GARCIA, M. - A Desobediência Civil Como Defesa Da Constituição

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    A DESOBEDINCIA CIVILCOMO DEFESA DA CONSTITUIO

    THE CIVIC DISOBEDIENCE AS CONSTITUTIONAL DEFENSE

    MARIAGARCIAProfessora de Direito Constitucional e Direito Educacional da Pontifcia Universidade Catlica de

    So Paulo PUC-SP. Vice-presidente do curso de ps-graduao da PUC-SP. Professora da

    Escola Superior de Direito Constitucional ESDC. Presidente do Instituto Brasileiro de DireitoConstitucional IBDC. Procuradora do Estado aposentada. Ex-assessora jurdica da

    Universidade de So Paulo USP. Membro do Instituto dos Advogados de So Paulo IASP.

    SUMRIO: 1. Introduo 2.A liberdade 3. A lei: educadora do povo (Plato)

    4. A lei: uma aventura da razo 5. A lei: inimiga da liberdade 6. O dever

    da desobedincia civil 7. A desobedincia civil e a Constituio 8. A Constituio

    como processo e a desobedincia civil 9. Pedra de toque do Estado Democrtico

    de Direito (Habermas).

    RESUMO:Este ensaio compreende uma reflexo sobre a desobedincia civil, hoje,

    como um direito da cidadania. O confronto entre lei e o produto da razo humana, uma

    conciliao entre ordem e caos (transformaes sociais), educador do povo, segun-

    do Plato, a forma como foi elaborado, no interesse de libertar-se do inimigo. Diante

    disto, a tarefa da desobedincia civil sobre o cidado, opondo-se lei, de forma

    caracterstica, a de converter-se em instrumento de defesa da Constituio. A

    desobedincia civil originou-se do direito de resistncia, historicamente, em tempo bem

    remoto, moldado na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, 1789, n. 2: o

    propsito de uma associao poltica a de manter os direitos naturais e imprescritveis.

    Esses direitos so a liberdade, a propriedade, a segurana e a resistncia perante a

    opresso.

    PALAVRAS-CHAVE: Desobedincia civil, Liberdade, Opresso, Direitos naturais,

    Igualdade.

    ABSTRACT: The essay includes a reflection on civil disobedience, today seen as a rightof citizenship. A confrontation between the law as the product of human reason, and

    a conciliation between order and chaos (social transformations), educator of the

    people, according to Plato and the manner that has been defined, sometimes as the

    enemy of liberty. From there the essay looks at the citizens duty of civil disobedience;

    to oppose the law, and who as a result, becomes an instrument in defence of the

    Constitution. The origins of civil disobedience come from the distant historical right of

    resistance, which led to the Human and Citizen RightsDeclaration of 1789, n. 2: The

    purpose of any political association is the maintenance of human, natural and eternal

    rights. Those rights are liberty, property, security and resistance against oppression.

    KEYWORDS:Civil disobedience, Freedom, Oppression, Natural rights, Equality.

    Recebido para publicao em fevereiro de 2003.

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    justificados, sin los cuales una repblicaviva no puede conservar su capacidad deinnovacin ni la creencia de sus ciudadanosen su legitimidad.

    Precisamente, pelos demandados fato-res de legitimidade, a lei e a atividadeestatal devem considerar-se sob a constanteatuao dos cidados, por todos os meiosinerentes prpria cidadania.

    Gerardo Mello Mouro2 lembra a imo-lao da filha de dipo que se submete morte ao dar sepultura ao irmo Polnice contra o dito real e funda, com esse

    gesto, a teoria da legitimidade da lei e daliberdade, sobre a qual se construiu toda acivilizao do mundo ocidental.

    Discorrendo sobre a coero legal damoralidade, Hart3 chega a levantar umaquesto referente possibilidade e s for-mas da crtica moral ao Direito, indagando:a admisso de que uma norma uma regralegal vlida impede que essa norma possaser condenada segundo os padres e princ-

    pios morais? E comenta, em seguida: Pos-sivelmente poucos dos que me ouvem po-dem entender a eventual existncia de umacontradio ou de um paradoxo na afirma-tiva de que uma regra legal consideradavlida venha a colidir com princpios mo-rais, pretendendo um comportamento con-traditrio quele exigido pela norma legal.

    Maria Helena Diniz4 igualmente enfati-za a essncia tica da norma jurdica:

    comando voltado para o comportamentohumano, como ordem de dever ser, anorma jurdica pertence ordem tica quetem por objeto as aes humanas.

    A Lei

    Entre o forte e o fraco a

    liberdade

    que oprime, a lei que liberta.

    PASCAL.

    1. Introduo

    Habermas chama desobedincia civila pedra de toque do Estado Democrticode Direito.1No seu estudo, traa um ntidoparalelo entre as permanentes exignciasde legitimidade da atividade estatal nosseus mltiplos aspectos e a tendncia paraum legalismo endurecido.

    Justificando a desobedincia civil que algo distinto do chamamento emfavor da desobedincia civil e que adeciso de correr um risco dessa natureza

    pertence a cada qual: o direito deso-bedincia civil, sublinha, se encontra comtoda a evidncia na divisa entre a legitimi-dade e a legalidade: Y el Estado dederecho que persigue la desobediencia civilcomo si fuera un delito comn incurre enla resbaladiza pendiente de un legalismoautoritario.

    Conforme explicita, a histria europiados direitos fundamentais forma um pro-

    cesso de aprendizagem coletivo, interrom-pido por derrotas. E indaga se terminaramtais processos de aprendizagem. Visto des-de essa perspectiva histrica o Estado dedireito aparece no seu conjunto, no comouma construo acabada, seno como umaempresa acidentada, irritante, adaptando-sea circunstncias cambiantes: como quieraque este proyecto est sin terminar, losrganos constitucionales participan en ci-

    erto modo de esse carcter irritante.Precisamente Dworkin, refere, situa a

    desobedincia civil nessa ordem de coisas:dado que el derecho y la poltica seencuentran en una adaptacin y revisinpermanentes, lo que aparece como desobe-dienciaprima faciepuede resultar despusel preanuncio de correcciones e innovaci-ones de gran importancia.

    En estos casos la violacin civil de lospreceptos son experimentos moralmente

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    Vem da noite dos tempos a lio

    de que a lei uma ddiva dos deuses

    enternecidos ao verem os homens

    perdidos na violncia e na ambio.

    Desde ento h perene tentativa

    de regrar preservando a liberdade,

    de se instituir o liame do contrato

    como expresso de livre iniciativa.

    O risco e a beleza do direito

    repousam nessa dade incindvel:

    equilbrio entre a norma e o seu sujeito.

    O tormento, porm, desse ideal

    que o homem, autor e destinatrio,

    uma balana entre o bem e o mal.

    MIGUEL REALE.

    Conforme bem ressalta Dennis Lloyd5

    a leiimpe restries s atividades huma-nas e parece paradoxal que a idia de

    liberdade se coadune com a da lei.Com efeito, destinando-se a regularcondutas, a lei mais restringe do queexpande direitos.

    Aparente o paradoxo, sublinha Lloyd,dado que se trata do homem como sersocial, numa inter-relao complexa comos demais membros da comunidade. Ofamoso cri-de-coeur de Rousseau ohomem nasce livre; mas por toda a parte

    est acorrentado pode ter derivado danoo romntica de que o selvagem viveuma vida de liberdade e simplicidade pri-mitivas, mas, na prtica como o prprioRousseau percebeu o homem nunca estisolado e livre nesse sentido, mas sempreparte de uma comunidade e o grau deliberdade de que goza ou a extenso dasrestries sociais que lhe so impostasdependero da organizao social de que

    membro.

