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CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO 3.5 GATT 1994 NAÇÕES UNIDAS Nova York e Genebra, 2003

GATT 1994 [PT]

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CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO

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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO

3.5 GATT 1994

NAÇÕES UNIDAS Nova York e Genebra, 2003

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NOTA O Curso sobre Solução de Controvérsias em Comércio Internacional, Investimento e Propriedade Intelectual consiste de quatro módulos. Este módulo foi preparado por Stephanie Cartier a pedido da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). As visões e opiniões expressadas neste módulo são da autora e não necessariamente aquelas das Nações Unidas, WTO/OMC, WIPO/OMPI, ICSID, UNCITRAL ou do Advisory Centre em Direito da OMC. As designações utilizadas e a apresentação do material não implicam a expressão de qualquer opinião por parte das Nações Unidas em relação ao status legal de qualquer país, território, cidade ou áreas ou de suas autoridades, ou relativas à delimitação de suas fronteiras. As Nações Unidas detêm os direitos autorais deste documento. O curso também está disponível em formato eletrônico no website da UNCTAD (www.unctad.org). Cópias podem ser impressas gratuitamente, no entendimento de que elas serão utilizadas para o ensino ou estudo e não para um propósito comercial. Requer-se referência apropriada à fonte. A versão deste módulo em língua portuguesa foi feita pelo Sr. Rabih Ali Nasser, participante do Programa de Capacitação de Advogados da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas e outros Organismos Internacionais em Genebra.

UNCTAD/EDM/Misc.232/Add.33

Copyright United Nations, 2003

Todos os direitos reservados

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ÍNDICE Nota O que você vai aprender 1. GATT 1994: COMÉRCIO DE BENS 1.1 O que significa GATT? 1.2 Âmbito de aplicação do GATT 1994 1.3 Estrutura do GATT 1994 1.4 Dispositivos do GATT 1994 1.5 Instrumentos legais adotados sob o GATT 1994 1.6 Entendimentos e o Protocolo de Marrakesh 1.7 A relação entre o GATT 1994 e outros Acordos da OMC 1.7.1 A relação entre o GATT 1994 e os Acordos da OMC 1.7.2 A relação entre o GATT 1994 e outros Acordos no Anexo 1A ao Acordo da OMC 1.8 Teste sua compreensão 2. O PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO NO GATT 1994 2.1 Não discriminação: Definição 2.2 Obrigação do Tratamento da Nação Mais Favorecida : Artigo I:1 2.3 Quando há uma violação da Obrigação do Tratamento da Nação Mais Favorecida? 2.3.1 Foi conferida uma “vantagem” a produtos importados ou exportados? 2.3.2 Os produtos são “similares”? 2.3.3 A vantagem foi conferida “imediata e incondicionalmente”? 2.4 Obrigação de Tratamento Nacional: Artigo III 2.5 Quando há uma violação da Obrigação de Tratamento Nacional sob o Artigo III:2, primeira sentença? 2.5.1 Tributos internos foram aplicados? 2.5.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”? 2.5.3 Os produtos importados são tributados “a mais” em relação aos produtos domésticos? 2.6 Quando há uma violação da Obrigação de Tratamento Nacional sob o Artigo III:2, segunda sentença? 2.6.1 Tributos internos foram aplicados? 2.6.2 Os produtos importados e domésticos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”? 2.6.3 Os produtos importados e os domésticos “não são tributados da mesma forma”? 2.6.4 A medida de tributação interna é aplicada “de forma a conferir proteção à produção doméstica”? 2.7 Quando há uma violação da Obrigação de Tratamento Nacional sob o Artigo III:4? 2.7.1 Foram aplicados leis, regulamentos ou requerimentos afetando a venda e o uso de produtos? 2.7.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”? 2.7.3 O tratamento foi menos favorável? 2.8 Teste sua compreensão 3. O PRINCÍPIO DO ACESSO A MERCADOS NO GATT 1994 3

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3.1 Barreiras ao acesso a mercado: definição 3.2 Tarifas 3.2.1 Concessões tarifárias em Listas 3.2.2 Interpretando concessões tarifárias 3.2.3 Ônus de esclarecer concessões tarifárias 3.2.4 Concessões tarifárias e o GATT 1994 3.3 Restrições Quantitativas 3.3.1 Proibição geral de restrições quantitativas 3.3.2 Exceções à proibição geral 3.3.3 Administração das restrições quantitativas 3.4 Outras obrigações e encargos financeiros 3.5 Outras barreiras não tarifárias 3.6 Publicação e administração de atos normativos relativos ao comércio 3.6.1 Execução apenas após publicação oficial de leis e regulamentos 3.6.2 Administração uniforme, imparcial e razoável de leis e regulamentos 3.7 Teste sua compreensão 4. EXCEÇÕES ÀS DISCIPLINAS DO GATT 1994 4.1 Quais são as exceções gerais ao GATT 1994? 4.1.1 Tipos de medidas enumeradas no Artigo XX 4.1.1.1 Medidas necessárias para proteger a vida e saúde humana, animal e vegetal 4.1.1.2 Medidas sob o Artigo XX(d) 4.1.1.3 Medidas relativas à conservação de recursos naturais esgotáveis 4.1.2 Requisitos do Caput do Artigo XX 4.1.2.1 Discriminação arbitrária ou injustificável 4.1.2.2 Restrição disfarçada ao comércio internacional 4.2 Quais são as exceções de segurança? 4.2.1 Exceções de segurança nacional 4.2.2 Ações sob o capítulo das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais 4.3 Medidas de Salvaguarda 4.4 Integração Regional 4.5 Restrições de balança de pagamentos 4.6 Teste sua compreensão 5. PAÍSES-MEMBROS EM DESENVOLVIMENTO NO GATT 1994 5.1 Restrições de balança de pagamentos 5.2 Indústria Nascente 5.3 “Comércio e Desenvolvimento” (Parte IV do GATT 1994) 5.4 Integração Regional 5.5 Teste sua compreensão 6. ESTUDO DE CASO 7. LEITURA ADICIONAL 7.1 Livros e Artigos 7.2 Documentos e Informações O QUE VOCÊ VAI APRENDER 4

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O GATT 1947 está na origem do atual sistema da OMC. Seus princípios básicos, aplicáveis ao comércio de bens, foram incorporados em outros acordos da OMC que tratam de outras áreas de comércio, tais como comércio de serviços e comércio de produtos de propriedade intelectual; e ele também trouxe os primeiros dispositivos sobre solução de controvérsias, com base nos quais o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC foi construído. Apesar de o GATT 1994 ser apenas um dos inúmeros acordos sobre “bens” da OMC, sua importância na história do GATT/OMC é indiscutível. Este Módulo traz um panorama das obrigações contidas no GATT 1994 sobre comércio de bens. O primeiro Capítulo deste Módulo define o GATT 1994 e seus elementos constitutivos. O primeiro Capítulo também delimita o âmbito de aplicação do GATT 1994, e examina sua relação com outros acordos da OMC. O segundo Capítulo discute a pedra angular de todo o sistema multilateral de comércio, qual seja o princípio da cláusula da nação mais favorecida no GATT 1994, e explora suas duas facetas: a obrigação de tratamento da nação mais favorecida e a obrigação de tratamento nacional. O terceiro Capítulo trata das barreiras ao comércio de bens relacionadas ao acesso a mercados e apresenta as obrigações relativas à publicação e administração dos atos normativos relativos a comércio. O quarto Capítulo trata das exceções às disciplinas do GATT 1994, quais sejam: as exceções gerais, as exceções de segurança, e as exceções para a finalidade de aplicar medidas de salvaguarda, restrições de balanço de pagamentos, e para a finalidade de realizar acordos regionais de comércio. Por fim, o quinto Capítulo analisa a posição dos países em desenvolvimento no GATT 1994.

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1. GATT 1994: COMÉRCIO DE BENS Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de: • definir o GATT 1994 e seu âmbito de aplicação; • listar os elementos constitutivos do GATT 1994; e • explicar a relação entre o GATT 1994 e outros acordos da OMC. 1.1 O que significa “GATT”? GATT – O acrônimo “GATT” significa “Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio”. É um acordo entre Estados objetivando eliminar a discriminação e reduzir tarifas e outras barreiras ao comércio de bens. Comércio de bens – O GATT estava originalmente, e continua até hoje, relacionado apenas ao comércio de bens, apesar de seus princípios fundamentais aplicarem-se atualmente também ao comércio de serviços e aos direitos de propriedade intelectual, tal como tratados no Acordo Geral sobre Comércio de Serviços e no Acordo TRIPS, respectivamente. O GATT é um acordo da OMC que trata exclusivamente do comércio de bens, mas não é o único. Todos os acordos constantes do Anexo 1 A do Acordo de Marrakesh que estabeleceu a Organização Mundial do Comércio (doravante “Acordo da OMC”) relacionam-se a aspectos ou setores específicos do comércio de bens. Os Acordos sobre “Bens” da OMC – Os chamados “acordos sobre bens” da OMC, no Anexo 1 A do Acordo da OMC, consistem no seguinte1:

Acordo da OMC Anexo 1

Anexo 1 A: Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens Acordo sobre Agricultura Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias Acordo sobre Têxteis e Vestuário Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (também conhecido como Acordo Anti-Dumping) Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (também conhecido como Acordo sobre Valoração Aduaneira) Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque Acordo sobre Regras de Origem Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias Acordo sobre Salvaguardas GATT 1947 – O GATT foi celebrado em 1947 e agora é chamado de GATT 1947. O GATT 1947 foi alterado pela última vez em 1965. Mais tarde, disciplinas adicionais foram acordadas em acordos laterais, tais como os acordos da Rodada Tóquio, que não

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1 Favor ver Modulo 3.1, Capítulo 1.1. Vários desses acordos estão tratados em outros Módulos deste curso.

