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GAMA, Ruy, A Tecnologia e o Trabalho Na História, São Paulo, NobelEdusp, 1986, p. 181 207
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E ai que surge a telematica, sistema de transmissiio de ordens pelo qual uma fabrica situada no Brasil opera, no dia-a-dia, com ordens vindas do exterior. De T6quio ou de Nova York, de Detroit ou da Alemanha. Os estoques, os pedidos, as vendas, os pr~s e ate a programayao das maquinas e das linhas de produ9a0, tudo e registrado, decidido e ordenado do exterior. Dos pedidos de materia-prima ou/e componentes, do desenho, do tipo de produto ate o hor8rio de fechamento dos portOes, tudo est& despersonalizado, alienado e delegado ao sistema de comunica9iio que supera a propria diferen9a das Unguas nacionais. Se os gravadores, desde os cilindros de Edison ate os de fita magnetics, destinavam-se ao registro de pala'vras, hoje registram ordens niio-verbalizadas, sim-ou-nao, que e mais barato.
Todas essas coloca96es, que fa90 com intenyao mais .pro-vocativa e estimulante do que descoro9Qante, poderiam ser sintetizadas nas frases:
No infcio era o Verbo: Cortaram a Hngua de Tupac Amaru Hoje e a Telematica: Deus ex-machina!
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~ \-\{~\t) \2] ~ . foj) ~o.>Jlo '( Wa\:d I dJJ~~ I ~q~b. ~ ~e em mo-vimento as foryas naturais de seu corpo, bra~ e pernas, cabeya e miios, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma util A vida humana. Atuando assim sobre a natureza ~xterna e modifi-cando-a, ao mesmo tempo modifies sua propria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domfnio o -jogo das foryas naturais. Niio se- trata aqui das foryaa instintivas, animais, de tra-balho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua forya de trabalho, t ime.nsa a distincia hist6rica que medeia entre sua condi-
~o e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de traba-lho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma aranha executa opera90es semelhantes As do tecelio, e a abelha supera mais de urn arquiteto ao construir sua colmtia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha t que ele figura na mente sua constru-~o antes de transform6-la em realidade.
No firn do proc:eSso do trabalho aparece urn resultado que ja existia antes idealmente na imagina~o do trabalhador .. 1 1. K. Marx. 0 Cap/tal. Uvro 1. Vol. I, p. 202.
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Ainda na mesma obra, Marx escreve: "0 processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos sim-
ples e abstratos, 6 atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais as necessidades humanas; e condi-
~o natural etema da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. Nao foi por isso necessirio tratar do trabalhador em sua rela~o com outros trabalhadores. Bastaram. o homem e seu trabalho, de urn lado, a natureza e seus elementos materiais, de outro. 0 gosto do pao nao revela quem plantou o trigo, e o processo exam.inado nada nos diz sabre as condies em que ele se realiza, se sob o latego do feitor de escravos ou sob o olhar ansioso do capitalists, ou se o executa Cincinato lavrando algumas jeiras de terra ou o selvagem ao abater um animal bravio com uma pedra" 2
Ja em 1844 Marx se referia ao trabalho nos seguintes termos:
"A indwtria e a rela~o hist6rica real entre a natureza e, portanto, as ciencias naturais e o homem. Atraves da industria, a produ~o ou o trabalho, a natureza se adapta ao homem, pois nem a natureza objetiva-mente, nem a natureza subjetivamente, existem de modo imediatamente adequado ao ser humano" 3
Jose Arthur Giannotti, comentando os trechos de 0 Ca-pital acima transcritos, escreve:
/ "0 Iugar ocupado por essa analise, no curso do desenvolvimento
te6rico das categorias fundantes do modo de produ~o capitalists, indica claramente seu carater abstrato e o intuito do au tor e contrap6-la a in-
vestiga~o modal.
0 interesse de Marx centra-se, pois, em opor o trabalho abstrato comum a 1odos os sistemas produtivos ao trabalho caracterizadamente capitalists.
Observe--se que no c4so a investigayio se situa antes da hist6ria, na tentativa de explicar suas condi~ abstratas. Nessas condies, se pretendermos levar a cabo uma investigayio sabre o trabalho, niio nos resta outro recurw seniio o de nos trasladar para um modo de produ~o determinado" 4
2. K. Marx. Op. cit Livro I, vol. I, p. 208. 3. K. Marx. ManUJCrltoa de 1148. 4. J. Arthur Giannotti. Ori8ttU do Dlolbica do Trabolho. Sio Paulo, DIFEL, 1966. p. 22$.
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Voltando ao texto de Marx:
"Os elementos componentes do processo de trabalho sao: I. a atividade adequada a urn fim, isto e, o proprio trabalho; 2. a materia a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3. os meios de trabalho, 9 instrumental de trabalho".
conveniente comparar esta formulayao com a questao das Causas, preocupa~ao da filosofia grega sistematizada na Fisica de Arist6teles como enunciado de quatro.causas, exem-plificadas com objetos produzidos pelo traba1ho humano e que sao:
1. Causa Material - refere-se aquila de que algo surge ou mediante o qual chega a ser, aquila de que e constitufdo o objeto. Ex.: o bronze e a causa da estatua, a prata 0 e do arco . .
2. Causa Formal - refere-se ao arquetipo, a forma que se pretende dar ao objeto produzido ou ao objeto restaurado. l,iga-se ao con-ceito de eidos e paradigms, do que e antes de ser.
3. Causa Eficiente - refere-se a mudan~, a transformayio da materia pelo trabalho.
4. Causa Final - e a realidade a qual algo tende a ser. Associa-se a ideia de utfliza~o, emprego ou uso, a satisfa~o de um fim.
E no que se refere a esta ultima causa varias discus-soes podem ser abertas. Do ponto de vista aqui defendido, no que se refere a tecnologia, a questao do como sao feitas as coisas, em que condiy5es hist6ricas da produyao teria mais rele.vo do que a questao das coisas que sao feitas; a esta ulti-ma esta afeta a causa final.
Mas no ideario da arquitetura moderna, do urbanismo e do desenho industrial, a nos;ao de causa final persiste e; se for-talece associada a nos;ao de funfao. Dai tern resultado urn fra-cionamento, ja hoje sensivelmente prejudicial, do campo da arquitetura e que a sup5e dividida em diversas arquiteturas, tais como habitacional, escolar, hospitalar, esportiva, indus-trial, banciria etc.
