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PORTAL LIBERTARIANISMO O uso do conhecimento na sociedade Friedrich A. Hayek

Friedrich Hayek O Uso Do Conhecimento Na Sociedade

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Friedrich Hayek O Uso Do Conhecimento Na Sociedade

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  • PORTAL LIBERTARIANISMO

    O uso do conhecimento na sociedade

    Friedrich A. Hayek

  • I

    Qual o problema que buscamos resolver quando tentamos construir uma ordem

    econmica racional? Partindo de alguns pressupostos amplamente aceitos, a resposta

    bastante simples. Se detivssemos todas as informaes relevantes, se pudssemos

    tomar como ponto de partida um sistema de preferncias estabelecido,

    e se tivssemos completo conhecimento dos meios disponveis, o resto do problema

    seria simplesmente uma questo de lgica. Ou seja, a resposta para a pergunta por

    qual o melhor uso dos meios disponveis est implcita em nossos pressupostos. As

    condies que devem ser satisfeitas para a soluo desse problema ideal foram

    completamente analisadas e podem ser melhor expostas em um modelo matemtico:

    sucintamente, diramos que as taxas marginais de substituio entre qualquer dois

    bens ou fatores devem ser as mesmas independentemente dos seus diferentes usos.

    Este, no entanto, decididamente no o problema econmico que a sociedade

    enfrenta; e o clculo econmico que desenvolvemos para resolver esse problema

    lgico, embora seja um importante passo na direo da soluo do problema

    econmico da sociedade, no oferece ainda uma resposta para ele. O motivo disto

    que os dados totais da sociedade a partir dos quais so feitos os clculos econmicos

    nunca so dados a uma nica mente para que pudesse analisar as suas implicaes

    e nunca sero.

    O carter peculiar do problema de uma ordem econmica racional se caracteriza

    justamente pelo fato de que o conhecimento das circunstncias nas quais precisamos

    agir nunca existe de forma concentrada e integrada, mas apenas como pedaos

    dispersos de conhecimento incompleto e frequentemente contraditrio, distribudo

    por diversos indivduos independentes. O problema econmico da sociedade,

    portanto, no meramente um problema de como alocar dados recursos se por

    dados entendermos algo que esteja disponvel a uma nica mente que possa

    deliberadamente resolver o problema com base nessas informaes. Ao invs disso, o

    problema de como garantir que qualquer membro da sociedade far o melhor uso

    dos recursos conhecidos, para fins cuja importncia relativa apenas estes indivduos

    conhecem. Ou, para diz-lo sucintamente, o problema o da utilizao de um

    conhecimento que no est disponvel a ningum em sua totalidade.

    O carter fundamental desse problema tem sido, infelizmente, obscurecido, e no

    iluminado, por muitos dos recentes refinamentos na teoria econmica, e em particular

    pelos usos variados da matemtica. Embora o problema de que eu queira tratar

    primordialmente nesse artigo seja o problema da organizao de uma economia

    racional, para seguir esse caminho precisarei de repetidamente chamar ateno para

    as ligaes ntimas que esse problema possui com certas questes metodolgicas.

    Muitos dos argumentos que pretendo apresentar so, de fato, concluses alcanadas

    por meio de diferentes caminhos de raciocnio que inesperadamente convergiram.

  • Mas, do modo como eu hoje entendo essas questes, essa convergncia no uma

    coincidncia. Parece-me que muitas das divergncias que surgem tanto no campo da

    teoria econmica quanto no da poltica econmica possuem uma origem comum em

    uma m compreenso da natureza do problema econmico da sociedade. Essa m

    compreenso, por sua vez, se deve a uma aplicao indevida de hbitos mentais

    desenvolvidos para lidar com problemas da natureza aos fenmenos sociais.

  • II

    Na linguagem comum, definimos a palavra planejar como o conjunto das decises

    inter-relacionadas relativas alocao dos nossos recursos disponveis. Toda atividade

    econmica, nesse sentido, planejamento; e, em qualquer sociedade em que vrias

    pessoas colaborem, o planejamento, independentemente de quem o faa, ter de

    basear-se em certos conhecimentos; e esses conhecimentos no estaro disponveis

    em primeira instncia para o planejador, mas antes para algum que dever

    retransmiti-los ao planejador. Os vrios modos pelos quais o conhecimento chega s

    pessoas que o utilizam para elaborar seus planos um problema crucial para qualquer

    teoria que almeje explicar o processo de mercado; e o problema de qual melhor

    meio de utilizar o conhecimento que est inicialmente disperso entre vrias pessoas

    independentes pelo menos um dos principais problemas para a poltica econmica

    ou para qualquer tentativa de conceber um sistema econmico eficiente.

