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42 Fundamentos de Cartografia Um pouco da história dos mapas 43
nossa nação, embora ainda sob influência das técnicas e do estilo europeu.Em 1808, o governo imperial adota medidas visando organizar-se administrati vamente, criando, desta forma, a Academia da Marinha (Aviso
de 05/05/1808), o Arqui vo Mili tar (Decreto de 07/04/1808), a TipografiaRégia (Decreto de 13/05/1808) e a Academia de Artilharia e Fortificação(Carta de Lei de 04/12/1810). Com isso, começa o rompimento da
Cartografia luso-brasileira, surgindo uma Cartografia Imperial, quandoa Academia da Marinha e a Escola de Artilharia e Fortificação ficariam
com a incumbência de preparar os técnicos especialistas que dariamandamento aos trabalhos de ordem geográfica e cartográfica.
Com a implantação da Imprensa Régia começam os trabalhos deedição de mapas nacionais, enquanto que o Real Arquivo Militar estaria
responsável pela preservação de nosso acervo, com isso apoiando aimpressão de novos mapas, como foi o Caso da planta da cidade de SãoSebastião do Rio de Janeiro, em 1812.
2.10 Maias e astecas
Apesar de carecer ainda de estudos mais aprofundados, sabe-se
que os povos maias e astecas, no México, possuíam uma rica tradiçãocartográfica. Conta-se que Hernán Cortés, explorador espanhol, pelosidos de 1522, solicitou a Montezuma (imperador asteca) informação sobrealgum local em que seus navios pudessem aportar em segurança. No diaseguinte, chegou-lhe às mãos um mapa, desenhado num pano, mostrando
todo o litoral com seus vários acidentes geográficos. A rapidez com quea informação foi dada a Cortés revela que os astecas mantinham seusmanuscritos guardados de modo que pudessem vir a ser consultados ecopiados com relativa facilidade.
Em boa parte dos mapas maias e astecas estudados não foram
encontradas evidências de utilização de escalas, sendo comum o exagerodas dimensões de certos elementos representados, com objeti vo de realçá-
los (figura 14). Entretanto, a escala já aparece em alguns mapas quemostram jurisdições geográficas de feudos ou delimitações depropriedades de terras. É certo também que alguns povoados mantinhamarquivos nos quais eram guardados os documentos cartográficos.
Figura 14 - Cenário que consta no manuscrito pré-hispânico conhecido pelo nome de"códice vindobonense". Maias e astecas possuíam uma rica tradíção cartográfica, queacabou por adquirir novas características após a conquista pelos espanhóis.
Fonte: O CORREIO DA UNESCO, n. 8 (1991)
44 Fundamentos de CartografiaUm pouco da história dos mapas 45
2.11 Árabes
Os árabes também se destacaram no passado, principalmente comogeógrafos, tendo grande importância muitos trabalhos dessa natureza,especialmente na Idade Média quando o mundo ocidental de influênciacristã foi tomado de um processo retrógrado de tratamento das ciênciasem geral.
Percebendo o valor dos conhecimentos antigos, principalmente dosgregos, e, de modo especial, das obras de Cláudio Ptolomeu, tendo ainda
por objetivo integrá-Ias à cultura muçulmana, os árabes foramincentivados a elaborar traduções dos tesouros científicos da Antigüidade,preservando esses conhecimentos e enriquecendo-os com seus própriosestudos.
Há estudiosos que chegam a afirmar que Bagdá e Damasco seconsti tuíram em verdadeiros pólos do saber durante o períodocompreendido entre os séculos VII e XII. É quase certo que se deve aosárabes a guarda e o enriquecimento dos conhecimentos científicos durante
a Idade Média, bem como seu retorno à Europa posteriormente.Lembremo-nos de que nesta época, por imposição da Igreja CatólicaRomana, as ciências foram abafadas, valendo apenas os conceitosemitidos por essa religião. As grandes obras de Ptolomeu, por exemplo,haviam sido proibidas. Tendo sido resgatadas e estudadas pelos árabes,vieram a ser reintroduzidas mais tarde na Europa. Isto, porém, nãosignifica que os árabes tenham aceito sem contestação todas as idéias dePtolomeu. No século X, por exemplo, o estudioso al-Battani nãoconcordou que a África e a Ásia estivessem unidas perto da península daMalásia, conforme pensava Ptolomeu, afirmando então que o OceanoÍndico seria um mar aberto. Outro caso é o de Mohammed Ibn Musa al
Khwarizmi que, em seu Livro da configuração da Terra, retifica certasafirmações daquele estudioso grego.
