, não era bagun-ça, era agitação. Eu disse: vocês vão colocar as suascadernetas de correspondência, a caderneta em quese colocam as punições, no canto da mesa, e o pri-meiro que falar, eu escrevo a seus pais, e ele teráduas horas de castigo. E durante uma semana foi oterror, eu puni. De fato, facilitou a minha vida etenho a impressão de que esta “crise”deu aos alu-nos um sentimento de segurança, já que eles sabiamque havia regras, eles sabiam que nem tudo era per-mitido. Depois, as relações se tornaram bastanteboas com os alunos e bastante afetuosas. É precisoreter desta história extremamente banal que o fatode ser sociológo pode permitir explicar o que acon-tece, mas não de antecipar melhor que a maioria daspessoas.

Como acaba se construindo uma relação comos alunos?

Sem me dar muito conta disso, os alunos eramsensíveis ao fato de eu me interessar por eles comopessoas, isto significa que eu falo com eles, que eume lembro de suas notas, de suas histórias (...) Nofim do ano, eles gostavam muito de mim. Me de-ram presentes. Fizeram uma festa quando eu fuiembora. Enfim, eles me suportavam. E eu também.Era uma relação muito complicada já que era aomesmo tempo afetivo, muito disciplinar e muitorígido. Com os alunos, digamos que eu tive o sen-timento que começava a aprender pouco a poucoa dar aulas.

Quando olho para os meus colegas, havia mui-tos deles que eram muito fortes, que davam boasaulas. Havia outros que visivelmente, não conse-guiam. O que mais me chamou a atenção, foi o cli-ma de receio para com os alunos na sala dos profes-sores. Isto quer dizer que alguns professores tinhammedo antes de entrar na sala. Não era um colégioviolento. Não havia agressões, não havia insultosmas era obviamente uma provação; como fazê-lostrabalhar, como fazer com que ouçam, como fazercom que não façam barulho? Esta é a dificuldade,não é a violencia.

Mas numa sala de professores, nunca se faladisso, todo o mundo parece ser um bom professor.Mesmo que a gente visse colegas chorando, ououtros que nunca vinham, que passavam pelo cor-redor. No final das contas, achei que a descrição queos professores entrevistados faziam na pesquisa erabastante correta. Realmente, a relação escolar é apriori desregulada. Cada vez que se entra na sala,é preciso reconstruir a relação: com este tipo dealunos, ela nunca se torna rotina. É cansativa. Cadavez, é preciso lembrar as regras do jogo; cada vez,é preciso reinteressá-los, cada vez, é preciso amea-çar, cada vez, é preciso recompensar (...) A gentetem o sentimento de que os alunos não querem jo-gar o jogo e é muito difícil porque significa subtemerà prova suas personalidades. Se eu falo de charme,de sedução, não é por narcisismo, é de fato o que agente realmente experimenta. É uma experiência

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muito positiva quando funciona, a gente fica con-tente; quando não funciona, a gente se desespera.Eu vivi muito dificilmente este ano, aliás, no Natalqueria parar.

O que este “golpe de estado” mudou funda-mentalmente?

Para mim foi muito negativo porque a gentese sente reduzido a expedientes. Fiz reinar o terrordurante algumas semanas e depois relaxei. Mas elessabiam que todos os meses, eu teria recomeçado. Nofundo eu estava persuadido, como professor univer-sitário, que a gente podia jogar com a sedução in-telectual. Falando bem e sabendo mais coisas do queeles, eu achava que podia seduzí-los intelectualmen-te. Nenhum efeito. Foi preciso mobilizar muitosregistros, sedução pessoal, ameaças, disciplina, queeu desconhecia completamente, que nunca haviausado na minha vida universitária. Mas é uma his-tória fracamente controlada. Isto significa que agente não consegue observar e dar aula ao mesmotempo. A gente dá aula e só faz isso. Depois de al-guns anos, talvez se tenha experiência suficientepara ver as coisas e fazê-las ao mesmo tempo mas,neste ano, me comportei como um iniciante. O “gol-pe de estado” é um fracasso pedagógico e moral,mas permitiu fixar uma ordem bastante estúpida apartir da qual a gente pode tentar controlar umarelação pouco regulada. De fato, no colégio, é pre-ciso trabalhar na transformação dos adolescentesem alunos quando eles não têm vontade de se tor-nar alunos.