    A resposta para essa pergunta est intimamente relacionada com outra questo que

    emerge aqui: a de quem est planejando. Toda a divergncia sobre planejamento

    econmico parte dessa questo. No est em discusso se se deve planejar ou no,

    mas sim se o planejamento deve ser feito de forma centralizada, por uma autoridade

    nica para todo o sistema econmico, ou se ele deve ser dividido entre vrios

    indivduos. No sentido especfico em que o termo utilizado nas controvrsias

    contemporneas, planejamento significa necessariamente planejamento central

    direcionar todo o sistema econmico de acordo com um projeto unificado. A

    competio, por outro lado, significa uma descentralizao do planejamento, que ser

    realizado por muitas pessoas independentes. O caminho do meio entre essas duas

    posies muito falado, mas pouco apreciado quando visto em prtica a delegao

    do planejamento para certas indstrias organizadas, isto , a instituio de

    monoplios.

    A questo de qual desses sistemas ser mais eficiente depende principalmente da

    questo de qual deles podemos esperar um uso mais completo do conhecimento

    existente. E isto, por sua vez, depende de se ns temos uma probabilidade maior de

    conseguir colocar todo o conhecimento que est disperso entre vrios indivduos

    disposio de uma autoridade central, ou de dar aos indivduos um conhecimento

    adicional suficiente para que eles se tornem capazes de integrar os seus planos aos dos

    outros.

  • III

    Ficar imediatamente evidente que, neste ponto, a resposta ser diferente de acordo

    com os diferentes tipos de conhecimento; e a resposta para a nossa pergunta ir,

    consequentemente, voltar-se para a importncia relativa de diferentes tipos de

    conhecimento; aqueles que mais provavelmente estaro disposio de indivduos

    particulares, e aqueles que teramos mais certeza de encontrar na posse de um rgo

    constitudo por especialistas bem escolhidos. Se hoje em dia to amplamente aceito

    que a segunda opo prefervel, isto ocorre porque um tipo de conhecimento o

    conhecimento cientfico ocupa nos dias de hoje um lugar to proeminente na

    imaginao pblica que chegamos a esquecer que esse no o nico tipo de

    conhecimento relevante. Pode-se admitir que, em relao ao conhecimento cientfico,

    um rgo com um punhado de especialistas bem escolhidos seja a melhor opo para

    melhor dominar o conhecimento disponvel embora isso, obviamente, seja

    meramente trocar um problema por outro: o problema de como escolher esses

    especialistas. O que desejo frisar que, mesmo presumindo que esse problema

    pudesse ser imediatamente resolvido, ele seria apenas parte de um problema maior.

    Hoje quase uma heresia sugerir que o conhecimento cientfico no corresponde

    totalidade do conhecimento. Mas um pouco de reflexo ir mostrar que, sem sombra

    de dvida, existe um corpo importantssimo de conhecimento desorganizado que no

    pode ser chamado de cientfico, entendendo cientfico como o conhecimento de

    certas regras gerais: o conhecimento de certas circunstncias particulares de tempo e

    lugar. em relao a isso que praticamente todo indivduo tem alguma vantagem

    comparativa em relao a todos os outros, pois ele possui informaes nicas sobre

    que tipos de usos benficos podem ser feitos com certos recursos; usos estes que s

    acontecero se a deciso de como utiliz-los for deixada nas mos desse indivduo ou

    for tomada com sua cooperao ativa. Basta apenas lembrarmos o quanto precisamos

    aprender em qualquer profisso depois de termos completado nossa formao

    terica, quo grande a parte da nossa vida profissional em que passamos

    aprendendo habilidades especficas, e quo valioso, em todas as circunstncias da

    vida, o conhecimento das pessoas, das condies locais e de certas circunstncias

    especiais. Conhecer e saber operar uma mquina que no estava sendo

    adequadamente explorada, ou a habilidade de algum que poderia ser mais bem

    aproveitada, ou estar consciente de um excedente de reservas que pode ser usado

    durante uma interrupo temporria do fornecimento, to til socialmente quanto o

    conhecimento das melhores tcnicas alternativas. O transportador que ganha sua vida

    descobrindo como melhor aproveitar seu espao de carga que ficaria vazio, o agente

    imobilirio cujo conhecimento consiste quase exclusivamente em encontrar

    oportunidades temporrias, ou o arbitrageur, que lucra a partir das diferenas locais

    entre os preos de certos bens todos eles realizam trabalhos eminentemente teis

  • que so baseados em um conhecimento especial das circunstncias de um momento

    fugidio, desconhecido por outros.

