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2018 FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA, FILOSOFIA E SOCIOLOGIA Prof. ª Fabiane Brião Vaz

Fundamentos da CiênCia PolítiCa, FilosoFia e soCiologia

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2018

Fundamentos da CiênCia PolítiCa, FilosoFia e soCiologia

Prof.ª Fabiane Brião Vaz

Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:

Prof.ª Fabiane Brião Vaz

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:

V393f

Vaz, Fabiane Brião

Fundamentos da ciência política, filosofia e sociologia. / Fabiane Brião

Vaz – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

148 p.; il.

ISBN 978-85-515-0217-4

1. Ciência política. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 320.1

III

aPresentação

Este livro de estudos foi elaborado com o intuito de apresentar os fundamentos da Ciência Política, sociologia e filosofia ao acadêmico. Serão desenvolvidas ideias centrais de cada uma dessas ciências, colocando o aluno em contato com tais matérias de tamanha importância para o bom desenvolvimento social.

Na primeira unidade, demonstraremos os fundamentos históricos da Ciência Política, dando início ao desenvolvimento do pensamento acerca desta importante disciplina. Discutiremos questões que abordam desde uma introdução básica e estruturação da ideia de pensamento político até uma breve explanação sobre o sistema de partidos políticos que vigora no sistema eleitoral brasileiro nos dias atuais. Também identificaremos conceitos como “governo”, “Teoria Geral do Estado” “Constituição” e “democracia”.

Na segunda unidade, destacaremos a importância do estudo da sociologia, os objetos e objetivos desta. Conheceremos os principais elementos da Ciência da Sociologia, as ideias principais em destaque ao longo da história, o contexto histórico dos pensamentos sociológicos e a ideia central de cidadania e movimento sociais. A explicação acontecerá com a elaboração de tópicos para que se obtenha conhecimento. Ainda, analisaremos as ideias centrais dos principais pensadores, além do reconhecimento sobre os conceitos de ação e relação social, cidadania, direitos humanos e movimentos sociais.

Na terceira e última unidade, destacaremos o estudo do pensamento filosófico através da identificação dos objetos e objetivos da filosofia, a introdução do aluno no processo de filosofar, a constatação das ideias principais da filosofia que obtiveram destaque ao longo da história e a percepção do contexto histórico dos pensamentos filosóficos, sobretudo na contemporaneidade. Assim, elaboramos tópicos direcionados à compreensão das características do pensamento filosófico e do processo de filosofar, compreendendo o papel da filosofia no mundo moderno.

IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

V

VI

VII

UNIDADE 1 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA ............................. 1

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA ............. 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 CONCEITO DE CIÊNCIA POLÍTICA .............................................................................................. 43 CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA ................................................................... 54 PRINCIPAIS TEORIAS POLÍTICAS ................................................................................................ 6LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 12RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 15AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 16

TÓPICO 2 – CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO .......................................... 171 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 172 SOCIEDADE E ESTADO .................................................................................................................... 183 O ESTADO DE DIREITO .................................................................................................................... 21LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 25RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 28AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 29

TÓPICO 3 – GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA .................................................... 311 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 312 CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA ................................................................................................ 313 O PODER CONSTITUINTE ............................................................................................................... 334 FORMAS E SISTEMAS DE GOVERNO .......................................................................................... 35LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 37RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 40AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 41

TÓPICO 4 – PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL.......................................................................... 431 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 432 SISTEMA ELEITORAL ........................................................................................................................ 433 PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS .............................................................. 45LEITURA COMPLEMENTAR 1 ............................................................................................................ 47LEITURA COMPLEMENTAR 2 ............................................................................................................ 48RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 50AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 51

UNIDADE 2 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA ........................................ 53

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA ........................ 551 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 552 CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA............................................................................... 55LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 58RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 61AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 62

sumário

VIII

TÓPICO 2 – ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA. ..................................631 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................632 O SENSO COMUM ............................................................................................................................633 A HISTORICIDADE ..........................................................................................................................654 COMUNIDADE ..................................................................................................................................65LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................69RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................72AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................74

TÓPICO 3 – PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA....................................................751 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................752 AUGUSTO COMTE ...........................................................................................................................753 ÉMILE DURKHEIM ...........................................................................................................................764 MAX WEBER .......................................................................................................................................785 KARL MARX .......................................................................................................................................79LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................81RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................85AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................86

TÓPICO 4 – CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL.........................................................871 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................872 DOMINAÇÃO E PODER ..................................................................................................................873 SOCIEDADE E INDIVÍDUO ...........................................................................................................884 AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL ...........................................................................................................88LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................91RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................93AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................94

TÓPICO 5 – CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS ................951 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................952 CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS .......................................................................................953 MOVIMENTOS SOCIAIS ................................................................................................................99LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................101RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................104AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................105

UNIDADE 3 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA ...........................................107

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA ...........................1091 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1092 COMPREENSÃO DA FILOSOFIA .................................................................................................1093 CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................................................................111LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................114RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................116AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................117

TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO ....................................1191 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1192 PENSADORES ....................................................................................................................................119LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................124RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................126AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................127

IX

TÓPICO 3 – O PROCESSO DE FILOSOFAR ...................................................................................1291 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1292 O CONCEITO DE FILOSOFAR .......................................................................................................1293 IMMANUEL KANT E O PROCESSO DE FILOSOFAR .............................................................131LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................134RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................137AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................138

TÓPICO 4 – A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO .................................................................1391 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1392 A FILOSOFIA MODERNA ...............................................................................................................1393 O PAPEL DA FILOSOFIA NA CONTEMPORANEIDADE .......................................................141LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................142RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................145AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................146

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................147

X

1

A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• destacar a importância do estudo do tema Ciência Política;

• identificar as diferenciações sobre os conceitos de Ciência, Política e Ciência Política;

• demonstrar ao aluno o pensamento da Ciência Política e Teoria Geral do Estado;

• constatar as ideias principais das teorias políticas em destaque ao longo da história;

• perceber o contexto histórico dos pensamentos políticos, sobretudo na contemporaneidade;

• caracterizar o sistema de partidos políticos adotado no Brasil.

UNIDADE 1

CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade está organizada em quatro tópicos. Em cada um deles, você encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que darão uma maior compreensão dos temas a serem abordados.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

TÓPICO 2 – CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO

TÓPICO 3 – GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

TÓPICO 4 – PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

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TÓPICO 1UNIDADE 1

INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA

POLÍTICA

1 INTRODUÇÃO

Falar sobre política nunca foi tarefa simples. São inúmeras as teorias políticas criadas ao longo da história que, na maioria das vezes, se divergem em seus conteúdos. Contudo, ainda assim, todas essas teorias foram e ainda são de grande importância para o caminhar da sociedade.

Temos, ao longo da história, diferentes pensadores que trouxeram reflexões de organização e gestão de sociedade. Ao serem colocadas em prática, garantiram que os seres humanos se desenvolvessem em determinado espaço geográfico, relacionando-se pacificamente uns com os outros, para o desenvolvimento tanto pessoal quanto grupal.

Falar e pensar sobre política são pontos essenciais. Seu estudo pode despontar um novo mundo, traçar novos horizontes. A sociedade está em constante evolução e conta com o crescimento pessoal dos homens e do pensamento político, buscando a melhor vivência interpessoal entre seus membros.

Infelizmente, em nosso contexto social, o termo política tem sido visto como algo sombrio, um condutor de negatividade. Deve-se ao atual panorama de corrupção em que o Brasil se encontra. Assim, é importante não só falar, mas entender a Ciência Política.

Quanto mais cidadãos entenderem do que se trata e a importância desta, mais livre e pacífica será nossa sociedade. A política é boa desde que exercitada com responsabilidade social.

Assim, no primeiro tópico da Unidade 1, desvendaremos os conceitos de filósofos e cientistas políticos que mais obtiveram destaque ao longo da história. A descoberta pode ter ocorrido por terem alcançado êxito na aplicação prática de suas teorias ao longo do globo ou também por terem criado conceitos importantes.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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DICAS

Para aprimorar conhecimentos, o Portal do Governo está disponibilizando vários livros sobre a Ciência Política gratuitamente. São livros de Karl Marx, Friedrich Engels, Jean-Jacques Rousseau, dentre outros filósofos mestres na arte da Filosofia Política. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2018. Basta colocar “Ciência Política” no campo “categoria” e o site lança uma lista com 107 livros importantes sobre o tema.

2 CONCEITO DE CIÊNCIA POLÍTICA

O conceito de ciência pode ser definido como um conjunto de conhecimentos obtidos ou produzidos, que foram acumulados ao longo da história. Temos como exemplo as Ciências Sociais, campo que trabalha com resultados de observação.

Devemos observar as relações humanas e retirar padrões que servirão de dados para aplicação futura de ideias de ordenamento social. Então, entendemos que a Ciência Política é uma disciplina das Ciências Sociais.

Esses conjuntos de conhecimentos, quando elevados ao nível de ciência, transformam-se em ideias dotadas de universalidade e objetividade. Assim, permitem a difusão com metodologias, teorias e palavreados próprios, a fim de que sejam compreendidos pelo maior número possível da população.

Já o termo “Política” vem do grego politikos, que significa a arte ou a ciência de governar. Assim, tudo que é pertinente à coletividade, à gestão de sociedade, à prática governamental ou aos modelos de Estado está relacionado à política. O conceito política, então, pode ser definido como a arte de organizar, de gerir os povos. É o conhecimento que está atento aos acontecimentos que dizem respeito ao Estado.

É a política que desenvolve objetivos de desenvolvimento para que determinados programas e ações governamentais sejam executados. Ela traça as metas e condiciona as maneiras de efetivação da governança.

Em poucas palavras, podemos dizer que a política é um princípio doutrinário que dá forma à estrutura constitucional de um Estado. É a ciência de bem governar um povo, constituindo um Estado.

Para começarmos a falar sobre Ciência Política, é importante lembrar que ela estará sempre profundamente ligada à história, ao direito, à filosofia e à sociologia. Ciência Política é o estudo da política, das estruturas e dos processos de governo.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

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A Ciência Política lato sensu objetiva estudar os acontecimentos das instituições e das ideias políticas, tanto em sentido teórico através das doutrinas, quanto em sentido prático na arte de bem governar. Sempre devemos levar em consideração os acontecimentos sociais do passado, o quadro social do presente e, ainda, as possibilidades das relações futuras.

De acordo com o que vimos até agora, podemos concluir que a Ciência Política tem como objeto a sociedade política organizada, bem como, de maneira indireta, o Estado. Ainda, contempla as outras ciências relacionadas ao homem, como a Sociologia, História, Economia, Filosofia, Geografia, Direito e afins.

Ainda, por ora, é importante fixarmos que a Ciência Política tem como objetivo avaliar, posicionar e expor os problemas e as instituições existentes na sociedade contemporânea. Ainda, utiliza as Ciências Jurídicas através do Direito Constitucional.

O princípio doutrinário da política, quando visto de maneira científica, ou seja, como a ciência do estudo da política, dedica-se aos sistemas políticos, às organizações e aos processos políticos.

Dentre os cernes de atenção dos cientistas políticos, podemos ressaltar empresas subsidiárias de serviços públicos, sindicatos, igrejas e tipos de organizações dotados de estruturas e procedimentos.

3 CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

O estudo da política surgiu na Grécia antiga, quando Aristóteles se dedicou a compreender e a definir as diferentes formas de governo. Ele determinou três maneiras de governo e suas respectivas formas degeneradas. São elas:

• Monarquia: representando o governo de um só (monarca).• Aristocracia: representando o governo de vários (famílias).• Democracia: representando o governo de todos (povo).• Tirania: a maneira degenerada/corrupta de exercer a monarquia.• Oligarquia: a maneira degenerada/corrupta de exercer a aristocracia.• Demagogia: a maneira degenerada/corrupta de exercer a democracia.

Desde que Aristóteles surgiu com essa denominação, a política ingressou na pauta dos assuntos sociais importantes para o bom andamento das comunidades, recebendo ampla atenção tanto dos homens, quanto das respectivas populações.

Aristóteles mostrou que a política está presente em todas as relações humanas. Determinar esses seis tipos de relação governante/povo fez com que ele ganhasse especial atenção para as análises políticas tanto de sua época quanto posteriores ao seu tempo.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Contudo, foi só mais tarde que a Ciência Política conseguiu aglomerar filosofia moral, filosofia política, política econômica e história em suas outras matérias. A partir dessa aglomeração, a Ciência Política foi capaz de arranjar exames contemporâneos e futuros sobre o Estado, administração pública e suas funções.

A Ciência Política surgiu no decorrer do século XIX. Este ficou marcado na história como o século de aparecimento não só da Ciência Política, mas das Ciências Humanas no geral, como a Sociologia, Antropologia e História. Foi nessa época que surgiu algo diferente da filosofia política praticada pelos gregos antigos.

A Ciência Política apareceu como disciplina e instituição em meados do século XIX, período em que avançou como “Ciência do Estado” principalmente na Alemanha, Itália e França.

O termo que hoje é aplicado ao ensinamento e ao exercício da política, além de envolver definições e exames dos aparelhos e procedimentos políticos, foi lapidado pelo professor de História na Universidade Johns Hopkins (EUA), Herbert Baxter Adamn, no ano de 1880.

Nota-se que a criação da Ciência Política aconteceu em um determinado momento histórico em que o desenvolvimento científico começava a progredir no continente europeu. Assim, a disciplina acompanhou o surgimento de todas as demais matérias das Ciências Sociais.

Ainda, arquitetou-se nos alicerces do empirismo científico. De maneira geral, seus diagnósticos estão fundamentados nos mesmos métodos empregados pelas outras áreas que se empenham à pesquisa social, estando baseada em documentos históricos, registros oficiais, produção de pesquisa por questionário, análises estatísticas, estudos de caso e na construção de modelos.

4 PRINCIPAIS TEORIAS POLÍTICAS

Mesmo sendo uma disciplina em níveis históricos e recente, a Ciência Política possui raízes profundas na história do conhecimento humano. Os primeiros pensadores que cultivaram o estudo da política remontam à Grécia antiga, como Platão e Aristóteles.

Ainda na Índia, há mais ou menos 2.500 anos, já havia a reflexão sobre a Filosofia Política. Suas apreciações dos contextos políticos da realidade de sua época serviram como alicerce de edificação da disciplina da maneira como a encontramos.

Avançando alguns anos, entre os séculos XIV e XVIII, diferentes pensadores colaboraram para o campo do conhecimento político. Dentre os de maior destaque, estão: Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Karl Marx e Friedrich Engels.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Como visto no plano de ensino desta unidade, estudaremos um pouco sobre os principais pensamentos da Ciência Política. Assim, seguimos nos próximos parágrafos com a exposição das ideias dos cinco autores citados no parágrafo anterior.

Thomas Hobbes (1588–1679) teve suas ideias sobre governo e política publicadas ao longo dos anos em que esteve em atividade. Contudo, esses pensamentos só foram expostos de maneira terminante em sua obra intitulada Leviatã, no ano de 1651.

Hobbes não poupou esforços para embasar sua filosofia política em cima de uma ideia. Procurava uma tese que permitisse explicar o poder absoluto que os soberanos detinham. Junto com Maquiavel (1469–1527), as ideias de Hobbes fazem parte de um grupo que podemos denominar de realismo político.

O pensamento hobbesiano ficou conhecido por, de acordo com sua base realista, possuir tendências extremistas. Hobbes parte do princípio de que todos os seres humanos são maus por natureza.

Assim, podemos compreender que, no chamado estado de natureza, sempre existirão conflitos entre os seres humanos que ali coabitam. Todos os indivíduos são possuidores do chamado direito natural, sendo ele um direito que não necessita da criação de um Estado para existir. Temos como direito natural o direito à vida.

Logo, podemos concluir que toda situação de estado de natureza será carregada de conflitos entre os homens. Seria um cenário de guerra e cada um dos indivíduos se encontraria em constante luta contra todos os outros.

Se eu tenho o direito à vida, então, eu preciso me alimentar para continuar a viver. Como já vimos no estado de natureza, o Estado ainda não foi criado. Logo, não possuo garantias de acesso aos alimentos necessários para a manutenção da minha vida. Assim, terei que ir em busca de alimentos de alguma maneira e fazendo o que achar necessário para defender este que é meu único direito.

Ocorre que no estado de natureza não existem regras, pois não há quem as dite ou as regule. Assim, pouco importa se, ao conseguir um alimento, eu o retire de outro cidadão. É essa atitude que devemos tomar, uma vez que o ser humano, em sua visão, é ruim por natureza.

O homem livre, no estado de natureza, não se preocuparia em racionar ou dividir o alimento encontrado e apenas o comeria, sem se preocupar com seus semelhantes coabitantes daquele determinado espaço geográfico. Em casos mais drásticos, ao encontrar algum outro indivíduo de posse de um alimento que julgue necessário para sua vida, haveria agressão e, em determinadas situações, homicídio.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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IMPORTANTE

No estado de natureza anterior à criação do Estado (governo, organização política), além de não existirem regras, não existe também a figura da propriedade privada. Não há delimitações, não há divisões, gestão, governança etc.

É justamente por essa visão “negativa” sobre a natureza do homem que um governo absolutista e autoritário é o melhor que a sociedade pode conseguir. Deve existir a criação de um Estado absolutista, sendo a força exercida pelo Estado. De maneira centralizada, seria a única forma de controle desse lado “ruim” do ser humano.

Hobbes faz parte, junto com John Locke (1632–1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), do trio de filósofos políticos denominados como contratualistas. Esse nome se deve pelo fato de que esses pensadores enxergaram a criação do Estado como um contrato social entre os indivíduos.

O contrato social corresponde ao momento em que as pessoas transferem os seus direitos naturais ao Estado. Na ideia hobbesiana, o indivíduo passa a não ter mais direito, uma vez que o Estado criado deve ser absolutista.

Hobbes trabalha a ideia de soberania do Estado. Essa soberania deve ser absoluta. Se houver alguma voz concorrente à voz do Estado, estaríamos retornando para o estado de natureza, no qual não existem regras a serem seguidas.

A única maneira de os indivíduos adquirirem algum tipo de segurança é saindo do estado de natureza e transferindo seus direitos para que o Estado os resguarde com garantias de ordem social. Para finalizar o pensamento hobbesiano, vejamos os quatro objetivos da criação do Estado idealizados:

1 garantir a segurança dos homens;2 proporcionar a liberdade social dos indivíduos;3 harmonizar a igualdade entre os cidadãos; 4 adequar a educação pública e a propriedade material ou privada.

Dos quatro objetivos, apenas o primeiro é tido como obrigatório. A

prioridade do Estado deve ser acabar com a sensação de insegurança que o estado de natureza proporciona. Assim, o Estado foi criado para impedir que os indivíduos vivam marcados por sentimentos como incerteza e medo.

Como já visto anteriormente, três pensadores formam o trio dos chamados contratualistas: Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), Thomas Hobbes (1588–1679) e John Locke (1632–1704).

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

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John Locke, além de contratualista, foi considerado também como o pai do liberalismo. Era visto como um pensador ponderado, não acreditava que o homem era de fato um ser ruim por natureza. Os principais fundamentos do Estado Civil, em linha cronológica, são:

1 o livre consentimento entre os indivíduos através do contrato social;2 o livre consentimento da comunidade para formar o governo;3 a proteção dos direitos de propriedade pelo governo;4 o controle do Executivo pelo Legislativo;5 o controle do governo pela sociedade.

Locke tem como principais obras dois grandes tratados sobre política, que se tornaram clássicos na ampliação das ideias políticas da modernidade. No primeiro, intitulado Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, ele elabora sua crítica à tradição de sua época, que assegurava aos reis direitos que eram tidos como divinos.

Se pensarmos que o poder do Estado era idealizado na figura dos reis e advém de um pacto social entre os individuas, fica clara a conclusão de Locke para formalizar sua crítica. Afinal, o poder dos reis seria proveniente do pacto social, e não de uma autorização sobrenatural. Na outra obra de destaque, intitulada Segundo Tratado sobre o Governo Civil, Locke apresenta sua teoria do Estado liberal e da propriedade privada.

No contrato social, os membros da comunidade delegam poderes para um governante e este tem por obrigação garantir os direitos individuais já existentes no estado natural, além de assegurar o direito à propriedade.

No estado de direito natural não existe apenas o direito à vida, mas também o direito à liberdade e à propriedade privada. Os indivíduos criam o Estado apenas para este assegurar os direitos já preexistentes no estado de natureza.

Para encerrar as ideias sobre o contrato social, passemos a estudar Jean-Jacques Rousseau (1712–1778). O autor é conhecido por sua obra chamada Do Contrato Social, do ano de 1762.

O que diferencia Rousseau de seus colegas contratualistas é o fato de ele defender uma visão mais positiva do ser humano. O homem é um ser bom por natureza. Os homens sozinhos, em um estado de natureza, eram seres livres e felizes.

Os indivíduos são “bons selvagens”, são seres que vivem em harmonia com o seu meio natural. O homem natural é o homem justo. O desequilíbrio do homem não é originário, mas derivado e de ordem social, ou seja, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Assim, a soberania após o contrato social pertence ao povo. O povo livremente transfere o exercício de sua soberania para o Estado. Essas ideias democráticas serviram de inspiração para os líderes da Revolução Francesa.

Na ideia hobbesiana, o homem mau por natureza sairia em busca de seu alimento e passando por cima de tudo e de todos para consegui-lo. Nas ideias de Rousseau, o homem livre e feliz, sozinho em seu estado de natureza, apenas conseguiria comidas que não prejudicassem aquele ambiente.

Ocorre que esses bons selvagens enxergariam a necessidade de retirada do alimento de alguns para poderem dar mais aos outros, por exemplo. Para o pensador, a sociedade implanta no homem maus sentimentos, como os de ambição, comparação etc.

IMPORTANTE

Imagine uma linha. No primeiro extremo temos o nome de Hobbes (o homem é mau por natureza), no meio temos Locke (o equilíbrio das ideias, o homem é ponderado) e, por último, Rousseau no outro extremo da linha (o homem é bom por natureza).

Para finalizar o presente tópico, passamos a expor, de maneira conjunta, as ideias de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Em Trier, capital da província alemã de Reno, no dia 5 de maio de 1818, nasce Karl Marx, apenas dois anos antes de Friedrich Engels, que nasceu em Barmen, Alemanha, em 28 de novembro de 1820.

Por insistência da família, Engels abandonou a escola para trabalhar. Assim, notamos a condição de miséria dos trabalhadores fabris nos negócios particulares. A condição despertou interesse para seguir sozinho nos estudos de filosofia, religião, literatura e política.

Em 1842, Engels se mudou para a Inglaterra, lugar onde, na época, já se especulava muito sobre as condições dos trabalhadores. Escreveu sobre em A Situação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra, publicado em 1845.

Dessa forma, adotou uma reprimenda ao sistema capitalista e estabeleceu ligações com Karl Marx, com quem se encontrou em Paris, no ano de 1844, após anos de correspondência. Juntos escreveram obras que se tornaram referências para o, posteriormente denominado, socialismo materialista.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

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O Manifesto Comunista, de autoria de ambos, em 1848, e O Capital, de autoria de Karl Marx, em 1867, verteram suas ideias ao desenvolvimento teórico e prático de vários subtipos de socialismo, comunismo e alguns relacionados ao anarquismo.

Com a morte de Karl Marx em 1883, Friedrich Engels se responsabilizou a escrever a continuação do segundo volume de O Capital e redigir inteiramente o terceiro. Para que seja possível entender Engels, é necessário precisar a doutrina e a atividade de Marx no desenvolvimento do movimento operário.

Juntos anunciaram o socialismo como um estágio final do processo antropológico e sociológico, com poderes estatais em segundo plano e beneficiando paridade entre os indivíduos. Tudo norteado por teorias como a “mais-valia”.

Mais-valia foi o termo desenvolvido por Marx para se referir à exploração da mão de obra dos trabalhadores. O processo de troca da mão de obra por salário era uma maneira de exploração dos assalariados. Os empresários estavam gerando lucro em favor da exploração do corpo e mente de outros cidadãos. É dele a famosa ideia: “se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence”.

O fenômeno da mais-valia, em poucas palavras, seria a expropriação pelos donos das fábricas do valor do trabalho de seus empregados. Para Marx e Engels, esse tipo de injustiça seria o suficiente para inviabilizar o capitalismo, sendo o socialismo a única maneira de respeitar todos os cidadãos.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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REVISITANDO MONTESQUIEU: UMA ANÁLISE CONTEMPORÂNEA DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES

Alan Ricardo Fogliarini Lisboa

A teoria da Separação dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu, prevê a autonomia dos Poderes como um pressuposto de validade para o Estado Democrático. A ideia de que o poder deve ser controlado pelo próprio poder pressupõe que as atitudes dos atores envolvidos no palco de decisões sejam interligadas. Deve haver uma clara divisão nas competências e uma interdependência, que garantam uma gestão compartilhada e homogênea.

Assim, as ações do Executivo, Legislativo e do Judiciário devem ser, em tese, autônomas e complementares. O obstáculo à atuação legítima de qualquer um dos entes deve pressupor um abuso de seu poder institucional.

Entretanto, a atual conjuntura brasileira desenha um quadro diferente. A utilização indiscriminada de Medidas Provisórias pelo Executivo, a instalação de CPI’s pelo Legislativo e a utilização de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADIN) pelo Judiciário, por exemplo, apontam para uma interferência mútua nos círculos de poder dos atores estatais.

Cabe ressaltar que nenhuma das atividades é ilegal ou inédita. Todas têm amparo legal e são instrumentos previstos na atuação do Estado. O que desperta interesse no momento é que a utilização delas vem crescendo nos últimos 10 anos, às vezes como forma de acelerar o processo de gestão, ou como maneira de obstacularização do processo decisório.

O escopo do presente trabalho é questionar não a natureza do processo, mas seu objetivo. Afinal, a utilização demasiada desses métodos é a personificação de uma atitude despótica de conquista do poder pelas facções ideológicas (partidos políticos) ou uma readequação da teoria do Check and Balances como uma resposta dos demais poderes para a concentração de força no Executivo?

Caso a primeira opção se confirme, qual o papel do Judiciário nessa contenda, uma vez que sua natureza deve ser percebida como apolítica e, portanto, não inscrita na relação de disputa apresentada? Cabe a ele ser o mediador do conflito entre as demais facções notadamente políticas, consubstanciando-se tão somente como “la bouche de la loi” ou representa-se como ator ativo no palco do domínio do poder?

O presente trabalho pretende a questão crucial da divisão do poder no interior do Estado. Entretanto, não guarda o intuito de exaurir a discussão, uma vez que a relação encontrada é dinâmica e, portanto, avessa à conformação de qualquer teoria hegemônica.

LEITURA COMPLEMENTAR

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Ao iniciar essa discussão, é preciso traçar as linhas gerais sobre o que seja e de onde venha a ideia de que o poder deve ser exercido de forma separada e complementar. Para alguns autores, inclusive, o poder político é indivisível e deriva do Estado e do Povo.

O que aconteceria na realidade é a especialização das funções entre entes diversos que, conjuntamente, exercem o poder do Estado. Essa ideia, contudo, é rechaçada por aqueles que entendem que o foco do estudo não está nem na ideia funcionalista, nem na estruturalista (órgãos) do governo, e sim na sua capacidade de imperium.

Ao iniciar seu trabalho sobre as leis, Montesquieu divide os três estilos de governo em republicano, monárquico e despótico. A diferença entre eles é básica e inscrita no próprio senso comum: na república, todo povo ou, ao menos, parte dele, exerce diretamente o controle do Estado. A monarquia é representada por apenas uma figura, mas regrada por leis fixas e estabelecidas. Já o déspota ignora a instituição de normas e governa por seu próprio arbítrio.

Nessa análise inicial, o autor coloca força em um poder intermediário, de contenção, ou “repositório de leis”, como um poder mediador entre a vontade do governante e o povo. Tal fenômeno inclusive é o que impede a evolução de um poder centralizado (monarquia) para um sistema despótico. Além disso, sugere a existência de primazias ou princípios aos sistemas republicanos e monárquicos, a virtude e a honra. São esses elementos, portanto, também freios primários do poder constituído.

A proposta de limites ao poder de comandar e coagir o cidadão está assente na teoria de Montesquieu, mas possui raízes mais profundas. Platão e Aristóteles, na Grécia antiga, Tomás de Aquino e Marsílio de Pádua, na era medieval, e mais modernamente Bodin e Locke já se ocuparam do assunto, embora o primeiro e o último foram considerados verdadeiros precursores do aristocrata francês.

Contemporaneamente, a percepção foi trabalhada por Locke, ao desenhar uma separação entre os poderes. Para esse autor, existiriam o Executivo, responsável pela execução das leis, o Legislativo, expressão do povo para a criação de tais enunciados, e ainda outros dois, Confederativo e Discricionário.

Refinando o modelo, Montesquieu afirma claramente a necessidade de divisão dos poderes como forma de constituição do Estado Moderno: ”Há em cada Estado três espécies de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo daqueles que dependem do direito civil”.

O autor ainda compara monarquias moderadas da Europa. Existe uma fração do poder de governo na mão do povo (justiça) e com uma república sem separação, como a Itália da época. Na sua concepção, o último exemplo, apesar de dito democrático, é menos aberto do que as monarquias citadas, e o governo precisa “de meios tão violentos quanto os dos turcos”, com “um horrível despotismo”.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Partindo dessa visão, o poder no Estado Moderno, e particularmente no Brasil, divide-se em Legislativo (expressão máxima do poder popular, cujos representantes efetivamente criam as leis e regras que serão dirigidas a todos); Executivo (órgão responsável pela execução das leis e direção central da nação, também escolhido pelo povo), e Judiciário (repositório da legislação, com função de intérprete e guardião das normas e princípios norteadores do EDD).