Os árabes, que também estavam envoltos em conquistas territoriais,sentiram a necessidade de avaliar os recursos das novas terras, bem como
implantar um sistema fiscal e tributário mais eficiente, o que veiofavorecer o desenvolvimento não só da Cartografia, mas também daMatemática, Astronomia e Geografia.
Outro fator que favoreceu o crescimento dessas ciências foi o
espírito aventureiro desse povo, além das peregrinações que acabavamtransformando-se em valorosas viagens de estudo, comércio e exploração,
o que, em síntese, contribuía imensamente para ampliar e atualizarprincipalmente os conhecimentos geográficos.
Além dos nomes j á citados, há outros cartógrafos árabes que tambémmerecem destaque como Abul Hassan Ali ai-Mas udi (séc. X), que fezmuitas viagens e escreveu diversas obras. Outro nome famoso daCartografia árabe é o de al-Idrisi (séc. XII), tendo como um dos principaistrabalhos um atlas do mundo até então conhecido, o qual já continha alguns
mapas coloridos. Este atlas é tido como uma das obras mais importantesda Cartografia árabe. AI-Idrisi escreveu o Livro sobre agradável excursãopara quem deseja percorrer o mundo, conhecido ainda como o Livro deRoger. Acontece que o rei Roger II, da Sicília, onde al-Idrisi encontravase instalado em 1154, encomendou-lhe um grande planisfério do mundo
que mostrasse as regiões, países, cidades e outros detalhes de importânciageográfica. Este mapa se perdeu, mas os comentários constam no citadolivro. Os trabalhos de al-Idrisi contribuíram para que mais tarde, no século
XV, exploradores europeus, especialmente.portugueses, empreendessemsuas viagens para novas terras.
Apesar do que foi dito sobre a Cmtografia árabe, alguns historiadoresafirmam que, para surpresa de muitos, a contribuição desse povo para odesenvolvimento da Cartografia foi pouco significativa, justificando que
eles poderiam ter explorado com maior intensidade seus conhecimentosgeográficos em favor daquela ciência.
Os árabes, embora bons geógrafos e astrônomos, que tanta influênciativeram nos conhecimentos geográficos e no desenvolvimento da ciêncianáutica, foram fracos cartógrafos. É difícil compreender como, apesardo seu conhecimento das obras de Marino e de Ptolomeu, das suas
46 Fundamentos de Cartografia
composições geográficas e dos itinerários dos seus grandes viajantes, aCartografia árabe foi tão extraordinariamente pobre. No dizer de um
historiador moderno, Sir Henry Yule, as cartas dos árabes ficaram sempremuito aquém dos seus livros (Cortesão, 1960, p.28).
Entretanto, de uma fOlma ou de outra, o fato é que não se podenegar a importância que os árabes representaram ao recolher e desenvolvera tradição da Antigüidade clássica, muito especialmente ao conservaremo texto das obras de Ptolomeu durante a Idade Média.
3A rede geográfica
Entende-se por rede geográfica (figura 15) o conjunto formadopor paralelos e meridianos, ou seja, pelas linhas de referência que cobremo globo terrestre com a finalidade de permitir a localização precisa dequalquer ponto sobre sua superfície, bem como orientar a confecção demapas.
~
88 SCIENTIFIC AMERICAN 3RASIL AGOSTO 2006 www.sciam.com.br
Por Andreas Eberhard
Knobloch e Dieter Lelgemann
No mapa-múndi elaborado por Ptolomeu,
a representaçZío da Europa, Africa e Asia
está distorcida. Novo estudo reabilita o
astrônomo e mostra que as imprecisões se
devem à junçZío de mapas parciais
0111 que ê')Glrid;]o os gregos c rom,:1l10S conheciam a geografia doExtremo Oriente? Geotfsicus chineses (~alernães reuniram-se em
2003 juntO 80 rio \X/ti, na cidade de Xi\1l1, leSTe ela China,
observar L1lIl antigo local onde se bzialll n1t~dições ro[Jográficas.