    curioso que nos dias de hoje esse tipo de conhecimento seja amplamente

    menosprezado, e que as pessoas que fazem uso dele para alcanarem privilgios sobre

    pessoas com melhor preparo terico ou tcnico sejam vistas quase como se

    estivessem fazendo algo desonrado. Mas, embora conquistar privilgios usando um

    conhecimento superior quanto s condies de comunicao e transporte seja visto

    como algo quase desonesto, a verdade que, para a sociedade, quase to

    importante fazer o melhor uso possvel dessas oportunidades quanto das ltimas

    descobertas cientficas.

    Esse preconceito tem uma influncia considervel sobre o fato de as pessoas

    costumarem adotar uma atitude mais desfavorvel em relao ao comrcio do que em

    relao s atividades produtivas. Mesmos os economistas que se creem totalmente

    imunes s rasas falcias materialistas do passado constantemente cometem os

    mesmos erros em relao s atividades relacionadas aquisio de conhecimento

    prtico e o motivo disso parece ser que, segundo o modo como eles veem o mundo,

    esse tipo de conhecimento j deveria estar dado em vez de ser algo que precise ser

    buscado. A ideia mais comum na atualidade parece ser a de que todo conhecimento

    desse tipo deveria estar constantemente disponvel para todo mundo e, como isso no

    ocorre, critica-se a ordem econmica atual por ser supostamente irracional. Essa

    concepo ignora o fato de que o mtodo de tornar esse conhecimento amplamente

    disponvel precisamente o problema que precisamos resolver.

  • IV

    Se hoje em dia est na moda minimizar a importncia do conhecimento das

    circunstncias particulares de tempo e espao, isso se deve em grande medida a pouca

    importncia dada questo da incerteza em si mesma. De fato, parte dos

    pressupostos (que geralmente esto apenas implcitos) adotados pelos planejadores

    diferem dos seus oponentes tanto em relao capacidade de mudanas imprevistas

    causarem alteraes substanciais nos planos de produo quanto em relao

    frequncia com que isso ocorre. Evidentemente, se fosse possvel fazer previamente

    planos econmicos detalhados para perodos significativamente longos, e depois

    segui-los risca, de modo que nenhuma outra deciso econmica importante fosse

    necessria, a tarefa de elaborar um planejamento completo para toda a atividade

    econmica no seria algo to inatingvel.

    Talvez valha a pena frisar que os problemas econmicos surgem sempre e

    exclusivamente em decorrncia de mudanas. Enquanto as coisas continuam

    exatamente como estavam antes ou ao menos quando elas prosseguem de acordo

    com o que se esperava delas ento no surgiro novos problemas que exijam

    solues, no havendo, portanto, necessidade de que se elabore um novo

    planejamento. A crena de que a mudana ou ao menos os pequenos ajustes

    cotidianos se tornou menos importante nos tempos modernos parte do princpio de

    que a conteno dos problemas econmicos tambm se tornou menos importante.

    Por esse motivo, as pessoas que costumam menosprezar a importncia da incerteza

    so as mesmas que argumentam que as questes econmicas j no so to

    importantes quanto o conhecimento tecnolgico.

    Ser verdade que, graas ao sofisticado aparato da indstria moderna, s preciso

    tomar decises econmicas em intervalos longos; como na hora de decidir se uma

    nova fbrica deve ser construda, ou um novo procedimento deve ser introduzido?

    verdade que, uma vez que uma fbrica tenha sido construda, o resto mais ou menos

    mecnico, determinado por suas caractersticas, deixando pouco a ser mudado para

    adaptar-se s eternas flutuaes de cada momento?

    A experincia prtica dos homens de negcios, at onde eu a conheo, no sustenta

    essa crena amplamente aceita. Pelo menos nas reas de negcios que so

    competitivas e apenas essas reas servem de modelo para essa questo a tarefa de

    impedir os custos de subir exige um luta constante, que absorve grande parte da

    energia do administrador. fcil para um administrador ineficiente gastar as pequenas

    sobras de onde saem os lucros; um lugar-comum da experincia empresarial que,

    com as mesmas condies tcnicas, a mesma produo pode ser feita dentro de uma

    variedade enorme de custos mas isso no igualmente conhecido pelos que

    estudam apenas economia. O prprio desejo frequentemente declarado pelos

    produtores e engenheiros de ser autorizado a fazer seus projetos sem consideraes

  • financeiras um testemunho eloquente do poder que esses fatores exercem sobre seu

    trabalho dirio.

