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1 Capítulo 3.1 Fundamentos de Toxicologia PAOLIELLO, M.B Sumário 3.1.1 Introdução a Toxicologia em busca de sua cientificidade ............................... 2 3.1.2 Conceito de Toxicologia..................................................................................... 4 3.1.3 Áreas de atuação da Toxicologia ........................................................................ 6 3.1.4 Descrição e terminologia do efeito tóxico .......................................................... 6 3.1.5 Características da exposição ............................................................................... 8 3.1.6 A intoxicação e suas classes ............................................................................. 10 3.1.7 Fases da intoxicação ......................................................................................... 11 3.1.8 Relação entre toxicocinética e toxicodinâmica ................................................ 12 3.1.9 Toxicocinética .................................................................................................. 13 3.1.9.1 Absorção ....................................................................................................... 14 3.1.9.2 Vias de introdução ........................................................................................ 19 3.1.9.3 Distribuição .................................................................................................. 22 3.1.9.4 Biotransformação.......................................................................................... 24 3.1.9.5 Eliminação .................................................................................................... 27 3.1.10 Toxicodinâmica ................................................................................................ 28 3.1.11 Referências bibliográficas ................................................................................ 34

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Capítulo 3.1

Fundamentos de Toxicologia

PAOLIELLO, M.B

Sumário

3.1.1 Introdução – a Toxicologia em busca de sua cientificidade ............................... 2

3.1.2 Conceito de Toxicologia ..................................................................................... 4

3.1.3 Áreas de atuação da Toxicologia ........................................................................ 6

3.1.4 Descrição e terminologia do efeito tóxico .......................................................... 6

3.1.5 Características da exposição ............................................................................... 8

3.1.6 A intoxicação e suas classes ............................................................................. 10

3.1.7 Fases da intoxicação ......................................................................................... 11

3.1.8 Relação entre toxicocinética e toxicodinâmica ................................................ 12

3.1.9 Toxicocinética .................................................................................................. 13

3.1.9.1 Absorção ....................................................................................................... 14

3.1.9.2 Vias de introdução ........................................................................................ 19

3.1.9.3 Distribuição .................................................................................................. 22

3.1.9.4 Biotransformação.......................................................................................... 24

3.1.9.5 Eliminação .................................................................................................... 27

3.1.10 Toxicodinâmica ................................................................................................ 28

3.1.11 Referências bibliográficas ................................................................................ 34

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3.1.1 Introdução – a Toxicologia em busca de sua cientificidade

(PAOLIELLO; DE CAPITANI, 2000)

Fase pré-paradigmática

Ainda que a Toxicologia seja considerada uma ciência instituída recentemente, quando

comparada com outras ciências biológicas, sua construção começou antes do princípio da

história registrada. Em sua constante busca por alimentos, o homem observou que certos

vegetais tinham efeitos nocivos para o organismo. Considerando que o arco e a flecha estão

entre as revoluções tecnológicas mais importantes nessas populações primitivas, foi

constatado o uso de extratos de plantas como toxinas para a caça e a pesca. O fato de a relação

causa efeito ser imediata, tornou mais fácil a aquisição do conhecimento.

Entretanto, o foco de atenção da Toxicologia primitiva, e o “saber” toxicológico,

rapidamente se desviou para a destruição da vida humana. Conforme a civilização progredia,

a arte de envenenamento proposital também avançava. No início, observou-se o

desenvolvimento de habilidades de muitos povos na preparação de misturas especiais de

venenos para flecha, cujas fórmulas eram bem guardadas e passadas para os sucessores de

cada tribo. Gradualmente, muitas toxinas animais, vegetais e minerais foram catalogadas por

médicos gregos (a partir de 400 a.C.). Ainda que superficialmente, o uso de eméticos foi

reconhecido nos envenenamentos. Poemas com referências a venenos e antídotos foram

escritos. Com o desenvolvimento do conhecimento e da utilização dos venenos, as execuções

políticas ocorriam com freqüência na Grécia Antiga. Suicídios onde o conhecimento

toxicológico era evidente, também ocorriam. A Roma Antiga também foi palco destes

acontecimentos.

Em Roma, na Idade Média, a arte de envenenar progrediu de tal forma que alcançou o

estatuto de uma profissão. Era grande o número de pessoas que, mediante o pagamento de

uma quantia, poderia encomendar o envenenamento de outra. O envenenamento como arte e

profissão também chegou à França.

O que se observou através da história da Toxicologia até então, era de caráter

fenomenológico. Todo o conhecimento era obtido a partir de dados experimentais e o “saber”

era puramente empírico. Não havia uma sistematização do conhecimento, nem uma

compreensão teórica sobre o tema, e faltava uma “lei geral” sobre o assunto. Portanto, essa foi

uma etapa da história da Toxicologia pré-paradigmática, constituída por saberes. De acordo

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com Foucault, o saber pode ser definido como um conjunto de elementos formados por uma

prática discursiva, que pode ou não adquirir um status científico.

Provavelmente, foi através de Paracelsus que surgiu o primeiro esboço da construção

de um campo específico de conhecimento, que posteriormente se denominaria Toxicologia.

Paracelsus foi um médico suíço que viveu entre 1493 e 1541 e propôs um dos princípios

básicos da Toxicologia, quando observou que a toxicidade de qualquer substância estava

relacionada com a dose. Estabeleceu também alguns princípios básicos da experimentação,

além de definir a necessidade de isolar o princípio ativo em todo caso de intoxicação.

Também distinguiu os efeitos agudos e crônicos da exposição a metais. O que Paracelsus

estabeleceu foram algumas referências teóricas da Toxicologia como disciplina científica,

onde houve posteriormente uma convergência universal. Deste modo, constituiu um novo

universo conceitual, rompendo com o senso comum, deixando de lado as “poções mágicas”

populares da época. Tratava-se de uma ruptura dentro do conhecimento empírico. Entretanto,

tudo isso ainda constituía um paradigma rudimentar porque, apesar de haver um objeto e uma

lei geral que regia o seu comportamento, faltavam teorias de domínios conexos, como, por

exemplo, a química, que pudessem estabelecer uma relação com esse paradigma. Khun

introduziu o conceito de paradigma associando-o ao surgimento de uma disciplina científica.

Também relacionou o conceito de paradigma com a formação de uma comunidade científica,

na medida em que o paradigma está associado à responsabilidade do aparecimento dessa

comunidade. Tudo isso ainda não havia ocorrido no momento histórico de Paracelsus, que

atuava isoladamente e tinha contra si grande parte da “comunidade científica” da época.

O paradigma se faz realidade

Foi a partir do início do século XIX que se instituiu a fase paradigmática propriamente

dita da Toxicologia, através dos princípios estabelecidos por Orfila (1787-1853), um médico

espanhol que ensinava na Universidade de Paris. Nesse período da civilização, os aspectos

legais da Toxicologia eram fundamentais para poderem elucidar os casos de envenenamento

que ocorriam. Os princípios de Orfila continham toda a sistemática para a identificação de

agentes químicos em materiais de autópsia, através de provas de identificação, como prova

legal de envenenamento. Para isso, foram assimilados conhecimentos e técnicas dos campos

da química e da biologia. Esses princípios continham todas as partes que constituíam um

paradigma: um objeto definido, princípios teóricos para especificar as leis gerais que regem o

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comportamento do objeto, a relação com as teorias de campos conexos (especialmente com a

química analítica, a bioquímica e a fisiologia) e exemplos concretos da aplicação da teoria.

Outro indicador do período paradigmático é quando uma disciplina está estabelecida

institucionalmente. Em 7 de janeiro de 1834, na Escola de Farmácia de Paris, foi fundada a

primeira cátedra de Toxicologia, sendo o primeiro ensino superior desta ciência no mundo.