Para os chineses, Xi'an era o início da rot"<1 comercial que, desde a Anrigüi
dadt, Jjgava o Extre1110 Oriente ãEufupa, OS H.H1L1I10S conheciam Xi'an pelonome de Sem i'vletl"l>/Juiis. A cidade é Íamosa pelas C."c'"lvaçôcs das esdtuas de
guerreiros ern terracota: os milhares de soldados d(, ,Hgib foram coloCJelos nacâmara morru;)ria do primeiro imperador chines, QlJ1 ShiHu:,lng (260-210
a.C.), para protegê-ta, O pai eleQin Shi havia organizado no noroeste do paísum exêrciro com o qual seu I1lho conquistou todo o territóri.o da China noséculo lU a.C. Teria Qin Shi sabido da existência de Felipe n da ~1acedônia
e A,lexandre, o Grande, seu filho, cuias clmpanh<..ls militares chegaram até
SU3S terras um sé(:ulo antes? Seria a rot~'1 da seda um caminho de transmissão
de conhecimento, além de transporte de mercadoriJs:
As H.FSPOSL\S A E\:'SAS PERGUN'lAS foram fornec:idas pela obra Geografia,
de Cláudio Ptolomeu, astrônomo e matem<Ítico grego que viveu em AlexJ.n
dria, no norte da Africa, no sécul'o I.Id.C. Esse livro contên1 as coordenadas
geográficas de lTl,lis de 6 mil lugares no ecLÍl1lctlo, ou ';mundo habitado",
segundo os conhecimentos da époCJ. ])entre as informações apresenl:adasconstam não apenas cidades, m~lS t<lmbém acidcrltt's ge,cJgI'áhco, como
montanhas, ilhas (' rios. O mapa abrange, a oeste, desde a lendária ilha deTile, na Escandj.n<.1via.até as Ilhas CanáriJs. No Orieme, engloba desde a
China :lté Cingapura.
}·lojeem dia Ptolomeu éconhecído príncipalmel-1LI.:? COlno autor do Alma
gesto, obra que durante 14 séculos foi a "bíhlia" dos ~lsrrÔnomos. Sua tesc
de que a Terra estava imóvel no centro do Unrverso foi dngma ~lté () século
1482_ Os P0nlOS
aqu' sol, a I'Jml' de 12\/~mus
SCIENTIFIC AMERICAN 8RASIL 89
a modelos adequadosl parâmerros
para a distorção. As duas etapasprcl'jsam ocorrer simultaneamen
te, e os modelos devem ser, na
medida do possÍ\rel, simples. Os
modelos mais de correçclo
di~peflsalTl e resultam
dllTtamcnte da comparat;dO entreas coordenadas de Ptolomeu e as
,'8 coordenadas modernas de lugares~ de referência, e de um fator de es
~ cal~l :1dequ:'ldo.
~ A.'isim, usamos as coordenadas
~ 11l()(lerucls de locais conhecidos,
~ como Londres, Roma, Atenas,!f\ltTlCl, XÚ1l1 e as rUlnas da Babitô
a:; lli~l C Persépolis em nossa correção
ge()déslca dos dados de Ptolomell.
Para conseguirmos realizar essa
Luefa o .,·-\t/llS, de FJarrington, que resultou
do trabalh(l coletivo de 200 historiadores,
arque(')iogos t' f,lóJogos, foi de grande llti
Iiebdc. Depois de mais de uma década
investig:1ndn os ntlmes dados pe10s gregos
e romanos ~lOs locais, o grupo deduziu
qlle rnuirns deles correspondiam a cidades
atuais ou ruínas. Embora esse trabalho de
identificação tenha tido êxito em relação
a muitas localidades européias, do norteda Áfricc1 e do ()r-iente I'v'léclio, o proces
so tornaV;1.-')t: t>astante incerto quando se
tratava do Fxrremo Oriente. Para essas
regí6es: tel! nmíro lítiJ o fato de Prolomeu
ter fornecido na Geografia não apenas
os nomes dos lugares, mas descriçõesde terrenos c locais, como as
litorclneas c C::omplementamos
essas illf()rJll~l(,~ôe,; com dados extraídos
de outros manuscritos antigos para oht"er
Ulll resultado Hdedígno.
