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GABRIEL RAMALHO GARRETT JACO PASTORIUS Suas contribuições como instrumentista e compositor na música “Havona” São Paulo novembro/2008

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GABRIEL RAMALHO GARRETT

JACO PASTORIUS Suas contribuições como instrumentista e

compositor na música “Havona”

São Paulo novembro/2008

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GABRIEL RAMALHO GARRETT

JACO PASTORIUS: Suas contribuições como instrumentista e

compositor na música “Havona”

Monografia apresentada ao Curso de Música da Faculdade Santa Marcelina, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Bacharel em Música (Instrumento Popular). Orientador: Prof. Dr. Maurício Oliveira Santos

São Paulo novembro/2008

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Dedico este trabalho à todos os meus amigos e familiares, e à Simone. Agradeço ao orientador, o Prof. Dr. Maurício Oliveira Santos e aos professores Paulo Tiné e Ricardo Skinovsky pela grande ajuda que deram na realização deste trabalho. Agradeço também à meus familiares pelo apoio (inclusive em questões gramaticais do trabalho) e à Simone pelo seu apoio (e por me dizer que o começo do solo de “Havona” lembrava a trilha sonora de algum filme antigo...).

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SUMÁRIO Introdução.................. ................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1: JACO PASTORIUS.............................................................................11 1.1 Biografia.................................................................................................................11 1.2 Influências............................................................................................................ 37

1.2.1 Influências Gerais 1.2.2 Influência de Baixistas

1.3 Técnicas..................................................................................................................49

1.3.1 Mão Esquerda 1.3.2 Mão Direita 1.3.3 Harmônicos Naturais 1.3.4 Harmônicos Artificiais 1.3.5 Efeitos Percussivos

1.4 Equipamentos.........................................................................................................67

1.4.1 Fender Jazz Bass 1.4.2 O Baixo Fretless 1.4.3 Acoustic 360 1.4.4 Cordas Rotosound 1.4.5 Efeitos

Fotos.............................................................................................................................74 CAPÍTULO 2: ANÁLISE DE HAVONA....................................................................78 2.1 Introdução e Coda...................................................................................................83 3.1.1 Aspectos Harmônicos 3.1.2 Aspectos Melódicos 3.1.3 Aspectos Rítmicos 2.2 Tema.......................................................................................................................97 3.2.1 Aspectos Harmônicos 3.2.2 Aspectos Melódicos 3.2.3 O Baixo de Jaco Pastorius como Contracanto 3.2.4 Aspectos Rítmicos 2.3 Solo de Jaco Pastorius..........................................................................................129 3.3.1 Primeiro Chorus 3.3.2 Segundo Chorus Considerações Finais..................................................................................................145 Referências..................................................................................................................146

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LISTA DE FIGURAS

FIG. 1 — Escala Cromática.................................................................................................................... 49

FIG. 2 — Digitação Aberta e Fechada .................................................................................................. 50

FIG. 3 — Digitação Aberta .................................................................................................................... 51

FIG. 4 — Padrão em Sextas ................................................................................................................... 51

FIG. 5 — Quintinas ................................................................................................................................ 52

FIG. 6 — Arpejos................................................................................................................................... 52

FIG. 7 — Acordes .................................................................................................................................. 53

FIG. 8 — Trecho de “Liberty City” ....................................................................................................... 54

FIG. 9 — Trecho de “Come On Come Over” ........................................................................................ 54

FIG. 10 — Mão Direita 1 ....................................................................................................................... 56

FIG. 11 — Mão Direita 2 ....................................................................................................................... 56

FIG. 12 — Harmônicos Naturais 1......................................................................................................... 59

FIG. 13 — Harmônicos Naturais 2......................................................................................................... 59

FIG. 14 — Trecho de “Portrait of Tracy”............................................................................................... 61

FIG. 15 — Harmônicos Artificiais 1 ...................................................................................................... 64

FIG. 16 — Harmônicos Artificiais 2 ...................................................................................................... 64

FIG. 17 — Trecho de “Birdland” ........................................................................................................... 65

FIG. 18 — Fender Precision................................................................................................................... 67

FIG. 19 — Fender Jazz Bass .................................................................................................................. 67

FIG. 20 — Jaco Pastorius....................................................................................................................... 74

FIG. 21 — Na turnê do CD Shadows and Light, de Joni Mitchell (1979) ............................................. 75

FIG. 22 — Tocando teclado (1977)........................................................................................................ 76

FIG. 23 — Aos dezesseis anos, com o Las Olas Brass (1967)............................................................... 76

FIG. 24 — Jaco com o Acoustic 306 ao fundo (1985) ........................................................................... 77

FIG. 25 — “Havona” Parte 1 ................................................................................................................. 81

FIG. 26 — “Havona” Parte 2 ................................................................................................................. 82

FIG. 27 — Introdução ............................................................................................................................ 83

FIG. 28 — Coda ..................................................................................................................................... 83

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FIG. 29 — Origem do acorde sus4......................................................................................................... 84

FIG. 30 — Aspectos Harmônicos (Intro) 1 ............................................................................................ 86

FIG. 31 — Aspectos Harmônicos (Intro) 2 ............................................................................................ 87

FIG. 32 — Aspectos Harmônicos (Intro) 3 ............................................................................................ 87

FIG. 33 — Aspectos Harmônicos (Intro) 4 ............................................................................................ 88

FIG. 34 — Aspectos Harmônicos (Intro) 5............................................................................................. 89

FIG. 35 — Aspectos Harmônicos (Intro) 6 ............................................................................................ 90

FIG. 36 — Aspectos Harmônicos (Coda) .............................................................................................. 91

FIG. 37 — Aspectos Rítmicos (Intro) 1 ................................................................................................. 94

FIG. 38 — Aspectos Rítmicos (Intro) 2 ................................................................................................. 94

FIG. 39 — Aspectos Rítmicos (Intro) 3 ................................................................................................. 95

FIG. 40 — Aspectos Rítmicos (Intro) 4 ................................................................................................. 96

FIG. 41 — Tema .................................................................................................................................... 97

FIG. 42 — Aspectos Melódicos (Tema) 1............................................................................................ 104

FIG. 43 — Aspectos Melódicos (Tema) 2............................................................................................ 104

FIG. 44 — Aspectos Melódicos (Tema) 3............................................................................................ 105

FIG. 45 — Aspectos Melódicos (Tema) 4............................................................................................ 105

FIG. 46 — Aspectos Melódicos (Tema) 5............................................................................................ 106

FIG. 47 — Aspectos Melódicos (Tema) 6............................................................................................ 107

FIG. 48 — Aspectos Melódicos (Tema) 7............................................................................................ 107

FIG. 49 — Aspectos Melódicos (Tema) 8............................................................................................ 108

FIG. 50 — Aspectos Melódicos (Tema) 9............................................................................................ 108

FIG. 51 — Aspectos Melódicos (Tema) 10.......................................................................................... 108

FIG. 52 — Convenção e Frase ............................................................................................................. 109

FIG. 53 — Frase Final (Baixo)............................................................................................................. 110

FIG. 54 — Resumo da disposição dos motivos na melodia ................................................................. 110

FIG. 55 — Trecho 1 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 111

FIG. 56 — Trecho 2 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 112

FIG. 57 — Trecho 3 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 112

FIG. 58 — Trecho 4 (Linha de Baixo) ................................................................................................ 113

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FIG. 59 — Trecho 5 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 113

FIG. 60 — Trecho 6 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 114

FIG. 61 — Trecho 7: Ritmo Inicial (Linha de Baixo) .......................................................................... 114

FIG. 62 — Trecho 8: Variação do Ritmo Inicial (Linha de Baixo)...................................................... 114

FIG. 63 — Trecho 9 (Linha de Baixo) ................................................................................................. 115

FIG. 64 — Trecho 10 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 116

FIG. 65 — Trecho 11: Motivo Inicial (Linha de Baixo) ..................................................................... 116

FIG. 66 — Trecho 12: Variação do Motivo Inicial (Linha de Baixo) .................................................. 117

FIG. 67 — Trecho 13 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 118

FIG. 68 — Trecho 14 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 118

FIG. 69 — Trecho 15 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 119

FIG. 70 — Trecho 16 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 119

FIG. 71 — Trecho 17 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 120

FIG. 72 — Trecho 18 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 120

FIG. 73 — Trecho 19 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 120

FIG. 74 — Trecho 20 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 121

FIG. 75 — Trecho 21 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 122

FIG. 76 — Trecho 22 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 122

FIG. 77 — Trecho 23 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 123

FIG. 78 — Trecho 24 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 124

FIG. 79 — Trecho 25 (Linha de Baixo) ............................................................................................... 124

FIG. 80 —Trecho 26 (Linha de Baixo) ................................................................................................ 124

FIG. 81 — Cha Cha Cha 1 ................................................................................................................... 127

FIG. 82 — Cha Cha Cha 2: Primeira Variação .................................................................................... 127

FIG. 83 — Cha Cha Cha 3: Segunda Variação .................................................................................... 127

FIG. 84 — Cha Cha Cha 4 ................................................................................................................... 127

FIG. 85 — Cha Cha Cha 5 (Jaco)......................................................................................................... 128

FIG. 86 — Solo: Primeiro Chorus........................................................................................................ 129

FIG. 87 — Trecho 1 de “Theme from Summer of’ 42”........................................................................ 130

FIG. 88 — Trecho 2 de “Theme from Summer of’ 42”........................................................................ 131

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FIG. 89 — Trecho 1 (Solo) .................................................................................................................. 131

FIG. 90 — Trecho 2 (Solo) .................................................................................................................. 132

FIG. 91 — Trecho 3 (Solo) .................................................................................................................. 132

FIG. 92 — Trecho 4 (Solo) .................................................................................................................. 133

FIG. 93 — Trecho 5 (Solo) .................................................................................................................. 133

FIG. 94 — Trecho 6 (Solo) .................................................................................................................. 134

FIG. 95 — Trecho 7 (Solo) .................................................................................................................. 134

FIG. 96 — Trecho 8 (Solo) .................................................................................................................. 134

FIG. 97 — Trecho 9 (Solo) .................................................................................................................. 135

FIG. 98— Trecho 10 (Solo) ................................................................................................................ 136

FIG. 99 — Solo: Segundo Chorus........................................................................................................ 137

FIG. 100 — Trecho 11 (Solo) .............................................................................................................. 138

FIG. 101 — Trecho 12 (Solo) .............................................................................................................. 139

FIG. 102 — Trecho 13 (Solo) .............................................................................................................. 139

FIG. 103 — Trecho 14 (Solo) .............................................................................................................. 140

FIG. 104 — Trecho 15 (Solo) .............................................................................................................. 141

FIG. 105 — Trecho 16 (Solo) .............................................................................................................. 141

FIG. 106 — Trecho 17 (Solo) .............................................................................................................. 142

FIG. 107 — Trecho 18 (Solo) .............................................................................................................. 142

FIG. 108 — Trecho 19 (Solo) .............................................................................................................. 142

FIG. 109 — Trecho 20 (Solo) .............................................................................................................. 143

FIG. 110 — Trecho 21 (Solo) .............................................................................................................. 143

FIG. 111 — Trecho 22 (Solo) .............................................................................................................. 144

FIG. 112 — Trecho 23 (Solo) .............................................................................................................. 144

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Resumo

O presente trabalho tem como objetivo estudar a obra do contrabaixista norte-

americano Jaco Pastorius (1951-1987), que ficou conhecido pelos seus trabalhos solos

e com o grupo de fusion Weather Report. No primeiro capítulo temos um olhar geral

sobre o baixista, passando por sua vida, suas influências e pelas técnicas e

equipamentos utilizados por ele. Já o segundo capítulo constitui-se de uma análise da

música “Havona”, uma de suas composições mais elaboradas, que foi lançada no LP

Heavy Weather (1977) da banda Weather Report.

Palavras-chave: Jaco Pastorius, Baixo Fretless, Weather Report, Fusion.

Abstract

This work aim to study the work of the american bass player Jaco Pastorius

(1951-1987), who is known because of his solo works and also with the fusion’s band

Weather Report. In the first chapter we have a general study about the bass player,

through his life, influences, techniques and the equipments that he used. The second

chapter is constitute of a “Havona”’s analyse, one of his most elaborate composition,

that was launched in Heavy Weather LP (1977), of Weather Report band.

Key-words: Jaco Pastorius, Fretless Bass, Weather Report, Fusion.

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Introdução

Pode parecer ao leitor em um primeiro momento que falar sobre Jaco Pastorius

é uma tecla batida, e que muito já deve ter sido dito e escrito sobre ele. Mas isso

infelizmente está longe de ser a realidade.

Ao iniciar este trabalho uma das primeiras coisas que fiz foi procurar por

outros trabalhos sobre Jaco tanto na biblioteca da FASM como de outras instituições,

e para minha surpresa não achei nada. No máximo breves referências a ele em

trabalhos com temas relacionados, mas nenhum trabalho em que ele fosse o foco.

Se tratando de livros sobre ele já temos um pouco mais opções, entre elas o

livro The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius, de Bill Milkowski, que foi

uma base bibliográfica muito grande para a realização deste trabalho.

Mas não existem tantos livros assim1, e todos que existem estão em inglês.

Devido a esse fato, optei por fazer uma biografia extensa, já que não existe nenhuma

publicada em português.

Em relação à escolha do tema do trabalho, eu sempre soube (assim como

grande parte dos baixistas) que Jaco havia revolucionado a forma como se tocava o

instrumento. Mas o simples fato de saber isso não acrescenta muito, é preciso se

aprofundar, principalmente quando se trata da obra de um músico como ele. E foi

justamente esse aprofundamento que busquei na realização deste trabalho.

Espero também que esse trabalho possa ajudar outras pessoas com a mesma

vontade de se aprofundar na obra de Jaco. E que, por sua vez, produzam novos

trabalhos sobre esse grande baixista e compositor.

1 Além do livro citado apenas um livro utilizado neste trabalho possui uma referência mais direta a Jaco. Sendo que todos os outros estão relacionados a ele de forma mais indireta.

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CAPÍTULO 1: JACO PASTORIUS

1.1 Biografia

Infância e Adolescência

John Francis Pastorius III nasceu no dia 1º de dezembro de 1951, em

Norristown, Pensilvânia. Filho de Jack Pastorius, músico profissional que se dedicava

à bateria e também cantava, e Stephanie Haapala, ambos fãs do jazz da era das big

bands. Jaco (como se tornou conhecido) cresceu ouvindo Benny Goodman, Count

Basie, Duke Ellington, Tony Bennett e Frank Sinatra, entre outros (MILKOWSKI,

2005, p. 03).2

Aos três anos de idade, seu pai já havia lhe ensinado a segurar as baquetas da

forma tradicional utilizada pelos bateristas de jazz (Traditional Grip) e brincava com

uma bateria em miniatura. Aos oito anos, a família Pastorius se muda para Fort

Lauderdale, Flórida3, onde Jaco morou por muitos anos.

Aos 13 anos, para comemorar o fim do ano escolar, Jaco fez sua primeira

apresentação como baterista em uma banda chamada The Sonics. O repertório incluía

três músicas: “Please Please Me” e “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles, e uma

música instrumental composta pela banda, intitulada “Sonic Boom”.

Nesse mesmo ano, Jaco quebrou o pulso esquerdo jogando futebol, o que o

impediu de tocar bateria até 1966, quando entrou na banda Las Olas Brass. O

repertório da banda era composto por clássicos de funk, soul, R&B e rock: James

Brown, Aretha Franklin e Tijuana Brass, entre outros.

Apesar de Jaco possuir um senso rítmico impecável, ele ainda era novo e

inexperiente. Logo a banda chamaria Rich Franks, um baterista mais técnico, para

2 As informações sobre a vida de Jaco Pastorius foram obtidas no livro The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius, de Bill Milkowski. 3 Fort Lauderdale é uma cidade turística que fica a 48 km de Miami.

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substituí-lo. Ao mesmo tempo, o baixista David Neubauer saiu da banda para viajar

para a Europa. Jaco, então, propôs a seus companheiros trocar a bateria pelo baixo e

continuar na banda. Logo ele compra um Fender Jazz Bass 1966 e um amplificador

Sunn, os quais o acompanhariam em seus primeiros anos como baixista.

Jaco logo demonstra ter uma grande facilidade para tocar baixo. No verão de

1967, ele conhece Tracy Lee, que viria a ser sua primeira esposa. Em 1968, grava sua

primeira “fita demo” em sua própria casa, contendo a música “The Chicken” de

Alfred “Pee Wee” Ellis. O que impressiona nessa primeira gravação caseira é ele ter

gravado, além do baixo, também a bateria, guitarra e sax alto – lembrando que ele

tinha apenas 17 anos.

Jaco mandou essa gravação para Alice Coltrane (pianista, mulher de John

Coltrane), que lhe respondeu com uma carta de incentivo para que continuasse a

desenvolver suas habilidades musicais. Nessa mesma época, ele já começava a fazer

experiências pouco usuais para os baixistas, como tocar “Star Spangled Banner” à

maneira de Jimi Hendrix. Ainda em 1968, Jaco monta um quarteto para tocar jazz e

participa de sua primeira gravação profissional na música “Suzanne”, do cantor e

compositor Miller Collins.

No ano seguinte Jaco monta um trio de R&B chamado Woodchuck, no qual

tocou por dois anos pelos bares do sul da Flórida um repertório de clássicos, como

“Funk Broadway”, de Wilson Pickett, e “Lickin’ Stick”, de James Brown. Com esse

trio, o único problema enfrentado era a falta de disciplina de seus companheiros, os

quais frequentemente apareciam aos ensaios bêbados, o que diminuía a produtividade

deles tocando. Nessa época, Jaco não bebia nem usava qualquer tipo de droga. Estava

totalmente focado na música e nos esportes (jogava basquete e beisebol).

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Durante sua temporada com o Woodchuck, Jaco deu um grande passo na sua

evolução musical, pois, como se tratava de um trio, ele ficava mais livre para

experimentar outras maneiras de tocar baixo, porém sem nunca perder o groove.

Em outubro de 1970, ele presenciou um show de um trio de Miami chamado

Nemo Spliff e voltou sua atenção para a técnica que o baixista Carlos Garcia utilizava

para abafar as notas com a mão esquerda. Começou, então, a estudar a técnica de

Garcia, a qual se tornaria base para seus grooves, repletos de ghost notes. Além dessa

técnica, o som do amplificador de Garcia também o impressionou e logo trocaria seu

Sunn pelo Acoustic 360 utilizado por ele.

Novas Descobertas

Em agosto de 1970, Jaco e Tracy se casam e, em dezembro, nasce a primeira

filha do casal, Mary Pastorius. A paternidade faz Jaco deixar o Woodchuck, em abril

de 1971, em busca de trabalhos que tivessem maior retorno financeiro.

Dois meses após sua saída da banda, ele consegue emprego em um cruzeiro

chamado Ariadni que navegava pelo Caribe. O baixista do trio de jazz que tocaria no

cruzeiro largou o emprego de última hora e Jaco foi contratado um dia antes do navio

partir. Para conseguir o emprego, disse que sabia ler partituras, o que não era verdade

naquela época. Além disso, não estava familiarizado com o repertório. Então, passou a

noite tirando standards de jazz, enquanto Tracy fazia as malas.

Graças a sua enorme musicalidade e sua audição desenvolvida, Jaco conseguiu

acompanhar a banda e foi desenvolvendo sua maneira de tocar jazz. Passava seu

tempo livre na cabine estudando os standards.

Além de ganhar bem pelo trabalho, ter tempo livre para estudar e poder passear

com sua recém formada família pelas ilhas caribenhas, quando o navio aportava, Jaco

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podia ouvir os músicos locais. Foi quando entrou em contato com ritmos como o

calipso e o reggae.

Após um mês tocando no navio, Jaco volta à terra firme e entra em uma banda

de soul de Miami, a Tommy Strand & the Upper Hand. Nessa banda, Jaco começa a

desenvolver mais o baixo como um instrumento solista, além de manter o groove.

Segundo Bill Milkowisk (autor de sua biografia), na condução de algumas músicas

tocadas por ele nessa época já era possível perceber idéias que futuramente se

tornariam suas músicas, como “Liberty City”, “Kuru” e “Barbary Coast”. Segundo o

irmão de Jaco, Rory Pastorius, aos 18 anos Jaco já tinha composto um esboço do que

viria a ser “Continuum”, quando ainda estava no Woodchuck.

Ainda em 1971, Jaco adquire seu primeiro Fender pré-CBS, um Fender Jazz

Bass 1962. Mas esse baixo tinha um problema: trastejava nas primeiras casas. Então

um dia Jaco tirou todos os trastes. A princípio ele pensava em recolocar os trastes,

mas resolveu deixar do jeito que estava e experimentar tocar assim no show que faria

à noite com o Tommy Strand & the Upper Hand.

O resultado não foi dos melhores, o som do instrumento, denominado fretless,4

não tinha o punch e a clareza necessários para um show de funk. Além disso, Jaco

teve problemas com a afinação. Então no dia seguinte ele colocou os trastes de volta.

Em 1972 Jaco deixa o Tommy Strand & the Upper Hand e entra para o grupo

de Wayne Cochran (Wayne Cochran and the C.C. Riders). Cochran era um

contemporâneo de James Brown e Wilson Pickett, e sua banda (4 trompetes, 3

trombones, 4 saxofones, baixo, guitarra, bateria e voz) havia sido formada para fazer

revivals de R&B.

4 O baixo fretless é um baixo sem trastes (fret = trastes e less = sem). Para maiores informações sobre esse instrumento consultar a página 69.

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Esse período foi marcado por trabalho intenso para Jaco, uma vez que a banda

costumava fazer cinco entradas por noite, seis vezes por semana. Além dessa rotina de

shows, Jaco estudava no ônibus da banda e tinha aulas de teoria, escrita musical e

arranjo com o guitarrista e diretor musical Charlie Brent.

Um ano após a sua primeira tentativa (fracassada) com o fretless, Jaco tira os

trastes de um baixo Fender que Brent havia lhe emprestado. O resultado dessa vez é

bem diferente. Segundo Brent, naquela noite ele estava tocando como nunca havia

tocado, usando de slides e outros efeitos de expressão no fretless. Algumas noites

depois, ele começou a tocar os harmônicos na primeira, segunda e terceira casa. Brent

diz que nunca havia visto alguém tocando harmônicos antes da quinta casa.

Além dos harmônicos, Jaco tinha liberdade para usar acordes, pois a banda não

tinha tecladista ou guitarrista base. Ou seja, nessa época ele começou a expandir as

suas possibilidades técnicas como instrumentista.

Mas, além disso, Jaco também se desenvolve muito como compositor e

arranjador durante esse período. Quando entrou para o C.C. Riders ele não sabia nem

ler nem escrever partituras. Depois de suas aulas com Brent, começa a ler, escrever e,

o mais importante, compor e fazer arranjos.

O resultado desse aprendizado é a primeira composição de Jaco arranjada para

um grupo grande. Chamada “Domingo”, essa música (que foi composta três dias após

uma aula de escrita musical e arranjo, que durou uma madrugada inteira no quarto do

hotel) impressionou muito Brent por sua qualidade composicional. Além de

“Domingo”, também foram compostas nessa época as músicas “Amelia” e

“Microcosm”.

No final de 1972, Brent deixa o C.C. Riders e passa para Jaco o cargo de

diretor musical. Mas ele não dura muito tempo nesse cargo, pois Wayne Cochran não

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queria outra estrela na banda dele. Então, no dia 2 de dezembro (um dia após ter

completado 21 anos) ele é demitido da banda.

Após sua saída do C.C. Riders, ele logo é contratado pelo trombonista Peter

Graves para fazer parte de sua orquestra, que tocava no bar Bhachelors III. Segundo

Graves ele ainda tinha problemas em ler as partituras, mas muitas vezes conseguia

tirar as músicas de ouvido.

Na mesma época ele entra na banda Baker’s Dozen co-liderada pelo pianista

Vice Maggio e pelo saxofonista e trompetista Ira Sullivan. A banda tinha três

baixistas, que se revezavam: Don Mast, Mark Egan e Jaco. A primeira aparição

pública de Jaco com o Baker’s Dozen foi no Vizcaya Museum and Gardens. Na

platéia havia um jovem guitarrista chamado Pat Metheny, que já ouvira falar de Jaco

graças a um amigo que o havia visto em um show com o C.C. Riders. Duas semanas

após esse show, Metheny e Jaco estavam tocando juntos na orquestra de Peter Graves.