Mais moderno e aprofundado, o conceito dado por Canotilho pressupõe não apenas uma divisão horizontal, como a já definida, mas também uma separação vertical dos poderes, como o princípio básico do federalismo e a separação em União, Estados e Municípios.

Com efeito, a ideia de um perfeito equilíbrio entre o Poder Central e os periféricos está assentada na base da ideia de parlamento, como afirma Bobbio:

“O nascimento e desenvolvimento das instituições parlamentares dependem, portanto, de um delicado equilíbrio de forças entre o poder central e os poderes periféricos. O poder central goza de uma significativa preponderância. As instituições parlamentares vingam mal e dificilmente prosperam. Tampouco na situação oposta [...] existem condições para a consolidação dos Parlamentos: falta, na verdade, um estímulo que leve as várias forças do país a se unirem de forma duradoura”.

Baseado no estudo constitucional português, o autor trabalha a estruturação de Montesquieu em três esferas: plano funcional (legislativa, executiva e judiciária); plano institucional: existência de três órgãos constitucionais para cada uma das funções; plano sociocultural: articulação de cada poder com as estruturas sociais.

FONTE: LISBOA, Alan Ricardo Fogliarini. Revisitando Montesquieu: uma análise contemporânea da teoria da separação dos poderes. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, p. 1-3, abr 2008. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2670&revista_caderno=9>. Acesso em: 24 jul. 2018.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• O conceito de política pode ser definido como a arte de organizar, de gerir os povos. É o conhecimento que está atento aos acontecimentos que dizem respeito ao Estado.

• A Ciência Política é uma disciplina das Ciências Sociais, fazendo parte do conjunto de ciências que são obtidas pelo ser humano.

• A Ciência Política tem como objeto a sociedade política organizada, bem como, de maneira indireta, o Estado.

• A Ciência Política tem como objetivo avaliar, posicionar e expor os problemas e as instituições existentes na sociedade contemporânea.

• O estudo da política surgiu na Grécia antiga, quando Aristóteles se dedicou a compreender e a definir as diferentes formas de governo. Há três maneiras de governo e suas respectivas formas degeneradas. São elas, respectivamente: monarquia, aristocracia, democracia, tirania, oligarquia, demagogia.

• O pensamento hobbesiano ficou conhecido por, de acordo com sua base realista, possuir tendências extremistas. Todos os seres humanos são maus por natureza.

• Nas ideias de Locke, os principais fundamentos do Estado Civil, em linha

cronológica, são: o livre consentimento entre os indivíduos para estabelecer a sociedade através do contrato social; o livre consentimento da comunidade para formar o governo; a proteção dos direitos de propriedade pelo governo; o controle do Executivo pelo Legislativo e o controle do governo pela sociedade.

• Rousseau enxerga os indivíduos como “bons selvagens”, como seres que vivem em harmonia com o seu meio natural. O homem natural é o homem justo. O desequilíbrio do homem não é originário, mas derivado e de ordem social, ou seja, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

• O fenômeno da mais-valia é a expropriação pelos donos das fábricas do valor do trabalho de seus empregados.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 Explique o que é a Ciência Política, exibindo quais são seus objetos de estudo, seus objetivos e que meios ela utiliza para alcançá-los.

2 De acordo com o que você estudou, disserte sobre os autores contratualistas, enfatizando os principais pontos de divergência entre eles.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Quando falamos sobre Ciência Política, logo temos em mente a matéria de Teoria Geral do Estado. Essas duas matérias andam juntas e algumas pessoas acreditam, inclusive, que tratam da mesma coisa, que seria mera distinção de nomes. Entretanto, vamos aprender aqui o que as diferencia e a importância do estudo de ambas.

Esses estudos andam juntos pelo simples fato de que se complementam. Como já vimos, a Ciência Política nos traz as reflexões e ideias dos grandes pensadores. É uma matéria do campo da sociologia que, intimamente, está ligada à filosofia.

Já a Teoria Geral do Estado é matéria do campo jurídico, são os estudos que aparecem cronologicamente em tempo posterior ao pensar dos cientistas políticos. É a aplicação dos resultados obtidos na Ciência Política.

No tópico de Teoria Geral do Estado, por exemplo, iremos observar questões de modelos e formas de estados, soberania e sociedade. Esses são elementos que só são passíveis de estudos após concluirmos que o Estado já foi criado e aplicado de determinada maneira.

É possível conceituar Teoria Geral do Estado como a ciência que pesquisa e exibe os princípios basilares da sociedade política (Estado), sua composição, formas, modelos e evolução. Assim, ela conta com o que chamamos de Tríplice Aspecto da Teoria Geral do Estado, sendo eles o sociológico, político e jurídico.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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IMPORTANTE

Ciência Política = considerações, pesquisa, crítica. Teoria Geral do Estado = resultado das considerações, aplicação.

2 SOCIEDADE E ESTADO

Passamos agora ao estudo dos elementos da Teoria Geral do Estado. Primeiramente, falaremos sobre sociedade, que pode ser conceituada como um grupo de indivíduos reunidos e organizados em determinado território geográfico com um objetivo em comum.

Esse objetivo em comum a ser alcançado pela sociedade é o que denominamos como bem comum, sendo ele um bem que ultrapassa o bem pessoal único do indivíduo e contempla todos os cidadãos daquela sociedade.

Notamos que o bem comum não é o “bem de todos” ou o “bem geral”. Os últimos seriam anuladores dos bens individuais. O bem comum é algo equilibrado entre o bem pessoal do indivíduo e o bem geral da sociedade. É quando todos os cidadãos abrem mão de alguma parte de algo pessoal em prol do bem maior de todos.

Para melhor explicar, devemos imaginar um Estado que dispõe das melhores escolas possíveis em espaço físico e pesquisa científica, porém anula os direitos de liberdade de expressão de seus alunos. Assim, temos um exemplo de bem geral. Abdicou-se totalmente de um direito individual para obtê-lo. Logo, o bem não está em comunhão entre a sociedade e o cidadão.

Sobre a origem da sociedade, a teoria mais aceita é a da sociedade natural, que diz que a sociedade é fruto da própria natureza humana. Ainda, além dela, existe a teoria contratualista, que já vimos no tópico anterior, que diz que a sociedade é simples fruto de escolha entre os seres humanos que coabitavam determinado espaço geográfico e em determinada época. Dallari (1998) defende que, para um agrupamento humano ser considerado sociedade, são necessários alguns elementos:

• Finalidade social ou valor social: o homem necessita ter consciência de que precisa viver em sociedade e buscar fixar, como objetivo da vida social, um desígnio harmônico entre suas necessidades fundamentais e as coisas que julgar preciosas. Significa dizer que a finalidade social objetivada pelo homem é o bem comum.

TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

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• Manifestações de conjunto ordenadas (ordem social e ordem jurídica): para a persecução das finalidades buscadas pela sociedade, há a necessidade de que os membros se despontem por meio de ação conjunta constantemente efetuada. Para ocorrer, devemos atender a três requisitos:

• Reiteração: sabendo que a todo momento e que nos territórios aparecem novos fatores influenciadores para ideia de bem comum, é imprescindível que os membros da sociedade se manifestem em conjunto sempre que acharem necessário e visando à efetivação dos objetivos da sociedade. Além disso, é necessário que os atos cometidos de maneira isolada sejam conjugados e integrados dentro de todo harmônico.

• Ordem: as manifestações de conjunto são reproduzidas dentro de uma ordem, para que a sociedade possa atuar em função do bem comum. A ordem não exclui a vontade e a liberdade das pessoas, visto que todos os membros da sociedade participaram da criação das normas de comportamento social.

• Adequação: não se deve impedir a livre manifestação, o desenvolvimento das tendências da época e os anseios dos cidadãos. As ações conjuntas dos membros de uma sociedade consideram o bem comum.

• Poder social: para caracterizar poder, é importante ressaltar seus elementos: socialidade, o poder é um fenômeno social, jamais podendo ser explicado pela simples consideração de fatores individuais; bilateralidade, indicando que o poder é sempre a correlação de duas ou mais vontades, havendo uma que predomina.

Continuando os aprendizados do presente tópico, passamos a pensar o Estado. Estado é a organização de determinada sociedade e sob governo próprio e território determinado, com a finalidade de efetivar o bem comum. Para melhor entender as Teorias do Estado, é importante que vejamos um breve histórico da sua evolução:

• O Estado Oriental, Antigo ou Teocrático: ocorreu nas antigas civilizações no Oriente ou no Mediterrâneo. A família, a religião, o Estado e a organização econômica eram um só conjunto. Não se diferenciava o pensamento político da religião, da moral, da filosofia ou de outras doutrinas econômicas. O Estado não possuía subcategorias divisórias, territoriais ou de funções. Foi determinado como Estado Teocrático devido à grande influência que a religiosidade tinha na época. Tanto a autoridade dos governantes quanto as normas de comportamento individuais e coletivas eram a expressão da vontade de um poder divino.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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• O Estado Grego: a característica fundamental é a cidade-estado, a polis, cujo ideal era a autossuficiência. Existia a classe política, composta pela elite, com intensa participação nas decisões de caráter público do Estado. Quando citado como governo democrático, significava que uma parte restrita da população, ou seja, os cidadãos, participava das decisões políticas. Além destes, habitavam a cidade os Metecos (estrangeiros) e os escravos, que não participavam do poder político.

• O Estado Romano: a família era a base da organização desse Estado. Eram dados, aos descendentes dos fundadores do Estado, privilégios especiais. O povo, que representava uma pequena parte da população, participava diretamente do governo, que era exercido pelo Magistrado. Com o passar do tempo, novas categorias sociais apareceram e foram adquirindo e ampliando direitos. Com a ideia do surgimento do Império, Roma tentou integrar os povos conquistados e manter um sólido núcleo de poder político a fim de assegurar o desenvolvimento da Cidade de Roma.

• O Estado Medieval: existia um poder superior exercido pelo Imperador e uma ilimitada multiplicidade de poderes menores e sem hierarquia definida. Ainda, várias ordens jurídicas (norma imperial, eclesiástica, monarquias inferiores, direito comunal desenvolvido, ordenações dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações de ofício) e instabilidade social, política e econômica, que geraram uma intensa necessidade de ordem e autoridade.

• O Estado Moderno: a soberania, a territorialidade e o povo são as características do Estado Moderno. Foram originadas da necessidade de unidade e da busca de um único governo soberano dentro do território delimitado. São três os elementos que constituem o Estado:

• Povo: corresponde à população do Estado. É o grupo de indivíduos em uma ordem estatal determinada. Um conjunto de indivíduos sob o mesmo regime de normas, possuidor de direitos e deveres. Distingue-se de nação, que é uma entidade moral. São pessoas que possuem um sentimento de união por serem de origem comum, por possuírem interesses ou ideias em comum. Esse sentimento complexo é o que definimos como patriotismo.

• Território: é materialmente formado pela terra firme, incluindo o subsolo e as águas internas (rios, lagos e mares internos), pelo mar territorial, pela plataforma continental e pelo espaço aéreo.

• Governo: é o conjunto das funções necessárias para a manutenção da ordem jurídica e da administração pública. Governo confunde-se, muitas vezes, com soberania. Alguns autores citam, como quarto elemento constitutivo do Estado, a soberania. Para os demais, no entanto, a soberania integra o terceiro elemento. O governo pressupõe a soberania. Se o governo não é independente e soberano, não existe o Estado perfeito. O Canadá, Austrália e África do Sul, por exemplo, não são Estados perfeitos, porque seus governos são subordinados ao governo britânico.

TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

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As funções do Estado são todas as ações necessárias à execução do bem comum. Função legislativa é aquela exercida pelo Poder Legislativo, que tem a função de elaborar leis. Função executiva é exercida pelo Poder Executivo, tem como função administrar o Estado e pretende contemplar a melhor maneira de concluir seus objetivos (exemplos: nomeação de funcionários, criação de cargos, execução de serviços públicos, arrecadação de impostos). Por último, a função judiciária, que é exercida pelo Poder Judiciário e tem a função de interpretar e aplicar a lei.

O Estado, ao longo do tempo, foi se caracterizando de diferentes formas. Quando falamos em forma, estamos nos referindo à formação material do Estado, sua estrutura. São as variações existentes na combinação dos três elementos morfológicos do Estado: povo, território e governo. São formas de Estado:

• Estado simples ou unitário: existe apenas um poder soberano. O governo possui completa jurisdição nacional e não existem divisões internas. Ex.: França.

• Estado composto: união de dois ou mais Estados, que representam duas esferas distintas de poder governamental e que obedecem a um regime jurídico especial. É uma pluralidade de Estados perante o direito público interno, mas no exterior se projeta como uma unidade. São tipos importantes de Estados Compostos:

• Confederação: Estados independentes se juntam para fins de defesa externa e paz interna. Na união confederativa, os Estados Confederados não sofrem qualquer restrição à soberania interna, nem perdem a personalidade jurídica de direito público internacional. Ex.: Estados Unidos da América do Norte e Alemanha, que são hoje federados, mostrando a tendência de as confederações evoluírem para federação ou se dissolverem.

• Federação: Estado formado pela união de vários Estados, que perdem a soberania em favor do poder central da União Federal, que possui soberania e personalidade jurídica de Direito Público Internacional. Exemplo: Brasil, Estados Unidos da América do Norte, México.

3 O ESTADO DE DIREITO

O Estado de Direito é configurado como o sistema institucional. O governo e o indivíduo, por exemplo, devem se submeter em respeito às normas e direitos fundamentais. Dessa forma, desenvolve-se regulado e autorizado pela ordem jurídica a fim de oferecer mecanismos para proteger os cidadãos de ações abusivas do Estado. O propósito é carregar em si superioridade em relação à autoridade pública.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Apresenta-se como oposição ao uso arbitrário de poder, não só como uma concepção tradicional de ordem jurídica, mas também como um conjunto dos direitos fundamentais. Deve ser considerado como uma forma de limitação de autoridade em torno das liberdades públicas, democracia e papel do Estado.

Ao contrário das monarquias absolutistas de direito divino, ditaduras e regimes, o Estado de Direito se apresenta ora liberal, ora social e, por fim, democrático.

IMPORTANTE

O arbítrio do Estado monárquico pode ser exemplificado pelo Rei Luiz XIV da França, apelidado de “Rei Sol”, símbolo do poder pessoal com sua famosa frase: "O estado sou eu” (l´État cést moi").

O Estado liberal de direito surge como a expressão jurídica da democracia liberal após a Revolução Francesa de 1789 e encerrando o absolutismo da monarquia. É guiado pela burguesia revolucionária, cujo lema era "Liberdade, Igualdade e Fraternidade". Liberdade individual, igualdade jurídica e fraternidade com os camponeses. Os capitalistas ansiavam por autonomia dos monarcas e nobres.

As principais características foram a não intervenção do Estado na economia, validade do princípio da igualdade formal, implementação da Teoria da Divisão dos Poderes de Montesquieu, supremacia da Constituição como norma limitadora do poder governamental e garantia de direitos individuais fundamentais. Foram denominados os "direitos de primeira geração". A especialização de funções age em conjunto com o constitucionalismo, no que diz respeito à delimitação do poder do Estado Moderno.

Com Montesquieu e seu O Espírito das Leis (1748) houve, a princípio, a percepção de uma divisão de tarefas para melhorar o desempenho burocrático do Estado. A ação não foi impulsionada como forma de estratégia para reduzir a influência direta da autoridade estatal.

IMPORTANTE

O poder do Estado é uno e indivisível. A função do poder se divide em três: legislativa, judicial e a executiva. A teoria da "Separação dos Poderes" pressupõe a separação ou divisão das funções ou competências do Estado.

TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

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O princípio da igualdade formal buscava a sujeição de todos perante a lei, acabando com qualquer discriminação. Todas as leis teriam conteúdo geral.

A partir da menor intervenção do Estado na economia, surge a ideia de “Estado mínimo”, em defesa da ordem natural e econômica. É utilizada atualmente com o Estado neoliberal, que busca proporcionar a condução da economia aos capitalistas em ascensão através da prática de autorregulação do mercado.

Na doutrina liberal, direitos reconhecidos fundamentais são considerados constitucionalmente e, portanto, invioláveis. Compreendem as liberdades clássicas, tais como liberdade, propriedade, vida e segurança, denominados também de direitos subjetivos materiais ou substantivos. O Estado social de direito, em face ao absenteísmo do modelo clássico do liberalismo, cria conteúdo social com a pretensão de agregar a busca do bem-estar social ao capitalismo.

A revolução russa de 1917 ocorre devido à exploração dos trabalhadores e cria preocupação com a possível disseminação de seus ideais e valores. Como dispositivo de defesa, surge o Estado social. Dessa demanda, surgiu o modelo de welfare state neocapitalista após a Segunda Guerra Mundial.

Políticos passam a aceitar o intervencionismo estatal pensando nos desfavorecidos. A intenção é criar uma fórmula para que o bem-estar e o desenvolvimento social passem a nortear as ações do ente público, sem haver a renegação dos valores e conquistas do liberalismo burguês e resguardando os valores, levando em conta as condições do presente.

Para completar o objetivo, a igualdade formal teve que ser substituída pela igualdade material, que procurava obter desenvolvimento e justiça social. Assim, são necessários o crescimento e a elevação do nível cultural e mudança social.

Foram ampliados os direitos subjetivos materiais, criando os chamados "direitos de segunda geração", compromissando o governante a proporcionar, dentre outros, o direito a educação, saúde e trabalho, lazer e moradia. A lei passa a ser, cada vez mais, específica e com destinação concreta, ao invés de abstrata e de ordem geral. Dessa forma, atendendo mais a critérios circunstanciais.

A principal diferença, então, para a concepção clássica do liberalismo é que, além dos limites, são acrescentadas obrigações positivas, mantendo o respeito aos direitos individuais. O Estado democrático de direito surge com a necessidade de acolher, confiavelmente, os desejos de democracia.

Como uma garantia para não compactuação com regimes incompatíveis com a democracia, são instituídos os "direitos de terceira geração" na esfera do respeito e conteúdo fraternal. São compreendidos por direitos coletivos, dentre outros, o respeito ao meio ambiente, paz, autodeterminação dos povos e moralidade administrativa.

O Estado passa a ter uma condição aprimorada do conteúdo social e de existência, transpondo a postura de proporcionar uma vida digna e contemplando, simbolicamente, a proteção da participação pública na ordem de implantação do planejamento social.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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Bonavides (2000) cita os "direitos de quarta geração" quando explica que a globalização política, na esfera da normatividade jurídica, introduz os direitos de quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.

Ao se apropriar do propósito democrático, o Estado de Direito tem como escopo a igualdade. A lei se torna mecanismo de mudança e solidariedade das pessoas, não mais ligada obrigatoriamente à sanção ou à promoção. A participação social não se limita mais a formar as instituições representativas.

FIGURA 1 – MODELOS DE ESTADOS E SUA ESTRUTURAÇÃO

Estado Liberal de Direito

ReestruturaçãoAdaptação

EducaçãoPromoçãoSanção

ComunidadeGrupoIndivíduo

Lei é a ordem geral e abstrata; não impedimento

Lei é instrumento de ação concreta do

Estado

Lei é instrumento de transformação e

solidariedade

Transformação do status quoPrestações positivasLimitação da ação

estadual

IgualdadeQuestão SocialConteúdo jurídico do liberalismo

Estado Democrático de Direito

Estado Social de Direito

Estado de DireitoEstado legal

Estado LiberalEstado Absolutista

Estado Moderno

FONTE: O autor

TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

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LEITURA COMPLEMENTAR

NOTAS SOBRE O ESTADO MODERNO E A SEPARAÇÃO DE PODERES

Nelson Nogueira Saldanha

O Estado: stato, état, Stata, Estado, state etc. Um termo extremamente conhecido e de trânsito livre no vocabulário do homem comum, bem como no dos especialistas, e que entrou nesse vocabulário durante os séculos modernos, especialmente com a alusão de Maquiavel aos stati, no início de O Príncipe.

O Estado é visto como fenômeno universal (quase um “universal da cultura”), no sentido de estrutura de poder dominante para determinado povo. A ideia, presente em tantos autores, segundo a qual não teria havido Estado na Idade Média (Ocidental), é confirmada pela dispersão do poder em diversos “centros”, submetidos afinal ao poder maior do Papado e da Igreja. Daí que certos professores, como Hermann Heller e Ernst Forsthoft, tenham identificado a teoria do Estado como algo referido ao Estado moderno.

Este é, de resto, um tema de interesse permanente para os estudiosos: o Estado como ordem política e como ordem jurídica. A ordem, no Estado, como fundamento de seu surgimento histórico e de seu conforto social e também como organização de normas e de competências decisórias.

Uma duplicidade que pode trazer inquietação para o tratadista, e que se apresenta ao observador como referência permanente, seja nas teocracias do Oriente Antigo, seja nas democracias dos séculos XX e XXI (SALDANHA, 2003).

Como se sabe, um dos modos de aludir ao problema, inclusive por parte de pensadores ou de observadores mais descomprometidos, tem sido o de entender a divisão do poder, sua participação, como um processo jurídico, ao menos latentemente jurídico.

Outro problema, porém, que aí permanece, é que a colocação de uma estrutura jurídica no poder implica um poder de decisão realmente suficiente. Divide et impera sempre foi mais estratégia política do que preceito jurídico.

Contudo, a Idade Média nos legou uma imagem clara do direito como algo provido de validade peculiar: o jus como referência necessária para a medida dos atos de poder. Fica dito “medida”, em verdade, aludindo a um dos sentidos de nomos: para Schmitt, medida espacial, ligada ao “assentamento” e à “ordenação” (SCHMITT, 1979).

O Estado Moderno herdou a ambígua imagem da conexão entre o direito

e o poder. Destarte, o dito absoluto aproveitaria, de acesso de frases romanas, do dito lex est quod ad princeps placuit, como o Estado dito constitucional citaria salus populí summa lex esto.

UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

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É curioso que, em relação à permanência da ligação entre o Estado e o direito, a sucessão de fases (ou tipos históricos) daquele não corresponde às formas históricas deste. É raro falar em um “direito liberal” e outro social, salvo em um sentido diferente. Aliás, a discrepância já seria uma base para a tese da identificação entre direito e Estado ser recusada.

Nos tempos ditos modernos, a história dos homens de carne e osso está cada vez mais ligada à presença do Estado: poder, poderes, legislação, terminologia, problemas tributários, problemas de ética política, tudo realçado pelo olho implacável da imprensa.

Mac Ilwain considera correlatos os termos jurisdictio (de Bracton) e politicum (de Fortescue). O paralelo, que no fundo remete à complementaridade entre o político e o jurídico, situa o problema em termos que em verdade permanecem. Será o caso de ser acrescentada uma referência ao excelente estudo de Hermann Heller, contido em seus Escritos Políticos (1984).

Vale insistir sobre o paralelo entre o advento do Estado constitucional, que é o “liberal” encarado sob prisma específico, e a formação da própria ciência jurídica contemporânea. Ao mencionar o famoso debate Thibaut–Savigny sobre a codificação, citamos a frase de Koshaker (em seu livro Europa und das roemischen Rechts), conforme a qual a chamada ciência do direito seria historicamente um produto made in Germany.

Temperemos a frase: os alemães, sobretudo com a Pandectística, criaram uma ciência do direito e os franceses criaram outra, produto cartesiano da Escola da Exegese. Há uma convergência do espírito do Ocidente para um modelo que se tornaria, de certo modo, universal.

Para o referente ao socialismo, ou aos socialismos, valerá lembrar as dificuldades doutrinárias provenientes da crença na extinção do Estado. Marx e Engels tentaram abolir toda conotação utópica dentro da ideia do Estado socialista, conotação retomada no século XX inclusive por Ernst Bloch com seu “Princípio Esperança” (BLOCH, 1959).

A utopia prosseguiu, dispersa e diminuída, no meio dos debates sobre justiça social e coisas afins. Com efeito, a força do pensamento utópico sempre foi grande e desde a antiguidade se formulam utopias, inclusive a de Hipódramo e a de Platão.

Com as utopias do Renascimento aquele pensamento ressurgiu vigoroso e dentro do Romantismo (ou no período que o antecipa) as utopias se formulam de modo muito característico e quase sempre – vale acentuar – como propostas urbanísticas. Vale acentuar também que eram propostas as de Bentham, de Owen, de Saint-Simon, de Fourier e outros, que previam comunidades não muito numerosas.

TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

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Urbanismo: o arquétipo cidade, desafio e fascínio para os habitantes da floresta e os do deserto, desde os inícios. O arquétipo cidade vinculando à imagem do próprio Estado, muitas vezes confundindo-se no espaço com as duas coisas, ambas se ligando à ideia milenar do reino e do poder real e com suas projeções: a segurança, a justiça, os contornos da vida. Para evocar novamente a frase de Weber, o “monopólio do uso legítimo da violência”.

Quero retomar, embora sem alongar-me, para a observação ali feita, que

distingue em Il príncipe um “historiador pragmático” e na Republique de Bodin um jurista sistemático, apontado no Leviathan como um filósofo com ponderável veia metafísica e com uma visão do homem um tanto negativa.

Diria que a época era de revisões filosóficas, e que a antropologia política de Hobbes traduziu um realismo profundo (realismo também em Maquiavel, mas com outro sentido). Quanto a Bodin, com efeito, foi homem de preocupações metodológicas, apto para a visão estrutural do fenômeno do Estado (mencionado como “republica”). Interessante também o amplo estudo de Pocock (1975).

O livro de Meinecke, publicado em 1924, Die Idee der Staatsraeson in der neueren Geschichte, marcado por um certo europocentrismo, ficou de qualquer sorte, pela força de seu texto, como o grande chamamento ao tema.

FONTE: NOGUEIRA SALDANHA, Nelson. Notas sobre o Estado Moderno e a separação de poderes. Duc in Altum, Recife, v. 3, n. 4, p. 193-198, jul. 2008. Disponível em: <http://faculdadedamas.edu.br/revistafd/index.php/cihjur/article/view/131/122>. Acesso em: 9 jul. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Teoria Geral do Estado é matéria do campo jurídico, são os estudos que aparecem cronologicamente em tempo posterior ao pensar dos cientistas políticos. É a aplicação dos resultados obtidos na Ciência Política.

• Sociedade é um grupo de indivíduos reunidos e organizados em determinado território geográfico e com um objetivo em comum.

• Para um agrupamento humano ser considerado sociedade, é necessário: finalidade ou valor social, manifestações de conjunto ordenadas e poder social.

• Povo é um conjunto de indivíduos sob o mesmo regime de normas, possuidor de direitos e deveres.

• Território é a base geográfica onde um Estado exerce seu poder coercitivo nos seus cidadãos. É materialmente formado pela terra firme.

• Governo é o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica e da administração pública.

• Soberania é o poder de se organizar juridicamente e de fazer valer, dentro do seu território, a universalidade de suas normas.

• Confederação são estados independentes e que se juntam para fins de defesa externa e paz interna.

• Federação: Estado formado pela união de vários Estados, que perdem a soberania em favor do poder central da União Federal.

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1 O Estado Moderno divide suas funções em três aspectos. As funções de administrar o Estado e visar aos seus objetivos concretos dizem respeito à função exercida pelo poder:

a) Estatal.b) Judiciário.c) Executivo.d) Legislativo.

2 O tríplice aspecto da Teoria Geral do Estado abrange os aspectos:

a) Sociológico, Político e Jurídico.b) Sociológico, Político e Filosófico.c) Sociológico, Filosófico e Jurídico.d) Político, Jurídico e Filosófico.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, serão desenvolvidas apreciações sobre as ideias de governo, Constituição e democracia. A conceituação desses adventos institucionais é de grande importância no estudo da Ciência Política, uma vez que são parte central para o entendimento e persecução dos objetivos.

Assim, será levantado um breve histórico sobre a criação da Constituição em nosso país. Ainda, discutiremos as ideias do poder constituinte e as formas e sistemas de governo previstos ao longo da história.

2 CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

Com a proclamação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, é instituído o Estado Democrático de Direito proveniente do movimento constitucionalista vindo no segundo pós-guerra.

A busca em estabelecer uma sociedade livre, justa e solidária, relacionando-se com diferentes culturas, etnias e a pluralidade de ideias, procura assegurar a presença do povo. Concebe a soberania popular como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Além de um puro instrumento de governo, a Constituição emerge como um plano de normas sociais, fundamentos de uma sociedade. Segundo Streck e De Morais (2014, p. 81):

Não compreende somente um “estatuto jurídico e político”, mas um “plano global normativo” da sociedade e, por isso mesmo, do Estado brasileiro. Daí ser ela a Constituição do Brasil, e não apenas a Constituição da República Federativa do Brasil.

Dessa forma, a gestão assegura a participação das pessoas na política nacional e também procura todas as maneiras possíveis para garantir a manutenção e totalidade dos direitos essenciais da pessoa humana.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Agrega-se às noções que pertencem a três formas de governo que foram estudadas: liberal, social e democrático. Modera os poderes do Estado, propicia atenção aos direitos individuais e sociais e recusa todo regime de governo autoritário, estimulando a atuação dos cidadãos.