Além do,; erros grosseiros inrroc11.1
zidos no momento da cópia dos diversus 1l1~lnLlsCt"ltos, idenrificamos outros
aspecros iI11!l()rtantes. Ff:Olvia distol\()es
de t'SCIL-.l sl1r"gicbs devido ~1LLtilizaçjo de
difl'l"l'lltts rllt'didas de estúdio JlOS diver
"os lIlap~lS 1(l(;"lis, UJll1pontnres do lllClpa
ANOR[ASKLElN[BERG é professorde latim e grego antigo da Universidade Humboldt, Berlim, e mem
bro da equipe do projeto Geografia da Universidade Técnica de Berlim desde 2004. EBERHARD
KNOBLOCH é professor de história da ciência e de história da técnica da Universidade Técnica de
Berlim e da Academia de Ciências de Berlim-Brandemburgo. Ele é presidente da Academia Jnterna
cional de História da Ciência, Paris. D/crER LELGEMANN foi professor de geodésia astronômica e fí"
sira da Universidade Técnica de Berlim até 2004. Quando se élposentar, em breve, dará continuida
de a suas pesquisas sobre métodos e resultados da matemática aplicad8 na Antigüidade
ce os diferentes valores de latitude e longi
tude para os pontos de início e chegada de
uma medição, Somando-se as diferenças
de coordenadas obtidas pela medição
sucessiva de locais vizinhos, chega-se aos
valores de latitude e longitude referentes a
lugares bem distantes do ponto de parti
da. Numa prov<Ívei alusão a Eratóstenes,
Ptolomcu relata na Geogrçlfia que "os
antigos" utilizaram um procedimento
equivalente para determinar distâncias
em terra e posteriormente calcular a cir
cunferência do planeta.
O grau de precisão da topografia na
Antígüidade não é demonstrado apenas
pejo cálculo da circunferência terrestre
por Eratóstenes, Os mapas regionais que
consta m na Geografia nossuem, confor
me veriflcamos experimentalmente, uma
margem de erro de aproximadamente 10
km. Assim, concluímos que muitas das
distorções do mapa-l11úndi de Ptolomeu
se devem J. junção de mapas p~Hciais.
() objetivo de nossa correção geodé
SiGl foi, primeiramenre, identificar erros
grosseiros introduzidos por copistas Ilas
inform,H,-ôes de Ptolo11lt'u. Em segundo
ILLgar~ tenurnos determinar, recorrendo
RETRATOHIPOTÉTICOde CIJudia Ptolomeu do século XV.Na mão esquerda
ele segur<l instrumento astronômico chamado goniômetro
meu e outros nlósofos antigos nEio
tilllwm qualquer dúvida sobre ofornl<'lto esférico da Terra.
EMBOHA Cl SISTEI\-IAde c()orde
ll<.1das tenha sido inventado por
Eratústtnes, [)toJomeu introdu~
ziu J c.sc~lb em graus utilizada
até hoje, inspirado em 1-·Iip<1rcn
cll' Niçéia, que viveu no sêculo rI
'l.C. Pnra Pro!omeu, era fl1n~ün
dos Illósofos traduzir os dados
dos wpógrafos p<.lra coordenadas.
Ele descreveu os meios disponíveis
,p<.u:J a rCi.l!izaç.3o dt:ssa tarefa na
Geografia, Seus (belos abrangem
cerca de um quarto da superfteie
do globo, SUO do equador ao Ar
rico, e 1800 da Europa ,i Ásia. f\S infor
maçóes precisas sobre dist;:lnclJs contidas
nessa obra baseiam-se no procedimento
geodésico da dererminação cio cardo e do
decLÍmaJ10 (ver qUildro t{{/ pág. 92). Erarn
os bematistes (coma dores de passos) que
se encarregavam da medição dos trajelOs
e da definiç3.o dos rumos. Esses
acompanhav:JITI ci.1Ll1panhas
como as de Alexandre, o Grande,
pógrafos tinham ,'1. seu
(capt:J.dor de soml"H"<l::;). Esse instrumento
era provavelmente empregado desde o
século VI a.c. por Tales e Anaximandró
de l\lilem para é.l. medição do tempo, e por
Pítea de ivlassilia (.Marselha) no século IV
as(.;. para dcterminar extensões de terras,
Embora as informações sobre o skio
therol1 sejam muito espars;ls, conseguimos reconstruir UlTl deles (uer imagem
na pâg. 92), Constatamos, surpresos, que
ele alcança o mesmo nível de exatidão dos
seXl:<.1ntes modernos. O skiotherOlI CCll1J1l
ap~]relho de topografia verdadeiramente
gcnii:d, que pennitül medir, baseando-se
110 chamado triúngulo de posição do Sol
(siruado no céu e rendo vértices no p(')lo
celeste, 110 Sol e no zênite), cinco úngulos
indicativós da posição geográfica de um
local. Entre os trópicos, o aparelho per
mitia determinar ~llatitud~ quando o soldo llleíu-di~l se encontr~lVa exatamente no
zênite e n;lo Janç~lv:J sombra,
/'\. ropografia com base no cardo e no
decLlmano, descrit~l por Ptolomeu, fornc-
370,4mm
264,55 mm
518,5 mm
275,6 mm
158,(3 m
165,34m
222,24 m
comprimenu>: (l cúbito (a medida de um
antebraço) de NipP"r, cidade que foi o
centro religioso do império sumério. Umexemplar encontra-se hOle no l\!luseu
da AntigÜidade Oriental em Istambul,
Turquia. Uma estátua do governante
GlIdéia ele Lagash le. 2144-2121 a.c.),
atualmente exposta no NIuseu do LOll
vre em Paris, apresenta sua unidade
oficial ({ler lato à esquerda), clerivada
do cúhiro de Nippur.
