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textosdefilosofiacontemporanea.blogspot.com.br http://textosdefilosofiacontemporanea.blogspot.com.br/2012/05/g-frege-o-pensamento-traducao-e.html G. FREGE: "O PENSAMENTO" (tradução, introdução e notas) Introdução e tradução publicadas no livro Estudos Filosóficos (Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro 1999): INTRODUÇÃO: NOTAS PARA UMA LEITURA DE "O PENSAMENTO" Claudio F. Costa Entre os escritos de Gottlob Frege, o ensaio "O Pensamento" (Der Gedanke) é aquele que possui maior abrangência filosófica, estendendo-se muito além dos limites de uma teoria semântica. Em poucas páginas de excelência argumentativa, Frege faz desfilar diante de nós uma variedade de idéias de grande alcance, a maioria delas tendo sido posteriormente retomadas e desenvolvidas por outros filósofos. Apesar disso, é conveniente notar que poucos crêem hoje na verdade de muitas das concepções defendidas nesse ensaio. Mas a verdade, como notou com algum exagero C. S. Peirce, importa tão pouco à filosofia quanto a maneira como alguém decide repartir os cabelos; - mesmo sendo falsa a idéia, o argumento filosófico destinado a fundamentá-la pode mostrar-se relevante ao induzir-nos a uma revisão e aprofundamento de nossa maneira de conceber e tratar a questão. No que se segue, quero expor e comentar criticamente algumas idéias mais influentes, contidas em "O Pensamento". 1. Frege inicia o seu ensaio com uma tentativa de caracterizar a natureza da lógica compreendida em seu Begriffsschrift. Para ele, a tarefa da lógica consiste em descobrir as leis da verdade, entendendo-se com isso, mais particularmente, as regras através das quais, em inferências válidas, a verdade das premissas é preservada na conclusão. Por exemplo: supondo-se que os enunciados "P" e "Se P então Q" sejam verdadeiros, podemos concluir, por meio das regras lógicas da conjunção e da implicação, que o enunciado "Q" é verdadeiro. Tais leis da verdade podem ser chamadas de leis do pensamento, conquanto não sejam confundidas com leis psicológicas. Um pensamento que se processa na mente de alguém pode estar de acordo com leis psicológicas e mesmo assim não seguir as leis da verdade. As leis da verdade são descritivas, tal como as leis da natureza, não admitindo, como essas, exceção. Elas não são prescritivas, como as leis morais e civis, que podem ser ou não ser respeitadas. Como leis do pensamento, no entanto, as leis da verdade podem ser chamadas também de prescritivas, no sentido de que nos ensinam como deve ser o pensar logicamente correto. 2. Definida a lógica como o estudo das leis da verdade, Frege passa à questão: "O que é a

Frege (1918, 1999) O pensamento (Trad. Cláudio Costa).pdf

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G. FREGE: "O PENSAMENTO" (tradução, introduçãoe notas)

Introdução e tradução publicadas no livro Estudos Filosóficos (Rio de Janeiro. TempoBrasileiro 1999):

INTRODUÇÃO: NOTAS PARA UMA LEITURA DE "O PENSAMENTO" Claudio F. Costa

Entre os escritos de Gottlob Frege, o ensaio "O Pensamento" (Der Gedanke) é aquele quepossui maior abrangência filosófica, estendendo-se muito além dos limites de uma teoriasemântica. Em poucas páginas de excelência argumentativa, Frege faz desfilar diante de nósuma variedade de idéias de grande alcance, a maioria delas tendo sido posteriormenteretomadas e desenvolvidas por outros filósofos. Apesar disso, é conveniente notar quepoucos crêem hoje na verdade de muitas das concepções defendidas nesse ensaio. Mas averdade, como notou com algum exagero C. S. Peirce, importa tão pouco à filosofia quanto amaneira como alguém decide repartir os cabelos; - mesmo sendo falsa a idéia, o argumentofilosófico destinado a fundamentá-la pode mostrar-se relevante ao induzir-nos a uma revisãoe aprofundamento de nossa maneira de conceber e tratar a questão. No que se segue, quero expor e comentar criticamente algumas idéias mais influentes,contidas em "O Pensamento". 1. Frege inicia o seu ensaio com uma tentativa de caracterizar a natureza da lógicacompreendida em seu Begriffsschrift. Para ele, a tarefa da lógica consiste em descobrir as leisda verdade, entendendo-se com isso, mais particularmente, as regras através das quais, eminferências válidas, a verdade das premissas é preservada na conclusão. Por exemplo:supondo-se que os enunciados "P" e "Se P então Q" sejam verdadeiros, podemos concluir,por meio das regras lógicas da conjunção e da implicação, que o enunciado "Q" é verdadeiro. Tais leis da verdade podem ser chamadas de leis do pensamento, conquanto não sejamconfundidas com leis psicológicas. Um pensamento que se processa na mente de alguémpode estar de acordo com leis psicológicas e mesmo assim não seguir as leis da verdade. Asleis da verdade são descritivas, tal como as leis da natureza, não admitindo, como essas,exceção. Elas não são prescritivas, como as leis morais e civis, que podem ser ou não serrespeitadas. Como leis do pensamento, no entanto, as leis da verdade podem ser chamadastambém de prescritivas, no sentido de que nos ensinam como deve ser o pensar logicamentecorreto. 2. Definida a lógica como o estudo das leis da verdade, Frege passa à questão: "O que é a

verdade?" Para ele o conceito de verdade é primitivo, não analisável. Ele chega a essaconclusão após expor argumentos contra a concepção de verdade como correspondência.Farei uma exposição e crítica dos dois argumentos mais interessantes, mostrando que elesnada têm de conclusivos. O primeiro argumento diz respeito às diferentes funções lógicas das palavras 'verdade' e'correspondência'. Se dizemos que X corresponde a Y, '...corresponde a...' funciona como umpredicado relacional, da mesma maneira que o predicado '...é maior que...' em "Uma pedra émaior que um grão de areia". Mas '...é verdadeiro' ou 'É verdade que...' não são expressõespredicativas relacionais. Quando dizemos "O enunciado X é verdadeiro", fazemos uso de umpredicado monádico, da mesma forma que quando usamos o predicado '...é vermelho' nafrase "Essa maçã é vermelha". Esse argumento não é decisivo. Em nossa linguagem natural há expressões predicativasmonádicas que na realidade denotam estados de coisas relacionais. Exemplos sãoexpressões predicativas como '...é pai' ou '...é casado'. Essas expressões fazem referênciaabreviada ao que de fato são estados de coisas relacionais. Isso fica claro pelo fato de quepodemos sempre nos perguntar quem é pai de quem, quem é casado com quem, e emresposta a tais questões nós substituímos essas expressões predicativas pelas expressõesrelacionais equivalentes '...é pai de...' e '...é casado com...', as quais nos permitem aespecificação completa do estado de coisas referido. Já o mesmo não pode ser feito comexpressões predicativas não usadas na referência a estados de coisas relacionais, como é ocaso de "...é vermelho". Ora, um raciocínio semelhante pode ser aplicado à relação entre apredicação da verdade e a de correspondência. Primeiro, podemos sugerir que expressõespredicativas monádicas, como 'É verdade que...' ou '...é verdadeiro' são usadas na referênciaaos mesmos estados de coisas que a expressão predicativa relacional '...corresponde a...'.Mais além, podemos considerar que o predicado monádico '...é verdadeiro', embora nãosendo idêntico ao predicado diádico '...corresponde a...', é idêntico a um outro predicadomonádico, qual seja, '...corresponde a um fato', sugerindo serem ambos formas abreviadasde se fazer referência à própria relação correspondencial, as quais não indicam o estado decoisas relacional específico assim constituído. Desse modo, ao menos em certos casos, “p éverdadeiro” é sinônimo de “p corresponde a um fato”, sendo ‘...corresponde a um fato’ aexpressão predicativa monádica que buscávamos. O argumento mais influente que Frege sugeriu contra a concepção correspondencial visa aestabelecer que se a verdade fosse concebida como correspondência, a decisão de que umasentença é verdadeira envolveria um regresso ao infinito. Vejamos como ele chega a essaconclusão. Supondo que a verdade seja uma relação de correspondência, Frege considera que essarelação deverá ser mantida entre uma figura, uma representação, e aquilo que elarepresenta. Nesse caso, porém, a correspondência não só depende de algo psicológico, deuma intenção de fazer corresponder, como também nunca será exata. Mas nesse caso nadapode ser completamente verdadeiro. Contudo, prossegue ele, o conceito de verdade não équantitativo; ele não admite um mais ou um menos: se algo é verdadeiro, então écompletamente verdadeiro. Frege sugere então ser admissível que a correspondência possanão ser exata e que mesmo assim a atribuição de verdade não seja quantitativa, seentendermos que se trata de correspondência "de uma certa maneira", que podemos chamar

aqui da maneira . Mas isso já nos evidencia o anunciado regresso. Se julgar que umarepresentação X é verdadeira exige de nós a decisão de que X corresponde com Y damaneira Z, então poderia ser questionado se é verdade que X corresponde com Y da maneiraZ. Caso se decida que isso é verdadeiro, então surge a questão de se saber se é verdadeque a nova relação de correspondência, segundo a qual "X corresponde com Y da maneira Z”corresponde da maneira Z1, e assim por diante. Frente a isso caímos em um regresso aoinfinito, o qual torna impossível decidir se X é verdadeiro. Esse argumento tem sido excessivamente valorizado(1); um defensor da concepçãocorrespondencial não terá grande dificuldade em revidá-lo(2). Ele poderá simplesmentesugerir que se verdade é correspondência, então a decisão de atribuir verdade a X éprecisamente a mesma que a decisão de atribuir correspondência entre X e Y ou, melhordizendo, correspondência da maneira Z entre X e Y. Ora, se a decisão é sempre uma e amesma, então não há lugar para um regresso. Esse raciocínio é, como nota W. Künne,corroborado pelas próprias palavras de Tomás de Aquino, em sua clássica defesa daconcepção correspondencial: "A verdade é definida pela conformidade do entendimento coma coisa; donde, reconhecer a conformidade é reconhecer a verdade."(3) 3. Embora para Frege a verdade não seja definível, é possível estabelecer aquilo que, emum sentido próprio, é ou não é verdadeiro: o portador (Träger) da verdade. Ele não é asentença assertiva ou frase (Satz), pois sua relação com a verdade não satisfaz o quepoderíamos chamar de condição de invariância da verdade. Segundo essa condição, se algo -o portador da verdade - for verdadeiro, ele será sempre verdadeiro; se for falso, ele serásempre falso. Se o portador da verdade fosse a frase, essa condição seria contrariada, poishá casos em que uma mesma frase pode ser verdadeira em um contexto e falsa em outro. Afrase "Essa árvore está florida", por exemplo, pode ser verdadeira dita na primavera e falsadita no inverno. Por outro lado, se a verdade é invariável, o seu portador também deveria sê-lo. Mas é um fato que diferentes frases com o mesmo sentido comportam a mesma verdade,no sentido de que o seu valor-de-verdade depende das mesmas condições e énecessariamente o mesmo. Por razões como essas, o portador da verdade não parece ser a frase, mas o que a frasediz, o seu sentido descritivo ou cognitivo, chamado por Frege de pensamento. Diversamenteda frase, a relação do pensamento com o seu valor-de-verdade é invariável. Isso é possívelporque os pensamentos também são invariáveis; Frege os concebe como entidades abstratasque não se encontram nem no espaço nem no tempo, sendo tanto eles quanto os seusvalores-de-verdade eternamente os mesmos. Isso parece claro no caso do pensamento expresso pela frase "2 + 2 = 4". Mas torna-seobscuro no caso de pensamentos expressos por frases que só podem ser adequadamenteentendidas quando associadas ao contexto de seu proferimento, como é o caso de “Essaárvore está florida”, “Eu uso goma Amarelina”, “Hoje é sábado”. Como vimos, tais frasespodem ser ora verdadeiras, ora falsas, suscitando a impressão de que os pensamentos porelas expressos são ora verdadeiros, ora falsos. Mas não é isso o que acontece. Frege mostraque a mudança do valor-de-verdade corresponde necessariamente a uma mudança nopensamento, o que é evidenciado pelo fato de que em tais casos a frase só expressa umpensamento auxiliada pelo contexto. Assim, se ouvimos alguém proferir a frase "Essa árvoreestá florida", a consideração do contexto - que inclui a árvore, o local e o momento do