    2. A liberdade

    J em outra oportunidade6 ressaltamos opensamento de Hannah Arendt de que overdadeiro contedo da liberdade no soas conquistas da igualdade, da possibilida-de de reunio, o direito de petio, asliberdades que hoje associamos ao governoconstitucional s quais poderamos acres-centar nossas prprias aspiraes a sermoslibertados da penria e do medo todasessas conquistas que so, de fato, essen-cialmente negativas, so produtos da liber-tao, mas no constituem, absolutamen-te, o verdadeiro contedo da liberdade, aqual significa participao nas coisas p-blicas ou admisso ao mundo poltico.7

    A liberdade como opo poltica devida envolve, primeiramente, a questoda obedincia, entrevista, neste caso, comoconvico ou convencimento e no a ser-vido voluntria (La Botie), a qual rela-ciona ou implica alienao e dominao.

    Conforme Isaiah Berlin,8

    a questo cen-tral da poltica a questo da obedinciae da coero. Por que devo (eu ou qual-quer pessoa) obedecer a algum? Por queno devo viver como me agrada? Precisoobedecer? Se eu desobedecer, podereiser coagido? Por quem e at que pontoe em nome de qu e em favor de qu? soas inquiries que se faz e que centralizama questo da liberdade.

    Em outras palavras: por que obedecer? pergunta Celso Lafer.9 A filosofia polti-ca, como lembra Passerin dEntrves, pro-cura responder a esta pergunta por queobedecer? pelo estudo da natureza e davalidade da obrigao poltica proposta pordiversos modelos alternativos. A respostano uma e a mesma, requer o concurso daopinio pblica que, se inexistente, leva desintegrao do sistema poltico e o ju-

    rdico, por conseqncia e pressupe a

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    legitimidade, aceitao com convico, almda prpria legalidade. O sistema jurdico epoltico contm um elemento de valor noqual est embutida a noo de legitimidadeque confere ttulo para o exerccio do po-der. O poder, tenta defini-lo Lafer, comouma combinao de relaes de fora e deautoridade que provm de um agir conjunto.

    A questo da autoridade a origem dacoero e, conforme ressalta Jos Celsode Mello Filho,10 liberdade e autoridadeso conceitos situados em planos opostose que se acham em permanente estado de

    tenso dialtica cujos movimentos podemlevar ao desequilbrio da anarquia (se pre-valecer apenas a liberdade) de um lado ou,do outro, ao totalitarismo (se subsistirexclusivamente a autoridade).

    El orden poltico, diz Proudhon,11

    descansa en dos principios conexos, opu-estos y irreductibles: la autoridad y lalibertad uma lei necessria a qual con-siste en que siendo el principio de autori-

    dad el que primeramente aparece, y sirvi-endo de materia elaborable a la libertad, ala razn y al derecho, queda cresciente-mente subordinado al principio liberal,racionalista y jurdico.

    Em lcido comentrio sobre a obedin-cia e seus perigos graves, Walter Cene-viva12 alude necessidade de disciplina nasorganizaes, como a sociedade polticae aos perigos, muitas vezes graves, da

    obedincia, em especial quando se cuida darelao entre os cidados e os governos e a chega o problema da lei, produtoracional da autoridade trazendo refle-xo o entendimento de Laski, ao ponderarque toda lei corresponde ao trmino de umprocesso indutivo de elaborao, mais oumenos demorado, durante o qual os legis-ladores se guiaram por suas prprias con-vices, supondo que elas representavam o

    interesse da sociedade.

    A lei expressaria, portanto, a interpre-tao do legislador a respeito desses inte-resses, os quais convm precisar nemsempre coincidem com os defendidos pelamaioria do povo.

    No entanto, o homem um ser para-a-liberdade13 e quando em sociedade (por-quanto o questionamento da liberdadesomente existe em estado de sociedade)defronta-se com a autoridade, com o poderdo Estado, como organizao jurdica dacoexistncia social e, com o Estado, a lei.

    3. A lei: educadora do povo (Plato)

    Conforme refere Werner Jaeger,14 PlatoescreveAs leisnum esforo consciente paraimpregn-las com a idia da educao, noobjetivo de que pudessem cumprir, narealidade, a tarefa que o Estado ateniensehavia designado lei, nos tempos dePricles: ser a educadora do povo. Platoqueria, ademais, fazer coincidir suas Leis

    com a norma ideal da verdadeira justia,tal como a concebia filosoficamente:En otras palabras: eran las suyas las

    primeras leyes escritas com la miradapuesta en la renovacin de una gran tradi-cin jurdica, segn las exigencias de lafilosofia jurdica.

    Da suas indagaes sobre a natureza dalei e a autoridade da lei, fazendo-a derivarde uma fonte que lhe desse suprema vali-

    dade: essa fonte a reta razo (orthoslogos) e o legislador, o sbio que pe essarazo por escrito. O consentimento do povoconverte essa palavra escrita em lei:

    La ley es, por tanto, pensamiento ra-zonado (logisms) que se h convertido endogma poleos, es decir, que h sido san-cionado por la ciudad (...) y al convertir sulogos en ley, la comunidad se hace capazde funcionar y cooperar consigo misma ycon otros Estados.

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    4. A lei: uma aventura da razo15

    Assim consideramos a conciliao entrepoder e liberdade: a lei representa essaconciliao.16

    Na experincia do Direito existe umaintrnseca exigncia de racionalidade, re-fere Miguel Reale,17 o que, no caso especialda experincia jurdica se traduz no surgi-mento da norma de direito como modeloracional de conduta e no constituir-se oordenamento jurdico como sistema org-nico de modelos e aes.

    Elo que relaciona juridicamente podere liberdade, Estado e indivduo a lei, noentanto, somente poder representar esseelemento de conciliao quando tender realizao da Justia qual ascende oDireito.

    Como quer, ademais, Kelsen: compon-do um ordenamento jurdico que possaassegurar a paz social que outra no ,conforme afirma, seno o resultado da

    justia, no mais elementar e autntico dosseus conceitos: Justitia est constans etperpetua voluntas ius suum unicuique tri-buendi.18

    5. A lei: inimiga da liberdade

    Contudo, Enterra19 quem expe oproblema da lei entendida primeiramentecomo o escudo da liberdade e, hoje, quando

    passou a ser um dos seus mais terrveisinimigos.Conforme refere, a lei passou a ser, em

    nossas complexas estruturas sociais, umsimples meio tcnico de organizao cole-tiva, de modo que pode no s no fazernenhuma referncia justia, seno muitomais, pode tambm converter-se num modode perverso do ordenamento.

    A lei, afirmou-se, produto da razo e na sociedade contempornea quando o

    irracional a razo assim afirma Mar-cuse20 ser o produto dessa espcie de(des)razo.

    Originada e caracterizada ademais, nadinmica das sociedades complexas, tecno-crticas e superorganizadas os indivduos,levados des-individualizao21e sujeito-s ao ducorda comunicao de massas e suasdeletrias conseqncias, mesmo nas de-mocracias constitucionais, como expeLoewenstein (tratando da propaganda pol-tica e dos meios de comunicao).22

    Ora, bem: o que restou ao indivduo ou,

    mais precisamente, o que restou ao cida-do?Um dos baluartes do constitucionalismo

    moderno o regime democrtico do con-viver social, irmana-se aos princpios dasoberania popular e da participao, diretaou indireta da comunidade na poltica, nodizer de Meirelles Teixeira,23 no exercciodo poder.

    Na participao indireta, um outro prin-

    cpio se impe: o da representao, de-rivado ou secundrio explicita Jos Afon-so da Silva,24 e as tcnicas apropriadas paraa concretizao desse princpio circunscre-vem-se, na atualidade, s tcnicas eleitoraise suas modalidades e ao sistema de partidospolticos.