Para medir distâncias mais longas, os
gregos recorriam a uma unidade chama
da estádio. Seu tamanho é cerca de 600
vezes maior que o cúbito de Nippur ou a
unidade de Gudéia. Assim como o cúbito,
o estádio variava, dependendo da época e
lb regiJo, No século III a.C., Eratóstenesde Circne estimou a circunferêncía da
Terra em 252 mil estádios. Dividindo-se
por 360 obtém-se um grau da superfície
terrestre que correspc)Il(ie a 700 estádios.
Se 600 unidades Gudéia equivaliam
a um estádio de Eratóstenes, então, re
correndo-se aos ebelos da tabela abaixo,
chega-se ~1uma circunferência terrestre
de cerca de 40 mil km.
A precisão desse resultado é impres
sionante. Sem medições de campo exatas,
seria impossível conscgui-la. rvlais tarde,
o astrônomo Cleomedes calculou a cir
cunferência da Terra em 25 miríades de
estádios de Eratóstenes (1 miríade ::= 10
mil) ou 24 mirÍades de estádios gregos. O
geógrafo Estrabão menciona um cálculo
de'Posidônío que resultou em 18 miríades
de estádios, dos quais 5"00 equivalem a ,1
grau da superflcie terrestre, Essa eqlliva
lência (1 o 500 estádios) foi a usada por
Pto[omeu. Eratóstenes, Cleomedes, PtoJo-
RN o [20/28) NP
GFo [20/28)RN
OUF o (25/24) GF
=: 600 unidades de Gudéia
::= 600 pés osco-úmbricos
::::600 remens do cúbito de Nippur
dessa fornH, d)u<.:br no trabalho de
arqueólogos e historiadores. Em 20114,
essa nlorivação nos levou a reunir 11•.1 Uni
'/erS!d~1dt' Técni,:,."a de I3erJim um
imerdiscipJinar composro elee historiadores da ciência.
Nos'iJ pe>;quis;J foi norreac!,l por
quatro perguntas: Que unidades de
compruncnto estaV<1m em uso no tempo
de Pto!ot11eu e quais foram lltiJizàda:-; na
confecção dos mapas parciais? Segund,]
pergunta: se os métodos disponíveis sópodiam estabelecer Lttitudes, como entáo
se (!l:rtTlllínava longitudes? Tais métodos,
;1liús, seriam fucçosamcnte imprecisos,
pois os relógios transportáveis e de alta
prccisjo Ilcccss<.Í.rios para wl mediçJo vi
riam a ser inventados só no stculo XVIII.
Tet"ccird pergunta; Que proceclimcf1ros
geomélricos c'Llt11 empregd<.:los para me
dir o terreno na Amigliidade? A11nal, a
top()gr~1k1 trigunométric.1 por meio detriangllLlç~lo, comum atuJlmente, é lima
inovaç~ío da era moderna. Por último, quedados sobre <.1circunferênci,l da Terra OLl
JS distáncias entre localidades Lmportan
tes estavam disponíveis para Prolony'u?
QllC precis:Jmos saber para poder corrigir
essas in[ormaçóes?
