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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ÓTICA DA PSICOLOGIA HISTÓRICO- CULTURAL Silvana Calvo Tuleski Professora do Departamento de Psicologia da UEM Mestre em Educação/UEM Doutora em Educação Escolar/UNESP Araraquara E-mail: [email protected]

FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ÓTICA DA PSICOLOGIA HISTÓRICO- CULTURAL Silvana Calvo Tuleski Professora do Departamento de Psicologia da UEM Mestre

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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ÓTICA DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-

CULTURAL

Silvana Calvo TuleskiProfessora do Departamento de Psicologia da UEMMestre em Educação/UEMDoutora em Educação Escolar/UNESP AraraquaraE-mail: [email protected]

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PONTO DE PARTIDA: O MÉTODO

Ao adotarem como método a lógica dialética e não a formal entende-se que Vigotski, Luria e Leontiev buscaram superar a cisão existente na psicologia, entre duas correntes que se opunham e que se baseavam no idealismo e no materialismo mecanicista.

Esta cisão, ainda não eliminada na atualidade, só pode ser superada quando se recusa a pensar os problemas humanos de acordo com os cânones da lógica formal, que é a lógica da exclusão dos opostos e passa-se a pensá-los em termos dialéticos, em que os pólos opostos não se excluem mas se incluem, determinando-se reciprocamente (SAVIANI, 2004).

Isto permite que o psiquismo humano seja entendido como social em sua origem, possuindo um desenvolvimento histórico dependente da vida e da atividade social (SHUARE, 1990) tese fundamental da Psicologia Histórico-Cultural, da qual decorrem os principais pressupostos que apresentaremos a seguir:

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PRIMEIRO PRESSUPOSTO: A diferença existente entre homens e animais é a capacidade dos primeiros de criar e utilizar funcionalmente instrumentos e signos.

Só o trabalho [...] possibilita ao próprio homem que trabalha a transição do ser meramente biológico ao ser social. [...] (LUKÁCS, 2004, p. 58-59).

Leontiev (1967) afirma que o processo de apropriação é um processo de aquisição da experiência histórico-social das gerações anteriores. Essa experiência não é dada pela hereditariedade biológica, mas encontra-se externa aos homens, depositada, acumulada nos objetos e fenômenos que os circundam.

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Importância do trabalho, das relações sociais de produção, na transformação do macaco em homem.

• Para Leontiev o trabalho surge pela necessidade coletiva de sobrevivência, pelo uso e fabrico de instrumentos.

• A linguagem se estabelece pela necessidade de transmissão de informações, possuindo uma ação produtiva sobre os objetos e sobre outros homens.

• A diferença entre macaco e homem se dá pelo fabrico e uso de instrumentos (trabalho) e pela linguagem (signos, meios auxiliares), que libertam o homem do campo visual.

• MEDIAÇÃO: De acordo com Markus (1974), por mediação entende-se tanto o próprio trabalho, que torna possível a utilização do objeto, assim como o meio de trabalho ou ferramenta que o homem coloca entre si mesmo e o objeto de sua necessidade. A mediação age tanto sobre o instrumento de trabalho como sobre o indivíduo que a utiliza, modificando, dialeticamente, tanto a natureza quanto o próprio homem.

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Numa sociedade desenvolvida que possui uma estrutura de classes complexa, a mediação entre o processo tecnológico e o psicológico se dá de maneira complexa, isto é, menos direta e mais mediada por inúmeros fatores materiais e espirituais.

Sendo a sociedade dividida em diferentes classes, a composição das personalidades humanas não é algo homogêneo e uniforme em um dado período histórico, o que confirma o caráter de classe, natureza de classe e distinções de classe responsáveis pela formação dos tipos humanos.

As contradições internas que são encontradas nos diferentes sistemas sociais tem sua expressão no tipo de personalidade e na estrutura da psicologia humana daquele período histórico.

As novas gerações e suas novas formas de educação representam a rota principal que a história seguirá para criar o novo tipo de homem sendo a educação social e politécnica extraordinariamente importante. (Vigotski, 1930)

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A educação deve desempenhar o papel central na transformação do homem, na estrada de formação social consciente de gerações novas, ela deve ser a base para alteração do tipo humano histórico.

As idéias básicas que justificam a educação politécnica consistem em uma tentativa de superar a divisão entre trabalho físico e intelectual e reunir pensamento e trabalho que foram separados durante o processo de desenvolvimento capitalista.

De acordo com Marx, a educação politécnica proporciona a familiaridade com os princípios científicos gerais a todos os processos de produção e, ao mesmo tempo, ensina as crianças e adolescentes que habilidades práticas tornam possível para eles operarem as ferramentas básicas utilizadas em todas as indústrias. (Vigotski, A transformação socialista do homem, 1930, in: http://www.marxists.org/portugues/indice.htm

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SEGUNDO PRESSUPOSTO: O desenvolvimento humano supera os fatores biológicos com a constituição do pensamento verbal.

“[...] a formação da unidade humana complexa de fala e operações práticas é o produto de um processo profundamente arraigado de desenvolvimento no qual a história individual é unida de perto à história social” (Vygotsky & Luria, 1994, p.113).

Todas as funções psicológicas superiores se caracterizam por serem “processos de domínio de nossas próprias reações com a ajuda de diversos meios” (VIGOTSKI, 1995, p. 285). Esses meios são os “instrumentos psicológicos” ou signos, os quais “são criações artificiais; estruturalmente são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios” (VIGOTSKI, 1999, p. 94).