Quando o modelo de Orfila foi aceito e a disciplina instituída, a comunidade científica

já existia. Se considerarmos que a aquisição de um paradigma é sinal de maturidade no

desenvolvimento de qualquer campo científico, e que também é científico o que alcança o

consenso de uma comunidade científica, podemos afirmar que foi nesse momento histórico

que a Toxicologia adquiriu sua cientificidade.

A ciência não se limita a crescer, mas a transformar-se. E não se pode separar o

desenvolvimento da tecnologia do desenvolvimento científico. Foi justamente a produção de

novos meios de observação e experimentação que transformou incessantemente as condições

do conhecimento na Toxicologia. Nasceu do aspecto forense devido a uma demanda social;

entretanto, logo foram aparecendo novos métodos de abordagem. Além do analítico, clínico e

experimental, novas áreas de aplicação se desenvolveram: ambiental, ocupacional, social, de

alimentos e de medicamentos. Surgiram novos paradigmas envolvendo os primeiros. Se,

durante sua trajetória, a Toxicologia percorreu várias etapas (empírica, política, criminal,

forense), que estavam de acordo com as necessidades da época, a partir do século XX a

Toxicologia adotou um enfoque eminentemente social.

Atualmente, o modelo da Toxicologia engloba uma multiplicidade de enfoques para

uma sociedade dinâmica e concreta em sua realidade. Podemos concluir que a Toxicologia

constitui um campo científico em processo de reconstrução.

3.1.2 Conceito de Toxicologia

- A Toxicologia pode ser definida como o estudo da interação entre agentes

químicos e sistemas biológicos, com o objetivo de determinar quantitativamente

o potencial dos agentes químicos em produzir danos, que resultem em efeitos

adversos em organismos vivos, e para investigar a natureza, a incidência, os

mecanismos de produção, os fatores que influenciam no desenvolvimento e

reversibilidade desses efeitos adversos (BALLANTYNE et al., 1999).

Inerente a essa definição estão alguns pontos-chave a serem considerados:

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- Os agentes químicos ou seus produtos de biotransformação requerem um contato

íntimo com os tecidos ou órgãos para os quais são potencial causa de dano,

podendo alterar suas estruturas ou funções;

- Quando possível, a toxicidade observada deve estar quantitativamente

relacionada com o grau de exposição ao agente tóxico. Portanto, a relação dose-

resposta é fundamental na confirmação de uma possível relação causal entre um

agente químico e um efeito tóxico, permitindo a avaliação do perigo e do risco.

- As investigações toxicológicas devem permitir idealmente que as seguintes

características de toxicidade sejam avaliadas:

- o dano produzido (se estrutural, funcional ou bioquímico);

- a relação dose-resposta;

- os mecanismos de toxicidade, ou seja, as interações químicas e biológicas e

aberrações resultantes que são responsáveis pela manutenção da resposta

tóxica;

- os fatores que podem influenciar a resposta tóxica, ou seja, vias de exposição,

espécie, sexo, formulação da substância química teste e condições ambientais;

- o desenvolvimento de abordagens para o reconhecimento de respostas tóxicas

específicas;

- a reversibilidade dos efeitos, tanto espontânea como após tratamento.

O objeto de estudo da Toxicologia é o agente tóxico ou toxicante, que pode ser

definido como agente químico ou físico capaz de causar dano a um sistema biológico,

alterando seriamente uma função ou levando-o à morte, sob certas condições de exposição.

Xenobiótico é o termo utilizado para designar qualquer substância química estranha presente

num sistema biológico (MÍDIO,1992).

A palavra toxicidade é usada para descrever a medida relativa do risco de

aparecimento de um efeito tóxico num sistema biológico, produzido por uma substância sob

certas condições controladas de exposição (MÍDIO, 1992). Depende, portanto, das condições

de exposição como dose administrada ou absorvida, tempo e freqüência de exposição (doses

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única ou repetida), via de administração (respiratória, oral, dérmica, parenteral) e natureza do

organismo afetado.

3.1.3 Áreas de atuação da Toxicologia

São várias áreas de atuação no âmbito da Toxicologia, de acordo com a natureza do

agente ou a maneira como atinge e interage com o sistema biológico:

Toxicologia ambiental - estuda os efeitos nocivos à saúde humana decorrentes da

interação de contaminantes do ambiente com o organismo humano;

Toxicologia ocupacional - estuda os efeitos nocivos produzidos pela interação dos

agentes químicos e contaminantes do ambiente de trabalho com o indivíduo exposto;

Toxicologia de alimentos - estuda as condições em que os alimentos podem ser

ingeridos, sem causar danos ao organismo;

Toxicologia de medicamentos e cosméticos - estuda os efeitos nocivos produzidos pela

interação de medicamentos ou cosméticos com o organismo, decorrentes de uso

inadequado ou de susceptibilidade individual;

Toxicologia social - estuda os efeitos nocivos decorrentes do uso não médico de drogas

ou fármacos, causando prejuízo ao próprio indivíduo e à sociedade.

3.1.4 Descrição e terminologia do efeito tóxico

Uma representação esquemática das bases para a classificação geral dos efeitos tóxicos

é apresentada na Figura 3.1.1. Antes que a toxicidade seja desenvolvida, o agente tóxico deve

entrar em contato com a superfície corporal, como pele, olhos ou mucosa do trato respiratório

ou gastrintestinal. Em situações experimentais ou terapêuticas, outras vias de exposição são

subcutânea, endovenosa, intramuscular e intraperitoneal.

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FIGURA 3.1.1 – Base para a classificação geral dos efeitos tóxicos FONTE – Ballantyne et al., 1999

Após o contato inicial com a superfície corporal, o toxicante pode produzir uma

toxicidade local ou sistêmica. Um efeito local é observado quando o efeito tóxico ou injurioso

ocorre no ponto de contato inicial com o sistema biológico. Efeito sistêmico é obtido quando

a substância tóxica (ou seu produto de biotransformação) é absorvida no local de contato e

produz efeitos nocivos às células, tecidos ou órgãos distantes do local de exposição. Muitas

substâncias podem produzir ao mesmo tempo efeitos locais e sistêmicos.

Os agentes tóxicos podem ser classificados utilizando-se diferentes critérios,

dependendo da finalidade do estudo. Alguns autores os classificam de acordo com o órgão-

alvo (por exemplo sistema hematopoiético, fígado, rins), seus usos (por exemplo praguicida,

solvente, aditivo alimentar) ou seus efeitos (por exemplo hepatotóxico, mutagênico,

imunotóxico). Outros os classificam de acordo com seus mecanismos de ação (por exemplo,

metemoglobinizante, inibidor da colinesterase) ou potencial de toxicidade (extremamente

tóxico, moderadamente tóxico, pouco tóxico). Outros ainda, de acordo com a escala de

tempo ou duração (persistente, cumulativo, transitório, latente).

A Tabela 3.1.1 apresenta exemplos de classificação de toxicidade de acordo com a

escala de tempo (duração da exposição) e local de ação. A Tabela 3.1.2 apresenta alguns

exemplos de toxicidade classificada de acordo com a duração do efeito.