Esse encontro entre os dois traria frutos em breve.

Em janeiro de 1973, Jaco, Tracy e Mary se mudam para um pequeno

apartamento sobre uma lavanderia em Hollywood, Florida5. Vizinho ao apartamento

deles vivia o pianista francês Alex Darqui, um amigo de Jaco que se tornaria um

grande parceiro composicional durante esse período. Jaco e Darqui sempre tocavam

juntos. (MILKOWSKI, 2005, p. 51)

Ira Sullivan e o baterista Bobby Economou se juntaram a essas jams e o grupo

começou a se apresentar no Lion’s Share. O público era basicamente formado de

jovens músicos e estudantes da Universidade de Miami.

Essa fase em que Jaco vivia sobre a lavanderia será narrada em mais detalhes

no capítulo seguinte, pois foi a época em que “Havona” foi composta. Além desta, 5 Não confundir com a Hollywood do cinema, pois está fica em Los Angeles, Califórnia. A Hollywood de que falamos é uma cidade no estado da Flórida que fica a 32 km de Miami, e a 15 km de Fort Lauderdale, a cidade em que ele morava até então.

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também foram compostas “Las Olas”, “Ballon Song”, “71+”, “Kuru”, “Continuum”,

“Opus Pocus” e “(Used to Be a) Cha Cha”. Muitas delas faziam parte do repertório do

grupo no Lion’s Share, além de músicas de Sullivan e standards.

Foi também nessa época (segundo Economou) que Jaco teve seu primeiro

contato com a bebida, mas de forma geral ele continuava preocupado apenas com a

música, a família e os esportes. O álcool ainda estava longe de ser um vício.

Em outubro de 1973, nasce John Francis Pastorius IV, e Jaco começa a buscar

melhores oportunidades de trabalho. Em dezembro a banda termina sua temporada no

Lion’s Share. No mês seguinte ele sai em turnê com Mickey Rooney (ator e cantor) e,

em seguida, com o Lou Rawls (cantor), que o demite por estar chamando demais a

atenção. Ele continuava tocando com a orquestra de Peter Graves enquanto não estava

em turnê.

Além de Alex Darqui, Pat Metheny e Ira Sullivan, Jaco também entra em

contato nessa época com muitos músicos que contribuíram para seu desenvolvimento:

o guitarrista Joe Diorio, que lhe apresenta o livro Thesaurus of Scales and Melodic

Patterns de Nicolas Slonimsky (livro que também foi uma grande fonte de inspiração

para John Coltrane, entre outros), o pianista Paul Bley, o guitarrista Randy Bernsen, o

percussionista Don Alias e o tocador de steel drums Othello Molineux, que se tornou

um grande amigo de Jaco e tocaria em sua big band no futuro.

As Primeiras Gravações e Jaco Pastorius

Ao voltar da turnê com Lou Rawls, Jaco decide gravar as suas composições.

Em março de 1974 ele entra no Criteria Studios em Miami acompanhado de Alex

Darqui (piano), Bobby Economou (bateria), Don Alias (percussão) e Othello

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Molinoux (steel drums) e grava “Kuru”, “Havona”, “Continuum”, “Balloon Song” e

“Opus Pocus”.6

Nesse mesmo ano, Jaco voltaria mais duas vezes ao Criteria Studios. Para a

gravação da trilha sonora de um filme de terror chamado Blood Stalkers (dirigido por

Robert W. Morgan) e na gravação da música “I Can Dig It Baby” no LP Party Down

do cantor e guitarrista de R&B Willie “Little Beaver” Hale.

Ainda em 1974, o apartamento onde Jaco e sua família moravam é vendido e

eles são obrigados a se mudar. Então ele decide ir para Nova York em busca de um

melhor reconhecimento profissional. (MILKOWSKI, 2005, p. 63).

Em Nova York, ele toca durante um mês com Paul Bley (pianista), Pat

Metheny (guitarrista) e Bruce Ditmas (baterista). Esse grupo participa de uma

gravação no Blue Rock Studio, em junho de 1974. Essa gravação foi lançada dois

anos depois, pela gravadora de Bley (Improvising Artists Label) com o título de Jaco.

Bley obviamente estava querendo se aproveitar da imagem de Jaco para vender o LP,

já que nessa época ele estava no auge do sucesso com o Weather Report. Além do

trabalho com Bley, Jaco e Pat Metheny viajaram para Boston para tocar em trio com o

baterista Bob Moses em um pequeno bar próximo ao Berklee College of Music. Logo

após esse show, Jaco foi chamado para dar um workshop aos alunos de baixo da

faculdade.

Jaco e sua família voltam para Fort Lauderdale, morando temporariamente na

casa da mãe de Tracy. Lá, ele começa a lecionar na Universidade de Miami. Jaco era

um péssimo professor, pois não tinha paciência com seus alunos. Ele não gostava nem

um pouco de dar aula, fazia isso apenas porque tinha uma família para sustentar. De

6 Esta gravação de “Havona” é a faixa 5 do CD que acompanha este trabalho.

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20 alunos apenas um conseguiu tirar nota A, o guitarrista Hiram Bullock, que tocaria

com ele anos mais tarde.

No verão de 1975, ele vai para Boston para retomar o trio com Pat Metheny e

Bob Moses. Ao voltar para Fort Lauderdale, ele conhece o produtor Bobby Colomby.

Colomby era baterista da banda Blood Sweet and Tears e, graças ao grande sucesso da

banda, tinha um acordo com Steve Popovich, da Epic Records. Qualquer artista que

Bobby quisesse produzir seria lançado por Steve.

Mas a princípio a idéia de gravar o LP solo de um baixista pareceu absurda

para Steve Popovich, então Colomby levou Jaco até Nova York para tocar para

Popovich e Jim Tyrell (chefe de marketing da Epic), que por coincidência também era

baixista.

Jaco assina com a Epic Records em 15 de setembro de 1975. Ele pára de dar

aulas na Universidade de Miami e se concentra na gravação de seu primeiro LP.

Intitulado simplesmente Jaco Pastorius, o LP conta com a participação de grandes

músicos como Herbie Hancock, Michael e Randy Brecker, Narada Michael Waden, o

futuro companheiro de Weather Report Wayne Shorter e a dupla de cantores de soul

Sam & Dave. Além dos músicos que já haviam tocado com Jaco, como Othello

Molinoux, Bobby Economou, Don Alias e Peter Graves.

O LP é lançado em agosto do ano seguinte e causa um grande impacto entre os

baixistas da época. Segundo Neil Stubenhaus (professor da Berklee), logo após o

lançamento desse LP, ele teve um grande influxo de alunos de baixo. As aulas da

faculdade durante esse período consistiam em analisar a gravação de Jaco para tentar

entender o que ele estava fazendo.

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Em dezembro de 1975, logo após ter terminado a gravação de Jaco Pastorius,

ele participa da gravação da música “Portrait of Sal la Rosa” de Ira Sullivan e viaja

para a Alemanha para fazer a gravação do LP Bright Size Life, de Pat Metheny.

No Weather Report

Em 1976, Jaco é convidado por Joe Zawinul para entrar no Weather Report.

Os dois já se conheciam desde 1974 quando a banda tocou no Gusman Theatre em

Miami, na turnê do LP Mysterious Traveller. Jaco tocou na abertura feita pela big

band da Universidade de Miami (no repertório estavam duas músicas suas “Domingo”

e “Amelia”), mas devido a um atraso do Weather Report, eles não chegaram a vê-lo

tocar.

Porém, após o show, Jaco se encontrou com Zawinul fora do teatro. O diálogo

entre eles foi algo assim:

Jaco: Mr. Zawinul, eu estava no show hoje. Tenho acompanhado a sua música

desde Cannonball Adderley, e gosto muito dela.

Joe: Legal, o que você quer?

Jaco: Eu só queria dizer que tenho sido um fã seu por muitos anos. Meu pai

era fã de Cannonball, e eu gostaria de tocar para você algumas músicas minhas.

Joe: Ahn...qual é o seu nome?

Jaco: Meu nome é John Francis Pastorius III, e sou o melhor baixista do

mundo.

Joe: Saia já daqui! (MILKOWSKI, 2005, p. 85)7

7 A tradução deste diálogo foi feita pelo autor desta monografia.

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Zawinul queria se livrar logo daquele jovem baixista, mas ele era persistente.

Uma jornalista ali presente o aconselhou a prestar atenção naquele baixista apesar de

seu jeito estranho, então ele pediu uma fita demo para Jaco.

No dia seguinte Jaco levou para Zawinul uma cópia da gravação feita no

Criteria Studios com Alex Darqui, Bobby Economou, Othello Molineaux e Don Alias.

Zawinul gostou muito do que ouviu, especialmente de “Continuum”. Mas na

época a banda já tinha um ótimo baixista (Alphonse Johnson) e não estava nos planos

de Zawinul mudar de baixista no momento.

Eles continuaram se correspondendo por cartas até que, no final de 1975,

durante a turnê de Tale Spinnin, Alphonse Johnson anunciou que iria deixar a banda

para formar um novo grupo com o baterista Billy Cobham e o tecladista George Duke

(o grupo é o CBS All-Stars, do qual também faziam parte o guitarrista Steve Khan e o

saxofonista Tom Scott).

O Weather Report estava no meio da gravação do álbum Black Market quando

Johnson saiu. Jaco foi convidado para fazer um teste, que consistia na gravação da

música “Cannonball”, composta por Zawinul em homenagem ao saxofonista

Cannonball Adderley, que havia falecido em agosto daquele ano.

Segundo Narada Michael Waden (baterista que participou da gravação), Jaco

estava querendo impressionar Joe Zawinul na passagem da música, tocando de forma

muito complexa. Mas Joe disse para ele não colocar tantas notas e tocar de forma mais

melódica, o resultado é o que ouvimos no álbum.

Além de tocar em “Cannonball”, Jaco também contribuiu com uma

composição sua, chamada “Barbary Coast”, para o LP.

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Black Market foi lançado em março de 1976 e a turnê de divulgação começou

em abril com um show no Hill Auditorium em Ann Arbor, Michigan. Em julho, a

banda se apresentou no Montreux Jazz Festival.

Esse ano foi intenso para Jaco Pastorius. Além de sua entrada no Weather

Report e do lançamento do LP Black Market, também foi o ano de lançamento do LP

Bright Size Life de Pat Metheny e de seu LP solo Jaco Pastorius (lançado em agosto,

quando ele já fazia parte do Weather Report).

No mesmo ano, Jaco ainda participou da gravação do LP All-American Alien

Boy, do rockeiro inglês Ian Hunter, do LP Hejira, da cantora Joni Mitchell, e do LP

Land of Midnight Sun, do guitarrista Al Di Meola.

Além disso, antes de entrar para o Weather Report, ele havia passado alguns

meses tocando no Blood, Sweet and Tears, substituindo Ron McClure. Foi durante

essa turnê que ele conheceu Mike Stern, guitarrista da banda na época.

No ano seguinte, o Weather Report lançou o LP Heavy Weather. O impacto da

entrada de Jaco na banda pode ser percebido de forma muito mais profunda nesse LP

do que no anterior. A começar pelo fato de ele ter contribuído com duas composições

suas, “Teen Town” e “Havona”.

Nessas duas músicas o baixo tem um papel de destaque. Na primeira o baixo é

o solista tendo o resto da banda o acompanhando tanto na intrincada melodia quanto

no improviso. Enquanto que em “Havona” a linha de baixo é um intrincado

contracanto melódico e o solo de baixo uma rara mistura de virtuosismo e lirismo.8

A presença de Jaco se impunha também nas músicas de Joe Zawinul e Wayne

Shorter. Em relação às composições do primeiro, a faixa de abertura “Birdland” traz o

uso de harmônicos artificiais por Jaco, que já chamam a atenção logo de início. Na

8 Essa gravação de “Havona” se encontra na faixa 6 do CD que acompanha este trabalho, e uma análise detalhada dela será feita no capítulo seguinte.

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seqüência, a balada “A Remark You Made” nos traz a habilidade de Jaco de tocar o

fretless como se fosse uma voz, alias Zawinul fez essa música pensando justamente

nessa sonoridade de Jaco. Em “Harlequim” Jaco possui uma presença um pouco

menor do que nas músicas já citadas, mas mesmo assim sua linha se sobressai

bastante, especialmento no momento em que ele toca acordes da região aguda do

instrumento.

Já em relação às composições de Shorter, na música “Palladium” o groove

feito por Jaco tem um papel fundamental na música, funcionando como um

contracanto. E em “The Juggler” Jaco atua de forma mais sutil, dobrando a melodia

em alguns momentos, tocando notas longas em outros, seguindo o caráter minimalista

da música.

Além disso, ele trabalhou na produção do álbum junto com Zawinul, o que não

havia acontecido até aquele momento com nenhum outro músico que passou pela

banda. Essa parte da produção nas mãos de Jaco teve forte influência na sonoridade do

álbum. Na resenha do álbum feita por Neil Tesser, da revista Down Beat, o crítico diz

que a banda nunca havia usado o estúdio como um instrumento como nesse LP.

(MILKOWSKI, 2005, p. 97)

O disco teve um êxito comercial muito maior do que o anterior, chegando à

marca de 400 mil cópias vendidas no verão de 1977. O sucesso foi seguido com

diversas premiações, sendo elas: o álbum do ano na revista Down Beat, álbum número

um na lista escolhida pelo público da revista polonesa Jazz Forum, álbum do ano e

grupo do ano na revista Playboy e disco de prata na revista japonesa Swing Jornal.

Nesse ano, Jaco também participou da gravação dos LPs Don Juan’s Reckless

Daughter, de Joni Michell, I’m Fine, How Are You?, de Airto Moreira, e Trialouge-

Live!, do trombonista alemão Albert Mangelsdorff.

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O mesmo ano marca o fim do casamento de Jaco com Tracy e o início de sua

relação com a mulher que viria a ser sua segunda esposa e mãe de dois de seus filhos,

Elisabeth Ingrid Hornmüller.

O enorme sucesso de Heavy Weather trouxe consigo uma enorme pressão

sobre Jaco, e foi justamente nessa época que ele começou a beber exageradamente e a

usar cocaína. Pat Jordan conta um incidente que aconteceu durante a turnê desse

álbum:

Uma noite, após um show, Zawinul estava bebendo vodka no camarim da banda, como de costume. Ele ofereceu para Jaco. Jaco recusou. Zawinul insistiu e Jaco tomou seu primeiro drink, depois o segundo. “Ele ficou estranho após dois drinks” disse Zawinul. “Ele começou a falar coisas. Eu percebi naquele momento que havia cometido um erro”.

(MILKOWSKI, 2005, p.100)9

Jaco já havia tido um contato anterior com a bebida, mas foi nesse período que

começou a usá-la de forma abusiva, o que lhe traria sérios problemas futuramente.

Em 1978, o Weather Report lançou o álbum Mr.Gone que consiste em um

grande experimento de timbres feito por Joe Zawinul. Em uma época pré-MIDI é

impressionante o trabalho feito pelo tecladista. A presença de Jaco nesse LP fica um

pouco obscurecida pelo uso de baixo sintetizado por Zawinul. Mas mesmo assim, Jaco

traz sua forte presença em duas composições suas: a virtuosa “Punk Jazz” e a dançante

“River People”.

O LP ficou bem longe em termos comerciais de seu antecessor, recebendo

críticas severas, como a resenha de uma estrela na revista Down Beat (o LP anterior

teve cinco estrelas).

9 A tradução deste trecho foi feita pelo autor desta monografia.

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No mesmo ano Jaco também participou da gravação dos LPs Intimate

Strangers, de Tom Scott, Sunlight, de Herbie Hancock, e Everyday Everynight, de

Flora Purim. E foi eleito tanto pelo público como pelos críticos como o melhor

baixista do ano pela revista Down Beat.

Em fevereiro de 1979, o Weather Report fez uma viagem para Havana, onde

eles fizeram parte da histórica Havana Jam, onde ocorreram os primeiros concertos de

artistas americanos em Cuba após a Revolução Cubana. Durante essa temporada em

Havana, Jaco também fez um show em trio com John McLaughlin na guitarra e Tony

Williams na bateria.

Intitulado de Trio of Doom, o power trio prometia ser uma grande sensação no

universo fusion, eles ensaiaram em Nova York e tudo estava ótimo, mas o que

aconteceu no show foi algo muito diferente do esperado.

A banda ia tocar apenas três músicas, sendo uma de cada um dos integrantes.

A música que abriu o show foi “Dark Prince” de McLaughlin. Essa música é um blues

em C menor, e o que aconteceu foi que Jaco começou a tocar sobre A maior em um

volume extremamente alto. Isso não tinha nada a ver com o que eles haviam ensaiado,

e McLaughlin estava desesperado ao ouvir o que Jaco fazia com sua música. Na

música seguinte, “Para Oriente” de Williams, Jaco fez o mesmo que havia feito na

anterior, e ao chegar a sua vez começou a fazer malabarismos com o baixo à la Jimi

Hendrix.

O show foi um completo fiasco, logo após o fim, Jaco foi falar com

McLaughlin, que lhe disse que aquilo foi a pior coisa que ele já havia ouvido e que

nunca havia sentido tanta vergonha em estar no palco ao lado de uma pessoa como

naquele dia.

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Tony Williams não disse nada para Jaco no dia. O trio foi chamado para gravar

as músicas desse show em um estúdio (a CBS queria lançar a gravação feita do show,

mas os músicos não permitiram, então gravar em estúdio foi a solução), e foi aí que

ele explodiu, teve uma séria discussão com Jaco, entrou dentro do estúdio quebrou

toda a sua bateria e saiu.

Algo estava muito diferente em Jaco, o uso das drogas misturado ao efeito

emocional do fim do seu primeiro casamento e a pressão de fazer parte de uma das

maiores bandas do mundo o haviam deixado perturbado de uma forma muito grande.

Esse fiasco foi só um primeiro sintoma de uma série de atitudes autodestrutivas que se

seguiriam no decorrer dos anos.

A atuação do Weather Report com certeza foi muito melhor do que a do Trio

of Doom, e foi registrada em dois LPs, Havana Jam (lançado em junho de 1979) e

Havana Jam 2 (lançado em novembro de 1979).

No mesmo ano o Weather Report lançou o LP duplo 8:30, gravado ao vivo

entre outubro de 1978 e fevereiro de 1979. O álbum mistura músicas dos LPs Heavy

Weather e Black Market com músicas anteriores a entrada de Jaco, como “Scarlet

Woman”, do LP Mysterious Traveler. O famoso solo de Jaco, “Slang”, também faz

parte desse LP.

Além da gravação ao vivo o álbum também possui três músicas inéditas

gravadas em estúdio, “Brown Street”, “Sightseeing” e “The Orphan”.

Jaco e Ingrid se casam em julho de 1979, no mesmo ano ele tocou com Joni

Mitchell durante a turnê do disco Shadows and Light e foi eleito novamente o melhor

baixista do ano pela Down Beat.

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Em fevereiro de 1980, Jaco assinou um contrato com a Warner Bros. Para

lançar um LP solo, ainda sem nome, que viria a ser o Word of Mouth. Esse contrato

gerou uma série de discussões com a gravadora de seu primeiro LP, a Epic.

As gravações de seu projeto solo começaram em agosto de 1980, e por sete

meses Jaco ficou viajando entre Miami, Los Angeles e Nova York para completar as

gravações.

No mesmo ano o Weather Report gravou o LP Night Passage. Nesse LP, Jaco

apresenta uma de suas composições mais complexas, “Three Views of a Secret”, que

seria gravada mais tarde por sua big band. E Jaco é novamente eleito novamente o

melhor baixista do ano pela Down Beat.

Em 1981, durante uma turnê japonesa com o Weather Report, Jaco repetiu um

comportamento muito semelhante ao que havia feito em Havana com McLaughlin e

Williams.

Peter Erskine conta que Jaco estava tocando normalmente e, de repente

começava a bater no baixo e tocar notas totalmente fora da música, depois voltava a

tocar dentro da música por algum tempo, mas não demorava muito e já saía da música

novamente.

Ele estava totalmente fora de si. Nesse período ele estava se drogando cada vez

mais e seu casamento com Ingrid não ia nada bem, eles estavam sempre brigando, o

que só fazia Jaco ir mais fundo no vício.

Após esse incidente, Zawinul estava decidido e demiti-lo da banda. Porém,

após um pedido de desculpas de Jaco ele resolveu dar mais uma chance para o

baixista. O show do dia seguinte foi um completo sucesso entre os críticos e o público.

Os críticos concordaram em não escrever nada sobre o primeiro show, mas nada

poderia apagar o que havia acontecido.

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Saindo do Japão, o Weather Report retornou para os EUA para tocar no

Playboy Jazz Festival, em junho de 1981. No mês seguinte eles entraram em estúdio

para gravar o LP Weather Report.

A atuação de Jaco nesse álbum é bastante reduzida comparada aos outros.

Nenhuma das composições é de sua autoria e pela primeira vez desde Heavy Weather

ele não participou da produção do LP junto com Zawinul. Em parte essa atuação

reduzida se deve ao fato de Jaco estar mais concentrado em seu projeto solo do que na

banda. E é justamente para poder se dedicar totalmente a esse projeto que Jaco deixa o

Weather Report no final de 1981.

Word of Mouth

O novo projeto de Jaco era algo que exigia bastante dele, liderar uma big band,

a qual ele havia dado o nome de Word of Mouth. Como já foi dito, as gravações se

iniciaram em agosto de 1980.

Jaco utilizou algumas técnicas de gravação nada usuais. Em “Crisis”, por

exemplo, a única coisa que todos os músicos ouviam ao gravar era a linha de baixo e

tinham que improvisar livremente sobre essa linha. E em alguns momentos ele soltava

a gravação de algum outro instrumento por alguns compassos e logo retirava para ver

a reação do músico que estava gravando a esse tipo de estímulo.

Esse tipo de experimento no estúdio, apesar de ser bastante interessante de um

ponto de vista artístico, não era visto com bons olhos pela gravadora, por ser muito

caro. De modo geral toda essa gravação foi extremamente cara para a Warner. Essa

questão financeira unida ao comportamento abusivo de Jaco, que costumava chegar

bêbado nas reuniões com a gravadora, deixaram os executivos da Warner em dúvida

se deveriam lançar mesmo o LP. (MILKOWSKI, 2005, p. 127)

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Eles esperavam músicas com uma característica pop como “Birdland”, que

fizesse sucesso com o público de pop e rock, mas que tivesse a credibilidade do jazz.

Mas o que Jaco deu a eles foi “Crisis”. Uma música que estava longe de ser comercial.

Apesar de todos os imprevistos, o álbum Word of Mouth foi lançado no verão

de 1981 e teve uma ótima repercussão com a crítica e com o público, chegando a

ganhar um disco de ouro no Japão e sendo considerado o melhor disco de jazz do ano

pelos críticos japoneses.

A primeira apresentação pública da big band10 aconteceu no bar Mr.Pip’s, em

Fort Lauderdale, no dia do aniversário de 30 anos de Jaco. Essa gravação seria lançada

após a sua morte com o título de The Birthday Concert.

Em janeiro do ano seguinte (1982), a big band começou a fazer uma turnê

pelos EUA, passando por São Francisco, Los Angeles e Nova York. No mesmo ano,

Ingrid (a segunda esposa de Jaco) deu a luz a gêmeos. Mas a mãe mal deixava ele

chegar perto das crianças, por causa de seus vícios com a bebida e as drogas. Isso o

deprimia bastante, e essa depressão o levava a se drogar cada vez mais.

No verão de 1982, Jaco deixou a sua família em Fort Lauderdale e foi para

Nova York para organizar a turnê japonesa de sua big band. Durante esse período ele

ficou hospedado na casa do guitarrista Mike Stern.