    Um dos motivos para a crescente incapacidade dos economistas de atentarem para as

    constantes pequenas mudanas que compem o todo da atividade econmica

    provavelmente que eles esto cada vez mais preocupados com dados estatsticos, que

    passam uma imagem muito mais estvel da economia do que os pequenos

    movimentos dirios. No entanto, a relativa estabilidade dos grandes dados estatsticos

    no pode ser explicada como os estatsticos frequentemente querem fazer crer

    pelas leis dos grandes nmeros ou pela mtua compensao de pequenas mudanas

    aleatrias. O nmero dos elementos com que eles lidam no grande o suficiente para

    que essas foras acidentais produzam estabilidade. O continuo fluxo de bens e servios

    mantido por ajustes deliberados e constantes, por novas decises tomadas

    diariamente luz de circunstncias que eram desconhecidas at o dia anterior, pela

    deciso de B de entrar em cena quando A deixa de executar o seu papel. Mesmo a

    maior e mais mecnica das fbricas segue adiante em grande parte por causa de um

    ambiente que pode lhe prover todas as suas demandas inesperadas: novas telhas para

    seu telhado, papis para seus documentos, e todos os mil e um tipos de equipamentos

    que no podem ser produzidos pela prpria fbrica, mas que, para que ela continue a

    funcionar, precisam estar facilmente disponveis no mercado.

    Nesse instante, devo brevemente observar que o tipo de conhecimento de que tenho

    tratado de um tipo que, por sua prpria natureza, no pode ser transposto para

    dados estatsticos e que, por isso, no pode ser colocado disposio de uma

    autoridade central que delibere a partir de levantamentos estatsticos. As estatsticas

    que essa autoridade teria de utilizar surgiriam exatamente por meio das abstraes

    das pequenas diferenas entre as coisas, juntando como se fossem elementos de um

    s tipo itens com diferentes caractersticas de lugar, qualidade e outras caractersticas

    particulares, que seriam muito importantes para tomar uma deciso especfica.

    Consequentemente, planejamento central baseado em informaes estatsticas, por

    sua prpria natureza, no pode levar em considerao diretamente as circunstncias

    de tempo e lugar, precisando encontrar algum jeito de essas decises serem deixadas

    para algum que esteja no local.

  • V

    Se pudermos convir que o problema econmico da sociedade basicamente uma

    questo de se adaptar rapidamente s mudanas das circunstncias particulares de

    tempo e lugar, parece ser evidente que, por consequncia, as decises fundamentais

    devem ser deixadas a cargo de pessoas que estejam familiarizadas com essas

    circunstncias, que possam conhecer diretamente as mudanas relevantes e os

    recursos imediatamente disponveis para lidar com elas. No podemos esperar que

    essa problema seja resolvido por meio da transmisso de todo esse conhecimento

    para um diretrio central que, depois de ter integrado todo esse saber, emita uma

    ordem. Precisamos da descentralizao porque apenas assim podemos garantir que o

    conhecimento das circunstncias particulares de tempo e lugar sejam prontamente

    utilizados. Mas o homem que est dentro de uma situao particular no pode tomar

    decises com base apenas em seu conhecimento dos fatos relativos aos seus arredores

    imediatos, pois, apesar de este ser um conhecimento ntimo, tambm limitado. No

    entanto, persiste o problema de como transmitir a esse homem informaes

    suficientes para que ele seja capaz de encaixar suas decises no padro geral das

    mudanas do sistema econmico como um todo.

    De quanto conhecimento ele precisa para ser bem sucedido nisso? Quais dos eventos

    que acontecero alm do seu horizonte imediato de conhecimento so relevantes

    para sua deciso imediata, e quo bem ele precisa conhecer esses eventos?