Podemos fazer outras observações muito ba-nais sobre a heterogeneidade das classes. Estamoslidando com alunos extraordinariamente diferentesem termos de performances escolares. Somos obri-gados a dar aula a um aluno teórico, um aluno mé-dio que não existe, tendo de certa forma o sentimen-to de que vamos deixar um pouco de lado os bonsalunos, porque existem, e que vamos deixar de ladoos maus alunos.

Outra coisa que me chamou a atenção, sãoalunos que, depois de dois meses, “entraram emgreve”, alunos que nada fizeram. Tiravam zero em

todas as provas, não faziam nada, eram muito gentismas tinham decidido que não trabalhariam. É com-pletamente desesperador: no início eu os puni e nofim não os punia mais, já não adiantava, tê-los-iapunido todos os dias.

Os alunos são adolescentes completamente to-mados pelos seus problemas de adolescentes e acomunidade dos alunos é “por natureza” hostil aomundo dos adultos, hostil aos professores. Eles po-dem encontrar um professor simpático, eles podemencontrar um professor interessante, mas de qual-quer forma, eles não entram completamente no jo-go. Eles permanecem nos seus problemas de ado-lescência, de amor, de amizade e o professor ficasempre um pouco frustrado porque, mesmo se osalunos queiram, individualmente, estabelecer rela-ções com os professores, coletivamente, eles nãoquerem tê-las.

Eis um pouco do que eu observei e devo dizerque isto correspondia exatamente ao que diziam osprofessores nas entrevistas individuais ou coletivas.Eles não exageram. É realmente uma situação emque a gente tem grandes dificuldades para conquis-tar os alunos. É um trabalho que se recomeça a cadadia embora, repito, não se trate de alunos malva-dos, agressivos, racistas, mas antes alunos fracos emgeral.

O que é que você achou dos programas es-colares?

É uma das coisas mais espantosas. O progra-ma é feito para um aluno que não existe. Digamosmais simplesmente que é feito para um aluno ex-tremamente inteligente. É feito para um aluno cujopai e cuja mãe são pelo menos professores de filo-sofia e de história. É feito para uma turma que tra-balha incessantemente. O programa é de uma am-bição considerável e não se pode realizá-lo materi-almente. O programa é também uma grande abs-tração, até em história e em geografia. Por exem-plo, não há cronologia, é uma história de sociólo-gos, não é uma história que conta histórias. Por isto,fiz como todos os meus colegas, daí a metade doprograma e contei a história, mas nada do que pe-

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diram que eu fizesse. Até porque as pessoas achamque os alunos que cumpriram este programa adqui-riram completamente os dos anos anteriores.

Procura-se então outros meios, mas é muitodemorado. Eu os levei para ver um filme sobre aIdade Média na televisão: O Nome da Rosa. Assistirao filme levou quatro horas porque era preciso ex-plicar as palavras: a palavra inquisição, a palavraordem religiosa (...) Eu diria que este sentimento deabsurdo da situação pedagógica é reforçado pelofato dos programas se dirigirem para alunos abs-tratos, alunos que não existem, enquanto que, quan-do eu estava em cinquième (segundo ginasial), coma mesma idade deles, tinha programas infantis, pro-gramas muitos simples. A gente experimenta umdescompasso entre os programas e os alunos.

Isto faz com que o trabalho do professor sejamuito cansativo com o tempo e entretanto, muitosprofessores o fazem muito bem, apesar de tudo.Mas muitos jogam a toalha. Isto significa que elesfingem dar aula para alunos que fingem ouvir. En-tretanto, os alunos parecem sensíveis ao fato de quea gente quer vê-los bem sucedidos.