proferimento - é necessária à compreensão do pensamento. Como nesse momento essaárvore ou está ou não está florida, o pensamento expresso por seu intermédio permaneceráinvariável, além de invariavelmente verdadeiro ou falso, ficando assim satisfeita a condição deinvariância da verdade. Frege também notou que nem tudo o que é significativo em uma frase pertence aopensamento. Uma frase como "Ele ainda não veio" exprime o mesmo pensamento que afrase "Ele não veio", mesmo que o advérbio 'ainda' sugira que a pessoa está sendo esperada.Qual é, para Frege, o critério para a delimitação do pensamento expresso por uma frase? Embora o texto de "O Pensamento" não o explicite suficientemente, para Frege opensamento deve constituir-se de tudo o que pode contribuir para o estabelecimento daverdade/falsidade da frase assertórica, o que podemos chamar de o seu sentido assertível.Isso nos dá um critério de identidade para o pensamento: duas frases expressam um mesmopensamento quando o que conta para o estabelecimento de seus valores-de-verdade é amesma coisa. Essa idéia pode ser ilustrada pela consideração de um exemplo. No caso de frasespredicativas singulares, o pensamento - o sentido da frase - é constituído pelo sentido donome, adicionado ao sentido da expressão predicativa. Frege mostra, através de umexemplo, como uma pequena alteração no sentido de um nome próprio (i.e., no modo deidentificação do objeto nomeado) no interior de uma frase pode induzir-nos a tomar porverdadeiro o que é falso e vice-versa, implicando assim em uma modificação no pensamento.Eis uma versão - algo simplificada - do exemplo dado por ele. Suponhamos ser verdade quea pessoa de nome Gustavo Lauben foi ferida. Suponhamos ainda que a pessoa A entendapelo nome 'G. Lauben' um médico que mora só, em uma certa casa de seu quarteirão,enquanto a pessoa B entenda por 'G. Lauben' apenas a única pessoa que nasceu em N.N.em 28 de agosto de 1864, um dado que é desconhecido por A. Nesse caso, as pessoas A e Bnão poderão saber se estão ou não falando da mesma pessoa. Mesmo que A tenha razõesconclusivas para crer que G. Lauben foi ferido, isso não obriga B a acreditar que a pessoaque ele identifica como sendo G. Lauben foi ferida. Pode ser, inclusive, que B seja conduzidopor pistas enganosas à conclusão de que tal pensamento é falso. Por conseguinte, ospensamentos de A e B são diversos, mesmo que sejam realmente sobre a mesma pessoa eque possuam os mesmos valores-de-verdade, pois os elementos que podem contribuir para oestabelecimento da verdade não são os mesmos. A noção de pensamento como o portador da verdade também permite a Frege esclareceras noções de juízo e de asserção. O juízo é o ato mental pelo qual se atribui verdade a umpensamento. A asserção é a manifestação verbal do juízo; ela o pressupõe, como elepressupõe o pensamento. A asserção é caracterizada por uma força assertórica. Sem essaúltima, o pensamento é apenas manifestado; com ela, ele é também afirmado como sendoverdadeiro. O que determina a força assertórica são elementos contextuais: se, em um teatro,alguém diz ter cometido um assassinato, não se trata de uma asserção verdadeira, posto queos elementos contextuais não conferem força assertórica ao que a pessoa diz. A noção deforça, como é sabido, foi retomada e refinadamente desenvolvida na teoria dos atos de falade J. L. Austin e J. R. Searle. 4. A questão central é a da natureza do pensamento. Na elaboração de uma respostaencontramos em Frege uma vigorosa defesa de um realismo de fundo platônico. Ele

argumenta no sentido de mostrar a necessidade de reconhecermos a existência de ao menostrês reinos ou domínios de entidades, os quais nos permitem classificar tudo o que pode serefetivamente dado à experiência. Esses domínios são os daquilo que é (i) objetivo e real, (ii) subjetivo e real, e (iii) objetivo e não-real.

As noções de objetividade/subjetividade e realidade/irrealidade são usadas por Frege emsentidos específicos, determinados por certos critérios de aplicação. Assim, o critério deaplicação do conceito de objetividade é basicamente o de acesso intersubjetivo: objetivo étudo aquilo que pode ser compartilhado em sua acessibilidade por mais de um sujeito; alémdisso, aquilo que é objetivo se caracteriza por ser independente desse ou daquele sujeitoparticular, enquanto o que é subjetivo depende de um sujeito, de um portador. Já o critério deaplicação do conceito de realidade consiste na constatação de algo como sendo espácio-temporalmente, ou ao menos temporalmente, experienciável. Com isso em mente podemoscaracterizar cada um dos três domínios: (i) O domínio do que é objetivo e real. A ele pertencem as entidades do mundo externo, domundo físico. Objetos físicos e suas propriedades são intersubjetivamente acessíveis, logo, objetivos;eles são também independentes dos sujeitos. Trata-se de entidades experienciáveis atravésdos sentidos como estando situadas no espaço e no tempo. Uma cadeira, por exemplo, podeser vista, tocada, localizada, por mais de uma pessoa; é, pois, algo objetivo e real. (ii) O domínio do que é subjetivo e real. A ele pertencem as entidades que constituem onosso mundo interior, psicológico; Frege as chamava de 'representações' (Vorstellungen). Frege utiliza a palavra 'representação' em um sentido ampliado, que inclui sensações,imagens mentais, sentimentos, emoções, desejos, tendências... equivalendo ao que hojechamamos de estados mentais. Representações são reais, pois ao menos no tempo elas sãonecessariamente experienciadas (e, embora de forma menos definida, diríamos que sãoexperienciadas também no espaço: uma emoção, por exemplo, não é experienciada nomundo circundante, mas na pessoa que a tem). Mas representações são também subjetivas,pois só são acessíveis aos sujeitos que as têm e a mais ninguém; Frege considera mesmoessencial às representações que haja um e somente um sujeito que as tenha: o seuportador(4). (iii) O domínio do que é objetivo e não-real - de entidades abstratas, por Fregedenominadas 'pensamentos' (Gedanken). Para que isso possa ser compreendido, devemos notar que com a palavra 'pensamento'Frege não tinha em mente um estado mental espácio-temporalmente determinado, como é ocaso do ato de pensar designado pelo proferimento "Tive de pensar rapidamente pararesponder a questão a tempo". Para ele o pensamento é o portador da verdade, e tal portadornão pode identificar-se com acontecimentos mentais transitórios. Nós usamos a palavranessa acepção em uma frase como "O pensamento expresso pelo teorema de Pitágoras éverdadeiro". Nesse caso, segundo Frege, estamos falando de algo que é objetivo e(essencialmente) não real - o que doravante chamarei de pensamento como o sentidoassertível de uma frase. Ele é objetivo porque é intersubjetivamente acessível: diferentes

pessoas podem ter acesso ao mesmo pensamento expresso pelo pelo teorema de Pitágoras.Ele não é real porque o pensamento de que o comprimento da diagonal de um triânguloretângulo é igual à raiz quadrada da soma dos quadrados dos catetos não é algo que possaser encontrado no espaço ou no tempo: pensamentos são atemporais, imutáveis. Nós não osexperienciamos como experienciamos os objetos sensíveis. Pensamentos, nesse sentido,não são produzidos ou criados por nós, mas descobertos através de apreensão (fassen). Ao admitir a existência de um domínio de entidades objetivas e não-reais, de pensamentos,de sentidos, Frege compromete-se com um realismo de fundo platônico, no qual entidadesabstratas, à semelhança das idéias platônicas, independem do mundo empírico, sendo atémesmo capazes de - através de nós - produzir efeitos no mundo real. 5. Não são muitos os filósofos que hoje em dia se sentem inclinados à admissão de umrealismo ontológico de fundo platônico(5). Não parece muito difícil, entretanto, refazer aproposta fregeana dentro de uma perspectiva nominalista, que admita a distinção entre trêsdomínios de entidades, mas sem o compromisso com uma discutível autonomia ontológicado terceiro reino. Para evidenciar essa possibilidade, farei um breve esboço de como, sobuma perspectiva que pode ser chamada de conceptualista, seria possível conceber o domíniodos pensamentos. Para tal, devemos em um primeiro momento distinguir três coisas. (i) O ato de pensar, que éo processo mental pelo qual se tem ou se experiencia um pensamento. (ii) O pensamento,aqui entendido como o conteúdo de consciência intencionado em um ato de pensar;característico desse conteúdo é que ele possa ser capaz de verdade, a dizer, capaz de serconcebido como possuíndo (ainda que não seja caracteristicamente o seu portador) um valor-de-verdade. Um tal conteúdo é designado em um proferimento como "(Por um momento)pensei que ela não fosse mais aparecer". Tanto (i) quanto (ii) são acontecimentos de caráterpsicológico, ocorrendo no tempo e mesmo no espaço. O que não parece possuir caráterpsicológico é (iii): o pensamento in abstracto, ou seja, o pensamento entendido em termos desentido assertível de uma frase. Esse seria o caso do pensamento que dizemos ser expressopor uma frase como "7 é um número primo"; é a isso que Frege chama de pensamento, quenem possui portador nem é real. A estratégia conceptualista deverá consistir em explicar os pensamentos no sentido (iii) emtermos de pensamentos no sentido (ii), reduzindo-os assim a entidades ontologicamenteinócuas. Uma maneira familiar de efetuarmos essa redução é, considerando X como umafrase qualquer, que exprime um conteúdo de consciência capaz de verdade, entendermos opensamento, o sentido asserível da frase, como sendo o conteúdo de consciência expressopor X, em adição a todos aqueles conteúdos ocorrentes que lhe forem idênticos, consistindo ocritério de identidade justamente no fato de que o que consideramos como contando para oestabelecimento do valor-de-verdade é em cada conteúdo de consciência o mesmo. Com issoestaremos considerando um pensamento in abstracto como sendo simplesmente o type dostokens, que seriam os pensamentos como conteúdos de consciência particulares(pressupondo-se, obviamente, que o type não seja entendido como uma entidade não-mental, mas apenas como um conjunto aberto de pensamentos-tokens: um conjunto deconteúdos de consciência particulares e capazes de verdade, que são entendidos comoidênticos entre si). Utilizando a noção de conjunto, podemos ainda definir o pensamento, osentido asserível de uma frase X, da seguinte maneira:

(Df.) O pensamento = O conteúdo de consciência intencionado por uma pessoa que pensa X, juntamente com quaisquer conteúdos de consciência que forem idênticos a ele.