    Praticamente no h nada que ocorra no mundo que no possa influenciar a deciso

    que ele precisa tomar. Mas ele no precisa conhecer esses eventos em si mesmos,

    nem precisa conhecer todos os seus efeitos. Para ele, no importante saber o porqu

    de um certo tipo de parafuso estar sendo mais procurado em uma poca especfica, ou

    porque os sacos de papis esto mais facilmente disponveis que os sacos de lona, ou

    porque trabalhadores especializados ou mquinas especficas momentaneamente se

    tornaram difceis de encontrar. Tudo que ele precisa saber quo mais ou

    menos difcil est a aquisio de certas coisas em relao a outras coisas que tambm

    lhe interessam, ou se a demanda por outras coisas que ele produz ou usa mais ou

    menos urgente. Ele sempre est preocupado com a importncia relativa de coisas

    particulares, enquanto os fatores que alteram essa importncia relativa no lhe

    interessam de forma alguma, exceto na medida dos prprios efeitos causados sobre as

    coisas concretas do seu ambiente.

    em relao a isso que aquilo que chamei de clculo econmico nos ajuda, ao

    menos por analogia, a entender como esse problema pode ser resolvido na verdade,

    como ele j est sendo resolvido pelo sistema de preos. Mesmo se existisse uma

    nica mente controladora que possusse todos os dados sobre um sistema econmico

    pequeno e restrito, ela no iria dar-se ao trabalho de repassar por todas as relaes

    entre fins e meios que talvez possam ser afetadas a cada vez que algum pequeno

  • ajuste na alocao recursos fosse feito. De fato, uma das grandes contribuies da

    lgica pura da escolha ter demonstrado conclusivamente que mesmo uma nica

    mente onisciente s poderia resolver esse tipo de problema por meio da construo e

    da constante utilizao de taxas de equivalncia (ou valores ou taxas marginais de

    substituio), ou seja, por meio da atribuio de um ndice numrico a cada tipo de

    recurso que, sem ser derivado de nenhuma propriedade dessa coisa em particular,

    ainda refletisse ou condensasse sua relevncia na estrutura total dos meios e fins. Para

    cada pequena mudana, ela teria que considerar apenas esses ndices quantitativos

    (ou valores), no qual a informao relevante estaria concentrada; e, ao ajustar as

    quantidades uma a uma, ela poderia reorganizar todos os elementos sem precisar

    retomar todo o quebra-cabea desde o incio nem precisar parar a cada etapa para

    analisar novamente todos os elementos e suas ramificaes.

    Basicamente, em um sistema no qual o conhecimento dos fatos relevantes est

    disperso entre vrias pessoas, os preos podem servir para coordenar as diferentes

    aes de vrias pessoas do mesmo modo como os valores subjetivos ajudariam aquela

    mente onisciente a coordenar as diferentes partes do seu plano. Vale a pena

    contemplar por um instante um exemplo muito simples e comum do sistema de

    preos em ao para ver exatamente o que ele pode fazer. Suponha por um instante

    que, em algum lugar do mundo, uma nova oportunidade de usar alguma matria

    prima surgiu tomemos o estanho como exemplo ou ento que alguma das fontes

    de estanho tenha sido eliminada. Para o nosso exemplo no importa e muito

    significativo que isso no importe qual dessas duas causas tenham aumentado a

    escassez de estanho. Tudo que os usurios de estanho precisam saber que parte do

    estanho que eles costumavam consumir agora est sendo usado com mais proveito

    em outro lugar e, em decorrncia disto, eles precisam ser mais econmicos em seu

    uso.

    No preciso nem que boa parte deles saiba de onde essa demanda mais

    urgentemente surgiu, nem mesmo em prol de qu eles iro poupar esses recursos.

    Basta que alguns deles saibam diretamente da existncia da nova demanda e

    transfiram recursos para ela, que algumas outras pessoas percebam o vazio que foi

    ento criado e ajam para preench-lo com recursos de outras fontes, e ento o efeito

    ir rapidamente se espalhar por todo o sistema econmico, influenciando no apenas

    todos os usos do estanho, mas tambm os usos dos seus substitutos, e dos substitutos

    desses substitutos, assim como a oferta de todas as coisas feitas de estanho, e a dos

    seus substitutos dessas coisas, e assim por diante; e tudo isso ocorre sem que a grande

    maioria daqueles que realizam essas substituies saiba nada sobre a causa original

    dessas mudanas. O todo age como se fosse um nico mercado, mas isso no ocorre

    porque cada um dos seus membros pde analis-lo como um todo, mas sim porque os

    campos limitados da viso de cada um tinham alcance suficiente para que, atravs de

    inmeros intermedirios, a informao relevante fosse comunicada para todos. O

  • mero fato de que h um preo para cada bem ou, melhor dizendo, que cada preo

    local est ligado de certa forma com o custo de transport-lo para esse local, e assim

    por diante traz a mesma soluo que uma nica mente dotada de todas as

    informaes (embora ela seja apenas uma possibilidade imaginria) teria alcanado,

    ainda que essas informaes na verdade estejam dispersas entre todas as pessoas

    envolvidas no processo.