    A Constituio de 1988, art. 1. epargrafo nico, consagra a forma indireta(representatividade) e a forma direta de

    exerccio do poder democrtico (art. 14 eoutros) pelos quais se perfecciona, porsua vez, o exerccio da cidadania.

    Meirelles Teixeira, com apoio em CarlSchmitt e Kelsen,25 exprime bem esta situ-ao democrtica na sua relao com acidadania: o princpio democrtico abrangea tendncia e esforos pela realizao daidentidade democrtica, a fixao da qua-lidade de cidado e condio deste nademocracia e, ainda, mtodos democrti-

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    cos para determinao de autoridades efuncionrios.

    A identidade democrtica ocorre entrepovo e governo, governantes e governados,o povo como titular efetivo do poderpoltico ( cada indivduo obedecendo, emltima anlise, no s ordens e determina-es de um poder superior e estranho, mass suas prprias ordens e determinaes,pois cada indivduo, na democracia, con-corre para a formao dela. Como observaKelsen, democracia autodeterminao,formulao de normas jurdicas por aque-les mesmos que devem obedec-las, comexcluso de toda influncia estranha).

    A representao poltica, no entanto,vem-se revelando de todo insuficiente paraa satisfao dos seus objetivos, em especialna realizao e defesa da cidadania, estaerigida em fundamento do Estado (art. 1.)e que no se exaure na enumerao dosdireitos polticos previstos no art. 14.

    Num sentido geral, uma situao con-

    cernente ao exerccio do poder do Estado,em nome do povo; em particular, porm, arepresentatividade vincula-se funo le-gislativa como explica Fayt,26 citando,entre outros, Robert Von Mohl, que definea representao polticacomo o processomediante o qual a influncia que todo ocorpo de cidados ou uma parte deles temsobre a ao poltica, exercida, em seunome e com sua aprovao expressa, por um

    pequeno nmero deles, com efeito obriga-trio para aqueles assim representados.O que vem completado pela observao

    de Arendt de que o compromisso moral docidado em obedecer s leis, tradicional-mente provm da suposio de que ele, oudeu seu consentimento s leis, ou foi oprprio legislador.27

    No entanto, uma das caractersticas domandato representativo, modernamente

    implantado com exclusividade reside, di-

    versamente do mandato imperativo28 naindependncia do representante, o qual noest sujeito a nenhuma instruo ou deter-minao preexistente: los representantesno son mandatarios, diz Carlos Fayt, sonplenamente independientes de sus electo-res, no pueden delegar sus facultades ygozan de inmunidades en el ejercicio de sucargo.29

    Muitos pases, como o Brasil, sequeradotam o instituto da revogao de man-dato (recall). Com isto, evidentemente,chega-se constatao de uma completa

    dissociao entre a vontade do representan-te e do representado, da inexistncia decompromisso poltico com os eleitores, detal sorte que a representao deixa deapresentar qualquer conotao que o termofaa supor.

    Jos Afonso da Silva (a respeito dosprincpios democrticos e a tcnica damaioria) coloca, bem, outro aspecto daquesto ao comentar que a verdade, a que

    se chega atravs da lei, apenas formal,como na sentena judicial, pois que a leijurdica nem sempre corresponde ao direitoscio-cultural, nem sempre interpreta arealidade social segundo um princpio de

    justia. Vrias vezes, o Direito legisladorepresenta to-s um compromisso entre osinteresses em choque.30

    O que se constata, portanto, por meioda experincia e dos tempos a insufici-

    ncia atual desses mecanismos para a pro-teo da cidadania: a representatividadeapresenta engrenagens viciadas e postaem dvida a autenticidade da representa-o, a correspondncia possvel de vonta-des do eleitor-cidado e de seu mandatrio.O sistema eleitoral est a demandar profun-das reformas a fim de que a representati-vidade recupere o seu significado maislegtimo tal como ocorreu, e foi vlido,

    no sc. XVIII, com Sieys.31

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    Tudo isso, afinal, bipolariza-se na repre-sentatividade, de um lado, tendo, do outro,processos coletivos de participao na fei-tura da lei. O cidado, propriamente, en-contra-se desprovido de instrumentos pre-cisos e determinantes de interveno noprocesso legislativo e no controle da cons-titucionalidade da lei sendo ele, primacial-mente, o destinatrio da norma posta peloEstado e a unidade-padro da sociedadepoltica.

    Outro aspecto, o risco do totalitarismonormativo vem apontado por Miguel Re-

    ale32

    como a pretenso que possa ter umpequeno grupo de homens de decidir detudo e sobre tudo, substituindo-se ao povo,que deles esperava a elaborao de regrasque assegurassem a todos a liberdade comoparticipao causa comum do bem-estare do progresso.

    Falando em repensar o Estado, WalterCeneviva faz duas colocaes oportunas:uma delas, sobre o excesso de interveno

    da mquina estatal na vida de todos oscidados, o que, entre outros defeitos,facilita a corrupo geral; a reformulaodo Estado abrange, ademais disso, a neces-sidade que tem a sociedade de encontrarnovos caminhos de interferncia no PoderLegislativo, pois j ficou evidente, com anova Constituio, que os partidos polticoscorrespondem a fracassado canal de mani-festao da comunidade. O repensar do

    Estado envolve, pois, o repensar da divisodos poderes, e at o reconhecimento legalda existncia de outros poderes.33

    6. O dever da desobedincia civil34

    Esse repensar o Estado e as formassutis de opresso, a dominao tecnocrticae tecnolgica, a comunicao de massas a cidadania como expresso mxima dodireito liberdade aqui entendida, sem-

    pre, no sentido de participao poltica oucomo opo poltica de vida (Arendt)envolvem, inelutavelmente, novas formasde participao direta do cidado no exer-ccio do poder pelo Estado e tem, comouma de suas prerrogativas, a desobedinciacivil, num primeiro momento, forma departicipao pelo non agere, diante da leiou do ato emanado da autoridade ou deao, em desobedincia.

    Hannah Arendt dedica um estudo espe-cfico desobedincia civil o qual iniciacom referncia a um evento celebrado sob

    o seguinte tema: Estar a lei morta? Dentreos circunstantes, um deles prope umdebate sobre a relao moral do cidadocom a lei, numa sociedade de consentimen-to.

    A partir dessa questo, Arendt concluique, diversamente dos objetores de cons-cincia, os contestadores civis so mino-rias organizadas, delimitadas mais pelaopinio comum do que por interesses co-

    muns, e pela deciso de tomar posiocontra a poltica do governo mesmo tendorazes para supor que ela apoiada pelamaioria; sua ao combinada brota de umcompromisso mtuo, e este compromissoque empresta crdito e convico suaopinio, no importando como a tenhamoriginalmente atingido. Argumentos levan-tados em prol da conscincia individual oude atos individuais, ou seja, os imperativos

    morais e os apelos mais alta lei, sejaela secular ou transcendente, so inadequa-dos quando aplicados desobedincia ci-vil; neste nvel ser no somente difcil,mas impossvel impedir a desobedinciacivil de ser uma filosofia subjetiva (...)intensa e exclusivamente pessoal, de modoque qualquer indivduo, por qualquer ra-zo, possa contestar.35

    Com efeito, os dissidentes civis nodetm situao anloga ao objetor de cons-

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    cincia. Nem necessitam apelar maisalta lei no sentido, eventualmente, de umdireito natural, a no ser prpria Cons-tituio. Podero agir isoladamente ouem grupo, mas no necessariamente.