Gostaria de apontar duas outras dificuldades.A primeira tem a ver com a extrema brutalidade daseleção. Os conselhos de classe são cansativos por-que na verdade, a gente decide o destino dos alu-nos em alguns minutos. A segunda coisa é a manu-tenção de uma ficção sobre os alunos. De certa for-ma, por estarmos numa sociedade democrática, agente considera que todos os alunos têm o mesmovalor, que eles são iguais. Ao mesmo tempo, elestêm obviamente performances desiguais. Porém, agente sempre lhes explica que se eles não obtiverembons resultados é porque não trabalham bastante,e na realidade, isso nem sempre é verdadeiro. É poreles terem dificuldades de outra ordem, porque istonão interessa para eles (...) Nunca se lhes dá real-mente os meios de compreender o que lhes aconte-ce. Só se diz para eles: se você trabalhar mais, terámelhores resultados. Mas eles sabem que isto nemsempre é verdadeiro; há, então, um tipo de ficçãono julgamento escolar que faz com que nunca sepermita aos alunos suas própria explicações ou que

tomem realmente em mãos as suas próprias dificul-dades. É o preço de um sistema que é ao mesmotempo democrático, quer dizer, um sistema em quetodo mundo é igual e meritocrático, isto é, que or-dena os valores.

Assim, muitos alunos são extremamente infe-lizes na escola, sentem-se humilhados, magoados.Eu tenho a imagem de uma relação bastante duraque é compensada por toda a sua vida juvenil, porsuas brincadeiras, por seus amigos. Mas para mui-tos alunos, a situação escolar não tem nenhum sen-tido. E é portanto vivida como uma pura violência,não uma violência simbólica de classe como diz Bour-dieu, mas uma violência individual pedagógica, derelacional.

Esta desregulação da relação pedagógica, serápreciso concebê-la como uma evolução geral daescola ou antes como um problema de métodospedagógicos?

Não sou pedagogo mas não acredito, como amaioria dos meus colegas, em uma pedagogia mi-lagrosa. Uma pedagogia não é uma pura ferramentana medida em que não há corte entre a pedagogiae a personalidade. A pedagogia é uma técnica daoperacionalização da personalidade. Quando se pe-de a um professor para mudar o seu método, nãose pede apenas que ele mude de técnica, pede-se paraque ele próprio mude. E, no fundo, a gente vê mui-to bem o tipo de sabedoria professoral, que não éum absurdo, quando os professores dizem: “Exis-tem métodos que me servem e métodos que não meservem.” A gente vê professores que adotam méto-dos tradicionais que funcionam muito bem e outrosque têm métodos ativos que funcionam. Mas a gen-te vê também professores que se obrigam a aplicarmétodos que não são os seus e não dá certo. E aliás,os alunos são muito sensíveis a este tipo de adequa-ção da personalidade do professor e de seu estilopedagógico. Temos então interesse em deixar umamultiplicidade de métodos possíveis.

Para o colégio, o problema é múltiplo. É ob-viamente preciso que a situação escolar tenha sen-tido para os alunos o que não é exatamente o caso

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nos estabelecimentos populares já que os alunos quelá estão não são mais os antigos bons alunos oriun-dos das boas famílias para quem a escola é umacoisa normal. Portanto, a escola não pode mais es-perar que o sentido da situação escolar venha defora, das famílias cujo julgamento os professoresfazem aliás muitas vezes. É preciso portanto revera oferta escolar. Seria preciso rever os programas eas ambições de um modo que os alunos não sejamcolocados de entrada em situações de fracasso. Parafalar mais simplesmente, eu acho que eles devemaprender menos coisas, mas é preciso que eles asaprendam. Claude Allègre, que dirigiu durante mui-to tempo o ensino superior na França, dizia: é pre-ciso que os alunos de colégio aprendam poucas coi-sas mas que aprendam coisas difíceis e que as sai-bam. Precisamos ter tempo para ter certeza que elesas conheçam pois o que os faz progredir é ter su-perado a dificuldade. Porém, ao invés disso, en-sina-se cada vez mais coisas sem nunca ter o tem-po de verificar se são assimiladas. Então, os alunossão definidos por lacunas. Não se pode manter pro-gramas feitos para uma pequena elite da burguesia;tanto faz para a elite da burguesia, ela perderá umpouco de tempo no colégio, isto não é muito grave.