  • VI

    Precisamos entender o sistema de preos como um mecanismo de transmisso de

    informaes para podermos entender sua verdadeira funo uma funo que ele

    cumpre evidentemente com menos perfeio na medida em que os preos se tornam

    mais rgidos. (Mas mesmo quando preos tabelados se tornam extremamente rgidos,

    as foras que normalmente atuariam causando mudanas no preo permanecem

    agindo, exercendo uma influncia considervel sobre as mudanas em outros aspectos

    dos contratos). O principal aspecto desse sistema a economia de conhecimento com

    que ele opera; ou, em outros termos, quo pouco os participantes individuais

    precisam saber para ser capazes de tomar as decises corretas. De forma abreviada,

    por meio de um certo tipo de smbolo, apenas a informao mais essencial

    transmitida adiante, e apenas para aqueles que esto interessados nela. No seria

    apenas uma metfora se dissssemos que o sistema de preos tipo um caixa

    registrador, ou um sistema de telecomunicaes que permite aos produtores

    individuais observar apenas o movimento de alguns fatores do mesmo modo como

    um engenheiro pode se concentrar apenas nos consoles de alguns mostradores para

    adaptar as suas atividades s mudanas que eles conhecem apenas a partir do que

    mostrado pelo movimento dos preos.

    Evidentemente, esses ajustes provavelmente nunca so perfeitos no sentido de

    perfeio que os economistas utilizam em suas anlises sobre o equilbrio econmico.

    No entanto, temo que nosso hbito terico de abordar cada problema com a

    presuno de um conhecimento mais ou menos perfeito da parte de quase todos os

    envolvidos quase nos tenha cegado para a verdadeira funo do mecanismo de preo,

    levando-nos a aplicar de forma enganosa padres inadequados para julgar sua

    eficincia. maravilhoso que em uma situao na qual haja escassez de um tipo de

    matria prima, sem que nenhuma ordem seja dada, sem que talvez no mais que um

    punhado de pessoas saibam a causa dessa escassez, dezenas de milhares de pessoas

    cujas identidades jamais sero conhecidas, mesmo depois de meses de investigao,

    comeam ento a utilizar essa matria ou seus subprodutos de maneira mais

    econmica; ou seja, todas elas agem na direo correta. Isto, em si mesmo,

    suficientemente maravilhoso; mesmo que, em um mundo de incertezas constantes,

    nem tudo consiga se organizar to perfeitamente para que suas porcentagens de

    lucros se mantenham constantemente no mesmo nvel considerado normal.

    Usei deliberadamente a palavra maravilha para chocar o leitor e retir-lo da

    complacncia com que costumamos dar como certo o funcionamento desse

    mecanismo. Estou convencido de que se isso fosse o resultado de um projeto humano

    consciente, e que as pessoas guiadas pelas mudanas dos preos soubessem que suas

    decises possuem uma importncia muito maior do que a realizao dos seus fins

    imediatos, ento esse mecanismo seria louvado como um dos maiores triunfos da

  • mente humana. O seu azar duplo: nem ele o fruto de um projeto humano, nem as

    pessoas guiadas por ele costumam entender porque elas fazem as coisas que so

    levadas a fazer. Mas aqueles que clamam por uma direo consciente e que no

    podem acreditar que algo que tenha sido criado sem um planejamento (e, de fato, sem

    que nem mesmo algum o compreendesse como um todo) possa resolver problemas

    que ns mesmos no podemos resolver conscientemente devem lembrar-se do

    seguinte: o problema precisamente de como expandir a extenso da utilizao dos

    recursos alm da extenso do entendimento de um nico indivduo; e, portanto, trata-

    se de um problema de como administrar a necessidade de controle consciente, e de

    como dar incentivos para os indivduos tomarem as decises desejveis sem que

    algum lhes diga o que fazer.