Pretende-se com isso dividir a arquitetura segundo urn criterio qlle nio me parece aceitavel nem mesmo para a tee-
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nologia, apesar de que, quanto a esta Ultima, varias classifica-~ fmalistas ou funcionais tem sido propostas.
Mas e, por outro lado, inegavel que o como e o porque estao inti.ma.mente relacionados, e ainda que o porque, em ter-mos de causa final, tem um carater recorrente, de modo que a causa final de U!lla etapa passa a ser causa material na etapa seguinte de uma sequencia de atividades produtivas.
Poderlamos dizer que tanto a funfac, no caso da arqui-tetura, como a causa final no caso da tecnologia tem posirrao externa, ainda que historicamente determinante e determina-da. E nesses termos a questao e polftica e nao tecno16gica, e politicamente deve ser discutida. Talvez seja mais adequado coloca-la em tennos _das rela~ de produyao.
Voltando aos elementos 'do processo de trabalho, vamos a questao dos meios de trabalho. .
"0 meio de trabalho 6 uma coisa ou um complexo de ~isas, que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lbe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as proprieda.des mecinicas, ffsicas, quimicas das coisas, para fazC..las atuarem como for-
~s sobre outras coisas, de acordo com o fim que tern em mira" ~.
Podemos verificar entao, claramente, que a maier parte dos autores anterionnente citados neste texto - historiado-res, fil6sofos e tecn6logos - conceitua como tecnologia, ora o trabalho, ora os meios de trabalho, mas poucos sao os que a conceituam como uma reflexiio sobre o trabalho.
Estando as coisas nesse pe, vou tentar circunscrever mais estritamente o conceito de tecnologia que_ apresen:tei . no pri-meiro capitulo. Ja se viu como, para Andre Haudricourt, a tecnologia e a ciencia das jOTfllS produtivas, conceito que adota em oposi~ao ao que caracteriza como um desvio da 6ti-ca universitana do seculo XIX, 9ue privilegiava o estudo dos Modes de Produyao em detrimento do estudo das For~s Pro-dutivas.
Parece-me que tal oposi9ao nao era necessaria, pois a categoria Modo de Produ9ao nao exclui, ao contrario, com-
S. K. Marx. 0 Capital. Livro I, vol. 1, p. 203.
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preende as Fo~s Produtivas. Mas e evidente que OS historia-dores arque61ogos e antrop6logos que estudam a "civiliza~o material" nao se podem contentar como exame dos Modos de Produ9ao e deixar de lado os pr6prios objetos produzidos. Se, como escreve Marx, o que distingue as diferentes epocas eco-nomicas nao e o que se faz, mas como se faz, com que meios de trabalho se faz ', o historiador, no seu offcio, trata tambem de objetos e da temporalidade, e e precise freqiientemente des-cobrir nas coisas feitas o como foram feitas. Essa descoberta permite (ou possibilita) vincular a uma determinada epoca . economica,_ por amarra~ao direta ou por criterios excludentes, as coisas feitas. Isto quer dizer que o exame fatual ou obje-tivo (relative ao objeto) se vincula - para afinna-la ou re-ve-la- a uma teoriza~ao anterior.
Nesse sentido parece-me que a conceitua~ao de Andre Haudricourt e extremamente clara e de grande importancia metodol6gica para a Hist6ria. Mas sera ela igualmente clara quando se trata de examinar a tecnologia como elemento ho-je integrante, e nao apenas espectador das For~as Produ,tivas? Quando a tecnologia nao e apenas urn instrumento de analise, mas um instrumento de produrrao?
Quero que figue clare que nao estou criticando o autor citado por uma de suas frases em um de seus textos. Mas, como tenho presente a necessidade de esta.rmos armadas para o debate e para decisoes politicas em geral, e de polftica tec-nol6gica em particular, creio que o conceito de tecnologia de-va se referir particularmente ao papel que ela tern na produ-rrao e no mundo moderno.
Diria entao que:
A tecnologia mbderna e a ciencia do trabalho .produtivo. Por que modema? Porque nao se confunde com a tecno-
logia jonica, referida por Vasco Magalhaes Vilhena 7; nao se confunde tambem com a tecnologia poHtica greco-romana que acabou quase absorvida pelo Trivium de Boecio e Alcufno. A tecnologia a que me refire e aquela que come93 a ser con-6. K. Marx. 0 Capital. Livro I, vol. I, p. 204 . 7. V. p'gina 172.
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ceituada por Christian Wolff, por Beckmann e pelos "tecn6-logos,. alemaes no seculo XVIII, e muito mais proxima da Philosophy of Manufacture exposta por Ure do que da acep-yao que o mesmo Ure dava a technology.
Por que trabalho produtivo? Porque, com redundancia, a tecnologia diz respeito ao trabalho em que esta envolvido o capital, o que e caractenstico, obviamente, da economia capi-talists . Nao teria sentido, portanto, falar de tecnologia do neoltico ou da Idade Media, a menos que nos refiramos a ami-
lises "tecno16gicas" , a luz. da tecnologia, no sentido amplo que A. Haudricourt lhe da, das condiy(Ses de trabalho e de produyao em sociedades antigas.
Nestes termos, ela e atividade que se desenvolve em ou-tro nfvel que nao o da atividade tecnica operat6ria.
claro que esse Iugar de ciencia do trab-alho vern sendo disputado por varias disciplinas. A Ergonomia e uma delas. Definida como disciplina que trata da organiz.ayao racional do trabalho ou do estudo do ambiente, das condiy3es e da efi-ciencia dos trabalhadores, ela e evidentemente parcelar (e parcial), e estaria compreendida na tecnologia.
Definida como ciencia, a tecnologia teria em seu ambi-to os tres componentes do processo de trabalbo a que se refe-re Marx, e p(,derfamos representa-la, como construyao con-ceitual, atraves de uma construyao volumetrica. 0 modelo seria um tetraedro regular, s6lido, que tern quatro faces trian-gulares iguais, sendo cada uma delas contfgua a todas as ou-tras. Nelas, que poderiamos imaginar transparentes, se inscre-
. veriam os componentes da tecnologia, que correspondem aos do processo de trabalho. Esta representayao geometries, que parece ter certa originalidade, completa-se portanto com as inscri~:
I - A Tecnologia do Trabalbo. II - A Tecnologia dos Materiais.