Stern nesse momento também estava indo fundo no uso de drogas, o que só

incentivava Jaco e não deixar o vício. Além disso, o apartamento de Stern ficava sobre

um bar chamado 55 Grand, mas que era mais conhecido como “55 Grams” pelos seus

freqüentadores por causa do alto consumo de cocaína dentro do bar. Muitos músicos

10 Durante esse período a big band era composta por: Peter Erskine na bateria; Don Alias, Bobby Thomas Jr. e Oscar Salas na percussão; Brian O’Flaherty, Kenny Faulk, Brett Murphey e Melton Mustafá nos trompetes; Dan e Neal Bonsanti, e Gary Lindsay nos saxofones; Peter Graves, Russ Freeland e Mike Katz nos trombones; Peter Gordon e Steve Roitstein nos french-horns; Dave Bargeron no trombone e na tuba; Randy Emerick no saxofone barítono; Othello Molineaux e Paul Hornmüller nos steel pans; e os solistas Michael Brecker, Bob Mintzer e Jaco.

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de jazz iam para esse bar e aconteciam jams todos os dias. A rotina de Jaco durante

esse período era de tocar com Stern em seu apartamento de dia e no bar de noite.

Após sua temporada com Stern, Jaco embarca com sua big band para o Japão.

Durante essa turnê11, Jaco apresentou diversos comportamentos que foram vistos com

estranheza pelos membros da banda. Como tirar as roupas e correr nu pelo palco, ou

ficar pintando o rosto e o baixo com canetas coloridas (Magic Makers).

Durante um dos shows ele atirou seu baixo na baía de Hiroshima, o que lhe

rendeu a capa de todos os jornais em Tóquio.

Na volta da turnê japonesa, Jaco foi internado por Ingrid e por seus amigos

mais próximos no hospital psiquiátrico Coral Ridge, onde permaneceu por uma

semana.

Saindo de sua estadia forçada no hospital psiquiátrico, ele começou a fazer os

preparativos para uma turnê européia de uma versão reduzida da big band. Nessa

turnê, seus comportamentos estranhos se repetiram. Em um show para vinte mil

pessoas na Itália ele saía do palco a toda hora, deixando os membros de sua banda

perdidos. E quando estava no palco xingava a platéia e tocava coisas totalmente fora

do contexto em um volume extremamente alto e com o baixo desafinado.

Em 1983, Jaco iniciou um outro projeto, intitulado Holiday For Pans. No qual

a principal atração era seu amigo tocador de steel pans Othello Molineux.

Esse projeto foi rejeitado pela Warner pelo fato da gravadora não ver um

retorno financeiro nele. Nesse momento, Jaco se desligou da gravadora e seguiu em

frente com o projeto gravando por conta própria.

11 Essa turnê foi registrada nos LPs Twins I & II e Invitation.

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No mesmo ano Jaco também participou da gravação do LP Nightfood do

baterista Brian Melvin. E formou um sexteto com integrantes da big band para

apresentações em locais menores.

Os Anos Finais

A partir desse momento, todos os shows em que Jaco participou estavam sujeitos ao

fracasso graças a seu tipo de comportamento. No ano de 1984, Jaco tocou com seu

sexteto no Playboy Jazz Festival e participou como convidado especial da turnê

japonesa da orquestra de Gil Evans.

Em ambos os casos o resultados não foram dos melhores. Evans cita que o

comportamento de Jaco era totalmente imprevisível. Em alguns dias estava calmo e

tocava maravilhosamente bem. Já em outros ele levava o show a um total fracasso.

No final desse ano ele conheceu Teresa Nagell, que foi a última mulher com

quem manteve um relacionamento. Nesse mesmo período, ele e o baterista Rashied

Ali fizeram uma turnê pelo Caribe, dando workshops e fazendo shows. Um desses

shows foi lançado em um bootleg japonês com o nome de Blackbird. A sintonia entre

os dois estava muito boa durante essa turnê, e o comportamento de Jaco estava mais

tranquilo.

Mas essa estabilidade não durou muito. Na turnê européia do LP Night Food

de Brian Melvin (em 1985), Jaco repetiu o mesmo tipo de comportamento que havia

tido anteriormente. Sobre essa turnê, Melvin diz o seguinte: “Essa primeira turnê foi

um completo desastre; ela foi classificada nos jornais locais como entre os piores

concertos de jazz que já haviam acontecido” (MILKOWSKI, 2005, p.187).

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Nesse mesmo ano, seu divórcio com Ingrid se oficializou. E ele participou da

gravação de um disco promocional do lutador Muhammed Ali, que tinha o objetivo de

juntar fundos para combater a fome. Mas esse disco nunca foi lançado.

Em maio de 1985, Jaco foi chamado para dar um workshop sobre composição

na Third Street Music School. Ele chegou ao local sem baixo ou amplificador, e

começou a tocar piano. Quando um espectador gritou para ele que tocasse baixo ele

respondeu mostrando seu dedo do meio para a platéia. Daí para frente a situação só

piorou, terminando com a chegada da polícia para afastá-lo do local.

Durante esse período Jaco causava bastante confusão pelos bares de Nova

York. Em muitos deles ele estava proibido de entrar, e essa situação apenas pioraria

com o tempo.

Ainda em 1985, ele é despejado de seu apartamento e passa a morar na casa de

amigos. Em setembro desse ano seu empresário consegue um contrato para a gravação

de uma videoaula intitulada Modern Electric Bass pela DCI vídeo. Para que tudo

desse certo durante essa gravação, o empresário deixou Jaco por três dias sob

vigilância total em um hotel para que ele não tivesse nenhum contato com drogas.

Essa videoaula constitui uma entrevista pelo consagrado baixista Jerry

Jemmott, que por sinal influenciou bastante Jaco. Ao final da entrevista/videoaula está

registrada uma performance de um trio formado por Jaco, John Scofield e pelo

baterista Kenwood Dennard12.

Com os bares se fechando cada vez mais para ele e o uso das drogas cada vez

mais acentuado em sua vida, Jaco chegou ao ponto de tocar no Washinton Square

Park a troco de esmolas.

12 Dennard já havia trabalhado com Jaco em sua big band e no sexteto Word of Mouth.

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Com exceção do Lone Star e do Seventh Avenue South, todos os bares da

cidade haviam vetado a presença de Jaco. Vários baixistas que copiavam o estilo

criado por ele arrumavam trabalho em diversos lugares, mas ele próprio estava restrito

a tocar apenas nesses dois lugares.

Em outubro, Jaco montou o PDB trio. Que era formado por ele, pelo guitarrista

Hiram Bullock (que havia feito aulas com ele no período em que lecionava na

Universidade de Miami) e pelo baterista Kenwood Dennard. Esse trio teve a sua

atuação restrita aos dois bares em que a entrada de Jaco era permitida.

Em 1986, Jaco vai para a Europa para tocar na turnê do guitarrista Bireli

Lagrene. Durante essa turnê, Jaco se manteve sóbrio por mais tempo e, com algumas

exceções, tocou excepcionalmente bem e não causou muita confusão.

Após a turnê, Jaco começou a negociar com a Blue Note Records uma possível

gravação de um trio que contaria com a presença de Lagrene e Dennard. Mas Jaco

rejeitou a oferta feita pela gravadora, por considerar que era muito pouco dinheiro

para um artista como ele.

Nesse período Jaco passava grande parte de seu tempo em uma quadra de

basquete pública. Em uma ocasião ele chegou a vender suas roupas na rua para

comprar umas cervejas para si mesmo, e para seus amigos que frequentavam essa

quadra.

Ele foi passando cada vez mais seu tempo nessa quadra, chegando a um ponto

em que podemos dizer que ele se mudou para essa quadra: ele fazia tudo por lá

durante o dia e era ali que dormia a noite (isso quando não passava a noite acordado).

O telefone de contato que Jaco dava para pessoas interessadas em marcar

algum show com ele, que não eram muitas nessa época, era o telefone público que

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ficava ao lado da quadra. E os seus “secretários” eram os companheiros das partidas

de basquete.

Em junho de 1986, o trio PDB fez sua última apresentação no Lone Star Café.

Os excessos de Jaco com a bebida haviam desmotivado totalmente os outros

integrantes a continuar com esse projeto.

O irmão de Jaco, Gregory Pastorius, havia sido avisado por Teresa dos

recentes comportamentos do baixista. E Gregory foi até Nova York conferir o que

estava acontecendo com ele.

Após seguir Jaco, sem que esse percebesse, Gregory viu o irmão tirar a roupa

no meio da rua, roubar a bebida de turistas e insultar todas as pessoas que passavam

por seu caminho.

Gregory então convenceu Jaco a passar um tempo em tratamento psiquiátrico

no Bellevue Hospital. A sua estadia nesse hospital, a princípio, seria por apenas um

fim de semana, mas acabou durando dois meses. Os médicos diagnosticaram síndrome

bipolar nele, o que explica suas mudanças de atitude drásticas de um momento para

outro.

Durante esse período, ele passava grande parte do tempo no telefone, ligando

para todas as grandes gravadoras tentando fechar um contrato, que seria seu retorno

triunfal. Mas nesse momento todas as portas estavam fechadas, devido ao

comportamento que havia tido anteriormente com a Warner.

A única vez que ele saiu do hospital durante esse período foi para fazer uma

mixagem de duas horas de seu projeto Holiday for Pans, no qual Jaco depositava

todas as esperanças de seu retorno aos holofotes. Porém esse projeto estava longe de

ser comercial, nenhuma gravadora se interessava por ele.

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Após sair do hospital Jaco foi morar em São Francisco, com o baterista Brian

Melvin, que mantinha uma vigilância severa sobre ele quanto a tomar as medicações

receitadas e não se drogar.

Jaco estava começando a melhorar, tinha voltado a levar o estilo de vida

saudável que levava antes de entrar para o Weather Report. Porém as brigas com

Teresa ficavam cada vez mais intensas. O ápice dessas discussões ocorreu quando ela

ficou grávida e resolveu abortar. O que Jaco não aceitava, mas ao mesmo tempo não

tinha condições de criar um filho. Todos os filhos que teve anteriormente haviam sido

criados praticamente apenas pelas mães.

Esse fato o deixou bastante deprimido, e logo voltou a beber e a se drogar. Em

novembro de 1986, Jaco voltou para Nova York, passando a morar no apartamento de

James Cannings. No mês seguinte ele voltou para a Europa com Bireli Lagrene para

promover o álbum Stuttgard Ária, do guitarrista, que havia sido lançado no mesmo

ano e contava com a participação de Jaco nas gravações.

Em janeiro de 1987, Jaco se mudou com Teresa para a cidade em que cresceu,

Fort Lauderdale. Os dois se hospedaram na casa da mãe de Jaco. Mas a partir desse

momento o relacionamento deles não durou muito.

Logo ele começou a repetir o mesmo tipo de comportamento que havia tido em

Nova York, dormindo na rua, bebendo e arrumando confusão. Em uma dessas

aventuras ele foi preso por estar dirigindo um carro roubado.

Durante sua estadia na cadeia ele teve a sorte de contar com a ajuda de dois

antigos amigos de escola, que também eram seus fãs, para deixar os dias menos

tediosos. Eles traziam instrumentos e folhas de partitura para Jaco.

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Em um desses dias, ele deu um pequeno show, tocando clássicos de James

Brown, Sam&Dave e Creedance Clearwater Revival entre outros. Esse foi o último

show que ele fez em sua vida, tocando violão na cadeia para os presidiários e policiais.

Jaco deixou a prisão no dia 10 de setembro de 1987. Na madrugada do dia 12

de setembro ele entrou em uma briga com o segurança de um bar, que não queria

deixá-lo entrar no local.

Após essa briga Jaco entrou em coma, e no dia 21 de setembro teve morte

cerebral.

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1.2 Influências

1.2.1 Influências Gerais

Ao ser questionado em uma entrevista13 de 1977 quais baixistas o haviam

influenciado, Jaco cita Bernard Odum, Jerry Jemmott, Ron Carter e Gary Peacock.

Mas diz que a sua grande inspiração foram os cantores, pois eles tinham a habilidade

de fazer música de forma personalizada. Era essa personalidade que Jaco buscava ao

tocar baixo e certamente atingiu uma maneira muito própria de tocá-lo.

Em outra entrevista14 ele cita, entre os cantores, Frank Sinatra como sendo sua

principal influência. Pois, segundo ele, Sinatra cantava em uma região barítono/tenor

existente no baixo. Ele continua dizendo que, quando faz uma melodia15, ele se

concentra na qualidade de cada nota, para conseguir tirar o melhor som de cada uma

delas, não importando a velocidade em que é tocada.

Um exemplo bastante claro do uso do baixo fretless como uma voz está na

música “A Remark You Made” do LP Heavy Weather do Weather Report.

Outra grande influência de Jaco foi Charlie Parker. A música que abre seu

primeiro LP solo é “Donna Lee” de Parker, em um arranjo bastante inusitado de baixo

e congas (tocadas por Don Alias). Nessa música ele apresenta um virtuosismo nunca

visto antes na história do baixo elétrico. A influência de Charlie Parker se mostra

bastante presente em músicas como “Punk Jazz” do LP Mr.Gone e “Teen Town” do

LP Heavy Weather, entre outras.

Em uma entrevista cedida à revista Down Beat em 1977, Jaco diz que nunca

havia ouvido alguém tocar uma música como essa no baixo, sem estar acompanhado

13 Entrevista feita por Jullye Corryel, que foi lançada posteriormente em seu livro Jazz-Rock Fusion – The People, The Music (1978). Obtida no site www.jacopastorius.com 14 Entrevista feita por Steve Rosen em 1978. Obtida no site www.jacopastorius.com 15 Nesse caso a palavra melodia também compreende, além das melodias (temas) propriamente ditas, os solos e os acompanhamentos (vistos por ele como contrapontos melódicos).

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de um instrumento harmônico. A principal dificuldade está em deixar a harmonia

implícita à melodia, de forma que ela possa ser ouvida claramente. Não estamos

falando do uso de acordes, mas sim de uma melodia que apresenta tão claramente a

harmonia que o acompanhamento harmônico deixa de ser necessário (MILKOWSKI,

2005, p. 77).

Essa é uma qualidade que os grandes saxofonistas têm. Além do já citado

Parker, ele também cita Wayne Shorter, Sonny Rollins, Ira Sullivan e o pianista

Herbie Hancock como músicos que possuem essa habilidade melódica e o

influenciaram nesse aspecto.

Outro saxofonista que o influenciou foi John Coltrane, principalmente com a

música “Giant Steps”, que é tocada por Jaco no LP ao vivo Invitation (1982), em um

medley com “Reza”. E também em seu projeto Holliday for Pans, do mesmo ano,

com Othello Molineux fazendo a melodia no steel drums.

Maiores detalhes sobre essa influência serão dados na análise de “Havona”, no

capítulo seguinte. A harmonia de Coltrane baseada em ciclos de terças é uma das

influências nessa música. Na verdade havia uma influência comum aos dois, que era o

livro Thesaurus of Scales and Melodic Patterns de Nicolas Slonimsky.16

O já citado pianista/tecladista Herbie Hancock foi uma grande influência para

Jaco. Segundo Alex Darqui (também pianista), após ouvir o LP Fat Albert Rotunda17,

de Hancock, Jaco ficou impressionado ao ponto de comprar um Fender Rhodes para

deixar na casa de Darqui (os dois eram vizinhos, e Jaco tinha acesso livre para o

apartamento do amigo) (MILKOWSKI, 2005, p.51).

16 Publicado em 1947, o livro circulou pela mão de vários músicos de jazz no meio dos anos 50. Em seu livro John Coltrane: His Life and Music (p.149), Lewis Porter mostra que o padrão melódico dos oito últimos compassos de “Giant Steps” são praticamente iguais ao primeiro exemplo da página 40 do livro de Slonimsky, porém transpostos uma quinta acima. 17 Uma versão da música “Wiggle Waggle”, que pertence a esse LP de Hancock, pode ser encontrada no CD Portrait of Jaco: The Early Years 1968-1978 lançado em 2003.

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Herbie participou ativamente do primeiro LP solo de Jaco. Além de tocar em

praticamente todas as músicas, ele também contribuiu com sua composição “Speak

Like a Child”, que aparece em um medley com “Kuru” de Jaco. Outro destaque na

atuação de Herbie é a música “Forgoten Love”.

Na entrevista18 cedida a Jerry Jemmott em 1985, Jaco cita Charles Mingus

como uma influência. Porém ele o teria influenciado mais como compositor do que

como baixista. Mingus era líder de uma big band, o que era algo bastante incomum

para a época. Ele foi um baixista que ultrapassou a função de seu instrumento e, além

de fazê-la muito bem, também compôs, arranjou e liderou um grupo de músicos.

Foi exatamente o que Jaco fez em sua big band, Word of Mouth, e de certa

forma em toda a sua carreira. A começar pela composição “Domingo”, passando pelos

arranjos de cordas de seu primeiro LP solo e por sua grande influência na produção

dos LPs do Weather Report. Jaco sempre foi bem mais do que um excelente

instrumentista, mas na maioria das vezes ele ainda é lembrado apenas como um

virtuose do baixo, o que sem sombra de dúvida deve ser lembrado, porém sem nos

esquecermos de suas qualidades como compositor, arranjador e produtor.

Saindo do jazz e entrando no rock, temos uma grande influência para Jaco, que

foi Jimi Hendrix. As músicas “Purple Haze” e “Third Stone from the Sun”, de

Hendrix, eram tocadas frequentemente em seus solos na época do Weather Report em

meio a músicas que teoricamente não teriam muita ligação com elas, como as já

citadas “Donna Lee” e “Giant Steps” entre outras, levando ao extremo o conceito de

fusion (MILKOWSKI, 2005, p.91-92).

18 Essa entrevista foi feita em 1985 e faz parte da videoaula Modern Electric Bass. O entrevistador, Jerry Jemmott foi uma das grandes influências de Jaco, como veremos a seguir.

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A versão de Jaco para essas músicas pode ser encontrada no LP Heavy’n Jazz

(1986), em um medley entre as duas músicas e “Teen Town”. No mesmo LP, ainda há

uma versão do hino americano, tocado no baixo com distorção, claramente inspirada

na clássica versão do guitarrista.

Hendrix influenciou bastante a performance de Jaco no palco. Muitos críticos

repudiavam a atitude dele. Mas atitudes como jogar o baixo para cima e pegá-lo no ar

ou deslizar pelo palco enquanto solava19 chamavam a atenção de fãs de rock para os

shows da banda, que viam uma atitude parecida em Pete Townshend do The Who, por

exemplo. Isso gerava uma troca bastante positiva entre fãs de jazz e de rock.

Dentro da música erudita, podemos dizer que a maior influência para Jaco foi

Johann Sebastian Bach.

Na já citada entrevista cedida a Jerry Jemmott, Jaco enfatiza a importância dos

baixistas tocarem melodias. Segundo ele, quando você aprende a melodia, a sua

maneira de tocar baixo muda. Pois, depois de conhecer o que o outro instrumentista

irá tocar, você toca melhor a sua parte, preenche melhor os espaços e assim a melodia

e o baixo se completam um ao outro. Além de sempre haver a possibilidade da

melodia ser executada no baixo.

Jaco cita como exemplo, para ilustrar essa situação, um cânone de Bach, em

que a melodia e o baixo têm a mesma importância, sendo que os acordes se formam

entre eles. Essa visão contrapontística é fundamental para se compreender a sua obra.

Dois grandes exemplos de sua característica contrapontística estão nas

músicas “Havona” (que será analisada no capítulo seguinte) do LP Heavy Weather e

na versão do tema de Charles Mingus “Goodbye Porkpie Hat” gravada no LP Mingus

19 Na página 106 do livro The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius, Peter Erkisine (baterista que integrou o Weather Report) descreve como Jaco jogava talco sobre o palco, para poder deslizar melhor.

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da cantora Joni Mitchell: o contraponto entre voz e baixo é tão grande que o uso de

um instrumento harmônico entre os dois passa a ser um detalhe.

A música “Choromatic Fantasy”, de Bach, foi gravada no LP Word of Mouth.

Ao executar essa música em seu workshop na Berklee, em 1974, Jaco deixou

professores e alunos bastante abismados com as possibilidades técnicas no baixo

elétrico. Muitos deles eram puristas, que viam o baixo elétrico como um sucessor

“bastardo” do baixo acústico (MILKOWSKI, 2005, p.70).

Outra influência de Jaco é a música caribenha. As músicas de Cuba, Jamaica e

Trinidad e Tobago tiveram forte influência sobre sua forma de tocar. Em sua, já

citada, entrevista cedida a Julie Coryell, Jaco conta que sua família se mudou para a

Flórida quando ele tinha sete anos e, desde então, costumava ouvir bandas cubanas e

bandas de steel drums (instrumento de Trinidad e Tobago) com frequência.

A influência da música cubana fica clara em músicas como “(Used To Be A)

Cha-Cha”, cujo próprio nome já nos remete a um ritmo cubano.20

Em relação à música de Trinidad e Tobago, a influência maior está no contato

com Othello Molineux, que foi um grande amigo de Jaco e era oriundo deste país.

Jaco estava acostumado a ouvir as bandas de steel drums que tocavam para os turistas,

mas o que Othello fazia nesse instrumento era algo muito diferente disso, ele tocava o

instrumento de uma forma tão revolucionária quanto Jaco tocava o baixo. Um

exemplo está na citada versão de “Giant Steps”, com melodia e improvisos feitos no

steel drums (MILKOWSKI, 2005, p.61).

Jaco costumava tocar nos steel drums que Molineux tinha em sua casa. O

resultado dessa experiência pode ser ouvido na música “Palladium” do LP Heavy

Weather, em que Jaco toca o steel drums durante o solo de saxofone, que vai de 3’05’’

20 O ritmo em questão é o cha cha cha, para maiores informações sobre a ligação de Jaco com este ritmo ver página 126.

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a 3’55”. Uma relação interessante pode ser feita entre a sonoridade do steel drums e a

sonoridade dos harmônicos feitos por Jaco.

A sua relação com a música jamaicana, especificamente o reggae, começou na

época em que ele tocou em um cruzeiro, que atravessava as ilhas do Caribe, em 1971.

Quatro anos depois o reggae deixaria de ser uma música conhecida apenas localmente,

sendo divulgada por todo o mundo pela voz de Bob Marley. Uma versão de Jaco para

a música “I Shot the Sheriff” de Marley pode ser encontrada no LP Live in New York

City Volume 2 (MILKOWSKI, 2005, p. 35).

Outro músico que Jaco cita como influência é o multi-instrumentista nigeriano

Fela Kuti, que é considerado o criador do Afrobeat, um estilo que consiste na mistura

do jazz e do funk com o highlife e a música yorubá da África Ocidental

(MILKOWSKI, 2005, p. xxi).

Além dos músicos já citados, seus companheiros de Weather Report,

especialmente Joe Zawinul e Wayne Shorter, tiveram grande influência na formação

musical de Jaco.

Podemos dizer que o grande diferencial de Jaco em relação a outros baixistas

de sua época estava em tocar um baixo como se fosse outro instrumento, seja como

uma voz, um saxofone, um piano, uma guitarra ou um steel drums.

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1.2.2 Influência de Baixistas

Charles Brent (companheiro de C.C. Riders de Jaco) cita cinco baixistas que o

haviam influenciado durante a época em que tocaram juntos. Segundo ele, Jaco

passava bastante tempo ouvindo Bernard Odum e Charles Sherrell, dois baixistas que

haviam trabalhado com James Brown. Aliás, Jaco cita o próprio James Brown como

uma de suas grandes influências, tanto no aspecto da performance de palco, como no

aspecto musical propriamente dito (MILKOWSKI, 2005, p.41).

Bernard Odum21 fez parte da primeira banda permanente de Brown entre 1956

e 1959, época em que gravou hits como “Bewildered,” e “Think”. O seu estilo de

tocar era bastante baseado no baixo acústico. Em 1963, ele voltou a ocupar o cargo de

baixista na banda de Brown, onde permaneceu até 1968. Nesse período ele participou

da transição feita por Brown do soul para o funk. As músicas “I Got the Feelin” e “Got

to Getcha” são um bom exemplo de Odum nessa segunda fase, na qual o seu estilo

havia se tornado mais sofisticado.

“Sweet” Charles Sherell22, como é conhecido, começou tocando bateria (assim

como Jaco). Durante esse período como baterista fez parte de um trio de R&B

formado por ninguém menos que Jimi Hendrix na guitarra e Billy Cox no baixo. Ao

trocar a bateria pelo baixo ele tocou por um tempo com Aretha Franklin e, em 1968,

entrou para a banda de Brown, na qual permaneceu por dois anos. Com Brown gravou

músicas como “Mother Popcorn”, “The Payback” e “Funky Drummer”.