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TABELA 3.1.1 – Exemplos de toxicidade classificada de acordo com a duração da exposição

e local de ação

Exposição Local Efeito Substância

Aguda Local Corrosão de pele Metilamina

Injúria pulmonar Cloreto de hidrogênio

Sistêmico Hemólise Arsina

Misto Injúria pulmonar e metemoglobinemia Óxidos de nitrogênio

Subaguda Local Sensibilização dérmica Etilenodiamina

Ulceração do septo nasal Cromatos

Sistêmico Neurotoxicidade Acrilamida

Injúria hepática Arsênio

Misto Irritação respiratória e neurocomportamental Piridina

Crônica Local Bronquite Dióxido sulfúrico

Sistêmico Leucemia Benzeno

Misto Enfisema e injúria renal Cádmio

Pneumonite e neurotoxicidade Manganês FONTE – Ballantyne et al., 1999, modificado

TABELA 3.1.2 – Exemplos de classificação de toxicidade de acordo com o tempo de

desenvolvimento ou duração do efeito

Duração do efeito Efeito Substância

Persistente Injúria testicular Dibromocloropropano

Mesotelioma pleural Asbesto

Transitória Narcose Solventes orgânicos

Irritação sensorial Acetaldeído

Cumulativa Fibrose hepática Etanol

Latente Edema pulmonar Fosgênio

Neuropatia periférica Organofosforados

Fibrose pulmonar Paraquat FONTE – Ballantyne et al., 1999, modificado

3.1.5 Características da exposição

Os efeitos tóxicos ou adversos de um agente químico sobre um sistema biológico

serão produzidos até que aquele, ou seus produtos de biotransformação, alcancem os sítios-

alvo de ação, após decorrido um período de tempo suficiente para o aparecimento de

manifestações tóxicas. Portanto, a resposta tóxica dependente de vários fatores que irão

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influenciar a toxicidade de um composto, quais sejam propriedades físicas e químicas do

agente, susceptibilidade do sistema biológico do indivíduo e condições de exposição.

As principais propriedades físicas e químicas que podem influenciar na toxicidade

de um agente são: solubilidade, pressão de vapor, constante de ionização, reatividade química,

estabilidade, tamanho da partícula, coeficiente de partição, entre outras.

Quanto aos fatores biológicos, espécie, sexo, idade, peso, diferenças genéticas e

condições metabólicas (repouso, trabalho), podem influenciar na toxicidade do composto.

Importância deve ser dada aos fatores relacionados a toxicocinética do agente, como

absorção, distribuição, biotransformação, reatividade dos receptores e eliminação.

Os principais fatores relacionados às condições de exposição que influenciam a

toxicidade são as vias de introdução e duração e freqüência da exposição.

As principais vias de introdução dos agentes tóxicos no organismo são o trato

digestivo (ingestão), os pulmões (inalação) e a pele (dérmica). As vias parenterais

(intramuscular e intravenosa) e também as mucosas, constituem meios usuais de introdução

de medicamentos que, dependendo da dose e das condições fisiológicas ou patológicas do

indivíduo, podem produzir efeitos adversos acentuados, com lesões graves em diversos

órgãos. A intensidade do efeito tóxico e a rapidez da resposta dependem das vias de

administração que, por ordem decrescente, são: intravenosa, respiratória, intraperitoneal,

subcutânea, intramuscular, intradérmica, oral e dérmica.

A via de introdução pode influenciar a toxicidade dos agentes tóxicos. Por exemplo,

no caso de uma substância que normalmente sofra destoxificação no fígado, espera-se que

seja menos tóxica quando administrada por via oral (circulação portal), do que por inalação

(circulação sistêmica).

Quanto à duração da exposição, esta pode ser dividida em aguda (contato com o

agente por um período máximo de 24 h), subaguda (exposições repetidas durante um mês ou

menos), subcrônica (múltiplas exposições entre um e três meses) e crônica (exposições por

mais de três meses).

Em relação à freqüência da exposição, para várias substâncias, os efeitos tóxicos das

exposições agudas são diferentes daqueles produzidos por exposições repetidas. Por exemplo,

o efeito produzido pelo benzeno nas exposições agudas é a depressão do sistema nervoso

central, enquanto que as exposições a longo prazo podem resultar em leucemia. Nas

exposições agudas, as substâncias químicas são rapidamente absorvidas e os efeitos

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produzidos geralmente são imediatos. Entretanto, algumas vezes, nota-se a ocorrência de

efeitos retardados, similares ou não aos efeitos produzidos nas exposições a longo prazo.

Outro fator importante para a caracterização temporal da exposição é a freqüência da

administração. Uma simples exposição a um agente químico que produza efeitos tóxicos

drásticos pode determinar manifestações de menor intensidade, ou não produzir efeitos, se a

mesma dose total for fracionada.

Deve-se considerar, ainda, que fatores ambientais podem influenciar na toxicidade das

substâncias, como por exemplo temperatura, umidade, administração simultânea com outros

agentes tóxicos e tensão (estresse).

3.1.6 A intoxicação e suas classes

A intoxicação pode ser definida como um conjunto de sinais e sintomas que demonstra

o desequilíbrio orgânico causado pela ação de um toxicante. De acordo com os efeitos

produzidos em função do tempo e freqüência de exposição, as intoxicações podem ser

classificadas em agudas, subagudas e crônicas.

Intoxicação aguda (a curto prazo)

Consiste no aparecimento de um quadro clínico patológico, às vezes severo,

decorrente de exposição única ou múltiplas exposições, num período de tempo não superior a

24 horas. Em geral, os efeitos surgem de imediato, como por exemplo, nas intoxicações por

monóxido de carbono. Entretanto, algumas substâncias, como o paraquat, manifestam a

intoxicação no decorrer de aproximadamente duas semanas. A evolução pode levar o

intoxicado à morte, ou a uma recuperação total ou parcial com seqüelas ou lesões persistentes.

Intoxicação subaguda (a médio prazo)

Neste caso, são necessárias exposições freqüentes ou repetidas num período de vários

dias ou semanas, antes que os efeitos se manifestem. Geralmente, representa menor gravidade

que a intoxicação aguda, seguindo muitas vezes um curso subclínico, não se manifestando de

forma clara e aparente, embora determine transtornos em níveis biológicos distintos.

Intoxicação crônica (a longo prazo)

É conseqüente à absorção repetida de um agente tóxico. Os sinais clínicos se

manifestam pelo acúmulo da substância em determinados órgãos ou tecidos, ou seja, quando a

quantidade eliminada é inferior à absorvida. Ou ainda pela soma dos efeitos tóxicos, sem que

o agente se acumule no organismo, como, por exemplo, na exposição ao dissulfeto de

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carbono. Os efeitos adversos podem permanecer latentes (subclínicos) até que se manifestem

por alguma causa, seja por uma queda no estado fisiológico geral do indivíduo ou pela

mobilização do agente tóxico de seus sítios de armazenamento no organismo.

A Figura 3.1.2 apresenta a classificação e evolução da intoxicação em função do

tempo.

FIGURA 3.1.2 – Classificação e evolução da intoxicação em função do tempo FONTE – Repetto, 1997

3.1.7 Fases da intoxicação

Didaticamente, os processos envolvidos na intoxicação podem desdobrar-se em quatro

fases:

a) fase de exposição: fase de contato das superfícies externas ou internas do

organismo com o toxicante (depende da via de introdução, da freqüência e duração da

exposição, da dose ou concentração do xenobiótico, das propriedades físico-químicas do

agente e de fatores relacionados à suscetibilidade individual).

b) fase de toxicocinética: inclui os processos envolvidos desde a

disponibilidade química até a concentração do toxicante nos órgãos-alvo (absorção,

distribuição, armazenamento, biotransformação e eliminação das substâncias inalteradas

e/ou metabólitos).

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c) fase de toxicodinâmica: compreende os mecanismos de interação entre o

toxicante e os sítios de ação do organismo assim como o aparecimento dos efeitos

nocivos decorrentes da ação tóxica.

d) fase clínica: há evidências de sinais e sintomas ou alterações detectáveis por

provas diagnósticas que caracterizam os efeitos deletérios causados ao organismo.

A Figura 3.1.3 apresenta as fases da intoxicação.

FIGURA 3.1.3 – Fases da intoxicação FONTE – Moraes et al., 1991

3.1.8 Relação entre toxicocinética e toxicodinâmica

O aparecimento dos efeitos tóxicos nos organismos vivos distantes do seu local de

administração requer dois aspectos distintos: absorção do local de entrada e alcance do órgão

alvo, e os eventos celulares mediados pelos agentes químicos no órgão alvo ou células.

