G. W. Leibniz - Teodiceia

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  • 7/25/2019 G. W. Leibniz - Teodiceia

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    www.leibnizbrasil.pro.br- trad.: Fernando Barreto Gallas

    Ensaios de Teodicia (Pargrafos escolhidos)G. W. Leibniz

    T. prefcio: As perfeies de Deus so aquelas de nossas almas, mas, Ele as possui em ilimitada

    medida; Ele um Oceano, do qual apenas gotas nos so concedidas; h, em ns, algum poder,algum conhecimento, alguma bondade, mas, em Deus esto em sua inteireza. Ordem, propores,harmonia nos encantam; (...) Deus todo ordem; Ele sempre mantm a verdade das propores,Ele torna a harmonia universal; toda beleza uma efuso de Seus raios.

    T.8: Ora, essa suprema sabedoria, aliada a uma bondade que infinita, no pode escolher excetoo melhor. Pois, tal como um mal menos um tipo de bem, tambm um bem menos um tipo demal se um obstculo a um bem superior; e haveria algo a corrigir nas aes de Deus se fossepossvel fazer melhor. Como nas matemticas, quando no h mximo nem mnimo, em resumo,nada haveria a distinguir, tudo feito de modo igual; ou quando aquilo no possvel, nada feito:ento, pode-se afirmar o mesmo com respeito sabedoria divina (que no menos ordenada que as

    matemticas) que se no houvesse o melhor (optimum) entre todos os mundos possveis, Deus noteria produzido.

    T. 9: Pois deve-se reconhecer que todas as coisas esto ligadas em cada um dos mundos possveis:o universo, qualquer que seja, todo da mesma espcie, como um oceano: o menor movimentoestende seus efeitos a qualquer distncia, muito embora esses efeitos se tornem menos perceptveisna proporo da distncia. Nisto Deus ordenou, de uma vez por todas, a totalidade as coisas deantemo, tendo previsto os rezadores, as boas e as ms aes e todo o resto; e cada coisa enquantouma idia contribuiu, antes de sua existncia, para a resoluo que foi tomada sobre a existncia detodas as coisas; de modo que nada pode ser alterado no universo (ainda que em nmero) exceto suaessncia ou, se tu desejares, exceto sua individualidade numrica. Assim, se o menor dos males

    que ocorre no mundo no ocorresse, no mais teramos este mundo; que, nada se omitindo e tudose considerando, foi tido o melhor pelo Criador que o escolheu.

    T. 20: Os antigos atribuam a causa do mal matria, que acreditavam no ser passvel de criaoe independente de Deus: mas ns, que derivamos tudo dEle, onde encontraremos a fonte do mal?A resposta que ela deve ser buscada na natureza ideal da criatura, na medida em que essanatureza est contida nas verdades eternas que esto no entendimento de Deus, independentementede Sua vontade. Pois devemos considerar que h uma imperfeio original na criatura antes dopecado, porque a criatura limitada em sua essncia; donde resulta que ela no pode conhecer tudoe que pode se enganar e cometer outros erros.

    T. 36: Os filsofos atualmente concordam que a verdade dos futuros contingentes determinada,ou seja, que os futuros contingentes so futuros, ou que sero, que ocorrero: pois to certo que ofuturo ser, quanto certo que o passado foi. H cem anos j era verdade que eu estaria hoje aescrever, como daqui a cem anos, ser verdade que agora escrevi. Assim, o contingente no menos contingente porque futuro; e determinao, que se denominaria certeza se fosseconhecida, no incompatvel com a contingncia.

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    T. 37: Essa determinao [das contingncias] advm da prpria natureza da verdade e no podeferir a liberdade (...) Essa verdade que afirma que eu deverei escrever amanh no daquelanatureza, no necessria. Mas supondo-se que Deus a antev, necessrio que ela ocorra; isto ,a conseqncia necessria, ou seja, que ela exista, j que foi antevista; pois Deus infalvel. Isto o que se denomina uma necessidade hipottica. Mas nosso interesse aqui no com esta

    necessidade: para que se afirme que uma ao necessria, que no contingente, que no oefeito de uma livre escolha, exige-se uma necessidade absoluta. Alm disso, v-se facilmente que opr-conhecimento em si mesmo nada acrescenta determinao da verdade dos futuroscontingentes, salvo que essa determinao conhecida: e isso no aumenta a determinao ou afuturizao (como denominado) dos eventos, com que concordamos no incio.