A influência desses dois baixistas em Jaco pode ser vista em músicas como

“The Chicken” e “Come On Come Over”.

21 As informações sobre Bernard Odum foram obtidas no artigo James Brown’s Bassist, disponível no site www.bassplayer.com. 22 As informações sobre Charles Sherrel foram obtidas no site: www.sweetcharlessherrel.com

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Charles Brent cita mais três baixistas que influenciaram Jaco: Tommy Cogbill,

Donald “Duck” Dunn e Jerry Jemmott23 (MILKOWSKI, 2005, p.41).

Cogbill trabalhou com Aretha Fraklin, Wilson Pickett, Elvis Presley e King

Curtis, entre outros. A sua linha de baixo da música “Funk Broadway”, de Wilson

Pickett é citada por Jaco24 como uma de suas influências no início de seus estudos.

Duck Dunn fez parte dos Blues Brothers, uma banda que fez bastante sucesso

na época, pois fazia parte de um programa de TV que misturava comédia e clássicos

do R&B e soul. Além disso ele também tocou com Albert King, Sam & Dave, Otis

Redding e Carla Thomas, entre outros.

Bill Milkowski cita a linha de baixo de Dunn no single “I Like It” de Carla

Thomas (1967) como uma influência que gerou o groove da música “Come On Come

Over”, de Jaco. Além disso, a sua linha na música “Soul Man” de Sam & Dave é

citada por Brent como uma das favoritas de Jaco (MILKOWSKI, 2005, p.41-42).

Antes de tratar sobre Jerry Jemmott, falarei um pouco sobre a fonte em comum

de todos esses baxistas, que foi James Jamerson. Jamerson foi o principal baixista da

gravadora Motown durante os anos 60. Ele desenvolveu um estilo único de tocar

baixo, que misturava o jazz com o R&B e é considerado o primeiro virtuose do baixo

elétrico.

Jamerson gravou com artistas como Stevie Wonder, Diana Ross, Marvin Gaye,

Four Tops, The Supremes, The Marvelettes, Smokey Robinson & the Miracles entre

outros (FRIEDLAND, 2005, p.10).

23 As informações dadas a seguir sobre esses três baixistas foram obtidas no livro The R&B Bass Masters, de Ed Friedland. 24 Essa citação da música “Funk Broadway” por Jaco ocorre na videoaula/entrevista Modern Electric Bass.

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Os baixistas de R&B de sua época costumavam a fazer linhas simples com a

utilização de mínimas e semínimas e com pouco desenvolvimento melódico,

geralmente tocando apenas a tônica e a quinta dos acordes. Jamerson logo se destacou

graças ao uso de passagens cromáticas, trechos em walking bass no estilo de Ray

Brown, colcheias e, com o desenvolver de sua carreira, semicolcheias sincopadas,

utilização de cordas soltas para mudanças de região e uso de notas fora da harmonia

de forma percussiva (ROBERTS, 2001, p. 74).

Jerry Jemmott desenvolveu o estilo de Jamerson, criando uma segunda geração

de baixistas de R&B, da qual Jaco faz parte.

Jemmott pode ser considerado o baixista que mais o influenciou. O fato de

Jemmott ter sido escolhido para ser o entrevistador na videoaula Modern Electric Bass

não foi uma coincidência, isso aconteceu graças à insistência de Jaco.

Sobre Jemmott, Jaco diz o seguinte:

Ele era meu ídolo. Aquele tipo gaguejante de linha de baixo, que vai circundando o tempo, mas mantém totalmente o groove... bem, não chamam Jerry de “mestre do groove” por acaso. Ele é o melhor.

(FRIEDLAND, 2005, p. 29)25

Jemmott participou de gravações com Aretha Franklin, George Benson, Carly

Simon, King Curtis e B.B. King entre outros. A semelhança entre os dois já começa

na escolha do instrumento. Os baixistas citados até agora utilizavam baixos Fender

Precision, enquanto que tanto Jemmott como Jaco, sempre utilizaram o modelo Jazz

Bass.

Jemmott costumava tocar entre os dois captadores, porém deixando o captador

da ponte com mais volume. O que Jaco fazia era tocar diretamente sobre o captador da

ponte, mas de uma forma ou de outra o principio é o mesmo. 25 A tradução deste trecho foi feita pelo autor desta monografia com a colaboração do orientador.

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O uso do Jazz Bass possibilita um maior virtuosismo pelo fato de seu braço ser

mais fino e seu som ser bem mais claro do que o som do Precision. Isso foi crucial

para o desenvolvimento do estilo de Jemmott e, consequentemente, de Jaco.26

Outra influência de Jemmott sobre Jaco está no uso das semicolcheias em seus

grooves. Brent cita que Jaco ouvia muito o trabalho de Jemmott no álbum Live & Well

de B.B. King. A música “Get Off My Back Woman”, deste LP é um bom exemplo

desse uso das semicolcheias por Jemmott (MILKOWSKI, 2005, p.41).

Outro baixista, que utilizava o modelo Jazz Bass, citado como influência por

Jaco em sua videoaula é Bootsy Collins, durante o período em que tocou com James

Brown. Bootsy tocou com Brown durante um curto período, de 1970 a 1971, mas

participou de gravações importantes como “Get Up (I Feel Like Being A) Sex

Machine”, “Soul Power” e “Superbad” (FRIEDLAND, 2005, p. 72).

Outro baixista citado por Jaco27, mas agora dentro do universo do jazz, é

Jimmy Blanton. Blanton foi o baixista da banda de Duke Ellington de 1939 a 1941.

Apesar desse curto período na banda, revolucionou a forma de tocar baixo. Não é uma

coincidência o fato da formação da banda de Ellington em 1940 ser considerada, por

muitos, a melhor de sua carreira. (BERENDT, 1987, p. 237-8).

Através dele, o baixo ganhou uma nova importância no jazz e arranjadores

passaram a usá-lo com mais destaque, e várias vezes como solista. Blanton

improvisava como se o baixo fosse um instrumento de sopro, algo que Jaco também

fazia em seus solos, porém de forma bastante diferente, devido á diferença de época e

estilo entre os dois. (HOBSBAWM, 2004, p.139).

26 Ver página 67. 27 (MILKOWSKI, 2005, p. xxi).

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Jimmy Blanton influenciou uma geração de baixistas, cujos principais nomes

são Oscar Pettiford, Ray Brown (que por sua vez influenciou Jamerson) e Charles

Mingus, que já foi citado como uma influência para Jaco (principalmente como

compositor). Esses baixistas formaram a base do baixo acústico no jazz. Influenciados

por eles, surgiriam anos mais tarde baixistas como Ron Carter e Gary Peacock, ambos

já citados como influência para Jaco (BERENDT, 1987, p. 238 e 241).

Da mesma forma que Blanton revolucionou o baixo acústico e Jamerson

revolucionou o baixo elétrico, Jaco construiu uma nova revolução sobre o que

Jamerson e Jemmott construíram no baixo elétrico, e ao mesmo tempo revolucionou o

uso do baixo fretless, como veremos no item 1.4.2 deste trabalho.

Dentro do rock também houve alguns baixistas que influenciaram Jaco. Em

sua videoaula, ele diz gostar bastante da forma como Paul McCartney tocava. Ele

também cita Harvey Brooks, baixista da banda Electric Flag.

Brooks é conhecido por ter participado da gravação do histórico LP Bitches

Brew, de Miles Davis. Esse LP, gravado em 1969, é considerado o marco inicial do

fusion e conta com a participação de músicos que alguns anos mais tarde tocariam

com Jaco, como John McLaughlin, Don Alias, Joe Zawinul e Wayne Shorter.

Os baixos são divididos entre Harvey Brooks e Dave Holland, sendo que na

maioria das músicas os dois tocam ao mesmo tempo. É a partir desse LP que o baixo

elétrico passa a ser mais utilizado dentro do jazz28.

28 O baixo elétrico já havia sido utilizado antes dentro do jazz. Um exemplo é o baixista Monk Montgomery, da banda de Lionel Hampton, que em 1952 já utilizava o instrumento recém lançado por Leo Fender. Porém Montgomery foi uma exceção entre os baixistas da época. O baixo elétrico era visto com maus olhos pelos músicos de forma geral. Mas quando se tratava de jazzistas a aversão ao instrumento elétrico era maior ainda. O fato de um jazzista de peso como Miles Davis começar a utilizar o baixo elétrico em sua música com certeza contribuiu para a divulgação do instrumento.

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Jaco ainda cita Bill Rich, em seu trabalho com o baterista Buddy Miles29, e Jim

Filder, da banda Blood, Sweet & Tears30, como influências.

29 Bill Rich participou da gravação de três LPs de Buddy Miles (baterista conhecido por seu trabalho com Jimi Hendrix). Além disso, também foi baixista do Taj Mahal Trio e atuou em diversas gravações. 30 A relação de Jaco com o Blood Sweet and Tears é grande, pelo fato de ter sido o baterista da banda, Bobby Colomby, quem “descobriu” Jaco e produziu seu primeiro LP.

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1.3 Técnicas

1.3.1 Mão Esquerda

Na videoaula Modern Electric Bass, Jaco mostra como desenvolveu sua

técnica de mão esquerda desde o início de seus estudos do baixo. Logo quando

começou a tocar baixo seu pai lhe disse para deixar a mão aberta colocando um dedo

em cada traste. Esse é um aspecto que pode parecer muito básico, mas sem ele todo o

resto do estudo de mão esquerda não se desenvolve.

Como exemplo para esse uso de um dedo por traste ele passa um exercício31

que consiste na escala cromática. Esse é um exercício fundamental para o

conhecimento do braço do instrumento. Além do fato de utilizar um dedo por traste,

ele utiliza, quando necessário, um recurso de esticar os dedos 1 e 4 e, tocar duas notas

seguidas com o mesmo dedo.

Essa passagem com o mesmo dedo ocorre do segundo para o terceiro

compasso (com o dedo 1), e do quarto para o último compasso (com o dedo 4), e tem

a função de impedir que a mão saia da posição.

Figura 1 - Escala Cromática

Tocando um baixo fretless a afinação é a coisa mais importante, pois uma nota

desafinada pode desencaminhar toda a banda. Jaco conta que seu segredo para tocar o

fretless afinado está em justamente não estudar nele, e sim em um baixo com trastes.

31 Tanto esse exemplo como outros a seguir foram obtidos no livro que acompanha a videoaula Modern Electric Bass. Os exemplos que pertencerem a outras fontes terão suas fontes especificadas.O mesmo se aplica aos comentários de Jaco sobre sua técnica.

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As cordas Rotosound com o uso vão gastando o braço do instrumento fretless,

que não possui nenhuma proteção entre as cordas e o braço. Para evitar esse desgaste

do braço, Jaco sempre utilizou seu baixo com trastes para estudar, utilizando o fretless

apenas em shows.

Porém ele estudava no baixo com trastes como se ele não tivesse os trastes, ou

seja, ele tocava em cima dos trastes, que é onde a nota se encontra no fretless. Jaco

afirma que estudar em um baixo com trastes dessa forma, e de maneira que o som saia

limpo, é mais difícil do que tocar um baixo sem trastes. Pois tocando em cima dos

trastes a probabilidade do instrumento trastejar aumenta bastante. Ele ainda diz que

esse posicionamento dos dedos sobre os trastes é o que tira o som mais limpo do baixo

com trastes, quando tocado devidamente.

Ele cita ainda que as marcações (de onde eram os trastes) em seu fretless o

ajudaram bastante a manter a afinação, principalmente em grandes saltos melódicos.

Um estudo fundamental para se ter uma boa afinação é o estudo de escalas e

arpejos. Jaco utiliza uma digitação aberta para ambos. O exemplo a seguir mostra essa

digitação na escala de dó maior, comparada à digitação fechada, que é a primeira

digitação que qualquer baixista aprende.

Figura 2 - Digitação Aberta e Fechada

A vantagem da digitação aberta está do fato de ela facilitar a execução de

frases rápidas, pois muitas notas são abrangidas na mesma posição.

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O exemplo abaixo mostra como, utilizando essa digitação, é possível ir do Dó

(na oitava casa da corda Mi) até um Sol uma oitava acima (na décima segunda casa da

corda Sol), formando um intervalo de décima segunda, sem que a mão saia da posição

inicial, o que não acontece no caso da digitação fechada.

Figura 3 – Digitação Aberta

Esse tipo de digitação é muito utilizado por guitarristas, mas a guitarra possui

um espaçamento entre as casas muito menor do que o do baixo. Para fazer esse tipo de

digitação no baixo é preciso ter uma boa abertura entre os dedos, ainda mais tocando

em um baixo fretless, onde a nota precisa ser tocada de forma muito precisa para que

não saia desafinada. O fato de Jaco possuir uma mão grande com certeza contribuiu

para a escolha desse tipo de digitação.

Os saltos melódicos são uma característica importante na forma de Jaco de

tocar, influenciado pelo fraseado de Charlie Parker. O exercício a seguir apresenta

uma maneira de tocar a escala de Dó maior em intervalos de sexta. Esse exercício

serve para treinar tocar em cordas alternadas o que não era muito utilizado pelos

baixistas da época.

Figura 4 – Padrão em Sextas

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Outra característica de Jaco é a de misturar diversos padrões rítmicos em suas

frases. O exemplo a seguir mostra um padrão de quintinas sobre dó maior.

Figura 5 - Quintinas

Os arpejos são, segundo Jaco, o mais difícil de se executar no baixo. Em um

piano eles são muito fáceis e naturais, porém no baixo tanto as aberturas como os

saltos de cordas contribuem para essa dificuldade. Jaco mostra uma maneira de tocar

os arpejos de forma mais fluída do que a tradicional, que é justamente o equivalente à

digitação aberta das escalas. Dessa forma a mão segue em um único movimento

ascendente e retorna em um único movimento descendente, sem que seja necessário

nenhum salto.

Figura 6 - Arpejos

Utilizando a digitação fechada, começando pelo dedo 2, seria inevitável que

houvesse um salto da primeira oitava para a décima, o que prejudica a fluidez do

arpejo. Além disso, esse tipo de digitação nos obriga a pensar em cada nota que

tocamos, e facilita muito o uso de escalas e arpejos em duas oitavas, que são cruciais

para a fluidez na improvisação.

Um bom exemplo da utilização de arpejos por Jaco está na sua versão da

música “Chromatic Fantasy” de Johann Sebastian Bach.

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No workshop realizado no Berklee College of Music em 1974, Jaco tocou essa

música e deixou tanto professores como alunos muito impressionados pela fluência

com que ele tocava uma melodia difícil como essa, que é repleta de arpejos. Esse tipo

de execução era muito incomum entre os baixistas da época. Muitos nem imaginavam

que o baixo elétrico podia possuir um grau de sofisticação tão elevado, e o viam como

um instrumento complementar e de menor importância comparado ao baixo acústico

(MILKOWSKI, 2005, p.69).

Frank Graves, um dos alunos de Jaco na Universidade de Miami, conta que a

primeira coisa que Jaco exigiu dos alunos foi que comprassem o método Dotzauer,

que é o método padrão no estudo de cello. O livro possuía três volumes e, segundo

Graves, o terceiro volume continha exercícios extremamente difíceis, que Jaco tocava

com muita facilidade (o que não acontecia com seus alunos) (MILKOWSKI, 2005, p.

71).

A escolha de um método de cello é bastante interessante pelo fato da afinação

desse instrumento ser totalmente diferente da utilizada no baixo.

No baixo as cordas são afinadas em intervalos de quartas, na seqüência EADG,

já em um cello as cordas são afinadas em quintas, na seqüência CGDA. Ou seja, o que

é anatômico no cello muito provavelmente terá uma digitação mais complicada no

baixo.

Um outro grande diferencial de Jaco está em utilizar acordes no baixo. O

exemplo a seguir mostra uma seqüência harmônica tocada por ele na videoaula.

Figura 7 - Acordes

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Além desse tipo de acorde, Jaco também utiliza muito double stops (formados

por duas notas). Um bom exemplo32 desse uso está no groove da música “Liberty

City”.

Figura 8 – Trecho de “Liberty City”

Outro aspecto importante da mão esquerda de Jaco é utilização de ghost notes,

notas que são tocadas normalmente pela mão direita, mas que são abafadas pela mão

esquerda. Jaco conheceu essa técnica após ver um show com o baixista Carlos Garcia,

e a partir daí começou a estudá-la. (MILKOWSKI, 2005, p. 32)

Essa técnica se tornou a base para seus grooves em semicolcheias. O exemplo

a seguir mostra a utilização dessas notas abafadas pela mão esquerda na música

“Come On Come Over”.

Figura 9 – Trecho de “Come On Come Over”

32 Os dois trechos desta página foram retirados do livro The Essential of Jaco Pastorius. Exemplos auditivos destes dois trechos se encontram respectivamente nas faixas 1 e 2 do CD que acompanha este trabalho.

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1.3.2 Mão Direita

No workshop realizado na Berklee College of Music em 1974, Jaco mostrou

aos alunos e professores da faculdade como desenvolveu sua sonoridade

característica. Segundo ele, os principais componentes são: o uso do amplificador

Acoustic 306, e sua forma de tocar o baixo no captador da ponte.

Segundo Neil Stubenhaus (professor da Berklee que estava presente nesse dia),

os baixistas33 da época não tinham o costume de tocar no captador da ponte. Isso

ocorreu em parte porque muitos utilizavam o modelo Fender Precision, que possui

apenas um captador, apesar do Jazz Bass estar no mercado havia 14 anos. Outro fator

que levou os baixistas a não usarem o captador da ponte é o fato de que muitos deles

também tocavam baixo acústico, e estavam acostumados a tocar próximo ao braço do

instrumento. Tocar no captador da ponte é uma característica exclusiva do baixo

elétrico (MILKOWSKI, 2005, p. 69).

Ao fazer frases rápidas ou grooves de R&B, Jaco sempre utilizava o captador

da ponte. Em contrapartida quando procurava uma sonoridade mais lírica como em “A

Remark You Made” ele tocava mais próximo ao braço do instrumento.34

Tocar sobre o captador da ponte facilita a execução de frases rápidas, pois

nessa região a corda é mais tensa e se move menos.

A técnica de mão direita de Jaco impressiona por sua agilidade e clareza do

som. Ele costumava tocar com os dedos indicador e médio, enquanto usava o polegar

e os outros dedos para abafar as cordas que não estavam sendo usadas. Sendo que o

polegar geralmente descansava sobre o captador ou sobre a corda E (e eventualmente

sobre a corda A) e os outros dedos cuidavam de abafar as outras cordas.

33 Antes de Jaco, Jerry Jemmott já utilizava o captador da ponte de uma forma um pouco diferente (ver página 45). 34 Podemos ver Jaco tocando no captador da ponte na figura 21 (p. 75), e tocando próximo ao braço na figura 20 (p.74).

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Por exemplo, se Jaco estava tocando a corda D, o seu polegar repousaria sobre

a corda E e os outros dedos repousariam sobre a corda A e assim por diante.

Na videoaula, Jaco apresenta um exercício que consiste em tocar as cordas

soltas alternando os dedos indicador e médio de diversas formas e depois explica

sobre o uso do “rasgueado”, que consiste na passagem de uma corda para a corda

superior com a utilização do mesmo dedo. A figura a seguir mostra o uso dos dedos

alternados em cima e a volta com o “rasgueado” embaixo. Sendo que o dedo indicador

é chamado de dedo 1 e o dedo médio de dedo 2.

Figura 10 – Mão direita 1

Uma variação desse exercício pode ser feita começando ele com o dedo 2,

dessa forma o “rasgueado” da volta seria feito com o dedo 1. Essa volta com um único

dedo é muito utilizada na execução de arpejos, como no exercício a seguir:

Figura 11 – Mão Direita 2

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Esse padrão de arpejo menor com décima primeira seguido de um arpejo maior

com décima primeira aumentada, meio tom acima, é repetido por Jaco até chegar ao

sol menor uma oitava acima. A técnica do “rasgueado” da mão direita foi fundamental

para a execução de músicas como a já citada “Chromatic Fantasy”, de Bach.

A técnica de abafamento que Jaco utiliza na mão direita tem a função de

silenciar os ruídos indesejados produzidos pela mão esquerda. Jaco dá um exemplo de

como seria se tocasse apenas com a mão esquerda. O som sai, porém repleto de

ruídos. A função da mão direita é amplificar esse som, para que não seja necessária

tanta força na mão esquerda (quanto menos força, menos ruído) e ao mesmo tempo

abafar as cordas que não estão sendo tocadas.

Outro fator que se soma a esse abafamento é a sincronia necessária entre a mão

direita e esquerda para que não existam ruídos indesejados no som. Jaco conta que

demorou nove anos para que conseguisse tocar “Donna Lee” de uma forma que o

instrumento não produzisse nenhum ruído.

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1.3.3 Harmônicos Naturais

Jaco conta a sua descoberta dos harmônicos naturais da seguinte forma, na

videoaula: “Uma vez, quando tocava com bandas diferentes, vi um amigo afinar sua

guitarra pelos harmônicos, que é o que todos costumam fazer. Assim foi que aprendi a

afinar o baixo... me parecia que aquilo era música, e continuei experimentando”.

Ele ainda comenta sobre uma idéia errada que muitas pessoas tinham na época,

de que ele tocava os harmônicos com mais facilidade pelo fato do baixo dele ser

fretless. O que não faz nenhum sentido, porque no baixo com trastes é até mais fácil

tocar harmônicos artificiais, por exemplo.

Os harmônicos naturais são produzidos se colocando levemente, sem apertar a

corda, um dedo da mão esquerda exatamente sobre o traste ou, no caso do fretless,

onde deveria estar o traste, e tocando normalmente com a mão direita.

Em uma entrevista para a revista Guitar Player em 1984, Jaco cita o fato de

que em instrumentos como o violino e o cello os harmônicos são utilizados há muitos

anos, e sugere aos estudantes que queiram aprender essa técnica que comprassem um

bom livro sobre esses instrumentos e aprendessem onde se encontram os harmônicos e

quais são as notas referentes a cada um deles (lembrando que nessa época ainda não

havia livros específicos para o uso de harmônicos no baixo elétrico como existem

hoje). Ele continua dizendo que, se você aprende todos os harmônicos naturais, é

possível tocar todas as notas cromaticamente com eles (MILKOWSKI, 2005, p. 97).

A figura na página seguinte mostra a disposição dos harmônicos no braço do

instrumento.

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Figura 12 – Harmônicos Naturais 1

A partir da terceira casa os harmônicos passam a ser mais difíceis de serem

executados e a distância entre eles fica cada vez menor, necessitando de grande

precisão para a sua execução. Para completar o esquema mostrado acima aqui estão os

harmônicos existentes nas três primeiras casas.

Figura 13 – Harmônicos Naturais 2 (PESCARA, 2006, p. 26)

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Charles Brent cita a utilização de Jaco desses harmônicos naturais a partir da

terceira casa, algo que ele nunca havia visto nenhum baixista fazer:

“…Então houve outra noite, no Texas, quando ele começou a tirar harmônicos

da primeira, segunda e terceira casas, modulando até... o início do braço. Ninguém faz

isso! Mas o cara conseguiu uma verdadeira proeza, e conseguia tocar harmônicos

antes da quinta casa. Eu mesmo tocava um pouco de baixo, e isso era... novidade para

mim.” (MILKOWSKI, 2005, p. 44)35

A utilização dos harmônicos da sétima e quinta casa para a afinação do

instrumento era comum entre os baixistas, porém o uso desse recurso de forma

musical era nulo ou mínimo antes de Jaco. Como ele mesmo disse: “me parecia que

aquilo era música, e continuei experimentando”.

A experimentação de Jaco o levou a compor uma música em que utilizou

apenas a técnica de harmônicos naturais (tocados sozinhos, ou formando acordes com

outras notas tocadas normalmente). A música “Portrait of Tracy” foi lançada em seu

primeiro LP solo Jaco Pastorius, de 1976. Não é de se estranhar que essa música e,

esse álbum como um todo, tenha tido um enorme impacto sobre baixistas de todo o

mundo.

Esse feito de Jaco trouxe uma série de possibilidades novas para o instrumento.

A utilização dos harmônicos permite uma ampliação da tessitura do baixo elétrico em

cinco oitavas (PESCARA, 2006, p. 24).