Com o desenvolvimento dos costumes, estabelecidos pela ordem jurídica e proclamados por cada uma das novas sustentações estatais, é feita uma escala com as “gerações de direitos”. A leitura não somente deve englobar aspectos literais.

Deve levar em consideração, também, o significado histórico, sistemático e os motivos pelos quais ela existe. O objetivo precisa ser o de alcançar o que propôs o legislador, de forma que não se direcione a um fim descabido ou antiquado.

Sendo assim, o poder público deve agir de forma dirigida e precaver as necessidades ao estabelecer, de antemão, políticas que consolidam os direitos humanos, protegendo os direitos de minorias étnicas, raciais, religiosas e sexuais.

Para que seja iniciada uma busca pela equiparação, é necessário um aumento anterior na participação democrática, pois a desigualdade exige um sistema não participativo para que se mantenha sua condição.

A mudança de consciência da população e a mitigação de desigualdades sociais e econômicas culminam na igualdade necessária para manutenção de um sistema participativo. Dessa forma, há um aumento no engajamento e é criada a legitimação na tomada de decisões.

Além da declaração de direitos do liberalismo clássico e da garantia do Estado social, surge a necessidade de concretização. Então, após a etapa dos direitos individuais do Estado liberal (fase Declaratória dos Direitos) e dos direitos sociais do Estado social (fase Garantidora dos Direitos), é chegada a fase dos direitos fraternais. O Estado democrático de direito (fase Concretista dos Direitos) amplia o conceito social e adota uma postura proativa.

Assim, o objetivo é tornar a sociedade um meio pelo qual as distâncias sejam encurtadas e que haja respeito em relação a raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Para ilustrar essa reforma social, analisamos a aplicação e interpretação da norma jurídica em conformidade com a Constituição de 1988 e podemos representar, resumidamente, os postulados do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana com o fluxograma a seguir:

TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

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FIGURA 2 – DIREITOS FUNDAMENTAIS

Direito Sociais Genéricos(art.6°, CF/88 - plano do ter - Igualdade Material)

Princípio da Dignidade da Pessoa HumanaEstado Democrático de Direito Brasileiro

(art.1°, III, CF/88)

Direitos Fraternais(art. 4°, I e IV, CF/88 - plano do respeitar - Fraternidade).

Concretização dos Direitos Individuais(art.5°, CF/88 - plano do ser - Liberdade)

FONTE: O autor

Objetivando que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana seja instaurado em nossa composição, necessitamos que tais normas tenham eficácia social, e não basta somente o vigor das denominadas "leis dirigentes ou programáticas".

Essa eficácia social se dá conforme comprometimento direto de todo o corpo social e dos juristas por meio da verificação dos ensinamentos da moral, respeito, honestidade e fraternidade.

3 O PODER CONSTITUINTE

A Constituição é a lei fundamental de um determinado Estado, lei esta que emana do poder soberano desse Estado. No caso dos países democráticos, esse poder soberano é o povo. O poder constituinte é um dos cargos desse poder de soberania, é o poder de instituir, reconstituir ou modificar a ordem jurídica vigente no Estado. Para exercer as funções citadas, o poder soberano, o povo utiliza representantes eleitos, denominados de Assembleia Constituinte.

A Assembleia Constituinte é caracterizada pela capacidade que a sociedade tem de traçar os princípios pelos quais deseja nortear a vida de seus cidadãos. Afinal, é justo que os cidadãos possam determinar os preceitos que irão fundamentar a ordem jurídica de seu Estado. Eles possuem o poder soberano.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

IMPORTANTE

O Direito caminha atrás da sociedade, que está em constante mudança. Logo, é importante que a soberania nacional esteja sempre atenta para adequar os princípios basilares da ordem jurídica à vida dos cidadãos.

Falamos anteriormente sobre as três funções do Estado. Então, é importante fixar que a Assembleia Constituinte se difere das assembleias legislativas. Ocorre que a primeira é transitória e possui poder ilimitado. Uma vez em atividade, ela exerce o poder soberano em sua plenitude. Já as assembleias legislativas são fixas e essenciais em sua função para a manutenção do Estado.

A Assembleia Constituinte será reunida em casos com a necessidade de criar, restabelecer ou reformar a ordem jurídica e/ou política de determinada sociedade civil. Como já vimos, a assembleia tem caráter transitório, ou seja, uma vez cumprida a sua função, após promulgação e publicação de novo teor da Constituição, a assembleia se dissolverá.

Contudo, quem são os representantes do povo na Assembleia Constituinte? Nos Estados democráticos, como já vimos, o povo é titular do poder constituinte. Os titulares desse poder são os cidadãos possuidores de legitimidade, que se expressam de maneira direta ou representativa, por meio do sufrágio universal. O poder constituinte pode ser classificado em originário ou derivado:

• Poder constituinte originário: é caracterizado por ser inicial (concebe uma nova Constituição), ilimitado (não é limitado pela ordem jurídica anterior à formação), autônomo (não precisa respeitar limites de direito positivo anterior) e incondicionado (não precisa seguir formas prefixadas para manifestar suas pretensões).

A criação de uma Constituição inteiramente nova, que anulará a Constituição anterior, instituindo uma nova ordem jurídica para a sociedade, será sempre obra do poder constituinte originário.

• Poder constituinte derivado: é caracterizado por ser derivado (busca sua força no poder constituinte originário), subordinado (encontra limitações em normas tanto expressas quanto implícitas no texto constitucional anterior) e condicionado (ao praticar sua função, deve seguir as regras da Constituição vigente).

As mudanças possíveis em uma Constituição vigente, que ampara novas indigências da população, sem necessidade de recorrer a caminhos revolucionários ou ao poder constituinte originário, serão sempre obra do poder constituinte derivado. O poder constituinte derivado pode aparecer de maneira reformadora ou decorrente.

TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

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Quando reformador, é exercido por órgãos de caráter representativos. No Brasil, é o Congresso Nacional. Essa reforma só é possível para as constituições escritas através de um processo legislativo solene. Cabe aqui fixar o Art. 60, parágrafo 4º da Constituição Brasileira (BRASIL, 2000):

Art. 60, § 4º C.F Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.

Na sua forma decorrente, o poder constituído derivado incide na capacidade de auto-organização que os estados membros possuem através da autonomia política e administrativa concebida. Esse poder ocorre por meio das constituições estaduais, sempre respeitando as regras estabelecidas na Constituição Federal.

4 FORMAS E SISTEMAS DE GOVERNO

São formas de governo a maneira como o poder de um Estado se organiza e exerce suas funções. As formas determinam a situação jurídica e social dos cidadãos em relação às autoridades de seu país. Dentre as formas de governo, vamos estudar monarquia e república.

Na monarquia, o governo é representado por apenas um indivíduo, que ocupa o seu cargo em caráter vitalício, cargo este que está sujeito à sucessão hereditária. O governante deve governar em prol do bem geral.

Algumas características são fundamentais para se estabelecer um governo monárquico: vitaliciedade (o monarca governa enquanto viver), hereditariedade (a escolha do monarca ocorre por linha sucessória) e irresponsabilidade (o monarca governa sem necessidade de responsabilidade política, não deve explicações ao povo).

Diferentemente da monarquia, que concentra o governo em uma única autoridade, na República temos um governo que remete à coletividade. O exercício da soberania e o poder pertencem ao povo. Os representantes são vários e eleitos pelo povo para exercerem um mandato previamente fixado.

As características diferenciadoras da república também são três: temporariedade (os mandatos das autoridades de governo possuem prazo predeterminado), eletividade (os governantes são eleitos pelo povo, não existe sucessão hereditária) e responsabilidade (os governantes devem explicações ao povo). É a forma de governo brasileira.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Diferentemente das formas de governo, que dizem respeito à organização do poder do Estado, denominamos como sistemas de governo a organização política e social. Sistema de governo diz respeito à organização dos poderes Executivo e Legislativo. Sobre sistemas de governo, vejamos parlamentarismo e presidencialismo:

No parlamentarismo, existe um chefe de Estado representando sem responsabilidade política (rei ou presidente da república) e um chefe de governo (primeiro-ministro) que é de fato o governante do Estado.

O Parlamento, normalmente, é dividido em duas Casas (ou Câmaras), sendo elas as chamadas Câmara Alta (membros escolhidos por via indireta, com poderes limitados) e Câmara Baixa (membros resultantes do sufrágio universal, exercem controle de governo).

No Brasil, o sistema de governo é o presidencialismo. Um sistema caracterizado pela separação de poderes, fator que favorece a especialização do exercício de governo. Nesse sistema, a administração se concentra na figura do presidente da República, que exerce a função de Chefe de Estado e de Chefe de Governo.

TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

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LEITURA COMPLEMENTAR

DEMOCRACIA, CONSTITUIÇÃO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: NOTAS DE REFLEXÃO CRÍTICA NO ÂMBITO DO DIREITO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Ruy Samuel Espíndola

A teoria da constituição, basicamente, tem relacionado democracia e constituição em duas importantes perspectivas: a primeira, colocando a democracia como princípio legitimador da constituição; noutra, abordando a democracia como princípio jurídico integrante da constituição, ou seja, como princípio constitucional encartado na ordem jurídica.

Devemos avaliar, pela primeira perspectiva, se a feitura do texto constitucional, o processo constituinte e o texto como resultado desse processo são ou não democráticos ou se correspondem a níveis de democraticidade esperáveis segundo as circunstâncias de cada jogo político armado pelas comunidades organizadas em Estados.

Pela segunda, devemos compreender as consequências normativas, teóricas e dogmáticas ao termos a democracia como norma jurídica ordenadora da vida do Estado, da sociedade e dos cidadãos. São questionadas as consequências práticas da democracia como princípio constitucional, informando a compreensão, produção e aplicação do direito positivo como princípio normativo heterodeterminante da ordem jurídica globalmente considerada.

Exemplo de norma constitucional com tal conteúdo se deduz da cabeça do Art. 1º de nossa Constituição da República, sendo que, ao longo do texto, encontraremos os subprincípios e regras densificadoras do princípio democrático (e. g., preâmbulo, arts. 1º, V; 5º, VIII; 7º, XI, última parte; 10; 11; 14; 17; 23, I; 27; 29, I; 34, VII, letra "a"; 45; 46; 47; 58, § 1º; 77; 81; 90, II; 96, I, letra "a", primeira parte; 103; 127, caput; 206, II, III, primeira parte e VI).

Na esteira da última perspectiva, a teoria do direito público também se ocupa com a democracia e com seus enraizamentos constitucionais. A juspublicística se preocupa em reconhecer na democracia um princípio reconstrutor do direito público, um princípio em torno do qual se encabeçam e se estruturam todas as normas atinentes ao grande ramo do direito positivo. Essas perspectivas teóricas oferecem interessantes aportes à análise de nossa lei fundamental.

Todavia, outra é a nossa perspectiva neste trabalho, pois queremos demonstrar que, apartados da ideia de constituição e da juridicidade superior dos princípios constitucionais, o conceito de democracia e a sua práxis são incompletos e inseguros. Nossa tese parte da premissa de que a realizabilidade da democracia tem como exigências necessárias a efetividade da constituição, o respeito à constituição e o acato da força normativa de suas regras e princípios.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Assim, queremos desenvolver as seguintes questões: qual a relação necessária entre princípios constitucionais, constituição e democracia? Qual a possível resultante de uma problematização desses conceitos em face de problemas colocados pela realidade institucional? E o que essas ideias têm a ver com a proteção da cidadania e da dignidade da pessoa humana através de uma postura que preze a força normativa da constituição?

Melhor dizendo, como a incompreensão, a irrealização desses conceitos no plano da vida, frustrando a força normativa da constituição, podem fragilizar a defesa dos direitos e interesses das pessoas humanas em face das realidades arredias às normativas principiológicas e regrísticas da ordem constitucional?

A tomada de rumo implica que passemos a discorrer sobre os conceitos que compõem o título de nosso trabalho, ou seja, analisaremos a ideia de democracia, constituição e princípios constitucionais.

Por necessidade de bom método didático, comecemos pela ideia de democracia - de democracia contemporânea. Dela enfatizaremos o aspecto que mais nos interessa para os fins deste trabalho.

A ideia de democracia não é mais tomada somente como a regra da maioria, o governo do maior número. Uma tal ideia, levada a extremos, poderia fazer com que uma maioria circunstancial revogasse a própria regra da maioria e colocasse o poder decisório na mão de um único homem, ou de um restritíssimo grupo de homens.

A história é repleta de tais exemplos, sendo desnecessário aqui retomá-los. Todavia, a proposta esdrúxula da constituinte, tão bem combatida por Paulo Bonavides, consiste em exemplo vivo e atual do problema.

Uma concepção mais dilatada, que entende a regra da maioria como um elemento importante do conceito de democracia, mas não preponderante, advoga a tese de que, para um adequado conceito de democracia, é necessário um mínimo de regras institucionalizadas, que estabeleçam quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.

É a ideia de democracia como um mínimo de regras do jogo político para o exercício do poder. Essa é a concepção profligada por Norberto Bobbio. Todavia, entende esse mesmo autor que só essa ideia ainda não é capaz de fomentar uma tendencial convivência democrática.

Hoje se firma, no pensamento político, a ideia de que a democracia pressupõe a crença, a convivência e os costumes sociais e políticos perspectivados sob o apanágio e a inspiração de valores. A democracia orientada segundo diretivas axiológicas e normativas. A democracia como um conjunto de ideias, de ideais, de princípios (éticos, políticos e jurídicos) ordena a vida do povo e os fins da ação pública do Estado.

TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

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É a democracia fundada na ideia do consenso estabelecido não só pela confluência do número de decisores, mas também pela eleição e autovinculação do consenso em torno do razoável.

Essa ideia do razoável fundando o consenso instituinte da democracia contempla a ideia da democracia justa, da democracia edificada e vivida sob a égide dos direitos humanos, cujo fundamento seria a igualdade absoluta de todos os homens.

Assim, para este trabalho, importa afirmar que a democracia, ou o seu aspecto que aqui mais deve grassar, é o de que ela representa uma convivência comunitária fundada à luz dos direitos humanos e na perspectiva de assegurá-los, com real eficácia a todos os homens em suas dignidades de pessoas humanas.

Democracia constitucional que, para a consecução desses fins, serve-se dos princípios jurídicos assentados nas constituições, dos princípios constitucionais integrantes da ordem jurídica.

FONTE: ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia, constituição e princípios constitucionais: notas de reflexão crítica no âmbito do direito constitucional brasileiro. Resenha eleitoral, Santa Catarina, v. 9, n. 2, p. 18-28, jul. 2002. Disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/democracia-constituicao-e-principios-constitucionais-notas-de-reflexao-critica-no-ambito-do-direito-constitucional-brasileiro/indexc692.html?no_cache=1&cHash=b7bf79b129bc42f148fe4b5e477aa8bf>. Acesso em: 9 jul. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• O poder constituinte é o poder de instituir, reconstituir ou modificar a ordem jurídica vigente no Estado.

• A Assembleia Constituinte se caracteriza pela capacidade que a sociedade tem de traçar os princípios pelos quais deseja nortear a vida de seus cidadãos.

• A Assembleia Constituinte se difere das assembleias legislativas.

• É forma de governo a maneira como o poder de um Estado se organiza e exerce suas funções.

• Na monarquia, o governo é representado por apenas um indivíduo que ocupa o seu cargo em caráter vitalício, cargo este que está sujeito à sucessão hereditária.

• Na república, temos um governo que remete à coletividade. O exercício da soberania e o poder pertencem ao povo.

• Diferentemente das formas de governo, que dizem respeito à organização do poder do Estado, denominamos como sistemas de governo a organização política e social do Estado.

• No Parlamentarismo, existe um chefe de Estado representando o Estado sem responsabilidade política (rei ou presidente da república) e um chefe de governo (primeiro-ministro) que é de fato o governante do Estado.

• Aqui no Brasil, o sistema de governo é o Presidencialismo. Neste sistema, a administração se concentra na figura do Presidente da República, que exerce tanto a função de Chefe de Estado quanto de Chefe de Governo.

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1 Elabore um fluxograma com as principais diferenças entre os sistemas e formas de governo.

2 Ao estudar o presente tópico, podemos entender o porquê da necessidade da democracia em um Estado regrado constitucionalmente. Explique quais elementos foram fundamentais para o aumento no engajamento da população em busca de um sistema democrático.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos uma introdução básica sobre como se deu a organização do sistema de partidos políticos e como ele se encontra estruturado hoje em nosso país. Assim, serão levantados conceitos importantes dentro do sistema eleitoral, como o de voto. Ainda, também identificaremos a diferença entre os partidos políticos e como eles se enquadram dentro dos diferentes tipos de sistemas partidários.

2 SISTEMA ELEITORAL

O voto público está hoje completamente rejeitado. É um sistema tido como antidemocrático, porque possibilita intimidação, corrupção, exploração econômica e tudo que conduz à desmoralização da democracia representativa.

O voto secreto proporciona mais liberdade ao eleitor, suspende o medo de violências, pressões, reduz as possibilidades de corrupção e permite uma apuração confiável da verdade eleitoral, legitimando e assegurando o regime democrático.

Votar é tido como um direito, além de ser um ato de exercício da soberania nacional. Algumas correntes doutrinárias interpretam o sufrágio como função social. O sufrágio, como direito, deve ser universal; como função social, tende a ser restrito e qualitativo.

É encarado como direito individual e, também, como função social. O caráter de função social resulta da obrigatoriedade do voto. O método atual utilizado pelo Sistema Eleitoral no Brasil é determinado pela Constituição de 1988, além de ser regulado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

São já estipulados pela Constituição três sistemas eleitorais distintos, que são detalhados no Código Eleitoral: eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, eleições majoritárias com um ou dois eleitos para o Senado Federal e eleições majoritárias em dois turnos para presidente e demais chefes do Executivo nas outras esferas. Os votos distritais e proporcionais são as duas formas de governo comumente encontradas nas democracias ocidentais modernas.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

O voto distrital funciona com sistema majoritário. A representação procura assegurar a eleição de quem obtiver a maior quantidade de votos de representantes distritais. Não é possível votar em um candidato de outro distrito. Vence o candidato com maioria, não importando a porcentagem. Um município é dividido em distritos e cada partido pode lançar apenas um representante. Vence aquele que tiver mais votos válidos.

O sistema proporcional, usado para a eleição dos cargos de deputado federal, deputado estadual e vereador, considera os votos por legendas. O sistema significa mais para partidos e coligações do que para os candidatos.

De acordo com o número de votos válidos, é feita uma divisão pelo número de cadeiras e o resultado, denominado “quociente eleitoral”, indicará quantos votos serão necessários para a ocupação da vaga. Sem o quociente, o partido não terá direito a nenhuma cadeira.

Feita a conta, são conferidos quantos votos cada partido obteve, dividindo-se a quantidade de votos obtidos pelo quociente. A partir do resultado, é obtido o número de cadeiras que o partido terá direito no parlamento. Para Presidente da República, governador e prefeito, as eleições acontecem de quatro em quatro anos.

No caso do Senado, as eleições também acontecem de quatro em quatro anos, porém são 81 vagas (três para cada Estado e mais três para o Distrito Federal). A cada eleição, a Casa renova, alternadamente, um terço e dois terços do total.

Quando dois senadores são eleitos para cada Estado, é utilizado o sistema de escrutínio (apuração de votos) majoritário plurinominal. Nesse caso, os eleitores votam nos dois candidatos de sua preferência e os dois com maior votação são eleitos.

IMPORTANTE

A função do Poder Executivo é a de executar as leis e administrar o Estado. Já o Poder Legislativo cuida da elaboração das leis e da fiscalização contábil e política do Poder Executivo. Por sua vez, o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto nos casos de conflito.

No Brasil, desde a Constituição de 1988, é definido que o sistema eleitoral brasileiro para cargos de chefia do Poder Executivo funciona com o sistema majoritário, ou seja, com maioria absoluta. Para vencer, o candidato deve ter mais de 50% dos votos válidos, ou seja, descontados os votos em branco e os votos nulos.

TÓPICO 4 | PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

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IMPORTANTE

Não é verdade a afirmação de que a eleição seria anulada caso existissem mais de 50% dos votos nulos ou brancos. Esses votos não atuariam no resultado das eleições.

Caso o primeiro colocado consiga somar mais do que todos os demais candidatos juntos, ele será eleito. Caso contrário, será necessário que seja realizado um segundo turno, que contará apenas com os dois primeiros colocados. Então, certamente com maioria simples de votos, um deles atingirá mais da metade dos eleitores.

Notamos que não importa a porcentagem dos votos nulos ou em branco para

que o candidato seja eleito, uma vez que tais votos são excluídos da contagem. Nos casos de cidades com menos de 200 mil eleitores, vence o candidato com maioria simples, ou seja, maior número de votos válidos em apenas um turno de eleição.

3 PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS

Em um sistema democrático, algumas questões podem se tornar problemáticas se pensarmos nos anseios e vontades dos cidadãos. Cada indivíduo possui preferências sobre seu tipo de pessoa e ideologia.

Com as diferentes ideias sobre o representante ideal para cada cidadão, são formados grupos de indivíduos que pensam da mesma maneira e, assim, entram em disputa com os grupos de ideais divergentes.

Denominamos de partidos políticos as alianças de cidadãos unidos por determinada ideologia política. São agrupados de maneira organizada por meio de instituições políticas possuidoras de personalidade jurídica de direito privado. O sistema partidário de um Estado pode ser classificado em relação ao número de partidos existentes dentro dele, podendo esse sistema ser:

• De partido único: existe apenas um partido no Estado. Os debates políticos acontecem dentro do partido. O partido único segue princípios rigorosos e inflexíveis e só existem discussões em relação aos aspectos secundários.

• Bipartidário: dois grandes partidos se alternam na governança do Estado. Todavia, não estão excluídos da existência os partidos que permanecerem pouco expressivos. Exemplos: Inglaterra e os Estados Unidos da América.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

• Pluripartidário: vários partidos igualmente capacitados para poderem conquistar mandatos para seus candidatos. Esse sistema aumenta a intensidade das divergências de opiniões, resultando em uma impossibilidade de coexistência e acarretando na criação de cada vez mais partidos. O cerne das ideias partidárias é dividido entre o econômico, o social e o religioso. Em relação às maneiras de atuação dos partidos, estas podem ser:

• Partidos nacionais: possuem adeptos em número abundante em todo o território do Estado. São partidos de grande expressão nacional.

• Partidos regionais: o campo de atuação se limita a determinada região do Estado. Tanto os líderes quanto os eleitores desses partidos se sentem agradados com a conquista do poder político nessa determinada região.

• Partidos locais: são os de âmbito municipal. Norteiam sua atuação por interesses locais e cobiçam a aquisição do poder político municipal.

O agrupamento em partido faz prevalecer, no Estado, a vontade social preponderante. É importante ressaltar que os partidos políticos, algumas vezes, se transformam em instrumentos para a conquista do poder, perdendo o real significado do princípio de sua criação. Hoje em dia, a atuação dos seus membros, por vezes, não se enquadra honestamente com os ideais enunciados no programa partidário.

TÓPICO 4 | PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

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LEITURA COMPLEMENTAR 1

RESPONSABILIDADE ELEITORAL

Damiana Torres Frederico Alvim

O Direito Eleitoral pode ser entendido como uma ciência do Direito que se dedica ao estudo das normas e dos procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo que se estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental.

Falar em Direito Eleitoral nos leva, automaticamente, a falar em democracia que se baseia no povo. Há a responsabilidade da população de contribuir para a vida política do país de forma digna e a responsabilidade dos governantes de conduzirem o país de maneira íntegra.

A responsabilidade do ato de governar e, inclusive, de ser governado, envolve razão, ética, honestidade, moralidade, probidade e inúmeras outras características, as quais também integram o que se entende por responsabilidade eleitoral que, por sua vez, envolve deveres, regras, sanções e restrições atinentes ao Direito Eleitoral.

Ao analisar criticamente a responsabilidade eleitoral, é possível dizer que ela se interessa muito mais pela mácula do pleito do que pela penalização dos sujeitos que, ocasionalmente, possam violá-lo.

Por meio da responsabilidade, é possível imputar, para determinada pessoa, um dever jurídico, cuja consequência é a sanção. Logo, responsabilidade eleitoral é aquela que decorre de atos considerados ilícitos e sujeitos a sanções como multa e até inelegibilidade e cassação (de registro, de diploma ou de mandato) daquele que agiu com irresponsabilidade eleitoral.

Afinal, é possível dizer que, por meio da responsabilidade eleitoral, não só o eleitor garante o seu direito de ser tratado com respeito, mas toda a Justiça Eleitoral se beneficia, já que agir responsavelmente é dever de todos, sejam juízes, cidadãos, políticos, candidatos, servidores ou partidos políticos.

Ninguém foge dos deveres de ser transparente nas ações de gestão e prestação de contas, de participar de forma honrosa da política, de ser responsável pelos atos praticados, de tomar decisões justas e de zelar pelo regime democrático.

FONTE: TORRES, Damiana; ALVIM, Frederico. Responsabilidade eleitoral. Brasília: TSE, 2017. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-1-ano-3>. Acesso em: 17 jul. 2018.

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UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Frederico Alvim

O surgimento dos partidos políticos é um fenômeno social paulatino cuja concepção pode ser identificada a partir dos séculos XVII e XVIII. Adota-se aqui a noção de partido em sentido amplo, tal como a assumida por Georges Burdeau. As agremiações partidárias existem desde que os homens, pela primeira vez, concordaram a respeito de alguma finalidade com projeção social e dos meios necessários para alcançá-la.

Por esse critério, seria possível vislumbrar o princípio do fenômeno partidário nas atividades de tories (conservadores) e whigs (liberais) por ocasião da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, 1688; de federalistas e republicanos, nos Estados Unidos pós-independência ou, ainda, de jacobinos e girondinos, no levante revolucionário francês.

Em análise mais rigorosa, porém, o fortalecimento e a expansão da atividade partidária somente ocorreram em meados do século XIX, quando os grupos políticos evoluíram para a adoção de formas e estruturas mais estáveis, definidas e profissionalizadas. Tal evolução foi impulsionada pela Revolução Industrial, cujos reflexos produziram no operariado “o sentimento e a necessidade de organizar-se enquanto classe, com o objetivo de combater a burguesia”.

Deriva daí a conclusão de que, até o século XIX, não existiam, propriamente, partidos, mas apenas grupos políticos ou facções. O aparecimento dos partidos, em noção apurada, identifica-se, portanto, com o momento em que a atuação partidária superou o modelo de atuação ocasional e precária, parlamentar ou eletiva. Era preciso assumir uma forma de mobilização política institucionalizada, burocraticamente estruturada e duradoura. Segundo Farias Neto (2011, p. 178):

A princípio, os partidos foram organizações puramente eleitorais, cuja função essencial consistia em assegurar o êxito de seus candidatos. Nesse contexto, a eleição era o fim e o partido era o meio. Depois, o partido desenvolveu funções próprias como organização capacitada para a ação direta e sistemática sobre a atividade política, colocando a eleição em serviço da propaganda partidária.

A situação hoje é inversa: as eleições é que se prestam a garantir o crescimento das agremiações, de sorte que “o partido ficou sendo o fim, e a eleição ficou sendo o meio”. Entretanto, durante largo período, as agremiações partidárias sobreviveram sem que houvesse um tratamento jurídico que as regulasse.

LEITURA COMPLEMENTAR 2

TÓPICO 4 | PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

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Eduardo Sánchez explica que, para a época, sua constituição e suas atividades pertenciam à esfera privada. Ainda, não tinham relação alguma com as instituições estatais. Superada tal fase, seguiu-se um estágio conturbado, caracterizado por uma legislação de propósitos restritivos, com a imposição de condições específicas para o funcionamento dos partidos. Existiam, em vários casos, proibições explícitas, geralmente dirigidas às agremiações de orientação marxista.

A última etapa do evolucionismo partidário, portanto, viria com o seu reconhecimento institucional, ocorrido após o término da Segunda Guerra Mundial. Na visão de Karl Lowenstein, quando já não se podia ignorar por mais tempo a importância das agremiações partidárias na vida democrática constitucional, o tabu se rompeu, e a temática partidária afinal surgiu nos textos das mais diversas constituições.

Hoje, os partidos políticos aparecem como elementos indispensáveis à sobrevivência dos regimes democráticos modernos. Como pregava Darcy Azambuja, os defeitos dos partidos são, em verdade, defeitos dos homens. Devemos seguir corrigindo-os, para que, em marcos saudáveis, possamos mantê-los. Apesar de suas falhas, não há como negar que os partidos políticos constituem peças fundamentais na mecânica da democracia.

FONTE: ALVIM, Frederico. A evolução histórica dos partidos políticos. Brasília: TSE, 2017. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-6-ano-3/a-evolucao-historica-dos-partidos-politicos>. Acesso em: 17 jul. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• Denominamos de partidos políticos as alianças de cidadãos unidos por determinada ideologia política. São agrupados de maneira organizada por meio de instituições políticas possuidoras de personalidade jurídica de direito privado.

• O sistema partidário de um Estado pode ser classificado no que diz respeito ao número de partidos existentes dentro dele, podendo esse sistema ser: partido único, bipartidário ou pluripartidário.

• Em relação às maneiras de atuação dos partidos, estes podem ser: partidos nacionais, regionais ou locais.