Pé osco-úrnbrico
Cúbito sumério de Nippur [NP)
Remen do cúbito de Níppur [RN)
Unidade de Gudéia (GF)
Estádio de Eratóstenes
Estádio gregoEstádio de Posidônio I Ptolomeu
EM U\l TRABALHO o histo-
riador d;1 ciência Rorrbnder, da
Uni'versidade de Tübingen, compilou
mais de liSU unidades de medida de
comprimento diferentes, desde ,15 <.b
Antigüidade até o pé inglês. empregado
:lté hoje. Ccrcllk 30 dess~ls medidas es
r::'io fUl1dad:1s, cum pequcnas variaçoes,
em ,1pcflas um,l unidade de medida de
NOCOLODE UMA ESTÁTUAdo príncipe sumério Gudéia de Lagash estéÍ a pbnta de um templo. Nela está desenhada·nidade de medida de comprimento que se tornou conhedda como Unidade de Gudéia
XVfI, quando Galileu e Newton defini~
rivamenre a sepultaram, Curiosamente,
na tpoca de Pro]omeu, o modelo helio
cênrnco jj gozava de mais credihilidade
que o geocêmnco.
Enquanto o Alnh1gesto descrevia i)
movimento dos corpos celestes. em \lolta
da Terra, a Ceografia inrroc!lIzía concc'i
tos geográficos re\,(j!ucionéÍrio'i, como
o sistema de coordenadas de laritllde c
longitude em graus, A obra se perdeu
por muitos séculos e só foi redescober
(";.1 por volta de 1300; um mapa-mLÍndi
baseado nela estava amplamente difun
dido no início da era moderna. Porém, a
representaç~'io topográfica da superfícil;
rerrestre no mapa estc1 considerdvelmeme
distorcie1a. Isso levanta dtívidas sobre <1
cutografia antiga. Os métodos dos to··
pógrafos antigos sertam tão imprecisosljlwmo () mapa sugere ou os dados foram
di:;torcidos posteriormente?
Sabe-se que Ptolomeu elaborou ~l'U
mapa reunindo vários mapas parciais.
Com um procedimento assim, é quase
illevit~ível que surjam clistorçôes sistem~í~
ticas. Descobrir a natureza desses erros
permitiria njo investigar a preci-são d~l antiga, mJS rambém
identificar algumas localidades extintas
90 SCJENTIFIC AMERICAN BRASilAGOSTO 2006 www.5cíam.com.br SCIF.NTIFIC AMERICAN BRASIL 91
20 minutos de arco. Assim, gradualmente
essas coordenadas vão sendo incorporadas
no sistem,l geogdfico moderno.
Em países como a Espanha e espcciala Índia, a utiliz,1Ção de mTI único
de correção para ,9país inteiro nãoé sufiCiente, Nesses casos é mais·proveito
so empregar índices de correção isolados
para cada uma das regiões dus povos list<1düspor Ptolorneu na Geografia.
Ainda náo foi POSSlVe! identificar nem,1 mera de das mais de 6 mil localidades
cujas coo[dcnadas geográficas são forne
cidas por Pwlomeu. Quando nosso projeto esrive[ cuncluído, haverá esperança
renovada de I'"lstrear pelo menos alguns
dess!.:'slll~art's.lndependentemente disso,a corrc,,:clu do mapa-lnlíncli já comprovou
que c1 prn:is;J1) da topograna dos antigosvlnha sendo subestimada. Essa l- uma boa
oportun ilbde para reavali"u a Geografia,I"cc(H111eccndo-a como uma obra-prima deC.iâudio jlr(llo!lleu. ~fJ.1
descrito no corpo do texto. As diferelv,:Js '."m relação às coordenarias modernas
acabaram por mostrar-se irrele'!antes
'''PARA CONHECER MAIS",,'C' '. "I' ~:·~"""':l'(:'l·:';,»I':,',,,,"','" :,~~~,',
provavelmente os copiou de Eratósrenes ou
do astrônomo I-liparco.Atualmente, estamos rentando corrigir
'as distorçõcs na proporção entre naçóes
específicas. Para isso urilizamos o modelode correção mais simples -' um ponto de
referência e um bror de escala prévio IXl
seado na relação entre esrádios, Alé]:n do
fator de 500/700, usamos também, des
pendmdo da região, SOO/525, 500/6üIJ ouaté 500/900. Para a correção do conjunto
do Oriente Médio, englobando do tio Ti
gre ~ltéa Índia, a cidade de Xi'an s~rvíll de
pomo de referência, sendo utilizado o faror
o. Inais freqüente de 500/700, Em suma,diante das coordenadas modernas de deter
minados países, as coordenadas d~ Cláudio
Ptolomeu apresemam desajustes uniformesnas !arirudes e lon[jitudes que' podemos
empregar como índices para Di
ferenças m,liores apontam par,l eventuais
erros de rranscriçào. Os desvi.os resta me.')
em gera I correspondem a somente dez J
SCIENTlFIC AMERICAN BRASil 93
Uma lista de links sobre esse tema pode ser consultada no endereço:
Ptolemy's Geography: an annotated translatíon of the theoretical chapters. J. Lennart Berggren e
AJexander Jones, Princeton University Press, 2000.