35 A tradução deste trecho foi feita pelo autor desta monografia com a colaboração do orientador.

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Figura 14 – Trecho de “Portrait of Tracy” (PESCARA, 2006, p. 53)

Nesse trecho de “Portrait of Tracy”36 encontramos as principais formas em que

Jaco utilizava a técnica de harmônicos naturais. A primeira acontece no primeiro

compasso, e é entitulada por Jorge Pescara de “cascata de harmônicos”, que constitui

uma seqüência de harmônicos tocados rapidamente em semicolcheias, dando essa

impressão da cascata (PESCARA, 2006, p. 57).

Um outro bom exemplo desse uso dos harmônicos por Jaco está na música

“Okonkole y Trompa”, que também faz parte do LP Jaco Pastorius.

36 Este trecho de “Portrait of Tracy” se encontra na faixa 3 do CD que acompanha este trabalho.

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Em seguida ele passa a utilizar acordes, nos quais, o baixo é tocado

normalmente e as vozes superiores são tocadas com harmônicos. Esse tipo de

formação de acordes traz o baixo para um nível de instrumento harmônico

completamente novo.

No compasso nove podemos ver o uso dos harmônicos nas primeiras casas que

Charles Brent havia citado. Sendo que as notas Ré e Sol estão localizadas entre a

segunda e a terceira casas das duas primeiras cordas. E as notas Mi e Lá estão

localizadas sobre a segunda casa das mesmas cordas. (ver figura 13)

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1.3.4 Harmônicos Artificiais

Em 1974, Jaco aprendeu essa técnica de seu amigo Bob Bobbing, que havia

aprendido de Clay Cropper. Na época, Jaco disse que já havia visto guitarristas

fazendo isso mais que estava muito ocupado estudando outras coisas e não tinha

tempo para estudar essa técnica. Podemos notar que em seu LP Jaco Pastorius ele

utiliza apenas os harmônicos naturais (MILKOWSKI, 2005, p. 63).

A primeira gravação em que Jaco utlizou harmônicos artificiais foi na música

“Hejira” de Joni Mitchell, em 1976. Um ano depois ele grava “Birdland” com o

Weather Report, que é o exemplo mais conhecido da utilização dessa técnica por ele.

Os harmônicos artificiais são produzidos por Jaco da seguinte forma: uma nota

é apertada na mão esquerda enquanto a mão direita é responsável por divisões

secundárias da corda. Na mão direita o polegar descansa sobre onde o harmônico se

encontra enquanto o dedo indicador (ou médio) puxa a corda.

A tabela a seguir mostra a função que cada elemento possui na execução de

harmônicos artificiais, comparada ao que ocorre nos harmônicos naturais.

Harmônicos Naturais Harmônicos Artificiais

Corda solta Dedo da mão esquerda

Dedo da mão esquerda Polegar

Dedo indicador ou médio da mão direita

Dedo indicador ou médio da mão direita

Pensando dessa forma na mão esquerda tendo a função da corda solta, Jaco

apresenta37 as seguintes subdivisões que podem ser feitas pela mão direita sobre a nota

Lá na décima quarta casa da corda Sol.

37 Na videoaula Modern Electric Bass.

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Figura 15 – Harmônicos Artificiais 1

Jaco compara essas subdivisões feitas sobre uma nota, através da série

harmônica, com o que acontece em instrumentos de sopro como o trompete. E segue

com o exemplo abaixo, que consiste em padrões de escalas e arpejos executados com

a técnica de harmônicos artificiais, tocando sempre sobre a oitava das notas.

Figura 16 – Harmônicos Artificiais 2

Na página seguinte temos o exemplo mais conhecido da utilização dos

harmônicos artificiais por Jaco. A introdução da música “Birdland”, do LP Heavy

Weather.

Primeiramente ele toca a melodia atingindo os harmônicos uma oitava acima

das notas que toca com a mão esquerda. Nesse caso os harmônicos ficam localizados

próximos ao final do braço do instrumento.

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Depois ele toca a mesma melodia uma oitava acima. Ou seja, duas oitavas

acima das notas que toca com a mão esquerda. Nesse caso os harmônicos ficam

localizados próximos á ponte do instrumento.38

Figura 17 – Trecho de “Birdland”

38 Este trecho foi extraído do livro The Essential of Jaco Pastorius, e se encontra na faixa 4 do CD que acompanha este trabalho.

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1.3.5 Efeitos Percussivos

O ritmo sempre foi um elemento muito presente na maneira de Jaco tocar,

talvez pelo fato de ele ter sido baterista antes de tocar baixo. Seu senso ritmo era

impecável.

O efeito percussivo mais utilizado por ele com certeza são as ghost notes, que

são uma característica marcante em seus grooves. Como vimos anteriormente, a

música “Come On Come Over” é um bom exemplo do uso das ghost notes.

Além disso, ele também costumava criar um efeito percussivo batendo a mão

direita sobre o braço do instrumento, enquanto abafava as cordas com a mão esquerda.

Podemos vê-lo usando esse efeito percussivo em uma versão39 de 1979 de seu solo

“Slang”, no qual ele utiliza o loop de seu MXR F/x-113 para gravar diversas vozes e

solar em cima delas. Uma dessas vozes é esse efeito percussivo, que nesse caso pode

ser comparado a uma caixa.

Na música “The Elders” do LP Mr.Gone Jaco faz um uso mais sofisticado

desse efeito percussivo. Ao bater a mão direita sobre o braço do instrumento ele toca

uma nota e rapidamente faz um slide, gerando um som que ele compara ao de uma

conga. (MILKOWSKY, 2005, p.107)

Outro exemplo do uso de um efeito percussivo por Jaco está na versão da

música “Giant Steps” do LP Holiday for Pans (0’35”), em que ele mistura esses

efeitos com notas tocadas rapidamente, mas nesse caso ele não utiliza os sildes como

em “The Elders”.

39 Disponível no seguinte link: <http://br.youtube.com/watch?v=RdY-KAmj5fU>

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1.4 Equipamentos 1.4.1 Fender Jazz Bass

O Fender Jazz Bass foi introduzido no mercado em 1960. Esse modelo trouxe

mudanças na constituição do instrumento que seriam fundamentais para que Jaco

Pastorius desenvolvesse sua técnica e sonoridade características anos mais tarde.

Tendo como base o modelo de guitarra Jazz Master (da mesma empresa), ele

possuía um braço mais fino, o que possibilitava maior agilidade do que o Fender

Precision (lançado em 1951) (LADISLAU, 2006, p.36).

Além disso, ele possuía um som muito mais limpo e com maior abundância de

harmônicos, graças ao sistema elétrico utilizado e à dimensão do corpo do instrumento

(maior do que no Precision).

Uma mudança muito importante e que seria crucial para a sonoridade de Jaco

são os captadores. Os primeiros Precisions vinham com um captador single-coil, que a

partir de 1957 foram substituídos por um captador humbucker. Já o Fender Jazz Bass

possuía dois captadores single-coil, um próximo à ponte e outro próximo ao braço do

instrumento. Como já vimos, Jaco costumava utilizar o captador da ponte ao tocar

frases rápidas e grooves, o que não seria possível em um Fender Precision.

Figura 18 - Fender Precision Figura 19 - Fender Jazz Bass

(ROBERTS, 2005, p. 46) (ROBERTS, 2005, p. 63)

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O primeiro baixo de Jaco Pastorius (comprado em 1967) foi um Fender Jazz

Bass Sunsburst 1966 (pós-CBS), com o qual tocou até 1971, quando adquiriu um

Fender Jazz Bass preto 1962 (pré-CBS) de seu amigo Bob Bobbing em troca de seu

baixo acústico.

Esse baixo tinha apenas dois parâmetros de controle: um para volume e outro

para a tonalidade dos captadores. Jaco substituiu esse sistema pelo da Fender pós-

CBS, que tinha volumes independentes para os dois captadores além da tonalidade,

pois segundo ele o circuito original não tinha punch o bastante. Ele funcionava bem

em grupos pequenos, mas em formações maiores era preciso aumentar muito o

volume no amplificador, o que distorcia o som. (MILKOWSKI, 2005, p. 15 e 34)

Em algum momento Jaco adquiriu outro Fender Jazz Bass 1962, mas dessa vez

um modelo Sunsburst. Esse baixo, apelidado por ele de “Bass of Doom”, é o baixo

que Jaco transformou em fretless e usou em suas gravações mais famosas. Para

proteger a escala do efeito das cordas Rotosound ele cobriu a madeira com várias

camadas de “durepox” (Marine Epoxy). Isso produziu uma superfície dura, que dava

ao baixo um timbre único (ROBERTS, 2001, p. 123).

Além desses baixos ele possuía também um Fender Jazz Bass 1960 com trastes

(que ele utilizou na gravação do LP e do DVD Shadows and Light de Joni Mitchell),

um “baixolão” fretless de 5 cordas (sendo a quinta um C mais agudo), um baixo

acústico40, outro Fender Jazz Bass 1960 (que ele atirou na baía de Hiroshima durante a

turnê japonesa do LP Word of Mouth), e um Fender Jazz Bass 1963 (que pode ser

visto na abertura de sua videoaula).41

40 Jaco ganhou um baixo acústico de seu pai na mesma época que ganhou o elétrico. Mais tarde, ele adiquiriu outro baixo acústico que tocou até 1971, quando o vendeu para Bob Bobbing. 41 Essas informações foram retiradas do artigo Jaco’s Gear Through the Years.

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1.4.2 O Baixo Fretless

Jaco Pastorius não foi o primeiro baixista a usar um baixo fretless. O pioneiro

foi Bill Wyman (Baixista dos Rolling Stones).

Originalmente um guitarrista, Bill comprou seu primeiro baixo em 1961. Era

um instrumento barato japonês e ele logo começou a fazer alguns ajustes. Reformou o

corpo e tirou todos os trastes com a intenção de colocá-los de volta quando terminasse

a reforma (ROBERTS, 2001, p. 124-7).

Mas ele descobriu que podia tocar se colocasse os dedos onde antes eram os

trastes e gostou muito daquele som, que o próprio Bill definiu como “puro, profundo e

rico”. Desse dia em diante ele passou a utilizar o baixo sem trastes nos seus trabalhos.

Um bom exemplo de Bill tocando o fretless é a música “Paint It Black” do álbum

Aftermath (1966).

O primeiro baixo fretless fabricado em linha foi o Ampeg AUB-1 em 1966. O

instrumento foi feito para quem tocava baixo acústico. Tinha uma escala de 34 1/2”

(um Fender Precision tem 34”) e um corpo com dois furos em f. Sua ponte permitia a

utilização de cordas de tripa para se aproximar mais do som do baixo acústico (ao

menos em teoria). Tanto o AUB-1 como o AEB-1 (a versão com trastes do mesmo

modelo) não tiveram grande sucesso de venda, mas alguns baixistas acharam eles

interessantes. Um deles foi Rick Danko do The Band, que utilizou o Ampeg fretless

nas gravações de Cahoots (1971) e Rock of Ages (1972).

Em 1970, a Fender lançou um modelo fretless do Precision, que assim como o

Ampeg não teve muito sucesso comercial. Um dos primeiros baixistas a usar esse

modelo foi Freebo, em seu trabalho com Bonnie Raitt.

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Pode parecer estranho que Jaco tenha arrancado os trastes de seu baixo se já

existiam baixos fretless à venda, mas, como já foi dito, ele sempre usou modelos Jazz

Bass, e a Fender só foi fabricar um Jazz Bass fretless muitos anos após sua morte.

Apesar de Jaco não ter sido o primeiro baixista a tocar o fretless, ele foi o

primeiro virtuose do instrumento (assim como James Jammerson foi para o baixo

elétrico). O primeiro a explorar profundamente as possibilidades técnicas do

instrumento e o responsável pela introdução do fretless no jazz.

Jim Roberts, em seu livro How The Fender Bass Changed the World ilustra a

contribuição de Jaco para o baixo fretless da seguinte forma: “Antes de Jaco, o fretless

era apenas uma nota de rodapé na história do baixo. Depois de Jaco, ele se tornou um

capítulo inteiro”.

Quando Joe Zawinul decidiu chamar Jaco para entrar no Weather Report, a

primeira pergunta que ele fez foi “Você também toca baixo elétrico?”. Segundo

Zawinul42 o som de Jaco era tão “quente” e “rico” que ele pensava que se tratava de

um baixo acústico (MILKOWSKI, 2005, p. 87). Ou seja, o instrumento era tão

desconhecido que um grande músico, como Joe Zawinul, sequer imaginava a sua

existência.

Lembrando que no ano em que esse episódio com Zawinul aconteceu (1976), o

baixo fretless já era fabricado há dez anos pela Ampeg e há seis anos pela Fender.

A contribuição que Jaco deu para o instrumento nesse mesmo ano foi enorme.

O lançamento de Jaco Pastorius, Bright Size Life, Black Market e, no ano seguinte,

Heavy Weather transformou um instrumento desconhecido em foco de estudo de

baixistas do mundo todo.

42 Até esse momento Zawinul não tinha visto Jaco tocar, apenas tinha ouvido as gravações que ele havia lhe dado. Entre elas estão a gravação feita no Criteria Studios e uma prévia das gravações de seu LP solo.

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O sucesso de Jaco trouxe consigo uma onda de baixistas que tentavam imitá-

lo, como acontece com todos os grandes músicos da história (Charlie Parker, Jimi

Hendrix, John Coltrane etc.). Mas muitos foram além da mera imitação e criaram seu

estilo próprio de tocar o baixo fretless. Um bom exemplo é Percy Jones, da banda de

fusion Brand X, que já havia consolidado um estilo único de tocar fretless mesmo

antes de ter ouvido Jaco (ROBERTS, 2001, p.148).

Citando alguns baixistas que usam o fretless, temos: Steve Bailey, Mark Egan,

Pino Palladino, Richard Bona, Alain Caron, Gary Willis, Carlos Benavent, Jonas

Hellborg, Tony Franklin, Nico Assumpção, Cláudio Bertrami e Arthur Maia, entre

outros.

1.4.3 Acoustic 360

Como já foi dito, em 1970 Jaco assistiu a um show da banda Nemo Spliff e

ficou impressionado com o baixista, Carlos Garcia. Além de começar a estudar a

técnica de Garcia, ele e seu amigo Bob Bobbing foram no dia seguinte até uma loja e

compraram um Acoustic 36043 (o amplificador usado por Garcia).

Segundo Bobbing, esse amplificador deu a Jaco o poder e a clareza que ele

precisava para desenvolver sua sonoridade. Pela primeira vez, ele podia tocar a corda

E solta e, ao mesmo tempo tocar acordes e harmônicos nas outras cordas, em um

volume alto sem que houvesse distorção no som.

O Acoustic possuía um falante de 18’’ que ficava voltado para as costas do

gabinete. Esse falante, comparado com o falante do primeiro amplificador de Jaco (um

Sunn de 15”) possuía uma pequena perda nos agudos, mas que era compensada pelo

43 Podemos ver Jaco com o Acoustic 360 na figura 24 (p. 77)

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ganho nos graves e em outros fatores que contribuíram para o desenvolvimento de sua

sonoridade (MILKOWSKI, 2005, p. 33).

Graças aos graves fortes do amplificador, Jaco poderia usar apenas o captador

da ponte de seu Jazz Bass, sem que houvesse perda no peso do som. Além disso, o

pré-amplificador possuía, em uma de suas configurações, um som “estalado”, que

auxiliava no caráter percussivo de seus grooves.

Um fato interessante é que o falante do Acoustic vibra em todas as direções,

assim como o corpo de um baixo acústico. Com volumes baixos, ele conseguia tirar de

seu fretless um som muito semelhante ao do baixo acústico. Jaco costumava usar dois

Acoustics ligados em linha para conseguir um som com mais peso.

1.4.4 Cordas Rotosound As cordas Rotosound Roundwound foram criadas em 1963 pelo inglês James

How. Ao invés de encapar as cordas com uma camada de metal liso44, como era o

usual, ele utilizou apenas fios de níquel enrolados, sem uma camada protetora, o que

produzia um timbre mais brilhante do que as outras cordas da época.

Entre seus primeiros usuários estão os rockeiros John Entwistle (The Who) e

Chris Squire (Yes) (ROBERTS, 2001, p. 90-1). Jaco começou a usar cordas

Rotosound algum tempo após ter visto Carlos Garcia e comprado o Acoustic 360. O

timbre brilhante das cordas foi mais um componente na formação de sua sonoridade.

44 Esse tipo de corda é chamado de flatwound. Ou seja, as cordas lisas são flatwound, e as com voltas aparentes são as roundwound.

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1.4.5 Efeitos

Como já foi dito, Jaco costumava usar dois Acoustics ligados em linha para

conseguir um som com mais peso. Quando ele utilizava algum efeito, geralmente

deixava um deles com o som limpo e o outro com o efeito45.

Jaco algumas vezes gravava dois baixos em uníssono no estúdio para gerar um

efeito natural de phasing. Quando queria essa sonoridade ao vivo ele utilizava o MXR

F/x-113 Digital Delay. Jaco diz na entrevista cedida a Steve Rosen que gostava

bastante da ambiência desse pedal enquanto solava, especialmente quando utilizava a

técnica de harmônicos.

Esse pedal também possuía uma função de repetição que ele utilizava bastante

ao vivo (o solo “Slang”, do álbum 8:30 é um exemplo desse uso). Ele tocava um

groove e usava essa função de repetição do pedal para deixar o que havia tocado em

loop e depois começava a improvisar e a sobrepor vozes sobre o groove incial

(MILKOWSKI, 2005, p.115).

Além disso, ele também utilizava, ao vivo, um oitavador (o Boss Octave

Divider) e a saturação do próprio amplificador (quando queria tocar com o baixo

distorcido suas versões das músicas de Jimi Hendrix, por exemplo).

45 Informações retiradas de uma entrevista cedida a Steve Rosen em 1978, disponível no site www.jacopastorius.com

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Fotos

Figura 20 – Jaco Pastorius

(ROBERTS, 2005, p. 124)

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Figura 21 – Na turnê do LP Shadows and Light, de Joni Mitchell (1979)

(MILKOWSKI, 2005, p.115)

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Figura 22 – Tocando teclado (1977)

(MILKOWSKI, 2005, p.91)

Figura 23 – Aos dezesseis anos, com o Las Olas Brass (1967)

(ROBERTS, 2005, p. 122)

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Figura 24 – Jaco com o Acoustic 306 ao fundo (1985)

(Modern Electric Bass, 2002, p. 26)

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CAPÍTULO 2: ANÁLISE DE HAVONA

“Havona” foi composta em 1973, três anos antes de Jaco entrar no Weather

Report. Esse foi um período bastante fértil no início de sua carreira.

Nessa época, Jaco ainda não tinha nenhum problema com o álcool e as drogas.

Pelo contrário, ele tinha uma total aversão a esse tipo de vício. Sua vida era dedicada

somente à música, aos esportes e à família. Jaco ainda era casado com sua primeira

esposa, Tracy Lee, e vivia com ela e com sua filha Mary Pastorius (que tinha apenas

dois anos) em um apartamento sobre uma lavanderia (MILKOWSKI, 2005, p. 51).

Vizinho ao apartamento da família Pastorius, morava o pianista Alex Darqui.

Darqui e Jaco estavam sempre tocando juntos, e Jaco tinha livre acesso ao

apartamento do pianista. É bastante provável que essa música tenha sido composta ou

no piano de Darqui, ou no Fender Rhodes que Jaco comprou (influenciado por Herbie

Hancock) e deixou no apartamento do pianista.

Foi um período em que Darqui e Jaco estavam explorando novas

possibilidades musicais e iam a fundo nesses estudos, ficando horas e horas

trabalhando sobre novas idéias. Outros músicos também vinham participar dessas

jams no apartamento de Darqui. Entre eles estavam o guitarrista Randy Bernsen, e o

baterista Bobby Economou.

Bernsen cita que esse foi um período de busca para Jaco, tanto musicalmente

como espiritualmente. Além dos já citados interesses de Jaco pela família, os esportes

e pela música, ele também possuía um grande interesse por questões

filosóficas/religiosas, como o significado da vida e a vida após a morte.

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Economou lembra de passar horas com Jaco lendo a Bíblia e discutindo esse

tipo de questão. Tanto o baterista como Jaco possuíam uma forte formação cristã. E a

figura de Jesus Cristo tinha um grande impacto sobre Jaco.

Foi nesse período de busca musical e espiritual que Jaco entrou em contato

com O Livro de Urântia46, um livro de aproximadamente 2000 páginas que, segundo a

Urantia Foundation, teria sido escrito por seres celestiais (extraterrestres) com o

intuito de trazer conhecimento aos habitantes de nosso planeta, chamado por eles de

Urântia.

O livro divide o universo em oito partes. Sendo a primeira o Universo Central,

e as outras sete partes Superuniversos que permeiam esse Universo Central. Sendo

que o nosso planeta faz parte (segundo o livro) do sétimo Superuniverso (chamado de

Orvônton).

O livro possui quatro partes. A primeira trata do Universo Central. A segunda

trata do Universo Local em que se encontra nosso planeta (dentro de cada

Superuniverso existem milhares de Universos Locais), chamado de Nebadon. A

terceira parte trata da história de nosso planeta. E a quarta, e última parte, trata da

vinda de Jesus Cristo para nosso planeta.

Essa quarta parte do livro era uma das que mais interessavam a Jaco. Pois ela

possui narrativas sobre a vida de Jesus que não se encontram na Bíblia, relativas à sua

infância.

Além dessa parte, ele também ficou bastante interessado pela descrição feita

no livro do papel da música e dos músicos, não apenas em nosso planeta, mas também

em outras esferas de existência (MILKOWSKI, 2005, p. 54).

46 As informações sobre O Livro de Urântia foram obtidas no próprio livro e no site: www.urantia.org

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Como já foi dito, O Livro de Urântia divide o universo de uma forma em que

existe um Universo Central rodeado pelos outros Superuniversos. Esse Universo

Central é chamado de Universo de Havona.

O Universo de Havona é descrito da seguinte forma pelo livro:

Havona, o universo central, não é uma

criação no tempo; tem uma existência eterna. Este universo, sem começo e sem fim no tempo, consiste em um bilhão de esferas de perfeição sublime e é rodeado por enormes corpos escuros de gravidade. No centro de Havona está a Ilha do Paraíso...

(O Livro de Urântia, 2007, p. 129)

A Ilha do Paraíso citada acima é descrita no livro como sendo a morada do Pai

Universal, ou Deus.

Ou seja, Havona é a morada de Deus, o centro em torno do qual toda a criação

gravita. Essa idéia de Havona como centro tem uma ligação bastante forte com a

harmonia da música, como veremos a seguir.

“Havona” foi gravada em 1974 por Jaco, acompanhado de Alex Darqui

(piano), Bobby Economou (bateria) e Don Alias (percussão). Essa versão foi lançada

em um bootleg japonês chamado Legendary Demo & Live Tracks, e pode ser ouvida

na faixa 5 do CD que acompanha este trabalho.

A gravação que será analisada é do LP Heavy Weather, de 1977 (Faixa 6 do

CD). Existem algumas diferenças entre essas duas gravações.

A primeira não possui a introdução, que é bastante marcante na música. O

acompanhamento de Jaco ainda não possuía o caráter latino da versão de 77. E a

própria melodia aparece de forma mais sutil nessa primeira gravação.

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A seguir temos uma partitura da melodia e harmonia de “Havona”, retirada do

New Real Book, Volume 1. E em seguida a análise da música, que será dividida em

três tópicos: “Introdução e Coda”, “Tema e Acompanhamento” e “Solo”.

Figura 25 – “Havona” Parte 1

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Figura 26 – “Havona” Parte 2

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2.1. Introdução e Coda47

Figura 27 - Introdução

Figura 28 - Coda

47 A introdução e a coda se encontram respetivamente nas faixas 7 e 8 do CD que acompanha este trabalho.

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2.1.1 Aspectos Harmônicos

Todos os acordes da introdução possuem a mesma estrutura superior. Ou seja,

as quatro notas superiores de todos eles formam um acorde “sus4”, sem sétima,

disposto da seguinte maneira: 4ªJ, T, 5ªJ e 8ªJ. Essa é uma abertura que mistura

intervalos de 5ªs e 4ªs entre as notas.