Com isso, o pensamento de que 7 é um número primo não precisa ser mais do que umconjunto aberto de conteúdos de consciência dados idênticos a um certo conteúdo deconsciência que alguém tem ao pensar no número 7 como sendo primo; e um pensamentoqualquer nada mais seria do que um conjunto aberto de conteúdos de consciência capazesde verdade e idênticos entre si. Note-se que os conteúdos de consciência em questão não devem ser restringidos aos quese reiteram em uma única mente; eles precisam poder ser concebidos como conteúdossupostamente ocorrentes em mentes quaisquer. Se os pensamentos fossem restringidos aconteúdos de consciência daquele que os pensa, isso os tornaria irremediavelmentesubjetivos. O que vem a ser, nesse caso, a apreensão que uma pessoa faz de um pensamento? Ora,ela parece reduzir-se essencialmente na conjunção de duas tomadas de consciência porparte da pessoa que o apreende, que são: (a) a tomada de consciência de um conteúdo deconsciência capaz de verdade (o mesmo que (ii)); (b) a tomada de consciência da existênciade outros conteúdos idênticos dados em sua mente e eventualmente em outras mentes. Apessoa sabe da possibilidade de constituição desses conjuntos de conteúdos de consciênciapela experiência que tem da reiteração de um mesmo pensamento em sua própria mente eda afirmação do mesmo pensamento por parte de outras pessoas. Assim, uma pessoa podeter pensado X somente uma vez, mas sabe que é possível repensá-lo e que outros devem tê-lo pensado. Disso resulta que, enquanto o pensamento como conteúdo de consciência é algoem que pensamos de maneira efetiva e completa, o pensamento como o sentido assertível, inabstracto, é algo que apenas concebemos, a palavra ‘conceber’ sendo aqui usada paraenfatizar a espécie de indeterminação introduzida pela adição da suposição (b) aopensamento entendido no sentido (ii), como um conteúdo de consciência realmenteintencionado no ato de pensamento. São os pensamentos, assim entendidos, objetivos e não-reais? De certo modo sim, massem que isso se torne ontologicamente comprometedor. Eles são objetivos no sentido de queo seu portador não é um sujeito individual, mas geralmente um número indeterminado desujeitos individuais, que admitem a similaridade de suas instanciações em outras mentes e asua reproduzibilidade nelas; assim, da perspectiva do sujeito individual, ao menos, eles sãoobjetivos. Além disso, eles não dependem de portadores particulares para existirem, mas deportadores em geral. Por isso, se morre um portador de um pensamento, o pensamento nãodesaparece com ele. Mas nem por isso devemos crer que os pensamentos são eternos ouatemporais, como Frege supunha. Apenas no caso de um pensamento nunca ter sidopensado, poderíamos afirmar que ele não existe - mas justamente isso é impossível de sefazer, posto que para tal teríamos de pensá-lo, instanciando-o como conteúdo de consciênciaem ao menos uma mente. Assim, diversamente do que a ontologia fregeana tende a sugerir, opensamento expresso pelo teorema de Pitágoras de fato não existia antes que homens como

o próprio Pitágoras o tivessem. Nem ele continuará existindo quando os seres pensantes nãomais existirem. Posso dizer que mesmo há um bilhão de anos atrás a lei da identificação entremassa e energia era verdadeira; - mas o que posso estar querendo dizer com isso, senão quemesmo há um bilhão de anos, se alguém o pensasse, esse pensamento poderia sercorretamente tomado como sendo verdadeiro?(6) Dizer que pensamentos não são reais, por sua vez, não chega a ser correto. Umpensamento é dispersamente real, na medida em que forma um conjunto cujos elementosocorrem em mentes, sendo, como um todo, espácio-temporalmente localizado, embora deuma maneira indeterminadamente dispersa nas mentes dos que cheguem a pensá-los. Porisso os pensamentos assim concebidos parecem não ser dotados de qualquer realidade. Uma vantagem dessa espécie de explicação é que ela torna compreensível uma supostainter-relação causal entre mentes e pensamentos, uma vez que esses últimos afinal fazemparte das mentes. Isso parece impossível se os pensamentos não possuíssem realidadeempírica. Frege procura contornar o problema no final do ensaio, sugerindo que tal inter-relação é possível porque os pensamentos, em suas propriedades inessenciais, possuemtemporalidade! Mas essa é uma solução canhestra, reminiscente da decepcionante tentativafeita por Descartes de explicar a relação entre alma e corpo, para ele essencialmenteheterogêneos, pela intermediação dos espíritos animais... Se uma análise como a que propus for correta, a caracterização fregeana do pensamento éuma aproximação, ainda que distorsiva, repousando nisso o seu poder de convicção. A falhade Frege consistiu em ter subestimado o papel da noção de conteúdo de consciência noesclarecimento da noção de pensamento como sentido assertível. E isso encorajou-o a trataro sentido assertível da frase como se ele possuísse um status ontológico irredutível, e ainventar uma mitologia do terceiro reino. 6. Para Frege, nem tudo o que é objeto de pensamentos é intersubjetivamente acessível.Quando digo algo acerca de meus estados mentais, refiro-me a algo a que só eu mesmoposso ter acesso. Também quando me refiro a mim mesmo, faço-o em um sentido especial,diverso daquele pelo qual outras pessoas podem se referir a mim. Mais além, Fregeconsidera necessário admitirmos que esse eu, embora possa ser objeto de pensamentos,não é passível de se tornar objeto de intuição empírica - o que lhe dá um status que oaproxima do Eu transcendental sugerido por Kant. Segundo o raciocínio fregeano, o meu eunão pode ser objeto de representação, uma vez que ele é o portador das minhasrepresentações; e o meu eu não pode ser representado, pois, ainda que eu associe à palavra'eu' representações de mim mesmo, eu, que as tenho, não sou essas representações. Frege conclui também que, quando o pensamento não é intersubjetivamente acessível,como nos casos acima, ele também não é verdadeiramente comunicável, dado que o domíniodo mental é essencialmente subjetivo. Tal resultado foi rejeitado por Wittgenstein através deseu argumento da linguagem privada, no qual procurou mostrar que as regras que constituemos sentidos das expressões - e com isso os pensamentos expressos por frases - exigem,para poderem ser fixadas, a mediação de uma praxis lingüística intersubjetiva. A validade doargumento de Wittgenstein tem sido considerada, no entanto, discutível(7). Ainda assim, umprincípio dificilmente questionável é o de que tudo o que é pensável é comunicável. E é arejeição fregeana a esse princípio, com o seu caráter contra-intuitivo, o que mais custa aconvencer.

7. No final de seu ensaio Frege propõe, quase casualmente, a tese de que fatos são omesmo que pensamentos verdadeiros. Defendida por outros filósofos, essa tese teve umaconsiderável influência posterior. Com efeito, a palavra 'fato' em uma sentença como "Que ofogo queima é um fato", pode ser substituída pela expressão 'pensamento verdadeiro',resultando em "Que o fogo queima é um pensamento verdadeiro", o que parece indicarsinonímia. Mas também isso é questionável. Pode ser objetado que uma tal substituição nemsempre é possível: "O que ele pensou é um fato" não pode ser substituído por "O que elepensou é um pensamento verdadeiro" sem considerável mudança de sentido. Há, além disso,a sugestão recente de que a relação entre o pensamento verdadeiro e o fato é normalmenteconcebida como sendo de muitos para um, o que tornaria inviável a identificação proposta porFrege(8).

Notas:1 Ele é positivamente avaliado no influente livro de M. Dummett: Frege: Philosophy ofLanguage, London 1981, cap 13.2 Um argumento similar encontra-se em W. Künne: "Wahrheit", in: H. E. Martens & H.Schnädelbach (ed.): Philosophie: ein Grundkurs, Hamburg 1986, p. 137.3 Tomás de Aquino: Suma Teológica, I, Fr. 16, Art. 2. Apud. em W. Künne, ibid. p. 137. 4 Para Frege, representações só podem ter um único portador, sendo logicamente nãocompartilháveis: mesmo que uma outra pessoa pudesse penetrar em minha mente paraexperienciar as minhas representações, as representações por ela experienciadas seriam assuas próprias e não as minhas. Não obstante, esse argumento deixa de ser decisivo se forpossível separar (a) a representação, como o objeto mental da experiência, de (b) a própriaexperiência da representação. Em caso afirmativo, torna-se logicamente concebível que umaoutra mente experiencie a minha representação como objeto mental - como eu próprio o faço- mesmo tendo dela a sua própria experiência. Nesse caso a representação seriaintersubjetivamente compartilhada, permanecendo incompartilhada somente a suaexperiência, tida por cada um de nós. Em um outro lugar tentei evidenciar que essapossibilidade lógica de compartilhamento de representações efetivamente existe, mostrandoentão que tal admissão poderia ser usada para neutralizar um eventual argumento dalinguagem privada, i.e., um argumento que rejeite a linguagem mentalista com base naimpossibilidade lógica de correção intersubjetiva de pretensas regras identificadoras derepresentações (Cf. meu artigo "Das Paradox der privaten Erfahrung", Prima Philosophia, vol.10, 1997).5 Uma versão recente dessa espécie de realismo consiste na teoria popperiana dos trêsmundos, mais imaginativa e menos rigorosa que a ontologia fregeana. Sobre aimplausibilidade do realismo fregeano e as razões que o levaram a defendê-lo, ver o artigo deM. Dummett, "Frege’s mith of the third realm", in: Frege and other Philosophers, Oxford 1991.6 Que os pensamentos são imutáveis e a sua verdade atemporal pode ser aqui interpretadono sentido de que os pensamentos idênticos a X serão sempre idênticos a X, e que a suaverdade ou falsidade deverá ser sempre a mesma de X.7 Cf., por exemplo, H. Robinson: Perception, London 1994. (Ver nota 4 do presente artigo).8 J. Searle: The Construction of Social World, London 1995, p. 220. Embora a tese de que

fatos são pensamentos verdadeiros me pareça incorreta, não me parece evidente que arelação entre pensamentos (proposições) e fatos deva ser de muitos para um, como pretendeSearle. Isso seria correto se um fato fosse concebido como alguma coisa completamenteindeterminada, a não ser por sua localização espacio-temporal, sendo esse “x” algo capaz detornar verdadeiros os pensamentos diferentes acerca dessa região espacio-temporal,expressos por p, q, r... Mas se o fato for concebido como algo tão determinado quanto opensamento que o descreve - como a teoria correspondencial tradicionalmente pretende -então os pensamentos expressos por p, q, r... dirão respeito a fatos diferentes, ainda que alocalização espácio-temporal destes seja a mesma. Em meu artigo “A pragmática dasconcepção correspondencial” procurei mostrar que, ao menos no que diz respeito aenunciados observacionais, a sua verdade pode ser aceita como a correspondênciaisomórfica entre um juízo hipotético e o “fato-inseparável-de-juízo” que o corrobora,precisando ser ambos igualmente determinados (ver meu livro A Linguagem Factual, Rio deJaneiro, ed. Tempo Brasileiro, 1996, pp. 139-172; ver também o artigo "Fatos Empíricos", nomesmo livro).

O PENSAMENTO - UMA INVESTIGAÇÃO LÓGICA(*)

Gottlob Frege

Assim como a palavra 'belo' à estética e 'bem' à ética, 'verdade' indica à lógica a direção. Écerto que todas as ciências têm a verdade como fim; mas a lógica ocupa-se dela de um modomuito diverso. Ela relaciona-se com a verdade um pouco como a física com o peso ou com ocalor. Descobrir verdades é a tarefa de todas as ciências; à lógica cabe discernir as leis daverdade. A palavra 'lei' é usada em dois sentidos. Quando falamos de leis morais e civis,temos em mente prescrições que devem ser obedecidas, mas com as quais osacontecimentos nem sempre estão de acordo. Leis da natureza são o que há de geral noacontecimento natural, que a elas sempre se conforma. É antes nesse último sentido que falode leis da verdade. Claro que não se trata aqui do que ocorre, mas do que é. Das leis daverdade resultam prescrições para o tomar algo por verdadeiro (Fürwahrhalten), o pensar, ojulgar, o inferir. É assim que também se fala de leis do pensamento. Mas com isso surge operigo de se confundirem coisas diferentes. Pode-se entender a expressão 'lei dopensamento' como se fosse ‘lei da natureza’, tendo-se em mente traços gerais do pensarcomo ocorrência anímica. Uma lei do pensamento nesse sentido seria uma lei psicológica. Eassim chega-se à opinião de que a lógica trata do processo anímico do pensar e das leispsicológicas segundo as quais este ocorre. Mas com isso seria mal interpretada a tarefa da