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AUTOATIVIDADE

1 De que maneira podemos conceituar os denominados partidos políticos?

2 Explique o porquê de atualmente os partidos políticos estarem se tornando, muitas vezes, meros instrumentos de poder.

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UNIDADE 2

CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• destacar a importância do estudo da sociologia;

• identificar os objetos e objetivos da sociologia;

• introduzir os principais elementos da Ciência da Sociologia;

• constatar as ideias principais da sociologia em destaque ao longo da história;

• perceber o contexto histórico dos pensamentos sociológicos, sobretudo na contemporaneidade;

• caracterizar a ideia central de cidadania e movimentos sociais.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos e, no final de cada um deles, você encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 2 – ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

TÓPICO 3 – PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 4 – CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

TÓPICO 5 – CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

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TÓPICO 1

INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, você será apresentado à Ciência da Sociologia. O estudo terá início com a elaboração do contexto histórico desta tão importante disciplina para o bom entendimento e funcionamento da nossa sociedade.

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

O conceito de sociologia começou a ser moldado na época em que se iniciava a Revolução Francesa, no fim do século XVIII. Esta revolução e a revolução burguesa da Inglaterra no século XVII ajudaram a desenvolver o modelo de produção capitalista no mundo ocidental, dando apresto ao processo liberal.

Em seguida, o capitalismo se solidificou no mundo moderno, asseverando as suas condições de produção e reprodução. Pode-se afirmar, então, que a sociologia teve sua origem no colo da modernidade. Ela é consequência do mundo moderno. Ianni (1988) elucida que o mundo moderno depende da sociologia para ser desvendado. Sem ela, o mundo seria mais confuso, incógnito, desconhecido.

A sociologia é a ciência da sociedade. Busca compreender as características da sociedade capitalista, sistema econômico, político e social que vigora desde sua criação em meados do século XIX. Como ciência, a sociologia nasceu durante o percurso de criação do Estado Liberal. O capitalismo se encontrava em fase de adequação como a nova forma de organização da sociedade.

A nova forma de organização social teve como pilar as, também novas, relações de trabalho. Todas as novidades fizeram com que os pensadores da época virassem olhares para o dinamismo das relações sociais. Passaram então a criar teorias que explicassem tais dinâmicas diante de diferentes posicionamentos políticos e sociais.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

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A sociologia vem, desde então, procurando elucidar as composições e procedimentos políticos, econômicos, sociais e culturais da coletividade. Está ligada com todas as vertentes de relações sociais, procurando entender desde os mecanismos de produção e coordenação até os mecanismos de autoridade, controle e poder social.

Os mecanismos estão sob o olhar da sociologia, sejam eles institucionalizados ou não, uma vez que os tipos de interações sociais citados sempre resultam em algum grau de exploração ou igualdade, elementos que também fazem parte dos estudos sociológicos.

No seu contexto histórico, a sociologia é apresentada como uma ciência em construção. O fato facilita a compreensão de que a sociologia não está ilesa a entrar em contradições, uma vez que o próprio sistema capitalista inúmeras vezes se coloca em posições contraditórias.

É preciso lembrar que as relações interpessoais entre os membros de uma comunidade se desenvolvem de maneiras altamente complexas, desde suas formas de coordenação até o desempenho de seus meios de diálogo.

A sociedade globalizada, da maneira que se coloca nos dias de hoje, adquiriu tal enredamento que se apresenta através de incontáveis facetas. Assim, tem se tornado cada vez mais difícil estudar a Ciência da Sociologia, uma vez que a problemática social atingiu níveis de dinamismo e complexidade inundados de linhas tênues e paradoxos constantemente em andamento.

Tudo faz com que os estudos sociológicos se posicionem em constante risco a conclusões simplificadas, necessitando de grande agilidade e eficiência de seus cientistas para poderem desvendar todas as ligações da coletividade contemporânea.

É necessário compreender as modificações sociais, culturais, ecológicas, políticas e econômicas pelas quais o mundo está passando. As modificações impedem que se fundamentem explicações simplificadas ou parciais.

O objetivo da Ciência da Sociologia não pode se apropriar da verdade. Todavia, os fatores não podem ser elementos influenciadores para a intimidação de cientistas, mas elementos desafiadores para seus estudos, com cunho motivacional.

A sociologia não aparece com intuito de solucionar os males ou os problemas de comunicação dos cidadãos. Ela surge como ciência e objetivando desvendar as relações sociais, fornecendo diferentes visões sobre a sociedade. A contribuição de seus estudos está na reflexão e compreensão sobre os caminhos da coletividade.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

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O objeto de trabalho de um analista social é, considerando as relações de classe com seus interesses e lutas, expor de maneira elucidativa como se dão e o porquê de elementos como a coordenação de um determinado Estado, os matizes de sua sociedade civil, a concentração de poder dentro de seu território e as modulações da exclusão social. Também deve estar atento aos fenômenos mundiais, como a globalização, capitalismo, neoliberalismo etc.

A construção da metodologia e a elaboração de elucidações para os fatos sociais são ocupações de um sociólogo. Dizem respeito às revelações extremamente imprescindíveis e essenciais para a percepção crítica da vida em sociedade.

É importante que os sociólogos exponham as percepções que são adquiridas através de um trabalho científico pela Ciência da Sociologia. Assim, a sociedade tem melhor visibilidade e compreensão de seus próprios atos, podendo optar por mudanças e evoluções em suas relações e formas de organização.

Assim como as distintas ciências sociais e históricas, a sociologia ambiciona a elaboração de alternativas para novos conhecimentos da realidade social. É através dela que os cidadãos podem repensar suas práticas sociais e políticas e, assim, facultam modificá-las ou não.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

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LEITURA COMPLEMENTAR

A PROIBIÇÃO DE INCESTO EM LÉVI-STRAUSS

Josefina Pimenta Lobato

A proibição do incesto é sem dúvida um fenômeno universal. Não há sociedade alguma em que não haja uma norma que interdite o casamento entre pessoas situadas em um determinado grau de parentesco.

As pretensas exceções à condenação unânime ao incesto e ao casamento de irmãos nas famílias reais do Egito antigo, do Império Inca ou do Havaí não devem ser tomadas como um indício da inexistência da noção de incesto e de sua proibição, por exemplo, mas apenas da adoção de uma forma diversa de classificar as relações que se enquadram na categoria.

A constatação de que as relações incestuosas têm sido consideradas, nas

mais diferentes épocas e lugares, como intrinsecamente perniciosas e condenáveis, não significa a universalidade de sua observância. Psicanalistas, sacerdotes, médicos e educadores sabem muito bem que as transgressões à proibição do incesto são uma realidade bem mais frequente do que geralmente se imagina.

Em busca das razões pelas quais o incesto tem sido tão veemente e extensivamente condenado, os cientistas sociais têm sugerido as mais diversas explicações. A proposta de Lévi-Strauss, a de que a proibição do incesto é universalmente imposta a fim de estabelecer a "troca de mulheres entre homens", condição indispensável à instituição do matrimônio, da família, do parentesco e da própria vida social, causou um grande impacto no contexto da reflexão antropológica, além de ter uma repercussão expressiva em outras áreas do saber.

Antes de abordar as argumentações propostas por Lévi-Strauss, que são de difícil compreensão e aceitação devido à originalidade e estranheza, farei algumas ressalvas e críticas para duas outras explicações relativas à universalidade da proibição do incesto, facilmente acatadas pela maior parte das pessoas.

Uma das explicações mais comuns quanto à universalidade da proibição do incesto segue uma crença muito difundida entre nós, a de que o incesto foi proibido a fim de proteger a espécie humana das consequências genéticas nefastas do casamento entre parentes próximos.

A fragilidade da explicação, aparentemente sólida e inquestionável, deve-se ao fato de ela não levar em conta um fator inegável: o de que é sobre as relações de parentesco, e não sobre as relações de consanguinidade que a proibição do incesto se constitui. A prevalência dos laços de parentesco nos de consanguinidade aparece claramente em sociedades cujo sistema de parentesco é unilinear.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

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Com efeito, em tais sociedades, a relação tida como incestuosa atinge certos parentes, como os primos paralelos (filhos de irmãos do mesmo sexo) que, do ponto de vista da consanguinidade, são idênticos aos primos cruzados (filhos de irmãos de sexo diferente).

Em tal relacionamento não há nenhuma interdição, uma vez que, de acordo com o sistema unilinear, eles não são parentes entre si, já que cada um deles pertence a um grupo de parentesco diferente.

Uma outra explicação se fundamenta na ideia de que haveria um horror

natural ao incesto devido a fatores genéticos ou a tendências psíquicas ligadas “ao papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a excitabilidade erótica”. Como contestação, basta considerar que, se houvesse um horror natural ao incesto e à falta de desejo de praticá-lo, não seria preciso proibi-lo, pois só se proíbe aquilo que se deseja.

Ainda, as constantes violações da proibição são uma prova suplementar de que não há nenhum horror instintivo ao tipo de relação. É preciso observar também que se o incesto é interdito socialmente é porque ele ameaça, de alguma forma, a ordem social.

Após ter demonstrado que as razões apresentadas pelos dois tipos de

explicação não se fundamentam em argumentações sólidas, Lévi-Strauss muda totalmente a forma de abordar a questão. Por um lado, ele se recusa a enfocar a proibição do incesto em termos biológicos ou psíquicos, pois o que realmente importa, no seu entender, são as razões que fazem do incesto algo socialmente inconcebível:

Nada existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique enquanto tais. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente condenável (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 526).

Por outro, ele abandona qualquer espécie de explicação substantiva ligada à existência ou não de alguma coisa intrínseca às pessoas, cuja relação é dita como incestuosa, que justifique a proibição do casamento entre elas. Adota uma abordagem estruturalista, na qual o fator explicativo encontra-se não nos termos, mas nas relações entre eles.

Sob o novo ângulo eminentemente estrutural, o que se deve levar em conta é, antes de tudo, a posição ocupada pelas pessoas, cujo casamento é classificado como incestuoso em um determinado sistema de parentesco.

A questão central da razão de ser da proibição do incesto consiste assim, antes de tudo, em saber por que as pessoas, que estão na posição de pai e irmão, não podem reivindicar como esposa aquela que está na posição de filha ou irmã.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

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Uma primeira resposta é que o objetivo primeiro da interdição do incesto é: imobilizar as mulheres no seio da família, a fim de que a divisão delas ou a competição por elas seja feita no grupo e sob o controle do grupo, e não em regime privado.

A proibição do incesto obriga-os a estabelecerem uma série de normas

através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição das mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar.

A necessidade de se regular a distribuição das mulheres e não a dos homens decorre do fato de as mulheres, como esposas, constituírem um valor essencial à vida do grupo “tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de vista social”.

A obrigação por parte dos homens, que se situam na posição de paternidade e de fraternidade, de darem suas filhas e irmãs em casamento a outros homens, que estão submetidos ao mesmo tipo de situação, constitui, assim, a finalidade última da proibição do incesto, o ponto central onde se revela a verdadeira natureza da regra aparentemente negativa:

A proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem a mãe, a irmã e a filha. É a regra do dom por excelência (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 522).

Como ocorre com toda dádiva, a dádiva matrimonial cria naqueles que a recebem a obrigação de retribuir e assim sucessivamente. Através da constituição do circuito ininterrupto de dádivas recíprocas, a proibição do incesto estabelece a troca de mulheres como base inelutável de qualquer espécie de instituição matrimonial.

FONTE: LOBATO, Josefina Pimenta. A proibição de incesto em Lévi-Strauss. Revista Oficina, Belo Horizonte, ano 6, n. 9, p.14-20, jun. 1999.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• O conceito de sociologia começou a ser moldado no fim do século XVIII.

• A sociologia teve sua origem no colo da modernidade. Ela é consequência do mundo moderno.

• A sociologia é a ciência da sociedade.

• Busca compreender as características da sociedade capitalista, sistema econômico, político e social.

• Como ciência, a sociologia nasceu durante o percurso de criação do Estado Liberal.

• Teve como pilar as, também novas, relações de trabalho.

• A sociologia procura elucidar as composições e procedimentos políticos, econômicos, sociais e culturais da coletividade.

• No seu contexto histórico, a sociologia se apresenta como uma ciência em construção.

• É necessário compreender as modificações sociais, culturais, ecológicas, políticas e econômicas que o mundo está passando.

• O objetivo da Ciência da Sociologia não pode se apropriar da verdade.

• A sociologia surge como ciência e objetivando desvendar as relações sociais, fornecendo diferentes visões sobre a sociedade.

• A construção da metodologia e a elaboração de elucidações para os fatos sociais são ocupações de um sociólogo.

• Assim como as distintas ciências sociais e históricas, a sociologia ambiciona a elaboração de alternativas para novos conhecimentos da realidade social.

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AUTOATIVIDADE

1 Explique o que é a Ciência da Sociologia, exibindo quais são seus objetos de estudo e seus objetivos.

2 De acordo com o que você estudou, disserte sobre a importância do olhar sociológico dentro de uma sociedade.

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TÓPICO 2

ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, você encontrará a estruturação do conhecimento na Ciência da Sociologia. Será analisada a ideia central deste estudo, conceituando elementos importantes para sua organização, como historicidade, senso comum e comunidade.

2 O SENSO COMUM

Ao falarmos de sociologia, é importante observarmos os elementos principais acerca do conceito dessa ciência social tão dinâmica. Ao pensarmos os seus elementos separadamente, torna-se mais fácil a compreensão da estrutura que dá base à sociologia como um todo.

O primeiro elemento a ser observado deve ser o senso comum. Cabe aqui começarmos destacando os pontos que diferenciam um conhecimento de senso comum de um conhecimento científico.

Quando falamos em senso comum, estamos falando em um conhecimento fundamentado nos experimentos habituais dos cidadãos. São as certezas cotidianas, oriundas da experiência de vida de cada um.

Determinado tipo de sabedoria se difere do conhecimento científico, uma vez que o segundo é elaborado através de uma preparação metódica rigorosa. O senso comum pode tanto se fundamentar em experiências individualizadas de cada pessoa, como em experiências compartilhadas por todos ou pela maioria dos membros de uma determinada sociedade. Para aprender a tomar banho, usar roupas e outras práticas simples do cotidiano, ninguém precisou realizar algum tipo de investigação científica. Bastou a experiência de vida, além das recomendações e advertências dos mais velhos etc.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

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Já quando falamos em conhecimentos sobre física, por exemplo, números como a velocidade da luz, o tempo de duração que cada planeta leva para completar a volta em torno do Sol etc., estamos lidando com conhecimentos científicos. Ninguém aprendeu tais números apenas vivendo a vida cotidianamente.

Pode-se afirmar que o senso comum é o modo de conhecimento extraído de maneira não organizada, sem estudo prévio. O conhecimento científico é a extração de experiências tentadas propositalmente e de maneira estudada, com a finalidade de obter algum resultado determinado.

O senso comum se refere à simples noção pública, é um código cultural

hegemônico dentro da comunidade. É o código de conduta da vida coletiva e individual para a vida naquele território. São opiniões concretas, passadas de cidadão para cidadão em formato de sugestões, conselhos, advertências etc.

Pode-se também nomeá-lo como princípios. São princípios de comportamento moral que acabam por se tornar normativos quando se acham estruturados na tradição e costumes de uma sociedade em questão.

O senso comum é legitimado através da vivência das pessoas. Os cidadãos desenvolvem práticas sociais e, por meio destas, defendem sua maneira de vida ou, ainda, percebendo uma má vivência, propõem novas práticas sociais.

Pode-se afirmar então que, de maneira generalizada, o senso comum é um saber sem precisão, pois é adquirido sem critérios e exercido sem exatidão. Ainda assim, é um dos elementos para a compreensão plena dos fatos sociais.

Importante destacar que o conhecimento de senso comum também possui um papel importante na evolução social, uma vez que é um elemento de fácil acesso para as massas populacionais excluídas socialmente e, assim, norteia as ações dessa parte da comunidade.

É justamente a parcela populacional mencionada que se encontra distante do acesso ao conhecimento científico. Logo, pauta suas práticas sociais apenas no senso comum que foi transferido por meio dos costumes de seu meio.

É possível citar muitos exemplos de situações dentro de uma comunidade que, ao se transformarem em episódios sociais não resolvidos, não serão apenas estudados pelos cientistas sociais, mas também vivenciados, percebidos e compreendidos pela massa social excluída.

Como exemplo de tal tipo de fenômeno social, temos problemas como desemprego, mortalidade infantil, marginalização, tráfico de drogas, tráfico de armas, direitos trabalhistas, situação penitenciária, dentre inúmeros outros.

TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

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3 A HISTORICIDADE

Como já vimos, existem alguns elementos para a construção do pensamento em sociologia, além do senso comum. Um elemento igualmente importante e necessário para tal construção, o que chamamos de historicidade.

Para compreendermos os fenômenos estudados na Ciência da Sociologia, é essencial a observação da historicidade dos fatos sociais a serem estudados. É imprescindível que os cientistas sociais tenham em consideração a historicidade do objeto de seu estudo.

Caso contrário, estarão perdendo o ponto central da ciência social e deixando de analisar quais movimentações sociais fizeram o fato social em questão se tornar atualmente tão relevante a ponto de chamar atenção dos cientistas sociais para que produzissem pesquisas sobre ele. Lembremos que toda pesquisa científica traz a necessidade de fundamentação/justificativa/relevância para que seja elaborada.

Para que se obtenha a historicidade de determinado fato social, é fundamental que o cientista observe as relações que existem entre os componentes do processo de criação do fato, sua historicidade. É preciso que se descubra a relação entre os sujeitos do fato e o todo que integra seu processo.

São partes integrantes de um processo, além dos sujeitos e o problema detectado, o lugar e o tempo em que tal fenômeno ocorreu. Resumindo, os fenômenos sociais são, antes de tudo, eventos históricos. São a consequência de processos históricos.

Assim, os fatos sociais, para serem estudados como processos, precisam ser compreendidos historicamente. É necessário que se leve em consideração o que ocorria na determinada comunidade na época em que o fato social em questão teve início. Importante ressaltar que quando falamos em historicidade, estamos abrangendo também o presente. Na historicidade, temos o encontro das questões do passado com o presente.

Ao analisarmos os históricos de um fato, desde sua criação até o momento presente, adquirimos compreensão dos porquês de tal fato social, além de obtermos também perspectivas para possíveis mudanças sociais necessárias.

4 COMUNIDADE

O último elemento a ser visto neste tópico é a comunidade, um componente de imprescindível relevância para o estudo da sociologia como ciência a partir do século XIX. A comunidade apresenta aspectos sociais diversificados ao longo da história, sendo sempre objeto de estudo dos cientistas sociais.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

66

Em suma, podemos afirmar que a comunidade é formada por diferentes grupos sociais que se encontram ligados por laço afetuoso. A afetividade entre os cidadãos de uma comunidade ocorre, primeiramente, pelo fato de que se encontram próximos fisicamente uns dos outros, dividem o mesmo território.

IMPORTANTE

Para reconhecer, através da perspectiva sociológica, uma comunidade, é preciso então que se identifique um território geográfico com limites determinados em sua extensão e um contato social básico entre os indivíduos ali coabitantes (este último podendo ser caracterizado simplesmente pela proximidade física).

Ainda, a fim de reconhecimento do conceito de comunidade, é possível identificar, respectivamente:

• Nitidez: no que se refere aos próprios limites territoriais já mencionados. As comunidades são detentoras de espaço geográfico delimitado.

• Pequenez: a comunidade é um todo formado por vários núcleos de menores dimensões. Aqui pode-se reconhecer um ou mais grupos formadores da comunidade.

• Homogeneidade: no que se refere ao conjunto de atividades praticadas pela comunidade. Percebe-se as atividades exercidas por grupos de mesma faixa de idade, gênero, dentre outras características que comumente proporcionam proximidade entre os cidadãos.

• Relações pessoais: por último, os grupos unidos por relações pessoais de vínculos emocionais. São as relações de caráter afetivo emocionalmente, podem ou não aparecer em conjunto com as relações do item anterior, homogeneidade.

Na visão de Weber (1997), comunidade só é existente quando o fundamento do já referido laço afetivo é encontrado na ação dos indivíduos. Não é suficiente que a ação seja nem de todos e nem de cada um dos indivíduos.

A ação destes deve ser impulsionada pelo sentimento de desenvolver um todo, um sentimento de comunidade. Deve partir dos laços afetivos e agindo em prol de um bem comum (não o bem de todos e nem o bem de cada um, mas o bem para o crescimento enquanto comunidade).

Ainda, comunidade é uma definição extensa e que compreende diversos eventos heterogêneos. Contudo, a comunidade tem como fundamento de suas ações os laços afetivos, emotivos e habituais. A maioria das relações sociais participa tanto da comunidade como da sociedade.

TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

67

IMPORTANTE

São exemplos de comunidade: família, vizinhança, uma aldeia agropecuária e todos os grupos ligados pelas características vistas anteriormente, não devendo ser confundida com sociedade (conceitos que vimos na Unidade 1 deste livro).

Os indivíduos que formam uma comunidade vão ter suas ações pautadas por vontades semelhantes. A proximidade física e a cultural fazem com que busquem as mesmas coisas. Trabalham com fins de alcançar um bem que é comum a todos. Os participantes de uma comunidade possuem um alto grau de intimidade entre eles. Determinada intimidade é oriunda do contato social primário que é exercido.

Para ficar mais fácil, fixamos que família é o exemplo principal de

comunidade: um agrupamento humano, de contato social primário, possuidores de um grau proeminente de intimidade.

Ainda, cabe questionar como fica a questão das comunidades em um país de território tão vasto e integrado por uma diversidade significante de culturas e costumes como o nosso país, Brasil.

Como exemplo de comunidades culturalmente muito diferentes no Brasil, podemos citar as principais, sendo elas as comunidades indígenas, as populações ribeirinhas, quilombolas, povos de terreiro e ciganos.

A partir da diversificação cultural e estrutural de comunidades, as leis brasileiras são elaboradas para poderem abranger a todos, trazendo uma visão um pouco diferenciada do conceito de comunidade e de acordo com sua realidade. As comunidades primitivas brasileiras se organizam de maneira diferenciada da sociedade geral e de acordo com os seguintes elementos:

• Formas próprias: de organização social; de uso do território tradicional; de uso de recursos naturais.

• Reprodução cultural acontece de modo: social; ancestral; religioso; econômico.

Dentro das comunidades, os indivíduos praticam rigorosamente as tradições, sendo elas responsáveis por qualquer método de conseguir conhecimento.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

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Outro questionamento válido é sobre a questão da situação das comunidades em um mundo complexo e globalizado em que vivemos hoje. É movimento comum entre os indivíduos a resistência ao processo de globalização. Ocorre que as organizações comunitárias possibilitam a sensação de pertencer a algo e a proximidade afetiva é algo que o ser humano busca naturalmente.

A identidade cultural é um sentimento importante ao ser humano. Assim, a resistência à globalização acontece de maneira ferrenha por parte de alguns, uma vez que determinado sistema político e econômico tem como ideia central uma espécie de padronização cultural.

O fundamento de organização comunitária implica que, através de um processo de concentração social, os cidadãos participem de aglomerações urbanas em grupos protetores de seus interesses em comum. A sensação de fazer parte de um grupo e a identificação cultural dão base para as organizações comunitárias.

O processo de globalização trouxe consigo um avanço industrial e tecnológico que desencadeou a formação de comunidades urbanas diferenciadas. Tribos urbanas foram elaboradas nos grandes centros, especialmente nas áreas periféricas. Como exemplos das comunidades podemos citar os rappers, os surfistas, os punks, dentre outros.

Ainda, outro advento da sociedade moderna é o que se distingue como comunidades virtuais, não podendo ser enquadradas adequadamente no termo comunidade. Tais grupos, formados exclusivamente pelo contato virtual, exercem o processo inverso no elemento afetivo da comunidade.

As relações não acontecem por contato primário, mas virtualmente. Não são relações que podemos chamar de pessoais. Exemplo de comunidades virtuais são Facebook, Twitter, o antigo Orkut, dentre outros.

TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

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LEITURA COMPLEMENTAR

COMUNIDADE, GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO: UM ENSAIO SOBRE A DESCONVERSÃO DO SOCIAL

Pablo de Marinis

Cabe agora considerar outros processos que operam de baixo e de dentro do espaço do estado-nacional social e que estão ligados a uma reinvenção da comunidade, atualmente em curso. A reinvenção da comunidade dá-se por meio de um duplo jogo, em que se observará outra vez que não se trata de pensar o Estado como uma mera vítima passiva de fenômenos que não pode comandar.

Ainda, a globalização não é somente um processo inelutável perante o qual os Estados têm necessariamente que se dobrar. Também nos processos de reinvenção da comunidade podem ocorrer situações similares.

Nelas, o Estado pode, por um lado, ser um agente ativo na invenção,

constituição ou promoção de comunidades e, em outros casos, deve responder a iniciativas e a demandas de caráter comunitário.

Em qualquer dos casos, continua sempre estando presente um esforço de economização de meios de governo por parte do Estado, porém não só com a finalidade de retirar-se e desobrigar-se das incumbências que até então eram inerentes, mas para governar mais e melhor. Assim, têm lugar iniciativas de um Estado adelgaçado, que constroem comunidades como objeto específico de algumas políticas de governo.

O Estado estimula a prudência dos atores (O’MALLEY, 1996), convoca o ativismo e a participação. Ainda, estimula a assunção de crescentes e diversificadas responsabilidades por parte das comunidades na criação, definição e gestão de seus próprios destinos e condições de existência.

Tudo ocorre sem apelar à linguagem da cidadania social que impregnou

durante décadas o discurso estatal. A interpelação acontece diretamente nas comunidades que passam a ser concebidas como as modalidades predominantes de agregação de sujeitos. As novas tecnologias de governo neoliberais tendem a governar através da comunidade (ROSE, 1966).

Assim, o apelo à participação dos governados se inscreve com maiúsculas

nesses programas. Ainda, há outra direção no processo e é justamente a que procede de baixo. Neste caso, são indivíduos, agrupamentos, famílias, “tribos” (MAFFESOLI, 1990) que constroem suas identidades particulares, recortadas e específicas na base de atributos mais ou menos identificáveis e vinculadas, por exemplo, à crença religiosa, à etnia, à orientação sexual, à idade, a alguma forma de consumo cultural, à ocupação ou à profissão, à condição de gênero, à disparidade, à condição de sobrevivente ou de familiar de vítima de violações aos direitos humanos, à inserção em uma localidade etc.

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

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As comunidades organizam suas ocupações vitais, manifestando uma renovada ênfase nos contextos micromorais de suas experiências. Em síntese, o jogo é duplo e revela importantes transformações nas práticas de governo.

O Estado já não apela, pois não mais se dirige ampla e ostensivamente ao conjunto da sociedade, ou seja, ao conjunto de cidadãos de uma nação politicamente regulada por ele (como aconteceu até a época do Estado de Bem-Estar), mas dirige-se diretamente a algumas comunidades especificamente recortadas.

Promove e fortalece a participação em tarefas de governo. Do outro lado, as comunidades se (auto) ativam para moldar seus perfis identitários e articulam suas demandas para autoridades de diversos tipos.

Assim, novas identidades emergem, ou velhas identidades são fortemente

ressignificadas: o vizinho deste ou daquele bairro ou cidade; o consumidor de tais ou quais bens ou serviços; o usuário de algum programa de política pública. Mesmo quando pode continuar sendo invocada, ressente-se a histórica figura do cidadão. Em alguns casos, cai-se ou se é arremessado, simplesmente, em determinada comunidade, sem demasiadas opções de escolha ou resistência.

Em outros casos, a adesão à comunidade provoca operações complexas e

construtoras de identificação dos que são como todos. Quando o contexto social mais amplo se torna crescentemente frio, distante, hostil, a comunidade converte-se na forma mais adequada de estar chez soi, um lugar no qual nunca somos estranhos uns para os outros (BAUMAN, 2003).

No seio das comunidades se manifesta uma espécie de reaquecimento dos

vínculos, porém de um tipo fundado no recolhimento da própria territorialidade comunitária, sem referências a totalidades mais amplas.

Retomando os argumentos do segundo item deste trabalho, é possível afirmar a boa saúde da comunidade. A temerosa suposição dos sociólogos clássicos, de que a Gesellschaft pudesse terminar acabando com todos os contextos cálidos de interação próxima, não foi verificada na realidade. A comunidade continua gozando, de fato, de boa saúde.

Tem sentido continuar usando o termo comunidade quando se manifesta

tal diversidade empírica de comunidades realmente existentes, ou seja, quando comunidade parece ser o nome que se pode dar para qualquer tipo de agrupamento humano? Continua sendo utilidade recorrer ao conceito sociológico que, de Tönnies em diante, experimentou tal reviravolta semântica? Tais perguntas não serão abordadas neste artigo, porém tratamos de sublinhar a extraordinária persistência da comunidade (ou do desejo ou da necessidade da comunidade) no discurso contemporâneo.

Não há praticamente nenhuma forma de ação coletiva que, em algum momento, não recorra à fórmula de marca comunitária para recrutar novos membros e definir seus planos de ação, desde coletivos de trabalhadores desempregados que reivindicam assistência do Estado até vizinhos de classe média que exigem proteção policial.

TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

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Não existe quase nenhum programa estatal que prescinda do uso de um vocabulário ou de um jargão de marca comunitarista para a definição de seus targets de governo, desde a prevenção comunitária do delito até a atenção à diversidade das diferentes comunidades educativas.