III - A Tecnologia dos Meios de Trabalho. IV - A Tecnologia Basica ou Praxiologia. 0 modelo proposto pennitiria o exame do mesmo obje-
to- por exemplo, urn trator agr{cola, que suporfamos colo-186
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cado em seu interior - atraves de qualquer das facetas do tetraedro.
A confusio conceitual em torno da tecnologia alastra-se inevitavelmente aos seus componentes. No Brasil, talvez par-ticularmente; as denominay(Ses e as definiy(Ses dos campos conceituais e de trabalho estao sujeitas a decisoes em tres ni-veis que nao se comunicam com a necessaria coordenayao: o da pratica profissional, que se manifests por press6es de mer-cado, o mvel da universidade, que deve ter em vista, alem dessa "pratica" oriunda da demands economics, OS projetos que a pr6pria universidade deveria necessariamente ter em vista para o futuro do povo brasileiro, e o nivel em que se delimitam os campos de trabalho - as atribuiy(Ses profis-sionais -,_que constituem objeto de legislayao federal. Nela tern grande peso as diferenyas regionais, que seriam definidas mais precisamente em termos de meio hist6rico do que. em ter-mos de meio fisico ou meio geografico, no senso estrito de geografia --ffsica.
Como resultado disso, os campos de trabalho estao em-baralhados, superp6em-se denominay(Ses que freqiientemente resultam de traduy(Ses puramente comerciais e menos rigoro-sas, e que estao tam bern sujeitas as modas, que privilegiam ora "as tecnologias" (sic), ora "as engenharias" (fracionando a en-genharia em varias centenas de especialidades), ora a "moder-niz.ayao", ora o "desenvolvimento".
Apesar disso - sabendo dessas dificuldades e da pre-cariedade de uma proposta de modelo unificador, quando ain-da prevalecem criterios empfrico-nominalistas -, vejamos de que maneira se podem agrupar os componentes da tecnologia e distribui-los pelas faces do tetraedro.
1 . TECNOLOGIA DO TRABALHO
0 trabalho - ayao do 11omem dirigida a . fins deter-minados - e atividade material orientada por urn projeto. 0 homem modifica a natureza pelo trabalho e modifica-se a si
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me~o. inclusive desenvolvendo suas habilidades. Incluem-se aqui as questoes relativas aos mov_imentos, gestos e atitudes no trabalho, intimamente ligadas a questio dos tempos de tra-
~alho. A divisao do trabalho em seus diversos nfveis (social, profissional ou as fonnas mais anrigas de divisao por sexo ou por idade), e as relaes entre os trabalhadores no processo de trabalho (trabalho artesanal e trabalho em coopera~ao tam-hem se incluem neste item). assim como o que se ref ere as formas de transmissao do conhecimento e das habilidades no sistema da aprendizagem ou no sistema escolarizado. Da mes-
.. rna maneira, devemos incluir as questoes referentes a seguran-ya e a medicina do trabalho.
Alguns fatos hist6ricos ajudam a entender o que se agru-pa neste primeiro ramo da tecnologia. Comecemos com a ques-tao da fadiga, pois a ela se referem os primeiros estudos me-demos sobre 0 trabalho e '() esforyo fisico. Como e ~abido (mas pouco lembrado), os elevadores para passageiros foram propostos para uso nas fabricas iriglesas ja no com~ do se-culo XIX, muito antes do seu emprego em qualquer outro ti.: po de edificio. As fabricas daquele tempo eram, tipicamente, instaladas em edificios de varies andares e servidas por urn unico ou eventualrnente alguns poucos motores a vapor. Em tais edifcios, o deslocamento dos trabalhadores era cansati-vo. And~ew Ure refere-se a experiencias feitas, ainda no se-culo XVIII, pelo . fisico Charles Augustin Coulomb, sobre o
esfo~ muscular necessaria para subir escadas. Cbegou-se a detennina~o mais .precisa desses esforyos: um homem, pesan-do cerca de 50 quilos, ficava completamente exausto_ quando subia em 32 segundos uma escada de 22 metros. A partir daf estimou-se a quantidade de trabalho mecanico "desperdiyado" numa dessas fcibricas . Ure descreve e apresenta desenbos por-menorizados de urn elevador inventado por William Strutt e por Frost. (0 arquiteto William Strutt projetou1 a primeira grande fabrica textil com. estrutura metalica, com seis anda-res, em Derby, 1792/93.) .
Experiencias como essas, que Ure inclui na sua Filoso-
8. A. Ure. Op. cit., p. 45 et seqL
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jia das Manufaturas, seriam boje classificadas na ergonomia, palavra recente, usada a partir de 1949, e que designa
"0 conjunto de conhecimentos cientfficos relativos ao homem e necessanos a conce~o de instrumentos, maquinas e dispositivos que possam ser utilizados como mUimo conforto, seguran~ e eficiencia" 9.
Mas o elevador em si, como "equipamento" incorporado ao ediffcio industrial, deve ser inscrito em outra face do te-traedro - a dos Meios de Trabalbo -, sem nada que o dis-tinga dos monta-cargas empregados para transportar merca-dorias.
Outra questio do genera a Organiza~ao do Trabalho, Organizayao Ci~ntlfica ou Racional do Trabalho ou Gestao Cientffica, nomes que, usados nuns e noutros palses, tern um recobrimento razoavel de significados, de modo a permitir aceita-los como sinonimos no ambito deste texto. Parece-me possfvel inscrever essa disciplina tambem na primeira face do tetraedro, sem prejufzo, como e tambem o caso da ergonomia, dos contatos com outras faces .
Antoine Laville coloca Vauban e Belidor como precurso-res das pesquisas sobre as cargas de trabalho ffsico-, medin-do-as nos pr6prios locais de trabalho, ja no seculo XVII. Em 1760, outro frances, o engenheiro Jean-Rodolpbe Perronet cronometrou e calculou o custo de ca
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na inaugurayao desse ramo do controle do trabalho e da prcr dutividade.