lógica, pois a noção de verdade não obteria o lugar que lhe é devido. O erro, a superstição,tem as suas causas, tanto quanto o conhecimento correto. O tomar algo falso por verdadeiroe o tomar algo verdadeiro por verdadeiro dependem de leis psicológicas. Uma derivação apartir dessas leis e uma explicação de um fenômeno anímico que resulta em uma opinião nãopode jamais substituir uma prova daquilo a que esse tomar por verdadeiro se refere. Mas nãoé possível que leis lógicas também tenham tomado parte nesses processos anímicos? Issoeu não quero contestar. Mas quando se trata da verdade, só a possibilidade não basta. Épossível que também o não-lógico tenha participado e que ele tenha apartado o processo daverdade. Só podemos decidir sobre isso após termos chegado a conhecer as leis da verdade;mas então provavelmente poderemos dispensar-nos da derivação e da explicação doprocesso anímico, se o que nos interessa decidir é se o tomar por verdadeiro em que eleresulta, é justificado. Para excluir qualquer mal-entendido e para evitar que se possa obliteraras fronteiras entre psicologia e lógica, concebo como a tarefa da lógica encontrar as leis daverdade, e não as do tomar por verdadeiro ou do pensar. Nas leis da verdade desdobra-se osignificado da palavra 'verdade'. Primeiro, porém, tentarei esboçar muito cruamente os contornos daquilo que quero chamarde verdade nesse contexto, de maneira a tentar afastar os modos de uso desviantes de nossapalavra. Ela não deve ser aqui usada no sentido de 'veracidade' ou 'autenticidade', nem damaneira como por vezes aparece no tratamento de questões artísticas, quando, por exemplo,se fala sobre a verdade na arte, quando a verdade é apresentada como a finalidade da arte,quando se fala da verdade de uma obra de arte ou de um sentimento verdadeiro. Também secostuma antepor a palavra 'verdade' a uma outra palavra, para se dizer que se quer entenderessa última em seu sentido próprio e não adulterado. Também esse modo de uso está fora docaminho aqui perseguido. O que tenho em mente é a verdade cujo conhecimento é colocadocomo a finalidade da ciência. Gramaticamente, a palavra 'verdadeiro' parece designar uma propriedade. Isso nos sugereuma delimitação mais estreita do domínio no qual a verdade é predicada, onde ela podeentrar em questão. Encontramos a verdade predicada de figuras, representações, frases epensamentos. Nota-se claramente que coisas visíveis e audíveis aparecem junto a coisasque não podem ser percebidas pelos sentidos. Isso indica que deslocamentos de sentidoocorreram. Com efeito: é uma figura, como mera coisa visível e tocável, propriamenteverdadeira? e uma pedra, uma folha, não são verdadeiras? Evidentemente, nãochamaríamos a figura de verdadeira se não houvesse uma intenção envolvida. A figura deverepresentar algo. Também a representação não é em si chamada de verdadeira, a não sercom respeito a uma intenção de que ela deva corresponder a algo. Com base nisso pode-sesupor que a verdade consiste na correspondência de uma figura com aquilo que é afigurado.Uma correspondência é uma relação. Mas isso é contradito pelo uso da palavra 'verdade',que não é um termo relacional, não contendo nenhuma indicação de uma outra coisa, à qualalgo deva corresponder. Se eu não sei que uma figura tem o propósito de representar acatedral de Colônia, então não sei com o que devo comparar a figura para decidir se ela éverdadeira. Uma correspondência só pode ser perfeita se as coisas que se correspondemcoincidem, ou seja, se elas simplesmente não são diferentes. A autenticidade de uma cédulabancária só pode ser comprovada, na medida em que tenta fazê-la coincidirestereoscopicamente com uma cédula autêntica. Mas a tentativa de fazer coincidir

estereoscopicamente uma peça de ouro com uma nota de vinte marcos seria ridícula.Comparar uma representação com uma coisa só seria possível se a coisa também fosse umarepresentação. E, então, se a primeira correspondesse perfeitamente à segunda, elascoincidiriam. Ora, isso é precisamente o que não se pretende quando se define a verdadecomo correspondência de uma representação com algo real. Pois aqui é essencial que o realseja distinto da representação. Mas então não pode haver nenhuma correspondênciaperfeita, nenhuma verdade perfeita. Mas então absolutamente nada poderia ser verdadeiro;porque o que é apenas em parte verdadeiro é não-verdadeiro. A verdade não admite um maisou um menos. Ou será que sim? Não se pode estabelecer que a verdade ocorre quando acorrespondência se dá de uma certa maneira? Mas qual? O que precisaríamos então fazerpara decidir se algo é verdadeiro? Precisaríamos investigar se seria verdade que - algo comouma representação e algo real - se correspondem da maneira estabelecida. E com issoestaríamos novamente diante de uma questão da mesma espécie, e o jogo poderia começaroutra vez. Assim fracassa essa tentativa de explicar a verdade como correspondência. Masassim fracassa também qualquer outra tentativa de definir a verdade. Pois em uma definiçãodevem ser especificadas certas características. E pela aplicação a qualquer caso particularsurgiria sempre a questão de se saber se seria verdade que as características estariampresentes. Girar-se-ia então em círculos. Isso torna provável que o conteúdo da palavra'verdade' seja sui generis e indefinível. Quando se diz que uma figura é verdadeira, não se quer propriamente predicar algumapropriedade que pertença à figura em completa independência de outras entidades; o que setem em vista com isso é uma coisa completamente diversa, e o que se quer dizer é que afigura corresponde de algum modo a essa coisa. "Minha representação corresponde àcatedral de Colônia" é uma frase, e trata-se da verdade dessa frase(**). Assim, aquilo que éimpropriamente chamado de verdade de figuras e representações reduz-se à verdade defrases. O que denominamos uma frase? Uma seqüência de sons. Mas isso só quando elatem um sentido, sem que se queira dizer com isso que cada seqüência significativa de sonsseja uma frase. E quando dizemos que uma frase é verdadeira, temos em mentesimplesmente o seu sentido. Disso resulta que aquilo a respeito do que a verdadelegitimamente pode ser questionada é o sentido da frase. Mas não seria o sentido de umafrase uma representação? Seja como for, a verdade não consiste na correspondência dosentido com alguma outra coisa, pois nesse caso a questão sobre a verdade reitera-se aoinfinito. Sem querer dar uma definição, chamo de pensamento algo sobre o que a verdade pode serlegitimamente colocada em questão. Também o que é falso conto como sendo umpensamento, tanto quanto o que é verdadeiro(1). Posso então dizer: o pensamento é osentido de uma frase, com o que não quero afirmar que o sentido de toda frase seja umpensamento. O pensamento, que em si mesmo é não-sensível, veste-se com a roupagemsensível da frase, tornando-se assim apreensível para nós. Dizemos que a frase expressa umpensamento. O pensamento é algo não-sensível, e todas as coisas perceptíveis aos sentidos devem serexcluídas do domínio daquilo acerca do que a verdade pode legitimamente entrar emquestão. A verdade não é uma propriedade que corresponde a uma espécie particular deimpressão sensível. Assim, ela distingue-se nitidamente de propriedades

denominadas por palavras como 'vermelho', 'amargo', 'cheirando a sabugueiro'. Mas nãovemos que o sol nasceu? E não vemos então que isso também é verdadeiro? Que o solnasceu, não é nenhum objeto emitindo raios que alcançam meus olhos; não é uma coisa visível como o próprio sol. Que o sol nasceu é reconhecido como verdadeiro com base emimpressões sensíveis. Todavia, o ser verdadeiro não é nenhuma propriedade perceptível aossentidos. Também o ser magnético é reconhecido em uma coisa com base em impressõessensíveis, embora essa propriedade, tanto quanto a de ser verdadeiro, não corresponda anenhuma espécie particular de impressão sensível. Até aqui essas propriedades concordam.Mas para reconhecermos um corpo como sendo magnético, precisamos recorrer aimpressões sensíveis. Por outro lado, se eu considero verdadeiro que nesse momento nãosinto odor algum, não faço isso com base em impressões sensíveis. Ainda assim dá o que pensar, que nós não possamos reconhecer em coisa alguma umapropriedade sem com isso ao mesmo tempo considerar verdadeiro o pensamento de queessa coisa tem essa propriedade. Assim, a cada propriedade de uma coisa associa-se umapropriedade de um pensamento, qual seja, a de ser verdadeiro. Também é digno de nota quea frase “Sinto odor de violetas” tenha o mesmo conteúdo que a frase “É verdade que sintoodor de violetas”. Parece, pois, que nada é adicionado ao pensamento por eu ter-lhe atribuídoa propriedade de ser verdadeiro. Contudo, não é um grande sucesso quando o cientista, apóslonga hesitação e laboriosas investigações, finalmente pode dizer: “O que eu haviaconjecturado é verdadeiro”? O significado da palavra 'verdade' parece ser bastante singular.Não estaríamos aqui tratando de algo que, no sentido usual da palavra, de modo algum podeser chamado de propriedade? Apesar dessa dúvida, quero inicialmente me expressar aindasegundo o uso corrente, como se a verdade fosse uma propriedade, até que algo maisapropriado seja encontrado. Para elaborar mais precisamente o que quero chamar de pensamento, distinguirei algunstipos de frase(2). Não se negaria que uma frase imperativa tem sentido; mas esse sentidonão é do tipo acerca do qual se questionaria a verdade. Por isso não chamarei o sentido deuma frase imperativa de pensamento. Igualmente, excluem-se frases que expressam desejose pedidos. Só aquelas frases com as quais comunicamos ou asserimos algo é que podementrar em consideração. Mas exclamações, nas quais alguém dá livre curso aos seussentimentos, gemidos, suspiros, risos, não conto como tais, a menos que, por meio deconvenções especiais, sejam destinadas a comunicar algo. Mas que dizer de frasesinterrogativas? Em uma pergunta com pronome interrogativo (Wortfrage), pronunciamos umafrase incompleta, que somente através da complementação por ela convocada vem a receberum verdadeiro sentido. As perguntas com pronome interrogativo ficam desse modo fora deconsideração. Outro é o caso de perguntas em forma de frase. Esperamos ouvir 'sim' ou 'não'.A resposta 'sim' diz tanto quanto a frase assertórica; pois através dela o pensamento, que jáse encontra completo na pergunta, é apresentado como verdadeiro. Para cada fraseassertórica pode ser assim construída uma pergunta. Eis porque uma exclamação não podeser vista como uma comunicação: nenhuma pergunta correspondente pode ser construída.Uma frase interrogativa e uma frase assertórica podem conter o mesmo pensamento; mas afrase assertórica contém algo mais, a saber, a asserção. Também a pergunta contém algomais, a saber, uma convocação. Em uma frase assertórica devem ser portanto distinguidasduas coisas: o conteúdo, que ela tem em comum com a pergunta, e a asserção. O primeiro é

o pensamento, ou ao menos o contém. É assim possível expressar um pensamento, semapresentá-lo como verdadeiro. Em uma frase assertórica ambos vêm tão unidos, que aseparabilidade passa facilmente despercebida. Distinguimos, por conseguinte:

1. A apreensão do pensamento - o pensar, 2. O reconhecimento da verdade de um pensamento - o julgar(3), 3. A manifestação desse juízo - o asserir.