Se o termo vai continuar sendo utilizado, será necessário especificar

de qual comunidade se trata. Hoje, como ontem, continua sendo inerente aos membros de uma comunidade essa sensação de mais ou menos juntos e de avanço (ou retrocesso) em caminhos comuns de ação.

Em qualquer caso, é preciso estabelecer precisões sobre as enormes

diferenças que podem se vislumbrar entre as velhas comunidades pré-modernas e as da contemporaneidade, próprias de uma época decididamente pós-social.

As velhas comunidades eram de inscrição compulsiva. Ao contrário, as novas comunidades estão marcadas por uma espécie de vontade de escolha e têm um cheiro a liberdade, a ação proativa ou reativa diante das contingências de um mundo cujos riscos devem ser assumidos individualmente ou no marco de comunidades próximas.

Em segundo lugar, a temporalidade. As velhas comunidades se enraizavam em um passado ancestral e eram consideradas, em princípio, eternas. Contudo, as comunidades do presente se caracterizam por sua não permanência, por sua evanescência, por serem apenas até novo aviso, até que satisfaçam as necessidades pelas quais surgiram.

Em terceiro lugar, o território. A velha comunidade era a comunidade do território. Muitas das comunidades atuais estão (ou são) desterritorializadas, não requerem a copresença, podendo ser, inclusive, virtuais. Em quarto lugar, a velha comunidade era o reino do Uno e somente se podia pertencer a ela. Em troca, as novas comunidades são plurais: os indivíduos podem aderir a muitas delas ao mesmo tempo, podem entrar e sair, porque assim desejam ou porque são expulsos.

Os indivíduos desenvolvem e encenam apenas parte do que são e cada uma das partes pressupõe uma pluralidade de requisitos normativos. Para concluir as comparações: as velhas comunidades constituíam uma totalidade orgânica. Aliás, tratavam-se de um todo sem maiores divisões interiores.

As novas comunidades estabelecem um arquipélago de partes sem todo,

sem borda exterior, sem continente. A sociedade, como realidade e como conceito, parece perder a capacidade de construir esse todo.

FONTE: DE MARINIS, Pablo. Comunidade, globalização e educação: um ensaio sobre a desconversão do social. Pro-Posições, v. 19, n. 3, p. 19-45, set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n3/v19n3a03.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Quando falamos em senso comum, estamos falando em um conhecimento fundamentado nos experimentos habituais dos cidadãos. São as certezas cotidianas, oriundas da experiência de vida de cada um.

• Podemos afirmar que o senso comum é o modo de conhecimento extraído de maneira não organizada, sem estudo prévio.

• O conhecimento científico é a extração de experiências tentadas propositalmente de maneira estudada. Ainda, tem a finalidade de obter algum resultado determinado.

• Podemos também chamar o senso comum de princípios. São princípios de comportamento moral que se tornam normativos quando são estruturados na tradição e nos costumes de uma sociedade em questão.

• O senso comum é legitimado através da vivência das pessoas. Os cidadãos desenvolvem práticas sociais e, por meio destas, defendem sua maneira de vida. Ainda, percebendo uma má vivência, propõem novas práticas sociais.

• Para compreendermos os fenômenos estudados, é essencial a observação da historicidade dos fatos sociais a serem estudados.

• Para que seja obtida a historicidade de determinado fato social, é fundamental que o cientista observe as relações que existem entre os componentes do processo de criação do fato, sua historicidade.

• São partes integrantes de um processo, além dos sujeitos e o problema detectado, o lugar e o tempo em que tal fenômeno ocorreu.

• Comunidade é formada por diferentes grupos sociais que são ligados por laço afetivo.

• Os indivíduos que formam uma comunidade vão ter suas ações pautadas por vontades semelhantes. A proximidade física e a cultural fazem buscar as mesmas coisas. Trabalham para um bem que é comum a todos.

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• Como exemplo de comunidades culturalmente muito diferentes no Brasil, podemos citar as principais, sendo elas as comunidades indígenas, as populações ribeirinhas, quilombolas, povos de terreiro e ciganos.

• A sensação de fazer parte de um grupo e a identificação cultural dão base para as organizações comunitárias.

• O processo de globalização trouxe consigo um avanço industrial e tecnológico que desencadeou a formação de comunidades urbanas diferenciadas.

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AUTOATIVIDADE

1 Conceitue comunidade e sociedade, destacando os principais pontos que diferem uma da outra.

2 Explique de que maneira o fenômeno da globalização interfere nas organizações comunitárias.

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TÓPICO 3

PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, serão destacados alguns dos principais autores da sociologia e abordaremos, de maneira básica, os pontos centrais das suas teorias. São eles: Augusto Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx.

2 AUGUSTO COMTE

Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 1798-Paris, 1857) foi um filósofo francês. Ele deu origem ao termo sociologia. Comte concentrou seu trabalho profundamente na criação de uma filosofia positiva.

O termo sociologia foi criado a partir da organização do curso de Filosofia Positiva em 1839, no qual Comte pretendia fazer uma síntese da produção científica, ou seja, procurar saber tudo o que havia se acumulado no que diz respeito aos conhecimentos e métodos científicos utilizados na matemática, física e biologia para, então, descobrir se era possível aproveitá-los na ciência social.

Considerado positivista, acreditava na supremacia científica e como ela poderia explicar todos os fenômenos independentemente de explicações da religião. Buscava na ciência respostas que pudessem ser usadas no preparo do ordenamento social.

Observava a sociedade em meio ao caos e à desordem e fazia previsões de um futuro em que a ordem científica e o meio industrial se tornassem mais atuantes. O sistema feudal, antes firmado pela agricultura e hierarquia, se transformara em um sistema capitalista, baseado em indústria e comércio.

O objetivo da positividade era promover um reordenamento disciplinar da sociedade através da compreensão das novas questões sociais que foram criadas. A partir dos estudos dos fenômenos sociais do passado, seria possível compreender o presente e prever o futuro da sociedade.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Com a inevitabilidade da implantação do sistema capitalista, imprescindível para o desenvolvimento da sociedade, ocorreria também a obsolescência da teologia como única forma de esclarecer o mundo. Impasses formados no processo deveriam ser solucionados para que não se tornassem empecilhos ao progresso cultural. Assim, Auguste Comte iniciou a sociologia, um estudo a ser continuado com o propósito de atingir um patamar de primazia e função.

Comte não chegou a viabilizar a sua aplicação. Seu trabalho apenas iniciou uma discussão que deveria ser continuada, a fim de que a sociologia alcançasse um estágio de maturidade e aplicabilidade.

3 ÉMILE DURKHEIM

Dando sequência e buscando fazer da sociologia uma ciência de visão positiva, aparece o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), cujo principal objetivo foi dar à sociologia credibilidade científica.

Assim, o estudo adquiriu um caráter mais técnico, definindo como e o que desejava alcançar. Com seus procedimentos particulares deixou, então, a posição conceitual para atingir o patamar científico. Durkheim entendia os obstáculos sociais da época, apesar de viver em um momento de otimismo, cercado de inovações tecnológicas, como a eletricidade e os carros.

Criou, então, procedimentos de análise e verificação que tinham o objetivo de capacitar o estudo. No entanto, na sociologia, não é fácil representar um acontecimento social em ambiente controlado a fim de obter um resultado único, como se faz em um laboratório, por exemplo. Apesar disso, determinados episódios poderiam ser objetos de observação, como o suicídio, a família, a escola e as leis.

Sugeriu diretrizes para distinguir o tipo de fenômeno para ser assunto da sociologia, intitulando fatos sociais, que podem ser separados por suas características:

• Coletivo ou geral: significa que o fenômeno é comum a todos os membros de um grupo.

• Exterior ao indivíduo: ele acontece independentemente da vontade individual.

• Coercitivo: os indivíduos são “obrigados” a seguir o comportamento estabelecido pelo grupo.

TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

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IMPORTANTE

Vem do estudo de Durkheim o conhecido termo “consciência coletiva”, que, de acordo com ele, é o conjunto de crenças e sentimentos comuns para a média dos membros de uma mesma sociedade.

A humanidade está em constante evolução, o que pode ser caracterizado pelo aumento dos papéis sociais ou funções. Acredita que existem sociedades que se estabelecem sob o modelo de solidariedade chamado mecânica e outras sociedades com um modelo de solidariedade orgânica.

As sociedades estabelecidas sob o modo de solidariedade mecânica seriam aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais. Todos os membros viveriam de maneira parecida e, normalmente, ligados por crenças e sentimentos comuns, o que ele chama de consciência coletiva.

Ações próprias seriam reparadas pelos demais, como em comunidades indígenas, em que pessoas convivem e trabalham indistintamente, unidas por suas crenças e valores. Se uma pessoa passasse a atuar por conta própria, não seria difícil notar e identificar prontamente quem estaria “subvertendo” o modo de vida local.

Outros exemplos são os mutirões para colheita em regiões agrárias para reconstrução de áreas devastadas por desastres naturais ou, até mesmo, participação em campanhas para coleta de alimentos.

As sociedades de solidariedade orgânica, mais comuns no mundo moderno, oferecem muitos papéis sociais, tendo em vista as inúmeras atividades que podem existir nas cidades. Ainda mesmo com uma grande separação e quantidade de funções, o sociólogo acreditava que todas elas deveriam funcionar em conjunto e cooperativamente e, exatamente por esse motivo, foram denominadas de orgânica. Diminui-se, entretanto, o grau de controle da sociedade sobre cada pessoa.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

4 MAX WEBER

Maximillian Carl Emil Weber foi um proeminente sociólogo que deu início à sua carreira em 1882. Nascido na cidade de Erfurt, Alemanha, no ano de 1864. Foi na Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg que acompanhou aulas de economia política, história e teologia. Em seguida, em 1889, tornou-se, na Universidade de Berlim, doutor em Direito.

É tido como um dos clássicos da sociologia e buscou a possibilidade da interpretação da sociedade partindo não dos fatos sociais já consolidados e das suas características externas, mas sugeriu começar pelo indivíduo que nela vive, ou melhor, pela verificação das “intenções”, “motivações”, “valores” e “expectativas” que orientam as ações do indivíduo na sociedade.

Seus estudos recaíram nas questões teóricas e metodológicas para o desdobramento de estudos históricos e sociológicos no que diz respeito ao princípio da civilização ocidental e seu lugar na história. Suas mais importantes obras são lidas até a atualidade. Dialogou com Marx e Durkheim e criou um novo entendimento para a sociologia.

A sociologia seria capaz de criar procedimentos de investigação que possibilitariam analisar qual conjunto de motivações, valores e expectativas comuns estaria orientando a ação dos indivíduos envolvidos no fenômeno que se quer compreender. Deveria ser possível realizar previsões levando em consideração o que, na ocasião dada, seria o conjunto de valores, motivações, intenções e expectativas compartilhados pelo grupo de foco.

IMPORTANTE

Max Weber foi um dos conselheiros da Alemanha no estabelecimento do "Tratado de Versalhes" (1919), bem como um dos responsáveis por redigir a "Constituição de Weimar". Inclusive, foi criador do "Artigo 48", que foi usado por Adolf Hitler para estabelecer seus poderes ditatoriais.

A chamada Sociologia Compreensiva nos auxilia a entender o mundo social de acordo com as ações dos indivíduos envolvidos. O indivíduo é a unidade fundamental neste estudo, pois se manifesta levando em consideração um sentido. Realidades como o Estado fazem apenas referências ao curso de ação e possibilitado uma ação social de indivíduos.

Assim, em grupos ou instituições concebidos pelo pensamento cotidiano ou pelo pensamento jurídico, as ações individuais guiam o coletivo e o coletivo (na qualidade de uma comissão) guia as ações.

TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

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O método compreensivo é, então, a forma proposta por Weber para a pesquisa. É uma interpretação do passado, além das suas repercussões na sociedade contemporânea. Assim, podemos compreender a ação social da humanidade através de conduta individual.

O método se constitui do entendimento do sentido que as ações de um indivíduo compreendem, além da concepção superficial. Se, por exemplo, uma pessoa dá para outra um pedaço de papel, não importa para o sociólogo. Apenas é válido quando sabemos que a primeira pessoa deu o papel para a outra pretendendo que assim quitasse uma dívida (dinheiro ou cheque). É uma ação carregada de sentido.

Quando um pedaço de papel tem uma função, como a de ser uma forma

de intermediar o comércio e pagamentos, passa a ter profundas definições sociais e pode, também, ser reconhecido por um grupo ainda maior.

O uso de métodos das ciências naturais, como a observação, comparação e estatística, por exemplo, não pode ser suficiente para a sociologia na assimilação de sentido das ações sociais.

A pesquisa histórica se torna importante para a observação das sociedades, pois ela permite a análise de distinções sociais que podem ser usadas como indícios do método compreensivo. Interpretamos o passado para contemplar reflexos de traços dele nas sociedades contemporâneas.

5 KARL MARX

O alemão Karl Marx (1818-1883), filósofo e economista, foi um dos responsáveis por proporcionar uma discussão crítica sobre a sociedade capitalista que começava a ser estabelecida em sua época. Ainda, Marx conseguiu observar os problemas sociais derivados dessa organização política e econômica.

Nas sociedades de tipo capitalista, a forma principal de conflito ocorria entre suas duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado. A partir da atividade comercial, a burguesia passou a ter a posse dos meios de produção, enriqueceu e também passou a fazer parte daqueles que controlavam o governo.

A influência serviu para que fossem criadas leis para a defesa da propriedade

privada, condição imprescindível para sua sobrevivência. Em desvantagem, a classe dos proletários, sem os meios de produção, permanece como parte fundamental no enriquecimento da burguesia, pois oferecia força de trabalho para as fábricas, que eram as novas unidades de produção do mundo moderno.

O objetivo de Marx era estudar com atenção a classe desfavorecida. Tinha a intenção de ajudar na mudança da sua condição de alienação, pois alienado é o indivíduo que não tem controle sobre o seu próprio trabalho no que diz respeito ao tempo e ao que é produzido.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

No capitalismo, o tempo do trabalhador e o produto do trabalho pertencem à burguesia, bem como parte da riqueza que é criada através do trabalho. O sistema capitalista tem como propósito a ampliação e a acumulação de riquezas e dos meios de produção.

O indivíduo deveria ser capaz de transformar a sociedade e sua história, mas nem sempre ele faz como deseja, pois as heranças da estrutura social o impedem. Não é apenas o homem que faz a história da sociedade, mas o inverso também acontece, com a sociedade construindo o homem em uma relação recíproca.

A sociedade está inserida em condições que determinarão até que ponto o homem pode construir a sua história e, através da lógica, é possível crer que a classe dominante tem maiores chances de fazer sua história como deseja, pois tem o poder econômico e político, enquanto a classe proletária está desprovida de meios para tal transformação.

A possibilidade para modificar a situação seria somente por intermédio

de uma revolução, pois assim a classe trabalhadora poderia assumir o controle dos meios de produção e tomar o poder político e econômico da burguesia.

A classe trabalhadora deveria, então, se organizar politicamente com consciência de sua condição e transformar a sociedade capitalista em socialista por intermédio da revolução. O socialismo prega que a propriedade coletiva deve tomar o lugar da propriedade privada.

TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

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LEITURA COMPLEMENTAR

A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA NOS ESTADOS ORGANIZACIONAIS: FOCO EM DURKHEIM

Augusto Cabral

Embora homens como Sócrates, preocupado com a definição de conceitos na busca pela essência das coisas, e Platão, com seu empenho em mostrar o caminho a ser seguido para ir da doxa (opinião) à episteme (ciência), tenham buscado um saber mais rigoroso, o conhecimento científico é relativamente recente.

Somente ao procurar o seu próprio caminho é que a ciência se desvincula da filosofia e passa a determinar objetos específicos a serem apreendidos e controlados pelo método. No lugar de uma ciência surgem, gradativamente, ciências particulares, com campos mais ou menos delimitados de pesquisa. O avanço ocorreu a partir do século XVII e tem a revolução galileana como um dos seus marcos.

Ao defender a substituição do modelo ptolomaico do mundo (o geocentrismo) pelo modelo copernicano (o heliocentrismo), Galileu provocou uma revolução não apenas científica, mas também política e epistemológica. Retirando a Terra do centro do universo, a nova visão quebrava hierarquias, democratizava espaços e transformava visões de mundo.

De seu papel contemplativo, a ciência, em sintonia com o então emergente novo modo de produção capitalista, vai se libertando da teologia para assumir um papel ativo como técnica e tecnologia de conhecimento e dominação das forças da natureza.

Na nova ordem burguesa, a ciência se solidifica, colocando o racionalismo no lugar da fé e do dogmatismo; a técnica, a observação e a experimentação no lugar da contemplação e, sobretudo, o antropocentrismo no lugar do teocentrismo dominante na Idade Média.

Em parte, é também de Galileu a herança da "matematização" da ciência como forma de se atingir uma linguagem rigorosa, precisa e capaz de evitar ambiguidades. Para Galileu, o caminho científico é constituído do encontro da matemática com a experimentação. As transformações ocorridas podem ser resumidas em quatro aspectos básicos (ARANHA; MARTINS, 1993):

• A secularização da consciência: o abandono da dimensão religiosa do saber medieval através da separação entre razão e fé, entre verdades científicas e verdades reveladas.

• A descentralização do cosmos: o deslocamento não apenas do lugar da Terra no universo, mas do lugar do homem no universo.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

• A geometrização do espaço: o fim da mistificação do lugar, da "sacralização" do espaço, que se torna homogêneo, quantificável e mensurável.

• Mecanicismo: o equacionamento da natureza e do homem com a máquina e com um conjunto de mecanismos regidos por leis, resultando na exclusão da ciência de considerações éticas, morais e filosóficas.

O poder demonstrado pelas ciências naturais na descrição, previsão e explicação de fenômenos resultou na convicção de que também as questões sociais e humanas poderiam ser estudadas sob a nova ótica científica, positivista e mecanicista. Foi então, a partir do século XVIII, que as ciências sociais começaram a constituir um campo coeso e sistemático. Para o estudo da sociedade, era necessário buscar a adaptação dos métodos de pesquisa do mundo natural.

Os primeiros enfoques enfatizavam a formulação e o teste de hipóteses para explicação e predição de fenômenos e também o uso de experimentos controlados e de técnicas estatísticas para a determinação de correlações entre fenômenos.

Ainda bastante comum atualmente entre os cientistas sociais com orientações e objetivos semelhantes aos dos cientistas naturais, determinado padrão de investigação é, genericamente, conhecido como naturalismo ou positivismo, e no campo das ciências humanas há Durkheim como um dos maiores expoentes.

Estabelecendo a tirania da observação objetiva dos fatos, o positivismo fixou para as ciências, inclusive as humanas, além da sociologia, critérios metodológicos rígidos. É no rastro das amarras que Durkheim desenvolveu o seu método sociológico.

Rejeitando interpretações inspiradas na psicologia ou na biologia, ele concentrou seu foco de atenção, por vezes de forma exagerada, nos determinantes socioestruturais dos problemas humanos. Como Aranha e Martins (1993, p. 188) observam, "a preocupação em tornar o sujeito das ciências humanas um objeto semelhante ao das ciências da natureza marcou com cores fortes a primeira tendência metodológica”.

Embora a supremacia dos enfoques positivistas mais ortodoxos seja mais branda na atualidade, ela continua se impondo. Em parte, por se verem presos aos rigores do positivismo, os cientistas sociais têm lutado para poderem construir suas explicações em um sólido alicerce de dados fatuais.

Segundo Scott (1990, p. 54), "o 'status' dos dados disponíveis deve, portanto, submeter-se a um rigoroso exame de controle de qualidade", uma vez que a qualidade da evidência disponível para análise constitui a base da pesquisa científica. Ainda de acordo com Scott (1990), um conjunto de critérios relativamente simples pode ser utilizado para avaliar a qualidade, independentemente do tipo de evidência com que se lida:

TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

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• Autenticidade: a evidência é genuína e de origem inquestionável?• Credibilidade: a evidência é livre de erros e distorções?• Representatividade: a evidência é típica de sua categoria e, se não for, a

extensão de sua atipicidade é conhecida?• Significado: a evidência é clara e compreensível?

Mais do que uma lista de tarefas a ser checada, os critérios de avaliação são incorporados ao saber do pesquisador experiente, tendendo, portanto, a serem utilizados de forma sutil, não rígida. Os critérios são interdependentes. A aplicação de um pretende invocar as conclusões que derivam da aplicação dos demais.

O significado interpretativo dos resultados apresentados pelo pesquisador é, na verdade, um julgamento inicial e provisório que deve ser revisto na medida em que novas descobertas o levam a reavaliar suas evidências (SCOTT, 1990). De qualquer maneira, o cientista social deve estar atento para uma questão: facts are not raw perceptions but are theoretically constructed observations (SCOTT, 1990).

Ao longo das últimas décadas, a palavra positivismo tem assumido diferentes conotações e tem sido utilizada não apenas de forma exaustiva, mas também, por vezes, de modo inadequado. Segundo Giddens (1997, p. 167), "'positivismo' tornou-se antes uma expressão ofensiva do que um termo técnico de filosofia". Confirmando a constatação, Burrell e Morgan (1994) argumentam que a palavra positivismo, mais do que um conceito descritivo útil, tornou-se um epíteto derrogatório.

A abrangência do termo torna difícil precisar tanto suas fronteiras quanto o seu alvo, confundindo as áreas de exclusão e inclusão. Como um guarda-chuva, o positivismo pode, conforme argumenta Domingues (1998), recobrir o empirismo inglês e o Iluminismo francês do início da modernidade, passando pelo materialismo naturalista do século XIX até o empirismo lógico e a filosofia analítica do século XX.

Embora alguns dos elementos do paradigma funcionalista remetam ao pensamento político e social dos gregos antigos, a determinação do seu ponto de origem é difícil. Por conveniência, a sua análise frequentemente começa com o trabalho de Comte, genericamente visto como o pai da sociologia.

Tido como o sociólogo da unidade humana e social, o filósofo francês Auguste Comte via o conhecimento e a sociedade como estando em um processo evolucionário, cujo estágio "inicial" seria o teológico ou fictício; "intermediário" sendo o metafísico ou abstrato e, o "final", o científico ou positivo.

As etapas foram formuladas em sua obra Curso de filosofia positiva (1830-42), constituindo a chamada "Lei dos três estágios", segundo a qual o conhecimento e a sociedade evoluem em uma direção bem definida.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

No primeiro estágio, os fenômenos são explicados em relação à vontade dos deuses e às realidades transcendentes. No segundo, recorremos a conceitos mais abstratos, referentes a processos universais, como "natureza". Ainda, no terceiro, o conhecimento se baseia na descrição dos fenômenos e na descoberta das leis objetivas.

A função da sociologia seria, então, compreender o necessário, indispensável e inevitável curso da história, de forma a promover a realização de uma nova ordem social. Para Comte, a racionalidade estava em ascendência, fundamentando a base de uma ordem social bem regulada. O enfoque positivista estruturaria o destino da humanidade, guiando-a para o tipo de sociedade ideal.

FONTE: CABRAL, Augusto. A Sociologia Funcionalista nos estudos organizacionais: foco em Durkheim. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-1, jul. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512004000200002>. Acesso em: 2 ago. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Augusto Comte deu origem ao termo sociologia.

• Comte partia da supremacia científica e da forma como ela poderia explicar todos os fenômenos independentemente de explicações da religião, como normalmente era feito naquele tempo.

• Comte buscava na ciência respostas que pudessem ser usadas no preparo do

ordenamento social.

• O objetivo da positividade era promover um reordenamento disciplinar da sociedade através da compreensão das novas questões sociais que foram criadas.

• Auguste Comte iniciou a sociologia, um estudo a ser continuado com o propósito de atingir um patamar de primazia e função.

• Há Émile Durkheim, cujo principal objetivo foi dar à sociologia credibilidade científica.

• Durkheim entendia os obstáculos sociais da época, apesar de viver em um momento de otimismo, cercado de inovações tecnológicas, como a eletricidade e os carros.

• As sociedades estabelecidas sob o modo de solidariedade mecânica seriam

aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais.

• As sociedades de solidariedade orgânica, mais comuns ao mundo moderno, oferecem muitos papéis sociais, tendo em vista as inúmeras atividades que podem existir nas cidades.

• Weber buscou a possibilidade da interpretação da sociedade partindo não dos fatos sociais já consolidados e das suas características externas, mas começou pelo indivíduo que nela vive.

• Nas sociedades de tipo capitalista, a forma principal de conflito ocorria entre suas duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado.

• O objetivo de Marx era estudar com atenção a classe desfavorecida. Tinha a intenção de ajudar na mudança da sua condição de alienação.

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1 Elabore um fluxograma com os principais pensadores estudados neste tópico e suas ideias centrais.

2 Explique como a época em que Karl Marx viveu influenciou em suas análises sociológicas.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, você será introduzido em pontos principais para a compreensão dos estudos da sociologia: os conceitos de ação e relação social. Assim, observará a organização de ideias que envolvem dominação e poder e sociedade e indivíduo.

2 DOMINAÇÃO E PODER

É um conceito criado para que possamos entender a origem da dominação e do poder na sociedade. Segundo Weber (2014, p. 392):

O Estado e as associações políticas que o precederam historicamente são uma relação de DOMINAÇÃO de seres humanos sobre seres humanos, apoiada no instrumento da violência legítima. Os homens dominados precisam se submeter, portanto, à autoridade continuamente reivindicada por aqueles que estão dominando no momento.

Weber (2014) entende que a dominação tem um papel decisivo nas relações de mando, ou seja, na definição de quem subjuga e de quem executa o que fora decidido. O sociólogo entende que a dominação determina um caso especial de poder. Poder, para Weber (1997, p. 10), significa “a possibilidade de impor a própria vontade sobre a conduta alheia e dentro de uma relação social”.

A dominação é observada nas mais variadas formas. Weber (1997) aponta dois tipos diferentes de dominação: a dominação mediante interesses, que se manifesta especialmente em situações de monopólio (de bens econômicos, bens culturais e poder político) e a dominação mediante a autoridade, que ocorre quando existe poder de mando e dever de obediência. As duas formas podem se converter ou até mesmo se combinar.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

A dominação e o exercício do poder necessitam encontrar, entre os dominados, legitimidade. Assim, são determinados três tipos de dominação legítima: legal, tradicional e carismática.

• Legal: a dominação legal é o tipo mais autêntico. Ela está representada pela burocracia. As leis devem ser obedecidas. Mesmo quem ordena está sujeito à lei. A dominação legal, portanto, corresponde à estrutura moderna do Estado.

• Tradicional: tem como modelo mais comum a dominação patriarcal, visto que há um senhor que ordena e um conjunto de pessoas que o segue. As pessoas que obedecem são classificadas de acordo com o contexto histórico, súditos, servidores etc.

• Carismática: acontece pela devoção afetiva em relação à pessoa que domina e seus dotes, supostamente sobrenaturais. O tipo que manda é o líder e o que obedece é o apóstolo. A obediência acontece por suas qualidades, sem nenhuma relação com a tradição, seja ela qual for, ou com a lei.

3 SOCIEDADE E INDIVÍDUO

A sociologia busca compreender a ação e interpretá-la. Assim, os indivíduos decidem por uma ação específica por quais motivos?

A sociedade determinada não é algo exterior e superior aos indivíduos. Ela se forma pelo composto de ações de indivíduos se relacionando. Para Weber (1997), não existe oposição entre indivíduo e sociedade. As normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação. A categorização determinada por Weber considera a divisão em relação aos fins e valores, que são compreendidos no desenvolvimento da ação.

4 AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

O conceito de ação social é baseado na sociologia de Max Weber, considerado o criador da Sociologia Compreensiva, que tem como objetivo o estudo do sentido das ações sociais.

De acordo com Weber (1997), o conceito de ação social só existe quando está orientado pela ação dos outros. Um indivíduo que pratica uma ação solitariamente não está desempenhando uma ação social. Só é considerada ação social quando uma pessoa a realiza com um motivo anteriormente determinado.

A ação social racional motivada por fins é quando a ação é especificamente racional. Define-se um objetivo concreto e este é, então, racionalmente avaliado e perseguido. Há a escolha das melhores condições para se realizar um fim.

TÓPICO 4 | CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

89

Na ação social racional motivada por valores, o importante não é o fim ou o resultado em si, mas o meio. É resolvido pela consciência do valor ou conduta (ética, estética, fé religiosa, política ou de qualquer outra forma) particular do sujeito. A atitude objetiva, prioritariamente, a manutenção da própria honra, seja ela qual for.

A ação social afetiva é a conduta orientada por sentimentos motivadores, estado de humor ou consciência do autor: euforia, desejo, vingança, ciúmes, esperança, devoção, inveja, amor, medo etc. Determinada por um reflexo emocional.

Ainda, há a ação social tradicional, que é reproduzida a partir de geração para geração e com forte apelo à tradição, hábitos e costumes. Prática associada à tradição, sem necessitar de um fim, valor ou decorrências emocionais. Sujeita-se apenas a condicionamentos, frutos de costumes.