    T. 44: Devemos considerar que h dois grandes princpios dos nossos argumentos. Um oprincpio da contradio, estabelecendo que de duas proposies contraditrias uma verdade e aoutra falsa; o outro princpio aquele da razo determinante (cont. 32). Tal princpio estabeleceque nada acontece sem que haja uma causa ou, ao menos, uma razo determinante, isto , algo quefornea uma razo a priori por que existe em vez de no existir e deste modo e no de qualquer umoutro. Este grande princpio impe-se a todos os eventos (...)

    T. 54: Poder-se- dizer tambm que, se tudo est ordenado, Deus no pode, ento, executarmilagres. Porm, deve-se ter em mente que os milagres que ocorrem no mundo eram tambmabarcados e representados como possveis neste mesmo mundo considerado no estado de merapossibilidade; e Deus, que desde ento os tem executado, quando escolheu este mundo ento (...)

    T. 64: Pois h na alma no apenas uma ordem de percepo distinta, formando seu domnio, mastambm uma srie de percepes e paixes confusas, formando seu conhecimento, e no hnecessidade de nos assombrarmos com isto; a alma seria uma Divindade se nada mais tivesseexceto percepes claras.

    T. 80: Pois suficiente considerar que Deus, tanto quanto toda mente sbia e beneficente, estinclinado para todo bem possvel e que essa inclinao proporcional excelncia do bem.

    T.87: disputa filosfica acerca da origem das formas. Aristteles e a filosofiaescolstica aps ele denominam forma aquilo que um princpio de ao e est baseado naquiloque age. Esse princpio intrnseco ou substancia, sendo ento denominado Alma (quando estem um corpo orgnico) ou acidental, e costumeiramente denominado Qualidade. O mesmofilsofo deu alma a denominao genrica de Entelquia ou Ato. Este termo, Entelquia,obviamente tem sua origem no termo grego que significa perfeito, e da, o clebre HermolauBarbarus o expressou literalmente, em latim, por perfectihabia: pois Ato uma realizao dapotncia (...) Aristteles sups haver dois tipos de Ato: o ato permanente e o ato sucessivo. O atopermanente ou duradouro nada mais que a Forma Substancial ou Acidental: a forma substancial(como, por exemplo, a alma) completamente permanente, ao menos de acordo com o meu juzo,e o acidental apenas o por um tempo. Mas o ato completamente momentneo, cuja natureza transitria, consiste na prpria ao. Alhures demonstrei que a noo de Entelquia no esttotalmente desprezada e que, sendo permanente, traz consigo no uma simples faculdade de ao,mas tambm aquilo que denominado fora, esforo, conatus, a partir do que a prpria aodeve decorrer se nada a impede. A faculdade apenas um atributo ou antes, s vezes, um modo;mas, a fora, quando no um ingrediente da prpria substncia (isto , fora que no primitiva

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    mas derivativa), uma qualidade que distinta e separvel da substncia. Demonstrei tambmcomo se pode supor que a alma uma fora primitiva que modificada e variada por foras ouqualidades derivativas, e exercida nas aes.

    T.89: Os acidentes so apenas modificaes da substncia e sua origem pode ser explicada por

    eduo, isto , por variao de limitaes, do mesmo modo que a origem dos formatos. Mas, aquesto outra quando estamos interessados na origem de uma substncia, cujo incio e destruioso igualmente difceis de explicar.

    T. 90: Como a formao de corpos orgnicos animados parece explicvel na ordem natural a penasquando se assume uma pr-formao j orgnica, eu da inferi que aquilo que denominamosgerao de um animal apenas uma transformao e acrscimo. Assim, desde que o mesmo corpoj estava suprido com rgos, deve-se supor que j era animado e que possua a mesma alma:portanto, assumo, vice-versa, da conservao da alma quando uma vez criada, que o animaltambm conservado e que aquela morte aparente apenas um encobrimento, no havendoprobabilidade de que na ordem natural as almas existam inteiramente separadas de todo corpo ouque aquilo que no tem incio naturalmente possa cessar por meio de foras naturais.