"Taylor criou uma linha singela de raciocinio e a expc)s com 16gi-ca e clareza, franqueza ingnua e zelo evangelico que logo conquista-ram fortes seguidores entre capitalistas e administradores. Sua obra
com~u por volta de 1880, mas foi s6 na decada seguinte que iniciou suas conferencias, artigos e publicay5es" 11
0 taylorismo se propagou, na America, "como urn in-cendio na planicie" e tambem nos pai'ses industrializados da Europa. Na Franya foi chamado de "Organisation scientifique du trav:ail" e, posteriormente, "Organisation rationelle du tra-vail".
Braverman transcreve e comenta a seguir, na mesma obra, os princfpios do taylorismo:
1.0 - "0 administrador assume . . . o encargo de reunir todo o conhecimento tradicional que no passado foi possuido pelos trabalhado-res e ainda de olassificar, tabular e reduzir esse conhecimento a regras, leis e f6rmulas".
Parece-me que estamos em presenya de urn daqueles atos de ruptura dos segredos de oficio, !ie eliminayao dos mis-terios a que ja me referi.
Braverman enuncia este primeiro principia como o de udissociayio do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores".
2.0 - ''Todo poss{vel trabalho ceie~ral deve ser bariido da ofici-na e centrado no departamento de planejamento e projeto".
Este principia implies na separayio entre o trabalho in-telectual e o trabalho manual.
3.0 - "Refere-se na prepara~o previa, pela gerencia de todas as tarefas a serem executadas pelos trabalhadores. I! urn corol4rio do prin-cpio anterior" 11
1 1. H. Braverman. Op. cit., p. 86. 12. Idem, ibidem. p. lOt et ~ee~a.
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A gerencia modema - a Organizayao Racional do Tra-balho - apoiou-se nesses principios. A ela vieram se juntar outras disciplinas de origem mais nitidamente cientffica, alheias a fabrica, mas que tentariam oferecer soluyi)es para os problemas surgidos na industria modema nas novas condiyoes da divisao do trabalho na fabrica. Tal e o caso da psicologia e da sociologia do trabalho 13
Depois de Taylor, Henry L. Gantt foi urn dos mais im-portantes defensores e praticantes da Organizayao Racional do Trabalho. Discipulo de Taylor, levou sua obsessao pela ra-cionalidade a ponto de propor a centralizayao de todo o po-der social nas maos de tecnicos especializados - uma tecno-cracia 14 A ele se devem os graficos de previsao e controle do andamento de obras (grafico de Gantt) ate hoje usados, sob formas mais elaboradas, em diversos tipos de cronogramas e de graficos de controle de obras. E o caso dos Progress charts, dos graficos de PERT (Progress Evaluation and Re-view Technique) e de C.P.M. (Critical Path Method).
Contemporaneos de Taylor e Gantt sao os dois Gilbreth, Frank e Lilian - marido e mulher -, ele engenheiro e ela psic6loga. Gilbreth interessou-se pelo estudo dos movimentos e tempos no trabalho, tendo em vista a eliminayao dos movi-mentos desnecessarios. Estudou a semelhanya entre as atitu-des e gestos e diversas atividades humanas, e levou seu rigor anaHtico ao ponto de acreditar que a habilidade nos offcios, em todas as formas de atletismo e tambem em atividades co-mo a do cirurgiao, esta baseada em uma serie comum de prin-
. cipios fundamentais ts. (Convem lembrar que cirurgia vern do grego chiros, que quer dizer mao.) .
Gilbreth foi o primeiro americana a usar os recursos do cinema, en1io-nasceme""(f9T2), para registro e estudo dos ges-tos e movimentos, a partir do que construiu modelos espaciais
13. Sobrc o trabaJho na URSS ver: M. Yaroshevslti e Y. Zin~vich : La praxis aociaJ y el desarrollo de Ia doctrina sobre el lrabajo en Ia ciencia sovi~ca. In: La Ci~ncia y Ia T~cnica '~I Humani.rmo y "' Progresso. Moscu, Academia de Ciencia.s de Ia U.R.S.S . 1981. 14. David F. Noble. Op. cit., p. 63. IS. S. Gicdion. Op. cit.. p. 117. Confronte-se com o trccho de 0 Capital trans-crito l p. 181.
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"materializando" os movimentos de trabalho. A fotografia es-trobosc6pica tambem foi usada nessas analises cineticas.
Taylor sempre esteve ligado a ind6stria mecanica e me-tahirgica; Gilbreth era oriundo da ind6stria da constru~o e a esta dirigiu suas pesquisas, da qual resultaram dois livros: Concrete System, que tern por objeto o trabalho de estrutura~ de concreto, e Bricklayng System, que estuda o trabalho dos pedreiros no assentamento de tijolos.
Estas questoes abrangid~ pela Organiza98o Racional do Trabalho e pela ergonomia (pelo menos parte dela) sao nu-cleares para a tecnologia do trabalho, pois ref~rem-se ao trabalho produtivo, ou seja,. ao trabalho que produz valor de mercadoria, valor excedente para o capital. Excluiu-se dessa categoria todo trabalho que nao e trocado por capital. Os que trabalham por conta propria- lavradores, artesaos, artifices, comerciantes ou profissionais liberais e empregados domesti-cos - nao cabem nessa categoria: estao fora do modo capi-talists de produ9ao. 0 que distingue o trabalho produtiyo do trabalho improdutivo nao e 0 produta, mas 0 como e produzi-do, em que condies da divisao social do trabalho.
Urn alfaiate, trabalhando em casa ou na sua oficina pes-seal, nao exerce trabalho produtivo. Outro alfaiate, produzin-do roupas semelhantes, mas como empregado de uma "con-fec9ao", exerce trabalho produtivo. por isso que a tecnolo-gia moderna, como a conceituo, e moderna, ou seja, e contem-poranea ao capitalismo e, redundantemente, e a ciencia do tra-balho produtivo, caracteristico do sistema capitalists. Deti-ve-me demasiadaniente nesses aspectos 9a tecnologi~ 4o tra-balho por que nao e USUal, entre OS autores especializados, incluir coisas corrio a O.R.T. e a ergonomia na teenologia. Quante a esta ultima, e verdade que Antoine Laville a ela se refere como "uma tecnologia", deixando evidente, a meu ver, que e mais facil aceitar a "prolifera9ao" das tecnologias do que proper uma unifica9ao sistematica. Bastante sintomatico e tambem o fato de que Trevor I. Williams, na sua obra mais recente 16, nao se refere a H. Fayol, a Industrial Orgat:tization 16. Trevor I. Williams. A Short History of Twt!ntit!th. Ct!ntury Tt!chnology. New York. Oxford Univ. Press, 1982. Passim.