Dn the andent determination of the Meridian are length by Eratosthenes of Kyrene. Dieter Lelgernann.
Dísponivel em http://'vvww.flg.net/pub/3thens'papers,·wsllSL''/I':+:;' j _.Lelgernartn.pdf.
PARAA ELABORAÇÃO deste mapa foram utilizadas as coordenadas de ('O
locnlidades contidas na Geografia. Elas foram corl"igidas com base no método
é necessário realizar anúlises detalhadas
de rodo o ·conjunto de dados.
Ao proceder a essa tarefa, é útil cOl1side ..
rar em separado os desvios de latitude c 10n
gitllde. Na parte grosseiramente disrorcida
referente à Ásia, as inform.1ções sobre lon
gitude de localrdades à beira-mar divergemsislematiczllncnre daquelas do interior. Em
comparação com cidades do norte, comoXi'an, Samarcanda (no atual Uzbequistelo)
e ['ama ilnd,a), as localidades do litoral sul
encontram-se sistematicamente deslocadas
em m,li."de 5° para o oeste~ uma diferença
que chega a 500 km.
" As int"ormaçôes sobre btitllde tambénl
apresentam erros, embora naquela época
elas jj pudessem ser obtidas de modo basunte conhável e preciso, Pwlomcu fornececum exatidão as latitudes de Nleroé rSu
dão), AbSUj (Egito), SiracLlsJ, i\1arselha t'
sua cidade nawl, Alexandria, mas os dados
nJerclltes e1 Bizâncio (,,1tllal Ist3Inbul) diver
gem 2° e os dados de C,--1rr,lgo chegam ~l
ter llma discrepjncia de 4(l em relação aos
valolc.') modernos. No caso de Carugo,
isso signiticl 111.11desvio de mais de 400 krn
--U!ll erro cCH1siderávcl para urna costa tão
l~onhecida como a lllccliterrànea. Pto!omcll
hast'ou o,; ebdns que apresentou lU Ceo
grafi·ü lllmw ohra anterior do historiador e
Estnlbao, que, por Sl1<.l vez,
www.sciam.com.br
dos quais uivez origindL!os pd() próprio[}rok1l11ell. UnI projetu c,ob a cuordena
~:jo de Alfred Sruckt:lberger, do Núcleo
LI!.':Pesquisa Prulomeu, d:! Ullivcrsiebdede BelTl,l, dediea ..st' atLl;Jlml'ntt a idemi
Mcar esses erros c J comparar as m,lis ele-
)"0 c('lpias t.' jmrres~iles da que
sobreVI\·C.l"<lnl, rCl1HalGln<.!o à i\tédia
c à Renelscenç~l. C:um issu scrj pussível terLlrncl idéia de comu a ubra e~tdv,l <:'lmes
d(-; ')cr copl,H,b n() nnal do século XIII,
qUJlldo foi redescoberta. lnicialrnente
reprOlluzid,ll'Jl] grego ,-Hltigo, <1Ceografia
surgiu cI'nJ406 em latim, sob o título de
C,"()slI1(Jgrd/id. No ano de 1477, a obra foi
impressa PCL1 primeira vez.