Depois, seria preciso ver, no caso do colégio,o lugar da adolescência pois hoje em dia o colégioé definido por um tipo de guerra fria entre os ado-lescentes e a escola. Não acredito de jeito nenhumque a pedagogia consistiria em reconciliar os alu-nos e os professores, em torná-los amigos. Mas, meparece que deveria ter regras de vida em grupo par-tilhadas, isto é, que o mundo do colégio seja ummundo em que haja uma cidadania escolar. Have-ria em termos de educação para a cidadania, coi-sas fundamentais a serem feitas, ou seja, verdadei-ros contratos de vida comum entre os professorese os alunos mas que suporiam obrigações para es-tes alunos, obviamente, mas também obrigaçõespara os professores. Por exemplo, os alunos têm odever de entregar os trabalhos na data prevista, masé preciso que os professores tenham o dever de en-tregar as correções na data prevista. Por exemplo,os alunos têm o dever de não xingar os professo-

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res: a recíproca também tem de existir. Seria neces-sário refundar um trabalho educativo sobre o apren-dizado de um tipo de democracia escolar. A pala-vra democracia quer dizer que as regras de vida emgrupo são regras definidas, aplicadas e recíprocas.Porém, na realidade, há um regulamento interiornos colégios, que se aplica vagamente (...).

Finalmente, creio que a situação escolar se esva-zia de todo seu sentido nos meios populares já queos alunos não acreditam mais que os diplomas vãolhes permitir abandonar sua origem social; muitosalunos têm a impressão que a escola não serve paranada. É claro que este problema não se limita so-mente á escola, ele tem sobretudo a ver com a si-tuação do mercado de trabalho. A gente poderiaimaginar desenvolver aprendizados que pareçammais úteis.

Então, eu acho que há coisas a serem feitas nocolégio, pelo menos coisas que deveriam permitirtornar a relação pedagógica muito menos tensa,muito menos difícil do que ela é. Hoje em dia, asdificuldades do sistema se tornam os problemas psi-cológicos e pessoais dos indivíduos; na medida emque as contradições do sistema não são administra-das e explicitadas politicamente, as pessoas as vi-vem como problemas individuais.

Quando você fala de democracia escolar, decidadania escolar, será que você pode falar commais precisão sobre estas idéias? Qual é o lugar deprodução destas regras na medida em que vocêfala de enfraquecimento, de desaparecimento dasinstituições?

No colégio, é preciso recriar um quadro nor-mativo, tenho convicção disto. Mas acredito queeste quadro deva ser criado de um modo democrá-tico, ou seja, a partir de uma definição dos direitose dos deveres. Porém, hoje em dia na França, aqui-lo que se chama “retomada nas mãos” é a defini-ção do poder mas não a definição do direito. E istopor uma razão extremamente simples, é que essequadro normativo deveria envolver tanto alunoscomo professores, é isso que me parece importan-te. Mas o que os professores pedem muitas vezes,

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é um quadro disciplinar que os proteja sem obrigá-los a cooperar. Na França, você sabe isto tanto quan-to eu, cada professor, uma vez na sala, é extrema-mente autônomo. Os alunos estão diante de rela-ções estilhaçadas a partir das quais tentam se virar,agir, mas eles não sob um quadro normativo. É pre-ciso oferecer um quadro, importa dar aos alunos osmeios de criar este quadro.

Atualmente, as diferenças entre os estabeleci-mentos são muito importantes. A gente vê muitobem, por exemplo, que certos colégios que deveriamconviver com a violência não a conhecem, e outros,a priori protegidos, são violentos. Dito de outraforma, a violência escolar não é só produto da vio-lência social. Há colégios que puderam criar siste-mas, que têm a capacidade de criar civilização, eoutros não. Por exemplo, a maioria dos casos deviolência contra professores, são quase sempre res-postas à violência sofrida por alunos, violência real,violência simbólica, pouco importa. O quadro nor-mativo cria, quando existe, ao mesmo tempo, umsistema disciplinar rígido, e um modo de expressãopossível dos alunos. Quando se trata de ordem eliberdade, ao mesmo tempo, da disciplina e da de-mocracia. Quando é só disciplina, acaba explodindoou, então, quando não há disciplina, é a rua queentra no colégio. Mas isto sugere algumas mudan-ças na gestão do sistema. Já que equipes coerentesprecisam ser construidas, seria necessário que osprofessores sejam cooptados pelas equipes. Comocriar uma vida em comum em um colégio, quandoos professores são nomeados pelo computador, quan-do eles não escolheram ir para lá? A formação deum quadro educativo supõe que se mude profun-damente um certo número de regras de funciona-mento, e a prova que isto é possivel, é que há colé-gios que o fazem.