    Para tanto, torna-se necessrio que esseindivduo se invista na titularidade docidado e ento, como garantia dasprerrogativas de cidadania, poder agirpessoalmente, como partcipe efetivo noexerccio da deciso poltica.

    A desobedincia civil , segundo Nor-berto Bobbio,36 uma forma particular de

    desobedincia, na medida em que execu-tada com o fim imediato de mostrarpublicamente a injustia da lei e com o fimmediato de induzir o legislador a mud-la.Como tal, justificada pelo transgressor de

    justificativas que levem sua consideraono apenas como lcita, mas como obriga-tria e seja admitida pelas autoridadespblicas, diversamente do que ocorre comoutras transgresses.

    preciso delinear a desobedincia civilcomo um ato que tem em mira, em ltimainstncia, mudar o ordenamento, sendo, nofinal das contas, mais um ato inovador doque destruidor.

    Sempre correspondente a uma ao quetraduz um comportamento intencionalmen-te contrrio lei, a desobedincia civil vem

    justificada, segundo Bobbio, numa fonteprincipal e originalmente religiosa, poste-riormente laicizada na doutrina do direitonatural;37 a outra fonte histrica a doutrinade origem jusnaturalista, transmitida de-pois filosofia utilitarista do sc. XIX queapresenta a supremacia do indivduo sobreo Estado, criada pelo contrato social paraa proteo dos direitos fundamentais dohomem e assegurar a sua livre e pacficaconvivncia: aqui, o grande terico citado John Locke; uma terceira fonte de jus-tificao a idia libertria da perversi-

    dade essencial de toda forma de podersobre o homem, especialmente do mximopoder, que o Estado, com o corolrio deque todo o movimento que tende a impedira prevaricao do Estado uma premissanecessria para instaurar o reino da justia,da liberdade e da paz.

    A desobedincia civil pode-se conceitu-ar como a forma particular de resistnciaou contraposio, ativa ou passiva do cida-do, lei ou ato de autoridade, quandoofensivos ordem constitucional ou aosdireitos e garantias fundamentais, objeti-

    vando a proteo das prerrogativas ineren-tes cidadania.Como enfatiza a Lei Fundamental de

    Bonn, quando trata do direito de resistnciano seu art. 2.: 3. opoder legislativoestvinculado ordem constitucional; os pode-res executivo e judicirio obedecem leie ao direito. 4. No havendo outra alter-nativa, todos os alemes tm o direito deresistir contra quem tentar subverter essa

    ordem.E o art. 93, 4., trata dos processosconstitucionais que podem ser interpostospor todo cidado com a alegao de ter sidoprejudicado pelo poder pblico nos seusdireitos fundamentais ou num dos direitoscontidos nos arts. 20, alneas 4, 33, 38, 101,103 e 104.38

    Para a Constituio portuguesa, todostm o direito de resistir e dirige-se a

    qualquer ordem que ofenda os seus direi-tos, liberdades e garantias, inclusive re-pelir pela fora qualquer agresso, quandono seja possvel recorrer autoridadepblica.

    Do conceito acima proposto decorre,todavia, que a desobedincia civil deve servista como forma de resistncia atribuda,especificamente, ao cidado: somente este quem, ao nosso ver, pode voltar-se contraos poderes constitudos e prpria lei, nas

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    hipteses previstas, eis que os cidados eos poderes pblicos se encontram consa-grados na estrutura constitucional de formaintegrativa e diretamente relacionados.

    Tal forma especial de desobedinciapoder manifestar-se passiva ou negativa-mente, consistindo em no fazer o deter-minado39 como ativa ou positivamente,consistindo em fazer o interditado, ouproibido, desde que manifesto o conflito daordem, ou da proibio, com a prpriaordem constitucional e os direitos e garan-tias fundamentais.

    A ordem constitucional diz respeito,especificamente, questo da Constituiocomo um sistema de princpios estruturan-tes fundamentais e de regras sendo, aomesmo tempo, um sistema aberto s mu-danas da realidade social e s concepescambiantes da verdade e da justia.40

    Incompleta e inacabada, de contedoaberto ao tempo, a Constituio no selimita a deixar aberto, mas estabelece, comcarter vinculante, o que no deve ficaraberto: os princpios vetores de formaoda unidade poltica, a fixao das funesestatais, as bases do conjunto do ordena-mento jurdico o que forma o ncleoestvel do ordenamento jurdico e da or-dem social, compondo aquilo que deveconsiderar-se decidido, estabilizado e dis-tendido.

    Tambm a estrutura estatal e o proce-dimento pelo qual sero decididas as ques-tes deixadas abertas: para tanto, a Cons-tituio institui rgos e estabelece compe-tncias.41

    A declarao dos direitos e garantiasfundamentais compe esse plano estrutural,como um dos seus fundamentos bsicos.

    Nessa conformidade, tanto pelo quedeixa em aberto, quanto pelo que perma-nece estabelecido, a Constituio produz

    uma ordem a ordem constitucionalpelaqual se pauta a sociedade e se filtra arealidade social para, afinal, compor essaordem.

    O direito fundamental de desobedinciacivil encontra-se vinculado a essa ordemconstitucional sistema aberto e incomple-to, de amplitude e indeterminao queadmite e assimila a desordem (kaos)consubstanciada na vida social: ordem edesordem, o sistema constitucional permitee submete a alternatividade dos objetivose a atuao das diferentes foras no

    processo de realizao da Constituio.42

    7. A desobedincia civil e a Constituio

    Os sentidos da liberdade alcanam, emnossos dias, um aguado senso de liberda-de-participao no processo decisrio, pelaao poltica do viver em sociedade, acidadania.

    Esses sentidos da liberdade vm afeta-dos por um outro aspecto das sociedadescontemporneas, os totalitarismos, expres-sos ou velados, exteriorizando-se por for-mas de conviver que objetivam pacificao/uniformidade pelos governos, pelos contro-ladores de comunicao de massa, sob oimprio da tecnologia/consumismo, danivelao cultural, do homem unidimen-sional (Marcuse).

    Loewenstein alude, mesmo, perversoda Constituio por meio da autocraciamoderna, privando-a por vezes de seu telosou finalidade intrnseca: institucionalizar adistribuio do exerccio do poder polti-co.43

    Por outro lado, conforme visto, a repre-sentao poltica vem, concomitantemente,sofrendo um processo prprio de descarac-terizao, distanciamento e perda de legi-timidade.

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    Toda essa problemtica torna o cidadoextremamente desprotegido e vulnervel, oque leva, ao mesmo tempo, idia derepensar o Estado e estabelecer ou possi-bilitar novas formas de participao doindivduo-cidado e grupos de cidados, noexerccio do poder pelo Estado.

    Nesse objetivo, conquanto se admita anecessidade de restabelecer o imprio dalei e de manter a autoridade da lei e asformas previstas no ordenamento jurdico,para sua alterao e excluso (a revogao,a ao direta de inconstitucionalidade) ao

    lado da influncia exercida pela doutrina ea jurisprudncia, debates, protestos e cr-ticas a opinio pblica , de outro lado

    justifica-se, igualmente, a desobedinciacivil como um direito fundamental docidado de intervir nesse processo polticoda atividade do Estado.

    A norma do 2. do art. 5. da CFcontm referncia expressa a outros direi-tos e garantias no explicitados quando

    estabelece:Os direitos e garantias expressos nestaConstituio no excluem outros decorren-tes do regime e dos princpios por elaadotados, ou tratados internacionais emque a Repblica Federativa do Brasil sejaparte.

    A interpretao dessa norma demandar a par da dificuldade apontada pela dou-trina, no concernente a determinar quais

    so esses direitos e garantias implcitos o enfrentamento, agora, das normas prin-cipiolgicas da Constituio.