    T. 147: Deus ao conceder a inteligncia ao homem o presenteou com uma imagem da Divindade.Ele o deixou a si mesmo, em um sentido, em seu pequeno departamento... L a liberdadedesempenharia seu jogo: e Deus (por assim dizer) (...)

    T. 169: Epicuro, para preservar a liberdade e evitar uma necessidade absoluta, sustentou, apsAristteles, que os futuros contingentes no eram susceptveis de determinar a verdade. Pois se eraverdade ontem que eu hoje estaria a escrever, ento, isso no deixaria de ocorrer, j serianecessria; e, pela mesma razo, seria desde toda eternidade. Assim, no aquilo que ocorre necessrio e impossvel que algo diferente ocorra. Mas, desde que no seja decorreria, de acordocom ele, que os futuros contingentes no determinam a verdade. Para sustentar essa opinio,Epicuro chegou a negar o primeiro e maior princpio das verdades de razo; negou que todaassero ou era verdadeira ou falsa. Aqui est o modo pelo qual eles o confundiam: Tu negasfosse verdade ontem que eu deveria escrever hoje; por isso, era falso. O bom homem, no sendocapaz de admitir essa concluso, foi obrigado a afirmar que no era nem verdadeiro nem falso.Aps isso, ele no precisou de refutao (...)

    T.170: Deve ser sustentada a possibilidade de coisas que no ocorrem. A necessidade das coisasatuais no absoluta, mas, simplesmente uma necessidade ex hypothesi. (...) Est em aberto aquesto se o passado mais necessrio que o futuro. (...) A simples necessidade hipottica deambos a mesma: o primeiro no pode ser alterado; o segundo no o ser.

    T.174: Ele [Bayle] confunde o que impossvel por implicar contradio com aquilo que nopode acontecer por no ser apropriado escolher. verdade que no h contradio em supor queEspinosa morreu em Leyden e no em Haia [como de fato morreu]; nada haveria de mais possvel:a questo foi, por isso, indiferente a respeito do poder de Deus. Mas, no se deve supor quequalquer evento, por menor que seja, pode ser considerado como indiferente a respeito dasabedoria e bondade de Deus. Jesus Cristo disse que tudo est contado, at os fios de cabelos emnossa cabea. Assim, a sabedoria de Deus no permite que esse evento, ao qual Bayle se refere,acontea de modo diverso do que aconteceu.

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    T. 184: Pois, em minha opinio, o entendimento divino que constitui a realidade das verdadeseternas, embora a vontade de Deus nisso no tome parte. Toda realidade deve estar fundada emalgo existente. verdade que um ateu pode ser gemetra; mas, caso no houvesse Deus, aGeometria no possuiria objeto. E sem Deus, no s no haveria existentes, como tambm nada

    seria possvel.T. 195: Algum dir que impossvel produzir o melhor pois no h criatura perfeita e que sempre possvel produzir algo que seria mais perfeito. Respondo que aquilo que pode ser afirmado deuma criatura ou de uma substncia particular, que sempre pode ser excedida por uma outra, nodeve ser aplicado ao universo, que (j que deve se estender atravs de toda eternidade futura) uma infinidade. Ademais, h um nmero infinito de criaturas na menor parte da matria em razoda diviso [atual] do continuum infinidade. E a infinidade, isto , a acumulao de um nmeroinfinito de substncias, no , propriamente falando, um todo mais do que o prprio nmeroinfinito, do que no se pode dizer se regular ou irregular. Isto o que serve para confundiraqueles que fazem do mundo um Deus ou que pensam em Deus como a Alma do mundo, pois omundo ou o universo no pode ser considerado como um animal ou como uma substncia.