O acorde sus4 sem a sétima tem a sua origem em uma cadência IV-I não

resolvida. Como podemos ver no exemplo a seguir:

Figura 29 –Origem do acorde sus4

A nota fá, em vez de resolver no mi, se mantém no acorde seguinte gerando o

acorde sus4 (MILLER, 1996, p. 38).

O fato de possuírem a mesma estrutura superior gera uma unidade entre todos

os acordes. Enquanto isso, o baixo se encontra ou nos intervalos de 2ªm, 2ªM, 4ªJ, 5ªJ

ou 6ªm em relação à tônica do acorde superior.

Esse tipo de relação gera policordes, que são “formações acordais compostas

pela sobreposição de uma ou mais tríades ou tétrades sobre uma base simples ou

composta” (LIMA, 2006, p. vi).

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No caso da introdução de “Havona”, o que ocorre é uma tríade (que nesse caso

possui a quarta no lugar da terça e um reforço na fundamental uma oitava acima) que

se encontra sobre uma base simples, ou seja, sobre uma nota não pertencente ao

acorde no baixo. Lima48 classifica esse tipo de formação como “policorde simples”

(2006, p. 34).

A notação feita na partitura já é policordal, considerando o baixo e o acorde

superior como partes independentes. Seguindo uma cifragem mais tradicional, os

acordes poderiam ser vistos da seguinte forma:

Csus/D Dm7(11)

Bsus/E Esus9

Asus/B Bm7(11)

G#sus/A Amaj7(#11)

F#sus/G# G#m7(11)

Bsus/F# F#sus4 (com sétima)

G#sus/E Emaj7(6)

F#sus/G# G#m7(11)

Bsus/C# C#m7(11)

Esus/B Bsus4 (com sétima)

Porém a forma de cifragem utilizada na partitura serve justamente para

ressaltar o fato de que todos os acordes possuem a mesma estrutura superior, enquanto

a variação interna de um acorde para o outro ocorre no desenvolvimento melódico do

baixo.

48 Adriano Fagundes Oliveira Lima em sua tese: Policordes: Sistematização e Uso na Música Popular.

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A cifragem tradicional, por sua vez, ajuda na visualização da relação entre os

acordes. As cadências não são tonais, mas partindo do principio que o tom da música

é E maior, é possível perceber que os quatro primeiros acordes se encontram na região

da subdominante, passando pelo IVm (um empréstimo modal de A menor), Vsus e

IIm até chegar à própria subdominante. A décima primeira aumentada nesse contexto

caracteriza o acorde como quarto grau de E maior. O primeiro acorde (Dsus, ou

Gsus9) é tocado na introdução com um efeito de fade in feito pelo sintetizador,

podendo ser ouvido de forma mais clara na coda (por isso os parênteses). Pelo fato de

não possuir baixo ele pode ser visto tanto como um Dsus (que é como está escrito na

partitura) como um Gsus9, já que a nota sol é a mais grave.

Figura 30 – Aspectos Harmônicos (Intro) 1

Em seguida, após uma passagem pelo IIIm e pelo IIsus, o I grau é tocado no

primeiro tempo do terceiro compasso, seguido pelos terceiro e sexto grau menores.

Em seguida ocorre uma passagem melódica pelas notas Dó sustenido e Ré sustenido,

resolvendo na nota Mi no acorde seguinte. Essa passagem melódica acentua a chegada

na tonalidade central da música (E maior). Porém o acorde sobre o qual a nota Mi é

tocada não é o primeiro grau, e sim o Vsus, que faz a preparação para o trecho que

virá a seguir, no qual ocorrerá a resolução na tonalidade central.

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Figura 31 – Aspectos Harmônicos (Intro) 2

O caráter modal dessa introdução se deve em parte ao fato de Jaco evitar

resoluções de tipo dominante–tônica, optando no lugar delas por resoluções

subdominante–tônica, também conhecidas por cadências plagais49. O acorde de

Bm7(11) resolvendo no Amaj7(#11) no segundo compasso, e o F#sus7(4) resolvendo

no Emaj7(6) no terceiro compasso, são exemplos de cadências plagais.

A própria introdução em si é uma grande cadência plagal. Pois começa sobre a

região harmônica da subdominante para depois ir para a região da tônica.

A figura a seguir mostra essa relação:

Figura 32 – Aspectos Harmônicos (Intro) 3

49 A cadência plagal também é conhecida como “cadência do amém”, por ter sido muito utilizada para harmonizar essa palavra em hinos religiosos.

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Em seguida ocorre um turnaround50, sobre uma cadência de engano. Essa

cadência foge do usual pelo fato de tanto o IV como o V grau serem acordes maiores

com sexta e nona. Esses acordes resolvem em um segundo grau menor com décima

primeira, no qual a nota Mi é a voz superior.

No quarto tempo do oitavo compasso temos o acorde Bsus/G#, que também

pode ser visto como um Emaj9 sem a sétima com baixo em G#. O acorde é utilizado

como uma passagem para a volta do A6(9) e pode ser visto como uma dominante

deste, mesmo não possuindo sétima menor.

Figura 33 – Aspectos Harmônicos (Intro) 4

Esse turnaround é tocado três vezes, e em cada uma dessas vezes um elemento

novo é acrescentado à música. Na primeira vez ocorre a entrada da bateria, no sexto

compasso, seguida por uma nota Si tocada pelo sintetizador a partir do quarto tempo

do sétimo compasso aproximadamente.

50 Os acordes não estão escritos na partitura, mas o símbolo (símile) sobre o último acorde do quarto compasso indica que a estrutura dos acordes que virão é a mesma utilizada até o momento.

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Essa nota continua sendo tocada na primeira repetição do turnaround até o

terceiro tempo do décimo segundo compasso (Emaj9/G#). No décimo quarto

compasso, sobre o acorde de F#m7(11), uma nota Ré sustenido é tocada pelo

sintetizador com o mesmo timbre que a anterior. Essa nota é tocada até o final do

turnaround, permanecendo até o primeiro tempo do compasso seguinte.

O timbre utilizado por Zawinul51 nessas duas notas possui um forte caráter

“espacial”. O que é bastante coerente, sabendo-se a origem do nome da música.

Em seguida a cadência do turnaround é repetida com o final alterado,

chegando em Esus7(4) no lugar de F#m7(11). A voz superior desse acorde também

muda do mi para o lá. Podemos perceber que quando a nota mi, que é a nota da

tonalidade central da música, está na voz superior ela não está no baixo e vice-versa.

Esse acorde suspenso sobre a tônica funciona mais como um impulso para os acordes

que virão a seguir do que como um repouso.

Figura 34 – Aspectos Harmônicos (Intro) 5

51 Nessa música Zawinul utiliza, além do piano, dois sintetizadores. Sendo eles o Oberheim Polyohonic e o Arp 2600.

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A seguir, temos várias relações plagais em sequência. A começar pelo

Esus7(4) e o D6(9), que por sua vez é seguido pelo Amaj9/C# (sem sétima), do qual é

o quarto grau (o acorde está classificado como IV/IV na figura abaixo).

O acorde na sequência é um Emaj9/G# (sem sétima). Em seguida temos a

cadência A6(9), B6(9), que tem seu repouso final sobre o acorde Esus/D. Esse acorde

também pode ser visto como Bm7(11) ou como um grande Dsus, possuindo a nona, a

décima primeira e a décima terceira. Porém em todas essas visões do mesmo acorde

fica claro que nesse momento deixamos de estar sobre a região de E maior e fomos

para a região de E menor. Esse acorde soa por três compassos e após uma pausa de um

compasso o tema se inicia sobre E lídio. E junto com o tema, o baixo de Jaco

Pastorius (todos os baixos da introdução são baixos sintetizados por Zawinul).

Figura 35 – Aspectos Harmônicos (Intro) 6

Na coda da música, a introdução é repetida, porém uma oitava abaixo e com

uma abertura mais fechada seguindo o padrão: 4ªJ, 5ªJ e T. Mas isso não altera em

nada a estrutura harmônica desse trecho, já que a única nota que deixa de ser tocada é

a dobra da fundamental uma oitava acima. Na coda também não ocorre turnaround, e

após os acordes A6(9) e B6(9) ocorre uma resolução final sobre o acorde F#m7(11),

uma resolução bastante inusitada sobre o segundo grau, mas a melodia resolve sobre a

nota mi, o que traz a sensação de resolução.

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Figura 36 – Aspectos Harmônicos (Coda)

Durante toda a coda é tocado um pedal sobre a nota si (esse pedal será

explicado com mais detalhes no item 2.2.1). Mas podemos perceber que esse pedal

também está implícito na harmonia da introdução, fazendo parte dos principais

acordes dela. A tabela a seguir mostra em quais acordes a nota si está presente e em

quais não.

Acordes que possuem a nota si Acordes que não possuem a nota si

Esus9, Bm7(11), G#m7(11), F#sus7(4),

Emaj7(6) [a nota si não é tocada, mas

sendo a quinta do acorde faz parte dele],

C#m7(11), Bsus7(4), A6(9), B6(9),

F#m7(11) e Esus/D [ou Bm7(11)/D]

Dsus, Dm7(11) e Amaj7(#11).

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2.1.2 Aspectos Melódicos

Melodicamente, ocorre uma descida na voz superior sobre o E Mixolídio b6

(quinto grau da escala menor melódica de A), que vai até o terceiro tempo do segundo

compasso [F#sus/G# ou G#m7(11)].

Nas vozes intermediárias, pelo fato dos acordes possuírem a mesma estrutura,

ocorre a mesma descida. Mas começando na quinta justa, oitava abaixo ou na quarta

justa. Dessa forma a descida também ocorre sobre o modo Mixolídio b6 em B e A,

como mostrado a seguir:

1ª Voz Escala: E Mixolídio b6 (A menor melódica) Notas: C B A G# F#

2ª Voz Escala: B Mixolídio b6 (E menor melódica) Notas: G F# E D# C#

3ª Voz Escala: E Mixolídio b6 (A menor melódica) Notas: C B A G# F#

4ª Voz Escala: A Mixolídio b6 (D menor melódica) Notas: F E D C# B

Enquanto isso, o baixo toca as notas D, E, B, A e G#, mantendo a intenção de

E Mixolídio que ocorre na 1ª e 3ª voz e formando, com a soma de todas as vozes, um

cromatismo praticamente completo. Das 12 notas, apenas o lá sustenido não é tocado

nesses dois primeiros compassos de introdução.

O que faz bastante sentido, porque como já vimos, nesse trecho da introdução

ocorre uma polarização sobre o quarto grau (A) e dessa forma a nota lá sustenido

descaracterizaria essa intenção.

Essa polarização no quarto grau fica clara pelo uso do E Mixolídio b6, que é o

quinto grau de A menor melódico. Mas paralelamente a esse A menor melódico

também ocorre um E menor melódico e um D menor melódico. Ou seja as duas

tonalidades vizinhas mais próximas de A (quarto e quinto grau) são tocadas

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simultaneamente a esta. A soma dessas três escalas gera uma mudança harmônica do

A menor para o A maior, já que as escalas D menor melódica e E menor melódica

possuem a nota dó sustenido.

Harmônicamente a passagem pelo A menor ocorre apenas sobre o acorde

Dm7(11) que é o quarto grau menor de A. Sendo este o primeiro acorde a ser tocado,

ele gera na melodia a escala menor melódica de A, como vimos acima. Mas este

trecho se encontra fundamentalmente sobre A maior.

Ou seja, este trecho é constituído de três escalas menores melódicas que

quando sobrepostas alternam da região do A menor (no primeiro acorde) para a região

do A maior (nos acordes seguintes).

A partir do terceiro tempo do segundo compasso, a harmonia vai para a região

da tônica e a melodia fica sobre a escala mixolídia de si. Essa escala continua a

intenção mixolídia na melodia que havia nos acordes anteriores, porém sobre a região

da tônica, e realça o fato da nota si ser um pedal implícito na harmonia.

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2.1.3. Aspectos Rítmicos

A principal figura rítmica utilizada na introdução é a semínima pontuada. No

primeiro e segundo compassos essa figura é tocada quatro vezes em seguida, gerando

um ciclo sincopado a cada três tempos. Sendo que a primeira nota do ciclo está no

tempo e a segunda no contratempo. A figura a seguir mostra esse ciclo de três tempos

com os quadrados sobre as figuras e as siglas “T” para tempo e “CT” para

contratempo.

Figura 37 – Aspectos Rítmicos (Intro) 1

As duas semínimas sem ponto de aumento no segundo compasso fazem com

que o próximo acorde seja tocado sobre o tempo. Nos dois compassos seguintes a

semínima pontuada volta, mas dessa vez é seguida por duas mínimas, o que gera uma

síncopa diferente da que ocorreu nos compassos anteriores. Em vez de intercalar

tempo e contratempo, ele utiliza dois contratempos seguidos. E após duas

semicolcheias as mesmas semínimas que havia utilizado no terceiro e quarto tempo do

segundo compasso.

Figura 38 – Aspectos Rítmicos (Intro) 2 Ocorre um ciclo a cada dois compassos, que pode ser visto como uma

expansão do ciclo de três tempos utlizado nos dois primeiros compassos. Podemos

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dizer que ocorre um ciclo a cada dois compassos pelo fato de que a “cabeça” do

primeiro tempo só é tocada nos compassos 1 e 3. Sendo que nos compassos 2 e 4, o

primeiro tempo aparece ligado ao quarto tempo do compasso anterior.

A figura a seguir mostra essa divisão a cada dois compassos, cujo símbolo é o

grande retângulo com bordas arredondadas. Os círculos mostram as duas semínimas

que marcam o final de cada ciclo nos compassos 2 e 4. A anacruse também está

envolta por um círculo, pois funciona da mesma forma.

Os retângulos (inseridos dentro do grande retângulo) mostram os pequenos

ciclos dentro do grande ciclo. Sendo que o retângulo mais baixo mostra o ciclo gerado

pelas semínimas pontuadas e o mais alto o gerado pelas mínimas. Podemos perceber

que a primeira figura do terceiro compasso promete a volta ao ciclo de semínimas

pontuadas (por isso está dentro de um retângulo mais baixo). Mas essa promessa logo

é quebrada com o emprego das mínimas.

Figura 39 – Aspectos Rítmicos (Intro) 3

A seguir temos um turnaround formado por 15 tempos divididos em um

compasso em 3/4 e três compassos em 4/4.

No compasso em 3/4 as semínimas pontuadas são utilizadas novamente. Mas

sob essa fórmula de compasso elas não geram mais o efeito sincopado. Os três

compassos seguintes são formados por uma semibreve ligada e uma semínima

pontuada ao fim do décimo compasso.

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Esse turnaround é tocado três vezes, e na primeira vez a bateria entra (oitavo

compasso) fazendo uma levada bastante solta com uma forma de tocar característica

do fusion. Que é como Alex Acuña conduzirá o ritmo por toda a música.

Após o turnaround o ritmo dos dois primeiros compassos é repetido, porém

sobre outros acordes. E em seguida ocorre uma volta ao compasso ternário

(novamente formado por duas semínimas pontuadas) e ao compasso quarternário.

Onde ocorre o repouso sobre a semibreve ligada.

Figura 40 – Aspectos Rítmicos (Intro) 4

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2.2.Tema 52

Figura 41 - Tema

52 O tema de “Havona” se encontra na faixa 9 do CD.

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2.2.1 Aspectos Harmônicos

Uma característica marcante nessa harmonia é a relação de terças, entre dois

acordes maiores, que acontece tanto do Ema9(#11) para o Cma9, como do Bma9 para

o Gma9. Esse tipo de relação nos remete à música “Giant Steps” de John Coltrane, na

qual as tonalidades maiores de B, G e Eb (e suas respectivas cadências) se interpolam

da forma como é mostrada a seguir53. Sendo que os acordes sublinhados são as

tonalidades em que a música transita, e os outros acordes são as preparações para

essas tonalidades.

Giant Steps:

// Bmaj7 D7 / Gmaj7 Bb7 / Ebmaj7 / Am7 D7 / Gmaj7 Bb7 / Ebmaj7 F#7 /

Bmaj7 / Fm7 Bb7 / Ebmaj7 / Am7 D7 / Gmaj7 / C#m7 F#7 / Bmaj7 /

Fm7 Bb7 / Ebmaj7 / C#m7 F#7 //

Na música erudita, temos alguns exemplos do uso dessa relação de terças,

especialmente em Beethoven. Sua sonata para piano “Waldstein” começa em C maior

e modula para E maior (PORTER, 1998, p. 146).

Outros exemplos na obra do compositor são: a sonata para violino em A maior,

que possui um movimento central em F maior. E a sonata para piano em Eb maior,

Op. 7, na qual o “Largo” está em C maior e o tema secundário em Ab maior

(SCHOENBERG, 2004, p. 79).

Porém, essas modulações acontecem graças a um desenvolvimento harmônico

que acontece durante vários compassos até que a nova tonalidade se estabeleça.

53 A harmonia de “Giant Steps” foi obtida no New Real Book, Volume 2.

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Modulações mais rápidas geralmente têm seu espaço, dentro da música erudita,

nos desenvolvimentos e nas chamadas formas livres (prelúdios, fantasias, rapsódias,

recitativos, entre outros).

Na introdução da “Abertura Leonora nº3” em C maior, de Beethoven, ocorre

um episódio de seis compassos sobre Ab maior, antecedida por uma dominante da

tonalidade principal da peça (SCHOENBERG, 2004, p. 191).

O que acontece tanto em “Giant Steps” como em “Havona” é o mesmo tipo de

modulação das peças citadas, porém a velocidade entre as modulações é mais rápida

ainda. Em ambas as modulações ocorrem, no máximo, a cada dois compassos.

Graças a essa mudança rápida entre as tonalidades, o longo desenvolvimento

harmônico construído nas peças eruditas é resumido, em “Giant Steps”, pelo uso das

cadências IIm V7 I, ou apenas V7 I, da tonalidade seguinte. Já em “Havona” a

modulação é mais direta ainda, pois nem mesmo as cadências são utilizadas como

preparação. Schoenberg explica as modulações como sendo, na realidade, mudanças

de região. E as contextualiza dentro de um conceito mais amplo de tonalidade:

A mistura de notas e acordes alterados com diferentes progressões diatônicas, mesmo em segmentos não-cadenciais, era considerada modulação pelos teóricos antigos. Trata-se de uma visão limitada e, portanto, obsoleta da tonalidade. Não se deve falar de modulação a menos que uma tonalidade tenha sido definitivamente abandonada, e por um tempo considerável, e outra tonalidade tenha se estabelecido quer harmônica quer tematicamente.

O conceito de regiões é uma conseqüência lógica do princípio da monotonalidade. De acordo com este princípio, considera-se que qualquer desvio da Tônica ainda permanece na tonalidade, não importando se sua relação com ela é direta ou indireta, próxima ou remota. Em outras palavras, há somente uma tonalidade em uma peça, e cada segmento, considerado antigamente como outra tonalidade, é apenas uma região, um contraste harmônico interno à tonalidade original.

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A monotonalidade inclui a modulação, ou seja, o movimento na direção de outro modo e, inclusive, seu estabelecimento. Mas ela considera tais desvios regiões da tonalidade, subordinadas ao poder central de uma Tônica. Adquire-se, assim, a compreensão da unidade harmônica no interior de uma peça. (SCHOENBERG, 2004, p. 37)

Olhando dessa forma, fica claro que apesar de “Giant Steps” e “Havona”

serem constituídas por modulações (que chamaremos agora de mudanças de região)

constantes, elas possuem uma tonalidade central que se destaca sobre as outras. Em

“Giant Steps” o centro está sobre B maior. Em “Havona” o centro está sobre E maior.

Algumas dúvidas podem surgir em relação a qual tonalidade da música é a

central, porém existe uma clara de resolução na nota mi no final da introdução, como

já vimos anteriormente. E essa resolução também ocorre entre a convenção

(compassos 17 a 22 do tema) e o início de um novo chorus com o acorde Emaj9(#11).

Um paralelo pode ser traçado entre esse princípio da monotonalidade e o

significado da palavra “Havona”. Como já foi dito, Havona é o nome dado ao centro

do universo no Livro de Urântia. E todos os planetas e galáxias giram em torno desse

centro, não importando o quão distante estejam dele. Da mesma forma podemos ver

essa harmonia. Todos os acordes giram em torno de E maior, não importando o quão

afastados dessa tonalidade eles possam parecer.

A análise será feita mostrando tanto as relações existentes entre as tonalidades

secundárias e a tonalidade central, como mostrando as relações entre as próprias

tonalidades secundárias. Para explicar essas relações utilizarei a classificação feita por

Schoenberg em seu livro Funções Estruturais da Harmonia. Ele divide as relações

entre as tonalidades em cinco categorias: “Direta e Próxima”, “Indireta, Mas

Próxima”, “Indireta”, “Indireta e Remota” e “Distante” (SCHOENBERG, 2004, p.91).

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Nos compassos 1 e 2 temos o acorde de Emaj9(#11), seguido pelo acorde de

Cma9 nos compassos 3 e 4. Essa relação entre acordes maiores uma terça maior

abaixo faz parte da segunda categoria da classificação de Schoenberg “Indireta, Mas

Próxima”. (SCHOENBERG, 2004, p. 79 e 80)

O C maior é um acorde derivado da subdominante menor de E maior, por isso

a relação entre os dois é considerada indireta.

A subdominante menor é um acorde que faz parte da tonalidade de E maior

graças a uma permutação com seu homônimo menor. A subdominante menor de E

maior é um A menor. A mediante dessa subdominante menor é o C maior, que é

classificado como uma submediante maior abaixada de E maior.

Schoenberg ressalta que os acordes derivados da subdominante menor devem

ser utilizados com cautela para não obscurecer a tonalidade. Esse obscurecimento da

tonalidade certamente foi usado de forma bastante intencional por Jaco ao começar o

tema da música com essa passagem harmônica (SCHOENBERG, 2004, p.76).

A seguir temos uma mudança para a região da dominante, B maior (compassos

5 e 6). Esta é uma tonalidade vizinha à tonalidade central, sendo a relação entre as

duas tonalidades classificada por Schoenberg como “Direta e Próxima”.

A nota si possui um papel bastante importante nessa música, pois ela é a única

nota em comum entre todos os acordes, um pedal implícito que aparece como quinta

justa em E maior, sétima maior em Dó maior e terça maior em Sol maior (assim como

também faz parte da maioria dos acordes da introdução).

Durante a convenção, que vai do compasso 17 ao 22, esse pedal fica bem

claro. A convenção inteira consiste em um B dominante e, durante a última convenção

(4’52”), feita na reapresentação do tema, a nota si é repetida durante um longo tempo

pelo baixo e pelo saxofone. Ou seja, o pedal que antes estava implícito na harmonia é

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mostrado de forma bastante explicita. E após esta convenção o pedal na nota si

continua ao longo da coda e segue até o final da música.

A seguir temos um Gma9 (compassos 7 e 8). A relação da tonalidade de G

maior com a tonalidade central, E maior, é classificada como “Indireta, Mas

Próxima”.

O Gma9 é um acorde derivado do homônimo menor da tonalidade central, ele

é a mediante de E menor. Sua relação com o E maior é de mediante maior abaixada

(SCHOENBERG, 2004, p.79-80).

A relação entre o acorde Bmaj9 (compassos 5 e 6) e o acorde Gma9

(compassos 7 e 8) é a mesma relação que ocorre entre o E maior e o C maior. Ou seja,

uma relação de terça entre duas tonalidades maiores, sendo que o G maior é a

submediante maior abaixada de B maior.

A volta do E maior acontece com uma passagem por seu homônimo menor no

compasso 9, seguida pelo Emaj9(#11) no compasso 10. Essa passagem possui um

significado múltiplo. Ao mesmo tempo em que o Emi9 é a submediante menor de G

maior, também é o homônimo menor da tonalidade de E maior. Sendo que o acorde de

G maior teve sua raiz justamente nesse homônimo menor, nada mais natural do que

essa passagem por E menor.

O que ocorre nos próximos seis compassos é uma repetição da harmonia dos

compassos 3 a 8. Ou seja, as tonalidades maiores de C, B e G aparecem nessa ordem e

com uma duração de dois compassos cada. A única variação está no acorde Bma9, que

agora aparece como um Bmaj9(#11).

Esse é um aspecto que merece bastante atenção. O primeiro acorde da música é

um Emaj9(#11) e no compasso 13 o Bmaj9 também aparece com o acréscimo de uma

décima primeira aumentada.