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e muito pouco a Taylor: Mas nao deixa de registrar a inven-980, por Taylor e White, do a90 com tungstenio, cromo eva-nadio para uso na fabrica9ao de brocas, apresentada na expo-si9ao de Paris em 1900.
H. Braverman, autor ja citado, faz constataes interes-santes sobre este aspecto particular da questao que estamos examinando:
"A Revoluyao Tknico-Cientlfica. Considerada de urn ponto de vista tecnico, toda produylio depende
das propriedades ffsicas, qufmicas e biol6gicas dos materiais e dos pro-cesses que se baseiam nelas. A gerencia; em suss atividades como orga-nizadora do trabalho, nao lida diretamente com esse aspecto da pro-
du~oo; ela meramente proporciona a estrutura formal para o processo produtivo. Mas o processo nao est~ completo sem o seu conteudo. que e uma questlio da tecnica. Esta, como j~ foi observada, e primeiramente a da especialidade, do offcio, e depois assume um car~ter cada vez mais cient{fico a medida que o conhecimento das leis naturais aumenta e des-titui o conhecimento fragmentario e as tradies fixadas do offcio" 17 (Grifos meus- R.G.)
2. TECNOLOGIA DOS MA TERIAIS
0 objeto do trabalho e aquele sabre o qual se exerce a a~o do homem. A Terra e o objeto universal da ayao dos
homens e as coisas sao peda90s da Terra que o homem separa pelo trabalho- evidente que o pl~neta Terra ja nao detem hoje com exclusividade .a a9ao do hom em. 0 objeto de traba-lho de uma etapa pode ser produto de uma etapa anterior: uma tora de madeira e produto do trabalho do madeireiro, mas e objeto de trabalho na serraria que, por sua vez, as fornece aos carpinteiros e marceneiros na forma de vigas, tabuas e pranchas como objetos de trabalho.
Assim sendo, a tecnologia dos materiais estuda, desde as materias-primas que estao no infcio de uma cadeia (petr6-leo, p. ex.), ate as modernas resinas sinteticas dele oriuhdas, 17. H. Braverman. Op. cit., p. 135.
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que sao os materiais usados na fabrica~ao dos mais variados objetos de uso diario, domestico .ou industrial.
Poucos sao os materiais utilizados in natura. Poderia-mos dizer, utilizando uma denomina~o antiga, que os mate-riais provem dos "tres reinos da natureza": o mineral, o ve-getal e o animal. A Terra~ nao apenas o solo agricola, m3s a superficie eo subsolo, com os minerais ou os materiais orga-nicos fossilizados; e a agua, na superficie ou no subsolo; e o ar do qual o homem ou os pr6prios vegetais extraem gases. Dos vegetais se extraem fibras , madeira, essencias e 61eos que abastecem largos setores da produ~ao. s6 pensarmos na ali-
menta~o para lembrarmos a importancia . dos produtos vege-tais e animais. Os mais antigos registros de conhecimentos e de regras tecnicas talvez sejam aqueles ligados a agricultura. 0 poeta grego Hesfodo tera sido o primeiro. Depois, ha uma longa ser.ie de autores Iatinos que escreveram sobre agricultu-ra ou, mais genericamente, sobre as "coisas rusticas" (scripta-res rei rusticae, que inclufam a pecuaria, a astrologia, rpeteo-rologia e geografia, desde o cartagines Magao ate os romanos Catao, Virgilio, Varrao, Columella e Plinio na antiga Roma, ate Rutilo Tauro Emiliano Palladio (autor Iatino que teria vi-vide no quarto seculo e cujos catorze livros De Re Rustica foram impresses pela primeira vez em Veneza no anode 1472) e Pietro de Crescenzi (1230-1321), de Bolonha, que foi talvez 0 ultimo dos grandes autores ge6rgicos 18
Mas apesar de registrados em livros, esses conhecimen-tos, esses receitu8rios tecnicos nao sao ainda tecnol6gicos.
Ja o mesmo nao ocorre com a Teoria da Resistencia dos Matex:iais, fundada por Galileu e apresentada nos Discorsi e Dimostrazioni Matematiche intorno a Due Nuove Scienze, escrlta na forma de dialogo e publicada pela prlmeira vez em Paris ( 1639).
Galileu foi conselheiro tecnico do arsenal de Veneza, grande estaleiro de constru~ao naval e de maquinas, quando lecionava na Universidade de Padua. Sua -opiniao sobre os
18. L. Granato. Scriptores Rei Rusticoe. Sio Paulo, Tipografia Asbahr, 1918.
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Fig. 4: Reprul!nlafilO spat ial da Tecnologia
arsenais ficou evidenciada nas palavras de Salvati, que fala pelo pr6prio Galileu nos Discorsi:
"A constante atividade de vosso famoso arsenal, cidadaos de Ve-neza, proporciona aos estudiosos um amplo campo de medita~o. parti-cularmente no campo relacionado com a mecanica, uma vez que todos OS tipos de instrumentos e maquinas sao a fabricadOS continuamente por numerosos artesaos, entre os quais alguns chegaram a ser extraor-dinanos conhecedores e hibeis nas explicaes, seja por observaes fei-tas por seus antecessores, seja por sua propria experiencia .cotidiana" 19
Lobo Carneiro levanta a hip6tese de que as investiga~s de Galileu tenham surgido de consulta feita pelo arsenal, e por isso mesmo provocadas pelas necessidades praticas da in- dustria nascente, nao somente da indUstria mecanica, mas
19. Fernando Lu.lz Lobo Barbosa Carneiro. Galileu - Fundador da Teoria da Resistencia dos Materiais. In: GAMA. Ruy. Hist6ria da Ticnica e da Tnologia. p. 243 et aeqs.