O problema na França é que para mudar umpequeno aspecto do funcionamento, é preciso to-car no conjunto do sistema. É a tradição centrali-zadora, que já teve grandes virtudes. Sabemos muitobem que os professores precisariam escolher o seuestabelecimento, ser cooptados por seu estabeleci-mento para que haja uma coordenação pedagógi-

ca. Mas mudar o modo de nomeação dos profes-sores é uma revolução nacional. Porém, como te-mos o sentimento de não poder mudar as regras,criamos múltiplos dispositivos novos. Muitas vezes,sou hostil a esses dispositivos novos, eu o digo cla-ramente. Sou, por exemplo, contra o dispositivo deajuda nos deveres. Sou contra a idéia de que vamosresolver os problemas escolares, escolarizando maisalunos ainda que não aprendem durante a aula. Oque os alunos não aprenderam durante sete horasde matemática, não o aprenderão em dez horas. Soutotalmente hostil ao sistema dos mediadores. Co-loca-se pessoas cuja profissão é falar com as famí-lias. Não, é preciso que os professores aprendam afalar com as famílias como elas são e não como elasdeveriam ser, para que as famílias não tenham medode ir ao colégio.

Não se trata de dizer: criemos uma escola ideal,criemos uma escola justa, criemos uma escola de-mocrática. Trata-se de criar as condições para daraulas normalmente o que supõe, efetivamente, umcerto número de mudanças, de programas, de mo-dos de funcionamento que não são em si conside-ráveis mas que pedem mudanças de hábitos.

Como é que se pode levar em conta a sociabi-lidade dos alunos? Será que é preciso se inspirar nosmodelos inglês ou americano? Mais convivência,será possível?

Até um certo ponto, é preciso que o colégioaceite que haja uma vida adolescente na escola e quenão a considere como desvio. É preciso dar um qua-dro a esta vida adolescente, é preciso que os alunosfaçam outras coisas que não seja assistir às aulas nocolégio, mas eles devem fazê-lo num quadro norma-tivo, com regras que os eduquem. Será que precisa-mos adotar o modelo inglês ou americano? Aí eutomaria mais cuidado. Quando se compara o siste-ma escolar francês, tanto em termos de performancequanto de problemas de conduta, violência (...), noconjunto o sistema escolar francês funciona melhor.Além disso, a escola é uma construção histórica longafortemente associada à cultura de uma sociedade,não é uma tecnologia que se pode importar.

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Não acho que a escola deva se tornar um clu-be de vida juvenil. Mas é verdade que o sistemaescolar francês, no momento, está extremamenterígida e precisaria ser agilizado. Mas, eu repito, emtermos de performances globais, é preciso muitocuidado.

Será que a escola deveria ser socializadora?Sim, mas ela o é de fato. Ela o é, inclusive quan-

do não funciona. Mas não acredito que ela deva sersocializadora da maneira como muitos entendem naFrança hoje em dia: conservadora, volta da moral,volta da disciplina, volta dos princípios (...) Eu achoque ela deve ser socializadora de um modo muitomais democrático, muito mais aberto. O debate nãoé entre permissividade e autoridade, eu acho que istoé um falso debate. É preciso ter ao mesmo tempoautoridade e liberdade.

Nos anos 80, o colégio das Minguettes era umcolégio violento, catastrófico. Chegou um diretorque disse: Bom vamos fazer duas coisas simultâ-neamente, insisto, simultâneamente. Primeiro, va-mos estabelecer uma disciplina mecânica, “estúpi-da”: quem brigar será expulso, quem xingar umprofessor será expulso, quem roubar será expulso,portanto sem negociação. Segundo, e ao mesmotempo, qualquer aluno que brigar, que insultar pro-fessor (...) sabemos que ele apresenta alguma difi-culdade e ele terá a possibilidade de falar a respei-to com os adultos. Mas isto não impede que ele sejaexpulso, ele seja punido. Os alunos se deram con-ta de que nem tudo era possível e portanto a taxade violência baixou sendo que eles podiam tambémser ouvidos e ajudados. Por exemplo, o aluno quexinga o professor é punido, mas ele pode dizer por-que ele xingou o professor, e o aluno tem a sensa-ção de que seu problema será levado em conta. Osalunos pedem para que haja um pouco de recipro-cidade, eles querem aceitar um certo número de coi-sas já que eles não têm escolha mas é preciso que aregra seja justa e envolva a todos, pois não fariasentido se os adultos fizerem o que eles proibem queas crianças façam. Este tipo de atitude supõe mu-danças consideráveis no sistema, supõe que os di-

retores tenham poder, que este poder seja contro-lado, supõe que os sindicatos não defendam siste-maticamente todo colega (...).