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Na realidade, os quatro acordes maiores (E, C, G e B) podem ser considerados

como acordes lídios. Isso não está explicito em todas as cifras, mas a décima primeira

aumentada de todos os acordes é utilizada melodicamente durante o solo de Jaco.

Essa informação não se choca com a análise feita até agora, pelo contrário, a

complementa. Consideramos as quatro tonalidades como tonalidades maiores, no que

se supõe que sejam definidas pelo modo Jônio. Porém o fato dessas tonalidades

possuírem caráter Lídio não altera a relação entre elas.

Em seu livro The Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization, George

Russell explica que o modo Lídio difere do Jônio pelo fato do primeiro ser uma

unidade auto-organizada, que não possui uma necessidade de resolução, como o

segundo (RUSSELL, 2001, p.9).

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2.2.2. Aspectos Melódicos

A melodia de “Havona” é formada por dezesseis compassos, que podem ser

divididos em dois grupos de oito compassos, como podemos ver na figura a seguir:

Primeiro Grupo:

Figura 42 – Aspectos Melódicos (Tema)1

Segundo Grupo:

Figura 43 – Aspectos Melódicos (Tema) 2

Os últimos oito compassos consistem de uma variação harmônica e melódica

dos oito primeiros compassos. Essa variação se inicia de forma antecipada, na metade

do oitavo compasso.

Um fator interessante a ser analisado, antes que comecemos a análise dos

motivos, é que as notas da melodia são na maioria das vezes ou uma sétima maior ou

uma nona maior em relação ao acorde sobre o qual estão. E mesmo quando mais de

uma nota é tocada por compasso, a nota forte harmonicamente é sempre uma sétima

ou uma nona. Como podemos ver na figura 44 (página seguinte).

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Figura 44 – Aspectos Melódicos (Tema) 3

Essa alternância entre as duas tensões se repetindo continuamente traz um

sentido de integração para a música. Pelo fato de todos os acordes (com a exceção do

Em9) serem maiores, esse padrão melódico traz sempre uma sonoridade semelhante,

porém transposta entre os quatro acordes.

Nos quatro primeiros compassos ocorre uma descida cromática da nota ré

sustenido para a nota ré natural. Essa descida cromática pode ser considerada o

primeiro motivo melódico do tema e é repetida nos quatro compassos seguintes uma

quarta abaixo.

Figura 45 – Aspectos Melódicos (Tema) 4

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No terceiro tempo do oitavo compasso se inicia um novo motivo, caracterizado

pela terça menor entre o fá sustenido e o lá. Esse motivo é repetido com alteração uma

terça maior abaixo, resolvendo em um ré sustenido, que marca a volta ao primeiro

motivo.

O interessante nessa volta é que o ré sustenido é precedido por um ré natural (o

fá sustenido é um ornamento), ou seja, ocorre uma inversão do primeiro motivo.

Além da mudança melódica no compasso 8, também ocorre uma mudança

rítmica. O padrão de semibreves ligadas é substituído por um de tercinas, antecedidas

na primeira vez por uma colcheia e na segunda por uma mínima com ponto de

aumento. E como vimos, a mudança no padrão harmônico ocorre para acompanhar

essa mudança melódica.

Figura 46 - Aspectos Melódicos (Tema) 5

Essa volta ao motivo inicial54 é sentida mais como um desenvolvimento do que

como um retorno, pelo fato do ré sustenido aparecer deslocado um compasso. A figura

a seguir compara os compassos 9 e 10 aos compassos 1 e 2 e mostra esse

deslocamento da nota ré sustenido.

54 A inversão do primeiro motivo no compasso 9 pode ser considerada uma preparação para a volta deste motivo.

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Figura 47 - Aspectos Melódicos (Tema) 6

O motivo inicial retorna com o deslocamento mostrado acima e com uma

mudança em seu padrão rítmico, de uma semibreve ligada para uma semibreve sem

ligadura. Desta forma, a nota si é acrescentada entre as duas notas que compunham a

melodia inicial (ré natural e lá sustenido), como vemos a seguir, em uma comparação

entre os compassos 3-5 e 11-13:

Figura 48 - Aspectos Melódicos (Tema) 7

A passagem do si para o lá sustenido pode ser considerada uma variação do

motivo inicial uma terça maior abaixo, portanto teremos a seguinte disposição dos

motivos do compasso 10 ao inicio do compasso 13:

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Figura 49 - Aspectos Melódicos (Tema) 8

Nos compassos seguintes, ocorre uma variação maior do motivo inicial que

gera outro motivo. Esse motivo consiste em um intervalo de quinta justa entre o Lá

sustenido e o Mi sustenido, que é repetido uma terça menor acima no compasso

seguinte. O resultado desse motivo e de sua repetição é um arpejo saltado de lá

sustenido menor sobre o acorde de Bmaj9(#11). A resolução do sol sustenido no lá

natural no compasso 15 se trata de uma inversão do motivo inicial cromático, mas

transposto um trítono acima.

Figura 50 - Aspectos Melódicos (Tema) 9

Os compassos 13 a 16 são uma variação dos compassos 5 a 8, sendo que três

notas são interpoladas entre as notas lá sustenido e lá natural, e este é tocado uma

oitava acima, como podemos ver na figura a seguir:

Figura 51 - Aspectos Melódicos (Tema) 10

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Essa finalização no Lá natural é uma resolução que fica em suspenso

preparando para a convenção que virá em seguida. Do compasso 17 ao 22 acontece

uma convenção que prepara para a volta ao início do chorus. Essa convenção consiste

em três repetições dos acordes Asus e Bsus que culminam na frase do compasso 22,

que é dobrada pelo baixo e pelo teclado.

Essa convenção possui uma intenção de B Mixolídio bastante clara. O que

caracteriza essa intenção é o movimento de lá para si, ou seja, de sétima menor para

tônica.

A frase final é construída sobre E Eólio. Na partitura do New Real Book, a

frase aparece começando pela nota si, o que está certo, pois é o que o teclado faz.

Porém analizando a linha de baixo55 podemos ver que antes da nota si, Jaco já inicia a

frase no final do compasso anterior com a nota mi. Dessa forma a frase começa e

termina com a nota mi, e a nota dó caracteriza o modo como E Eólio.

O modo Eólio, como preparação para o E Lídio (que inicia o chorus), já havia

sido utilizado anteriormente entre a introdução e a exposição do tema. Á seguir temos

duas figuras, a primeira mostra a convenção e a frase final (como escritas no New Real

Book), e a segunda mostra o baixo nessa frase que termina o chorus.

Figura 52 – Convenção e Frase

55 Este trecho da linha de baixo se encontra na página 124 deste trabalho e foi retirado do livro Jaco Pastorius: The Greatest Jazz-Fusion Bass Player.

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Figura 53 – Frase Final (Baixo)

Encerraremos a análise melódica do tema com um resumo da disposição dos

motivos na melodia:

Figura 54 – Resumo da disposição dos motivos na melodia

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3.2.3 O Baixo de Jaco Pastorius como Contracanto

Figura 55 – Trecho 1 (Linha de Baixo) Esses são os seis primeiros compassos da linha de baixo de Jaco. E como

podemos ver ela é muito mais dinâmica do que a melodia superior.

Grande parte da linha de Jaco consiste em uma variação do motivo apresentado

no primeiro compasso. Esse motivo pode ser dividido em duas pequenas partes, que

chamaremos de incisos, e é construído sobre a escala pentatônica de A maior ou F#

menor.

O primeiro inciso é formado pelas notas mi e si, ou seja, a tônica do acorde e

sua quinta, e é caracterizado ritmicamente pela antecipação da segunda nota em uma

semicolcheia, seguida por outra semicolcheia.

O segundo inciso se inicia no contratempo do segundo tempo, e é constituído

pelas notas lá (quarta justa), si (quinta justa), dó sustenido (sexta maior), fá sustenido

(segunda maior) e mi (tônica). Sendo que a nota lá é apenas uma passagem para

chegar à nota si, sendo substituída muitas vezes por uma pausa ou por uma ghost note.

O segundo inciso é caracterizado ritmicamente pelo uso das semicolcheias.

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Figura 56 – Trecho 2 (Linha de Baixo)

Podemos notar que a resolução na nota mi acontece no quarto tempo, ao invés

de no primeiro tempo do compasso seguinte. Esse deslocamento gera um polirritimia,

já que enquanto o resto da banda toca em 4/4, Jaco toca em ¾. Seguindo esse padrão,

ele divide os três primeiros compassos em quatro grupos de três tempos cada, como

mostra a figura a seguir:

Figura 57 – Trecho 3 (Linha de Baixo)

A barra que separa o segundo e terceiro grupo do primeiro e quarto grupo foi

colocada para ilustrar a separação entre as repetições do motivo inicial. Se olharmos

para esse trecho como sendo formado por quatro compassos em ¾, podemos perceber

que o motivo inicial tocado no primeiro compasso sofre uma variação na qual a sua

duração é dobrada no segundo e terceiro compasso (segundo e terceiro grupo).

No segundo grupo a primeira nota do motivo é tocada com o dobro de sua

duração, após ela ocorre uma passagem pelas notas ré sustenido e ré natural que têm

um caráter mais rítmico do que melódico. Só após essa passagem rítmica é que a

segunda nota do motivo é tocada, a quinta justa.

A quinta é tocada sem a antecipação de semicolcheia, e após a repetição da

mesma nota ocorre uma pausa (que ocupa o lugar da nota lá) a quinta é tocada de

novo uma oitava abaixo, dando continuidade ao motivo. Porém a seqüência 5ªJ, 6ªM,

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6ªM, 2ªM, 6ªM é mudada da seguinte forma: 5ªJ, 6ªM, 6ªM, T, T (oitava abaixo),

sendo continuada depois pela 2ªM e 6ªM do acorde seguinte (Cmaj9).

Essa continuidade do motivo no compasso seguinte possui duas alterações

(além do fato de estar sendo tocada uma terça abaixo). A 2ªM (ré) possui a duração de

uma colcheia, ao invés de semicolcheia. E a 6ªM (lá) é tocada uma oitava acima do

que havia sido tocada anteriormente.

Figura 58 – Trecho 4 (Linha de Baixo)

A forma como Jaco utiliza o ritmo gera essa apoggiatura, passando pela 6ªM e

2ªM antes da resolução na nova tônica (dó), no terceiro compasso. Essa resolução é

antecipada em uma semicolcheia. Além dessa antecipação, a única variação do motivo

inicial apresentada no quarto grupo é que a 4ªJ não é tocada novamente.

Figura 59 – Trecho 5 (Linha de Baixo)

Após esses três compassos fecha-se o ciclo, já que o número doze (quantidade

de tempos nesses compassos) é um número múltiplo de três e de quatro. Dessa forma,

no compasso seguinte a frase se iniciará no primeiro tempo novamente.

Nos próximos três compassos temos uma nova organização dos doze tempos.

Ao invés de 3-3-3-3, agora Jaco divide-os em 4-2-3-3, sendo que o quinto pode ser

dividido em dois tempos seguidos de três tempos. E novamente os dois grupos

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intermediários formam um grande grupo, que nesse caso tem cinco tempos, onde

ocorre uma variação estendida do motivo.

Figura 60 – Trecho 6 (Linha de Baixo)

O que ocorre ritmicamente no quarto compasso (quinto grupo) é uma variação

do motivo inicial. Sendo o motivo rítmico inicial formado por três tempos, uma

semínima é tocada no quarto tempo, o que gera a polirritmia, como já foi explicado.

Porém, nesse quarto compasso a semínima é tocada no primeiro tempo,

funcionando como uma preparação para o motivo rítmico inicial, que aparece com

alterações no segundo tempo. Essas variações são que ao invés de uma colcheia

pontuada seguida de duas semicolcheias ligadas, temos uma colcheia sem ponto e uma

semicolcheia, seguidas pelas duas semicolcheias ligadas. Também ocorre de três das

semicolcheias estarem ligadas. As figuras a seguir mostram o ritmo inicial e a

variação feita no quarto compasso.

Figura 61 – Trecho 7: Ritmo Inicial (Linha de Baixo)

Figura 62 – Trecho 8: Variação do Ritmo Inicial (Linha de Baixo)

Melodicamente ocorre uma variação quase total do motivo inicial. Após a

fundamental ser tocada, ao invés de ir para a 5ªJ, Jaco passa pela 7ªM e 6ªM, para

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115

depois tocar a 2ªM, a tônica oitava abaixo a 3ªM e a 6ªM. Ou seja, a única nota que

permanece em relação ao motivo inicial é a última, a 6ªM (lá). Mas essa variação não

altera a unidade da linha pelo fato do ritmo utilizado ser uma variação bastante

próxima do motivo inicial.

Figura 63 – Trecho 9 (Linha de Baixo)

O sexto e sétimo grupo (quinto compasso a primeiro tempo do sexto

compasso) são novamente uma variação estendida do motivo inicial, mas agora em

cinco tempos ao invés de seis (como no segundo e terceiro grupo).

A técnica utilizada por Jaco para estender o motivo inicial nesse trecho foi a de

estender o primeiro inciso. Sendo que primeiramente ele toca a quintas justa sobre a

“cabeça” do tempo para depois antecipa-la em uma semicolcheia uma oitava abaixo.

Esse padrão rítmico nos remete ao do compasso anterior, com uma semínima

no primeiro tempo e a antecipação de semicolcheia do segundo para o terceiro tempo.

É como se melodicamente o motivo começasse no primeiro tempo, e ritmicamente

começasse no segundo tempo.

Após uma pausa ele inicia o segundo inciso do motivo, porém sem a 4ªJ

precedendo a quinta e com o uso de uma ghost note na primeira semicolcheia do sexto

compasso.

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Figura 64 – Trecho 10 (Linha de Baixo)

No oitavo grupo, o motivo aparece em seus três tempos usuais, porém

seguindo o padrão rítmico dos compassos anteriores, ou seja, sem a antecipação de

semicolcheia do primeiro para o segundo tempo (segundo e terceiro tempo do

compasso, já que o grupo se inicia no segundo tempo) e com essa antecipação do

segundo para o terceiro tempo (terceiro e quarto tempo do compasso).

Nesse trecho a segunda quinta justa é tocada em colcheia, ocupando o tempo

que pertenceria á 4ªJ no motivo inicial. Em seguida ocorre a antecipação da quinta

justa em semicolcheia uma oitava abaixo, que ocupa o tempo da primeira 6ªM, para

em seguida a 6ªM ser tocada, seguida pela 2ªM e por uma ghost note no lugar da

última sexta maior.

Para ajudar na visualização destas variações, abaixo temos um exemplo do

motivo inicial sobre Bmaj9 seguido pela variação feita no sexto compasso.

Figura 65 – Trecho 11: Motivo Inicial (Linha de Baixo)

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Figura 66 – Trecho 12: Variação do Motivo Inicial (Linha de Baixo)

Nos quatro compassos seguintes, Jaco passa a tocar normalmente sobre o 4/4.

Isso ocorre pelo fato de que no meio do oitavo compasso a melodia superiora se torna

mais dinâmica, e um novo motivo é inserido. A linha de baixo fica um pouco mais

reta justamente para ressaltar essa mudança melódica.

Sendo assim os grupos de notas de número 9 a 12 correspondem aos

compassos 7 a 10, já que não ocorre polirritmia.

Nos compassos 7 e 8, sobre Gmaj9, o motivo inicial é novamente tocado de

forma estendida. Nesse caso o motivo de três tempos foi estendido para oito tempos.

Do sétimo compasso até o contratempo do terceiro tempo do oitavo compasso

temos três variações do primeiro inciso.

Na primeira ocorre uma antecipação de semicolcheia sobre a própria tônica do

acorde (ao invés da quinta), seguida de uma semicolcheia também na tônica. O padrão

rítmico é quase igual ao utilizado no primeiro compasso, mas aqui as duas primeiras

notas não são ligadas.

A quinta justa é deslocada para o contratempo do segundo tempo, e tem a

duração de uma colcheia, ao invés das duas semicolcheias utilizadas anteriormente.

Na segunda variação (terceiro tempo) a tônica é substituída por uma segunda

maior, seguindo o mesmo padrão rítmico da anterior, porém com a quinta justa

aparecendo em seu lugar original com uma antecipação de semicolcheia.

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A terceira variação do primeiro inciso começa no contratempo do quarto

tempo, possuindo um prolongamento na primeira nota que dura os dois tempos do

compasso seguinte. A continuação do inciso com duas semicolcheias, que

normalmente está sobre a quinta justa nesse caso aparece sobre a oitava justa, e sem a

antecipação de semicolcheia.

Uma variação do segundo inciso é tocada no final do oitavo compasso, sendo

tocadas a 2ªM e a 3ªM do acorde em um ritmo semelhante ao usado no sexto

compasso, porém com a última nota sendo uma colcheia ao invés de duas

semicolcheias, e com a ghost note em outro local.

Figura 67 – Trecho 13 (Linha de Baixo)

Nos dois compassos seguintes Jaco faz um pedal sobre a nota mi, passando

pelos acordes de Em9 e Emaj9(#11), com uma pequena variação no final do décimo

compasso para preparar a mudança para o acorde seguinte (Cmaj9).

Figura 68 – Trecho 14 (Linha de Baixo)

Na figura abaixo podemos ver a relação da linha de Jaco com a melodia nos

compassos 5 a 10. Como vimos anteriormente, á partir do sétimo compasso ele deixa

de utilizar polirritmias para preparar a mudança na melodia superior.

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O pedal na nota mi é uma nova contenção da parte de Jaco para dar ênfase à

melodia. De forma geral quando a melodia está em notas longas ele cria outra melodia

em contraponto usando bastante de semicolcheias, mas quando a melodia superior fica

mais dinâmica ele dá o devido destaque a ela tocando menos notas e fazendo menos

alterações rítmicas.

Figura 69 – Trecho 15 (Linha de Baixo) Nos compassos 11 e 12 temos o uso de uma polirritmia semelhante a usada no

quinto e sexto compasso. Porém ao invés de formar um grande grupo de cinco tempos

seguido por um grupo de um grupo de três tempos o que ocorre é o contrário, um

grupo de três tempos seguido por um grupo de cinco tempos, como mostra a figura a

seguir:

Figura 70 – Trecho 16 (Linha de Baixo)

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No décimo terceiro grupo temos uma variação muito semelhante ao motivo

original. Sendo que a diferença está no fato da terceira nota (sol) ser uma colcheia, ao

invés de semicolcheia, e do uso da ghost note.

Figura 71 – Trecho 17 (Linha de Baixo) O décimo quarto grupo pode ser considerado uma variação do terceiro e quarto

compasso. Nas figuras a seguir temos os dois trechos:

Figura 72 – Trecho 18 (Linha de Baixo)

Figura 73 – Tracho 19 (Linha de Baixo) Podemos perceber que o décimo quarto grupo se inicia com a mesma célula

rítmica utilizada no primeiro tempo do terceiro compasso e no segundo tempo do

quarto compasso. Além disso sua segunda nota é um 7ªM (Si), que é uma nota que

caracteriza bastante o quarto compasso. Em seguida temos uma passagem pelas notas

ré, mi, lá e sol. Sendo que no quarto compasso temos as notas ré, dó, mi e lá. Ou seja,

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ao invés de ir para o dó ele já foi direto para a terça (mi) e depois para a sexta (lá),

tendo apenas pulado a tônica e tocado a nota sol após o lá.

Sendo todo este trecho uma variação do primeiro inciso que inclui elementos

do segundo inciso (citados acima). Essa variação continua no segundo tempo do

décimo segundo compasso deixando o primeiro inciso mais claro, com uma figura

igual á utilizada no terceiro compasso, porém com uma ghost note no lugar na pausa.

O que é apenas um detalhe.

Em seguida temos uma variação do segundo inciso que funciona como

preparação para o acorde seguinte (Bmaj9).

Do décimo terceiro compasso até o final do chorus, Jaco não utiliza mais

nenhuma polirritmia. Porém ele antecipa a primeira nota do décimo quarto compasso

em uma colcheia (como havia feito no oitavo compasso).

No décimo terceiro compasso temos uma variação do motivo inicial na qual o

primeiro inciso dura dois tempos ao invés de um, graças á passagem pela terça maior

antes das quintas justas em semicolcheias, que aparecem no contratempo do segundo

tempo.

No segundo e quarto tempos há uma variação sobre o segundo inciso na qual a

4ªJ é substituída novamente por uma ghost note e uma das sextas maiores é substituída

por uma pausa.

Figura 74 – Trecho 20 (Linha de Baixo)

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No compasso seguinte ele amplia a extensão do primeiro inciso com uma

passagem pela 7ªM, 3ªM e 6ªM antes de chegar á tônica. E o segundo inciso sofre uma

redução drástica sendo constituído apenas por duas notas Fá sustenido seguidas,

porém com o ritmo característico deste segundo inciso.

Figura 75 – Trecho 21 (Linha de Baixo)

Nos dois compassos seguintes ocorre uma variação melódica sobre o primeiro

inciso, com elementos melódicos do segundo inciso, e elementos rítmicos do primeiro

inciso.

No décimo sexto compasso Jaco toca as notas fá sustenido e lá, essas notas

foram tocadas pela melodia no oitavo compasso, sobre o mesmo acorde, e são

bastante marcantes, pois é justamente nesse momento que a melodia fica mais

dinâmica. Em seguida temos uma frase de transição para a convenção que virá nos

compassos seguintes.

Figura 76 – Trecho 22 (Linha de Baixo) Na página seguinte temos a partitura da linha de baixo e da melodia do décimo

compasso até o décimo sexto compasso, sendo que nos compassos seguintes teremos a

convenção.

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Como já dissemos, á partir do sétimo compasso ele deixa de utilizar

polirritmias e nos compassos 9 e 10 faz um pedal sobre a nota mi para dar maior

destaque á mudança que ocorre na melodia.

Porém, no décimo primeiro compasso ele já volta a tocar mais notas e a utilizar

polirritmia, que nesse caso inclui um ¾ e um 5/4 dividindo os oito tempos dos

compasso 12 e 13. Á partir deste momento sua linha cresce cada vez mais culminando

na convenção, que acontece do compasso 17 a 22.

Figura 77 – Trecho 23 (Linha de Baixo)

Nos compassos 17 e 18, Jaco toca apenas a tônica e a quinta justa, o que apesar

de ser bastante usual nos remete ao primeiro inciso do motivo inicial.

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Figura 78 – Trecho 24 (Linha de Baixo)

Nos dois compassos 19 e 20 ele segue a convenção fraseando sobre a escala

pentatônica de B menor

Figura 79 – Trecho 25 (Linha de Baixo)

No vigésimo primeiro compasso ele toca novamente a convenção e no

compasso seguinte faz a frase que encerra o chorus. Essa frase foi construída sobre a

escala eólia de E. No compasso 21 consideramos a nota si como fundamental, mas a

partir da última semicolcheia deste compasso a nota mi passa a ser considerada a

fundamental. Pois, apesar da frase não ser tocada sobre nenhum acorde ela começa e

termina pela nota mi.

Figura 80 – Trecho 26 (Linha de Baixo)

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O acompanhamento de Jaco durante os solos de Joe Zawinul e Wayne Shorter

não será analisado neste trabalho, após uma breve explicação sobre o aspecto rítmico

da linha de Jaco seguiremos para a análise de seu solo.

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2.2.4 Aspectos Rítmicos

O aspecto rítmico, da apresentação do tema, possui bastante contraste entre os

instrumentos.

O saxofone e o teclado se encontram em um plano rítmico, onde um toca a

melodia (formada por semibreves ligadas, até o oitavo compasso) e o outro a

harmoniza seguindo seu tempo.

Em outro plano temos a bateria, que toca de forma bastante livre com uma

intenção tercinada.

E ainda em outro plano ainda, temos o baixo de Jaco. Enquanto o baterista toca

com intenção tercinada ele toca em intenção de semicolcheias. O que gera um

contraste, além do já citado com o ritmo da melodia.

O ritmo que ele usa é um ritmo cubano chamado cha cha cha. O cha cha cha

foi criado na década de 40 pelo violinista Enrique Jorrin, o nome do ritmo remete ao

som que os pés dos dançarinos faziam quando o arrastavam no chão. É um dos pouco

ritmos quaternários cubanos.