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A criança, em seu desenvolvimento torna-se reequipada culturalmente.

O ambiente cultural se interioriza e seu comportamento torna-se social/cultural em sua forma e conteúdo, seus mecanismos e meios.

A união entre o pensamento e a linguagem redimensiona todas as funções psicológicas (percepção, memória, atenção, pensamento, linguagem, volição) que passam, gradativamente, ao controle do próprio indivíduo.

Se antes o controle se dava pelos comandos verbais dos outros o comportamento vai passando ao controle do próprio indivíduo, por meio do pensamento verbal (internalizado).

A fala egocêntrica é um estágio intermediário neste processo de internalização.

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TERCEIRO PRESSUPOSTO: A linguagem simbólica revoluciona todas as funções psicológicas, passando-as de involuntárias a voluntárias.

Por meio da generalização verbal a criança torna-se possuidora de um novo fator de desenvolvimento - a experiência humano-social - elemento fundamental da sua formação mental (LEONTIEV, 1978).

Luria (1994) conclui que este desenvolvimento atravessa várias fases e que cada uma delas difere em qualidade, podendo ser sintetizadas em: 1. Fase pré-instrumental; 2. Fase mágica ou pseudo-instrumental e; 3. Fase instrumental.

Para Leontiev (1975) [...] o processo de internalização consiste não no fato de que a atividade externa seja introduzida no “plano da consciência” interna que a precede, a interiorização é um processo no qual precisamente se forma esse plano interno (p. 79).

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A passagem do interpsicológico para o intrapsicológico.

Significado – sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra (social/coletivo).

Sentido- relaciona-se ao individual, composto das relações que a palavra tem com os contextos de uso para o indivíduo, suas vivências particulares.

O desligamento do campo visual se dá pelo desenvolvimento da linguagem, que permite a reconstrução da realidade externa em um plano interior, das representações.

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Mundo da criança antes da linguagem

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Mundo da criança depois da linguagem

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QUARTO PRESSUPOSTO: A aprendizagem e o desenvolvimento constituem uma unidade dialética.

Luria (2001) afirmava que o adulto regula a ação da criança por meio do uso de um mediador externo, a atividade verbal e outros instrumentos simbólicos. A criança vai se subordinando às ações dos adultos e assimilando esse meio de organização das ações.

A história da psique é, portanto, a história de sua construção, pois tal como Vigotski, Luria e Leontiev evidenciam esta não pode ser entendida como imutável ou invariável no sentido filo e ontogênico.

Esta apropriação das conquistas genéricas realizadas individualmente é o que configura o processo de humanização ad infinitum, fruto de um processo educativo sistematizado, tal como postula Leontiev (1978).

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“(...) as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser encontradas nas relações sociais que o indivíduo estabelece com o mundo exterior” (Vigotski)

De acordo com Luria (1994), portanto, as ferramentas (externas e internas) usados pelo homem, não só geram mudanças radicais nas condições de existência do homem, mas agem sobre ele efetuando uma mudança em sua condição psíquica.

Nas inter-relações complexas com o ambiente, o psiquismo vai sendo refinado e diferenciado; a mão e o cérebro vão assumindo formas definidas e vai evoluindo uma série de métodos complexos de conduta, com a ajuda dos quais o homem se adapta melhor ao mundo circundante.

Nenhum desenvolvimento - o da criança incluído - numa sociedade civilizada moderna pode ser reduzido ao desenvolvimento de processos inatos naturais e a mudanças morfológicas condicionadas pelos mesmos, mas este se deve à inserção em grupos sociais e aquisição de formas de conduta civilizadas, cuja apropriação vai ajudar a criança a adaptar-se às condições da comunidade que a cerca, processo em que a educação escolar tem papel fundamental.

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PONTO DE CHEGADA: A EDUCAÇÃO ESPECIAL.

A sistematização dos quatro pressupostos metodológicos fundamentais da Psicologia Histórico-Cultural nos remete ao entendimento de que é por meio da dialética entre os processos de objetivação e apropriação que ocorre a reprodução indefinidamente ampliada das capacidades humanas (LEONTIEV, 1967).

Os estudos de Vigotski permite-nos pensar que os indivíduos, por uma deficiência ou outra, ao não se apropriarem, como os demais, do conjunto de representações e de elaborações semióticas, passam a ter sua aprendizagem e seu desenvolvimento diferenciados em seu curso (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006)

Um dos aspectos principais reside na atenção dada à possibilidade de educação aos indivíduos comprometidos pela deficiência centrada no desenvolvimento da capacidade de pensar e de agir conscientemente ou planejadamente, fazendo compensações e supercompensações das áreas ou funções afetadas, a partir de órgãos ou funções íntegros (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006).

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… “onde é impossível o desenvolvimento orgânico sucessivo, está aberto um espaço de modo ilmitado para o desenvolvimento cultural” (VIGOTSKI, 1997).

“O comportamento cultural compensatório sobrepõe-se ao comportamento natural defeituoso” (VIGOTSKI & LURIA, 1996)

Um defeito pode funcionar como poderoso estímulo no sentido de reorganizar a personalidade, e o professor, na escola, precisa saber como descobrir as possibilidades de compensação e como fazer uso delas (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006).

No processo de avaliação o professor deve fiar-se na proposição de Vigotski de que o grau de desenvolvimento cultural do aluno se expressa não só pelo conhecimento por ele adquirido, mas pode ser analisado considerando-se sua capacidade de usar objetos em seu mundo externo e, principalmente, pela capacidade de usar racionalmente seu próprio processo psicológico (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006).