Portanto, a produção da toxicidade pode ser subdividida em toxicocinética (o movimento dos

agentes químicos nos sistemas biológicos) e toxicodinâmica (as ações dos agentes químicos

dentro do órgão alvo).

A Figura 3.1.4 apresenta a relação entre a toxicocinética e a toxicodinâmica.

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FIGURA 3.1.4 – Relação entre toxicocinética e toxicodinâmica FONTE – Renwick, 1999

O termo biodisponibilidade é usado para indicar a velocidade e a quantidade relativa

da substância que alcança intacta a circulação geral, ou seja, a concentração disponível na

corrente sangüínea para a ação tóxica. Clearance é o processo pelo qual o agente químico é

removido permanentemente da circulação, seja por metabolismo ou excreção. Tempo de

meia-vida corresponde ao tempo gasto para a eliminação da metade da concentração máxima

sangüínea do agente tóxico. Os outros termos constantes na Figura 3.1.4, serão descritos no

item 3.1.10.

3.1.9 Toxicocinética

A disposição de toxicantes consiste na absorção, distribuição, biotransformação e

excreção dos mesmos nos sistemas biológicos, ou seja, corresponde ao movimento dos

agentes tóxicos no organismo. A toxicocinética pode ser definida como a descrição

matemática e através de modelos do tempo de disposição de xenobióticos em todo o

organismo (MEDINSKY; VALENTINE, 2001). Portanto, a toxicocinética permite, através de

determinados parâmetros, avaliar matematicamente os movimentos dos xenobióticos no

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sistema biológico, por meio do estudo dos mecanismos de transporte através das membranas

biológicas, das vias de introdução no organismo, da distribuição pelo sangue e linfa, dos sítios

de armazenamento, dos processos de biotransformação e de excreção de toxicantes e/ou de

seus metabólitos (ROZMAN; KLAASEN, 2001).

Cada um dos processos básicos envolvidos na toxicocinética pode ser descrito por

parâmetros que definem a extensão e a taxa pelas quais esses processos ocorrem

(RENWICK, 1999).

3.1.9.1 Absorção

O processo pelo qual os toxicantes atravessam as membranas e entram na corrente

sangüínea é denominado absorção. Os xenobióticos penetram através das membranas durante

absorção, pelos mesmos processos, das substâncias essenciais como oxigênio e outros

nutrientes.

Os toxicantes, geralmente, atravessam grande número de células como as do epitélio

estratificado da pele, as camadas de células finas dos pulmões ou do trato gastrintestinal, do

endotélio capilar e as células de órgãos ou tecidos-alvo. As membranas que circundam todas

essas células são marcadamente similares (FIGURA 3.1.5). Em geral, as membranas celulares

têm espessura de 7 a 9 nm e são constituídas por uma dupla camada de fosfolipídeos com

grupos polares voltados para a face externa, ácidos graxos enfileirados perpendicularmente e

voltados para o espaço interno, além de moléculas de proteínas inseridas na bi-camada de

lipídeos que, às vezes, podem atravessar as membranas, formando poros preenchidos por

água. Os ácidos graxos da estrutura da membrana não têm estrutura rígida (são quase fluidos

em temperatura fisiológica), o que torna mais rápida a absorção, podendo a membrana ser

considerada uma estrutura dinâmica.

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FIGURA 3.1.5 – Modelo esquemático de uma membrana biológica FONTE – Rozman e Klaassen, 2001

● Fatores que influenciam na taxa de absorção de toxicantes

- Relacionados com a substância

Solubilidade: quanto maior a lipossolubilidade da substância, maior a capacidade de

atravessar as membranas lipoprotéicas. As substâncias que possuem propriedades hidrofílicas

ou polares (hidrossolúveis), ou seja, que formam pontes de hidrogênio com a água,

apresentam menor capacidade de serem absorvidas.

O Quadro 3.1.1 abaixo apresenta alguns exemplos de grupamentos funcionais que

conferem hidro ou lipossolubilidade às substâncias químicas.

Hidrossolubilidade Lipossolubilidade

OH alquílicos (CH3 CH3CH2 etc.)

COOH fenílicos

NH2 naftílicos

SH halogênios (Cl, F, Br, I etc.)

C = 0 acetil (CH3COO-)

QUADRO 3.1.1 – Exemplos de grupos funcionais que conferem hidro ou lipossolubilidade às

moléculas de xenobióticos

Grau de ionização: os toxicantes são, na maioria das vezes, ácidos ou bases fracas

com grupos funcionais ionizáveis, cujo grau de ionização depende dos valores de pka do

agente tóxico e pH do meio, que pode ser plasma, estômago ou intestino. Estes valores

determinarão a proporção entre as formas ionizadas (I) e não ionizadas (NI) nos

compartimentos. A fração não ionizada é geralmente lipossolúvel e pode difundir-se

prontamente através das membranas. A fração ionizada é muitas vezes incapaz de atravessar a

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membrana lipoprotéica. A relação entre as formas ionizadas e não ionizadas de um toxicante

num sistema biológico é dada pela equação de Henderson-Hasselbach:

Para ácidos fracos: RCOOH RCOO- H+

pKa - pH = log NI

[ I ]

Para bases fracas: R NH3+ RNH2 H+

pKa - pH log I

NI

O conhecimento das proporções entre formas ionizadas e não ionizadas de toxicantes

em sistemas biológicos é útil para a escolha do material biológico mais adequado para a

análise toxicológica e para o tratamento das intoxicações. Por exemplo, nas intoxicações por

anfetaminas, a acidificação da urina sob diurese forçada pode acelerar a eliminação do

toxicante.

Tamanho e carga dos íons ou moléculas: substâncias com diâmetros menores que 8

Å (ângstrons) e que apresentam cargas negativas (ânions), têm mais facilidade de atravessar

as membranas biológicas.

- Relacionados com o organismo

Os fatores ligados ao organismo estão mais relacionados com a toxicocinética e a

toxicodinâmica. A biodisponibilidade (já definida anteriormente) de um xenobiótico depende

de uma série de fatores relacionados aos mecanismos de absorção, vias de introdução, locais

de armazenamento, barreiras hematoencefálica e placentária, processos de biotransformação,

indução e inibição de sistemas enzimáticos e excreção.

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Também deve ser considerado o local de administração de um toxicante. A absorção

através da pele, por exemplo, é extremamente lenta, porque envolve a transferência através do

extrato córneo, que é considerado a principal barreira de permeabilidade do organismo. Em

contraste, a absorção através do ar tende a ser rápida, porque envolve a transferência através

de uma fina membrana com grande área de superfície e bom fluxo sangüíneo.

● Mecanismos de transporte através das membranas biológicas

a) Transporte passivo

- Difusão simples ou passiva

Contínuo movimento de moléculas e íons em líquidos ou gases. Depende da

lipossolubilidade, do gradiente de concentração, do coeficiente de partição óleo/água e do

grau de ionização da substância química. A difusão, ou fluxo da substância, é expressa pela

Lei de Fick:

D = KA(C1-C2)

d

onde:

K = constante de permeabilidade (depende do coeficiente de partição óleo/água e do grau de

ionização)

A = área da membrana a ser transposta

(C1-C2) = gradiente de concentração

d = espessura da membrana

Os álcoois e grande parte dos medicamentos são exemplos de substâncias absorvidas

por transporte passivo. Sendo uma molécula pequena e hidrofílica, o etanol é absorvido

rapidamente do estômago e intestino e igualmente distribuído de forma rápida, por difusão

simples, do sangue para todos os tecidos.