O ritmo surgiu de uma fusão entre o danzón e o son. Sendo o primeiro oriundo

das danças de salão européias, e o segundo a grande base da música popular afro-

cubana, que deu origem ao montuno do piano da salsa.

O cha cha cha costuma estar em andamentos entre 100 e 120 bpm, e as linhas

de baixo geralmente são baseadas em colcheias.

Jaco toca a sua linha baseada em semicolcheias, e no andamento de 140 bpm.

Ou seja, em um ritmo muito mais acelerado do que o usual em um cha cha cha. O

contato de Jaco com esse ritmo é bastante claro, pois já em seu primeiro LP a música

“(Used To Be A) Cha-Cha” deixa esse contato explícito em seu próprio nome.

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Colocarei a seguir alguns padrões rítmicos utilizados na linha de baixo do cha

cha cha “Hasta Mañana”, de Oscar Stagnaro. Sendo este o padrão rítmico básico56,

que origina os outros:

Figura 81 – Cha Cha Cha 1

A partir desse padrão temos uma série de variações, mas nos focaremos em

duas, que unidas formam o primeiro compasso da linha de “Havona”.

Figura 82 – Cha Cha Cha 2: Primeira Variação

Figura 83 – Cha Cha Cha 3: Segunda Variação

O que Jaco fez, foi unir a primeira variação com o segundo compasso da

segunda variação. Porém, sem a ligadura entre os dois compassos, e entre a quarta

colcheia do segundo compasso, e a mínima. O que resulta no seguinte padrão rítmico:

Figura 84 – Cha cha Cha 4

56 Podemos notar que ao dobrarmos o valor das figuras deste padrão rítmico do cha cha cha obteremos o padrão rítmico utilizado entre o segundo e o terceiro compasso da introdução de “Havona” (ver figura 37).

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Que dobrado se transforma no ritmo do primeiro compasso da linha de Jaco:

Figura 85 – Cha Cha Cha 5 ( Jaco)

A forma como Jaco utiliza esse ritmo, como já vimos, inclui polirritmias. O

que faz bastante sentido já que a música cubana está repleta de polirritmias, oriundas

dos ritmos africanos.

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3.3. Solo de Jaco Pastorius57

Figura 86 – Solo: Primeiro Chorus

57 A transcrição do solo foi obtida no site www.lucaspickford.com e foi conferida com mais duas transcrições, sendo elas a do livro Jaco Pastorius: The Gratest Jazz-Fusion Bass Player, e a transcrição feita por Ricardo Skinowisky para a revista Cover Baixo nº 06. O primeiro chorus do solo se encontra na faixa 10 do CD que acompanha este trabalho.

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Jaco Pastorius abre seu solo com um motivo bastante semelhante ao

desenvolvido por Michel Legrand58 na trilha sonora do filme Houve uma Vez um

Verão (Summer of’ 42) de 1971, dirigido por Robert Mulligan.

Não é possível saber até que ponto essa semelhança é apenas uma

coincidência, mas alguns fatores nos levam a supor que Jaco conhecia essa música.

Primeiramente o fato de que o citado filme teve bastante sucesso em sua época, tendo

inclusive ganhado o Oscar de melhor trilha sonora. Além disso, no mesmo ano do

lançamento do filme, o guitarrista George Benson gravou essa música em seu LP

White Rabbit, que conta com as participações de Ron Carter e Herbie Hancock, dois

músicos já citados como influência para Jaco. Tanto o filme, como a gravação de

Benson, ocorreram seis anos antes da gravação de “Havona” com o Weather Report.

Portanto parece ser bem provável que ele conhecesse essa música.

Abaixo temos os dois primeiros compassos da música de Legrand59:

Figura 87 – Trecho 1 de “Theme from Summer of’ 42”

A música começa em tonalidade menor, o que a diferencia do solo de Jaco,

porém no décimo sétimo compasso ocorre uma mudança para o homônimo maior. A

seguir farei uma comparação entre esse trecho da música de Legrand com o início do

solo de Jaco.

58 Michel Legrand é um compositor de trilhas sonoras francês bastante envolvido com o jazz e com a música brasileira. Chegou a gravar com músicos de jazz conceituados como Miles Davis, John Coltrane e Bill Evans. Aluno de Nadia Boulanger, compôs a trilha sonora de diversos filmes como O Mensageiro, Yentl, Os Guarda-Chuvas do Amor, Dingo (em parceria com Miles Davis), Uma Mulher É Uma Mulher, Lola e Disco entre outros. Em 2004 gravou um LP em parceria com o brasileiro Luiz Eça. 59 As transcrições dos trechos da música de Legrand foram feitas pelo autor desta monografia.

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Legrand:

Figura 88 – Trecho 2 de “Theme from Summer of’ 42” Jaco:

Figura 89 – Trecho 1 (Solo)

Comparando o décimo sétimo compasso da música de Legrand com o primeiro

compasso do solo de Jaco, a única diferença melódica é que a frase de Jaco repousa

sobre a quinta justa, e a de Legrand repousa sobre a fundamental do acorde. Além do

fato das duas músicas estarem em tonalidades diferentes.

Os dois possuem ritmos acéfalos. A maior diferença rítmica entre eles é que

um está em 6/8 e o outro em 4/4, mas isso não altera muito a característica do motivo.

Outra diferença a ser notada é que Jaco não faz a repetição da nota no segundo

compasso. Mas esse é um detalhe que nem faz parte do motivo original da música,

sendo utilizado pelo compositor apenas como uma variação rítmica.

O motivo utilizado por Jaco e Legrand é praticamente idêntico, mas cada um o

desenvolve de uma forma diferente, e sobre uma harmonia diferente.

Após a apresentação do motivo sobre o acorde Emaj9(#11), Jaco toca uma

frase de resposta com intenção lídia sobre Cmaj9. Essa frase possui o mesmo perfil

melódico do motivo apresentado.

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A seguir Jaco toca um o arpejo de B maior, enfatizando a 7ªM, que é a nota da

melodia. As notas que pertencerem à melodia serão identificadas com a letra “M”

como no exemplo abaixo.

Figura 90 – Trecho 2 (Solo)

Antes de continuarmos com a análise, gostaria de ressaltar o fato de que, a não

ser quando comentado o contrário, devemos considerar que todo o solo está escrito

oitava acima, portanto não será necessário o símbolo de oitava em todos os trechos.

Em seguida ele faz uma frase de resposta utilizando a escala pentatônica de B

menor, sobre o acorde Gmaj7, repousando na 6ªM do acorde e novamente ele inicia o

compasso com uma nota da melodia.

Figura 91 – Trecho 3 (Solo) No meio do oitavo compasso Jaco toca um trecho da melodia (continuando

dentro da escala pentatônica de B menor), seguida por uma frase, que se inicia no

terceiro tempo do nono compasso.

A frase começa com um arpejo de Gmaj9. A seguir, ele utiliza uma passagem

cromática para chegar à nota ré sustenido (que é a nota da melodia) no compasso

seguinte. Sobre essa passagem cromática podemos dizer que as notas fá e ré bemol

são respectivamente 5ªJ e 3ªm do acorde Bbm7. O uso de notas pertencentes à

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tonalidade que formam trítono com o acorde é bastante comum no bebop60. As notas

mi e dó podem ser vistas como fazendo parte da escala diminuta de E. Dessa forma

Jaco cria uma passagem harmônica implícita na melodia.

Ao chegar no ré sustenido (primeiro tempo do décimo compasso), ele toca

sobre G# Eólio, dando uma intenção lídia para o E.

A finalização dessa frase é uma variação do motivo inicial (que chamarei de

Motivo Legrand) uma quarta abaixo. O acorde é de Emaj9, mas Jaco toca como se

estivesse em B maior, dessa forma ele começa tocando sobre a nona do acorde.

Se ele tocasse o motivo da mesma forma que tocou no primeiro compasso,

após a nona, ele tocaria a 6ªM e a 7ªM e voltaria para a nona. Mas nessa variação ele

vai da nona para a terça maior para depois ir para a 7ªM e repousar sobre a 6ªM. Ou

seja, ele acrescentou uma nota e mudou a ordem das outras, mas mesmo assim o

motivo inicial continua ali.

Figura 92 – Trecho 4 (Solo) No décimo primeiro compasso o modo eólio é tocado meio tom acima, sobre o

acorde de Cmaj9. Nesse caso não existe intenção lídia, ele está tocando sobre C maior

apenas.

Figura 93 – Trecho 5 (Solo)

60 Jaco explica como pensa em substituição por trítono na entrevista cedida a Steve Rosen.

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A intenção lídia sobre C aparece no compasso seguinte, onde ele toca a escala

pentatônica maior de D e C. Em seguida ele faz o mesmo padrão meio tom abaixo,

sobre as pentatônicas maiores de C# e B. O último tempo do décimo segundo

compasso é composto pela escala diminuta de G#.

Figura 94 – Trecho 6 (Solo)

A seguir, a pentatônica de C# maior é tocada novamente sobre o acorde de

Bmaj7(b5), porém ao invés de ser seguida pela pentatônica de B maior (como no

compasso 12) ela é seguida pela pentatônica de B menor, sobre o acorde Gmaj7.

Figura 95 – Trecho 7 (Solo)

A seguir temos um trecho correspondente à melodia (em clave de sol) destes

compassos.

Figura 96 – Trecho 8 (Solo)

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Podemos notar que as notas da melodia (marcadas com “M”) aparecem em

ordem invertida no compasso 13 e 14. No primeiro a nota fá (enarmônica do mi

sustenido escrito na melodia) é tocada antes da nota lá sustenido. No segundo a nota

sol sustenido é tocada antes da nota dó sustenido.

No compasso 15 Jaco repousa sobre a nota da melodia (lá), que já havia sido

tocada no mesmo compasso uma oitava acima. Esse repousi vai até o primeiro

primeiro tempo no compasso seguinte, onde (antecedido por uma pausa de um tempo)

Jaco continua a tocar sobre a pentatônica de B menor, em uma frase que faz a

preparação para a convenção que virá a seguir61, que ele toca junto com os outros

instrumentos.

Após a convenção, em que ele toca as notas lá, si62. Jaco faz outra frase sobre a

pentatônica de B menor. Ou seja, o trecho todo está sobre essa pentatônica.

Figura 97 – Trecho 9 (Solo) Após um compasso de pausa (ele não toca a convenção da segunda vez) ele

continua sobre a pentatônica de B menor em uma frase que vai até o segundo tempo

do compasso seguinte. Podemos perceber que ele termina a frase com as notas si e lá,

que são as mesmas notas que haviam sido tocadas na convenção do mesmo compasso,

porém com a ordem invertida.

61 A partir do décimo sétimo compasso as notas não se encontram mais uma oitava acima do que foram escritas. 62 Essa forma de tocar que ele usa na nota si, tocando ela e depois em seguida a oitava (porém sem soltar a primeira) é bastante característica da forma como Jaco tocava. Sendo um efeito bastante expressivo no baixo fretless.

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Figura 98 – Trecho 10 (Solo)

No vigésimo segundo compasso ele faz uma pausa, enquanto o teclado toca a

frase de preparação para o próximo chorus.

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3.3.2 Segundo Chorus

Figura 99 – Solo: Segundo Chorus Os números (64) e (66) indicam notas de rodapé nas páginas 139 e 143 respectivamente.

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O segundo chorus63 se inicia com uma frase sobre F# mixolídio. Pode surgir

alguma dúvida sobre se o modo sobre F# é mixolídio ou dórico, já que a terça (que

seria a quarta aumentada de mi) não é tocada. Mas essa intenção lídia de E já se

encontra bastante clara na harmonia, não deixando dúvidas sobre o modo ser o

mixolídio.

A nota que inicia a frase é a nota da melodia (ré#), que é tocada de forma

bastante enfática três vezes. Podemos perceber que assim como no início do primeiro

chorus, Jaco inicia com uma frase de ritmo acéfalo.

Figura 100 – Trecho 11 (Solo) Logo após essa frase ele inicia uma frase em semicolcheias (novamente em

ritmo acéfalo), que começa sobre a pentatônica de B maior e no compasso seguinte,

quando a harmonia muda para Cmaj9, vai para a escala dórica de A, dando novamente

uma intenção lídia ao C.

A nota em que Jaco repousa (si) não é a nota da melodia que corresponde a

esse momento, mas que é tocada na melodia na segunda vez em que esse acorde

aparece, no décimo segundo compasso da melodia. Sendo assim uma variação da

melodia, que aparece de forma antecipada em seu solo. Essa antecipação melódica foi

grafada com a letra “M” entre parênteses.

63 O segundo chorus do solo se encontra na faixa 11 do CD.

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Figura 101 – Trecho 12 (Solo)

No compasso seguinte temos outra frase que se inicia em ritmo acéfalo. A

frase começa sobre B frígio e no compasso seguinte, quando a harmonia vai para

Bmaj7(b5) fica sobre a escala dórica de G#.

No compasso 26 ele utiliza novamente um ornamento para dar ênfase á nota da

melodia.

Figura 102 – Trecho 13 (Solo) A nota sol sustenido segue até o primeiro tempo do compasso seguinte. Então

ele começa uma frase64 com o arpejo de F# maior seguida de G# Dórico, mantendo a

intenção lídia sobre B que vinha desde o compasso 27.

No compasso 29 ele continua a frase em uma mistura entre as pentatônicas de

G maior (primeiro tempo) e B menor (tempos restantes).

Em relação á melodia, podemos perceber que as duas notas da melodia se

encontram em posição de destaque apesar de Jaco não repousar sobre elas. A primeira

64 Essa frase, do compasso 28, possuía uma nota errada na partitura consultada. A nota lá sustenido estava escrita como um si. Corrigi esse erro fazendo uma comparação com a partitura do mesmo solo que se encontra no livro Jaco Pastorius: The Gratest Jazz-Fusion Bass Player. A partitura deste trecho que se encontra nesta página já está com a correção.

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(lá sustenido) é a nota final da descida do arpejo de F# maior (compasso 28), e a

segunda (lá natural) é a nota final da descida sobre a pentatônica de B menor.

Figura 103 – Trecho 14 (Solo) Ritmicamente o início dessa frase (compasso 28) é bastante interessante,

podendo ser dividida em um grupo de sete notas, que dura do segundo tempo

(lembrando que o primeiro tempo é uma ligadura da nota final da frase anterior e não

se encontra na figura) até a terceira semicolcheia do terceiro tempo (incluindo as

pausas no primeiro tempo), seguido de um grupo de cinco notas, que dura da quarta

semicolcheia do terceiro tempo até a quarta semicolcheia do quarto tempo.

Ao final do compasso 29 se inicia um frase que vai até o ínicio do compasso

33. Dividiremos essa frase em três para facilitar a análise.

A frase começa sobre a pentatônica de E menor, o que é bastante natural se

tratando de um acorde de Em7. Porém no terceiro tempo ele começa a tocar sobre a

escala frigia de C#, que pertence ao campo harmônico de lá maior.

Essa breve mudança para a região da subdominante gera um acorde de E7

ímplicito na melodia, que faz a preparação para o Emaj7 no compasso seguinte. O

modo frígio fica bastante claro pela utilização da nota sol sustenido que antecede a

nota lá e no final deste trecho, quando a nota dó sustenido é antecedida pela nota ré.

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Figura 104 – Trecho 15 (Solo) Saindo do dó sustenido, no compasso 32, a frase continua sobre a pentatônica

de G#m, e a partir da quarta semicolcheia do segundo tempo vai para D# frígio (que

também pode ser visto como E lídio começando da sétima).

Novamente Jaco utiliza um padrão que não é de quatro notas sobre as

semicolcheias. A partir da nota fá sustenido (que é o inpulso da continuação da frase,

sendo que o dó sustenido é a terminação do trecho anterior e o ré sustenido é uma

ghost note) temos dois grupos de cinco notas. Um do fá sustenido até o sol sustenido e

outro do dó sustenido até o ré sustenido. Podemos notar que nos dois casos a nota

final do grupo está uma nona abaixo da nota inicial.

Figura 105 – Trecho 16 (Solo) No compasso seguinte a frase continua (sobre Cmaj9) com o uso de E eólio,

seguido por um arpejo de C7M e pela pentatônica de E menor. Vendo de uma forma

mais geral, o compasso inteiro está sobre C Lídio.

Agora Jaco usa um padrão de quatro notas, porém deslocado em uma

semicolcheia, dividido em dois grupos. O primeiro vai do sol (segunda semicolcheia

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do segundo tempo) ao si (primeira semicolcheia do terceiro tempo) e o segundo vai do

mi (segunda semicolcheia do terceiro tempo) ao lá (quarto tempo).

Figura 106 – Trecho 17 (Solo)

Á seguir temos outra frase grande que será dividida em quatro partes. Jaco

inicia a frase sobre a pentatônica de G maior, que é equivalente á pentatônica de Em,

da qual ele vinha do compasso anterior, em seguida toca uma descida melódica

característica de G Jônio, que resolve na nota sol sustenido no compasso seguinte.

Figura 107 – Trecho 18 (Solo)

A frase continua no compasso seguinte sobre a pentatônica de G#m, seguida

pela maior de C#. As notas da melodia se encontram em bastante evidência, sendo

elas a primeira e a última nota sobre a pentatônica de C#. A nota mi natural (terceira

semicolcheia do quarto tempo) é uma blue note utilizada como ornamento.

Figura 108 – Trecho 19 (Solo)

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Após o fá natural ele passa a tocar sobre a pentatõnica maior de F#, seguida

pela pentatônica menor de D#. Que são a mesma escala, porém começando de outras

notas. A nota sol natural utilizada de passagem (quarta semicolcheia do segundo

tempo) também pode ser considerada uma blue note65.

Figura 109 – Trecho 20 (Solo)

Em seguida Jaco toca uma seqüência utilizando a corda G solta como pedal.

Compasso 37 é construído sobre a pentatônica de B menor, e o compasso 38 sobre o

modo Jônio de D, gerando uma intenção lídia sobre o sol.

Figura 110 – Trecho 21 (Solo) Após essa frase, Jaco inica a convenção tocando bicordes66 de tônica-quinta,

bastante característicos da linguagem do rock. Na repetição ele acrescenta uma nota

no grave a esses bicordes, formando acordes de tônica-quinta-nona, mudando a

harmonia de Asus/Bsus para Dsus/Esus. Esses acordes com nona, nesta região do

65 Essa nota é uma terça maior que resolve em uma terça menor. Geralmente em pentatônicas menores a quarta aumentada é a blue note, mas nesse caso essa nota também pode ser considerada como blue note por seguir o mesmo príncipio. 66 Na partitura utilizada esses bicordes não estavam escritos. A correção foi novamente retirada da transcrição do mesmo solo existente no livro Jaco Pastorius: The Gratest Jazz-Fusion Bass Player.

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instrumento, necessitam de uma grande abertura entre os dedos para serem executados

como uma entonação precisa no fretless.

Figura 111 – Trecho 22 (Solo)

Em seguida ele toca apenas as fundamentais dos acordes e finaliza o chorus

dobrando a última frase com o teclado.

Figura 112 – Trecho 23 (Solo)

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Considerações Finais

O segundo capítulo deste trabalho é um claro exemplo da capacidade de

síntese que caracteriza grandes obras da música popular. Em apenas seis minutos de

música temos uma enorme variedade de elementos que fazem com que cada compasso

seja objeto de um estudo aprofundado.

No caso de Jaco, o que chama bastante a atenção é a diversidade das fontes

desses elementos musicais, indo do cha cha cha á Jimi Hendrix, passando pelo jazz

modal e pelo bebop.

As sessenta páginas que constituem o segundo capítulo se tornam pouco em

relação á quantidade de elementos que estão contidos nestes seis minutos.

Gostaria de finalizar o trabalho com um pensamento67 de Bobby Colomby,

produtor do primeiro LP de Jaco.

Enquanto ouvia com Jaco a mixagem final de seu primeiro LP, eu disse a ele para ficar quieto e ouvir...ouvir o barulho das cases de baixo se fechando ao redor do mundo. O que eu estava sugerindo é que muitos baixistas iriam desistir de tocar o instrumento após ouvir aquela gravação. Mas o que eu deveria dizer era: “Hey Jaco, escute o barulho de baixistas abrindo suas cases, inspirados como nunca, estudando o baixo e vendo o instrumento de uma forma completamente diferente. Parabéns, você mudou o som e a atitude do instrumento...” Bobby Colomby (01-11-01)

67 Este trecho foi obtido no site www.jacopastorius.com e foi traduzido pelo autor desta monografia.

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REFERÊNCIAS

Livros

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MAULEON, Rebeca. Salsa Guidebook: Petaluma: Sher Music, 1993.

MILKOWSKI, Bill. The Extraordinary and Tragic Life of Jaco Pastorius: São

Francisco: Backbeat Book, 2005.

MILLER, Ron. Modal Jazz: Composition and Harmony (Volume 1): Rottenburg:

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PORTER, Lewis. John Coltrane: His Life and Music: Ann Arbor: The University of

Michigan Press, 1998.

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RUSSELL, George. The Lydian Chromatic Concept of Tonal Organization (Volume

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SLONIMSKY, Nicolas. Thesaurus of Scales and Melodic Patterns: Nova York:

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STAGNARO, Oscar. Afro-Cuban Slap Bass Lines: Boston: Berklee Press, 2004

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Trabalhos Acadêmicos

LADISLAU, Bruno Aily. A Contribuição dos baixos Fender para a evolução da

técnica contrabaixística: São Paulo: FASM, 2006.

LIMA, Adriano Fagundes Oliveira. Policordes: Sistematização e Uso na Música

Popular: Campinas: UNICAMP, 2006.

Revistas

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SKINOVSKY, Ricardo. Transcrição e Análise de Havona. Revista Cover Baixo nº6.

Sites

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Obtido no site <http://www.jacop.net> Acesso em 01/10/08

CORYELL, Julie. Entrevista feita em 1977.

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ROSEN, Steve. Entrevista feita em 1978.

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James Brown’s Bassist. Obtido no site <http://www.bassplayer.com>

Acesso em 20/10/08

Sobre o baixista “Sweet” Charles Sherrel – <http://www.sweetcharlessherrel.com>

Acesso em 20/10/08

Sobre o Livro de Urântia - <http://www.urantia.org> Acesso em 25/10/08

Partituras

Jaco Pastorius: “ Come on Come Over”, “Liberty City” e “Birdland” - The Essential

Jaco Pastorius: Hal Leonard.

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Jaco Pastorius: “Havona” Linha de Baixo e Solo - Jaco Pastorius: The Greatest Jazz-

Fusion Bass Player: Hal Leonard.

Jaco Pastorius: “Havona” Solo - <http://www.lucaspickford.com>

Jaco Pastorius: “Havona” Solo – Revista Cover baixo nº6

Jaco Pastorius: “Havona” Introdução e Tema - The New Real Book, Volume 1:

Petaluma: Sher Music, 1988.

Jaco Pastorius: “Portrait of Tracy” - PESCARA, Jorge. Harmônicos. Coleção Toque

de Mestre (Revista Cover Baixo)

John Coltrane: “Giant Steps” - The New Real Book, Volume 2: Petaluma: Sher Music,

1991.

CD’s

B.B. King: Live & Well. BGOLP233. BGO Records.

George Benson: White Rabbit. ZK 40685. CBS Records.

Jaco Pastorius: Invitation. 9362-47909-2. Warner Bros.

Jaco Pastorius: Jaco Pastorius. EPC 494850 2. Epic/Legacy.

Jaco Pastorius: Legendary Demo & Live Tracks. VICJ-61566. Victor.

Jaco Pastorius: Word of Mouth. 93624 8246-2. Warner Bros.

Michel Legrand: Summer of ’42. 759927191-2. Warner Bros

Miles Davis: Bitches Brew.C2K 65774

Weather Report: Heavy Weather. CK 65108. Columbia/Legacy.

Vídeos

PASTORIUS, Jaco. Modern Electric Bass: Miami: Warner Music, 2002.

Solo “Slang” - <http://br.youtube.com/watch?v=RdY-KAmj5fU>

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Faixas do CD

01. Trecho de “Liberty City” 02. Trecho de “Come On Come Over” 03. Trecho de “Portrait of Tracy” 04. Trecho de “Birdland” 05. “Havona” - Versão demo de 1974 06. “Havona” – Versão do LP Heavy Weather (1977) 07. Introdução 08. Coda 09. Tema 10. Primeiro Chorus do Solo 11. Segundo Chorus do Solo