FIGURA 1 – CARACTERIZAÇÃO DA AÇÃO SOCIAL

Conduta específica baseada

nos méritos de valores pessoais

Satisfação das necessidades criadas por um estado emocional

Prática tradicional-

mente enraizada nos

costumes

Racionalmente avaliado e perseguido

Hábitos e costumes

Afeto e condições

emocionais

Consciência, valor e conduta

Condições para alcançar o fim

TradicionalAfetivaRacional

motivada por valores

Racional motivada por

fins

Caracterização da ação social

FONTE: O autor

90

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

As relações sociais dizem respeito a ações de diversas pessoas, dotadas de sentidos mutuamente relacionados. Assim, a conduta é orientada para sentidos compartilhados por todos. Diferentemente da ação social, a relação ocorre pela atuação coletiva. Esta detém informações pertinentes que podem servir de estudo para uma observação probabilística da forma como serão sucedidas as demais atitudes sociais.

A relação social é, então, uma conduta de um grupo reciprocamente orientada e que tem conteúdo significativo. Baseia-se na probabilidade de que todos agirão socialmente de uma maneira.

Uma forma determinada de conduta social pode desenvolver, em algum momento, um caráter de rede partilhado pelos diversos agentes em uma sociedade qualquer.

TÓPICO 4 | CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

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LEITURA COMPLEMENTAR

AÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NO CONTEXTO DA CRECHE

Ângela Maria Scalabrin Coutinho

A vida pulsante das crianças não pode ficar do lado de fora da instituição, pois é o seu espaço de vida, de relações. Ao estruturarmos propostas nas quais as crianças vivem por inteiro o espaço e as suas possibilidades na interação com outras crianças e com os adultos nas instituições de educação infantil, damos grandes passos em relação aos outros referenciais no imaginário social das crianças.

Ao documentarmos as experiências das crianças, estudá-las e torná-las

públicas, avançamos na compreensão de quem são esses atores sociais. Não podemos manter a concepção de criança e de infância que predominava há 20 anos, pois as infâncias se renovam, as estruturas sociais que as conformam se alteram com uma velocidade surpreendente.

A ressignificação do conceito de infância é colocada a partir da necessidade de romper com as formas de participação decorativas, que enunciam que a participação é constitutiva das práticas sociais. Entretanto, o que é uma participação decorativa? É aquela na qual geralmente são empregadas formas de envolvimento por meio da consulta, por exemplo.

O sujeito pode emitir a sua opinião desde que não fuja do que foi perguntado, opte por uma das opções dadas e se posicione a favor ou contra sem questionar a lógica do que é proposto. Todos os dias determinado tipo de participação é vivenciado nas instituições de educação infantil quando damos opções fechadas de escolha para as crianças, como: querem essa história ou a outra? Querem desenhar ou brincar no parque?

Permitir a participação é, sobretudo, ter um espaço rico em oportunidades, repensar os tempos a partir da observação dos seus ritmos, criar canais para legitimação da voz das crianças e não só ouvi-las, mas possibilitar que a sua voz tenha implicações na alteração da realidade. Se assumirmos o desafio de efetivar o direito à participação, temos que compreender que o direito é concernente a adultos e crianças.

A instituição de educação infantil é um espaço relativo às crianças. Portanto, é interessante conhecer o ponto de vista das crianças sobre as coisas da vida, pois as propostas se voltam para elas. Como indicam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), a criança é o centro do planejamento pedagógico.

92

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Temos que criar estratégias próprias para as características desses atores. Assim, se trabalhamos com bebês, com crianças menores de três anos, sendo que a fala não é a principal forma de comunicação, temos que capturar os saberes, os pensamentos e as ações das crianças utilizando instrumentos que auxiliem o nosso olhar, tais como o vídeo, a fotografia e registro escrito. Com as crianças maiores, essas estratégias também são importantes, mas já podemos contar, de forma mais substancial, com a sua fala, com a sua opinião verbal.

Temos que estar atentos nas suas relações mais sutis, nas trocas de olhares, nos combinados entre elas, nas suas escolhas quando têm liberdade para fazê-las. Ao avançarmos, visualizamos a possibilidade de constituirmos uma participação protagônica. De acordo com Cussiánovish (2005), o protagonismo é uma cultura que recupera a centralidade do ser humano, sua condição societal, sua educabilidade, sua constituição de alteridade substantiva.

O protagonismo é, sobretudo, uma conquista, é algo que admite processos e um desenvolvimento fruto de relações sociais, de poder, de encontros e desencontros. Poderíamos dizer que não nascemos protagonistas, mas aprendemos a ser cotidianamente.

Alejandro Cussiánovish sugere que podemos falar de uma participação protagônica para indicar que um critério ou parâmetro central deve ser expressão, desenvolvimento e aprofundamento da experiência coletiva e pessoal (CUSSIÁNOVISH, 2005).

A instituição de educação infantil é um lugar privilegiado para o exercício da participação de modo protagônico, contudo ela é parte do processo de globalização que devora nossas sociedades. Somos educados para cumprir as determinações, não pensar muito sobre elas, nos acomodarmos.

Para exercitar a participação das crianças, teremos que problematizar a condição, teorizar sobre a organização do nosso cotidiano, pensar sobre os tempos e espaço da fala, da escuta, das relações. E o que significa falar em participação partilhada?

Podemos definir que a professora é protagonista do seu processo de formação e da estruturação da prática pedagógica: ela é autora das propostas que são protagonizadas pelas crianças. Entretanto, as crianças também atuam para além do que é proposto pelas professoras. Então, o protagonismo adulto é revelado no seu olhar, no ouvir, na sua capacidade de acolhimento das inventividades das crianças.

O protagonismo das crianças é efetivado quando elas têm a possibilidade de participação por via da sua escuta, observação, da estruturação de tempo, espaço e propostas que considerem suas singularidades. Determinados princípios e escolhas metodológicas permitem que as crianças sejam atores sociais e vivenciem o exercício da participação.

FONTE: COUTINHO, Ângela Maria Scalabrin. Ação social e participação no contexto da creche. Educativa, Goiânia, v. 16, n. 2, p. 217-228, jul. 2013. Disponível em: <http://file:///C:/Users/usuario/Downloads/3111-9250-1-PB.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A dominação tem um papel decisivo nas relações de mando, ou seja, na definição de quem subjuga e de quem executa o que fora decidido.

• Dominação e o exercício do poder necessitam encontrar, entre os dominados, legitimidade.

• A sociologia busca compreender a ação e interpretá-la. • Só é considerada social a ação quando uma pessoa a realiza com um motivo

anteriormente determinado.

• A ação social tradicional é reproduzida a partir de geração para geração e com forte apelo à tradição, hábitos e costumes.

• Diferentemente da ação social, a relação ocorre pela atuação coletiva. Esta detém informações pertinentes que podem servir de estudo para uma observação probabilística da forma como serão sucedidas as demais atitudes sociais.

• Uma forma determinada de conduta social pode desenvolver, em algum momento, um caráter de rede partilhado pelos diversos agentes em uma sociedade qualquer.

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1 Identifique de que maneira os indivíduos de uma sociedade estão ligados aos conceitos de dominação e poder em suas ações.

2 Diferencie, em poucas palavras, ação e relação social.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 5

CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Para encerrar esta unidade, adentraremos em algumas questões mais específicas e contemporâneas, como os conceitos de cidadania, direitos humanos e movimentos sociais e como eles se encontram organizados dentro da sociedade atual.

2 CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS

Cidadania é uma palavra oriunda de cidadão, do latim civitas. Na Roma antiga, cidade significava uma comunidade organizada politicamente e o aglomerado de cidadãos que nela vivia era chamado civitate. Na época, para ser considerado cidadão, era necessário que a pessoa estivesse incorporada à vida na cidade.

A ideia de cidadania, historicamente, acompanha a noção de privilégio, uma vez que os direitos de cidadania eram distribuídos apenas para classes e grupos sociais específicos. A ideia foi sofrendo mudanças no decorrer do tempo, tanto pelas alterações nos modelos econômicos, políticos ou sociais, quanto pelas conquistas adquiridas pela parcela marginalizada da sociedade através das pressões de demandas exigidas. Em outras palavras, podemos afirmar que cidadão, hoje em dia, é todo indivíduo que se encontra no gozo de seus direitos civis e políticos dentro de um Estado.

Assim, nem sempre todos tiveram o direito de desempenhar sua cidadania. Na Grécia antiga, os homens gregos, adultos e proprietários de terras eram vistos como capazes na decisão do rumo da cidade. Eram excluídos da cidadania grega as mulheres, os jovens, os pobres, os estrangeiros e os escravos. Tal fato é denominado de cidadania restrita.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Na Roma antiga, existiam restrições em relação ao exercício da cidadania. Somente aqueles que eram prestigiados com títulos de nobreza é que condensavam direitos, tais como a propriedade de terra e o uso do poder político. Já os chamados plebeus, classe marginalizada, necessitavam gerar distúrbio contra o poder constituído para o acesso a alguns direitos. Existem:

• Cidadania plena: capacidade legal de responder pelos seus próprios atos diante das autoridades públicas.

• Cidadania restrita: apenas os considerados nobres, proprietários de terra têm acesso ao uso do poder político.

Ocorre que, na atualidade, já possuímos muitos direitos que atingem a todos os indivíduos. Tais direitos estão garantidos desde a Constituição Federal até leis e tratados internacionais. Contudo, ainda há um frequente e manifesto descumprimento referente à parcela marginalizada da sociedade.

Assim, é necessário estudar e expor fatos sociais referentes à cidadania e direitos humanos. A ideia é que cada vez mais indivíduos tenham acesso e gozo efetivo dos direitos através da prática de suas cidadanias.

Em suma, podemos conceituar cidadania como sendo o agrupamento das liberdades políticas, econômicas e sociais que já são respaldadas pela legislação ou não. Quando o cidadão exerce sua cidadania, ele está tornando tais direitos efetivos.

Cabe lembrar que é de indispensável importância o zelo pelos direitos humanos por parte de todos os cidadãos, uma vez que são direitos dirigidos especificamente a todos nós pelo simples fato de sermos humanos. Todos merecem o efetivo gozo de suas liberdades individuais e, para isso, é importante que se preze, também, a individualidade das liberdades alheias.

IMPORTANTE

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na assembleia francesa, em 1789, indica no título dois tipos de direitos: os do homem e os do cidadão. Contudo, não ficam esclarecidas as diferenças entre eles. Não existe uma significação jurídica rígida para cada um dos termos.

Seguem alguns conceitos simplificados para o entendimento das nomenclaturas sobre os direitos abrangidos pelos tratados e leis de direitos humanos:

TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

97

• Direitos do cidadão: são direitos conferidos ao cidadão tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Podemos encontrar desde a proteção do Estado ao indivíduo até o direito de liberdade de ir e vir do cidadão, de participação nos atos da vida social etc.

• Direitos de cidadania: aparecem sempre anexos aos direitos políticos. São direitos consequências da nacionalidade do indivíduo.

• Direitos individuais: o diferencial é que sempre estarão assegurados pela Constituição Federal. São dirigidos a todos os indivíduos e dizem respeito à dignidade da pessoa humana. São direitos como liberdade, segurança, propriedade etc.

• Direitos políticos: dizem respeito aos direitos de participação na governança do país. Podem acontecer tanto de maneira direta quanto indireta. O cidadão exerce determinado direito ao efetuar seus direitos de votar, ser votado, desempenhar cargos e funções públicas etc.

• Direitos naturais: são inatos à natureza humana. Seguem a ideia da existência de uma ordem natural das relações humanas. São direitos morais de sociedade. São caracterizados pela universalidade e imutabilidade, como direito à vida e à reprodução.

• Direito positivo: são os direitos criados pelo ser humano quando já viventes em sociedade. São direitos coercitivos e designados pelo Estado aos cidadãos.

• Direito de propriedade: é o direito dado ao cidadão de usar, dispor e gozar dos seus bens.

• Direito de natureza (ecológicos): é baseado nos preceitos reguladores das relações entre o homem com o meio ambiente e as possíveis consequências que tais relações causam.

• Autodeterminação: o cidadão pode determinar seu próprio destino, o direito de orientar sua conduta pessoal. Pode ser relativo também a grupos sociais, povos e nações. Escolhem seu destino político, elegendo seus próprios governantes, por exemplo.

Cabe analisarmos um pouco a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, como já dito anteriormente, elaborada no ano de 1789, época em que ocorria a Revolução Francesa.

Tal revolução possuía como lema central liberdade, igualdade e fraternidade e em oposição ao antigo regime vigente, no qual os direitos dos cidadãos constituíam uma prerrogativa de apenas algumas classes sociais determinadas.

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UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão foi elaborada com intuito de ser a nova Constituição Francesa. Trouxe consigo uma máxima que até hoje é utilizada na maioria dos Estados: todos são iguais perante a lei. Ainda, serviu de base para a concepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Juntamente com a Revolução Francesa, a Revolução Inglesa também foi importante para o provimento das bases para o surgimento da cidadania dentro das sociedades contemporâneas. As revoluções almejavam justamente direitos individuais, liberdade e igualdade entre os cidadãos.

No século XVIII, na Inglaterra, ocorreu um crescimento significativo e gradativo na efetivação da cidadania. Através das revoltas surgiram os direitos civis. Posteriormente, no século XIX, os direitos políticos e, então, no século XX, os direitos sociais. Vejamos as diferenças e o porquê da necessidade da criação de cada um desses direitos:

• Direitos civis: pertinentes à liberdade individual e às relações de trabalho.

• Direitos políticos: trabalhadores adquirem direito de participação no exercício do poder político.

• Direitos sociais: construção de políticas sociais universais garantindo a todos os trabalhadores o acesso à distribuição da riqueza originária do país.

A cidadania vai além de direitos e deveres dos cidadãos. Não é apenas possuir os direitos civis, políticos e sociais, mas ter consciência desses direitos para poder tanto exercê-los quanto exigi-los corretamente. Para finalizar este subtópico, vejamos sobre as ideias de liberdade e igualdade em seu contexto histórico:

• Final do século XVIII e XIX Sociedade europeia Capitalismo industrial.• Revoltas do Proletariado: Classes sociais Burguesia e Proletariado

Desigualdades sociais.• Início da elaboração dos direitos de cidadania: Ideias dos teóricos no final

do século XVII e XIX Ao propor a igualdade de todos perante a lei As pessoas eram diferentes Direitos iguais para os desiguais Leis feitas por quem dominava a sociedade.

• A relutância do status quo em efetivar os novos direitos: Igualdade total Ameaça aos privilégios sociais da burguesia.

TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

99

3 MOVIMENTOS SOCIAIS

É comum que vejamos diferentes organizações coletivas demandando por meio das mais diversificadas maneiras de reivindicação, ações ou coisas. São os chamados movimentos sociais.

Como exemplo, podemos mencionar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Fórum Social Mundial (FSM), o movimento hippie, movimento feminista, o movimento estudantil, o movimento dos sem-teto, o movimento pela “Tradição, Família e Propriedade” (TFP), os movimentos anticapitalistas, dentre outros.

É extensa e em constante crescimento a lista de movimentos sociais existentes nos dias atuais. Os movimentos sociais são importantes, uma vez que possuem um importante significado social e político.

É possível verificarmos diferentes atributos unânimes que transpassam por todos eles. Um dos atributos, por exemplo, é a atuação dos movimentos. Escrevem o desenvolvimento de sua história com intuito de mudanças significativas para o fato social passível de demanda por mudanças.

Os indivíduos, quando se organizam de maneira coletiva e procurando determinado objetivo em comum, acabam se tornando sujeitos históricos. Assim, não é necessária a efetivação de certezas sobre o futuro do movimento social em questão para que os cidadãos possam lutar por suas demandas com fins de inclusão, transformação ou exclusão de algum direito.

Ocorre que, no modelo da nossa sociedade, as políticas públicas são elaboradas para que possam ser modificadas dentro do nosso ordenamento vigente. O fenômeno ocorre quando um cidadão sozinho não detém um elevado poder de modificação social. Então, organiza-se com seus iguais para conseguir as mudanças necessárias no ordenamento. A movimentação entre indivíduos é de suma importância para a sociedade em que vivemos, pois conseguimos evoluir enquanto sociedade e não ficamos estabilizados no tempo.

A Revolução Cubana é um exemplo de manifestação social que ultrapassa a tentativa de melhora e almeja uma modificação social drástica da sociedade. A citada revolução aparece como uma manifestação antagônica ao regime ditatorial presente no país até então e acaba por resultar em um governo socialista.

100

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Incontáveis exemplos poderiam ser citados a fim de demonstrar o ser humano como sujeito histórico. No Brasil, com o início da movimentação social dos agrupamentos negros, um número significativo de prerrogativas foi alcançado. Temos como exemplo as políticas afirmativas.

Assim, quando uma pessoa assevera frases como “a sociedade é desta ou daquela forma” e que “não adianta tentar interferir”, ela está reportando uma ideia que, na realidade, de maneira nua e crua, contempla os interesses das pessoas formadoras dos grupos ou classes sociais privilegiadas nas relações sociais já existentes.

IMPORTANTE

Os movimentos sociais estão presentes ao longo de toda História para demonstrar exatamente o contrário: quando os cidadãos se agrupam coletivamente de maneira organizada, muito da composição social pode ser modificada.

TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

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LEITURA COMPLEMENTAR

MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Maria da Glória Gohn

É preciso demarcar nosso entendimento sobre o que são movimentos sociais. Nós os encaramos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas (GOHN, 2008).

Na ação concreta, as formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações etc.) até as pressões indiretas.

Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes

sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais e utilizam os novos meios de comunicação e informação, como a internet. Exercitam o que Habermas denominou de o agir comunicativo. A criação e o desenvolvimento de novos saberes, na atualidade, são também produtos dessa comunicabilidade.

Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram, e cremos que sempre existirão. Representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas como campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais.

Concordamos com antigas análises de Touraine. Afirmava que os

movimentos são o coração, o pulsar da sociedade. Expressam energias de resistência ao velho que oprime ou de construção do novo que liberta. Energias sociais antes dispersas são canalizadas e potencializadas por meio de suas práticas em "fazeres propositivos".

Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem propostas. Atuando em redes, constroem ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social.

Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais têm construído

representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas. Criam identidades para grupos antes dispersos e desorganizados, como bem acentuou Melucci (1996). Projetam, em seus participantes, sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de ação de um grupo ativo.

102

UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Entretanto, o que diferencia um movimento social de uma organização não governamental? O que caracteriza um movimento social? Definições já clássicas sobre os movimentos sociais citam como suas características básicas o seguinte: possuem identidade, têm opositor e articulam ou se fundamentam em um projeto de vida e de sociedade.

Historicamente, apresentam conjuntos de demandas e práticas de pressão/

mobilização; têm certa continuidade e permanência. Não são só reativos e movidos apenas pelas necessidades (fome ou qualquer forma de opressão). Podem surgir e se desenvolver também a partir de uma reflexão sobre sua própria experiência.

Na atualidade, apresentam um ideário civilizatório que coloca como

horizonte a construção de uma sociedade democrática. Hoje em dia, suas ações são pela sustentabilidade, e não apenas pelo autodesenvolvimento.

Lutam contra a exclusão, por novas culturas políticas de inclusão.

Lutam pelo reconhecimento da diversidade cultural. Questões como a diferença e a multiculturalidade têm sido incorporadas para a construção da própria identidade dos movimentos. Há uma ressignificação dos ideais clássicos de igualdade, fraternidade e liberdade.

A igualdade é ressignificada com a tematização da justiça social; a

fraternidade se retraduz em solidariedade; a liberdade se associa ao princípio da autonomia, da constituição do sujeito não individual, mas a autonomia de inserção na sociedade, de inclusão social, de autodeterminação com soberania.

Finalmente, os movimentos sociais tematizam e redefinem a esfera

pública, realizam parcerias com outras entidades da sociedade civil e política, têm grande poder de controle social e constroem modelos de inovações sociais.

No Brasil e em vários outros países da América Latina, no fim da década de 1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os movimentos sociais populares articulados por grupos de oposição aos regimes militares, especialmente pelos movimentos de base cristãos, sob a inspiração da Teologia da Libertação.

No fim dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990, o cenário sociopolítico se

transformou de maneira radical. Inicialmente, houve declínio das manifestações de rua, que conferiam visibilidade aos movimentos populares nas cidades. Alguns analistas diagnosticaram que eles estavam em crise, porque haviam perdido seu alvo e inimigo principal: os regimes militares.

Em realidade, as causas da desmobilização são várias. O fato inegável é que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988.

TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

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A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organização popular, mais institucionalizadas - como os Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Participação Popular etc. Os fóruns estabeleceram a prática de encontros nacionais em larga escala, gerando grandes diagnósticos dos problemas sociais, assim como definindo metas e objetivos estratégicos.

Emergiram várias iniciativas de parceria entre a sociedade civil organizada

e o poder público e impulsionadas por políticas estatais, tais como a experiência do Orçamento Participativo, a política de Renda Mínima, Bolsa Escola etc. Todos atuam em questões que dizem respeito à participação dos cidadãos na gestão dos negócios públicos.

A criação de uma Central dos Movimentos Populares foi outro fato

marcante nos anos 1990, no plano organizativo. Estruturou vários movimentos populares em nível nacional, tal como a luta pela moradia, assim como buscou uma articulação e criou colaborações entre diferentes tipos de movimentos sociais, populares e não populares.

Ética na Política, um movimento do início dos anos 1990, teve grande importância histórica, porque contribuiu decisivamente para a deposição, via processo democrático, de um presidente da República por atos de corrupção, fato até então inédito no país. Na época, contribuiu também para o ressurgimento do movimento dos estudantes com novo perfil de atuação, os "caras-pintadas".

À medida que as políticas neoliberais avançaram, outros movimentos sociais foram surgindo: contra as reformas estatais, a Ação da Cidadania contra a Fome, movimentos de desempregados, ações de aposentados ou pensionistas do sistema previdenciário. As lutas de algumas categorias profissionais emergiram no contexto de crescimento da economia informal. No setor de transportes urbanos, por exemplo, apareceram os transportes alternativos ("perueiros"); no sistema de transportes de cargas pesadas nas estradas, os "caminhoneiros".

FONTE: GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 1-1, ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782011000200005>. Acesso em: 6 ago. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico, você aprendeu que:

• A ideia de cidadania, historicamente, acompanha a noção de privilégio, uma vez que os direitos de cidadania eram distribuídos apenas para classes e grupos sociais específicos.

• Cidadão, hoje em dia, é todo indivíduo que se encontra no gozo de seus direitos civis e políticos dentro de um Estado.

• Em suma, podemos conceituar cidadania como sendo o agrupamento das liberdades políticas, econômicas e sociais que já se encontram respaldadas pela legislação ou não.

• Os movimentos sociais são muito importantes, uma vez que possuem um importante significado social e político.

• Os movimentos sociais escrevem o desenvolvimento de sua história e trazem mudanças significativas para o fato social passível de demanda por mudanças.

• Movimentações grupalmente organizadas entre cidadãos com o intuito de modificação de alguma prática social são o que chamamos de movimentos sociais.

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1 Explique de que maneira os Direitos Humanos influenciam, direta e indiretamente, na conquista dos direitos de cidadania.

2 Cite dois motivos pelos quais os movimentos sociais são importantes dentro dos estudos de sociologia.

AUTOATIVIDADE

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107

UNIDADE 3

CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• destacar a importância do estudo da filosofia;

• identificar os objetos e objetivos da filosofia;

• refletir sobre o processo de filosofar;

• constatar as ideias principais da filosofia em destaque ao longo da história;

• perceber o contexto histórico dos pensamentos filosóficos, sobretudo na contemporaneidade.

Esta unidade está organizada em quatro tópicos. Em cada um deles, você encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que darão uma maior compreensão dos temas a serem abordados.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

TÓPICO 3 – O PROCESSO DE FILOSOFAR

TÓPICO 4 – A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

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TÓPICO 1

INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, o aluno será direcionado para um breve conhecimento sobre a Ciência da Filosofia. Ainda, iniciará uma análise acerca do contexto histórico no que diz respeito à evolução do pensamento filosófico. Assim, o estudo terá início com a elaboração do contexto histórico desta tão importante disciplina para o bom entendimento e funcionamento da nossa sociedade.

Tudo será disponibilizado através de um lacônico olhar em aspectos

que vão desde a etimologia da palavra filosofia e seu desenvolvimento até uma simplificada reflexão acerca da necessidade histórica da sociedade para a elaboração do pensamento filosófico.

Por fim, será vista a importância do período socrático ou antropológico. Foi um período que transformou a direção dos estudos da filosofia. Esta saiu da metafísica para investigar questões humanas como a ética e a política.

2 COMPREENSÃO DA FILOSOFIA

A palavra "filosofia" deriva de philosophia, palavra de origem grega e composta por duas outras: philo vem de philia e quer dizer companheirismo, amizade; sophia vem de sophos, sendo sábio ou sabedoria. Philosophia, então, significaria amizade pela sabedoria.

É atribuída ao filósofo grego Pitágoras de Samos. Na perspectiva grega, é uma atividade que busca levar o saber para o filósofo, que, por sua vez, é quem tem o amor pela sabedoria.

Pitágoras teria confirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos. Pode significar tanto um conjunto de conhecimentos, como também a disposição para uma vida feliz, pois sophos era o sábio que sabia viver e praticava o bem.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

110

A filosofia antiga surge com a substituição do saber mítico e possui um conteúdo preciso ao nascer: a cosmologia. Cosmos significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento.

A nova organização social e política foi fundamental para dar lugar à racionalidade humana. As reflexões dos filósofos e as discussões que ocorriam ocasionaram a criação da democracia.

A capacidade grega foi a causadora do progresso das diversas áreas do conhecimento, com as artes, a literatura, a música e a própria filosofia. A filosofia ocidental foi uma nova forma de pensar e teve seu início na Grécia antiga, mais precisamente nas colônias gregas da Ásia Menor, que formavam uma região chamada Jônia, na cidade de Mileto, no início do século VI a.C.

A região grega, antigamente, não era um estado com o governo centralizado. Tratava-se de uma região que, por suas características históricas e geográficas, acolhia povos diferentes, com costumes e crenças, unidos por uma mesma língua. Ainda, gregos conseguiram dar origem a uma comunidade única que impulsionou o grande salto da ciência na Idade Antiga.

A história do povo grego pode ser dividida em algumas épocas iniciadas por sua formação. Houve a união das civilizações Cretense e Micênica no período que ficou denominado período pré-homérico (séculos XX a XII a.C.). Termina com a invasão dórica que, por sua vez, provocou a primeira diáspora grega, quando os dórios ocuparam áreas litorâneas do mar Egeu na forma de pequenos núcleos rurais.

Assim, há o início do período homérico (séculos XII a VIII a.C.), dada a relevância das obras do grande poeta Homero. Através da Ilíada e Odisseia, podemos saber mais como foi determinado momento.

Os pequenos núcleos rurais deram origem aos genos, que, liderados por um pater, eram formados por pessoas que consideravam ser de uma mesma descendência. Respondiam a um líder, porém, a terra era de todos.

IMPORTANTE

Os dórios eram uma organização social da Grécia Antiga, durante o período homérico. Eram uma espécie de clã ou grandes famílias.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

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A produção de alimentos se tornou um problema devido ao grande crescimento populacional, pois havia poucas áreas férteis. Diversos genos se fragmentaram, aconteceram disputas pelas terras e deram início à distribuição desigual de propriedades privadas. O momento conturbado deixou muitas pessoas marginalizadas.

Muitos gregos tiveram que buscar terras férteis para a agricultura e, então, navegaram para ocupar parte da região europeia banhada pelo Mar Mediterrâneo, principalmente no sul da Península Itálica e na região da Sicília.

Ainda, na região do Mar Negro, fundando colônias em todos os territórios. A busca de novas terras foi a segunda diáspora grega. Na época, houve a adaptação do alfabeto fenício e o ressurgimento da escrita.

A Ilíada e a Odisseia parecem falar sobre o surgimento e a formação do povo grego. Podem ser notados vários aspectos da cultura e as diversas formas de relacionamento social da época. Ainda, houve grande influência das várias gerações que tiveram o herói belo e bom, o chamado Aquiles, como um ideal de caráter a ser perseguido.

IMPORTANTE

A Ilíada de Homero é a narrativa mais famosa dos feitos de Aquiles na Guerra de Troia. Sua mãe havia profetizado que ele poderia escolher entre dois destinos: lutar em Troia, de forma a alcançar a glória, ou permanecer em sua terra natal e ter uma vida sem notoriedade.

Aquiles preferiu a glória e morreu atingido por uma flecha envenenada no calcanhar, seu único ponto fraco. A expressão “calcanhar de Aquiles” é utilizada até hoje para indicar o ponto fraco de alguém. Na biologia, o tendão de Aquiles (tendão de calcâneo) conecta os músculos da panturrilha aos ossos do calcanhar. É o mais resistente e o mais suscetível do nosso corpo.

3 CONTEXTO HISTÓRICO

Antes da filosofia, eram estudados os mitos, suas origens, desenvolvimento e significado. Existiam várias formas para compreendermos o surgimento de todas as coisas.

O mito surge a partir da explicação da origem e da forma das coisas, suas funções e finalidade, os poderes do divino na natureza e os homens. Não busca causas em relações sobrenaturais, mas em relações naturais.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

112

Tem o objetivo de transmitir algo sem pensar muito, de modo a colocá-lo em dúvida. Trata de informar e dar sentido à existência de quem crê, mas principalmente cria socialização e uma comunidade que forma o grupo. O mito é não só alguma coisa forte, mas é exatamente a narrativa que diz o que é comum para o grupo.