Embor,l o pri meiro l:St01"(,'"o de cor
reçjo jti resulte em Ulll mapa surpreen
dentemente hom, ele ainda está longe do
nível de precisào que os procedimentos
de mediçáo antigos viabilizavam - o queconstitui um indiclo de existem dis
wn.;ües adicionais nas i"fo[lna,;()(s.Paraidenti6car disparidades sistenl<.Íticasentrt'as coordenadas distorcidas e as moderna.s
AGOSTO 2006
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Oecúmano:::: y
pIes dtl.\(lli () IlUP<l b~l:-,Cll1'[l'"lceirclvél do
Ad;llltlco aré .1 (:hln~l. O ~ljl.lSre r"Hllb~'1ll
fUl s•.ltbLuOI·ill lU direl)o llonc-std, de
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NOCUCg,l) ,l[(' \-krot.\ nu Sudàu.E~sl' t.ltor dl' e"":,li,-I rt'sulrou elll 1l1ll,1
(1 Jrn:ç/i() hU,-l U ha~r,HHe p~lra nus bl.er SllS
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p~lr,l (i:> IU,L':,lrt:-; elll t'stadlUs, el11 ."1 basume(lJrn-:r.d.':l. LUi~lJ!] sldu lIwolulHêl.rlí.l111enrc'
di"[(H"cidJ" se rt:.'ll I LOllvtrrilbs ]XlGl bti
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lXIITLr t!us d,tdu\ da Gt'()gr~ltid.Par~l u iUVl:'~;ldLJr CcistúvelO CO[Ulll
bu, PrUlOlllCLi l'I"<l lIHLl cluml·IJade illtPor-
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o 5K.IOTHERON [captador de sombras) E:ra utilizL;ldo
!','l topografia antiga, ~-1edida,; feitas com esseinstrumento reconstr\lído illcançarclm <J precisáorio :-iextante Inademo
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l-Sul (linha do Meridiano)
Na Antigüidade, a técnica de topografia
que emprega a determinaçào do cardo edo decúmano era muito difundida. Opontode partida A encontra-se à distância S doponto de chegada B. O cardo X marca adistâncía entre norte e sul, e o decúmanoY a distância entre leste e oeste, de A
até B. Para localizar o ponto A, enconúa
se a direção do Meridiano local com aajuda de um skiotheron. Em seguida, emdireção a B marcamos um trecho 0, cujascomponentes t e 11podem ser facilmentemedidos. Depois de o trecho 5 ter sidomedido com passadas ou extensões de corda, é fácil calcular o cardo e o decúmano coma ajuda da regra de três: X:::.~ (S/o) e Y::: 1) (S/oJ, Esse método não requer a medição deângulos. Na figura, a curvatura da Terra não foi levada em conta.
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Para 1I11l'-lpfIlnelrd. VlSclU de \..~(jnlllm(),
t()llUllH)~ c[)mo PUlltO de' p,u[Jda ~lS
dadt:. ll"l.•1l':i lIllpurwme" do t'CUll1t.:'IlU. PIO·
lomeu apresentou ullla lisu des~Js Ude1dl'"
!lO capitulo tln;ll da Ceugrczjil.l; os (belo;.;de lll<.ll':i de 30() deld:> '<10 cuntlelvt'l".
:\ rindo dê tt'ste, re~IIIJ.;Iil1()':- umLI
(urre",<i.o tendo AttlU'l Ull1l0 PUlHU l~t'rdel'~IlCla e \l')andc, Lllll t,lwr de t"<aLt
1I11lfurme Ci.;' )ouroo p~(r,l o e(UI1ll"llllcornu um codu. E'ltt 11;1(1 t.' lllll v,ilul' ,.de
Jtório, mas a propo]"l.;;lU l'ntr~ (1 v,t!or de
Ulll grJ.LI da CircLlllferellL·ICl lern:':itre ('!liest,--~díos consider,lda pu!' Prulomt:u J
clkulada por traróstene':i - rc:.pcC[!\ cI
mente, 500 e 700. Ptolonkll dc'l"l\,f)lI ~i.
maioria (\c suas courdenadas u>ll\-crlL'I'tLI()
l'lll "l.ngulos as llledi',/Je':i di:' di..,clllu;\
c<.,rjdios. 0<., O1;l~J;I" liC,lr.llll dl"[ll!',."ld(l'purqw.: l'k Il<io levou l:.'11l ''-ClIl:'ldLTcH.;,Ú) qlW
,1.', l.\11td,lllt::-; lk ll1l'did,1 de:),,\:) 111t.'d'.y()l·"
ditnl,llll-' ,\ ll1,liorlil, ..l\JllUl' [Utltl illtlll.\.C"l"l\',ll'llll",tcH.!I()" LI\.' Lrc1t(),r'~'I\v"' .. -\"~llll
P()]" l',\(·Jlq,ll> . .ç mil t',.,[,lLiH.l" iljLlJiLplt·)
qUe' (l (>,udJ() que "Se clci()teJ ,."(Jri'l·'"
pOlldl'ri,llJl J lU í--'-I"~llh1\0 cjieui() \jt' [lrl'
iOlllc·ll, IILh JPt'!u~ 7,i gr~llb liU (~ik."ulode Fr;Hó"tene". No 111,11;<1 liL-l)tl>!llll1t:li. 1.)
llllllldl) p,Hc,i.lllUI:- e\p.dh'lLi( I Pt'!u ~llJhl)
do tjue 1"t:<.tlIIlClltC t:< Nn"s,l Cmlt'l';,\() "1111
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