    Considere-se, em primeiro plano, que adico atual da norma contida no 2. doart. 5. encerra um norteio para sua inter-pretao, aludindo s fontes dos direitos egarantias que pretende consagrar, diversa-mente dos textos anteriores.

    Num segundo plano, uma vez postos oregime e os princpios decorre como

    conseqncia sejam eles geradores de di-reitos e deveres e no mera enunciao decunho terico e filosfico.44

    A partir da, inevitvel se torna o aten-dimento ao comando constitucional e poreste pelo regime republicano e democr-tico de governo e o princpio da cidadania,elencados entre os princpios fundamentaisdo Estado brasileiro (art. 1.), ao cidadocorresponde um feixe de privilgios, de-correntes da condio da titularidade dacoisa pblica45 e da participao na toma-da de deciso do que lhe concerne.

    Esse plexo de direitos e garantias dacidadania dever conter por definio o direito da desobedincia civil: dentro doordenamento jurdico, a possibilidade docidado, titular do poder do Estado (queexerce por meio de representantes oudiretamente, nos termos desta Constitui-o, edita o pargrafo nico do art. 1.) promover a alterao ou a revogao dalei ou deixar de atender lei ou a qualquer

    ato que atentem contra a ordem constitu-cional ou os direitos e garantias fundamen-tais.

    Corresponde ao status civitatise decor-re do regime dos direitos fundamentais noqual se insere o prprio mandamento do 2. do art. 5.. dizer, o regime dos direitosfundamentais consagrado na Constituiobrasileira abrange, no seu sistema, a pos-sibilidade de direitos fundamentais impl-

    citos, decorrentes do regime e princpiosadotados pela Constituio dentre eles odireito da desobedincia civil.

    A instituio democrtica da desobedi-ncia civil se apresenta, contemporanea-mente, no entanto, num contexto extrema-mente dificultado dos prprios movimentosda democracia, conforme refere o histori-ador Eric Hobsbaum em estudo recente:46

    vamos enfrentar os problemas do sculo21 armados com um conjunto de mecanis-

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    mos polticos gravemente inadequado paralidar com eles. Esses mecanismos estoconfinados dentro das fronteiras de Esta-dos-nao, cujo nmero est crescendo, eenfrentam um mundo global que est almde seu mbito de atuao. H as multina-cionais numa economia mundial que temsuas prprias regras s quais as conside-raes de legitimidade poltica e interessecomum no se aplicam.

    As condies para a democracia e parao planeta no impacto da ao humanasobre a natureza exigiro medidas de

    difcil implantao e aceitao.Todavia, afirma no final: Mas daquimesmo que estamos partindo.

    Christian Bay47 demonstra uma feioda desobedincia civil condicionada a cer-tos requisitos como o conhecimento, inde-pendncia e certas capacidades no planodas relaes interpessoais. A nossa nicaesperana, vai dizer, reside na educao quer dizer, na educao orientada para a

    independncia intelectual e poltica dosindivduos. Da decorre a opinio polticae o opositor consciente.

    O que implica, correlatamente deso-bedincia civil o direito de oposio:

    No se pode olvidar refere J. M.Silva Leito48 que no domnio doDireito Poltico que o indivduo ou entoo citoyen, num approcheindividualista bem como as tarefas em que ele procuraempenhar-se a persecuo duma idedoeuvre , surgem mais nitidamente comopontos de partida obrigatrios para quemse debruce sobre os problemas jurdico-polticos. E, por outro lado, nele mais doque em nenhum outro, alcana especialsignificado a passagem, sensvel em termoshistricos, dum estdio de conscinciafirmemente amarrado ao foro do indivduo ndice de uma poca individuocntrica para aquele outro em que passam para

    a primeira linha as instituies polticas: passagem do subjectivo ao objectivo,do estdio inorgnico ao da organizaocorresponde, no mundo do Direito, a pas-sagem da indiferena para a relevncia o que se verifica no que diz respeitoao direito de oposio poltica no quadroconstitucional moderno e contemporneo.

    Mais adiante, distinguindo entre oposi-o ao podere direito de oposio, subli-nha o autor que a oposio poltica insti-tucionalizada ou seja, considerada noquadro do Estado contemporneo como

    atividade regular, sistemtica, constante,organizada e pblica, tem como refernciaa unidade do poder nos termos em queesta se encontra prefigurada e atualizada naConstituio de hoje, ao mesmo tempo umproduto histrico-cultural e jurdico-polti-co. Ela vale, enfatiza, em relao ao poderinstitudo por isso representa uma garan-tia e ao mesmo tempo os meios queasseguram uma alternativa global para

    todo o exerccio do poder.No um contrapoder, explica, um refle-xo inorgnicoda realidade poltico-social,nem um dado natural do parlament(aris-m)o; ou mesmo um pouvoir que dit nonou uma forma qualquer de participaopoltica e, muito menos, uma semi-opo-sio cuja essncia comece e acabe nummero contraste de pareceres.

    O direito de oposio dirige-se de

    modo imediato ou mediato, ao governoe a delimitao que distingue o conceito deoposio poltica destaca-a como elemen-to integrador e conformador da vida po-ltica e esta , por definio,plural queno torna mais discutvel nem contradit-ria, pelo contrrio, a probabilidade, mas,tambm, a capacidade, de conseguir arealizao dos fins visados pela ordemconstitucional. Afirma-a como ordenao

    e organizao, exige-a (e, pela mesma

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    razo, justifica-a) como instituio e(m)aco.49

    Refere, mesmo, o autor, coincidnci-as de certas manifestaes susceptveis deserem tomadas como actos de oposiopoltica, manifestaes como o direito deresistncia individual ou coletiva doqual decorre a desobedincia civil.

    Insere-se a desobedincia civil, portan-to, entre as formas possibilitadoras daparticipao na tomada de deciso sobre osassuntos do interesse comum e comomeio de oposio, igualmente, nos contor-

    nos do peso-equilbrio da constitucionali-dade.O direito de oposio, que inclui a

    desobedincia civil elemento integradore conformador da ordem poltica comovisto, aparece em outros aspectos tambm,conforme ocorre nos votos dissidentes doPoder Judicirio:

    Quando escreve Em defesa das diver-gncias,50 o Juiz William Brennan Jr. faz a

    defesa de um princpio judicirio funda-mental: dissentir. Em sua encarnao maiscorreta, afirma, a divergncia demonstraimperfeies que o autor percebe na anliselegal da maioria. oferecida como umcorretivo, na esperana de que a Corteemendar o erro por tais caminhos, numcaso posterior. (...) A divergncia muitomais que um simples apelo: protege aintegridade do processo judicial mantendo

    a maioria responsvel pela racionalidade econseqncias de sua deciso.Instrumentos da democracia contempo-

    rnea as formas vistas de manifestaoda sociedade aberta dos intrpretes daConstituio, como quer Peter Hberle,compem por esse modo oprocesso cons-titucional.

    Em seu estudo sobre esse assunto JosAlfredo de Oliveira Baracho51 mostra as

    perspectivas do processo constitucional

    afirmando ento: a origem do processoconstitucional moderno est nos diversosprocedimentos aceitos para a declarao dainconstitucionalidade das leis.

    Encontramos na evoluo do Estadodiversas formas de violaes constitucio-nais e dos direitos humanos, que tinhamapenas resistncia de ordem poltica.

    O processo constitucional, ressalta, visa proteo dos princpios constitucionais,especialmente aqueles conferidos aos indi-vduos, para se oporem s decises legti-mas das autoridades pblicas.

    A Constituio como processo oprocesso constitucional abrange, portan-to, os meios e modos constitucionalmentedispostos para a defesa da Constituio.