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constituíram aditivos ao GATT 1947, mas apenas obrigaram (vincularam) as Partes Contratantes que se tornaram parte desses acordos laterais2. O GATT 1947 foi encerrado em 1996. No entanto, todos os seus dispositivos, assim como todos os instrumentos legais celebrados sob a sua vigência foram integrados ao GATT 1994, sujeitos aos esclarecimentos trazidos pelos Entendimentos, que também são parte integrante do GATT 1994. Terminologia – O acrônimo “GATT” é usado às vezes de forma confusa para descrever algumas coisas diferentes. Faz-se referência, às vezes, a “Disciplinas do GATT” ou “Disputas do GATT” para designar obrigações ou disputas relativas a comércio de bens em vigor atualmente no âmbito da OMC. Entretanto, também se pode fazer referência a “GATT” para designar o velho sistema multilateral de comércio e/ou o Secretariado anterior à OMC. Neste Módulo, “GATT” significa apenas as obrigações atualmente em vigor no GATT 1994. 1.2 Âmbito de Aplicação do GATT 1994 Um acordo da OMC – O GATT 1994 é um dos acordos multilaterais anexados ao Acordo da OMC. Trata-se de um tratado internacional que vincula todos os Membros da OMC. Âmbito de Aplicação – O GATT 1994 trata apenas de comércio de bens. O GATT 1994 busca maior liberalização do comércio de bens por meio de redução de tarifas e outras barreiras ao comércio, bem como eliminação da discriminação. GATT 1994 vs. GATS – Em EC-Bananas III, surgiu a questão sobre se o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (doravante “GATS”) e o GATT 1994 eram acordos mutuamente excludentes. O Órgão de Apelação afirmou: “... O GATS não se destinava a tratar do mesmo tema substantivo que o GATT 1994. O GATS estava destinado a tratar de um tema substantivo não coberto pelo GATT 1994, qual seja o comércio de serviços. Assim, o GATS se aplica à prestação de serviços. Ele estabelece, inter alia, tanto o tratamento da nação mais favorecida quanto o tratamento nacional para serviços e fornecedores de serviços. Considerando o respectivo âmbito de aplicação dos dois acordos, eles podem ou não se sobrepor, dependendo da natureza das medidas em questão. Certas medidas poderiam se situar exclusivamente no âmbito de aplicação do GATT 1994, quando elas afetarem o comércio de bens como bens. Certas medidas poderiam se situar exclusivamente no âmbito de aplicação do GATS, quando elas afetarem o fornecimento de serviços como serviços. Há ainda uma terceira categoria de medidas, que poderiam se situar no âmbito de aplicação de ambos o GATT 1994 e o GATS. Estas são medidas que envolvem um serviço relativo a um bem em particular ou um serviço fornecido em conjunção com um bem em particular. Em todos esses casos, pertencentes à terceira categoria, a medida em questão poderia ser analisada sob ambos o GATT 1994 e o GATS. No entanto, apesar da mesma medida poder ser analisada sob ambos os acordos, os aspectos específicos da medida, examinados sob cada um dos acordos, poderiam ser diferentes. Sob o GATT 1994, o foco está em como a medida afeta os bens envolvidos. Sob o GATS, o foco está em como a medida afeta o fornecimento de serviços ou os prestadores de serviço envolvidos. Se determinada medida afetando o fornecimento de serviços relacionado a

72 Para maiores informações sobre a história do GATT, ver Módulo 3.1, Capítulo 1.1.

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um bem específico será analisada sob o GATT 1994 ou o GATS, ou ambos, é uma questão que só pode ser resolvida caso a caso.”3 1.3 Estrutura do GATT 1994 Elementos Constitutivos – O GATT 1994 é um acordo peculiar. Ele reúne dispositivos legais de diferentes fontes. Ele é integrado por dispositivos do GATT 1947, por instrumentos legais celebrados sob o GATT 1947, por Entendimentos celebrados durante a Rodada Uruguai sobre a interpretação de dispositivos do GATT 1947, e pelo Protocolo de Marrakesh sobre Concessões Tarifárias.

Acordo Estabelecendo a Organização Mundial do Comércio

Anexo 1

Anexo 1 A: Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens

GATT 1994: • Dispositivos do GATT 1947 • Dispositivos de Instrumentos Legais celebrados sob o GATT 1947: - protocolos e certificações relativas a concessões tarifárias; - protocolos de acessão; - derrogações conferidas sob o Artigo XXV do GATT 1947 e ainda em vigor na data de entrada em vigor do GATT 1994; - outras decisões das Partes Contratantes do GATT 1947. • Entendimentos celebrados durante a Rodada Uruguai sobre a interpretação de certos dispositivos do GATT 1947 • Protocolo de Marrakesh ao GATT 1994 O GATT 1994 incorporou os dispositivos do GATT 1947 na sua íntegra, mas esclarece a natureza e extensão de algumas obrigações estabelecidas no GATT 1947 por meio dos chamados “Entendimentos” e outros instrumentos legais, incluindo “outras decisões” das Partes Contratantes do GATT, que também fazem parte do GATT 1994. Além disso, altera a linguagem a ser utilizada para se referir às disposições do GATT 1947. Por exemplo, a expressão “Partes Contratantes” no GATT 1947 agora deve ser lida como “Membros”. Em particular, as “Notas Explicativas” do Parágrafo 2 estabelecem: 2. Notas Explicativas (a) As referências a “parte contratante” nos dispositivos do GATT 1994 devem ser lidas como “Membro”. As referências a “parte contratante menos desenvolvida” e “parte contratante desenvolvida” serão lidas como “país Membro em desenvolvimento” e “país Membro desenvolvido”. As referências a “Secretário Executivo” serão lidas como “Diretor Geral da OMC”. 3 Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Regime para a Importação, Venda e Distribuição de Bananas (“EC-Bananas III”), WT/DS27/AB/R, adotado em 25 de setembro de 1997,

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1.4 Dispositivos do GATT 1994 Para. 1(a) GATT 1994 – O Parágrafo 1(a) da linguagem que incorporou o GATT 1994 ao Acordo da OMC estabelece que: 1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá de: (a) dispositivos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, datado de 30 de Outubro de 1947, anexado à Ata Final Adotada no Encerramento da Segunda Sessão do Comitê Preparatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego (excluindo o Protocolo de Aplicação Provisória), tais como retificados, aditados ou modificados pelos termos de instrumentos legais que tenham entrado em vigor antes da entrada em vigor do Acordo da OMC;... Os dispositivos do GATT 1947, agora dispositivos do GATT 1994, consistem de 30 artigos – numerados em algarismos romanos – divididos em quatro “partes”. Parte I – A parte I do GATT 1994 contém o Artigo I, que estipula a obrigação de tratamento da nação mais favorecida, e o Artigo II, que estabelece as obrigações aplicáveis às Listas de Concessões de cada Membro da OMC. Parte II – A parte II inclui os Artigos III a XXIII. O Artigo III estabelece a obrigação de tratamento nacional. Os Artigos IV a XIX cobrem principalmente medidas não tarifárias, tais como práticas de comércio desleais (dumping e subsídios à exportação), restrições quantitativas, restrições por razões de balanço de pagamentos, empresas comerciais estatais, assistência governamental ao desenvolvimento econômico e medidas de salvaguarda emergenciais. Adicionalmente, esta parte também lida com várias questões técnicas relacionadas à aplicação de medidas de fronteira. Os artigos XX e XXI lidam com possíveis exceções ao GATT 1994, mais especificamente exceções gerais e aquelas por motivos de segurança. Os Artigos XXII e XXIII tratam de procedimentos para solução de controvérsias, os quais estão mais detalhados no Entendimento sobre os Princípios que Governam a Solução de Controvérsias (doravante “DSU”). Parte III – A parte III do GATT 1994 consiste dos Artigos XXIV a XXXV. O Artigo XXIV relaciona-se principalmente a uniões alfandegárias e áreas de livre comércio, bem como à responsabilidade dos Membros pelos atos dos governos regionais e locais existentes dentro do seu território. Os Artigos XXVIII e XXVIII (bis) tratam da negociação e renegociação de concessões tarifárias. Parte IV – Por fim, a Parte IV do GATT 1994 é intitulada “Comércio e Desenvolvimento” e objetiva aumentar as oportunidades comerciais para os países Membros em desenvolvimento, de diversas formas. Outros Dispositivos – Os dispositivos que tratam da entrada em vigor, acessão, alterações, retiradas, não-aplicação e ação conjunta não estão mais em vigor porque foram derrogados pelos dispositivos relevantes similares do Acordo da OMC.

9DSR 1997:II, 591, para. 221.

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1.5 Instrumentos Legais Adotados sob o GATT 1947 Para. 1(b) GATT 1994 – O parágrafo 1(b) da linguagem que incorporou o GATT 1994 ao Acordo da OMC estabelece o seguinte: 1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá de: ... (b) dispositivos dos instrumentos legais referidos abaixo, que tiverem entrado em vigor sob o GATT 1947 antes da data de entrada em vigor do Acordo da OMC:

(i) protocolos e certificações relativas a concessões tarifárias; (ii) protocolos de acessão (excluindo os dispositivos (a) relacionados à aplicação provisória e subtração da aplicação provisória e (b) que estabelecem que a Parte II do GATT 1947 será aplicada provisoriamente na medida em que não seja incompatível com a legislação existente na data do Protocolo); (iii) decisões sobre derrogações conferidas sob o Artigo XXV do GATT 1947 e ainda em vigor na data de entrada em vigor do GATT 1994; (iv) outras decisões das Partes Contratantes do GATT 1947;... O efeito da incorporação por referência dos dispositivos desses instrumentos legais no GATT 1994 é o de manter o seu status anterior sob o GATT 1947, e vincular todos os Membros da OMC. Em US-FSC, o Órgão de Apelação afirmou: “... A inclusão desses “instrumentos legais” no GATT 1947 reconhece que o caráter jurídico dos direitos e obrigações das partes contratantes sob o GATT 1994 não está completamente refletido no texto do GATT 1994 porque aqueles direitos e obrigações estão condicionados por “protocolos”, “decisões” e outros “instrumentos legais” aos quais o parágrafo 1(b) se refere.”4 Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação declarou que não era toda decisão das Partes Contratantes do GATT 1947 que constituía uma “outra decisão” no sentido empregado no parágrafo 1(b)(iv) da linguagem que incorporou o GATT 1994 ao Acordo da OMC.5 Naquele caso, o Órgão de Apelação concluiu que relatórios de painéis adotados não constituem “outras decisões”.6 Em US – FSC, o Órgão de Apelação confirmou as conclusões do Painel de que “outras decisões” não incluíam a

4 Relatório do Órgão de Apelação, EUA – Tratamento fiscal para “Corporações para Vendas ao Exterior” (“US-FSC”), WT/DS108/AB/R, adotado em 20 de março de 2000, para. 107. 5 Relatório do Órgão de Apelação, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan-Alcoholic Beverages II”), WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, adotado em 1º de novembro de 1996, pp. 12-15. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, para. 108.

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6 Relatório do Órgão de Apelação, Japan-Alcoholic Beverages II, pp. 12-15. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, para. 108. O Órgão de Apelação justificou que os relatórios de painéis adotados “não são obrigatórios, exceto em relação à solução da controvérsia entre as partes da disputa específica”. O Órgão de Apelação afirmou, em última análise, que a decisão de adotar o relatório de um painel não se destinava, para as Partes Contratantes do GATT 1947, a “caracterizar uma interpretação definitiva dos dispositivos relevantes do GATT 1947.”