- Filtração

Quando a água flui através dos poros da membrana e carrega consigo qualquer soluto

suficientemente pequeno para passar através desses poros, ocorre o processo denominado

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filtração. Depende do tamanho, da carga e da forma das partículas. A uréia é um exemplo de

substância absorvida por filtração.

b) Transporte especializado

- Difusão facilitada

Constitui um mecanismo de transporte que ocorre a favor de um gradiente de

concentração. Depende da disponibilidade de um transportador, que tem a função de tornar a

substância a ser transportada solúvel em lipídeos.

meio extracelular T T T meio intracelular

G G GT G G

Os açúcares são exemplos de substâncias que atravessam as membranas por difusão

facilitada.

- Transporte ativo

Mecanismo que ocorre contra um gradiente de concentração e através do consumo de

energia. Depende da seletividade e saturabilidade de um transportador (T).

meio extracelular T T T meio intracelular

T

Na+ Na+ Na+T Na+

Os íons são exemplos de compostos que atravessam as membranas por transporte

ativo.

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- Pinocitose e fagocitose

Neste mecanismo, ocorre quebra da tensão superficial e formação de vesículas

denominadas pinocíticas. Este tipo de transferência tem sido importante para a remoção de

material particulado dos alvéolos por fagócitos e do sangue pelo sistema reticulo endotelial do

fígado e baço.

3.1.9.2 Vias de introdução

● Via digestiva

A absorção por essa via ocorre ao longo de todo o trato gastrintestinal: boca, epiglote,

glote, esôfago, estômago, duodeno, íleo, ceco e cólon. A absorção pode ocorrer por difusão

simples, filtração e pinocitose. O agente tóxico é absorvido, passando para o sistema linfático

e circulação portal. No fígado, sofre o efeito da primeira passagem (fenômeno de remoção de

substâncias através do fígado, após absorção pelo trato gastrintestinal, antes de atingir a

circulação sistêmica). O agente pode sofrer ainda uma reabsorção pela circulação

enteroepática, como é o caso de alguns praguicidas e medicamentos.

- Fatores que condicionam a absorção gastrintestinal

- grau de dissociação da substância, ou seja, predomínio de formas não ionizadas

ou ionizadas;

- grau de lipossolubilidade da forma não ionizada e taxa de dissolução;

- solubilidade do toxicante no pH do trato gastrintestinal;

- estabilidade do agente tóxico em enzimas digestivas e na flora intestinal (por

exemplo, as toxinas de cobra são muito menos tóxicas quando administradas

oralmente do que por via endovenosa, porque são hidrolisadas por enzimas

digestivas do trato gastrintestinal);

- plenitude e vacuidade no trato gastrointestinal (GI);

- veículo e tipo de formulação do composto;

- presença de outras substâncias químicas que possam interagir com o agente

tóxico;

- capacidade da substância em produzir vômito e irritação.

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● Via cutânea

A pele corresponde a aproximadamente 16% do peso corporal. Sua principal função é

de proteção. Para ser absorvido, o toxicante deve atravessar a película hidrolipídica (água,

suor, entre outros). Em seguida, a epiderme, que é constituída de várias camadas de células,

sendo o extrato córneo (rico em queratina) a camada superior da epiderme e a barreira

determinante na absorção de toxicantes. A terceira camada é formada pela derme, região

altamente vascularizada, onde o toxicante geralmente provoca um efeito tóxico sistêmico.

Portanto, o contato de um toxicante com a pele pode resultar em quatro ações

diferentes:

- funcionamento da epiderme como uma barreira efetiva;

- irritação local;

- desenvolvimento de reação alérgica (com proteínas locais);

- absorção do agente tóxico, provocando um efeito sistêmico.

Fatores que condicionam a absorção dérmica

- propriedades físico-químicas do toxicante: lipossolubilidade, grau de dissociação

do composto, peso molecular, volatilidade e alta viscosidade;

- condições da pele: integridade, grau de vascularização local, presença de

pilosidades locais ou de glândulas sebáceas e sudoríparas;

- condições da exposição: duração da exposição, tipo de contato com o agente

tóxico (líquido ou vapor), alta temperatura do ambiente.

Solventes orgânicos, praguicidas, herbicidas e compostos organometálicos são alguns

exemplos de substâncias absorvidas pela via cutânea.

● Via respiratória

Aproximadamente 90% das intoxicações ocupacionais têm origem respiratória,

devido:

- ao estado físico do agente tóxico no ambiente, que podem ser partículas finas

sólidas (poeiras) ou líquidas em suspensão e gases;

- facilidade de introdução: de 5 a 6 L/min em repouso e cerca de 30 L/min em

atividade;

- extensão da área pulmonar (90 m2 e 400 milhões de alvéolos);

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- permeabilidade e vascularização que facilitam a difusão passiva.

As vias respiratórias superiores e os alvéolos tomam parte na retenção e absorção de

xenobióticos e sua atuação depende, fundamentalmente, do estado físico do toxicante:

partículas

A retenção de partículas está ligada ao seu tamanho. Quanto maior o diâmetro da

partícula, menor a penetração. Cinqüenta por cento das partículas com diâmetro superior a 8

m são retidas pelas fossas nasais. Os mecanismos que impedem a penetração nos estágios

mais profundos das vias respiratórias são a atividade dos cílios vibráteis, a incorporação da

partícula ao muco secretado pelas células e o reflexo nervoso ocasionado pela presença de

corpos estranhos. Juntos, estes mecanismos concorrem para a rejeição das partículas e

impedem a sua penetração. Entretanto, se a partícula alcança os alvéolos, seu destino poderá

ser:

- passagem direta para o sangue, dependendo do seu tamanho e solubilidade;

- remoção até os brônquios seguida de deglutição ou expectoração;

- passagem para o sistema linfático;

- retenção nos alvéolos, podendo causar pneumoconioses.

gases e vapores

Um gás com solubilidade pronunciada apresenta uma tendência maior a ser retido nas

vias aéreas superiores. O ácido clorídrico e o amoníaco são muito hidrossolúveis e afetam

principalmente as vias respiratórias superiores. Os vapores nitrosos, menos solúveis em água,

penetram mais profundamente e lesionam os alvéolos. A absorção alveolar de gases tóxicos

depende do gradiente de pressão entre o ar alveolar e o sangue. Quanto maior a pressão do ar

alveolar, maior será a absorção. Um gás com baixa pressão no ar alveolar apresenta uma

maior tendência a ser eliminado.

Com relação às leis das trocas gasosas, observa-se que quanto maior a concentração do

gás no ar inalado, mais fácil será a absorção devido:

- à maior pressão parcial (Lei de Dalton);

- à maior difusão (Lei de Fick);

- à maior solubilidade no sangue (Lei de Henry)

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3.1.9.3 Distribuição

Após a absorção, o toxicante está disponível para a distribuição no organismo, que

depende da afinidade com componentes deste último. Alguns toxicantes acumulam-se em

determinadas partes do organismo como resultado de ligação com proteínas, transporte ativo

ou alta solubilidade em tecido gorduroso. O local de acumulação de um toxicante pode

também ser o local de maior ação tóxica, mas, freqüentemente, isso não ocorre. Se um agente

tóxico se acumula num sítio que não seja o órgão ou tecido-alvo, esse acúmulo pode ser visto

como um processo de proteção em relação aos níveis plasmáticos e, conseqüentemente, a

concentração do toxicante no local de ação estará diminuída. Neste caso, assume-se que o

agente químico no local de armazenamento se encontre toxicologicamente inativo.

Os toxicantes estão, freqüentemente, concentrados num tecido específico. Alguns

xenobióticos encontram-se em altas concentrações no local de ação tóxica, como o monóxido

de carbono (CO), o qual possui alta afinidade com a hemoglobina, e o paraquat, que se

acumula nos pulmões. Outros agentes concentram-se em outros locais diferentes do seu sítio

de ação. Por exemplo, o chumbo é estocado nos ossos, mas as manifestações de uma

intoxicação pelo metal aparecem nos tecidos moles.