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tambem da industria da constru~ao 20 Os estaleiros, coino se sabe, eram manufaturas: reuniam no mesmo local numerooos artesaos de mesmo ou de diferentes oficios, para fazerem obra comum. Admitindo que as condiy()es fossem semelhantes as de outros estaleiros a que me referi, os artesaos nele trabalha-vam fora do controle das corporay()es; assim sendo, os pro-blemas tecnicos pocliam ser resolvidos em ambito suprapro-fissional, definidos e globalizados pelas necessidades da em-press.
As investigay()es de Galileu tinlUun essa mares: nao se referiam aos materiais usados por cada uma das profiss5es en-volvidas mas, teoricamente formuladas, inclusive pelo uso da linguagem matematica, ofereciam propostas de soluy()es gene-ricas, aplicaveis aos materiais utilizados nos diversos oficios: a madeira dos carpinteiros, a pedra dos canteiros e pedreiros, as cordas dos cordoeiros. Num eerto sentido, a teoria de Gali-leu era antigeometrica. A geometria pratica era, como vimos, parte do dominio secreta dos carpinteiros e canteiros, chave para a estereotomia. Mesmo quando a estereotomia se benefi-cia da teorizayao iniciada pela geometria projetiva de Desar-gues, a questao dos materiais e ainda essencialmente geome-tries.
Na constru~ao naval, como ja se mostrou neste texto, o risco (corte) das pe~s era tambem questao de estereotomia. E mais, a constru~ao naval come~va -com modelos em escala reduzida a partir dos quais se "riscavam" as pe~as em tama-nho natural. Ora, urn dos aspectos essenciais na investiga~ao de Galileu e o dos modelos. Par que uma p~ nao tinha a -mesma resistencia ou resisteneia proporcional a de seu mode-to? Esta questao, que e ehamada a dos "gigantes de pes de
. barro", pOe em cheque toda uma tradi~ao tecniea empfrica. Galileu a resolve enfrentando a teoria das propory()es, presen-tes, na arquitetura por exemplo, desde Alberti, dais seculos antes de Galileu. A tradi~ao geometries empfrica ou erudita (pela vertente platoniea), Galileu op5e a sua teoria, analftica e experimental:
20. Idem, ibidem
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Por tudo isso, pelo seu carater te6rico (e portanto gene-ralizante), pelo seu conteudo supradisciplinar (no sentido das disciplinas dos oficios) e par sua vincula9ao hist6rica com a problematica da produ~ao manufatureira, a Teoria da Resis-tencia dos Materiais de Galileu inaugura, mesmo antes do ba-tizado, uma das faces da tecnologia. Isso nao acontece por acaso e nem simples conseqiiencia das ideias cientificas que vieram do conjunto de acontecimentos chamados de Revolu-yao Cientifica mas come9a a nascer quando a teoria se une a pratica em condi96es muito especiais dessa pratica: o trabalho em coopera9ao nas manufaturas.
3. TECNOLOGIA DOS MEIOS
Os meios de trabalho sao aqueles pelos quais o homem exerce sua a~ao sabre as materiais (objeto do trabalho). Sao urn conjunto de coisas ou uma unica coisa que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de seu trabalho.
Na tecnologia dos meios se incluem, portanto, o conhe-cimento dos instrumentos, utensflios, ferramentas e maquinas, bern como o da utilizayao da energia em suas diversas formas.
E evidente que a tecnologia dos meios tern relay()es com as outras faces da tecnologia. Quando se trata por exemplo dos utensflios, ferramentas e maquinas, ha problemas de! in-terfaces com a tecnologia do trabalho atraves da ergonomia e da antropometria. Mas as ferrameritas e maquinas sao feitas de materiais diversos e sao tambem, quando fabricadas, obje-to de trabalho. Voltando ao exemplo dado: a mesma coisa pode ser vista atraves das diversas faces do tetraedro: urn tra-tor pode ser vista pela face da tecnologia do trabalho, pela da tecnologia dos materiais de que e feito e pela tecnologia dos meios.
A questao da automa.tizayao e uma dessas que pode ser vista atraves das varias faces: refere-se obviamente a tecnolo-gia do trabalho, a tecnologia dos materiais, a tecnologia dos
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meios e, como se vera, a tecnologia basica que e a quarts face do tetraedro.
0 uso atualmente freqi.iente do termo robo, cuja origem e a palavra eslava que quer dizer trabalho' introduzido na li-teratura pelo autor tcheco Karel Capek, e a manifestayaO ho-diema de urn velho mito.
"0 mito do homem artificial tern a potencia de urn dos mais ve-lhos sonhos da humanidade: sonho de conquistar os gestos divinos transgredindo os limites humanos. (Veja-se Hoffmann - 0 Homem de Areia; G. Meyrink- 0 Golem; C. Capek- Os RoMs Universais de Rossum.) Essa apari~o do 'homem inumano' tern como contrapartida o desaparecimento do homem humano, no contexto geral de uma concep-~o pessimists e escatol6gica da tecnologia" 21
Robotiza9ao passou a ser empregada quase como sinO-nimo de automatizayao, mas esta ultima tern como etimo o grego MITOJUlt'foC: automates. Ja na obra de Heron de Alexan-dria (III seculo), chamada Pneumtitica, ha descri9a0 de di-versos autOmates. Aqueles cuja forma exterior imitava o homem dava-se o nome de andr6ides. 0 que parece estar muito de perto associado aos automates e a inten9ao de rnis-terio, que os incorporava a atos ritualisticos.
Mas o automatismo, em termos de aplicayao pratica e produtiva, tambe~ tern uma hist6ria bastante antiga. 0 velho moinho romano de cereais, descrito por Vitruvio num de seus Dez Livros da Arquitetura, ja dispunha de urn conjunto de pe-yas sabiamente articuladas, cuja movimentayao regulava o fluxo de griios que eram introduzidos entre as m6s da maqui-na. 0 conjunto, extemo ao moinho, era acionado pela mesma forya que fazia girar a m6 (mol a versalitis). 0 moinho pede-ria moer sem ele mas, no caso, seria necessaria que alguem estivesse continuamente deitando graos. no oriffcio da m6. Com o conjunto de automatismo o moleiro enchia o dep6sito de graos e deixava o moinho funcionando sozinho, tratando apenas da regularidade da forya motriz do conjunto. Poderia-mos dizer que a maquina descrita por Vitruvio ja dispunha, 21. J. C. Beaune. Op. cit .. p. 17.