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ação do Conselho adotando um relatório de painel, como resultado do acordo entre as partes.7 1.6 Entendimentos e o Protocolo de Marrakesh Paras. 1(c) e 1(d) GATT 1994 – Os parágrafos 1(c) e 1(d) da linguagem que incorporou o GATT 1994 ao Acordo da OMC estabelecem: 1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá: ... (c) dos Entendimentos relacionados abaixo: (i) Entendimento para a Interpretação do Artigo II:1(b) do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994; (ii) Entendimento para a Interpretação do Artigo XVII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994; (iii) Entendimento sobre Dispositivos sobre Balanço de Pagamentos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994; (iv) Entendimento para a Interpretação do Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994; (v) Entendimento a Respeito de Derrogações de Obrigações sob o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994; (vi) Entendimento para a Interpretação do Artigo XXVIII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994; e (d) o Protocolo de Marrakesh ao GATT 1994. Entendimentos – Os seis Entendimentos são documentos jurídicos que foram celebrados durante a Rodada Uruguai com vistas a esclarecer algumas obrigações estabelecidas no GATT 1947. Eles se relacionam a seis dispositivos específicos do GATT, quais sejam, os relacionados às listas de concessões, a empresas comerciais estatais, a exceções relativas a balanço de pagamentos, a acordos regionais de comércio, a derrogações e à retirada de concessões. Alguns desses entendimentos objetivam introduzir obrigações de maior “transparência”, enquanto outros procuram refinar termos ou parágrafos do referido artigo do GATT. Por exemplo, o Entendimento sobre o Artigo II:1(b) requer que a natureza e o nível de quaisquer “outras taxas ou encargos” incidentes sobre itens com tarifa consolidada, tal como referidos naquele dispositivo, sejam registrados na Lista de Concessões anexada ao GATT 1994 ao lado do item tarifário ao qual se aplicam. O Entendimento sobre o Artigo XVII (sobre empresas comerciais estatais) estabelece procedimentos de notificação e prevê revisões subseqüentes. O Entendimento sobre Dispositivos de Balanço de Pagamentos procura essencialmente esclarecer as obrigações existentes nos dispositivos do GATT 1994, mas também dispõe sobre medidas de transparência e obrigações de consulta. O Entendimento sobre o Artigo XXIV, relativo a acordos regionais de comércio esclarece alguns dos sub-parágrafos do Artigo XXIV. O Entendimento sobre Derrogações estabelece os elementos a serem incluídos no pedido para obtenção de derrogação por um Membro. Finalmente, o Entendimento sobre o

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7 Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, paras. 22 e 114. O articulado do Órgão de Apelação consta dos parágrafos 107 a 113.

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Artigo XXVIII (retirada de concessões) define a expressão “interesse principal no fornecimento” do Artigo XXVIII do GATT 1994. Protocolo de Marrakesh – Quanto ao Protocolo de Marrakesh ao GATT 1994, trata-se do instrumento legal que incorpora ao GATT 1994 as Listas de Concessões e os Compromissos sobre Bens negociados durante a Rodada Uruguai. Ele confirma a autenticidade dos mesmos e estabelece suas modalidades de implementação. 1.7 A Relação Entre o GATT 1994 e Outros Acordos da OMC Os dispositivos do GATT 1994 aplicam-se a uma medida sob discussão mesmo quando os dispositivos de outros acordos da OMC são aplicáveis, na medida em que os dispositivos do GATT 1994 não conflitarem com qualquer dos dispositivos dos outros acordos da OMC aplicáveis. Em outras palavras, se não houver conflito, a medida em questão deverá ser examinada de acordo com todos os dispositivos relevantes dos diferentes acordos da OMC, incluindo o GATT 1994. O Órgão de Apelação definiu o termo “conflito” em Guatemala – Cement I.8 Existe um conflito quando a observância de um dispositivo conduzirá à violação de outro dispositivo. Seguindo os termos do Órgão de Apelação, um intérprete deve identificar uma incompatibilidade ou uma diferença entre os dispositivos examinados antes de determinar qual dos dispositivos prevalecerá.9 No caso de um conflito, e na medida desse conflito, o GATT 1994 nunca prevalece. Os outros Acordos da OMC sobre comércio de bens contidos no Anexo 1 A do Acordo da OMC sempre prevalecem sobre o GATT 1994. Ademais, o Acordo da OMC sempre prevalece sobre qualquer dos acordos multilaterais de comércio, incluindo o GATT 1994 e todos os outros acordos sobre comércio de bens incluídos no Anexo 1 A ao Acordo da OMC. 1.7.1 A relação entre o GATT 1994 e o Acordo da OMC Artigo XVI:3 WTO – A relação entre o GATT 1994 e o Acordo da OMC é regulada pelo Artigo XVI:3 do Acordo da OMC, que prevê: No caso de conflito entre um dispositivo do Acordo da OMC e um dispositivo de qualquer dos Acordos Multilaterais de Comércio, o dispositivo do Acordo da OMC prevalecerá na medida do conflito. 1.7.2 A relação entre o GATT 1994 e outros Acordos do Anexo 1 A ao Acordo da OMC Nota interpretativa genérica ao Anexo 1 A – O Anexo 1 A do Acordo da OMC, que inclui todos os acordos multilaterais de comércio de bens, é introduzido por uma “Nota

8 Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala – Investigação Anti-Dumping relativa ao Cimento Portland do México (“Guatemala – Cement I”), WT/DS60/AB/R, adotado em 25 de novembro de 1998, para. 65. Apesar de, neste caso, os dispositivos supostamente conflitantes constarem do DSU e do Acordo Anti-Dumping, a análise do Órgão de Apelação é relevante para determinar se há um “conflito” entre dispositivos do GATT e dispositivos de outros acordos da OMC.

129 Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala –Cement I, para. 65.

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interpretativa genérica” que confere prevalência aos outros acordos sobre comércio de bens em relação ao GATT 1994, em caso de conflito, e na medida desse conflito. Nota interpretativa genérica ao Anexo 1 A No caso de um conflito entre um dispositivo do [GATT 1994] e um dispositivo de outro acordo do Anexo 1 A do [Acordo da OMC], o dispositivo do outro acordo deverá prevalecer na medida do conflito. Algumas disputas levantaram a questão do conflito entre o GATT 1994 e outros acordos multilaterais sobre o comércio de bens, constantes do Anexo 1 A do Acordo da OMC.10 Contanto que não haja conflito entre o GATT 1994 e o outro acordo sobre bens, a medida em questão deve ser examinada à luz de ambos os dispositivos do GATT 1994 e os dispositivos do outro acordo sobre bens. 1.8 Teste sua Compreensão 1. Qual é a diferença entre o GATT 1994 e o GATT 1947? O GATT 1994 se aplica ao comércio de serviços? 2. Quais são os elementos constitutivos do GATT 1994? 3. Como um intérprete determina se há um conflito entre os dispositivos do GATT 1994 e os dispositivos de outros acordos da OMC? No caso de um conflito entre dispositivos do GATT 1994 e aqueles de outros acordos da OMC, quais dispositivos devem prevalecer?

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10 Ver, por exemplo, Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 155; Relatório do Órgão de Apelação, Argentina – Medidas de Salvaguarda na Importação de Calçados (“Argentina – Footwear (EC)”), WT/DS121/AB/R, adotado em 12 de janeiro de 2000, paras. 81 e 83; e Relatório do Órgão de Apelação, Brasil – Medidas Afetando Côco Ralado (“Brazil – Desiccated Coconut”), WT/DS22/AB/R, adotado em 20 de março de 1997, p. 16.

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2. O PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO NO GATT 1994 Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de: • explicar o princípio da não-discriminação no direito do comércio

internacional; • fazer a distinção entre a obrigação do tratamento da nação mais favorecida

e a obrigação de tratamento nacional; • identificar e comparar os elementos da obrigação do tratamento da nação

mais favorecida e aqueles da obrigação de tratamento nacional. 2.1 Não-Discriminação: Definição Não-discriminação – O princípio da não-discriminação, ou, em outras palavras, o requisito de não tratar de maneira menos favorável quaisquer produtos em relação a todos os produtos “similares”, independentemente de sua origem ou se eles são importados ou produzidos localmente, é a pedra angular do sistema multilateral de comércio da OMC. A obrigação de não-discriminação contribui para assegurar que as relações comerciais internacionais sejam justas e previsíveis. 2.2 Obrigação de Tratamento da Nação Mais Favorecida: Artigo I:1 Obrigação de tratamento da NMF – A obrigação de tratamento da nação mais favorecida, comumente conhecida como obrigação de tratamento da NMF, obriga os Membros da OMC a não discriminar entre produtos originados em ou destinados a diferentes países. De forma simples, o País A deve, por exemplo, tratar da mesma forma, ou não discriminar entre o produto proveniente do País B e um produto “equivalente” proveniente do País C.

País C

País B

Produto c

Produto b

País A: Obrigação de não discriminar entre os produtos b e c

Artigo I:1 GATT 1994 – Mais especificamente, o Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece:

Artigo I

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Tratamento da Nação Mais Favorecida

1. Com relação às tarifas alfandegárias e taxas de qualquer tipo aplicadas sobre ou em conexão com a importação ou exportação ou impostas na transferência internacional de pagamentos por importações ou exportações, e em relação ao método de incidência de tais tarifas e taxas, e em relação a todas as regras e formalidades relacionadas à importação e exportação, e em relação a todas as questões referidas nos parágrafos 2 e 4 do Artigo III,* qualquer vantagem, benefício, privilégio ou imunidade concedida por qualquer [Membro] a qualquer produto originado em ou destinado a qualquer outro país será conferido imediatamente e automaticamente aos produtos equivalentes originados em ou destinados aos territórios de todos os outros [Membros]. Objetivo – O objetivo da obrigação de tratamento da nação mais favorecida é assegurar igualdade de oportunidades para importar de ou exportar para todos os Membros da OMC. 2.3 Quando há uma Violação da Obrigação de Tratamento da Nação Mais Favorecida? Teste das três fases – O Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece um teste em três fases. Para determinar se há ou não uma violação da obrigação de tratamento da NMF do Artigo I:1, três questões devem ser respondidas. Primeiro, a medida em questão confere uma “vantagem” aos produtos originados em ou destinados aos territórios de todos os outros Membros? Segundo, os produtos em questão são “similares”? Terceiro, a vantagem em questão foi concedida “imediata e incondicionalmente” a todos os produtos similares? 2.3.1 Foi conferida uma “vantagem” a produtos importados ou exportados? A obrigação de tratamento da NMF relaciona-se a qualquer vantagem conferida, por meio de uma variedade de medidas, por um Membro a qualquer produto originado em ou destinado a qualquer outro país. A obrigação de conceder tratamento de NMF não está restrita a tarifas. O Artigo I:1 do GATT 1994 enumera medidas pelas quais uma “vantagem” pode ser conferida aos produtos de um país. Elas incluem: • tarifas e taxas de qualquer tipo impostas em conexão com importação e

exportação; • o método de imposição dessas tarifas e taxas; • regras e formalidades relacionadas a importação e exportação; • tributos internos e taxas incidentes sobre bens importados; • leis internas, regulamentos e requisitos que afetem as vendas. “qualquer outro país” – É importante enfatizar que a obrigação de tratamento da NMF não apenas leva em consideração vantagens conferidas a produtos que tenha origem em ou sejam destinados para Membros da OMC, mas também vantagens concedidas a “qualquer outro país”. Assim, se um Membro da OMC confere uma vantagem a produtos originados em ou destinados a um país não-Membro, o Membro está obrigado a outorgar a mesma vantagem a todos os Membros da OMC.