Ao fazer uma pergunta, já realizamos o primeiro ato. Um progresso na ciência acontecehabitualmente do seguinte modo: primeiro um pensamento é apreendido, tal como ele poderiavir expresso em uma pergunta; após apropriada investigação, esse pensamento é finalmentereconhecido como verdadeiro. Expressamos o reconhecimento da verdade na forma da fraseassertórica. Para tal não precisamos da palavra 'verdade'. E mesmo quando a usamos, aforça assertórica como tal não reside nela, mas na forma da frase assertórica; e onde essaforma perde a sua força assertórica, a palavra 'verdade' também é incapaz de restituí-la. Issoacontece quando não falamos a sério. Como o trovão e a luta em um teatro, que são apenasaparência de trovão e de luta, a asserção no teatro é apenas uma asserção aparente. Éapenas representação, ficção. O ator não assere em seu papel; ele também não mente,mesmo quando diz algo de cuja falsidade está convencido. Na poesia temos o caso em que,apesar da forma assertórica da frase, pensamentos são expressos sem que eles sejamrealmente apresentados como verdadeiros, embora seja solicitado ao ouvinte um juízo deassentimento. Assim sendo, mesmo naquilo que se apresenta sob a forma de uma fraseassertórica, pode ser sempre questionado se contém realmente uma asserção. E essaquestão é para ser negativamente respondida quando faltar a necessária seriedade. Se apalavra 'verdade' for usada junto, isso é irrelevante. Assim se esclarece por que nada pareceser adicionado ao pensamento quando se lhe atribui a propriedade de ser verdadeiro. Uma frase assertórica muitas vezes contém, além de um pensamento e da asserção, umterceiro componente, ao qual a asserção não se estende. Não raramente ela tem o propósitode agir sobre o sentimento, o humor do ouvinte, ou de incitar sua imaginação. Expressõescomo 'infelizmente' e 'graças a Deus' pertencem a esse componente. Tais componentes dafrase ressaltam-se mais fortemente na poesia, mas raramente estão completamenteausentes na prosa. Eles tornam-se mais raros em exposições da matemática, da física ou daquímica, do que nas da história. O que é chamado de ciências humanas está mais próximo dapoesia e é por isso mesmo menos científico do que as ciências de rigor, que quanto maisrigorosas mais secas são; pois a ciência de rigor é direcionada para a verdade e só para averdade. Assim, todos os componentes da frase aos quais a força assertórica não se estende,não pertencem à exposição científica. Apesar disso, mesmo para aquele que vê o risco a elesligado, eles são por vezes difíceis de ser evitados. Onde se trata de se aproximar do que éinapreensível ao pensamento pelo caminho da intuição, esses componentes são plenamentejustificados. Quanto mais rigorosamente científica for uma exposição, menos se faráperceptível a nacionalidade de seu autor e mais fácil será traduzi-la. Por outro lado, oscomponentes da linguagem sobre os quais quero aqui chamar a atenção dificultam em muitoa tradução da poesia, tornando uma tradução perfeita quase sempre impossível; pois éprecisamente no tocante a esses componentes, sobre os quais uma grande parte do valor

poético se apóia, que as línguas mais se diferenciam. Se uso as palavras 'cavalo', 'rocim' ou 'pileca', não faz qualquer diferença para opensamento. A força assertórica não se estende àquilo pelo que essas palavras sediferenciam. O que pode ser chamado de tonalidade, fragrância, iluminação em um poema, oque se desenha pelo tom e pelo ritmo, não pertence ao pensamento. Muito na língua serve para facilitar ao ouvinte a compreensão, por exemplo, a acentuaçãode uma parte da frase pela entonação ou pela disposição das palavras. Pense-se empalavras como 'ainda' e 'já'. Com a frase "Alfredo ainda não chegou" diz-se apenas queAlfredo não chegou e sugere-se que a sua chegada é esperada; mas sugere-se apenas. Nãose pode dizer que o sentido da frase é falso só porque Alfredo não está sendo esperado. Apalavra 'mas' diferencia-se de 'e' por sugerir que o que a ela se segue está em oposição aoque a ela precedeu. Tais sugestões discursivas não fazem qualquer diferença nopensamento. Pode-se transformar uma frase convertendo a voz ativa do verbo em sua vozpassiva e, simultaneamente, transformando o objeto direto em sujeito. Do mesmo modopode-se transformar o objeto indireto em sujeito, ao mesmo tempo que se substitui 'dar' por'receber'. Com certeza tais transformações não são inócuas em todos os aspectos; mas elasnão afetam o pensamento, não afetam o que é verdadeiro ou falso. Se a inadmissibilidade detais transformações fosse universalmente reconhecida, então toda investigação lógica maisprofunda poderia ser impedida. É tão importante deixar de lado distinções que não afetam ocerne da questão, quanto fazer distinções concernentes ao essencial. Mas o que é essencialdepende do propósito. Aquilo que para o lógico é indiferente pode apresentar-se como o maisimportante a uma sensibilidade voltada para o belo na língua. Assim, não raramente o conteúdo de uma frase vai além do pensamento nela expresso.Mas o oposto também é freqüente, a saber: que a simples enunciação verbal das palavras, aqual pode ser fixada pela escrita ou pelo fonógrafo, não baste para a expressão dopensamento. O tempus praesens é usado de dois modos: primeiro, para fazer uma indicaçãotemporal; segundo, para suprimir qualquer limitação temporal, nos casos em queatemporalidade ou eternidade sejam componentes do pensamento. Pense-se, por exemplo,nas leis da matemática. Qual dos dois casos tem lugar não é expresso, mas precisa seradivinhado. Se com o praesens é para ser feita uma indicação temporal, deve-se saberquando a frase foi pronunciada para se entender o pensamento corretamente. Portanto omomento da enunciação é parte da expressão do pensamento. Se alguém hoje quer dizer omesmo que havia dito ontem com a palavra 'hoje', ele substituirá essa palavra por 'ontem'.Embora o pensamento seja o mesmo, aqui a sua expressão verbal precisa ser diferente demaneira a compensar a mudança de sentido que os diferentes momentos de enunciação deoutro modo provocariam. O caso de palavras como 'aqui' e 'lá' é semelhante. Em todos essescasos a mera enunciação verbal, que pode ser fixada pela escrita, não é a completaexpressão do pensamento; para a sua correta compreensão precisa-se do conhecimento decertas circunstâncias que acompanham o falante, as quais são utilizadas como meios deexpressão do pensamento. A elas podem pertencer o apontar com o dedo, movimentos damão, olhares. A mesma sequência de sons contendo a palavra 'eu' na boca de diferentesseres humanos irá exprimir diferentes pensamentos, dos quais alguns podem serverdadeiros, outros falsos. A ocorrência da palavra 'eu' em uma frase dá margem a mais algumas indagações.

Considere-se o seguinte caso. O Dr. Gustav Lauben diz: "Eu fui ferido". Leo Peter ouve issoe reporta, alguns dias mais tarde: "Dr. Gustav Lauben foi ferido". Exprime essa frase o mesmopensamento que aquele proferido pelo próprio Dr. Lauben? Suponha-se que Rudolf Lingenstenha estado presente quando o Dr. Lauben falou, e que ele agora ouve o que Leo Peterconta. Se o que é proferido pelo Dr. Lauben e Leo Peter é o mesmo pensamento, entãoRudolf Lingens, que domina perfeitamente a língua alemã e que se recorda do que o Dr.Lauben disse em sua presença, deve agora, pelo relato de Leo Peter, saber de imediato queele fala da mesma coisa. Mas o conhecimento da língua alemã não é suficiente quando setrata de nomes próprios. Pode bem ser que apenas uns poucos associem um pensamentodeterminado à frase "Dr. Lauben foi ferido". Ao perfeito entendimento pertence nesse caso oconhecimento dos vocábulos 'Dr. Gustav Lauben'. Se ambos, Leo Peter e Rudolf Lingens,entendem por 'Dr. Gustav Lauben' o médico que mora, como único médico, em uma casabem conhecida por ambos, então ambos entendem a frase "Dr. Lauben foi ferido" do mesmomodo; eles associam a ela o mesmo pensamento. Mas também é possível que RudolfLingens não conheça pessoalmente o Dr. Lauben, e não saiba que foi precisamente o Dr.Lauben a pessoa que recentemente disse: "Eu fui ferido". Nesse caso, Rudolf Lingens nãopode saber que se trata da mesma coisa. Por isso digo em tal caso: o pensamento que LeoPeter manifesta não é o mesmo que aquele que Dr. Lauben havia proferido. Suponha-se ainda que Herbert Garner sabe que o Dr. Gustav Lauben nasceu em 13 desetembro de 1875 em N. N., e que isso não sucedeu com mais ninguém; em compensação,ele não sabe onde o Dr. Lauben reside agora nem qualquer outra coisa acerca dele. Por outrolado, Leo Peter não sabe que o Dr. Gustav Lauben nasceu em 13 de setembro de 1875 em N.N. Então, no que diz respeito ao nome próprio 'Dr. Gustav Lauben', Herbert Garner e LeoPeter não falam a mesma língua, ainda que com esse nome eles de fato designem o mesmohomem; pois eles não sabem que fazem isso. Herbert Garner não associa, pois, à frase "Dr.Gustav Lauben foi ferido", o mesmo pensamento que Leo Peter quer com ela expressar. Paraevitar o inconveniente de Herbert Garner e Leo Peter não falarem a mesma língua, suponhoque Leo Peter use o nome próprio 'Dr. Lauben', e que Herbert Garner use, por sua vez, onome próprio 'Gustav Lauben'. Então é possível que Herbert Garner tome por verdadeiro osentido da frase "Dr. Lauben foi ferido", enquanto, conduzido ao erro por falsas notícias, tomepor falso o sentido da frase "Dr. Gustav Lauben foi ferido". Assim, dentro das assunçõesfeitas, esses pensamentos são diferentes. Ao nome próprio importa, portanto, como é apresentada a coisa por ele designada. Issopode acontecer de diversos modos, e a cada um desses modos corresponde um sentidoespecial da frase contendo o nome próprio. Os diversos pensamentos que decorrem damesma frase concordam, certamente, em seus valores-de-verdade, i.é., se um deles éverdadeiro, são todos verdadeiros, e, se um deles é falso, são todos falsos. Não obstante, adiferença entre eles é reconhecível. Propriamente, deveria ser exigido que a cada nomepróprio fosse associado um único modo de apresentação da coisa por ele designada. Queessa exigência seja preenchida é freqüentemente prescindível, embora nem sempre. Cada um de nós é apresentado a si mesmo de um modo especial e originário, pelo qualnão se é apresentado a mais ninguém. Assim, se o Dr. Lauben pensa que ele foi ferido, eletoma por base provavelmente esse modo originário pelo qual ele é dado a si mesmo. E só opróprio Dr. Lauben pode apreender o pensamento assim determinado. Mas ele quis

comunicá-lo a outros. Ele não pode comunicar um pensamento que só ele pode apreender.Se ele então também diz: "Eu fui ferido", ele deve usar o 'eu' em um sentido que também sejaacessível aos outros, algo como "aquele que nesse momento vos fala"; fazendo isso, ele põea serviço da expressão do pensamento as circunstâncias acompanhantes de seu dizer(4). Contudo, aqui surge uma questão. É realmente o mesmo pensamento, aquele que aquelehomem primeiro expressou, e que agora esse outro expressa? O homem ainda não influenciado pela filosofia conhece primeiro coisas que ele pode ver,tocar, em suma, perceber com os sentidos, como árvores, pedras, casas, e ele estáconvencido de que um outro homem pode ver e tocar a mesma árvore, a mesma pedra queele vê e toca. Um pensamento não faz parte, obviamente, dessas coisas. Pode ele, apesardisso, ser posto diante de uma pessoa como sendo o mesmo, tal como acontece com umaárvore? Mesmo o homem não-filosófico se vê cedo na necessidade de reconhecer um mundointerior, diferente do mundo exterior; um mundo de impressões sensíveis, de criações de seupoder imaginativo, de sensações, de emoções, de sentimentos e de estados de alma; ummundo de inclinações, de desejos e de volições. Para dispor de uma expressão breve, queroreunir tudo isso, à exceção das volições, sob o termo 'representação'. Pertencem então os pensamentos a esse mundo interior? São eles representações?Volições eles obviamente não são. Em que as representações diferenciam-se das coisas do mundo exterior? Primeiro: Representações não podem ser vistas ou tocadas, nem cheiradas, nem degustadas, nemouvidas. Eu faço um passeio acompanhado de alguém. Eu vejo um prado verde; tenho com isso aimpressão visual do verde. Tenho-a, mas não a vejo. Segundo: representações são tidas. Têm-se sensações, sentimentos, estados de alma,inclinações, desejos. Uma representação tida por alguém pertence ao conteúdo de suaconsciência. O prado e as suas rãs, o sol que os ilumina, estão lá, não importa se eu os vejo ou não; masa impressão sensível do verde, a qual eu tenho, só existe através de mim; eu sou o seuportador. Parece-nos disparate supor que uma dor, um estado de alma, um desejo, vagueiempelo mundo na independência de um portador. Uma sensação não é possível sem um sersensiente. O mundo interior tem como pressuposto aquele do qual ele é mundo interior. Terceiro: representações necessitam de um portador. As coisas do mundo exterior são, emcomparação, auto-suficientes. Meu acompanhante e eu estamos convencidos de que ambos vemos o mesmo prado; mascada um de nós tem uma impressão sensível particular de verde. Eu avisto um morangoentre as folhas verdes. Meu acompanhante não o encontra; ele é daltônico. A impressão decor que ele recebe do morango não se diferencia perceptivelmente daquela que ele recebedas folhas. O meu acompanhante vê a folha verde vermelha, ou ele vê o morango verde? Ouele vê ambos em uma cor que me é de todo desconhecida? Essas são questõesirrespondíveis, melhor dizendo, absurdas. Pois a palavra 'vermelho', quando não indica umapropriedade de coisas, mas deve designar as impressões sensíveis pertencentes à minhaconsciência, só é aplicável no domínio de minha consciência; pois é impossível compararminhas impressões sensíveis com as de um outro. Para tal seria preciso reunir em uma única