Como produzir esta mudança? O que o minis-tério pode fazer?

Eu acho que esta mudança supõe menos dire-trizes ministeriais do que mudanças do modo deorgranização. Por exemplo, se a gente quiser a au-tonomia dos estabelecimentos, isto é dos estabele-cimentos capazes de ter políticas, é obviamente pre-ciso que os professores sejam cooptados num esta-belecimento. Quando é nomeado por um com-putador, o professor diz, eu venho, faço o trabalho,o resto não é problema meu. Isto não requer dire-trizes, requer regras, requer por exemplo que osprofessores sejam recompensados. Porém, um pro-fessor tem uma carreira “biológica”, quer dizer quenão recebe mais quando ele trabalha mais ou me-lhor, ele ganha mais à medida que fica velho. Qualé a consequência deste mecanismo? É que depois dealgum tempo, os professores entendem que seu in-teresse é se engajar menos. É claro, não digo que épreciso punir os professores, mas que o professorque dedica muito tempo organizando uma viagempara a Inglaterra, que dedica muito tempo para fa-zer teatro, é preciso reconhecer isto e pagá-lo.

São mudanças que não parecem importantesmas que são consideráveis. Mas as diretrizes quedizem: é preciso se comportar desta maneira comos alunos, são ineficazes. Um professor faz o quequer na sua sala. É portanto necessário encontrarmodos de organização que farão com que o traba-lho seja coordenado. Diretrizes, os ministérios aspromulgam diariamente, e são tão ótimas que nãotêm efeitos reais.

Houve nos últimos anos grandes mudançasna formação dos professores. O que você pensasobre elas?

Os IUFM são uma mudança considerável por-que na França, o sistema era o seguinte: formava-se pedagogicamente os mestres da escola elementare não se formava os professores de colégio. Os pro-

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fessores do secundário eram apenas definidos pelonível de conhecimento, selecionados por concursos.Agora todos seguem uma formação pedagógica nosIUFM. Não se tem certeza se os IUFM funcionamsempre bem, mas o princípio de uma formação dosprofessores é um bom princípio.

Você pode nos dizer se há questões cruciais noquadro da formação?

Ao lado da didática, seria necessário um pou-co de psicologia dos adolescentes, um pouco maisde sociologia. Quanto ao resto, acho que é precisouma formação prática, ou seja estágios, que os pro-fessores sejam guiados, orientados por pessoas quetenham experiência, por pessoas que ajudem, queapoiem (...) Porém, a formação é muito mais cen-trada sobre os princípios pedagógicos, sobre umaideologia pedagógica. A profissão de docente é umaprática, ela requer um aprendizado de práticas, deexperiências, de mestres de estágio, de ajuda nosmomentos de dificuldades (...) Mas o ensino na Fran-ça é muito normativo porque existe uma convicçãomuito forte entre os professores: há uma soluçãopedagógica para todos os problemas. É preciso pre-parar as pessoas para todas as dificuldades. Deve-ria haver cursos sobre a violência porque a gentedeveria aprender a responder a isto como se aprendea ensinar as matemáticas: é um absurdo. Esta for-mação deveria ser mais ágil, muito mais longa emuito menos ideológica.

Você tem uma imagem muito interessante, re-lativamente harmoniosa, da escola primária queparece ter evoluido no bom sentido.