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“vantagem” – Normalmente, dá-se uma definição ampla ao termo “vantagem”, e o Artigo I:1 do GATT 1994 cobre uma grande variedade de medidas.11 Em especial, ela inclui as regras e formalidades aplicadas a medidas compensatórias, e aquelas aplicáveis à revogação de medidas compensatórias, por elas constituírem “regras e formalidades impostas em conexão com importação”, tal como constantes do Artigo I:1.12 Taxas de processamento de mercadorias são consideradas “taxas incidentes em ou relacionadas a importação”, tal como constante do Artigo I:1.13 Regulamentos que condicionem a suspensão de uma imposição relativa a importação à emissão de um certificado de autenticidade também estão abrangidas pelo Artigo I:1.14 EC – Bananas III – Em EC – Bananas III, as Comunidades Européias mantiveram as chamadas “regras da função da atividade” (activity function rules) que impunham requisitos aos importadores de bananas de certos países, para fazerem jus a quotas tarifárias que diferiam das aplicadas à importação de bananas de outros países. O Painel considerou que os requisitos procedimentais e administrativos das “regras da função da atividade” aplicáveis à importação de bananas de terceiros países e países não tradicionais da ACP diferiam e iam muito além dos impostos para a importação de bananas dos países tradicionais da ACP.15 O Órgão de Apelação, apoiando-se na análise factual do Painel, concluiu que as Comunidades Européias agiram de forma incompatível com o Artigo I:1 do GATT 1994 por meio de suas “regras da função da atividade”, porque elas conferiam uma vantagem às bananas importadas de um grupo de Estados (Estados da ACP), e não às bananas importadas de outros Membros da OMC, tal como tratado no Artigo I:1.16 Canadá – Automóveis – Em Canada – Autos, o Canadá mantinha uma isenção de tarifa de importação de veículos automotores, que beneficiava produtores de veículos automotores que cumprissem certos requisitos relacionados à sua produção de veículos automotores no Canadá. O Órgão de Apelação enfatizou que: “O Artigo I:1 requer que ‘qualquer vantagem, benefício, privilégio ou imunidade concedida por qualquer Membro a qualquer produto originado em ou destinado a qualquer outro país será conferido imediatamente e automaticamente aos produtos similares originados em ou destinado aos territórios de todos os outros Membros’. (grifos nossos) As palavras do Artigo I:1 não se referem a algumas vantagens garantidas ‘em relação aos’ temas que estão abrangidos pelo âmbito delimitado pelo Artigo, mas sim a ‘qualquer vantagem’; não a alguns produtos, mas a ‘todo produto’; e não a produtos similares de alguns outros Membros, mas a produtos similares originados em ou destinados a ‘todos os outros’ Membros.”17

11 Ver Relatório do Painel, EUA – Negativa de Tratamento da Nação Mais Favorecida a Calçados do Brasil que não sejam de borracha (“US - Non Rubber Footwear”), adotado em 19 de junho de 1992, BISD 39S/128, para. 6.9; Relatório do Órgão de Apelação. 12 Relatório do Painel, US – Non Rubber Footwear, para. 6.8. 13 Relatório do Painel, EUA – Taxa do Usuário de Alfândegas (“US – Customs User Fee”), adotado em 2 de fevereiro de 1998, BISD 35S/245, para. 122. 14 Relatório do Painel, Comunidades Econômicas Européias – Importações de Carne Bovina do Canadá (“EEC – Beef from Canada”), adotado em 10 de março de 1981, BISD 28S/92, paras. 4.2 e 4.3. 15 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 206. 16 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 206.

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17 Relatório do Órgão de Apelação, Canadá – Certas Medidas Que Afetam a Indústria Automotiva (“Canada – Autos”), WT/DS139/AB/R, WT/DS142/AB/R, adotado em 19 de junho de 2000, para. 79.

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2.3.2 Os produtos são “similares”? O Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece que uma vantagem conferida a um produto originado em ou destinado a qualquer outro país será estendida a outros “produtos similares” originados em ou destinados aos territórios de todos os outros Membros da OMC. A obrigação de tratamento de NMF apenas se aplica a “produtos similares”. A discriminação entre os produtos importados apenas está proibida em se tratando de produtos “similares”. Portanto, produtos que não são “similares” podem ser tratados de maneiras diferentes. Produtos Similares – O conceito de “produtos similares” também é encontrado em inúmeros outros artigos do GATT 1994, quais sejam Artigos II:2(a), III:2, III:4, VI:1(a), IX:1, XI:2(c), XIII:1, XV:4 e XIX:1. No entanto, o conceito de “produtos similares” não está definido em nenhum lugar no GATT 1994. O significado desse conceito foi examinado em vários relatórios do GATT e da OMC. Aceita-se, em geral, a idéia de que o conceito de “produtos similares” tem diferentes significados dependendo do contexto em que é encontrado. Em Japan - Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação comparou o conceito de “equivalência” a um acordeão: “O acordeão da “equivalência” estica e encolhe em diferentes ocasiões, na medida em que diferentes dispositivos do Acordo da OMC são aplicados. A largura do acordeão em cada uma dessas ocasiões deve ser determinada pelo dispositivo específico em que o termo “equivalente” é encontrado, assim como pelo contexto e pelas circunstâncias que prevalecem em cada caso ao qual o dispositivo pode se aplicar.18” Critérios – Em Spain – Unroasted Coffee, a questão perante o Painel era sobre se diferentes tipos de café não-torrado eram “similares” no sentido do Artigo I:1 do GATT 1994. O Painel considerou as características dos produtos, seu uso final e os regimes tarifários de outros Membros.19 O Painel examinou todos os argumentos que foram apresentados durante os procedimentos para justificar um tratamento tarifário diferente para vários grupos e tipos de café não-torrado. Ele observou que esses argumentos se relacionavam principalmente a diferenças de características resultantes de fatores geográficos, métodos de cultivo, o processamento da semente, e o fator genético. O Painel não considerou que tais diferenças eram razão suficiente para um tratamento tarifário diferente. Ele assinalou que não era incomum que, no caso de produtos agrícolas, o gosto ou aroma do produto final variasse em função de um ou vários dos fatores acima mencionados. Além disso, o Painel considerou relevante para sua análise da questão que o café não-torrado era principalmente, se não exclusivamente, vendido na forma de misturas, combinando vários tipos de café, e que o café, no seu uso final, era universalmente visto como um produto único e bem-definido, feito para ser bebido.

18 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 21.

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19 Relatório do Painel, Espanha – Tratamento Tarifário do Café Não-torrado (“Spain – Unroasted Coffee”), adotado em 19 de junho de 1981, BISD 28S/102, para. 4.11.

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O Painel observou que nenhuma outra parte contratante aplicava seu regime tarifário em relação ao café não-torrado e não-descafeinado de forma a submeter diferentes tipos de café a diferentes tarifas. Com base nisso, o Painel concluiu que os grãos de café não-torrado e não-descafeinado listados na Tarifa Alfandegária Espanhola...deveriam ser considerados como “similares”, no sentido constante do Artigo I:1.20 Finalmente, o Artigo I:1 aplica-se também a produtos que não estão sujeitos a consolidação tarifária.21 2.3.3 A vantagem foi conferida “imediata e incondicionalmente”? O Artigo I:1 do GATT 1994 exige que qualquer vantagem conferida por um Membro da OMC a qualquer país seja estendida “imediata e incondicionalmente” a todos os outros Membros da OMC. Isso significa que uma vez que um Membro da OMC tenha conferido uma vantagem a um país, ele não pode impor a outros Membros da OMC condições para que possam se beneficiar dessa mesma vantagem. O Membro da OMC deve estender o benefício da vantagem a todos os Membros da OMC incondicionalmente. Em US – Non-Rubber Footwear, o Painel explicou: “O Painel ... considerou que o Artigo I:1 não permite contrabalançar o tratamento mais favorável em algum procedimento e o tratamento menos favorável em outros. Se um tal balanceamento fosse aceito, isso possibilitaria a uma parte contratante eximir-se da obrigação de nação mais favorecida em um caso, em relação a uma parte contratante, com base na alegação de que ela confere tratamento mais favorável em algum outro caso, em relação a outra parte contratante. Na visão do Painel, tal interpretação da obrigação de nação mais favorecida do Artigo I:1 minaria o próprio objetivo subjacente à incondicionalidade da obrigação.”22 Em Indonesia – Autos, o Painel considerou que sob os programas de automóveis da Indonésia, os benefícios relativos a tarifas e impostos alfandegários eram condicionais à obtenção de determinado conteúdo local no automóvel acabado. O Painel concluiu que essas condições eram incompatíveis com os dispositivos do Artigo I:1, que determina que vantagens tributárias e alfandegárias conferidas a produtos de um Membro (naquele caso, a produtos da República da Coréia) sejam acordadas a produtos similares importados de outros Membros “imediata e incondicionalmente”.23 Em Canada – Autos, o Órgão de Apelação considerou que: “A medida mantida pelo Canadá confere uma isenção da tarifa de importação a certos veículos automotores vindos de alguns países. Esses veículos automotores privilegiados são importados por um número limitado de produtores identificados, que são obrigados

20 Relatório do Painel, Spain – Unroasted Coffee, paras. 4.11 ff. 21 Relatório do Painel, Spain – Unroasted Coffee, para. 4.3. 22 Relatório do Painel, US – Non-Rubber Footwear, para. 6.11.