    O problema de que estamos tratando aqui de forma alguma diz respeito

    exclusivamente economia, pois ele surge junto com quase todos os outros

    verdadeiros fenmenos sociais, com a linguagem e boa parte da nossa herana

    cultural, constituindo de fato o problema central de toda cincia social. Como Alfred

    Whitehead disse, em relao a outra coisa, Um trusmo profundamente falso,

    repetido por todos os manuais e nos discursos das pessoas eminentes, diz que

    devemos cultivar o hbito de pensar sobre o que estamos fazendo. O oposto que

    verdadeiro. A civilizao progride quando aumentamos o nmero de trabalhos

    importantes que podemos realizar sem pensar neles. Isso possui uma profunda

    importncia no campo social. Usamos constantemente frmulas, smbolos e regras

    cujo significado no entendemos, mas por meio dos quais podemos ter acesso a

    conhecimentos que, individualmente, no possumos. Criamos essas prticas e

    instituies tomando como base os hbitos e instituies que se mostraram bem

    sucedidos em suas prprias esferas e que se tornaram a fundao em cima da qual

    construmos a civilizao.

    O sistema de preos apenas uma dessas criaes que o homem aprendeu a usar

    (embora ele ainda esteja longe de ter aprendido a us-lo perfeitamente), depois que

    se deparou com ele, mesmo antes de entend-lo. Por meio dele no apenas a diviso

    de trabalho, mas tambm o uso coordenado de recursos baseado em conhecimentos

    amplamente divulgados se tornam possveis. As pessoas que gostam de ridicularizar

    qualquer sugesto de que assim que as coisas funcionam distorcem nosso

    argumento ao insinuar que estamos dizendo que por algum milagre que um sistema

    como esse se desenvolveu espontaneamente, tornando-se o mais adequado para a

    civilizao moderna. Trata-se exatamente do contrrio: o homem pode criar essa

    diviso do trabalho sobre a qual a nossa civilizao se sustenta justamente porque ele

    se deparou com um mtodo que a tornou possvel. Caso isso no tivesse ocorrido, ele

    talvez tivesse desenvolvido um tipo inteiramente diferente de civilizao, talvez o

    Estado dos cupins, ou outra coisa totalmente inimaginvel. Tudo que podemos dizer

    que at agora ningum conseguiu produzir um sistema alternativo no qual certas

  • caractersticas do sistema existente que so respeitadas mesmo por aqueles que o

    atacam violentamente possam ser preservadas, especialmente em relao

    capacidade do indivduo de escolher seus objetivos e, consequentemente, de dispor

    livremente de suas habilidades e conhecimento.

  • VII

    Por vrios motivos, timo que a necessidade do sistema de preos para qualquer

    clculo racional em uma sociedade complexa j no seja mais objeto de discusso

    apenas entre grupos com opinies polticas distintas. A tese segundo a qual sem o

    sistema de preos ns no poderamos preservar uma sociedade baseada numa

    diviso de trabalho to extensiva quanto a nossa foi recebida com gritos de chacota

    quando Mises a apresentou h vinte e cinco anos. Hoje os argumentos que alguns

    ainda apresentam para rejeitar essa tese no so mais exclusivamente polticos, e isso

    cria um atmosfera muito mais receptvel a discusses ponderadas. Quando vemos

    Leon Trostky argumentando que o clculo econmico inimaginvel sem as relaes

    de mercado; quando o professor Oscar Lange promete ao professor von Mises uma

    esttua de mrmore no futuro Diretrio de Planejamento Central, e quando o

    professor Abba P. Lerner redescobre Adam Smith, enfatizando que a utilidade

    essencial do sistema de preos consiste em induzir o indivduo a fazer aquilo que do

    interesse geral no instante em que busca realizar seus prprios interesses, ento, as

    divergncias j no podem ser atribudas a preconceitos polticos. Os dissidentes

    restantes parecem claramente divergir dessa posio por motivos puramente

    intelectuais e, mais particularmente, por causa de diferenas metodolgicas.

    Uma declarao recente do professor Joseph Schumpeter em seu Capitalismo,

    socialismo e democracia fornece um exemplo perfeito dessas diferenas

    metodolgicas que tenho em mente. O autor um dos economistas mais

    proeminentes entre aqueles que analisam o fenmeno econmico a partir de algum

    ramo do positivismo. Para ele, esses fenmenos surgem por consequncia do mtuo

    efeito exercido por certas quantidades objetivas de bens, quase como se no houvesse

    interveno alguma de mentes humanas. Apenas por causa desses pressupostos,

    posso compreender a declarao seguinte e, para mim, espantosa. O professor

    Schumpeter argumenta que a possibilidade do clculo racional na ausncia de um

    mercado para os fatores de produo uma decorrncia da proposio terica

    segundo a qual os consumidores que esto avaliando (demandando) os bens de

    consumo ipso facto tambm esto avaliando os meios de produo que entram na

    produo daqueles bens1.