    8. A Constituio como processo e adesobedincia civil

    Socorrendo-se das concepes de H-

    berle e John H. Ely, Estvez Araujo propea tese de que um ato de desobedincia civilpode ser considerado como pr em questoa constitucionalidade de uma lei ou comoexerccio de um direito fundamental eportanto, dentro de determinadas circuns-tncias, legalmente justificado e, parafundamentar essa tese enfoca a Constitui-o como processo e os direitos fundamen-tais como princpios (Alexy).52

    A defesa da Constituio entendidacomo uma operao de controle cujo ob-

    jetivo consiste em evitar que a normaoinfraconstitucional conflite com o estabe-lecido na Constituio e, muito especial-mente, que o legislador ultrapasse os limi-tes impostos pela Constituio. Uma con-cepo mais ampla, porm, e de contornosmais abrangentes sublinha aquela quea considera como uma operao de pre-

    servao da unidade poltica.53

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    Lembrando a frmula afortunada deHberle, na expresso sociedade abertados intrpretes constitucionais paraampliar essa possibilidade mais alm docrculo dos juristas especializados apre-senta a interpretao da Constituio comoforma de participao democrtica: confor-me Hberle, uma tarefa de que participamtodos os rgos estatais, todas as potnciaspblicas, todos os cidados e grupos.54

    O desobediente civil inclui-se, portanto,nessa categoria, tomando parte, muitasvezes, das minorias isoladas e sem voz

    de que trata John H. Ely.

    55

    Nesse contexto, a Constituio aparececomo um conjunto de processos instituci-onais e sociais que se movimentam pelainterpretao participante de toda a ordemde intrpretes da Constituio.

    A desobedincia civil ser uma formade instrumentalizao da defesa da Cons-tituio.

    Estvez Araujo registra que, na atuali-

    dade, a defesa da Constituio ummbito de deciso estatal insuficientementeprocedimentalizado. Os procedimentos atu-almente existentes no estabelecem canaisde participao democrtica que subsanemo dficitde legitimidade do rgo encarre-gado da defesa da Constituio.56

    Em termos nacionais, o art. 103 daConstituio deixou de enumerar expressa-mente o cidado como titular da ao

    direta o que Jos Afonso da Silva vemlamentar57 embora, segundo entendemos,se pudesse considerar includo pelas prer-rogativas prprias da cidadania, decorren-tes do regime e dos princpios estruturantesdo sistema constitucional.

    De toda sorte, a desobedincia civilresulta juridicamente justificada pelo seufundamento constitucional e pela sua pre-eminncia como instrumento da democra-cia.

    9. Pedra de toque do Estado Democr-tico de Direito (Habermas)

    Conforme acentua Canotilho58 inexiste,hoje, uma teoria da democracia, mas teo-rias da democracia, dadas as mais diversasconcepes a esse respeito. Ressalta, po-rm, desses estudos um ncleo reconhec-vel do princpio democrtico, irredutvel,uma simples teoria descritiva ou empricade democracia.

    A idia da democracia traz em si algoinconfundvel ao imaginrio de cada um

    que tenha por uma vez se preocupado comeste temrio, a idia de participao emalgo que lhe diz respeito e Manuel Aragn59

    refere ainda que a palavra democracianoaparecesse formalizada no texto constitu-cional, nele estaria compreendida e, por-tanto, na sua aplicao en la medida enque esta adopte determinados contenidos(o ms bien acoja determinadas estructu-ras).

    El carcter democrtico se deriva de untexto constitucional cuando este cumpledeterminados requisitos porquanto elDerecho opera con categorias que se des-prenden del contenido de la norma y noslo de su mera denominacin por ella.

    semelhana da Constituio espanho-la (Art. 1. Espaa se constituye en unEstado Social y Democrtico de Dere-cho...), a Constituio brasileira de 1988,

    ao proclamar que a Repblica Federativado Brasil se constitui em Estado Democr-tico de Direito na acepo de Aragn, setrata de un enunciado constitucionalmenteformalizado, lo que significa que no slotiene relevancia para el Derecho, sino quees Derecho positivo, como lo es todoprecepto constitucional. El problema resideentonces sublinha en dilucidar no yala condicin (que me parece mejor expres-

    sin que la naturaleza) jurdica del

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    trmino, sino su carcter, esto es, el tipo deprescripcin en que consiste el enunciadoEspaa se constituye en un Estado (...)democrtico.60

    Desenvolve-se aqui todo o contexto doprincpio democrtico que informa aConstituio, o princpio mais fundamental(por qualificador da forma de Estado) dosprincpios gerais, como quer Aragn e quepelo seu carter sumamente abstrato (eno somente pela repetida e tpica multi-vocidade do termo), necessitado se encon-tra, para intervir no ordenamento, de certas

    conexes: tais conexes, conforme esclare-ce, no tm por finalidade adjetivar ademocracia (idia bastante criticvel) sinosituar el principio en los distintos niveleso momentos en que juridicamente opera,as como indagar la dimensin o dimensi-ones del principio que en dada uno de esosmomentos se despliegan.

    Dos derivativos da democracia comoprincpio jurdico na Constituio, Aragn

    no se detm em exemplificar com algumadas numerosas regras constitucionais queinformam esse princpio referindo, desdelogo, eficcia interpretativa e sua projeonas organizaes sociais (partidos, sindica-tos, associaes profissionais e outros)quando impe que su estructura interna yfuncionamento debern ser democrticos(Constituio espanhola, arts. 6., 7., 36 e52).

    A desobedincia civil pode-se identifi-car entre as conexesnecessrias concre-tizao do princpio democrtico albergadopela Constituio demonstrando-se, pordefinio, instrumento ativo de participa-o do cidado no exerccio do poder e,portanto, instrumento da democracia, comopreconiza Habermas, j citado.61

    Tratando do pluralismo, Norberto Bob-bio62 reflete sobre o consenso e dissenso e,ainda, sobre a idia generalizada segundo

    a qual para que exista uma democraciabasta o consenso da maioria se, exata-mente o consenso da maioria implica queexista uma minoria de dissentneos.

    Mas que coisa fazemos destes dissent-neos, uma vez admitido que o consensounnime impossvel e que onde se diz queexiste um consenso organizado, manipu-lado, manobrado e, portanto, fictcio; oconsenso de quem para repetir o famosomote de Rousseau obrigado a ser livre?De resto, que valor tem o consenso ondeo dissenso proibido? Onde no existe

    opo entre consenso e dissenso, onde oconsenso obrigatrio e at mesmo premi-ado, e onde o dissenso no apenas proibido, mas tambm punido? aindaconsenso ou pura aceitao passiva docomando do mais forte? (...) intilesconder que a prova de fogo de um regimedemocrtico est no tipo de resposta queconsegue dar a estas perguntas.63

    Bem consideradas as coisas, apenas

    numa sociedade pluralista o dissenso possvel: mais ainda, no apenas possvel,mas necessrio.

    So todas condicionantes para a deter-minao de quando obedecerou desobede-cer lei o dilema da desobedincia civil,o dilema do cidado.

    NOTAS1. HABERMAS, Jrgen. Ensayos politicos.

    Barcelona: Peninsula, 1994. p. 51 et seq. (tra-duo livre da autora).

    2. Antgona e o terceiro mundo. Folha deS.Paulo, 3 dez. 1991, p. A3.

    3. HART, Herbert. Direito, liberdade, mo-ralidade. Porto Alegre: Fabris, 1987. p. 32-33.

    4. Conceito de norma jurdica como proble-ma de essncia. So Paulo: RT, 1989. p. 56.

    5.A idia de lei. So Paulo: Martins Fontes,1985. p. 115 et seq.