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23 Relatório do Painel, Indonésia – Certas Medidas que Afetam a Indústria Automobilística (“Indonesia – Autos”), WT/DS54/R, WT/DS55/R, WT/DS59/R, WT/DS64/R e Corr.1, 2, 3, e 4, adotado em 23 de julho de 1998, DSR 1998:VI, 2201, paras. 14.145-14.146.

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a alcançar certos requisitos de performance. Na prática, essa medida não confere a mesma isenção de tarifa de importação, imediata e incondicionalmente, aos veículos automotores similares vindos de todos os outros Membros, tal como requerido pelo Artigo I:1 do GATT 1994. A vantagem da isenção de tarifa de importação é conferida a alguns veículos automotores provenientes de certos países, sem ser conferida a veículos automotores similares vindos de todos os outros Membros. Dessa forma, concluímos que essa medida não é compatível com as obrigações do Canadá sob o Artigo I:1 do GATT 1994.”24 Em US – Certain EC Products, os EUA aumentaram os requisitos impostos sobre certos produtos importados das Comunidades Européias para assegurar o pagamento das tarifas adicionais de importação, impostas em retaliação pelo regime de importação de bananas das CE. O Painel considerou que os requisitos adicionais impostos violavam a obrigação de tratamento da nação mais favorecida do Artigo I:1 do GATT 1994, uma vez que era aplicável somente a importações das Comunidades Européias, apesar de produtos idênticos de outros Membros da OMC não serem sujeitos a tais requisitos adicionais impostos. O Painel explicou, ainda, que a diferença na regulação (sobre se um requisito adicional imposto era necessário ou não) não estava baseada em qualquer característica do produto, mas dependia exclusivamente da origem do produto e visava exclusivamente algumas importações das Comunidades Européias.25 2.4 Obrigação de Tratamento Nacional: Artigo III Obrigação de TN – A obrigação de tratamento nacional, normalmente referida como a obrigação de TN, determina que os Membros da OMC não discriminem produtos importados após esses produtos terem entrado no mercado doméstico. Em outras palavras, o País A não deve tratar os produtos importados dos Países B ou C menos favoravelmente do que seus próprios produtos domésticos “similares”.

Produto a

País A: Obrigação de não discriminar entre produtos a, b e c

País C

País B

Produto c

Produto b

24 Relatório do Painel, Canada – Autos, para. 85.

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25 Relatório do Painel, EUA – Certos Produtos das CE (“US – Certain EC Products”), WT/DS165/R, adotado em 17 de julho de 2000, tal como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS165/AB/R, para. 6.54.

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Artigo III do GATT 1994 – O Artigo III do GATT 1994 dispõe, na parte relevante:

Artigo III* Tratamento Nacional em Regulação e Taxação Interna

1. Os [Membros] reconhecem que tributos internos e outros encargos internos, e leis, regulamentos e requisitos que afetem a venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso de produtos, e regulamentações quantitativas internas que requeiram a mistura, processamento ou uso de produtos em quantidades ou proporções especificadas, não devem ser aplicados a produtos importados ou domésticos de modo a conferir proteção à produção doméstica.* 2. Os produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de qualquer outro [Membro] não serão sujeitos, direta ou indiretamente, a tributos internos ou outros encargos internos de qualquer tipo superiores àqueles aplicados, direta ou indiretamente, a produtos domésticos similares. Além disso, nenhum [Membro] aplicará tributos internos ou outros encargos internos a produtos importados ou domésticos de forma contrária aos princípios estabelecidos no parágrafo 1.* ... 4. Aos produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de qualquer outro [Membro] será dado um tratamento não menos favorável do que o acordado a produtos similares de origem nacional em relação a todas as leis, regulamentos e requisitos que afetem sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso. O disposto neste parágrafo não impedirá a aplicação de taxas internas diferenciadas de transporte baseadas exclusivamente na operação econômica dos modos de transporte e não na nacionalidade do produto. Objetivo – O Artigo III do GATT 1994 proíbe a discriminação entre produtos domésticos e produtos importados similares, através de diversas medidas internas enumeradas no Artigo III:1, em particular, “... tributos internos e outras taxas internas, e leis, regulamentos e requerimentos que afetem a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso dos produtos internamente, bem como regulamentos quantitativos internos que requeiram a mistura, o processamento ou uso de produtos em quantidades ou proporções especificadas, ...” O objetivo do Artigo III:1 é assegurar que tais medidas internas “não deveriam ser aplicadas a produtos importados ou domésticos de forma a dar proteção à produção doméstica (artigo III:1)”.26 Japan – Alcoholic Beverages II – Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação enfatizou que o objetivo maior e fundamental do Artigo III é evitar o protecionismo e que com esta finalidade,

2026 Artigo III:1 do GATT 1994 e Relatório do Painel, US – Section 337, para. 5.10.

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“... o Artigo III obriga os Membros da OMC a fornecer igualdade de condições competitivas para produtos importados em relação a produtos domésticos.”27 Korea – Alcoholic Beverages – Ademais, em Korea – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação prosseguiu para explicar que o Artigo III objetiva: “... evitar o protecionismo, requerendo igualdade de condições de concorrência e protegendo expectativas de relações concorrenciais equilibradas.”28 Escopo do Artigo III – O Órgão de Apelação também deixou claro que o Artigo III do GATT 1994, assim como o Artigo I, não está limitado a produtos sujeitos a concessões tarifárias sob o Artigo II do GATT 1994.29 Entretanto, o Artigo III do GATT 1994 está apenas relacionado a medidas internas e não a medidas de fronteira. Medidas Internas X Medidas de Fronteira – O Artigo III apenas se relaciona a medidas internas, ao passo que outros dispositivos do GATT tratam especificamente de medidas de fronteira, tal como o Artigo II, sobre concessões tarifárias e o Artigo XX, sobre restrições quantitativas. Quando a medida é aplicada no tempo ou no ponto de entrada no país importador, pode ser difícil distinguir medidas de fronteira das medidas internas. Ad Nota ao Artigo III especifica: “Qualquer tributo ou outra taxa interna, ou qualquer lei, regulamento ou requisito do tipo referido no parágrafo 1, que se aplica a um produto importado e ao produto doméstico similar, e é coletado ou imposto, no caso do produto importado, no momento ou no local da importação, deve ainda assim ser visto como um imposto ou outra taxa interna, ou uma lei, regulamento ou requisito do tipo referido no parágrafo 1, e está por conseqüência sujeito aos dispositivos do Artigo III.” Por exemplo, o banimento de um produto na fronteira em função do desatendimento a padrões de saúde pública cairia sob o Artigo III, e não sob o Artigo XI, apesar do fato de o Artigo XI tratar especificamente de restrições quantitativas, incluindo o banimento de importações. No entanto, pode haver violações de ambos os Artigos III e XI em um mesmo conjunto de fatos.30 Artigos III:2 e III:4 do GATT 1994 – O princípio geral de não discriminação do Artigo III:1 informa o restante do Artigo III. Os parágrafos seguintes do Artigo III estabelecem obrigações específicas de não discriminação. O Artigo III:2 do GATT 1994 relaciona-se especificamente à tributação interna, enquanto que o Artigo III:4 trata de regulamentações internas. Uma distinção adicional deve ser feita. No Artigo III:2, a

27 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 16. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, Coréia – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Korea - Alcoholic Beverages”), WT/DS75/AB/R, WT/DS84/AB/R, adotado em 17 de fevereiro de 1999, para. 119; Relatório do Órgão de Apelação, Chile – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Chile – Alcoholic Beverages”), WT/DS87/AB/R, WT/DS110/AB/R, adotado em 12 de janeiro de 2000, para. 67; Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Medidas Afetando Asbestos e Produtos que Contêm Asbestos (“EC – Asbestos”), WT/DS135/AB/R, adotado em 5 de abril de 2001, para. 97 e Relatório do Painel, Indonesia – Autos, para. 14.108. 28 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120. 29 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 16-17.

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30 Relatório do Painel, Índia – Medidas que Afetam o Setor Automobilístico (“India – Autos”), WT/DS146/R, WT/DS175/R e Corr.1, adotado em 5 de abril de 2002, para. 8.1.

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obrigação de não discriminação relativa à tributação interna aplica-se não apenas a “produtos similares” (primeira sentença), mas também a “produtos diretamente comparáveis ou substituíveis” (segunda sentença). Em contraste, a obrigação de não discriminação relativa a regulamentações internas aplica-se apenas a “produtos similares”. Artigo III:1 do GATT 1994 – A relação entre os Artigos III:1, III:2 e III:4 do GATT 1994 foi examinada pelo Órgão de Apelação. O Artigo III:1 prevê o princípio geral de que medidas internas não devem ser aplicadas de forma a dar proteção à produção doméstica. Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação esclareceu que a função desse “princípio geral” é de “informar o restante do Artigo III”. O Órgão de Apelação prosseguiu afirmando que: “O propósito do Artigo III:1 é estabelecer este princípio geral como um guia para o entendimento e interpretação das obrigações específicas contidas no Artigo III:2 e nos outros parágrafos do Artigo III, ao mesmo tempo respeitando, e não reduzindo de nenhuma forma, o significado das palavras efetivamente usadas nos textos daqueles outros parágrafos.”31 As Seções abaixo examinam mais detidamente as obrigações contidas nos Artigos III:2, primeira sentença, Artigo III:2, segunda sentença, e Artigo III:4 do GATT 1994. 2.5 Quando Há uma Violação da Obrigação de Tratamento Nacional, sob o Artigo III:2, primeira sentença? Artigo III:2, primeira sentença, do GATT 1994 – O Artigo III:2, primeira sentença, estabelece: “Os produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de qualquer outro [Membro] não estarão sujeitos, direta ou indiretamente, a tributos internos ou outras taxas internas de qualquer tipo acima daqueles aplicados, direta ou indiretamente, aos produtos domésticos similares.” Teste de duas fases – Como afirmado anteriormente, o Artigo III:2 relaciona-se apenas a “tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo”. Uma vez que a medida em questão é um “tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo”, o Artigo III:2, primeira sentença, estabelece um teste em duas fases, que significa que duas questões devem ser respondidas para determinar se há uma violação do Artigo III:2, primeira sentença: (1) Se os produtos importado e doméstico são “produtos similares”; e (2) Se a tributação dos produtos importados é superior à tributação dos produtos domésticos.32 31 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p.18.