    T.201: Pode-se afirmar que, caso pudssemos compreender a estrutura e a economia do universo,perceberamos que ele constitudo e direcionado tal como o mais sbio e virtuoso poderiadesejar, desde que Deus no pode deixar de assim agir. Contudo, essa necessidade apenas deuma natureza moral; e admito que se Deus fosse forado por uma necessidade metafsica aproduzir aquilo que Ele cria, produziria todos os possveis ou nada; e nesse sentido a concluso dosenhor Bayle estaria plenamente correta. Mas, como nem todos os possveis so compatveis emuma e mesma seqncia de mundo, por esta mesma razo todos os possveis no podem serproduzidos e deve-se afirmar que Deus no forado, metafisicamente falando, na criao dessemundo. Poder-se-ia dizer que to logo Deus determinou criar algo houve uma luta entre todos ospossveis, todos eles postulando a existncia e aqueles que, em harmonia, produziram maiorrealidade, maior perfeio, maior significncia, triunfaram. verdade que toda essa luta podeapenas ser ideal, isto , pode to somente ser um conflito de razes no mais perfeito entendimento(o Divino), que no pode deixar de agir do modo mais perfeito e, por conseqncia, escolher omelhor. Mas, Deus est limitado por uma necessidade moral a fazer coisas de uma tal maneira quenada possa haver de melhor: de outro modo, no s outros teriam razo em critic-Lo pelo quefez, mas, em acrscimo, Ele mesmo no estando satisfeito com Sua obra, iria censurar-se poraquela imperfeio. E isso se choca com a suprema felicidade da natureza divina.

    T. 206: Como Deus no pode fazer nada sem razo, mesmo quando Ele age milagrosamente,segue-se que Ele no possui vontade acerca de eventos particulares exceto o que resulta de algumaverdade geral ou vontade. Assim, eu diria que Deis nunca possui uma vontade particular tal comosugere Malebranche, isto , uma vontade particular primitiva.

    T. 208: Os meios de Deus so os mais simples e uniformes: pois Ele escolhe leis que mutuamentemenos se restringem. Elas so, tambm, as mais produtivas em proporo simplicidade de modose meios. como se dissssemos que uma certa casa a melhor que pde ter sido construda a umdeterminado custo. Na verdade, poder-se-ia reduzir essas duas condies (simplicidade eprodutividade) a uma nica circunstncia favorvel que produzir tanta perfeio quanto possvel(...). Mesmo se o efeito fosse admitido como sendo maior, mas, o processo menos simples, penso

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    que se poderia afirmar, ao final, que o prprio efeito teria sido inferior, considerando no s oefeito final, mas, tambm, o efeito mediato. Pois a mente mais sbia assim atua, na medida dopossvel, que os meios so tambm, de certo modo, fins, ou seja, so desejveis no s devido aoque fazem, mas, pelo que so. O processo mais complexo toma mais base, mais espao, maislugar, mais tempo que poderia ter sido melhor empregado.

    T.225: A infinidade de possveis, por maior que possa ser, no to grande quanto a sabedoria deDeus, que conhece todos os possveis. Pode-se mesmo afirmar que se essa sabedoria no excede ospossveis extensivamente, j que os objetos do entendimento no podem ir alm dos possveis, queem um sentido somente inteligvel, ento, os excede intensivamente, por causa das infinitascombinaes que faz disso e das suas muitas deliberaes a elas relativas.

    T. 360: uma das regras do meu sistema de harmonia geral que o presente est prenhe do futuro eque aquele que tudo v, v naquilo que e naquilo que ser. O que mais, demonstreiconclusivamente que Deus v em cada poro do universo todo o universo, devido perfeitaassociao das coisas. Ele infinitamente mais discernente que Pitgoras que avaliou o peso deHrcules pelo tamanho da pegada do heri. No deve haver, por isso, dvida de que os efeitosseguem suas causas de modo determinado, a despeito da contingncia e mesmo da liberdade que,todavia, coexistem com a certeza ou determinao.

    T.369: Ado pecou livremente e (...) Deus viu o seu pecado j ao conceber a prpria possibilidadede Ado que tornou atual de acordo com o grau de permisso divina. verdade que Ado estavadeterminado a pecar em conseqncia de certas inclinaes predominantes de sua natureza interna:mas essa determinao interna no destri quer a contingncia quer a liberdade.

    T.396: E as qualidades (...) ou aquilo que denomino formas de uma substncia, assumo comosendo modificaes dessa entelquia primitiva, tanto quanto os formatos so modificaes damatria. por isso que essas modificaes esto perpetuamente em mudanas, enquanto assubstncias simples permanecem.

    T.400: A fora dessas provas, que ele [Bayle] louva, no deve ser to grande como ele imagina,pois, se fosse, provariam muito mais, Elas tornariam Deus o autor do pecado. Admito que a almano pode mover os rgos por uma influncia fsica; pois penso que o corpo deve ter sido formado(...)