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    6. GARCIA, Maria. Desobedincia civil,direito fundamental. So Paulo: RT, 1994. p.213 et seq.

    7.Da revoluo. Braslia: tica-UnB, 1988.

    p. 26-27: Se a revoluo tivesse tido comometa apenas a garantia dos direitos civis, noteria, com isso, visado liberdade, mas to-somente libertao de governos que tivessemextrapolado seus poderes e infringido direitosantigos e bem enraizados. O problema aqui que a revoluo, como a conhecemos na IdadeModerna, sempre esteve envolvida tanto com alibertao, como com a liberdade. E desde quea libertao, cujos frutos so a ausncia deconstrangimento e a posse da faculdade de

    locomoo, , de fato, uma condio de liber-dade ningum jamais seria capaz de chegara um lugar em que impera a liberdade, se nopudesse se locomover sem restries torna-seamide muito difcil dizer onde termina o merodesejo de libertao, de ser livre de opresso,e onde comea o desejo de liberdade, comoopo poltica de vida. Celso Lafer (O sistemapoltico brasileiro, p. 14-15) alude constitu-tio libertatis o espao pblico da palavra vivae da ao livre que, como ensina H. Arendt, estna raiz da verdadeira inspirao revolucionria

    do mundo moderno.8. Quatro ensaios sobre a liberdade. Bra-

    slia: UnB, 1969. p. 135.9. O sistema poltico brasileiro. So Paulo:

    Perspectiva, 1975. p. 41 et seq.10. A tutela judicial da liberdade. RT 526/

    295.11. PROUDHON, Pierre-Joseph. El princi-

    pio federativo. Madrid: Aguilar, 1971. p. 53 e56-57.

    12. Obedincia tem seus perigos graves.Folha de S.Paulo, 12 maio 1991: H umaponderao fundamental a esse respeito, expeCeneviva. Deve ser feita por todos os cidadosminimamente pensantes. Dou a palavra a Laski:Se tudo quanto as leis nos trazem contradiznossa prpria experincia e nossas necessida-des, seria loucura aceitar a sabedoria delas eadmitir desde logo nosso equvoco. (...) Oscidados mais leais so, indubitavelmente, aque-les que recordam insistentemente a nossosgovernantes as condies sob as quais foi-lhesdado o poder de governar.

    13. CLASTRES, Pierre. Liberdade, mauencontro, inominvel. Discurso da servidovoluntria. So Paulo: Brasiliense, 1986. p.114.

    14. Alabanza de la ley. Madrid: Centro deEstudios Constitucionales, 1982. p. 64 et seq.15. Desobedincia civil, direito fundamen-

    tal. Ob. cit., p. 63 et seq. 16. Idem, idem.17. O direito como experincia. So Paulo:

    Saraiva, 1968. p. 142.18. La metamorfosis de la idea de justicia.

    El actual pensamiento jurdico norteamericano.Buenos Aires: Losada, 1951. p. 260.

    19. GARCA DE ENTERRA, Eduardo.Lalucha contra las imunidades del poder. Madrid:Civitas, 1983. p. 15 et seq. (Traduo livre daautora).

    20. MARCUSE, Herbert. A ideologia dasociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar,1982. p. 23.

    21. LORENZ, Konrad. A demolio dohomem. So Paulo: Brasiliense, 1986. p. 16.Lorenz, como Marcuse, ressalta a pacificao/uniformidade, obtida pelo avano da tecnologianas sociedades cada vez mais complexas, a

    complexidade das organizaes sociais devendocorresponder complexidade dos maquinrios.Organizaes sociais complexas para que ogrande aparelho de produo possa funcionarsem remonte e sem atritos. Para poderem seencaixar nessa organizao, os indivduos pas-sam a ser des-individualizados; para exerce-rem funes prvias e inelutavelmente estabe-lecidas, tm de transformar-se em verdadeirosrobs.

    22. LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la

    Constitucin. Barcelona: Ariel, 1986. p. 414. 23. MEIRELLES TEIXEIRA, Jos Hor-

    cio. Curso de direito constitucional. So Paulo:Forense Universitria, 1991. p. 448-449.

    24. Curso de direito constitucional positivo.So Paulo: RT, 1989. p. 117-130.

    25. Ob. cit., p. 462.26. FAYT, Carlos S. Conceptos complemen-

    trios de derecho poltico. Buenos Aires: Abe-ledo-Perrot, 1991. p. 29 et seq.

    27. Desobedincia civil.Crises da Repbli-ca. So Paulo: Perspectiva, 1973. p. 75.

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    28. El mandato imperativo anota Fayt(ob. cit., p. 32) fu la forma de representacintradicional durante la Edad Media y la repre-sentacin no tiene caracter individual sino

    colectivo. El representante no podra apartarseni modificar el mandato, era un portavoz, uninstrumento de una voluntad preexistente. Lasasambleas de representantes no eran organos deEstado, sino asambleas de intereses particularessin solidaridad alguna respecto de una ideacomum. No participaban del Poder. Los repre-sentantes estaban sujetos a instrucciones, debanrendir cuentas y aun resarcir por sus excesos asus mandantes, quienes podran revocar elmandato.

    29. Conforme explicita (ob. e loc. cits.), elmandato representativo es consecuencia delprincipio de soberania y unidad nacional. Sebasea en la idea de dar vida a una voluntadnacional unificada. La nacin delega el ejerciciodel poder en sus representantes y la voluntadexpresada por estos es la voluntad nacional.

    30. Ob. cit., p. 116. Walter Ceneviva (Crisedo direito ou crise da cidadania. Folha deS.Paulo, 23 jun. 1991) incisivo ao explicitar:A estrutura jurdica nem sempre aparece comoo elemento fundamental das mudanas do Es-

    tado. ocultada pela ao dos criadores deplanos, os lanadores de pacotes, os tecnocratasfulgurantes.

    31. SIEYS, Emmanuel. Qust-ce que leTiers tat? Paris: Quadrige-Puf, 1982. p. 87.

    32. Constituio e totalitarismo normativo.Aplicaes da Constituio de 1988. Rio deJaneiro: Forense, 1991, p. 7-8: O totalitarismo uma hidra de muitas cabeas, e cada umadelas, quando nasce, faz nascer as demais. (...) sobretudo no que se refere ao ordenamento

    constitucional que devemos ter presente esseensinamento que nos chega, como advertncia,de todas as pocas histricas. Em virtude dacompetncia conferida a uma Assemblia Cons-tituinte, cujos poderes muitos consideram erro-neamente ilimitados, que devemos nos preve-nir contra o arbtrio, reconhecendo, como jsalientei, a existncia de valores lgicos e ticosque balizam as decises do legislador origin-rio, subordinando-o aos imperativos da liberda-de e da democracia, em razo dos quais o povolhe outorgou a faculdade de instaurar o estatutopoltico destinado a reger e garantir sua exis-

    tncia tanto como indivduo quanto como par-tcipe e protagonista atual e futuro do convviosocial.

    33. Excesso corrompe o Estado. Folha de

    S.Paulo, 8 out. 1989.34. A desobedincia civil ressurge no sculoXIX, vinculada questo dos impostos e cidadania, pela obra de Henry-David Thoreau,cujo ttulo original consta, expressivamente, Onthe duty of civil desobedience.