Os toxicantes em seus locais de armazenamento estão em equilíbrio com sua fração

livre no plasma. Quando os agentes tóxicos da fração livre são excretados do organismo, mais

compostos são liberados do local de estocagem. Portanto, o tempo de meia vida biológico dos

compostos armazenados pode ser longo.

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● Principais locais de armazenamento

a) proteínas plasmáticas

Várias proteínas plasmáticas ligam-se a xenobióticos assim como alguns constituintes

do organismo. A albumina é a proteína mais abundante no plasma e serve como depósito e

proteína transportadora para muitos compostos exógenos e endógenos. Liga-se a um grande

número de xenobióticos. Exemplos: fármacos de caráter ácido (fenobarbital, fenilbutazona,

ácido valpróico).

As lipoproteínas têm alto peso molecular e são lipossolúveis. Exemplos: fármacos de

caráter básico (imipramina, clorpromazina, propanolol).

A 1-glicoproteína ácida liga-se a hormônios esteróides e metais pesados.

A importância da ligação de proteínas a xenobióticos relaciona-se com a toxicidade

dos mesmos. Como mencionado anteriormente, existe um equilíbrio entre a fração ligada, que

é farmacologicamente inativa, e a fração livre, farmacologicamente ativa. Por exemplo, o

paration etílico é convertido em paraoxon metílico, responsável pela atividade

anticolinesterásica. Existem diferentes afinidades entre esses dois compostos com as proteínas

plasmáticas, sendo que o paraoxon apresenta uma menor afinidade com a albumina. Isso

explica, em parte, sua maior toxicidade, pois apresenta-se em maior proporção na forma livre,

que é farmacologicamente ativa. O paration apresenta uma maior afinidade com a albumina.

b) tecido lipídico

Muitos compostos orgânicos presentes no ambiente são altamente lipofílicos. Esta

característica permite rápida penetração pelas membranas celulares e captura pelos tecidos.

Portanto, toxicantes altamente lipofílicos são distribuídos e concentrados na gordura do

organismo. Este acúmulo em tecidos adiposos tem sido observado para vários agentes

químicos incluindo clordano, DDT (diclorodifeniltricloroacético) e bifenilas policloradas.

c) ossos

Compostos como fluoreto e chumbo podem ser incorporados e estocados na matriz

óssea. Aproximadamente 90% da carga corpórea do chumbo, por exemplo, encontra-se no

esqueleto. A captura de xenobióticos para o esqueleto é essencialmente um fenômeno químico

de superfície, com trocas ocorrendo entre a superfície óssea e o líquido em contato com ela.

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Barreiras biológicas

Constituem estruturas anatômicas especiais que apresentam a função de seletividade

na passagem de substâncias químicas ao sistema nervoso central (SNC) e feto.

Barreira encefálica

A barreira encefálica não é absoluta para a passagem de toxicantes para o SNC, mas

representa um local que é menos permeável do que a maior parte das áreas do organismo.

Dentre as razões anatômicas e fisiológicas para explicar este fato, está a justaposição das

células dos capilares endoteliais deixando poucos ou nenhum poro entre as células. Além

disso, são revestidas com astrócitos. Outra explicação seria o fato da concentração de proteína

no fluído intersticial do SNC ser muito mais baixa do que nos outros fluídos, o que limita o

movimento de compostos insolúveis em água pelo transporte paracelular.

A passagem através da barreira hematoencefálica depende da lipossolubilidade do

agente tóxico. Os álcoois, as drogas de abuso, os praguicidas organofosforados, os solventes

orgânicos, o CO e alguns metais pesados, são exemplos de substâncias que ultrapassam a

barreira encefálica.

Barreira placentária

Durante muitos anos, o termo barreira placentária esteve associado ao conceito de que

sua principal função era proteger o feto contra a passagem de substâncias nocivas advindas do

organismo materno. Entretanto, a placenta tem muitas outras funções, como nutrição para o

feto, trocas gasosas, excreção de metabólitos fecais e manutenção da gravidez através da

regulação hormonal.

A passagem de toxicantes pode ocorrer por difusão passiva, difusão facilitada,

transporte ativo e filtração. Depende basicamente da lipossolubilidade e do peso molecular do

agente tóxico. Etanol, DDT (diclorodifeniltricloroetano), metais e drogas de abuso são alguns

exemplos de substâncias que atravessam a barreira placentária.

3.1.9.4 Biotransformação

- Finalidades

Os xenobióticos absorvidos nos sistemas biológicos por difusão passiva são

geralmente solúveis em lipídeos e, conseqüentemente, inapropriados para excreção. Após

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absorção, o xenobiótico pode sofrer uma biotransformação no sentido de formar produtos que

são rapidamente excretados e eliminados. Facilitar a excreção de um composto significa que o

seu tempo de meia vida biológica é reduzido, portanto, seu potencial de toxicidade é mantido

no mínimo. Entretanto, a biotransformação também pode mudar a atividade biológica da

substância.

A biotransformação pode ser definida como o conjunto de alterações estruturais que as

substâncias sofrem no organismo por processos enzimáticos, com o objetivo de formar

compostos mais polares e mais hidrossolúveis para serem eliminados. Uma exceção para essa

regra geral é a eliminação dos compostos voláteis por exalação que, após biotransformação,

podem formar compostos não voláteis ou substâncias solúveis em água, podendo assim

retardar a taxa de eliminação.

No caso dos compostos lipofílicos não sofrerem biotransformação, os mesmos podem

ser excretados do organismo muito lentamente, podendo eventualmente causar morte do

organismo.

Portanto, após a biotransformação de um toxicante, pode-se obter:

- formação de compostos mais polares, que são eliminados na urina;

- redução total ou parcial da toxicidade, também conhecida como destoxificação;

- formação de compostos de toxicidade semelhante ou maior que o original. Neste

caso, alguns exemplos são a biotransformação da cocaína para a norcocaína,

paration para paraoxon, metanol para ácido fórmico, anilina para

fenilidroxilamina.

● Reações de fase I e fase II

As reações catalisadas pelas enzimas biotransformadoras de xenobióticos são

geralmente divididas em dois grupos denominados fase I e fase II, embora uma

biotransformação adicional dos conjugados possa ocorrer (fase III).

As reações da fase I consistem na alteração da molécula exógena original através da

adição de um grupo funcional, o qual pode ser posteriormente conjugado na fase II. As

reações envolvem hidrólise, redução e oxidação. Introduzem um grupo funcional (-OH, -NH2,

-SH ou -COOH) e normalmente resultam num pequeno aumento da hidrossolubilidade. Como

conseqüência, pode-se observar inativação, ativação ou alteração da toxicidade da substância

química.

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As reações de biotransformação da fase II incluem a glucuronidação, sulfonação,

acetilação, metilação, conjugação com a glutationa e conjugação com aminoácidos. A maior

parte das reações de biotransformação da fase II resulta num aumento significativo da

hidrossolubilidade do xenobiótico promovendo, portanto, a excreção de compostos químicos

exógenos.

O benzeno, por exemplo, é uma molécula altamente lipofílica, a qual não está pronta

para ser excretada. A fase I da biotransformação converte o benzeno numa série de

metabólitos, sendo o mais abundante o fenol. A inserção de um grupo hidroxila permite que a

reação de conjugação da fase II ocorra com a adição de um grupamento sulfato polar. O fenil

sulfato, seu metabólito final, é altamente hidrossolúvel e rapidamente excretado pela urina

(FIGURA 3.1.6).