Para que o mito sobreviva, é necessário o sacrifício que ordena nossa visão de mundo. Em várias sociedades, o sacrifício de vidas humanas mantinha as relações com a divindade, com o objetivo de aplacar a ira do supremo. A repetição do sacrifício dá origem ao ritual, que é o mito tornado ação. Com a repetição do ritual, nasce a religião.

IMPORTANTE

Os hebreus, de acordo com o Velho Testamento, ofereciam como sacrifício um bode.  Outro bode, o expiatório, ouvia os pecados do povo de Israel e, posteriormente, era solto na natureza, para levar o pecado para longe.  Matar um bode para se livrar dos pecados virou um hábito religioso e assim surgiu a expressão “bode expiatório”.

Após a segunda diáspora, começa o período arcaico (séculos VIII a VI a.C.), com a colonização que colocou os gregos por toda a área costeira da bacia do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro. Assim, as trocas de mercadorias por todo o Mediterrâneo iniciam, dando uma nova vida ao comércio. Então, aparece a moeda como uma forma de promover os acordos comerciais.

Ocorreram a formação e o desenvolvimento das pólis, conhecidas como cidades-estado, que foram governadas por conselhos de proprietários de terras, dando início aos regimes oligárquicos.

No lugar mais alto de cada cidade eram erguidas as chamadas acrópoles. Estavam acomodados os principais templos, fortificações militares e a residência das famílias mais aristocráticas. Do outro lado, na parte baixa, a paisagem urbana era definida pela existência do mercado e, nas suas adjacências, viviam os comerciantes, artesãos e demais trabalhadores.

As cidades eram, afinal, grandes centros comerciais e núcleos urbanos responsáveis pelas decisões políticas e trânsito de mercadorias. Desenvolviam leis, justiça e estabeleciam a divindade a ser cultuada. As cidades-estado mais importantes do período arcaico foram: Atenas, Esparta, Tebas e Corinto.

Com um número muito maior de pólis, diversas delas assumem o papel de importantes centros comerciais e portos estratégicos para a navegação. A mais importante atividade econômica deixou de ser a agricultura e o comércio passa a ser a principal razão de progresso econômico.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

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IMPORTANTE

No período, também houve o surgimento dos Jogos Olímpicos, que, além de reunirem competidores de diversas partes, marcavam um momento de trégua para todos os embates em curso.

Tal desenvolvimento econômico propiciou progressos significativos na qualidade de vida da população. Ocorreram estabilidade política e econômica determinantes para haver prosperidade e o nascimento da filosofia. Importantes atividades tiveram, no momento, a oportunidade ideal para o desenvolvimento, como as navegações, a moeda, o calendário, a escrita alfabética e a política.

Com a política, há uma ruptura no modo de perceber a organização social. A pólis passa a ser um lugar onde as pessoas decidem o próprio destino e não mais os deuses. O governo dos homens só foi possível porque eles eram livres para criarem suas próprias leis a partir do debate público. A atividade política foi essencial para que se iniciasse a manifestação da filosofia através do diálogo, do debate e do questionamento.

O período pré-socrático representa, como o próprio nome já diz, o período dos primeiros filósofos gregos que vieram antes de Sócrates. A filosofia foi utilizada para explicar a origem do mundo e de tudo em sua volta. Questionava a origem e as transformações que aconteciam com a natureza e com o ser humano com o passar do tempo.

Destaque para o filósofo Tales de Mileto, importante pensador, filósofo e matemático. É considerado o pioneiro da filosofia ocidental. Suas ideias ampliaram os horizontes teóricos da astronomia, filosofia e matemática.

Perseguia respostas racionais para os fenômenos da natureza e para as razões da existência. Acreditava que a água era a essência de tudo, sendo o principal elemento da natureza e o princípio único que explicava todas as coisas.

O período socrático ou antropológico muda a direção do estudo da filosofia, que sai da metafísica para investigar questões humanas como a ética e a política. Ainda, há destaque para o desenvolvimento da democracia, que concede o direito de igualdade ao habitante das cidades gregas, concedendo inclusive a faculdade legal de tomar parte no governo e, se necessário, sugerir mudanças na educação grega.

Foi um momento de grande desenvolvimento cultural e científico. O sistema democrático era propício para o pensamento e, então, surgiram os sofistas e o grande pensador Sócrates.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

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LEITURA COMPLEMENTAR

A FILOSOFIA E SEU ENSINO: REFLEXÕES A PARTIR DA PERSPECTIVA MERLEAU-PONTYANA SOBRE FILOSOFIA

E HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Patrícia Del Nero Velasco Rafael Calvalcanti Braga

As relações entre filosofia e história não são consenso. Descartes e Nietzsche estão entre os autores que não compreendem o estudo da história como relevante para a filosofia. Para o primeiro, estudar a história da filosofia é se dedicar somente a uma espécie de conhecimento erudito que não possui nenhum caráter científico. Segundo Descartes, o conhecimento verdadeiro é uno e é apresentado ao pensador de maneira clara e distinta.

A diversidade dos sistemas filosóficos é prova de que nenhum deles possui a verdade. Se algum possuísse, não existiriam empecilhos para que seu sistema fosse imposto de modo inquestionável. Ter ciência de um objeto corresponde a reconstruir este último pelo entendimento e, portanto, não significa conhecê-lo historicamente. Deve-se, pois, rejeitar a história da filosofia como fonte de conhecimento verdadeiro.

Nietzsche, por sua vez, sustenta que o homem passou a procurar a verdade e a cultuá-la, apegando-se à razão, à consciência, à religião, ao instinto social e à história. Para o autor, o intelecto serve à vida, não conduzindo para além desta. Não há como pensar o conhecimento desvinculado da vida.

O homem histórico, nas palavras nietzschianas, olha o passado na tentativa de entender o presente e desejar o futuro com mais intensidade. Não se questiona se a vida precisa do serviço da história. A história não poderia ser objeto da filosofia.

A história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia; e um professor de filosofia, se se ocupa com trabalhos desta espécie, tem de aceitar que se diga dele, no melhor dos casos: é um competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador – mas nunca: é um filósofo (NIETZSCHE, 1983, p. 81).

Para Nietzsche, filosofia e história da filosofia não se confundem. O estudo da história não passa de mera erudição, não sendo tarefa filosófica.

A relevância filosófica da história da filosofia é formulada primeiramente nas "Lições sobre a História da Filosofia", de Hegel. Cada sistema de pensamento é visto como responsável pelo surgimento de outros sistemas e entendido como parte de um processo evolutivo imprescindível à finalidade da filosofia.

TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

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Os sistemas filosóficos são momentos necessários para o desenvolvimento da própria filosofia. Esta seria, para o autor, um todo orgânico, um grande sistema que se aprimora em suas partes e, com o tempo, atingirá seu fim.

O estudo do passado sempre dirá algo ao presente. Desde então, o curso da história não apresenta o devir de coisas estrangeiras, mas o devir de nossa filosofia. O estudo da história da filosofia é agora indiscernível do estudo da filosofia. A história da filosofia é, ela mesma, filosófica (MOURA, 1988, p. 156).

A ideia hegeliana de uma história da filosofia que não se limita à doxografia foi desenvolvida por historiadores estruturalistas, os quais, no entanto, rejeitaram a proposta de um devir filosófico. Buscaram, em alguma medida, conciliar o caráter filosófico da filosofia com o pretendido caráter científico da mesma filosofia.

O estudo da história da filosofia tem interesse para a filosofia. A história, bem compreendida, é sempre uma história sapientiae, que mostra o passado como contemporâneo ao presente. A história da filosofia pode ser tanto ciência rigorosa quanto disciplina filosófica e o estruturalismo pretende ser um método ao mesmo tempo científico e filosófico (MOURA, 1988).

Manter relações não exteriores, mas essenciais, passa a ser crucial para a filosofia se firmar como pensamento original (evitando a história stultitiae). Contudo, se o terreno intelectual pró-hegeliano não cumpre a exigência de cientificidade na história da filosofia, como garantir a cientificidade?

O historicismo passa a ser a fonte histórica e filosófica do estruturalismo. Na ótica da história, há uma sucessão de doutrinas explicáveis por causas. Na ótica do ceticismo filosófico, as filosofias são objetos da história e nenhuma tem o privilégio de ser considerada como detentora da verdade.

Cada sistema é irredutível. Postas sob a perspectiva temporal, as doutrinas cedem lugar para uma história preocupada com a reconstituição autêntica. Por conseguinte, o estruturalismo pretendeu solucionar a ambiguidade fundamental do homem moderno na escolha entre o passado conhecido como presente (destituindo o caráter ativo do filósofo) e o passado distanciado do presente (destituindo o apoio da história).

O filósofo reconhece a história da filosofia como ponto de apoio e é, ao mesmo tempo, autor. O valor filosófico da história da filosofia reside na consideração do conhecimento racional como definido pelo sistemático. O sistema como expressão da racionalidade em geral é a garantia de uma história sapientiae.

Não se pretende, neste artigo, esgotar as posições filosóficas sobre as relações entre filosofia e história da filosofia. Introduzido o tema, será apresentada a perspectiva de Merleau-Ponty, a partir da qual se objetiva extrair subsídios para fundamentar, na parte final deste texto, as relações entre a filosofia e seu ensino.

FONTE: VELASCO, Patrícia Del Nero; BRAGA, Rafael Calvalcanti. A filosofia e seu ensino: reflexões a partir da perspectiva Merleau-Pontyana sobre filosofia e história da filosofia.  Kriterion, Belo Horizonte, v. 55, n. 130, p. 1-1, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2014000200011>. Acesso em: 10 ago. 2018.

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Neste tópico, você aprendeu que:

• A filosofia antiga surge com a substituição do saber mítico e possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia.

• Antes da filosofia, eram estudados os mitos, suas origens, desenvolvimento e significado. Existiam várias formas para compreendermos o surgimento de todas as coisas.

• O mito surge a partir da explicação da origem e da forma das coisas, suas funções e finalidade, os poderes do divino na natureza e os homens. Não busca causas em relações sobrenaturais, mas em relações naturais.

• O mito tem o objetivo de transmitir algo sem pensar muito, de modo a colocá-lo em dúvida.

• Com a política, há uma ruptura no modo de perceber a organização social.

• A pólis passa a ser um lugar onde as pessoas decidem o próprio destino e não mais os deuses.

• O período socrático ou antropológico muda a direção do estudo da filosofia, que sai da metafísica para investigar questões humanas como a ética e a política.

RESUMO DO TÓPICO 1

117

1 Explique o conceito de mito com suas próprias palavras.

2 Explique qual foi a principal consequência da saída do mundo dos conhecimentos filosóficos do mundo da metafísica.

AUTOATIVIDADE

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119

TÓPICO 2

CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

No presente tópico, o aluno será apresentado para as questões acerca do desenvolvimento do conhecimento filosófico. Esta parte do estudo é de extrema importância. O motivo de o conhecimento filosófico ter se desenvolvido e evoluído possibilitou que a sociedade evoluísse também.

Encontraremos noções da importância da filosofia para o desenvolvimento pessoal e social dos seres humanos. Isso ocorrerá ao elaborarmos uma linha histórica da vida e obra dos três principais autores e filósofos gregos. Acompanharemos, de maneira básica, o raciocínio lógico dos três.

Assim, visualizaremos uma linha histórica desde Sócrates, passando por Platão e chegando, por fim, ao pensamento filosófico de Aristóteles. Entendendo as diferentes épocas e situações, o aluno será capaz de identificar as motivações do conhecimento filosófico, adquirindo noção sobre a importância da evolução dessa ciência humana que até hoje se faz tão importante.

2 PENSADORES

Os sofistas defendiam uma educação cujo objetivo máximo seria a formação de um cidadão pleno, preparado para atuar no crescimento da cidade. Com a proposta, o jovem deveria ser preparado para a retórica, ou seja, para falar bem, pensar e manifestar suas qualidades artísticas.

Vendiam suas habilidades de oratória para os cidadãos. Defendiam a opinião de quem interessasse e adotavam a ideia de que a verdade nasce do consenso entre os homens. Para Sócrates, os sofistas não eram, de fato, filósofos. Não amavam a sabedoria e não respeitavam a verdade, pois defendiam qualquer ideia que fosse vantajosa.

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UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Sócrates acreditava que os sofistas haviam falhado. Eles orientavam a pessoa ambiciosa para o triunfo político, mas a oratória e o raciocínio perspicaz não instruíam um homem na arte de viver. A verdade está ligada ao bem moral do ser humano. Preocupava-se com a perfeição do caráter de cada pessoa e com a conquista da excelência moral.

Platão revelou a figura de Sócrates como sendo uma pessoa que andava pelas ruas e praças de Atenas, perguntando para cada um sobre ideias e valores que os gregos acreditavam e julgavam conhecer. Ele não deixou textos ou outros documentos.

Assim, só podemos conhecer as ideias de Sócrates através de relatos dos seus discípulos. O filósofo reflete sobre o homem e busca entender o funcionamento do universo dentro de uma concepção científica. Não era a favor da democracia grega praticada em Atenas e achava que as cidades deveriam ser governadas pelos sábios.

A filosofia socrática esteve relacionada com o autoconhecimento e desenvolvida pelos diálogos críticos (a ironia e a maiêutica). Criou um método de investigação do conhecimento através da maiêutica, “técnica de trazer a luz”. Por meio de sucessivas questões, chegávamos na verdade.

A maiêutica se originou do termo grego maieutike, que quer dizer "arte de partejar". A expressão foi usada em associação ao trabalho das parteiras, profissão da mãe de Sócrates. O objetivo do seu método era o "parto intelectual" dos indivíduos.

Para uma verdade ser perseguida, o homem deveria antes se analisar e reconhecer sua própria ignorância. Sua discussão, então, parte desse princípio e busca levar tal reconhecimento por meio da maiêutica, que era um método de investigação interrogativo, o primeiro passo do seu método a fim de encontrar a verdade.

Com perguntas provocativas e aparentemente simples, ele utilizava a ironia de que nada sabia para que emitissem opiniões como se fossem verdades definitivas. Assim, questionava, fazendo o indivíduo duvidar de assuntos que julgava conhecer e revelando que, na realidade, eram temas associados a preconceitos ou valores sociais. Por fim, era necessário obrigá-los a confessar a própria ignorância.

As pessoas passavam a refletir sobre a questão, abandonando conceitos predefinidos e “parindo” novas ideias. Sócrates pensava que o conhecimento presente no espírito humano precisava apenas da orientação do mestre para se manifestar.

Existiam verdades universais, válidas para toda a humanidade em qualquer espaço e tempo. Contudo, para que fosse possível encontrá-las, era preciso antes refletir sobre elas e descobrir suas razões.

TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

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Acredita-se que, no Oráculo da cidade de Delfos, o deus Apolo declarou que Sócrates era o homem mais sábio de Atenas. Sócrates costumava dizer “Só sei que nada sei”, frase que se tornou síntese de seu pensamento. Concluiu que era sábio porque era o único que sabia que nada sabia.

IMPORTANTE

IMPORTANTE

Os gregos acreditavam que a Suprema Sacerdotisa, intitulada de Pítia, entrava em estado de transe e era capaz de dar respostas e fazer previsões sobre o futuro. Pítia era, para eles, a porta-voz do Deus Sol, Apolo. Este, através dela, supostamente transmitia as vontades de seu pai, Zeus. Na época, as Pítias eram dotadas de enorme influência e, com o aval do Oráculo, diversas guerras aconteceram e deixaram de acontecer.

A cicuta é um gênero de plantas muito venenosas. O veneno produzido passou a ser conhecido como veneno de Sócrates.

Sócrates também fez vários inimigos e terminou sendo acusado de ateísmo e corrompimento dos jovens gregos. Com objetivo de afastá-lo, foi julgado e condenado ao exílio, mas, em sua teimosia, preferiu a morte, ingerindo cicuta. Determinados eventos são contados por Platão em suas obras.

Platão foi discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. Criador de uma escola que ficou conhecida como Academia de Atenas, é um dos mais importantes e conhecidos filósofos gregos, estudado até a atualidade.

Empenhava-se em transmitir uma profunda fé na razão e foi importantíssimo para a história da filosofia, tido como responsável por termos acesso ao pensamento de diversos filósofos da Grécia antiga.

As ideias formavam o foco do conhecimento intelectual e os sábios, portanto, teriam a função de entender o mundo da realidade e separá-lo das aparências. Influenciou profundamente a filosofia ocidental com seu método de diálogo, que valorizava o debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento.

Discorre sobre política grega, ética, atividades das cidades, cidadania e questões sobre a imortalidade da alma. Mencionava que a sociedade ideal deve ser dividida em três classes, separando as pessoas por sua capacidade intelectual.

122

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Com a primeira categoria ligada às necessidades do corpo, haveria a produção e a distribuição de gêneros entre lavradores, artífices e comerciantes. A segunda categoria deveria se preocupar com a defesa, representada pelos soldados. A terceira categoria, superior e mais capacitada para se servir da razão, é a composta pelos intelectuais, que detêm o poder político. Os governantes deveriam ser escolhidos entre os filósofos.

Na mesma obra, divulga o mito da caverna. Fala sobre pessoas no interior de uma caverna que estão, desde a infância, acorrentadas no pescoço e nos pés. Não podem ver a saída, apenas sombras de pessoas que estão do lado de fora sendo projetadas por uma fogueira, de forma que fiquem distorcidas, grandes e estranhas.

Os indivíduos acreditam que seria a única coisa que existe, pois não entendem nada de luz e sombra. Também não fazem nenhuma ideia do que pode haver do lado de fora da caverna.

A partir do momento em que um deles consegue se soltar das correntes, o questionamento o leva para o exterior. A luz o ofusca e, a princípio, o assusta, para depois revelar um mundo brilhante, colorido e bonito.

As sombras se revelam como uma imitação ruim do que é o verdadeiro mundo. Com felicidade, ele volta à caverna para contar aos seus colegas o que viu. Contudo, não consegue convencê-los e, em decorrência, matam-no.

A alegoria da caverna é, então, a representação dos seres humanos antes do contato com a filosofia e sua ascensão em relação ao novo patamar perceptivo. Desde a infância, o sujeito se torna prisioneiro e suas correntes são os hábitos, preconceitos, costumes e práticas que foram adquiridas ao longo da vida.

As sombras são a forma limitada e distorcida com a qual podem enxergar o mundo através da ignorância. A caverna é o domínio da opinião. O homem se liberta com ajuda da filosofia para, enfim, alcançar a luz, que é a verdade do mundo das ideias.

Platão analisa a questão através do dualismo da teoria das formas. Por trás da realidade concreta, existe outra abstrata. Há dois mundos:

• Mundo das formas ou ideias: trazido pela alma e desde o seu nascimento um conhecimento prévio, que possibilita a identificação do objeto. Comumente denominado como conhecimento inato. São as ideias ou formas que residem no mundo inteligível, fora do tempo e do espaço. É o tipo mais elevado e fundamental de realidade. Mesmo não possuindo existência física, as formas são substanciais e imutáveis. Os objetos do mundo regular organizam suas estruturas conforme as ideias ou formas primordiais.

• Mundo concreto e sensível: é disponível pelos sentidos. Tudo o que conhecemos pelo olfato, paladar, audição, visão e tato. A opinião, constituída das percepções, tem uma “falsa consciência” de si mesma, considerando-se correta. Tudo está mudando e sujeito ao erro.

TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

123

A abordagem de que o verdadeiro conhecimento é alcançado pela razão em vez dos sentidos é o alicerce do racionalismo. É necessário um processo mental e lógico para que se alcance uma conclusão realista. Importante também para o avanço da racionalização da fé cristã, principalmente através de sua influência a partir do filósofo e teólogo Agostinho.

A diferença primordial é que os sofistas legitimam as opiniões e as percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão acreditam que as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, são fonte de erro que nunca atingirão a verdade plena da realidade.

Outro grande sábio da época foi Aristóteles, nascido em uma colônia de origem jônica, na Macedônia, Grécia. Era filho do médico do rei e teve muito contato com ciências naturais. Desenvolveu os estudos de Platão e Sócrates. Foi para Atenas estudar na Academia de Platão e logo se tornou seu discípulo preferido.

Desenvolveu a lógica dedutiva clássica como método para alcançar o conhecimento científico. A sistematização e os meios devem ser desenvolvidos para chegarmos ao conhecimento pretendido, indo sempre dos conceitos gerais para os específicos.

O trabalho de Aristóteles é pautado como uma refutação ao seu mestre. Poderíamos obter o conhecimento no próprio mundo em que vivemos. Platão, por exemplo, era a favor da existência do mundo das ideias e do mundo sensível.

Após a morte de seu mestre, Aristóteles se considerava seu substituto natural na direção da Academia, mas foi recusado e substituído por um ateniense de origem. Decidiu, então, fundar sua própria escola, chamada Liceu, onde recebia todo o público.

Considerado muito importante em várias áreas, Aristóteles se destacou na lógica. Alcançou a lógica dedutiva, que estudava quais relações entre proposições são conduzidas a conclusões válidas e quais, por outro lado, resultam em argumentos inválidos. É um raciocínio mediado que fornece o conhecimento de uma coisa a partir de outras coisas e sempre buscando a causa.

Na biologia, ensinou ao mundo como observar e classificar os seres vivos.

Classificou e estudou muitas espécies. Inclusive, foi o pioneiro no estudo de peixes e os separando dos mamíferos marinhos. É considerado o fundador da disciplina. Muitos também o veem como um grande mestre de ética, metafísica, química, ótica, física, psicologia e retórica.

Com a morte do rei da Macedônia, Alexandre Magno, aluno de Aristóteles, uma onda de ódio tomou conta dos atenienses e o filósofo, que era seu amigo, teve que fugir para não ser preso. Triste com a ingratidão dos atenienses, pôs fim em sua vida da mesma forma que Sócrates, se envenenando com cicuta.

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UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A NATUREZA DO FILÓSOFO

Emilia Maria Mendonça de Morais

Se, na tradição pré-socrática, a concepção de phýsis aparece tanto associada à superação do mito e à intervenção divina quanto à afirmação de um princípio material ou imanente ao cosmos, quando transposta para A República e à definição do filósofo, a noção ressurgirá vinculada à psykhé.

Apesar da concepção tripartite da alma, apresentada por Sócrates no livro IV do diálogo, a natureza do filósofo não se subordina a nada que seja orgânico ou fisiológico.

Desprendida da materialidade, conforma-se ao pensamento e permanece

atada ao divino, cujo apelo integra verdade e justiça. Divina seria, então, a própria filosofia: o maior benefício que os deuses concederam à raça dos mortais, segundo o Timeu; assim como o método que a define, a dialética, fora um presente dos deuses aos humanos, segundo o Filebo.

Falar da natureza do filósofo, por conseguinte, pressupõe abordar

a natureza da mesma filosofia. No caso de um filósofo grego antigo e, mais particularmente, de Platão, filosofia e vida estão muito imbricadas, sobretudo se levarmos em conta o registro do testemunho socrático.

A primeira imagem delineada do filósofo nos escritos de Platão é a do próprio personagem Sócrates, visando sempre a uma sabedoria que se descola do solo do prestígio público.

Desde os primeiros passos da Apologia, o personagem do filósofo chama a atenção para a sua fala estranha nos tribunais antes mesmo de discorrer sobre a sua vida, desvinculada das ocupações políticas e dos interesses.

Reencontramos as ressonâncias do estranhamento no Górgias e no Teeteto.

No diálogo com Polo, Sócrates relembra que provocou risos por sua inabilidade quando fora convocado a exercer na Assembleia as funções da pritania.

No Teeteto, Sócrates retoma o tema da excentricidade dos mais sábios. Evoca

a anedota sobre Tales, tão desligado que, ao caminhar, fora incapaz de enxergar um poço na sua frente. Indiretamente, refere-se também a si mesmo quando discorre sobre a inaptidão prática dos filósofos, sempre provocando a chacota, ora de incultas jovens trácias, ora dos seus mais ou menos próximos concidadãos.

Durante o seu processo, Sócrates reconhecera seus vínculos diretos com Apolo, o deus que levou ele a fazer da filosofia um exercício aberto e público. Desde então, o exame de si mesmo passou a ter seu lado reverso e complementar: o exame dos pretensos sábios da pólis.

TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

125

Os mesmos vínculos são reafirmados no Fédon, pois o filósofo, identificando a filosofia, teria até mesmo composto uma melodia ao deus oracular, o qual, rememorando o canto divinatório dos cisnes na iminência da morte, se reconhecera consagrado.

Em paralelo ao deus explicitamente designado, evoca o signo do divino (daimónion), seja através da voz (phoné), que guia o filósofo porquanto o retém, seja através do Eros mediador que, a partir do desejo de um só corpo, rege a sua progressiva ascensão do sensível até a contemplação da beleza como forma inteligível.

No Banquete, o discurso atribuído ao Alcebíades associa o próprio Sócrates ao percurso ascético que Diotima expusera para atar o elo amoroso ao elã extático proporcionado por Eros. No relato mítico do Fedro, o filósofo é representado como um humano possuído pelo divino e, no Timeu, a intelecção da qual participam os deuses (noû dè theoús) é também atribuída a alguns poucos dentre os humanos.

O Sofista, diálogo tardio, ainda pode ser lembrado como um dos vários

exemplos de que, para Platão, em uma vida pautada pela filosofia, não se firmariam rupturas, nem sequer distâncias intransponíveis entre a práxis e a theoría orientada.

Reconstruindo os parâmetros teóricos da hipótese das formas inteligíveis, o diálogo começa com o elogio do filósofo e termina com o menosprezo do próprio sofista. Em seu prólogo, Teodoro afirma ser o Estrangeiro de Eléia um filósofo, não um deus, mas um ser divino, como seriam todos os filósofos.

Sócrates se mostra de acordo, mas adverte que o gênero divino não é fácil

de definir. Este se reveste de múltiplas aparências entre os humanos. Embora os filósofos enxerguem as multidões e a vida dos homens das alturas, podem ser confundidos com políticos ou até mesmo sofistas.

Depois da longa discussão, da reconstrução da questão do ser a partir dos

gêneros supremos e da noção de alteridade ontológica, o diálogo se encerra com a sentença que reduz a sofística para uma mera arte imitativa. Esta, ao fomentar contradições no terreno das opiniões, apenas produz simulacros e ilusões. Seus porta-vozes pertenceriam a uma raça apenas humana, de nenhum modo divina.

Platão aborda tanto a natureza do filósofo quanto a atividade filosófica por proposições afirmativas, mas também por justaposições que se constroem através de negativas.

No alvo das negações, invariavelmente, estão os sofistas e a sofística. É assim no Protágoras, no Górgias, no Fedro, na República, no Teeteto e no próprio Sofista. A distinção talvez mais marcante e recorrente: a vida e o pensar do filósofo concernem ao divino e a prática dos sofistas diz respeito apenas ao humano, ou melhor, ao mundano.

FONTE: DE MORAIS, Emilia Maria Mendonça. A natureza do filósofo. Kriterion, Belo Horizonte, v. 151, n. 122, p. 1-1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000200009>. Acesso em: 11 ago. 2018.

126

Neste tópico, você aprendeu que:

• Para Sócrates, os sofistas não eram, de fato, filósofos, tendo em vista que não amavam a sabedoria e não respeitavam a verdade, pois defendiam qualquer ideia que fosse vantajosa.

• Sócrates reflete sobre o homem e busca entender o funcionamento do universo dentro de uma concepção científica.

• Não era a favor da democracia grega praticada em Atenas. As cidades deveriam ser governadas pelos sábios.

• A filosofia socrática esteve relacionada com o autoconhecimento (“conhece-te a ti mesmo”).

• Platão foi discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. Criador de uma escola que ficou conhecida como Academia de Atenas.

• Alegava que as ideias formavam o foco do conhecimento intelectual e os sábios, portanto, teriam a função de entender o mundo da realidade e separá-lo das aparências.

• A alegoria da caverna é a representação dos seres humanos antes do contato com a filosofia e sua ascensão em um novo patamar perceptivo.

• O trabalho de Aristóteles é pautado como uma refutação ao seu mestre. Aristóteles dizia que poderíamos obter o conhecimento no próprio mundo em que vivemos. Platão, por exemplo, era a favor da existência do mundo das ideias e do mundo sensível.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 Qual a principal diferença entre os sofistas e Sócrates?

2 Explique de que maneira a história de Sócrates influenciou na obra de seu discípulo Platão.

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TÓPICO 3

O PROCESSO DE FILOSOFAR

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

No presente tópico, o aluno será apresentado a uma questão um pouco mais aprofundada. É dedicado ao conceito daquilo que chamamos de filosofar.

O ensinamento da filosofia traz inúmeras possibilidades. Uma das questões importantes que pairam em torno dessas probabilidades diz respeito à questão: o ensino deve se ocupar da compreensão da filosofia ou do entendimento sobre o processo de filosofar?

Para desvendar essas questões, serão estudados os conhecimentos elaborados pelo filósofo Immanuel Kant em relação ao processo de filosofar. O filósofo se dedicou a esclarecer o desenvolvimento das estruturas de fixação e compreensão da realidade, que proporciona ao ser humano a sensação de estar inserido dentro do universo.

2 O CONCEITO DE FILOSOFAR

O ensinamento da filosofia traz inúmeras possibilidades. O ensino deve se ocupar da compreensão da filosofia ou do entendimento sobre a prática do processo de filosofar?

São imprescindíveis a tarefa de filosofar e o aprendizado sobre filosofia para aqueles que possuem interesse na disciplina. Assim, o aprendizado de ambos é possível através de quais procedimentos e ferramentas?