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ao lado de urn circuito de for9a, de urn circuito de injor-mafao.
Isto quer dizer que o automatismo ja estava presente na maquina do moinho, desde o primeiro seculo desta era. E o que nos mostra Julio Roberto Katinsky no texto de sua auto-ria intitulado As mtiquinas e as cidades. Eram mecanismos simples, construfdos com p~as de madeira grosseiras, "pro-gramados" e regulados empiricamente, mas cuja eficiencia po- de ser constatada nas centenas (ou possivelmente milhares) de moitihos de fuba existentes no pais, alguns ainda em uso a poucos quilometros de Sao Paulo! Urn deles, desativado, pode ser visto na casa bandeirista do Butanta, vizinha ao Campus da Universidade de Sao Paulo!
A novidade do automatismo moderno estaria entao me-nos na inven9ao do que no estudo sistematico e met6dico dos mecanismos de informayao, de programayao e de controle das maquinas. Isto e materia afeta a teenologia. Nao precisa, ne-cessariamente, em todas as etapas de suas pesquisas, da inven-yao e do projeto estar vinculada estritamente a pratica produ-tiva, embora a elaborayao de prot6tipos, a experimenta9ao e as correyoes sejam estancias obrigat6rias nesse tipo de tra-balho.
4. TECNOLOGIA BASICA OU PRAXIOLOGIA
Na quarta face do tetraedro coloca-se a tecnologia basi-ca. Por que basica? Porque reune urn con junto de disciplinas e tecnicas (nao no sentido estrito das artes mecanicas) que alimentam, dao apoio aos outros componentes da tecnologia. Cabem nela vmas das chamadas ciencias aplicadas, ressalva feita quanto ao -sentido de cima para baixo que se associa fre-qiientemente a essa denominayao, que ignora a relayao diale-tica entre teoria e pratica.
lncluimos, em primeiro Iugar nesta face: A praxiologia - conceito que foi introduzido por Alfred
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Espinas em obra publicada no final do seculo passado. 0 sentido que se da atualmente a esta palavra e o de estudo dos metodos que permitem chegar a conclusoes operacionais. 1?. a l6gica da atividade racional orientada para a ayao. Nesses ter mos, a praxiologia seria a ciencia da eficacia, firmada em quatro princfpios: 1. Prepara9ao atraves de uma reflexao previa sobre a a
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techna tambem passou por essas vicissitudes, como ja vimos, quando . Terencio (II sec. a.C.) a emprega com o senti do de embuste, asrucia, trapa98 lS.
rf Mas a heurfstica que nos interessa e a "arte de inventar, de fazer descobrimentos, de orienta~o da pesquisa".
"Seus objetivos nao se reduzem apenas as pesquisas das constan-tes do pensameoto criador, mas compreendem tambem a elabora~o de mttodos e modos de di~o dos processos de criayao" 26
claro que nem todas essas disciplinas que se inscre-vem no tetraedro da tecnologia sao deste seculo. Os contac-tos das tecnicas produtivas com a matematica, com as geo-ciencias, as biociencias, com a ffsica e com a quimica sao antigos ~. em muitos casos, anteriores a tecnologia modema. :f8 vimos como as tecnicas de representayao gr8fica (o desenho em sentido estrito) se matematizam e se transfonnam em "disciplinas cientificas", como a geodesia e a cartografia, co-mo a geometria projetiva e a descritiva, frutos do trabalho do arquiteto e matematico C. Desargues.
Outra dessas disciplinas mais antigas e a metrologia, que trata das unidades e dos sistemas de medida. Sea ela acrescen-tarmos as tecnicas de mensura~iio e a teoria dos erros, verifi-ca-se quao grande e sua importincia para toda a tecnologia. A hist6ria da unificayao dos sistemas de medida e outre as-pecto interessante da hist6ria da tecnologia. Na Italia do Re-nascimento, por exemplo, havia uma diversidade extraordi-naria de unidades de medida, inclusive das unidades moneta-rias. Elas variavam de cidade para cidade e no caso as uni-dades de medida tecnicas, de corporayiio (arte) para corpo-rayao. Havia brafa para os pedreiros, bra;a para os constru-tores e bra;a para os teceliios, dentro da mesma cidade 27 A unificac;ao desses sistemas, assim como a do sistema moneta-rio, nao pode ser dissociada da ampliayao e unificacrao dos niercados (comercio internacional e cambio), bern como da 25. v. relermau oeste texto. 26. V. H. Pudlkin. Cf. Kuy Ga.ma. Gloudrio. p. 6S. 27. W'Liliam Barclay t'anoo. Op. cit., p. 62S et seq&.
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supera~o do sistema insular das artes (tecnicas). Essa unifi-cayao passa por cima das "artes" e ja e tecnol6gica. Embora a grande proposta de unifica~ao seja a do sistema metrico im-plantado pela Revoluc;ao Francesa, que ligava as medidas as dimens6es da Terra e nao as do homem, o interesse mercan-tilists pela unificayao fica a meu ver patente pela existencia de proposta do matematico portugues Pedro Nunes (1502-1580), referida por Rodrigues Brito como "uma das facilida-des do comercio ... " 28 0 estabelecimento de padroes e nor-mas, tanto para a fabricayao quanto para o emprego de mate-riais, ferramentas, maquinas, e da energia, sob OS multiples aspectos em que se apresenta, e tambem para as condiy()es de seguranc;a e de conforto do trabalhador, constitui objeto tam-bern da tecnologia basica. 0 estabelecimento de normas e pa-droes ap6ia-se, em seus aspectos quantitativos, na metrologia e nas tecnicas de mensurayao. Mas nao se esgota a: a nomen-clatura e a terminologia ja eram objeto da preocupac;ao dos "tecn6logos" alemaes do seculo XVII I. E tam hem dos france-ses desde o seculo XVII, com o Dictionnaire des Arts et des Sciences, do poeta e dramaturgo Thomas Comeille, publicado em 1694, com a Enciclopedia de Diderot e urn grande nfunero de dicionarios tecnicos no seculo XIX. Os ingleses, e ja mos-trei como technology ainda tinha no seculo XIX o significado de tenninologia e nomenclatura tecnica, tern em Andrew Ure urn de seus dicionaristas ma~s importantes. 0 Dictionary of Arts, Manufactures and Mines teve muitas edic;oes ainda du-rante a vida do autor e outras tantas ap6s sua morte. Na lin-gua portuguesa merece destaque o ja citado Vocabulario do Padre Rafael Bluteau, que o proprio autor apresenta como sendo, entre tantas outras coisas, tambem urn vocabulario "technologico".