    35. E explica (ob. cit., p. 59-63): ... a razopela qual ao nvel da moralidade individual oproblema da desobedincia lei totalmenteintratvel que as deliberaes da conscinciano so somente apolticas; so sempre expres-

    sas de maneira puramente subjetiva. QuandoScrates (com Thoreau, dois famosos encarce-rados) afirmou que melhor sofrer o erro quecomet-lo, ele claramente pretendeu dizer queera melhor para ele, assim como era melhorpara ele, estar em desacordo com multides doque, sendo s, estar em desacordo consigomesmo. (...) O segundo problema, e talvez omais srio, que a conscincia, quando definidaem termos seculares, pressupe no somenteque o homem possui a inata faculdade dediscernir o certo do errado, mas tambm que o

    homem est interessado em si mesmo, pois ocompromisso surge to-somente deste interesse.E esta espcie de auto-interesse raramente podeser corretamente considerada. Apesar de saber-mos que o ser humano capaz de pensar demanter comunicao consigo mesmo nosabemos quantos se dedicam a esta desvantajosaempresa; tudo o que podemos dizer que ohbito de pensar, de refletir sobre o que se estfazendo, independente do nvel social, educa-cional ou intelectual do indivduo. (...) Sem

    dvida completa mesmo tal forma deobjeo de conscincia pode se tornar politica-mente significativa quando acontece de coinci-dir um certo nmero de conscincias, e osobjetores de conscincia decidem ir praa domercado e se fazerem ouvir em pblico. Masno estaremos ento tratando com indivduos oucom um fenmeno cujos critrios possam serderivados de Scrates e Thoreau. O que foidecidido in foro conscientiae tornou-se agoraparte da opinio pblica...

    36. Dicionrio de poltica. Braslia: UnB,1986.

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    A DESOBEDINCIA CIVIL COMO DEFESA DA CONSTITUIO 27

    (Artigos) Revista Brasileira de Direito Constitucional, N. 2, jul./dez. 2003

    37. De uma idia moral, que obriga todohomem enquanto homem e que como tal obrigaindependentemente de toda coao, e por con-seguinte em conscincia, distinta da lei promul-

    gada pela autoridade poltica, que obriga apenasexteriormente e se alguma vez obriga em cons-cincia apenas na medida em que conforme lei moral. (...) Jusnaturalista, individualistae contratualista (Locke) considera o Estadocomo uma associao surgida do consensocomum dos cidados para a proteo de seusdireitos naturais. Ele exprime seu pensamentodeste modo: O fim do governo o bem doshomens; e que coisa melhor para a humani-dade: que o povo se ache sempre exposto ilimitada vontade da tirania ou que os governan-tes se achem por vezes expostos oposio,quando se tornam excessivos no uso de seupoder e o usam na destruio e no na conser-vao das prerrogativas do povo? (Segundotratado de governo, 229).

    38. Os artigos citados cuidam, respectiva-mente, de: 4. Direito de resistncia; 33. Igual-dade de direitos cvicos dos alemes, funciona-lismo de carreira; 38. Eleies; 101. Proibiode tribunais de exceo; 103. Audincia legal,proibio de leis penais retroativas e de punio

    dupla; e 104. Garantias jurdicas no caso deprivao de liberdade. Karl Loewenstein (Teorade la Constitucin. Barcelona: Ariel, 1986. p.393, n. 3) observa que o interesse da teoriajurdica alem pelo direito de resistncia temsido mais intenso que em nenhum outro lugar.Como reao contra a ilegalidade do TerceiroReich, assinala, uma srie de Constituies dosLanderalemes ps 1945 consagraram expres-samente o direito de resistncia no seu elencode Direitos Fundamentais.

    39. Como explicam Canotilho e Vital Mo-reira nos seus comentrios Constituio por-tuguesa (Constituio portuguesa anotada.Coimbra, 1984), art. 21.

    40. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direitoconstitucional. Coimbra: Almedina, 1991. p.171-186.

    41. HESSE, Konrad. Escritos de derechoconstitucional. Madrid: Centro de EstudiosConstitucionales, 1983. p. 19-20.

    42. HESSE, Konrad. Ob. cit., p. 21, 26 et

    seq.

    43. Cada vez con ms frecuencia la tcnicade la constitucin escrita es usada consciente-mente para camuflar regmenes autoritarios ytotalitarios. En muchos casos, la constitucin

    escrita no es ms que un cmodo disfraz parala instalacin de una concentracin del poder enlas manos de un detentador nico. La consti-tucin ha quedado privada de su intrnsecotelos: institucionalizar la distribucin del ejer-cicio del poder poltico (Teora de la Consti-tucin. Ob. cit., p. 213-214).

    44. BASTOS, Celso e MARTINS, IvesGandra. Comentrios Constituio do Brasil.So Paulo: Saraiva, 1989.

    45. ATALIBA, Geraldo.Repblica e Cons-

    tituio. So Paulo: RT, 1985. p. 139-140.46. A falncia da democracia. Folha deS.Paulo, Caderno Mais!, 9 set. 2001. p. 5 et seq.

    47. Desobedincia civil. Teoria e prtica.Lisboa: Sementeira, 1986. p. 15 et seq.

    48. Constituio e direito de oposio.Coimbra: Almedina, 1987. p. 12-14.

    49. Ob. cit., p. 107-108.50. Revista de Direito Constitucional e

    Cincia Poltica. Rio de Janeiro: Forense, 1988.p. 282 et seq. (trad. de Mercedes Accorsi

    Berardi).51. Processo constitucional. Rio de Janeiro:

    Forense, 1984. p. 345 et seq.52. ESTVEZ ARAJO, Jos Antonio. La

    Constitucin como processo y la desobedienciacivil. Madrid: Trotta, 1994.

    53. Ob. cit., p. 67. Ahora bien, prosegue,lo que exija dicha preservacin ser diferentesegn lo que se considere como cemento dela unidad. La diferencia entre la concepcin dela Constitucin como decisin en el sentido de

    Schmitt o como integracin en el caso de Smendlo pone claramente de manifiesto. 54. Ob. cit., p. 84-85. 55. Apud ARAUJO, Jos Antonio E. Ob.

    cit., p. 70 et seq.56. Ob. cit., p. 141-142. Traduo livre da

    autora. 57. Ob. cit., p. 47 (pena no ter includo

    o cidado; registra p. 50).58. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito

    constitucional. Coimbra: Almedina, 1991. p.

    407 et seq.

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    28 MARIA GARCIA

    Revista Brasileira de Direito Constitucional, N. 2, jul./dez. 2003 (Artigos)

    59. Constitucin y democracia. Madrid:Tecnos, 1990. p. 98 et seq.

    60. Ob. cit., p. 99.61. Ressalvando, Habermas adverte: El

    derecho a la desobediencia civil se encuentracon toda evidencia en la divisoria entre lalegitimidad y la legalidad. Y el Estado deDerecho que persigue la desobediencia civilcomo si fuera un delito comn incurre en laresbaladiza pendiente de un legalismo autorita-rio. (Ensayos politicos. Ob. cit., p. 70).

    62. Uma coisa, porm, certa: to logoabandonamos o ponto de vista restrito dosistema poltico e ampliamos a viso para asociedade subjacente devemos fazer as contas

    com centros de poder que esto dentro do

    Estado, mas que no se identificam imediata-mente com o Estado. Inevitvel neste ponto queo problema da democracia encontre e, por assimdizer, englobe o problema do pluralismo. (O

    futuro da democracia. So Paulo: Paz e Terra,1986. p. 58).

    63. Com isto no quero dizer que ademocracia seja um sistema fundado no sobreo consenso, mas sobre o dissenso. Quero dizerque, num regime fundado sobre o consenso noimposto de cima para baixo, uma forma qual-quer de dissenso inevitvel e que apenas ondeo dissenso livre para se manifestar o consenso real, e que apenas onde o consenso real osistema pode proclamar-se com justeza demo-

    crtica (p. 62-63).