    1 Schumpeter, Capitalismo, Socialismo e Democracia [Capitalism, Socialism, and Democracy (New York;

    Harper, 1942), p. 175]. O professor Schumpeter , me parece, o responsvel pela criao do mito

    segundo o qual Pareto e Barone teriam resolvido o problema do clculo econmico no socialismo. O

    que eles e muitos outros fizeram foi apenas elencar as condies que deveriam ser satisfeita para uma

    alocao racional de recursos, e observar que essas condies eram essencialmente as mesmas do

    estado de equilbrio de um mercado competitivo. Isso inteiramente diferente de saber como a

    alocao de recursos segundo essas condies pode ser observada na prtica. O prprio Pareto (de

    quem Barone praticamente tomou quase tudo que tinha a dizer), longe de declarar ter resolvido esse

    problema prtico, de fato, negou explicitamente que ele poderia ser resolvido sem o auxlio do

  • Tomada literalmente, essa declarao simplesmente falsa. Os consumidores no

    fazem nada disso. O que o ipso facto do professor Schumpeter provavelmente

    significa que a avaliao dos fatores de produo est implcita, ou que se segue

    necessariamente, da avaliao dos bens de consumo. Mas isso tambm no

    verdadeiro. A implicao uma relao lgica que s pode ser afirmada com

    segurana a partir de pressupostos que estejam para o mesmo indivduo. evidente,

    no entanto, que os valores dos fatores de produo no dependem exclusivamente da

    avaliao dos bens de consumo, mas tambm das condies de fornecimento dos

    vrios fatores de produo. Apenas um nico indivduo que conhecesse todos esses

    fatores simultaneamente poderia encontrar uma respostas derivada diretamente

    desses dados. O problema prtico surge, no entanto, precisamente porque esses

    dados nunca esto inteiramente disponveis para um nico indivduo, e porque, por

    consequncia, necessrio para resolver esse problema a utilizao de conhecimentos

    que esto dispersos por vrios indivduos.

    O problema, portanto, no estaria de forma alguma resolvido se demonstrssemos

    que todos os dados, se estivessem disponveis para uma nica mente (como

    hipoteticamente estariam para o economista que observasse o problema), iriam por si

    mesmos determinar a soluo; ao invs disso, precisaramos demonstrar como uma

    soluo poderia ser produzida pela interao entre as pessoas que, individualmente,

    possuem apenas um conhecimento parcial. Presumir que todo o conhecimento possa

    ser colocado disposio de uma nica mente, do modo como presumimos que ele

    pode estar disponvel para ns, como economistas dedicados a analisar uma questo,

    equivale a fugir do problema e menosprezar tudo que importante e relevante no

    mundo real.

    Que um economista da estatura do professor Schumpeter tenha cado em tal

    armadilha por causa da ambiguidade que o termo dado tem para os incautos

    dificilmente poderia ser considerado um simples erro. Isto sugere, de fato, que h algo

    de fundamentalmente errado com uma abordagem que frequentemente despreza

    uma parte essencial dos fenmenos com os quais temos que lidar: a inevitvel

    imperfeio do conhecimento humano e a necessidade decorrente de um processo

    por meio do qual o conhecimento seja constantemente adquirido e transmitido.

    Qualquer abordagem como grande parte da economia matemtica com suas vrias

    equaes simultneas que parta do pressuposto de que o conhecimento das pessoas

    corresponde aos fatos objetivo de cada situao, ir sistematicamente deixar de lado

    aquilo que a nossa principal tarefa explicar. Estou longe de negar que, em nossa mercado. Vejam o seu Manuel dconomie pure (2d ed., 1927), pp. 23334, *Manual de economia

    pura+. As passagens relevantes esto citadas em uma traduo inglese no incio do meu artigo Socialist

    Calculation: The Competitive Solution *O clculo socialista: a soluo competitiva+ in Economica,

    New Series, Vol. VIII, No. 26 (May, 1940), p. 125.].

  • sistema, a anlise do equilbrio econmico tem uma atividade til a desempenhar, mas

    quando chega o ponto em que ela ofusca nossos principais intelectuais, fazendo-os

    acreditar que a situao que esto descrevendo tem uma relevncia direta para a

    soluo de problemas prticos, est mais que na hora de nos lembrarmos que esse

    tipo de anlise no lida com o processo social de forma alguma, e de que isso no

    mais do que uma etapa preliminar para a investigao do problema principal.