2232 Tal como refletido nos relatórios do Painel e do Órgão de Apelação em Canada – Periodicals, p. 20.

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Ausência de Conclusão Separada sob o Artigo III:1 – O Órgão de Apelação concluiu que não é necessário verificar uma aplicação protetora da medida interna de tributação, de acordo com o Artigo III:1, separadamente dos elementos ou requisitos específicos do Artigo III:2, primeira sentença.33 Como o Órgão de Apelação explicou, isto não significa que o princípio geral contra o protecionismo do Artigo III:1 não se aplica ao Artigo III:2, primeira sentença, mas sim que o Artigo III:2 é, efetivamente, uma aplicação do princípio geral contra o protecionismo.34 O Painel de Argentina – Hides and Leather esclareceu que sempre que produtos importados do território de um Membro estão sujeitos a tributos superiores àqueles aplicados aos produtos similares no território de outro Membro, isto é considerado “uma proteção à produção doméstica” nos termos do Artigo III:1.35 2.5.1 Tributos internos foram aplicados? Tributos Internos – O Artigo III:2, primeira sentença, trata apenas de “tributos internos e outras taxas de qualquer tipo” aplicadas “direta ou indiretamente” em produtos. Tributos internos sobre produtos, tais como imposto de valor agregado (IVA), impostos sobre vendas e impostos de consumo estão cobertos pelo Artigo III:2, primeira sentença. No entanto, impostos sobre a renda ou impostos de importação não estão cobertos pelo Artigo III:2, uma vez que não constituem tributos internos sobre produtos. Se tributos internos são “aplicados direta ou indiretamente” sobre produtos, deve ser entendido como significando se tributos internos foram aplicados “sobre ou em relação a” produtos. O termo “taxas” indica um “ônus pecuniário” ou uma “obrigação de pagar dinheiro imposta a uma pessoa”.36 Dispositivos impondo penalidades conjugados com requisito de conteúdo local podem ser qualificados como “tributos internos ou outras taxas de qualquer tipo” nos termos do Artigo III:2, primeira sentença.37 Depósitos de segurança não são medidas fiscais se não forem aplicados a um requisito de compra.38 Ajustes em tributos de fronteira são medidas fiscais pelas quais o país exportador abre mão ou reembolsa tributos e o país importador impõe tributos de acordo com o princípio da destinação. Eles possibilitam que os produtos exportados sejam desonerados de uma parte ou de todo o imposto cobrado, no país exportador, em relação a produtos domésticos similares vendidos a consumidores no mercado de origem. Eles também possibilitam que produtos importados vendidos a consumidores sejam onerados com uma parte ou com todo o imposto cobrado no país importador em relação a produtos domésticos similares. Esses ajustes nos impostos de fronteira se inserem no âmbito de aplicação do Artigo III:2.39 Ausência de Teste sobre Objetivo e Efeito – O objetivo perseguido pelo governo que impõe a medida tributária não é relevante para determinar se a medida constitui um 33 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 18-19. 34 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 18-19. 35 Relatório do Painel, Argentina – Medidas que Afetam a Exportação de Peles Bovinas e a Importação de Couro Acabado (“Argentina – Hides and Leather”), WT/DS155/R e Corr. 1, adotado em 16 de fevereiro de 2001, para. 11.137. 36 New Shorter Oxford English Dictionary, Vol. 1, Oxford (1993), p. 374. 37 Relatório do Painel, EUA – Medidas que Afetam a Importação, Venda e Uso do Tabaco, (“US - Tobacco”), adotado em 4 de outubro de 1994, DS44/R, para. 82. 38 Relatório do Painel, Medidas da Comunidade Econômica Européia sobre Proteínas para Ração Animal (“EEC – Animal Feed Proteins”), adotado em 14 de março de 1978, BISD 25S/49, para. 4.4.

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39 Ver Relatório do Grupo de Trabalho, Ajuste de Impostos de Fronteira, adotado em 2 de dezembro de 1970, BISD 18S/97.

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tributo interno nos termos do Artigo III:2. Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação afirmou que Membros podem perseguir qualquer objetivo por meio de suas medidas tributárias, contanto que eles o façam de acordo com o disposto no Artigo III:2. Medidas de Administração Tributária – Em Argentina – Hides and Leather, a Argentina requisitava o pré-pagamento de certos impostos na importação de bens. O Painel concluiu que tal “pré-pagamento” constituía um mecanismo para a coleta dos impostos que também previa a imposição de taxas.40 O Painel concluiu que a medida tributária não era destinada a atingir uma eficiente administração e coleta tributária, mas sim que tomava a forma de uma “taxa interna” aplicada a produtos e, portanto, se enquadrava no Artigo III:2, primeira sentença. Portanto, medidas de “administração tributária” não estão sempre excluídas do Artigo III:2. Elas precisam ser examinadas de perto.41 2.5.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”? Produtos Similares – A obrigação de tratamento nacional constante do Artigo III:2, primeira sentença, apenas se aplica a “produtos similares”. O conceito de “produtos similares” não está definido em nenhum lugar no GATT 1994, e ele não contém nenhuma orientação sobre as características que devem ser consideradas ao se determinar a “similaridade”. No entanto, inúmeros relatórios de solução de controvérsias do GATT e da OMC examinaram e aplicaram o conceito de “produtos similares” no Artigo III:2, primeira sentença. Japan – Alcoholic Beverages II – Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação examinou em detalhes o escopo do conceito de “produtos similares” nos termos do Artigo III:2, primeira sentença. A questão era se shochu e vodka poderiam ser considerados “produtos similares”. O Órgão de Apelação optou por uma interpretação restritiva do conceito de “produtos similares” na primeira sentença do Artigo III:2: “Pelo fato de a segunda sentença do Artigo III:2 estabelecer uma consideração separada e distinta do aspecto protetor de uma medida ao examinar sua aplicação a um conjunto mais amplo de produtos que não são “produtos similares” tal como previsto na primeira sentença, nós concordamos com o Painel que a primeira sentença do Artigo III:2 deve ser interpretada de forma restritiva, de forma a não condenar medidas que seus termos estritos não se destinam a condenar. Consequentemente, nós também concordamos com o Painel no sentido de que a definição de “produtos similares” no Artigo III:2, primeira sentença, deve ser interpretada restritivamente.”42 O Órgão de Apelação também confirmou a forma básica de determinar “similaridade” constante no Relatório do Grupo de Trabalho sobre Ajustes nas Tarifas Alfandegárias (Border Tax Adjustments), de 1970. “... a interpretação do termo deve ser examinada caso a caso. Isto permitiria uma análise justa em cada caso dos diferentes elementos que constituem um produto “similar”. Alguns critérios foram sugeridos para determinar, na base do caso a caso, se um produto é “similar”: os usos finais do produto em determinado mercado; os

40 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.143. 41 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.144.

2442 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.

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hábitos e gostos dos consumidores, que variam de país para país; as propriedades, natureza e qualidade do produto.”43 Mesmo reconhecendo a utilidade desse método em Japan – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação enfatizou que o alcance de “produtos similares” no Artigo III:2, primeira sentença, deveria ser mais restrito do que a variedade de produtos contemplada em alguns outros dispositivos do GATT 1994 e outros Acordos Multilaterais de Comércio do Acordo da OMC.44 O Órgão de Apelação também afirmou que determinar se produtos são “similares” sempre envolve “um inevitável elemento de julgamento discricionário, individual”.45 O Órgão de Apelação afirmou ainda que “nenhum método de julgamento será apropriado para todos os casos. Os critérios em Ajustes de Tarifas Alfandegárias devem ser examinados, mas não pode haver nenhuma definição precisa e absoluta do que é “similar”.”46 Ausência de Teste sobre Objetivo e Efeito – Dois Relatórios de Painéis tentaram introduzir o teste sobre objetivo e efeito para analisar a similaridade de produtos, decidindo que para determinar se dois produtos sujeitos a tratamento diferenciado são similares, é necessário considerar se a diferenciação de produto em questão estava sendo feita “de forma a conferir proteção à produção doméstica”.47 Este método de aproximação foi explicitamente rejeitado em 1996 pelo Painel em Japan – Alcoholic Beverages II,48 e o Órgão de Apelação também confirmou, implicitamente, a rejeição do teste sobre objetivo e efeito pelo Painel.49 Em Japan – Alcoholic Beverages, o Painel concluiu que shochu e vodka eram “similares” com base no seguinte raciocínio: Exemplo de Análise de Similaridade - “... O Painel notou que vodka e shochu compartilhavam a maioria das características físicas. Na visão do Painel, exceto por filtração, há praticamente identidade na definição dos dois produtos. O Painel notou que a diferença na característica física do teor alcoólico de dois produtos não afasta uma conclusão pela similaridade, especialmente porque bebidas alcoólicas são muitas vezes ingeridas sob a forma diluída. O Painel observou, então, que essencialmente chegou-se à mesma conclusão no Relatório do Painel de 1987, que “... concordou com os argumentos apresentados a ele pelas Comunidades Européias, Finlândia e Estados Unidos de que o shochu Japonês (Grupo A) e a vodka poderiam ser considerados produtos “similares”, nos termos do Artigo III:2 porque eles eram

43 Relatório do Grupo de Trabalho, Ajustes de Tarifas Alfandegárias, para. 18 e Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20. 44 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20. 45 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20. 46 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20. 47 Ver Relatório do Painel, Estados Unidos – Medidas Afetando Bebidas Alcoólicas e Maltadas (“US – Malt Beverages”), adotado em 19 de junho de 2002, BISD 39S/206, paras. 5.25 e 5.26 e o Relatório de Painel não adotado, Estados Unidos – Impostos sobre Automóveis (“United States – Automobile Taxes”), circulado em 11 de outubro de 1994, DS31/R, paras. 5.8 ff. 48 Ver Relatório do Painel, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan – Alcoholic Beverages II”), WT/DS8/R, WT/DS10/R, WT/DS11/R, adotado em 1o de novembro de 1996, tal como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, DSR 1996:1, 125.

2549 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 16.