Em primeiro lugar, os mestres de escola sãoclaramente melhor formados por uma razão mui-to simples, é que ensinar a ler para crianças é umaprofissão particular. Eu sei ler e escrever, sou inca-paz de ensinar crianças a ler. Sendo que se me lar-garem amanhã em uma classe do último ano docolégio, se fizer um pequeno esforço, posso dar umaaula de francês, posso dar uma aula de matemáti-ca, posso dar uma aula de história (...) Não digo queseria uma boa aula, mas sou intelectualmente ca-

paz de fazê-lo. Há um grande êxito na França, por-que pouco a pouco os mestres da escola elementaraprenderam a falar tanto para alunos como paracrianças. Durante muito tempo os mestres france-ses só falaram com alunos. Ao longo dos anos, de-senvolveu-se uma sensibilidade para a infância, paraa psicologia. A terceira coisa que joga a favor daescola primária tem a ver com o romantismo dainfância. Enquanto é possível se comportar de for-ma relativamente brutal em relação aos adolescen-tes, com as crianças é diferente. A presença dos paisé muito mais forte também. E último lugar,apesarde tudo, a lógica seletiva é muito menos forte naescola primária, portanto aproveita-se o tempo, aspessoas são menos obcecada pelo nível, pela per-formance, peloos exames de fim de ano.

São estas razões que me fazem pensar que épreciso “primarizar” o colégio, já que de qualquerforma todo o mundo tem acesso a ele. É precisocontinuar uma pedagogia da repetição enquantoque o colégio retomou o modelo do colégio “bur-guês” da pedagogia de acumulação. Ensina-se umprograma do primeiro ginásio, ele é adquirido, apartir daí faz-se o programa do segundo, ele é ad-quirido, a partie daí faz-se o do terceiro (...). Naverdade, sobretudo são lacunas que se acumulam.E quando se fazem testes sobre as performances emmatemática, a gente se dá conta de que a grandecausa de fraqueza em matemática é que as criançasnão entendem o problema. O que significa que elesnão sabem ler o suficiente para entender o problema.

Da mesma forma, é preciso sublinhar a gran-de qualidade da escola maternal que muito bemadministrou a idéia de uma socialização infantil ede um pré-aprendizado escolar. Se aprende coisase ainda se permanece na infância. É aliás, eu acho,a única escola em que se requer os mesmosdiplomaspara ensinar para crianças de dois anos e para crian-ças de quinze anos. Não se confia crianças de doisanos a guardas, confia-se elas a gente qualificada,tão qualificada quanto qualquer outro professor.

Diz-se que o aprendizado dos alunos de colé-gio tem a ver com seu apêgo aos professores.

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Acho que é verdade por três razões. A primeiraé que, psicologicamente, os alunos de colégio nãoestão em condições de distinguir o interesse peladisciplina do interesse por aquele que ensina a dis-ciplina. É preciso uma forte maturidade intelectualpara distinguir o interesse pela disciplina do inte-resse por quem a ensina. A segunda razão é que estaobservação é confirmada pelos alunos cujas notasvariam sensivelmente em função dos professores, eisto na mesma disciplina. A docimologia confirmaeste julgamento. A terceira razão é mais científica.Um dos colegas de Bordeaux, Georges Felouzis, fezum estudo sobre o efeito professor. Ele testa alunosno começo do ano, os testa no fim do ano e medeo aumento de suas performances. Obviamente, oefeito professor é considerável. Isto significa que háprofessores que ensinam muitas coisas a muitos alu-nos, há professores que ensinam muitas coisas aalguns alunos, e há professores que não ensinamnada a nenhum aluno. Quando os alunos dizem“depende do professor”, este tipo de medida con-firma sua impressão.

O problema é que não se sabe o que determi-na o efeito professor. O método pedagógico esco-lhido não faz a diferença. Os homens não são maiseficientes que as mulheres, os antigos não mais queos novos. Há velhos professores totalmente inefi-cientes e pessoas que começam eficientes logo naprimeira semana. A ideologia do professor tambémnão tem nenhum efeito. O único elemento que pa-rece desempenhar um papel é o efeito pigmaleão,isto é os professores mais eficientes são em geralaqueles que acreditam que os alunos podem progre-dir, aqueles que têm confiança nos alunos. Os maiseficientes são também os professores que vêem osalunos como eles são e não como eles deveriam ser.Ou seja são os que partem do nível em que os alu-nos estão e não aqueles que não param de medir adiferença entre o aluno ideal e o aluno de sua sala.Mas evidentemente, nas atitudes particulares, en-tram também orientações culturais gerais, interes-ses sociais, tipos de recrutamento e de formação.Não são apenas problemas psicológicos.

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