consciência uma impressão sensível que pertencesse a uma consciência e uma impressãosensível que pertencesse a uma outra consciência. Mesmo se fosse possível que umarepresentação desaparecesse de uma consciência e que simultaneamente umarepresentação emergisse em outra consciência, permaneceria ainda para sempreirrespondível a questão de se saber se essa seria a mesma representação. Ser conteúdo deminha consciência pertence, assim, à essência de cada uma de minhas representações,sendo qualquer representação de um outro, como tal, diferente das minhas. Mas não seriapossível que minhas representações, que todo o conteúdo de minha consciência fossesimultaneamente também conteúdo de uma consciência mais abrangente, talvez a divina?Sem dúvida, mas somente se eu próprio fosse parte do ser divino. Mas seriam entãopropriamente minhas representações? Seria eu o seu portador? Ora, isso ultrapassa a talponto os limites do entendimento humano, que podemos deixar tal possibilidade fora deconsideração. Em todo caso é impossível a nós homens comparar representações de outroscom nossas próprias. Eu colho um morango; eu o seguro entre os dedos. Agora o vê tambémmeu acompanhante, o mesmo morango; mas cada um de nós tem a sua própriarepresentação. Nenhum outro tem a minha representação; mas muitos podem ver a mesmacoisa. Nenhum outro tem a minha dor. Alguém pode ter pena de mim; mas minha dorpertence sempre a mim e a sua pena a ele. Ele não tem a minha dor e eu não tenho a suapena. Quarto: cada representação tem apenas um portador; dois homens não têm a mesmarepresentação. Senão ela subsistiria independentemente desse ou daquele indivíduo. É aquela tília minharepresentação? Ao usar a expressão 'aquela tília' nessa pergunta, eu simplesmente jáantecipo a resposta; pois com essa expressão quero designar algo que eu vejo e quetambém outros podem observar e tocar. Existem aqui duas possibilidades. Se a minhaintenção é realizada, se designo algo com a expressão 'aquela tília', então o pensamentoexpresso na frase "Aquela tília é minha representação" deve ser obviamente negado. Mas sefalho em realizar minha intenção, se eu apenas penso ver sem ver realmente, se adesignação 'aquela tília' é portanto vazia, então eu me perdi, sem saber nem querer, nodomínio da ficção. Então não são verdadeiros nem o conteúdo da frase "Aquela tília é minharepresentação", nem o da frase "Aquela tília não é minha representação"; pois em ambos oscasos tenho um enunciado para o qual falta o objeto. A resposta à questão só pode ser entãorecusada com a justificativa de que o conteúdo da frase "Aquela tília é minha representação"é ficcional. Decerto que eu tenho no caso uma representação; mas não é ela o que tenho emmente com as palavras 'aquela tília'. Também poderia ser que alguém com as palavras'aquela tília' quisesse realmente designar uma de suas representações; ele seria entãoportador daquilo que quisesse designar com tais palavras; mas então ele não veria aquelatília, e nenhum outro homem a veria ou seria o seu portador. Retornando agora à questão: é o pensamento uma representação? Se o pensamento queeu enuncio com o teorema de Pitágoras pode ser reconhecido como verdadeiro, tanto poroutros quanto por mim, então ele não pertence ao conteúdo de minha consciência, então eunão sou o seu portador e posso apesar disso reconhecê-lo como verdadeiro. Se não setratasse de modo algum do mesmo pensamento a ser concebido por mim e por um outrocomo o conteúdo do teorema de Pitágoras, então não se poderia simplesmente dizer 'o

teorema de Pitágoras', mas sim 'meu teorema de Pitágoras', 'seu teorema de Pitágoras', eeles seriam diferentes, uma vez que o sentido pertence necessariamente ao teorema. Entãoo meu pensamento pode ser conteúdo de minha consciência, como o seu pensamento oconteúdo da sua. Poderia então o sentido do meu teorema de Pitágoras ser verdadeiro e o doseu ser falso? Eu disse que a palavra 'vermelho' seria aplicável somente no domínio de minhaconsciência, caso ela não apresentasse uma propriedade de coisas, mas devesse designaralgumas de minhas impressões sensíveis. Similarmente, também poderiam as palavras'verdadeiro' e 'falso', tal como as entendo, se aplicar somente ao domínio de minhaconsciência; tal seria o caso se elas não dissessem respeito a algo cujo portador não fosseeu mesmo, destinando-se a de algum modo assinalar conteúdos de minha consciência.Então a verdade ficaria confinada ao conteúdo de minha consciência, e permaneceriadubitável sobre se algo similar realmente ocorreria na consciência de outros. Se cada pensamento requer um portador, a cujo conteúdo de consciência ele pertence,então ele é pensamento apenas desse portador, e não há nenhuma ciência que seja comuma muitos, na qual muitos possam trabalhar; nesse caso talvez eu tenha a minha ciência, asaber, um conjunto de pensamentos dos quais sou o portador, e um outro tenha a sua ciência.Cada um de nós ocupa-se com conteúdos de sua própria consciência. Uma contradição entreambas as ciências é nesse caso impossível; e será simplesmente ocioso discutir a verdade,tão ocioso e quase tão ridículo quanto seria o caso, se duas pessoas discutissem se umanota de 100 marcos é autêntica, no caso em que cada qual tivesse em mente a nota que eletivesse em seu próprio bolso e entendesse a palavra 'autêntico' em seu próprio sentidoparticular. Se alguém considera os pensamentos como sendo representações, então aquiloque ele reconhece como verdadeiro é, em sua própria opinião, conteúdo de sua consciência,e a outros em nada concerne. E se ele ouvisse de mim a opinião de que pensamentos nãosão representações, então ele não poderia contestá-la, pois essa opinião também em nadalhe concerniria. O resutado parece ser o seguinte: os pensamentos não são nem coisas do mundo exterior,nem representações. Um terceiro reino precisa ser reconhecido. O que a ele pertence assemelha-se, por umlado, às representações, por não poder ser percebido pelos sentidos, e por outro lado àscoisas, por não precisar de nenhum portador ao qual pertença como conteúdo deconsciência. Assim, por exemplo, é o pensamento que proferimos com o teorema dePitágoras atemporalmente verdadeiro, verdadeiro independentemente de qualquer pessoa otomar por verdadeiro. Ele não precisa de nenhum portador. Ele não é verdadeiro a partir dequando foi descoberto, assim como um planeta que, mesmo antes que alguém o tivesseobservado, já se encontrava em interação com outros planetas(5). Mas uma estranha objeção parece chegar-me aos ouvidos. Eu assumi várias vezes que amesma coisa que vejo também poderia ser observada por um outro. Mas como seria se tudofosse apenas um sonho? Se eu apenas sonhasse meu passeio em companhia de um outro,se eu apenas sonhasse que minha companhia, como eu, visse o mesmo prado verde, se tudoisso fosse apenas um teatro representado no palco de minha consciência, então seriadubitável a própria existência de coisas do mundo externo. Talvez o reino das coisas sejavazio, e eu não veja coisa alguma, nem homem algum, mas tenha apenas representaçõesdas quais eu mesmo seja o portador. Uma representação, sendo algo que não existe

independentemente de mim mais do que o meu sentimento de cansaço, não pode ser umhomem, não pode contemplar junto a mim o mesmo prado, não pode ver o morango que euseguro. Que eu possua apenas o meu mundo interior, ao invés de todo o mundo circundante,no qual eu suponho me movimentar e agir, é por demais inacreditável. Essa é, não obstante,uma conseqüência inevitável do princípio de que só minhas representações podem ser objetode minha observação. O que se seguiria desse princípio se ele fosse verdadeiro? Existiriamentão outros homens? Isso seria possível; mas eu não saberia nada acerca deles; pois umhomem não poderia ser minha representação, e, por conseqüência, se nosso princípio fosseverdadeiro, também não poderia ser objeto de minha observação. E com isso seria retirada abase de todas as considerações com as quais eu supus que algo seria objeto para um outroda mesma forma que para mim; pois, mesmo que isso viesse a ocorrer, eu nada saberia arespeito. Ser-me-ia impossível distinguir aquilo de que eu sou portador daquilo de que eu nãosou portador. Na medida em que julgasse que algo não seria minha representação, eu o fariaobjeto de meu pensamento e com isso minha representação. Existe, segundo essaconcepção, um prado verde? Talvez, mas ele não me seria visível. Se um prado não é minharepresentação, então ele não pode, segundo nosso princípio, ser objeto de minhaconsideração. Mas se ele é minha representação, então é invisível; pois representações nãosão visíveis. Eu posso, com efeito, ter a representação de um prado verde; mas ela próprianão é verde, pois representações verdes não existem. Há segundo essa concepção umprojétil com o peso de 100 Kg? Talvez; mas eu não poderia saber nada acerca dele. Se umprojétil não é minha representação, então ele não pode ser objeto de minha representação,de meu pensamento. Mas se um projétil fosse minha representação, ele não teria pesoalgum. Eu posso ter uma representação de um projétil pesado. Essa representação contémentão, como parte constituinte, a representação de peso. Essa representação parcial não é,no entanto, propriedade da representação completa, tão pouco como a Alemanha épropriedade da Europa. Disso resulta: Ou é falso o princípio de que só aquilo que é minha representação pode ser objeto de minhaobservação, ou todo o meu saber e perceber limita-se ao domínio de minhas representações,ao palco de minha consciência. Nesse caso eu teria somente o meu mundo interior e nadasaberia de outros homens. É estranho como no curso de tais considerações os opostos se convertem um no outro.Consideremos, por exemplo, um fisiologista dos sentidos. Como convém a um pesquisadorda natureza, ele está desde o princípio muito distante de tomar as coisas que ele estáconvencido de que vê e toca por suas representações. Ao contrário, ele acredita ter nasimpressões sensíveis os testemunhos mais confiáveis das coisas, as quais subsistem nacompleta independência de seu sentir, de seu representar, de seu pensar, e prescindem desua consciência. Ele reconhece fibras nervosas e células ganglionares tão pouco comoconteúdo de sua consciência, que ele é antes tentado, ao contrário, a ver a sua consciênciacomo dependente de fibras nervosas e células ganglionares. Ele constata que raios de luzrefratados no olho encontram os terminais do nervo óptico e lá produzem uma modificação,um estímulo. Disso alguma coisa é transmitida, através de fibras nervosas, a célulasganglionares. Isso conduz a talvez outros processos no sistema nervoso, e sensações decores surgem, as quais se combinam naquilo que talvez chamemos de representação de umaárvore. Entre a árvore e minha representação intercalam-se processos físicos, químicos,