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ambos destilados brancos/limpos, feitos de matérias primas similares, e os usos finais eram praticamente idênticos”. Após sua análise independente dos fatores mencionados no Relatório do Painel de 1987, o Painel concordou com essa declaração. ... [O Painel] observou que (i) vodka e shochu estavam classificados sob o mesmo título nas tarifas Japonesas, (apesar de sob a nova classificação do Sistema Harmonizado (SH), que entrou em vigor em 1o de janeiro de 1996 e que o Japão planeja implementar, shochu aparece sob o título tarifário 2208.90 e vodka sob o título tarifário 2208.60); e (ii) vodka e shochu estavam cobertos pelo mesmo compromisso tarifário Japonês ao tempo da negociação. Dos produtos em questão neste caso, apenas shochu e vodka têm a mesma tarifa aplicada a eles no anexo tarifário Japonês (ver Anexo 1). O Painel notou que, com relação à vodka, o Japão não ofereceu provas adicionais convincentes de que a conclusão a que se chegou no Relatório de Painel de 1987 estava errada, e nem mesmo de que tinha havido uma mudança nas preferências dos consumidores em relação a esse aspecto. ... Consequentemente, à luz da conclusão do Relatório do Painel de 1987 e da sua análise independente da questão, o Painel concluiu que vodka e shochu são produtos similares. Na visão do Painel, apenas vodka poderia ser considerada como produto similar a shochu uma vez que, além de comunidade de usos finais, ela compartilhava com shochu a maioria das características físicas. Em termos de definição, a única diferença está na meio usado para filtração. Diferenças substanciais notáveis, em relação a características físicas, existem entre o restante das bebidas alcoólicas em disputa e shochu, que os desqualificariam de serem vistos como produtos similares. Mais especificamente, o uso de aditivos desqualificaria licores, gin e genever; o uso de ingredientes desqualificaria o rum; finalmente, aparência (decorrente de processos de fabricação) desqualificaria whisky e brandy...”50 Classificação tarifária e compromissos tarifários – No uso de classificação tarifária para determinar “similaridade”, o Órgão de Apelação explicou, na apelação de Japan – Alcoholic Beverages II, que uma classificação tarifária uniforme de produtos, se suficientemente detalhada, pode ser relevante para determinar o que são “produtos similares”. A classificação uniforme em nomenclaturas tarifárias baseadas no Sistema Harmonizado (o “SH”) foi reconhecida na prática do GATT 1947 como fornecedora de uma base útil para confirmar “similaridade” de produtos. No entanto, em relação a compromissos tarifários, o Órgão de Apelação alertou: “Há uma grande diferença entre nomenclatura de classificação tarifária e compromissos ou concessões tarifárias feitas pelos Membros da OMC sob o Artigo II do GATT 1994. Há riscos em usar compromissos tarifários muito amplos como uma medida da “similaridade” entre produtos. Muitos dos países menos desenvolvidos Membros da OMC apresentaram listas de concessões e compromissos, como anexos ao GATT 1994, pela primeira vez, como requerido pelo Artigo XI do Acordo da OMC. Muitos desses países menos desenvolvidos, assim como outros países em desenvolvimento, têm compromissos em seus anexos que incluem ampla variedade de produtos, que estão espalhados por vários títulos tarifários do SH. Por exemplo, muitos desses países têm compromissos uniformes muito amplos em produtos não-agrícolas. Isso não necessariamente indica similaridade dos produtos cobertos pelo compromissos. Ao contrário, representa os resultados de concessões comerciais negociadas entre os Membros da OMC.

2650 Relatório do Painel, Japan – Alcoholic Beverages II, para. 6.23.

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É verdade que há inúmeros compromissos tarifários que são, de fato, extremamente precisos em relação à descrição de produto e que, portanto, podem fornecer orientação significativa em relação à identificação de “produtos similares”. Claramente, essas determinações precisam ser feitas na base do caso a caso. No entanto, compromissos tarifários que incluem uma ampla gama de produtos não são um critério confiável para determinar ou confirmar a “similaridade” de produtos sob o Artigo III:2.51 2.5.3 Os produtos importados são tributados “a mais” em relação aos produtos domésticos? O Artigo III:2, primeira sentença, estabelece que tributos internos sobre produtos importados não devem ser “superiores aos” tributos internos aplicáveis a produtos “similares” domésticos. Ausência de Patamar Mínimo – Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação julgou que “mesmo o menor valor a mais é muito”.52 O Órgão de Apelação acrescentou que o Artigo III:2, primeira sentença, não requer que seja aplicado um “teste de efeitos comerciais”, e tampouco estipula um padrão de minimis.53 Relação Concorrencial Igualitária – Com relação à ausência de um “teste de efeitos comerciais”, o Órgão de Apelação afirmou: “... é irrelevante que os “efeitos comerciais” do diferencial tributário entre produtos importados e domésticos, tal como refletidos nos volumes de importações, sejam insignificantes ou mesmo inexistentes; o Artigo III protege expectativas não de qualquer volume de comércio em particular, mas sim da relação concorrencial igualitária entre produtos importados e domésticos.” Na ausência de um padrão de minimis, o Painel concluiu em US – Superfund: Ausência de padrão de minimis – A alíquota do tributo aplicado aos produtos importados é 3,5% por barril mais alta do que a alíquota aplicada aos produtos domésticos similares ... O imposto sobre petróleo é ... incompatível com as obrigações dos Estados Unidos sob o Artigo III:2.54 Em Argentina – Hides and Leather, o Painel rejeitou o argumento de que o diferencial de ônus tributário entre os produtos importados e domésticos somente existiria por um período de 30 dias e que, portanto, era de minimis.55 Naquele caso, a disputa dizia respeito ao sistema Argentino de coleta de impostos, que exigia o pré-pagamento de impostos em relação a todas as operações de importação, mas apenas em relação a vendas internas realizadas por certas pessoas tributadas, denominadas “agentes de percepción”. O Painel decidiu que a identidade e as circunstâncias das pessoas envolvidas nas operações de venda não poderiam servir de justificativa para

51 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 21-22. 52 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 23. 53 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 23. 54 Relatório do Painel, Estados Unidos – Impostos sobre Petróleo e Determinados Produtos Importados (“US – Superfund”), adotado em 17 de junho de 1987, BISD 34S/136, para. 5.1.1.

2755 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.245.

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diferenciações em relação ao ônus tributário.56 O Painel também sustentou que o Artigo III:2, primeira sentença, requer a comparação dos ônus tributários efetivos. Relembrando o propósito do Artigo III:2, primeira sentença, que é o de assegurar igualdade de condições de concorrência entre produtos importados e os produtos domésticos similares, o Painel explicou que esse Artigo preocupa-se com o impacto econômico nas oportunidades concorrenciais dos produtos importados e domésticos similares, e não com impostos ou taxas, por si só, ou com os objetivos de política perseguidos com eles.57 Assim, na visão do Painel, ônus tributários impostos sobre os produtos taxados deveriam ser objeto de comparação.58 O Painel afirmou: “... Fosse diferente, os Membros poderiam facilmente fugir dessas disciplinas. Assim, mesmo onde produtos importados e produtos domésticos similares estão sujeitos a idênticas alíquotas de impostos, o ônus tributário efetivo pode, ainda assim, ser mais pesado sobre os produtos importados. Isto poderia acontecer, por exemplo, nos casos em que diferentes métodos de cômputo da base de incidência tributária levam a um maior ônus tributário efetivo sobre os bens importados.59” Deve-se notar que o Painel em EEC – Animal Feed Proteins determinou que uma regulação interna que meramente expõe produtos importados a um risco de discriminação constitui, por si só, uma forma de discriminação nos termos do Artigo III.60 Em Argentina – Hides and Leather, o Painel também decidiu que o Artigo III:2, primeira sentença, não permite aos Membros contrabalançar um tratamento tributário mais favorável para produtos importados em alguns casos com um tratamento tributário menos favorável em outros casos.61 Finalmente, em Indonesia – Autos, o Painel considerou que diferenças em impostos que são baseadas apenas na nacionalidade dos produtores ou na origem de partes e componentes contidas nos produtos são incompatíveis com a obrigação de tratamento nacional do Artigo III:2, primeira sentença. 2.6 Quando Existe uma Violação da Obrigação de Tratamento Nacional, sob o Artigo III:2, segunda sentença? O Artigo III:2, segunda sentença, estabelece: Artigo III:2, segunda sentença, GATT 1994 – “Ademais, nenhum [Membro] deverá de outro modo aplicar taxas internas ou outros encargos internos para produtos importados ou domésticos de maneira contrária aos princípios estabelecidos no parágrafo 1.” Como discutido anteriormente, o Artigo III:1 antecipa o princípio geral de que impostos internos ou outros encargos internos:

56 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.220. 57 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.182. 58 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.182. 59 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.183. 60 Relatório do Painel, EEC – Animal Feed Proteins, paras. 5.57, 5.60 e 5.76.

2861 Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.260.

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“... não deveriam ser aplicados a produtos importados ou domésticos de modo a conferir proteção à produção doméstica.” Além disso, Nota ao Artigo III estabelece que: “[uma] taxa que se conforme aos requisitos da primeira sentença do parágrafo 2 seria considerada como incompatível com as disposições da segunda sentença apenas em casos onde a concorrência estaria envolvida entre, por um lado, o produto taxado e, por outro lado, um produto diretamente concorrente ou substituível o qual não tenha sido similarmente taxado.” Ordem de análise – o Artigo III:2, segunda sentença, pode somente ser utilizado se a medida em questão for incompatível com o Artigo III:2, primeira sentença. Portanto, deve-se sempre aplicar primeiro o teste sob o Artigo III:2, primeira sentença. Se a resposta à questão for negativa, então há uma necessidade de examinar mais adiante se a medida é incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença.62 O Órgão de Apelação expressou em duas ocasiões que o Artigo III:2, segunda sentença, contempla uma “categoria mais ampla de produtos” do que o Artigo III:2, primeira sentença.63 Teste de três fases – como constatado anteriormente, o Artigo III:2 envolve apenas “taxa interna ou outro encargo interno de qualquer tipo”. Uma vez que a medida em questão é uma “taxa interna ou outro encargo interno de qualquer tipo”, e depois que ela foi determinada como não sendo incompatível com a primeira sentença do Artigo III, a segunda sentença do Artigo III proporciona um teste diferente. Ele é um teste de três fases, o que significa que três questões devem ser respondidas para determinar se há uma violação do Artigo III:2, segunda sentença. Em Japan – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação expressou: “Diferentemente do Artigo III:2, primeira sentença, a linguagem do Artigo III:2, segunda sentença, invoca especificamente o Artigo III:1. O significado desta distinção reside no fato de que enquanto o Artigo III:1 age implicitamente ao abordar as duas questões que devem ser consideradas ao aplicar a primeira sentença, o mesmo Artigo III:1 age explicitamente como uma questão inteiramente separada que deve ser abordada junto com duas outras questões que são levantadas ao aplicar a segunda sentença. Dando-se significado total ao texto e a este contexto, três questões em separado devem ser abordadas para determinar se uma medida de taxação interna é incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença. Estas três questões são se: (1) os produtos importados e os produtos domésticos são ‘produtos diretamente concorrentes ou substituíveis’ que estão em concorrência entre si; (2) os produtos importados e domésticos, diretamente concorrentes ou substituíveis, ‘não são similarmente taxados’; e (3) a taxação não-similar dos produtos importados e domésticos, diretamente concorrentes ou substituíveis, é ‘aplicada de modo a sustentar proteção à produção doméstica’.