FIGURA 3.1.6 – Biotransformação do benzeno FONTE – Timbrell, 1999

● Localização das enzimas biotransformadoras

O órgão que apresenta maior concentração de enzimas é o fígado, onde ocorre a

biotransformação de grande número de substâncias. Entretanto, outros órgãos como pulmões,

rins, adrenais, pele e mucosa gastrintestinal têm também participação significativa. O fígado,

quando submetido à homogeneização seguida de centrifugações sucessivas a velocidades

crescentes, fornece diversas frações das células hepáticas. Um dos precipitados contém

fragmentos do retículo endoplasmático denominado microssomas, enquanto o sobrenadante

ou citosol possui enzimas solúveis, daí o nome fração solúvel. As enzimas biotransformadoras

se encontram, portanto, nas seguintes frações:

- fração microssomal: as enzimas microssômicas catalizam a maioria das reações

da fase I. O citocromo P-450 é a enzima de maior importância entre as

envolvidas nas reações da fase I;

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- fração solúvel (ou citosol): contém esterases, desidrogenases e amidases;

- fração mitocondrial: monoamino oxidase (MAO), que degrada aminas.

● Indução e inibição de sistemas enzimáticos

- Indução microssomal: observa-se aumento da atividade enzimática. Como

conseqüência ocorre um aumento da velocidade de excreção de produtos

biotransformados ou da formação de compostos inativos ou menos ativos, ou

ainda mais ativos. Ocorre particularmente com o citocromo P-450. Exemplos de

substâncias que podem sofrer indução microssomal: barbitúricos, etanol,

praguicidas organoclorados (DDT, aldrin), dioxinas (TCDD-

tetraclorodibenzoparadioxina).

- Inibição microssomal: neste caso, observa-se uma diminuição na velocidade do

processo de biotransformação. Por exemplo, a etilmorfina e a codeína inibem a

biotransformação do hexobarbital; em determinadas situações funcionais

orgânicas, como em animais cuja dieta é pobre em proteínas, observam-se

reduções na sua atividade biotransformadora.

- Inibição não microssomal: neste caso, também ocorre uma diminuição na

velocidade do processo de biotransformação. Os inibidores da monoamino

oxidase (IMAO) são os exemplos mais importantes: aminas (anfetaminas),

compostos organomercuriais, cocaína, anticolinesterásicos.

3.1.9.5 Eliminação

A excreção de xenobióticos pode ocorrer através de fluidos corporais e outros

materiais, como fezes e ar expirado. A via de eliminação de importância é determinada pelas

propriedades físico-químicas dos compostos. A Tabela 3.1.3 apresenta algumas vias de

eliminação de xenobióticos.

TABELA 3.1.3 – Vias de eliminação de compostos exógenos

Via Tipo de xenobiótico

Urina Maior via de eliminação para compostos de baixo peso molecular e polares.

Compostos lipossolúveis são filtrados nos glomérulos, mas reabsorvidos na

passagem do túbulo renal. Estes compostos são eliminados após metabolismo e

seus metabólitos removidos para urina ou bile.

Ar expirado Compostos voláteis (solventes, aerossóis, gases). Depende da pressão parcial

destes compostos.

Saliva Compostos de baixo peso molecular, mas reabsorção ocorre (intestino).

Fezes Importante rota de eliminação de compostos não absorvidos do intestino e

para compostos excretados pela bile. Alguns agentes químicos podem passar

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da circulação para o lúmen do intestino por difusão ou transporte ativo e

sofrer eliminação nas fezes.

Bile Compostos de alto peso molecular, geralmente metabólitos conjugados.

Reabsorção ou metabolismo bacteriano pode ocorrer no intestino (cólon).

Leite Compostos hidrossolúveis ou lipossolúveis estão presentes no leite. Esta rota

tem limitada significância para as mães, mas assume importância crítica na

exposição do neonato.

Cabelo Quantitativamente sem importância, mas o crescimento do cabelo permite

uma história da exposição a ser determinada com base na posição do agente

químico ao longo do cabelo.

FONTE – Ballantyne, 1999, modificado

3.1.10 Toxicodinâmica

A importância do conhecimento dos mecanismos de toxicidade dos agentes químicos

torna-se fundamental no âmbito da Toxicologia porque:

- fornece uma base racional para interpretação descritiva dos dados toxicológicos;

- estima a probabilidade de um agente químico em causar um efeito nocivo;

- estabelece procedimentos para prevenir e antagonizar os efeitos tóxicos;

- auxilia no desenvolvimento de medicamentos e agentes químicos industriais com

menor chance de causar danos;

- auxilia no desenvolvimento de praguicidas mais seletivos aos seus organismos-

alvo.

Como resultado de um grande número de agentes tóxicos e de estruturas biológicas e

processos fisiológicos que podem sofrer danos, existe também uma variedade de manifestação

de possíveis efeitos tóxicos. Conseqüentemente, existem vários caminhos que podem levar à

toxicidade. A Figura 3.1.7 mostra os estágios potenciais no desenvolvimento da toxicidade

após a exposição a xenobióticos. Uma via comum é quando o toxicante alcança a molécula

alvo e reage com ela, resultando numa disfunção celular. Outras vezes, o xenobiótico não

alcança o alvo específico, mas influencia adversamente o (micro) ambiente biológico,

causando disfunção molecular, celular, de organelas ou órgãos, levando a efeitos deletérios. O

caminho mais complexo envolve mais etapas. Primeiro, o toxicante alcança o alvo e interage

com moléculas endógenas, causando perturbações na função ou estrutura celular, iniciando

mecanismos que provocam dano. Quando estas perturbações induzidas pelo toxicante

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excedem a capacidade de reparação do organismo, a toxicidade se manifesta, podendo

ocorrer, por exemplo, necrose tissular, câncer ou fibrose.

FIGURA 3.1.7 – Estágios potenciais no desenvolvimento de toxicidade após exposição a

toxicantes FONTE – Gregus e Klaasen, 2001

A Figura 3.1.8 demonstra que o alcance do toxicante no sítio de ação é o primeiro

passo no desenvolvimento da toxicidade. A intensidade de um efeito tóxico depende

primariamente da concentração e persistência do toxicante (toxicante final) no seu sítio de

ação. O toxicante final é a espécie química que reage com moléculas endógenas alvo (por

exemplo, receptor, enzima, DNA, proteína, lipídio) ou altera criticamente o (micro) ambiente

biológico, iniciando alteração estrutural ou funcional que resulta na toxicidade.

Freqüentemente, esse toxicante final é um metabólito do composto inicial, ao qual o

organismo é exposto, gerado na biotransformação. Ocasionalmente, o toxicante final pode ser

uma molécula endógena.

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FIGURA 3.1.8 – O processo do alcance do toxicante no sítio-alvo de ação FONTE – Gregus e Klaassen, 2001

O alcance do toxicante no sítio-alvo de ação depende de vários fatores descritos a

seguir.

a) Absorção versus eliminação pré-sistêmica

Conforme definido anteriormente, o processo de absorção corresponde à transferência

de um agente químico do local de exposição para a circulação sistêmica. Durante o processo

de absorção, o toxicante pode ser eliminado, ocorrendo uma diminuição da sua

disponibilidade sistêmica.

Quando absorvidos pelo trato gastrintestinal, os toxicantes podem sofrer uma

eliminação pré-sistêmica durante a passagem pela mucosa gastrintestinal e pelo fígado, que

apresentam uma capacidade de eliminar significativas frações desses compostos. Com isso,

haverá uma redução dos efeitos tóxicos dos xenobióticos. O etanol, por exemplo, é oxidado

pela enzima álcool-desidrogenase na mucosa gástrica; o manganês é recapturado no fígado e

excretado pela bile.