fisiológicos. Ao que parece, porém, somente as ocorrências em meu sistema nervoso seconectam diretamente à minha consciência; e cada observador da árvore tem os seusprocessos particulares em seu sistema nervoso particular. Os raios de luz também podem,antes de penetrarem em meu olho, ter sido refletidos pela superfície de um espelho,propagando-se então como se fossem provenientes de um lugar atrás do espelho. Os efeitossobre o nervo óptico e tudo o que daí se segue terão lugar exatamente como se os raios deluz fossem provenientes de uma árvore atrás do espelho e se propagassem sem entravesdiretamente até os meus olhos. Assim é que a representação de uma árvore também podedar-se, mesmo quando árvore alguma existe. Também a difração da luz, pela mediação dosolhos e do sistema nervoso, pode dar lugar a uma representação que não corresponde anada. A estimulação do nervo óptico não precisa sequer da luz para ocorrer. Se um raio caiperto de nós, cremos ver chamas, mesmo quando não podemos ver o próprio raio. O nervoóptico é nesse caso estimulado por cargas elétricas surgidas em nosso corpo como efeito doraio. Se o nervo óptico é através disso estimulado do mesmo modo que por raios de luzprovenientes de chamas, então cremos ver chamas. Isso se dá somente pelo estímulo donervo óptico; como ele se efetua é indiferente. Pode ser dado mais um passo adiante. Propriamente falando, esse estímulo do nervo ópticonão é algo diretamente dado, mas mera suposição. Nós acreditamos que uma coisaindependente de nós estimula um nervo e por meio disso produz uma impressão sensível;mas, estritamente falando, o que vivenciamos é apenas o final desse processo, que seimprime em nossa consciência. Não poderia essa impressão sensível, essa sensação, quenós atribuimos a uma estimulação nervosa, ter também outras causas, assim como o mesmoestímulo nervoso pode surgir por meios diferentes? Se chamamos àquilo que emerge emnossa consciência de representação, então vivenciamos propriamente apenasrepresentações, mas não as suas causas. E se o pesquisador quer manter-se distante detudo o que for mera suposição, restam-lhe apenas representações; tudo se desfaz emrepresentações, também os raios de luz, as fibras nervosas e as células ganglionares, com asquais ele havia começado. Assim ele termina por solapar os fundamentos de sua própriaconstrução. Tudo é representação? Tudo precisa de um portador, sem o que não possuinenhuma existência? Eu me considerei como portador de minhas representações; mas nãosou eu mesmo uma representação? Parece-me assim como se eu estivesse deitado em umacadeira de repouso, como se visse um par de pontas de botas polidas, a parte da frente deuma calça, um costume, botões, partes de um paletó, especialmente as mangas, duas mãos,alguns fios de barba, os difusos contornos de um nariz. E essa união de impressões visuais,essa representação completa, sou eu mesmo? É também como se eu visse lá uma cadeira.Isso é uma representação. Eu não me diferencio propriamente tanto assim dela, afinal nãosou eu próprio também uma união de impressões sensíveis, uma representação? Mas ondeestá então o portador dessas representações? Como chego a escolher uma dessasrepresentações e instituí-la como portadora das outras? Porque precisa ser essa arepresentação que eu prefiro chamar de eu? Não poderia igualmente escolher para tal aquelaque eu sou tentado a chamar de cadeira? Mas para que, afinal, um portador derepresentações? Um portador seria sempre algo essencialmente diverso das representaçõesque porta, algo independente, que não precisaria de nenhum portador estranho. Se tudo érepresentação, então não existe nenhum portador de representações. E assim assisto

novamente a uma conversão ao oposto. Se não há nenhum portador das representações,então não há também nenhuma representação; pois representações precisam de umportador sem o qual elas não podem subsistir. Onde não há soberano não há súditos. Adependência da sensação com respeito àquele que a tem, que me senti movido a reconhecer,desaparece quando não há nenhum portador. O que eu denominei representação são entãoobjetos auto-suficientes. Falta então qualquer razão para se conceder um lugar especialàquele objeto que eu chamo de eu. Mas é isso possível? Pode ser dada uma vivência sem alguém que a vivencie? O que seriade todo esse espetáculo sem um espectador? Pode haver uma dor sem alguém que a tenha?À dor pertence necessariamente o fato dela ser sentida, e ao sentir pertence ademais alguémque sente. Mas então há algo que não é minha representação e que pode ser objeto deminha consideração, de meu pensamento; eu próprio sou tal coisa. Ou posso eu ser parte doconteúdo de minha consciência, enquanto uma outra parte é talvez uma representação dalua? Tem lugar talvez algo assim quando eu julgo que eu observo a lua? Então essa primeiraparte teria uma consciência, e uma parte do conteúdo dessa consciência seria outra vez eu. Eassim por diante. Que eu estivesse deste modo em mim mesmo infinitamente encapsulado éde todo impensável; pois então não haveria só um eu, mas uma infinidade deles. Eu não soua minha própria representação; e se afirmo algo sobre mim, por exemplo, que eu no momentonão sinto dor alguma, então meu juízo diz respeito a algo que não é conteúdo de minhaconsciência, que não é minha representação, a saber, a mim mesmo. Portanto, aquilo sobreo que enuncio algo não é necessariamente minha representação. Mas talvez alguém objete:se eu penso que no momento eu não tenho dor, a palavra 'eu' não corresponde então a algono conteúdo de minha consciência? E não é isso uma representação? Pode ser. Com arepresentação da palavra 'eu' pode vir associada em minha consciência uma certarepresentação. Mas nesse caso ela é uma representação entre outras representações, e eusou seu portador, como sou portador das outras representações. Eu tenho umarepresentação de mim, mas não sou eu essa representação. É preciso distinguir com rigorentre o que é conteúdo de minha consciência, a minha representação, e aquilo que é objetode meu pensamento. É portanto falso o princípio segundo o qual só pode ser objeto de minhaconsideração, de meu pensamento, o que pertence ao conteúdo de minha consciência. Agora o caminho está aberto para que eu possa reconhecer também um outro homemcomo portador auto-suficiente de representações. Eu tenho uma representação dele; masnão a confundo com ele próprio. E se enuncio algo sobre meu irmão, então isso não éenunciado da representação que tenho de meu irmão. O enfermo que tem uma dor é portador dessa dor; mas o médico que o trata e que refletesobre a causa dessa dor não é portador da dor. Ele não imagina que possa acalmar a dor deseu paciente anestesiando-se a si mesmo. É verdade que à dor do enfermo podecorresponder uma representação na consciência do médico; mas essa última não é a dor enão é aquilo que o médico se esforça por extinguir. O médico pode consultar um outromédico. Então precisa ser distinguido: primeiro a dor, cujo portador é o enfermo; segundo arepresentação dessa dor pelo primeiro médico; terceiro a representação dessa dor pelosegundo médico. Essa representação pertence, com efeito, ao conteúdo da consciência dosegundo médico; ela não é, porém, objeto de sua reflexão, mas talvez um recurso auxiliar desua reflexão, como um desenho também pode sê-lo. Ambos os médicos têm como objeto

comum a dor do enfermo, da qual eles não são portadores. Deixa-se ver com isso que não sóuma coisa, mas também uma representação, pode ser um objeto comum do pensamentopara pessoas que não têm tal representação. Assim me parece que a questão se torna inteligível. Se o homem não pudesse pensar etomar como objeto de sua consciência algo do qual ele não é o portador, ele teria certamenteum mundo interior, mas não um mundo circundante. Mas isso não pode repousar em umerro? Eu estou convencido de que a representação que associo às palavras 'meu irmão'corresponde a algo que não é minha representação e sobre o qual posso dizer alguma coisa.Mas não posso me enganar quanto a isso? Tais erros acontecem. Caímos, malgrado asnossas intenções, na ficção. Com efeito! Com o passo, pelo qual eu conquisto um mundocircundante, exponho-me ao perigo de errar. E aqui deparo-me com mais uma diferença entremeu mundo interior e o mundo exterior. Eu não posso pôr em dúvida que tenho a impressãovisual do verde; mas que eu vejo uma folha de tília não é tão certo. Assim encontramos,contrariamente a uma opinião muito difundida, segurança no mundo interior, enquanto emnossas excursões pelo mundo exterior a dúvida nunca nos abandona de todo. Não obstante,a probabilidade é aqui em muitos casos dificilmente diferenciável da certeza, tanto quepodemos ousar julgar sobre as coisas do mundo exterior. E precisamos ousar, mesmo sob operigo do erro, se não quisermos sucumbir a perigos muito maiores. Como resultado das últimas considerações constato o seguinte: nem tudo o que pode serobjeto de meu conhecimento é representação. Eu próprio não sou, como portador derepresentações, uma representação. Nada me impede agora de reconhecer outros homenscomo portadores de representações, à semelhança de mim mesmo. E se a possibilidade umavez é dada, a probabilidade é muito grande, tão grande que ela não se distingue mais daminha concepção de certeza. Haveria de outro modo uma ciência da história? Não seria, sefosse de outro modo, cada doutrina da obrigação e cada direito ilusório? O que restaria dareligião? Também as ciências da natureza só poderiam ser valorizadas como ficções, àsemelhança da astrologia e da alquimia. Portanto, as reflexões que coloquei em pauta, sob opressuposto da existência de outros homens além de mim mesmo, que podem junto a mimtomar a mesma coisa como objeto de suas considerações, de seu pensamento, permanecemessencialmente não debilitadas em sua força. Nem tudo é representação. Posso assim reconhecer também o pensamento que outroshomens, tanto quanto eu, podem apreender, como independente de mim. Eu possoreconhecer uma ciência, a qual muitos se aplicam em pesquisar. Nós não somos portadoresdos pensamentos como somos portadores de nossas representações. Nós não temos umpensamento tal como temos uma impressão sensível; nós também não vemos umpensamento, tal como vemos uma estrela. Por isso é aconselhável escolher aqui umaexpressão especial. A palavra 'apreender' serve para tal propósito. À apreensão(6) dopensamento deve corresponder uma faculdade mental especial, o poder de pensar. Pelopensar não produzimos pensamentos, mas os apreendemos. Pois o que chamei depensamentos está na mais estreita conexão com a verdade. O que reconheço comoverdadeiro eu julgo como sendo verdadeiro na completa independência do meureconhecimento de sua verdade, independentemente mesmo de eu pensar nisso. À verdadede um pensamento não pertence o nele pensar. "Fatos! Fatos! Fatos!", exclama opesquisador da natureza, quando ele quer proclamar a necessidade de uma fundamentação

segura da ciência. O que é um fato? Um fato é um pensamento que é verdadeiro. O cientistada natureza certamente não irá reconhecer como o fundamento seguro da ciência algodependente dos mutáveis estados de consciência humanos. O trabalho da ciência nãoconsiste em um criar, mas em um descobrir de pensamentos verdadeiros. O astrônomo podeaplicar uma verdade matemática na investigação de acontecimentos há muito passados, queocorreram quando ainda não havia ninguém na terra que reconhecesse a sua verdade. Elepode fazer isso porque a verdade de um pensamento é atemporal. Portanto, tal verdade nãopode ter surgido primeiro com a sua descoberta. Nem tudo é representação. Senão a psicologia conteria todas as ciências em si ou seria, aomenos, o mais alto juiz sobre todas as ciências, dominando também a lógica e a matemática.Mas nada deixaria a matemática mais incompreendida que a sua subordinação à psicologia.Nem a lógica nem a matemática tem como tarefa investigar a mente e os conteúdos deconsciência, cujo portador é o homem individual. Talvez se pudesse antes assinalar como suatarefa a investigação da mente: da mente, não das mentes. A apreensão do pensamento pressupõe alguém que o apreenda, um ser pensante. Ele éentão o portador do pensar, mas não do pensamento. Ainda que o pensamento não pertençaao conteúdo de consciência do ser pensante, deve haver algo em sua consciência que tenhaem vista o pensamento. Mas isso não pode ser confundido com o pensamento como tal.Também Algol, como tal, é algo diverso da representação que alguém tem de Algol. O pensamento não pertence nem ao meu mundo interior, como representação, nem aomundo exterior, o mundo das coisas perceptíveis aos sentidos. Este resultado, por mais forçosamente que ele possa advir do que foi exposto, não serátalvez aceito sem resistência. A alguns parecerá, eu penso, impossível obter conhecimento dealgo que não pertença ao seu mundo interior, a não ser pela percepção sensível. De fato, apercepção sensível é freqüentemente vista como sendo a mais segura, até mesmo como aúnica fonte de conhecimento para tudo o que não pertence ao mundo interior. Mas com quedireito? À percepção sensível pertence, é certo, como constituinte necessário, a impressãosensível, e essa é parte do mundo interior. Em todo caso, dois homens não podem ter amesma impressão sensível, ainda que eles possam ter impressões sensíveis assemelhadas.Elas sozinhas não nos revelam o mundo exterior. Talvez exista um ser que tenha apenasimpressões sensíveis, sem ver ou tocar coisas. O ter impressões visuais não é ainda nenhumver as coisas. Como se dá que eu veja a árvore precisamente lá onde a vejo? Obviamente,isso depende das impressões sensíveis que tenho, e da espécie particular daquelas queresultam de eu ver com dois olhos. Em cada uma das duas retinas surge, fisicamente falando,uma imagem particular. Um outro vê a árvore no mesmo lugar. Também ele tem duasimagens retinianas, mas elas diferem das minhas. Devemos supor que essas imagensretinianas são determinantes para nossas impressões. Conseqüentemente, as impressõesvisuais que temos não só não são as mesmas, como diferem marcadamente entre si. Emesmo assim movimentamo-nos no mesmo mundo exterior. Ter impressões visuais é de fatonecessário para se verem as coisas, mas não é suficiente. O que ainda precisa seradicionado nada tem de sensível. E isso é exatamente o que nos descerra o mundo exterior;pois, sem esse algo não-sensível, cada qual permaneceria fechado em seu mundo interior.Assim, dado que o fator decisivo permanece no domínio do não-sensível, algo não-sensível,mesmo sem qualquer colaboração de impressões sensíveis, poderia conduzir-nos para fora