As questões levantadas manifestam uma maneira de ser pensada a realização da filosofia. A questão central que assola os estudantes da filosofia é justamente a questão sobre o que seria precisamente a filosofia.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

130

Temos então que as possíveis respostas das questões estão diretamente ligadas à linha de pensamento filosófico, acompanhando seu longo caminho histórico, sua construção e desenvolvimento.

Fundamentalmente, podemos afirmar que filosofar é exercitar as interrogações, é o indagar sobre o sentido das coisas, a busca dos porquês dos seres humanos e do planeta. A filosofia é construída e desenvolvida na dúvida. É a busca das verdades além do que a realidade aparenta ser, além do óbvio.

Os filósofos são pessoas que estavam inquietas com a aparente realidade das coisas. Pessoas que alcançavam um olhar diferenciado a respeito daquilo que viam, ainda que olhassem para as mesmas coisas que os outros. Filósofos buscavam enxergar além, obtendo a compreensão de particularidades sobre o mundo.

Através do exercício do olhar diferenciado, os filósofos buscavam encontrar respostas que julgavam coerentes para os problemas aparentemente sem fundamentos. Seria muito simples apenas olhar os problemas de convivência social, reconhecê-los e seguir em frente sem questioná-los. Os filósofos dispunham de sua energia e tempo para tentar solucionar tais problemas, começando por entender o porquê dos conflitos acontecerem.

Assim, é imprescindível que o pensamento filosófico seja, acima de tudo, um pensamento crítico. A filosofia deve seguir caminhos opostos aos das verdades dogmáticas. Deve elevar o pensamento para longe das visões reducionistas sobre o homem e o mundo.

Para fins de disciplina da filosofia, é importante que ela se ofereça como um agrupamento de ideias organizadas e portadora de determinada rigidez terminológica e acadêmica. Ocorre que o diferencial do conhecimento filosófico é justamente o seu criticismo. Ele não se apega com uma única filosofia.

É permitido falarmos em filosofias e não “da filosofia”, como um único monopólio da realidade. O conhecimento filosófico acredita na existência de diferentes visões da realidade. São tais visões que proporcionam para a filosofia um conhecimento fundamentado na história do pensamento.

Assim, o conhecimento filosófico é instituído através do seu específico método de construção histórica. É o resultado metódico, organizado e rígido de uma sequência de princípios ideológicos elaborados para a conservação, crescimento ou modificação de concepções vigentes em algum momento da história da filosofia.

Podemos concluir que filosofar é o ato de estar aberto para questionar, é a busca por indagações e com o objetivo de produzir reflexões sobre ideias e princípios que aparentavam ser imutáveis.

TÓPICO 3 | O PROCESSO DE FILOSOFAR

131

O ato de filosofar é, especialmente, pensar de modo crítico. É um pensamento desamarrado e autônomo e que se baseia em princípios racionais elaborados no decorrer da história do pensamento humano, expostos nos textos da própria filosofia. Ainda, na realidade contemporânea que cerca o agente do ato de filosofar, pois, nas relações humanas, temos a origem das questões filosóficas.

3 IMMANUEL KANT E O PROCESSO DE FILOSOFAR

Immanuel Kant (1724–1804), filósofo alemão, é fundador da chamada Filosofia Crítica. Kant consagrou suas ideias na história da filosofia e ao concentrar sua carreira na determinação conceitual referente ao debate sobre a natureza do conhecimento humano.

O filósofo se dedicou a esclarecer as maneiras de desenvolvimento das estruturas de fixação. Ainda, há a compreensão da realidade e que proporciona a sensação de estar inserido dentro do Universo.

Assim, Kant se tornou um dos principais expoentes da filosofia moderna. Tratou de demandas que englobavam desde a natureza do espaço e do tempo até as questões de moralidade humana.

O reconhecimento de Kant aconteceu, especialmente, pelo fato de que suas ideias possibilitavam uma conexão entre a ideia do racionalismo, que tem em Descartes seu principal expoente, e do empirismo, da maneira apresentada por Hume. Kant conseguiu trabalhar as questões sobre a razão humana sem deixar de considerar a importância das experiências no processo de obtenção do conhecimento.

Após a breve apresentação, passaremos a avaliar a parte da obra de Kant que nos concerne para o desenvolvimento de nossa noção de filosofia. O filósofo merece lugar de destaque neste livro, pois tomou posição importante no que diz respeito à questão do ensino da filosofia e do pensar filosófico.

Ainda que tenhamos apenas uma base principiante, a partir daqui teremos condições de analisar as questões que se referem ao pensamento crítico, à autonomia do pensar e aos reflexos no ensinamento da filosofia ou no filosofar.

Já sabemos que a compreensão do pensamento de determinado sistema filosófico ocorre através da obtenção do conhecimento da história de tal pensamento. Podemos afirmar que, quando compreendemos conceitos da filosofia, não estamos automaticamente compreendendo como desenvolver o processo do ato de filosofar.

Kant ficou reconhecido por sua frase “não se ensina filosofia, mas a filosofar”. Fez com que o ensino da filosofia se voltasse não para os conceitos filosóficos, mas para a atitude filosófica, para o raciocínio crítico.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

132

Contudo, como fazer para que o aluno estudioso da filosofia desenvolva autonomia de pensamento e aprenda a filosofar? A resposta é mais difícil do que realmente parece.

Primeiramente, cabe ao professor não restringir suas aulas a apresentações de conteúdo já solidificado. Ao expor o conteúdo, deve instigar o diálogo consigo mesmo por meio de indagações adequadas. Kant chama de método “erotético”.

O método erotético ocorre por meio de procedimentos de diálogo e catequese. Ocorre que o professor deve direcionar suas perguntas para a razão do estudante ou, ainda, meramente para a memória do último. Se o mestre pretende questionar a razão do seu aluno, deve fazer através de um diálogo. Os dois devem proferir questionamentos em uma espécie de troca. Cada um dirige questões e também as recebe.

O professor deve elaborar perguntas oportunas de maneira a sugerir um norte para a linha de raciocínio de seu estudante. Deve levantar casos e demonstrar que está ciente de que ocorre predisposição do aluno em se sentir instigado para seguir nos questionamentos.

Assim, o estudioso da filosofia compreende sua própria capacidade de raciocinar, reagindo às indagações do mestre. O método de ensino filosófico proposto por Kant, a princípio, pode ser equiparado ao método socrático da maiêutica.

No método socrático, o professor realiza a elaboração da verdade por meio de perguntas e questionamentos oportunos. O próprio professor igualmente amplia seu conhecimento.

O destaque deve estar voltado para a atitude filosófica. Só é possível aprender a filosofar e, por sua vez, aprender filosofia apenas em um sentido histórico.

IMPORTANTE

No aprendizado da filosofia, o professor utiliza o método erotético para elaborar perguntas e respostas, auxiliando os alunos a conquistarem a autonomia no ato de filosofar.

É preciso aprender a filosofar e tomar cuidado para não superestimar a história da filosofia e não desvalorizá-la. Do ponto de vista kantiano, o método erotético deve ser reconhecido com o intuito de ajudar o aprendiz a pensar por si mesmo. Ainda, possui dois movimentos principais: as características do que se entende por filosofia e o que torna alguém filósofo ou praticante da filosofia.

TÓPICO 3 | O PROCESSO DE FILOSOFAR

133

IMPORTANTE

Mesmo que a filosofia não seja ensinada, ela deve ser entendida dogmaticamente como um conhecimento racional.

Na lógica, a filosofia faz parte dos conhecimentos racionais que se opõem aos conhecimentos históricos. Há a existência de dois princípios: sensibilidade e entendimento.

O entendimento concretiza a organização das reproduções elaboradoras do conhecimento, que produzem a consciência de um ser unificado, metafísico. Já a sensibilidade evidencia que o conhecimento é derivado do empirismo. É diferente dos princípios do entendimento que derivam do racional.

Ao aprendermos filosofia, estamos tratando de todos os sistemas filosóficos e, em relação à história da filosofia, da história do uso da razão. Assim, é possível observar que o ato de filosofar acontece com o objeto da razão, ou seja, com a história da filosofia.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

134

LEITURA COMPLEMENTAR

APRENDER A FILOSOFAR OU APRENDER A FILOSOFIA: KANT OU HEGEL?

Cesar Augusto Ramos

Com efeito, o professor deve mostrar para o aluno que a forma assistemática e meramente opinativa de fazer filosofia leva a um relativismo estéril das ideias ou a uma presunção no conhecimento, propiciando a atitude não rigorosa e simplista de que cada um pode produzir a sua própria filosofia.

O procedimento autoriza o professor a adotar uma postura esotérica,

enigmática, obscura e, muitas vezes, pedante? Ainda que a filosofia hegeliana possa sugerir tal atitude, o próprio Hegel recomenda uma outra conduta pedagógica. De uma forma mais precisa, a filosofia alcança a aptidão para ser aprendida apenas quando ela se torna clara, comunicável e capaz de se converter em um bem comum.

O conteúdo filosófico já trabalhado e que constitui o acervo de pensamentos da produção filosófica deve ser aprendido pelo estudante. “O mestre o possui, ele o pensa primeiro, os alunos pesam-no em seguida”. Cabe ao professor possuir determinado “tesouro” e transmiti-lo aos alunos que se identificam.

Refazer o caminho de uma filosofia originariamente elaborada em nada diminui a autonomia e a criatividade do aprendiz, pois ele está reconstruindo no seu próprio espírito os momentos fundamentais do filosofar. Quanto ao último aspecto, o aspecto da coercividade da educação, é preciso observar que tanto Kant como Hegel ressaltam a ação disciplinadora do educador.

Sobre o assunto, Hegel afirma que “o direito dos pais sobre o arbítrio dos

filhos tem por finalidade mantê-los disciplinados e educá-los. O fim das punições não é a justiça como tal, mas de natureza moral: consiste em intimidar uma liberdade ainda prisioneira da natureza e em elevar a consciência e a vontade deles (filhos) para a universalidade” (HEGEL, 1995, p. 174).

A obediência apenas confirma a necessidade da identificação produzida fora da família, no âmbito da escola. Para Hegel, o caráter identificador da ação pedagógica que a escola produz tem um papel fundamental.

A educação escolar ajuda a formar uma personalidade que se eleva para a esfera da universalidade concreta da cidadania. A escola deve oferecer ao educando situações pedagógicas de um reconhecimento não excludente. Ele educa o seu espírito e está apto a integrar as instâncias éticas que representam a sua verdadeira natureza. O trabalho e a disciplina devem prevalecer.

TÓPICO 3 | O PROCESSO DE FILOSOFAR

135

O educador deve oferecer ao educando a força fecunda do negativo, propiciada por relações de alteridade que, no fundo, são mecanismos de coação legitimados pela ideia daquilo que é superior. A escola, ao efetivar o momento dialético da negatividade educacional, se apresenta como o outro do educando.

Os conteúdos escolares e acadêmicos representam para ele a sua própria

essência “ex-posta”. É possível mediante os processos de reconhecimento, os quais permitem a absoluta inserção do educando no seu outro segundo, sendo um paradigma de uma intersubjetividade afirmativa e não excludente.

O método pedagógico por excelência consiste, então, em ocupar o

educando “de alguma coisa de não imediato, de estranho, de alguma coisa que pertence à lembrança, à memória e ao pensamento” (HEGEL, 1996, p. 321).

Como exemplo do reconhecimento, Hegel sugere o estudo da cultura antiga como instrumento pedagógico que oferece um mundo “estranho e diferente”, uma alteridade na qual o educando deve mergulhar e ter a oportunidade de “deixar seu próprio elemento e habitar, com Robinson, uma ilha longínqua”.

É no estudo das línguas e da cultura antiga (grego e latim) que devemos nos “impregnar do seu ar, de suas representações, de seus costumes e, mesmo se quisermos, de seus erros, assim como de seus preconceitos”, acostumando o homem neste que foi o “paraíso do espírito humano”. Determinado procedimento pedagógico de estranhamento do educando espelha a sua própria natureza. Antecipa e prepara o próprio processo de inserção do indivíduo na vida ética superior do Estado.

Ele reconhece pelo trabalho e pela disciplina a sua própria identidade,

superando a imediatidade (em si) da sua condição. A forma social e política da vida ética (Sittlichkeit) constitui a verdadeira razão de ser do educando. São formas de uma sociabilidade representada pela expressão sintética da Fenomenologia: “um eu que é um nós e um nós que é um eu”.

A inserção do indivíduo na universalidade é propiciada pelo trabalho

da cultura (Bildung) que se perpetua como sua “segunda natureza”. O objetivo último é a integração pacífica e voluntariosa do indivíduo como bom cidadão na esfera da vida ética e política.

A consciência da segunda natureza é o resultado do trabalho da educação e da cultura. Constitui a própria essência do indivíduo que ele reconhece como sua e que está presente no aspecto objetivo da liberdade e nas instituições éticas e políticas da Sittlichkeit.

O escopo de uma educação coerciva consiste em reconciliar o educando

com as formas de uma vida superior. O desejo do melhor não pode ser deduzido de um ideal de perfectibilidade e muito menos estar presente na consciência e no querer do educando.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

136

O princípio coator da pedagogia hegeliana faz dela, na verdade, um procedimento conservador, no sentido de que ela está voltada para o adulto, mais precisamente para o cidadão integrado na realidade efetiva do Estado.

A instância superior da Sitlichkeit fornece o paradigma último à educação.

A ação disciplinadora do educador antecipa as formas superiores de integração do indivíduo na instância, mediante mecanismos pedagógicos de introjeção na consciência e na ação do educando do propósito da boa cidadania. São mecanismos formadores diretivos, mas nunca repressivos, e repercutirão de forma decisiva na formação do caráter do futuro cidadão.

A alternativa hegeliana para o problema, já antecipada por Rousseau e

aprofundada por Kant, consiste em mostrar que o esquema da autorreferencialidade comporta a obediência a um outro que deve ser o próprio sujeito e permite uma dimensão compatível da liberdade com a coerção implícita na norma.

Se a liberdade tem o lado autorreferencial, a questão do vazio entre a liberdade do sujeito e as normas sociais e legais não é resolvida pelo caráter normativo no campo das ações políticas e sociais reguladas pelo direito.

Determinado caráter revela apenas uma liberdade reciprocamente limitada pelos arbítrios. Para Hegel, obedecemos a nós mesmos e, na dimensão ética e política abrangente da Sittlichkeit, às normas legais e políticas.

A liberdade, apesar de se apresentar na face de uma subjetividade

autorreferencial, se efetiva pela face objetiva das instâncias da vida social mediadas pela categoria do mútuo reconhecimento. A autorreferencialidade da norma adquire, com Hegel, um estatuto normativo social e intersubjetivo. Esta deixa de ser endógena e cuja força objetiva não decorre simplesmente da universalização da identidade racional de sujeitos autorreferentes.

A proposta hegeliana procura compatibilizar a liberdade na sua dupla face: como direito da subjetividade (autorrealização) e, ao mesmo tempo, como direito da objetividade das instituições sociais e políticas. Define, assim, a obediência ainda na perspectiva da adesão voluntária à norma, mas mediada pela categoria intersubjetiva do reconhecimento.

FONTE: RAMOS, Cesar Augusto. Aprender a filosofar ou aprender a filosofia: Kant ou Hegel? Trans/Forma/Ação, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 197-217, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/trans/v30n2/a13v30n2.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2018.

137

Neste tópico, você aprendeu que:

• Fundamentalmente, podemos afirmar que filosofar é exercitar as interrogações, é o indagar sobre o sentido das coisas, a busca dos porquês dos seres humanos e do planeta. A filosofia é construída e desenvolvida na dúvida.

• A filosofia é a busca das verdades além do que a realidade aparenta ser, além do óbvio.

• Filósofos buscavam enxergar além, obtendo a compreensão de particularidades sobre o mundo que os demais não alcançavam.

• Os filósofos dispunham de sua energia e de tempo para tentar solucionar os problemas, começando por entender o porquê desses conflitos acontecerem.

• A filosofia deve seguir caminhos opostos aos das verdades dogmáticas, procurando elevar o pensamento para longe das visões reducionistas sobre o homem e o mundo.

• Para fins de disciplina da filosofia, é importante que ela se ofereça como um agrupamento de ideias organizadas portador de determinada rigidez terminológica e acadêmica.

• É permitido falarmos em filosofias e não “da filosofia” como um único monopólio da realidade.

• O ato de filosofar é, especialmente, pensar de modo crítico. Um pensamento desamarrado e autônomo.

• Kant conseguiu trabalhar as questões sobre a razão humana e sem deixar de considerar a importância das experiências no processo de obtenção do conhecimento.

• Kant ficou reconhecido por sua frase “não se ensina filosofia, mas a filosofar”. Fez com que o ensino da filosofia se voltasse não para os conceitos filosóficos, mas para a atitude filosófica, para o raciocínio crítico.

• O método erotético ocorre por meio de procedimentos de diálogo e catequese.

RESUMO DO TÓPICO 3

138

AUTOATIVIDADE

1 Explique quais as diferenças cruciais entre o estudo da filosofia e o processo de filosofar.

2 Explique de que maneira Immanuel Kant obteve destaque em sua obra no campo filosófico.

139

TÓPICO 4

A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste último tópico, o aluno será, por fim, introduzido no mundo da filosofia moderna. Esta parte final do aprendizado deve ser reconhecida como imprescindível para a absorção de tudo o que foi visto até o presente momento.

Devemos entender que a filosofia é uma disciplina eternamente atual. Primeiramente, será vista a ideia central da chamada filosofia moderna e que teve início no século XV, juntamente com o nascimento da Idade Moderna.

A partir disso, o aluno enfrentará o conceito de filosofia na contemporaneidade. O que se compreende com certeza é que a filosofia se conserva sendo um conhecimento acerca do entendimento da racionalidade humana. A disciplina norteia e influencia várias outras áreas de conhecimento.

2 A FILOSOFIA MODERNA

Sentimos como se a filosofia fosse algo antigo, anterior a nós mesmos e que ficou no passado. Devemos entender que, na verdade, a filosofia é uma disciplina eternamente atual.

A filosofia está presente quando pensamos, agimos, enxergamos ou sentimos. Enquanto agimos, estamos em constante análise do passado ou, ainda, prospectando um futuro.

O principal objeto da filosofia é o ser humano. Ainda assim, especialmente nos dias atuais, o estudo filosófico sofre preconceitos em relação à utilidade e aos objetivos. Estes ocorrem devido ao fato de não ser uma ciência exata ou técnica, como a maioria das demais áreas de conhecimento.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

140

O conhecimento filosófico tem por finalidade justamente alimentar o pensamento, instigar uma posição questionadora nos cidadãos. O intuito é proporcionar a vontade de conhecer a si próprio, refletir sobre seu papel dentro do universo.

Se um indivíduo, hoje, resolve pensar filosoficamente sua vida, ele terá que modificar sua rotina, pois os conceitos iriam ser modificados. Ocorre que o medo do novo é natural ao homem. Somos seres de hábitos, acomodados e ficamos acostumados com os problemas sociais e econômicos que nos cercam diariamente.

Assim, não resta ânimo para enquadrar a filosofia em nossa vida. Contudo, é preciso resgatar o hábito de filosofar, de pensar nossas ações, questioná-las. A filosofia expande a mente da sociedade, faz com que avance, evolua.

A filosofia moderna teve início no século XV, juntamente com o nascimento da Idade Moderna. Essa era permanece até o século XVIII, com a chegada da Idade Contemporânea.

Fundada nos métodos de experimento, a filosofia moderna aparece para questionar os valores pertinentes aos seres humanos e também a relação deles com a natureza.

O grande ponto de mudança pode ser traduzido nas figuras do racionalismo e do empirismo. O primeiro está associado com a razão humana e o segundo está baseado na experiência.

A nova fase da história abrange diversas descobertas científicas desde os campos da astronomia, ciências naturais até matemática e física. Foi abrindo lugar para o pensamento antropocêntrico, que enxerga o homem no centro do mundo.

De tal modo, o período foi caracterizado pela conflagração do pensamento filosófico e científico. Deixou de lado as fundamentações religiosas da época medieval e abriu passagem para novos métodos de investigação científica.

No período, a filosofia desempenhou um papel centralizador na história, pois ofereceu uma posição mais ativa do ser humano na sociedade, como um ser pensante e, consequentemente, um cidadão com maior liberdade de escolha. Inúmeras modificações aconteceram no pensamento europeu da época:

• passagem do feudalismo para o capitalismo;• surgimento da burguesia;• formação dos estados nacionais modernos;• absolutismo;• mercantilismo;• reforma protestante;

TÓPICO 4 | A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

141

• grandes navegações;• invenção da imprensa;• descoberta do novo mundo;• início do movimento renascentista.

Assim, as características centrais da filosofia moderna estão pautadas nos seguintes conceitos:

• antropocentrismo e humanismo;• cientificismo;• valorização da natureza;• racionalismo (razão);• empirismo (experiências);• liberdade e idealismo;• renascimento e iluminismo;• filosofia laica (não religiosa).

3 O PAPEL DA FILOSOFIA NA CONTEMPORANEIDADE

O papel da filosofia na sociedade contemporânea é um dos temas mais discutidos por entusiastas da área. Desvendar qual a afinidade da filosofia com o mundo contemporâneo é questão pautada por vários escritores da atualidade.

A filosofia se conserva sendo uma área de conhecimento acerca do entendimento da racionalidade humana. A disciplina norteia e influencia várias outras áreas de conhecimento.

Ainda, continua sendo confortante e acolhedora para aqueles que possuem intenção de buscar autoconhecimento. A relação da filosofia com o mundo contemporâneo ainda permanece nos seguintes termos:

• nas demandas em prol de igualdade e justiça social; • na batalha por uma democracia praticável e de fácil acesso para todos;• na busca constante pela verdade, por um sistema de ideias empáticas e

inclusivas, que represente a realidade sem utopias;• nas indagações acerca de nossas origens e onde pretendemos chegar como

sociedade global. É uma temeridade estimulada pela filosofia e é um dos pontos principais na ligação da filosofia com o mundo contemporâneo;

• nos incentivos dados para o desenvolvimento da ciência. Esta precisa de questionamentos críticos para continuar a viver.

O que deve ser levado em consideração é o seguinte questionamento: a filosofia deve seguir apenas como disciplina dentro do contexto acadêmico ou deve ser colocada ao alcance de todos os cidadãos? Como fazer para que a filosofia construa uma sociedade de indivíduos questionadores por completo e positivando princípios de evolução social? Pense a respeito!

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

142

LEITURA COMPLEMENTAR

O ENSINO DA FILOSOFIA NO LIMIAR DA CONTEMPORANEIDADE: O QUE FAZ O FILÓSOFO QUANDO SEU OFÍCIO É SER

PROFESSOR DE FILOSOFIA?

Rodrigo Pelloso Gelamo

A rejeição (que poderíamos entender como uma recusa ou declínio da filosofia), especialmente nos cursos universitários que não visam à formação de filósofos, parece resultar de uma série de problemas que ainda não foram resolvidos e perfazem desde propostas curriculares mal elaboradas até uma posição que tem por objetivo a exaltação do conhecimento tecnológico.

Outro motivo pode ser o apressamento da formação atual, convertida em mera qualificação profissional, especialmente nas instituições privadas de ensino superior. Nestas há redução não só do tempo de formação, mas também da qualidade e da intensidade da formação.

A quantidade de disciplinas tem sido, também, alvo da mesma política

educacional, sendo retiradas dos currículos aquelas que são consideradas menos importantes no processo da qualificação profissional.

O que é hoje valorizado na sociedade normalizada e no espaço educacional não é mais o desenvolvimento do pensamento, mas a transmissão de uma série de conteúdos que, supostamente, dão condições para a integração do estudante no quadro do progresso tecnológico e proporcionam a sua entrada no mercado de trabalho.

Quando a filosofia participa do processo formativo, ela tem dificuldades em encontrar seu lugar e em se reconhecer em um espaço onde é desvinculada de si mesma. Ainda, a pouca carga horária reservada dificulta a possibilidade de um desenvolvimento consistente do pensamento filosófico.

O tempo disponibilizado para a apreensão dos conteúdos filosóficos e para a consolidação de um tipo de reflexão almejado pela filosofia é ínfimo. Ao dificultar a apropriação intelectual dos conteúdos pelos alunos, a negação de um modo de temporalidade necessário à formação do pensamento filosófico impede a constituição de uma reflexão crítica, equivocadamente esperada sob essas condições.

O ensino da filosofia muitas vezes se restringe a uma transmissão de

conteúdos cujo objetivo é fazer com que o aluno acumule o máximo de informações possíveis no pouco tempo reservado.

TÓPICO 4 | A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

143

Assim, aquilo que seria fundamental para a consolidação do processo formativo seria algo quase impossível de acontecer e por se fundamentar, muitas vezes, em um modo superficial de articulação entre as perspectivas dos filósofos apresentadas pelo professor acerca de um determinado tema e os conteúdos tidos como necessários no ensino da filosofia.

Cria-se, então, uma imagem distorcida do pensamento filosófico e do

filosofar, transmitindo ao aluno não muito mais do que “fórmulas filosóficas” que passam a se constituir em modelos a serem aplicados na resolução de qualquer questão. As “fórmulas filosóficas” se apresentam como modelos para pensarmos criticamente as situações com as quais o aluno se depara.

O ensino da filosofia que se pratica nesses lugares privilegia a transmissão

do conhecimento produzido no contexto da história da filosofia. Alunos e professores são avaliados por aquilo que conseguiram acumular de conhecimento a partir do seu enquadramento nos saberes estabelecidos.

A lógica do ensino encaminha a relação ensinar/aprender para uma função: ensinar é transmitir as verdadeiras representações sobre aquilo que os filósofos disseram e aprender é compreender aquilo que foi explicado. Ainda, é preciso fazer uma correlação entre a explicação do professor e o que se encontra nas obras filosóficas para, posteriormente, repetir de modo claro e distinto aquilo que se aprendeu.

O professor de filosofia, muitas vezes pressionado pelas situações adversas, torna-se refém da mesma lógica da explicação ao acreditar que a única saída para se ensinar minimamente a filosofia é a transmissão, ou seja, explicar ao aluno aquilo que conhece da filosofia. Existe implícita a crença de que aquele que explica é o detentor dos conhecimentos filosóficos necessários.

Com determinado tipo de “ensino”, estar-se-ia privilegiando a transmissão de um tipo de conhecimento que, pretendendo-se filosófico, é marcado por um “saber técnico” e cujo objetivo é ensinar a reconhecer a forma e o conteúdo de um determinado pensamento.

No ato de “aprender”, a relação entre o aluno e o texto filosófico ocorre

mediante um processo de mediação da aprendizagem que reside na explicação apresentada pelo professor como a forma legítima de captar a verdadeira significação das ideias que constituem o texto.

A explicação se tornou um meio de “formar filosoficamente” os alunos:

explica-se a história da filosofia, os sistemas filosóficos, o que é ser crítico em relação a eles e ao mundo. Enfim, explica-se o que é pensar filosoficamente. Assim, ensinar a filosofia, muitas vezes, restringe-se a uma explicação, oferecida pelo professor, do pensamento filosófico e de sua história.

UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

144

O papel do professor de filosofia passou a ser o de um explicador do modo como os filósofos produziram determinado pensamento, das suas filiações teóricas, de seus vínculos com aqueles que o antecederam, dos pontos problemáticos que pretendiam resolver e do modo como responderam aos problemas.

Segundo Rancière, a lógica da explicação foi ganhando espaço por estar amparada pelo argumento de que os professores conscientes têm como “grande tarefa” transmitir seus conhecimentos aos alunos. A lógica traz como objetivo conduzir os alunos e elevá-los para a condição de conhecedores.

Assim, o professor teria como função ser o mediador entre o filósofo (texto filosófico) e o aluno, objetivando romper a barreira que, supostamente, existe entre aquilo que o aluno leu nos livros de filosofia e as falhas na compreensão que ele possa ter tido em sua leitura. O papel do professor, no contexto, é garantir que se compreenda aquilo que supostamente é necessário.

FONTE: GELAMO, Rodrigo Pelloso. O ensino da filosofia no limiar da contemporaneidade: o que faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de filosofia? 1. ed. São Paulo: UNESP, 2009. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/hd5d8/pdf/gelamo-9788598605951.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2018.

145

Neste tópico, você aprendeu que:

• A filosofia está presente quando pensamos, tomamos ações, enxergamos ou sentimos em nossas vidas.

• O principal objeto da filosofia é o ser humano.

• Nos dias atuais, o estudo filosófico sofre preconceitos em relação à utilidade e aos objetivos.

• O conhecimento filosófico tem por finalidade alimentar o pensamento, instigar uma posição questionadora nos cidadãos.

• É preciso resgatar o hábito de filosofar, de pensar nossas ações, questioná-las. A filosofia expande a mente da sociedade, faz com que avance, evolua.

• O que se denomina como filosofia moderna teve início no século XV, juntamente com o nascimento da Idade Moderna.

• Fundada nos métodos de experimento, a filosofia moderna aparece para questionar os valores pertinentes aos seres humanos e também a relação deles com a natureza.

• A filosofia continua sendo confortante e acolhedora para aqueles que possuem intenção de autoconhecimento.

RESUMO DO TÓPICO 4

146

AUTOATIVIDADE

1 Cite três características da filosofia moderna e explique.

2 Qual o papel dos filósofos no mundo contemporâneo?

147

REFERÊNCIAS

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