Entretanto, pode ocorrer injúria dos tecidos e órgãos envolvidos na eliminação pré-

sistêmica, como, por exemplo, no caso dos pulmões pelo paraquat.

b) Distribuição para o alvo versus longe do alvo

Os toxicantes saem da circulação sangüínea durante a fase de distribuição e entram

para o espaço extracelular, podendo penetrar nas células.

Os compostos solúveis em lipídeos movem-se rapidamente para dentro das células por

difusão. Em contraste, substâncias altamente ionizadas e xenobióticos hidrofílicos estão

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restritos ao espaço extracelular, a menos que um transporte especializado ocorra na

membrana.

Os principais mecanismos que facilitam a distribuição ao alvo são:

- porosidade do endotélio capilar;

- transporte especializado através da membrana plasmática;

- acúmulo nas organelas celulares;

- ligação intracelular reversível (por exemplo, ligação com a melanina).

Os principais mecanismos que dificultam a distribuição ao alvo:

- ligação com proteínas plasmáticas;

- barreiras especializadas (por exemplo, baixa porosidade aquosa dos capilares do

cérebro);

- distribuição para sítios de armazenamento;

- associação com proteínas intracelulares;

- exportação das células (toxicantes intracelulares podem ser transportados de volta

para o espaço extracelular).

c) Excreção versus reabsorção

Excreção é definida como remoção de xenobióticos do sangue e seu retorno para o

ambiente externo. A excreção é um mecanismo físico, enquanto a biotransformação é um

mecanismo químico para eliminação de um toxicante.

Para substâncias não voláteis, a maior estrutura excretora dentro do organismo é o

glomérulo renal, que filtra moléculas pequenas através dos poros; as células dos túbulos

proximal transportam ativamente agentes químicos do sangue para os túbulos renais.

A rota e a velocidade de excreção depende das propriedades físico-químicas do

toxicante.

Não existe um mecanismo eficiente de eliminação de compostos altamente lipofílicos

como, por exemplo, bifenilas polialogenadas e praguicidas clorados. Quando resistentes a

biotransformação, são eliminados muito lentamente e tendem a acumular-se no organismo

após repetidas exposições.

A reabsorção por difusão é um processo que depende da lipossolubilidade do

composto. Para ácidos e bases orgânicas, a difusão está inversamente relacionada com a

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extensão da ionização. Como visto anteriormente (item 3.9.1.1) a ionização é fortemente

dependente do pH. A acidificação da urina favorece a excreção de bases fracas, e a

alcalinização favorece a eliminação de ácidos fracos.

d) Toxificação versus destoxificação

Uma variedade de xenobióticos apresenta diretamente uma toxicidade, enquanto

outros são tóxicos devido a seus metabólitos. A biotransformação para produtos mais tóxicos

é chamada de toxificação ou ativação metabólica. No processo de toxificação, o xenobiótico

tem sua reatividade aumentada após a formação de eletrófilos, radicais livres, nucleófilos ou

reagentes redox-ativos (redox-active reactants).

O processo de biotransformação que elimina o toxicante final (aquele que alcança o

sítio-alvo) ou previne a sua formação é chamado destoxificação. Este processo pode tomar

vários caminhos, dependendo da natureza do agente químico.

A toxicidade é mediada por uma reação do toxicante final com a molécula alvo. Ainda

em relação à Figura 3.1.8, no caso do toxicante ter chegado ao sítio alvo de ação,

conseqüentemente, uma série de eventos bioquímicos secundários ocorrem, levando a

disfunção ou injúria, que é manifestada a vários níveis de organização biológica. A toxicidade

pode relacionar-se com a molécula alvo em si, organelas celulares, células, tecidos e órgãos

ou mesmo todo o organismo. Praticamente todos os componentes endógenos podem ser alvos

potenciais para toxicantes.

Principais mecanismos de ação tóxica

a) Modificação na permeabilidade da membrana

Afetará a entrada e saída de nutrientes como fármacos e excretas, além dos íons Na, K

e Ca, responsáveis pelos fenômenos de polarização e despolarização da membrana e,

conseqüentemente, pela transmissão elétrica do impulso nervoso.

Por exemplo, a neurotoxicidade do DDT é o resultado da interferência nos íons sódio,

alterando a permeabilidade da membrana. O álcool etílico parece alterar a fluidez das

membranas devido à sua propriedade lipofílica.

b) Modificação na atividade enzimática

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Por exemplo, os metais bloqueiam os grupos tióis (-SH), inativando enzimas

importantes da respiração celular, como as desidrogenases. Os praguicidas organofosforados

inibem a enzima colinesterase.

Além do fenômeno de inibição enzimática deve-se considerar o fenômeno relacionado

com a indução enzimática, que supõe um incremento na atividade de algumas enzimas como

conseqüência da absorção de determinados xenobióticos (vistos no item 3.1.9.4.4).

c) Complexação com biomoléculas

Os xenobióticos podem complexar-se com componentes enzimáticos, proteínas e

lipídeos. O monóxido de carbono, por exemplo, fixa-se à forma reduzida do ferro da

hemoglobina, diminuindo o transporte de oxigênio aos tecidos, além de combinar-se com a

enzima citocromo oxidase. As aflatoxinas, através do seu metabólito ativo (2,3-epóxido),

ligam-se covalentemente ao DNA. O paraquat induz a peroxidação lipídica.

d) Interações de agentes tóxicos com receptores

Os receptores seriam macromoléculas situadas nas membranas celulares, citoplasma

ou núcleo. Por exemplo, o curare (alcalóide extraído de plantas da América do Sul) atua em

receptores das junções neuromusculares.

e) Inibição da fosforilação oxidativa

Interferências na produção de energia celular (ATP) e bloqueio da liberação de

oxigênio aos tecidos. O cianeto, por exemplo, bloqueia a utilização de oxigênio pelos tecidos

por inibição do transporte de elétrons.

- Interações entre agentes tóxicos

Na exposição a mais de dois toxicantes, deve-se considerar a possibilidade de um

composto interferir na ação do outro. Portanto, numa mistura de agentes tóxicos, pode haver

alterações nos efeitos que produziriam separadamente.

No efeito aditivo, o efeito tóxico final é igual à soma dos efeitos produzidos

separadamente. Por exemplo, a exposição a chumbo e arsênio na inibição da biossíntese do

heme, onde ocorre um aumento aditivo de coproporfirinogênio na urina.

No efeito sinérgico, o efeito final é maior do que a soma dos efeitos individuais. A

exposição ao tetracloreto de carbono e compostos clorados aromáticos promovem uma

hepatotoxicidade sinérgica.

Na potenciação, um xenobiótico apresenta seu efeito aumentado por interagir com

outro toxicante que, originalmente, não produziria aquele efeito tóxico. O propanolol não é

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hepatotóxico, entretanto, junto com o tetracloreto de carbono aumenta a hepatotoxicidade

deste.

Quando um toxicante reduz o efeito tóxico de outro, observa-se um antagonismo,

onde o efeito tóxico final será menor. No antagonismo competitivo, o antagonista compete

com o agonista pelo mesmo sítio de ação, sem reagir com este último, nem com seus

receptores. Por exemplo, os praguicidas organofosforados inibem a enzima colinesterase, com

o acúmulo de acetilcolina nas sinapses colinérgicas. A atropina (antagonista) bloqueia os

receptores de acetilcolina, sendo usada no tratamento das intoxicações por organofosforados.

No antagonismo químico, o antagonista reage com o agonista (responsável pela ação tóxica),

inativando-o. Por exemplo, o EDTA forma complexos solúveis com o chumbo. Quando dois

agonistas agem sobre o mesmo sistema produzindo efeitos contrários, tem-se o antagonismo

funcional. Os glicosídeos cardiotônicos, por exemplo, aumentam a pressão arterial e os

bloqueadores -adrenérgicos atuam diminuindo a pressão arterial.

3.1.11 Referências bibliográficas

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