do mundo interior e possibilitar-nos a apreensão de pensamentos. Fora de nosso mundointerior, deveríamos distinguir o mundo exterior propriamente dito das coisas perceptíveis aossentidos, e o reino daquilo que não é sensivelmente perceptível. Para o reconhecimento deambos os reinos necessitamos de algo não-sensível; mas na percepção sensível de coisassão requeridas impressões sensíveis, as quais pertencem inteiramente ao mundo interior.Assim, a diferença entre os modos pelos quais um pensamento e uma coisa são dadosbaseia-se principalmente em algo que não pertence a nenhum dos dois reinos, mas aomundo interior. Assim, não posso considerar essa diferença tão grande a ponto de tornarimpossível que sejam dados pensamentos não pertencentes ao mundo interior. Decerto, o pensamento não é algo que estamos acostumados a chamar de real. O mundodo que é real é um mundo no qual isso age naquilo, modificando-o e, por sua vez, sofrendoreações através das quais se modifica. Tudo isso é um acontecer no tempo. Dificilmentereconheceremos como sendo real o que é atemporal e imutável. É então o pensamentomutável, ou é ele atemporal? O pensamento que enunciamos com o teorema de Pitágoras é,não obstante, seguramente atemporal, eterno, imutável. Mas não há também pensamentosque hoje são verdadeiros, e falsos daqui a seis meses? O pensamento, por exemplo, de quea árvore que lá se encontra está coberta de folhas verdes não será falso após seis meses?Não; pois não se trata mais do mesmo pensamento. Por si mesmo, o som das palavras "Essaárvore tem a copa verde" não basta para a expressão do pensamento, pois o tempo da fala aela pertence. Sem a determinação do tempo aqui dada pelo momento da fala, não temosnenhum pensamento completo, i.é., absolutamente nenhum pensamento. Só a frasesuplementada pela determinação do tempo e em todos os aspectos completa, expressa umpensamento. Esse último, contudo, caso verdadeiro, o é não só hoje ou amanhã, masatemporalmente. O praesens em 'é verdade' não indica, pois, a atualidade do falante, mas é,se a expressão é permitida, um tempus da atemporalidade. Quando nós simplesmenteempregamos a forma da frase assertórica, evitando a palavra 'verdadeiro', duas coisasprecisam ser distinguidas: a expressão do pensamento e a sua asserção. A determinação dotempo que pode estar contida na frase pertence somente à expressão do pensamento,enquanto a verdade, cujo reconhecimento é dado pela forma da frase assertórica, éatemporal. É certo que as mesmas palavras podem, devido à variabilidade da linguagem,adquirir com o tempo um outro sentido, expressar um outro pensamento; mas a mudançaconcerne então ao domínio lingüístico. Ora, mas que valor poderia ter para nós o eternamente imutável, que nem sofre efeitos nemos têm sobre nós? Algo inteiramente e sob qualquer aspecto sem efeitos seria tambémtotalmente irreal e inexistente para nós. Mesmo o atemporal, se é algo para nós, precisa dealgum modo envolver-se com a temporalidade. O que seria para mim um pensamento quenunca pudesse ser por mim apreendido? Ao apreender um pensamento, porém, entro emuma relação com ele e ele comigo. É possível que o mesmo pensamento que hoje é por mimpensado não tenha sido pensado por mim ontem. Com isso é a estrita atemporalidade dopensamento de fato suspensa. Mas somos inclinados a distinguir entre propriedadesessenciais e inessenciais e a reconhecer algo como atemporal, quando as mudanças que elesofre envolvem apenas as suas propriedades inessenciais. Uma propriedade de umpensamento será chamada de inessencial se ela consiste ou se segue do fato de ele serapreendido por um ser pensante.

Como age um pensamento? Por ser apreendido e tomado por verdadeiro. Isso é umaocorrência no mundo interior de um ser pensante, que pode ter novas conseqüências nessemundo interior, as quais, estendendo-se à esfera da vontade, acabam se fazendo notar nomundo exterior. Se eu, por exemplo, apreendo o pensamento enunciado pelo teorema dePitágoras, uma conseqüência pode ser a de que eu o reconheça como verdadeiro e que,além disso, eu o aplique ao tomar uma decisão que produz aceleração de massas. Assim sãoas nossas ações habitualmente preparadas pelo pensar e pelo julgar. E assim podempensamentos ter influência indireta sobre o movimento de massas. O efeito do homem sobreo homem é no mais das vezes mediado através de pensamentos. Comunica-se umpensamento. Como isso ocorre? Produzem-se mudanças no mundo exterior comum, as quaissão percebidas por outros, devendo conduzi-los a apreender um pensamento e a tê-lo porverdadeiro. Os grandes acontecimentos da história do mundo poderiam ser realizados deoutro modo que não pela comunicação de pensamentos? Somos porém inclinados aconsiderar os pensamentos irreais, porque eles parecem sem inativos nos acontecimentos,enquanto o pensar, o julgar, o asserir, o entender, são todos ações humanas. Quãodiversamente real parece um martelo, se comparado com um pensamento! Quão diversa é aocorrência da transferência de um martelo daquela pela qual um pensamento é comunicado!O martelo passa de um domínio de força para um outro, ele é tomado, sofre uma pressão ecom isso muda a densidade, a disposição de suas partes. Nada disso se dá com opensamento. O pensamento não abandona, pela comunicação, o domínio de força de quem ocomunica; pois no fundo o ser humano não tem o menor poder sobre ele. Sendo apreendido,o pensamento causa mudanças, primeiro só no mundo interior de quem o apreende; mas elepróprio, no âmago de seu ser, permanece intocado, pois as alterações que ele sofre dizemrespeito apenas a propriedades inessenciais. Falta aqui aquilo que nós reconhecemos emtodos os fenômenos naturais: a ação recíproca. Os pensamentos não são inteiramenteirreais, mas a sua realidade é de uma espécie totalmente diferente da das coisas. E a suaeficiência é liberada através da ação do ser pensante, sem a qual ele ficaria sem efeito - pelomenos tanto quanto podemos ver. E realmente, aquele que os pensa não os cria, precisandotomá-los como eles são. Os pensamentos podem ser verdadeiros sem ser apreendidos porum pensador, e não são então totalmente irreais, ao menos enquanto eles podem serapreendidos e através disso tornados capazes de produzir efeitos.

Notas:_________(*) O texto de Frege foi originalmente publicado sob o título de "Der Gedanke - eine logischeUntersuchung", em Beiträge zur Philosophie des deutschen Idealismus, caderno 2, vol. 1, pp.58-77, 1918-19. "O Pensamento" é a primeira e mais importante de uma série de trêsinvestigações lógicas internamente relacionadas, todas elas publicadas na mesma revista. Aatual tradução, que contou com revisão especializada do professor Marco A. Ruffino, a quemeu gostaria de agradecer. Ela foi primeiramente publicada nos Cadernos de História eFilosofia da Ciência, série 3, vol. 8, n. 1, janeiro-junho de 1998, sendo republicada aqui compermissão do editor.

(**) (N.T.) O termo alemão 'Satz' foi traduzido como 'frase'. A palavra 'Satz' tem sido em geral

traduzida como 'proposição', em parte devido à influência do uso da palavra 'proposition' naliteratura filosófica inglesa (Peter Geach, contudo, preferiu em sua tradução de "Opensamento" a palavra 'sentence'). 'Proposição' é, porém, um termo ambíguo, que tambémpode denotar um conteúdo de pensamento que independe de sua expressão lingüística, oque Frege chama de pensamento. Ora, em português podemos evitar essa ambigüidade,dado que dispomos da palavra 'frase', um equivalente natural e semanticamente maispróximo à palavra 'Satz', que significa em Frege (geralmente) frase com sentido. É verdadeque essa tradução mais técnica e menos literal tornou-se usual; mas é sempre tempo de setentar corrigi-la.

1. Similarmente já foi dito: "Um juízo é algo que é verdadeiro ou falso". De fato, uso a palavra'pensamento' aproximadamente no sentido de 'juízo' nos escritos dos lógicos. Eu espero quese torne compreensível, no que se segue, porque prefiro a palavra 'pensamento'. Talexplicação tem sido censurada, porque nela é dada uma divisão dos juízos em verdadeiros efalsos, a qual, de todas as divisões dos juízos talvez seja a menos significativa. Mas nãoposso reconhecer como uma insuficiência lógica o fato de que com a explicação possa serdada ao mesmo tempo uma divisão. No que diz respeito à relevância da divisão, não se devemenosprezé-la se, como eu disse, a palavra 'verdade' indica à lógica a sua direção.2. Uso a palavra 'frase' aqui não de todo no sentido gramatical, o qual também inclui frasessubordinadas. Isoladamente, uma frase subordinada nem sempre tem um sentido do qual sepode questionar a verdade, enquanto a combinação de frases, à qual ela pertence, tem um talsentido.3. Parece-me que até agora não se distinguiu suficientemente pensamento de juízo. Alinguagem induz talvez a isso. Nós não temos em frases assertóricas nenhuma parteespecífica correspondente à asserção; que se afirme vem já implícito na forma da fraseassertórica. Em alemão temos uma vantagem no fato de que frase principal e a frasesubordinada se distinguem pela ordem de colocação das palavras. Mas é preciso notar queuma frase subordinada também pode conter uma asserção, e que freqüentemente nem afrase principal nem a frase subordinada, tomadas em si mesmas, expressam um pensamentocompleto, mas só a frase complexa.4. Não me encontro aqui na feliz situação de um mineralogista, que mostra um cristal derocha aos seus ouvintes. Não posso colocar um pensamento nas mãos de meus leitores, como pedido de que eles melhor o observem, de todos os lados. Devo satisfazer-me emapresentar ao leitor o pensamento, que em si é não-sensível, na forma lingüística sensível.Mas aqui o caráter figurativo da linguagem produz dificuldades. O sensível pressiona-sesempre de novo, tornando a expressão figurativa imprópria. Assim surge um conflito com alinguagem, e vejo-me compelido a ocupar-me com a linguagem, embora essa não seja aqui aminha tarefa específica. Espero ter conseguido esclarecer aos meus leitores o que querochamar de pensamento.5. Vê-se uma coisa, tem-se uma representação, apreende-se ou pensa-se um pensamento.Quando se apreende ou se pensa um pensamento, não se o cria, mas apenas depara-se comele, que já existia antes, e isso em uma certa relação que é diferente das relações do veruma coisa e do ter uma representação.6. A expressão 'apreender' é tão metafórica quanto 'conteúdo da consciência'. A essência dalinguagem não permite algo diverso. O que tenho na mão pode ser considerado como o

conteúdo da mão, mas é conteúdo da mão em um sentido muito diverso dos ossos emúsculos em que ela consiste e das suas tensões.