0 ensino tecnico profissional, embora tenha sido. men-cionado entre os componentes da tecnologia do trabalho, es-taria tambem na interface daquela com a da tecnologia ba-sica. Isto porque envolve quest6es genericas de metodos, de normas, de representayao, de vocabulario e de repert6rios, de
28. RodriJuel de Brito. Op. cit., p. 17.
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taxonomia e de outras tantas que servem de apoio bAsico para toda a tecnologia. Os conhecimentos e a ciBncia da adm.inis-trayao no que dizem respeito a produyao tambem tern Iugar nesta face da tecnologia.
Esta e a apresenta9ao suscinta que pretendia fazer do modele volumetrico que represents. mas nao esgota o campo da tecnologia. Os itens inscritos nas faces do modele sao indi-catives des criterios de distribuiyao e nao se pretende que es-gotem urn conjunto que esta em franca expansao. As rela96es entre a tecnologia e as "outras ciencias .. foram suscintamente mencionadas. mas nao foi abordado o relacionamento da tec-nologia com outros campos da atividade e do conhecimento humanos. A filosofia. as artes. o pensamento politico e religio-se ficam a meu ver fora do tetraedro. embora venham a ter contacto com ele. Basta lembrar o conceito. de formacao s6-cio-econ8mica a que ja me referi. Mas nao ha que confundir as coisas. o que e diffcil evitar exatamente quando elas estao muito pr6ximas.
Ja vimos. por exemplo, como a hist6ria da arquitetura se liga a hist6ria da tecnica. Vejam-se as referencias ja feitas a obra de Desargues. Mas a arquitetura nao e parte da tecno-logia. ja que nao se reduz a "ciencia da construyaon nem a da "prodUySO do espayo", pois nao e ciencia.
A estereotomia, tecnica do corte da pedra e da madeira, provoca a fonnulayao da geometria projetiva e da geometria descritiva, que se sistematiza axiomaticamente. Nao tern com-
. promissos com este ou aquele material. com este ou aquele estilo arquitetonico, com este ou aquele ferramental. Serve pa-ra resolver ou representar graficamente problemas de corte de pedras. de madeira, de peyas de metal ou de materiais arti-ficiais, corte da terra e des aterros, des moldes e modelos dos mais diversos tipos. Coloca-se, a partir dai, desse nivel de apli-cayao generalizada em urn des elementos inscritos na quarta face do tetraedro. 0 mesmo se pode dizer de outras "artes". Assim como a arquitetura nao se reduz ao conjunto das tec-nicas construtivas e nem aos processes e metodos tecnol6gicos disponfveis. ~ escultura nao se reduz ao corte dos materiais (marmore. granite. madeira, metais, plasticos etc.) ou as tee-204
nicas de fundiyao do bronze, e nem a literatura se reduz ao objeto-livro, por maier que seja sua tiragem, sua beleza e a perfeiyao des recursos tecnol6gicos mobilizados para sua produ9ao.
Em livre recentemente publicado. o fi16sofo mexicano Eli de Gortari dedica urn capitulo ao metoda da tecnologia. Tomando inicialmente tecnologia com o significado do con-junto das tecnicas e, portanto, "muito mais antiga do que a ciencia ... ", coloca-se ao lade de Forbes e de outros autores ja aqui citados. Porem, mais adiante, no mesmo capitulo, ad-mite que
"De maneira estrita; a tecnologia ~ a ciencia que estuda as t~nicas. A investiga~o tecnol6gica compreende as mesmas fases que qual-quer outra investiga~o cientffica, a saber: sel~o do problema, reuniao dos conhecimentos jli adquiridos sabre o assunto, formulayio de hip6-teses, planejamento e execu~o de experiencias, avalia~iio dos resul-tados ... "
Gortari divide a tecnologia em tres partes: a tecnologia te6rica, a tecnologia experimental e outra que se dedica a pra-tica, aos processes industriais.
A tecnologia te6rica estaria apoiada em quatro leis fun-damentais, a saber: a lei des custos, a lei do grande numero de variaveis (cuja aplicayao implica na escolha das variaveis mais importantes, ou dominantes); a lei do efeito de escala (cuja formulayao ele atribui a Galileu e a Hegel e que ja men-cionei quando me referi a construyao naval e A modelayao em geral), e a lei da automatizayiio 29
Estas leis enunciadas por Gortari eu as incluiria na tec-nologia basics.
A partir do que foi exposto poderia me atrever a fazer algumas negayes, a enumerar o que a tecnologia_ nio e (ou nao e exclusivamente).
1. A tecnologia niio e urn conjunto de tecnicas ou de ( todas as tecnicas , e nem e a sofisticayio da tecnica. A passe-gem da tecnica para a tecnologia (e esta nao exclui a primei- : 29. Eli de Gortari. M~todologla G~n~ral y Mitodos Esplal~s. Barcelona, E.dic.
~o. 1983. p. 192.
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ra) nao e questao de gradayao ou desenvolvimento interne ao campo das tecnicas: e questao que se ref~re a fonnayaO s6cio- _ -economica em que se realiza. -_:-.~2. -A tecnologfa nao.-6 a "maneira como os homens
/ fazem as coisas" (L. White Jr.) porque, em primeiro lugar, nao se distingue desse modo tecnica de tecnologia e, em se-gundo Iugar, ha muitas coisas que OS homens fazem que nao sao tecnicas. Pela mesma razio, a afirmativa de R. J. Forbes de que a "tecnologia e tao antiga quanta o homem carece de sentido hist6rico.
3. Da mesma forma, a tecnologia nao e o meio pelo qual o homem domina a natureza e nem o "meio pelo quaLos homens extraem de seu habitat os alimentos, o abrigo, as roupas e as ferramentas de que necessitam para sobreviver"
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