62 Relatório do Órgão de Apelação, Canadá – Certas Medidas Relativas a Periódicos (“Canada – Periodicals”), WT/DS31/AB/R, adotado em 30 de julho de 1997, pp. 22-23.

29

63 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 25; Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, p. 19.

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Novamente, estas são três questões separadas. Cada uma deve ser estabelecida separadamente pelo demandante a um Painel para constatar se uma medida de taxação imposta por um Membro da OMC é incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença.”64 2.6.1 Taxas internas foram aplicadas? Tanto a primeira como a segunda sentenças do Artigo III:2 envolvem “taxas internas ou outros encargos internos”. Esta frase tem sido interpretada de modo consistente não obstante a sua posição na primeira ou na segunda sentenças do Artigo III. O Capítulo 2.5.1 acima inclui a discussão sobre essa frase. 2.6.2 Os produtos importados ou domésticos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”? “diretamente concorrentes ou substituíveis” – A obrigação de tratamento nacional no Artigo III:2, segunda sentença, aplica-se a “produtos diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, que é uma categoria mais ampla do que “produtos similares” no Artigo III:2, primeira sentença. Substitutibilidade não-perfeita – Em Canada – Periodicals, o Órgão de Apelação entendeu que produtos não precisam ser perfeitamente substituíveis entre si a fim de serem “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, pois um caso de “substitutibilidade perfeita” cairia sob o Artigo III:2, primeira sentença.65 Primeira e segunda sentenças do Artigo III:2 – Sobre a relação entre o conceito de “produtos similares” do Artigo III:2, primeira sentença, e o conceito de “diretamente concorrentes ou perfeitamente substituíveis entre si” do Artigo III:2, segunda sentença, o Órgão de Apelação expressou: “Produtos ‘similares’ são um sub-sistema de produtos diretamente concorrentes ou perfeitamente substituíveis entre si: todos os produtos similares são, por definição, diretamente concorrentes ou perfeitamente substituíveis entre si, enquanto que nem todos os produtos ‘diretamente concorrentes ou substituíveis’ são ‘similares’. A noção de produtos similares deve ser construída estreitamente mas a categoria de diretamente concorrentes ou substituíveis é mais ampla. Enquanto produtos perfeitamente substituíveis caem sob o Artigo III:2, primeira sentença, produtos imperfeitamente substituíveis podem ser avaliados pelo Artigo III:2, segunda sentença.”66 Korea – Alcoholic Beverages – Em Korea – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação expressou que ele considera produtos como “diretamente concorrentes ou perfeitamente substituíveis entre si” quando eles são intercambiáveis ou se eles oferecem meios alternativos de satisfazer uma necessidade ou um gosto particular.67 O Órgão de Apelação também disse que, ao examinar se produtos são “diretamente concorrentes ou

64 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 24. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, pp. 24-25, e Relatório do Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages, par. 47. 65 Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, p. 28. 66 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 118.

3067 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 114-116.

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perfeitamente substituíveis entre si”, uma análise de demanda latente e existente é requerida, uma vez que a “concorrência no mercado é um processo dinâmico e em evolução”.68 Além disso, o Órgão de Apelação lembrou que Painéis anteriores reconheceram que o comportamento do consumidor poderia ser influenciado por taxação interna protecionista, e concluiu que isso poderia ser altamente relevante para examinar demanda latente.69 Critérios – Quanto aos fatores a serem levados em consideração ao estabelecer se os produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, eles incluem, além de suas características físicas, comunidade de usos finais e classificações tarifárias, a natureza dos produtos comparados e as condições de concorrência no mercado relevante.70 Korea – Alcoholic Beverages – Em Korea – Alcoholic Beverages, o Órgão de Apelação considerou um exame das condições de concorrência no mercado, bem como a elasticidade da demanda daquele mercado em função do preço, como um meio de estabelecer se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”.71 Estudos sobre elasticidade em função do preço tentam prever a mudança na demanda que resultasse da mudança de preço de um produto, decorrente, inter alia, de uma mudança em relativos encargos tarifários sobre produtos importados e domésticos.72 Contudo, o Órgão de Apelação esclareceu cuidadosamente que a elasticidade da demanda por produtos em função do preço não é o critério decisivo para determinar se esses produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”.73 O Órgão de Apelação apoiou a ênfase do Painel sobre a “qualidade” ou “natureza” da concorrência ao invés da “sobreposição quantitativa de concorrência”.74 O Órgão de Apelação também compartilhou da relutância do Painel em valer-se das análises quantitativas de relacionamento concorrencial. Em sua opinião, uma abordagem que focalizasse apenas na sobreposição quantitativa de concorrência resultaria, na essência, em fazer da elasticidade em função do preço o critério decisivo para decidir se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”.75 O Órgão de Apelação considerou, em Korea – Alcoholic Beverages, que a situação do mercado nos outros Membros deve ser levada em consideração ao determinar se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”. A situação dos mercados nos outros Membros é particularmente relevante quando a demanda naquele mercado foi influenciada por barreiras regulatórias ao comércio ou à concorrência, sob a condição de que o outro mercado mostra características similares ao mercado em questão. Como expressado pelo Órgão de Apelação, a determinação se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si” pode apenas ser feita na base do caso a caso, levando-se em conta todos os fatos relevantes.76

68 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120. 69 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120. 70 Ver Relatório do Órgão de Apelação in Japan – Alcoholic Beverages II, p. 24. 71 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 121. 72 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 121. 73 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134. 74 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134. 75 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.

3176 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 137.

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Ao examinar se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, não é sempre necessário examinar produtos item por item. Produtos podem ser agrupados para o propósito deste exame. No entanto, conforme dito pelo Órgão de Apelação, se e em que medida produtos podem ser agrupados é uma questão a ser decidida na base do caso a caso.77 2.6.3 Os produtos importados e domésticos “não são similarmente taxados”? Padrão de minimis – A fim de determinar se há uma violação do Artigo III:2, segunda sentença, deve-se também julgar se os produtos em questão “não são similarmente taxados”. Em oposição ao Artigo III:2, primeira sentença, que estabelece que mesmo uma leve diferença de taxa é suficiente para julgar uma incompatibilidade com a OMC, o Artigo III:2, segunda sentença, estabelece que a diferença de taxa deve ser mais do que o de minimis a fim de sustentar uma conclusão de que a taxa interna imposta nos produtos importados é incompatível com a OMC. Japan – Alcoholic Beverages – Como dito pelo Órgão de Apelação em Japan – Alcoholic Beverages II: “Interpretar ‘a mais’ e ‘não similarmente taxados’ de forma idêntica negaria qualquer distinção entre a primeira e a segunda sentenças do Artigo III:2. Portanto, em qualquer caso dado, deve haver alguma quantidade de taxação sobre produtos importados que pode muito bem estar ‘acima’ da taxa sobre ‘produtos similares’ domésticos, mas podem não estar a ponto de forçar uma conclusão de que produtos importados e domésticos ‘diretamente concorrentes ou substituíveis’ não estão similarmente taxados para os propósitos do Artigo Aditivo ao Article III:2, segunda sentença. Em outras palavras, deve haver uma quantidade de taxação excessiva que pode muito bem ser mais um encargo sobre produtos importados do que sobre produtos domésticos ‘diretamente concorrentes ou substituíveis’, mas que no entanto pode não ser suficiente para justificar uma conclusão de que tais produtos ‘não são similarmente taxados’ para os propósitos do Artigo III:2, segunda sentença. Nós concordamos com o Painel que essa quantia de taxação diferencial deve ser mais do que o de minimis para ser considerado ‘não similarmente taxado’ em qualquer caso dado. E, assim como o Painel, nós acreditamos que se qualquer quantidade diferencial particular de taxação é de minimis ou não é de minimis, isto deve, aqui também, ser determinado na base do caso a caso. Logo, para não ser ‘similarmente taxado’, o encargo tarifário sobre produtos importados deve ser mais pesado do que sobre produtos domésticos ‘diretamente concorrentes ou substituíveis’ e aquele encargo deve ser maior do que o de minimis em qualquer caso dado.”78 Na hipótese de que apenas alguns produtos importados são similarmente taxados em comparação com os produtos domésticos, enquanto outros produtos importados são taxados similarmente, o Órgão de Apelação entendeu que tal taxação não-similar de mesmo alguns produtos importados em comparação com produtos domésticos diretamente concorrentes ou substituíveis entre si é incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença.79

77 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 143-144. 78 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 26-27.

3279 Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals , pp. 25-29.

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2.6.4 A medida de taxação interna é aplicada “de modo a conferir proteção à produção doméstica”? Exame em separado – O último requisito do teste sob o Artigo III:2, segunda sentença, é se as taxas internas são aplicadas “de modo a sustentar proteção à produção doméstica”. O Órgão de Apelação especificou que esse requisito é separado do requisito do “não similarmente taxado”, e que, portanto, ele deve ser examinado separadamente. Logo, se produtos domésticos e importados “não são similarmente taxados”, então uma investigação mais a fundo deve ser feita a fim de determinar se a medida de taxação foi tomada “de modo a sustentar proteção à produção doméstica”.80 Resultado e não intenção, resultado da intenção – Conforme dito pelo Órgão de Apelação, o exame de se a taxa interna foi aplicada “de modo a sustentar proteção à produção doméstica” não requer que se examine a intenção real do legislador ou regulador de engajar-se em alguma forma de protecionismo.81 É o resultado da aplicação da medida que importa sob o Artigo III:2, segunda sentença.82 Em particular, o elemento “de modo a sustentar proteção à produção doméstica” requer uma análise abrangente e objetiva da estrutura e da aplicação da medida em questão sobre produtos domésticos em comparação com produtos importados.83 Os critérios fundadores utilizados em uma medida particular de taxação, sua estrutura, e sua aplicação geral podem averiguar se ela é aplicada de modo que sustente a proteção à produção doméstica.84 Ainda que o objetivo da mesma medida como tal não possa ser facilmente encontrado, a aplicação protecionista da medida de taxação pode às vezes ser discernida “do desenho, da arquitetura e da estrutura reveladora de uma medida”.85 Isso significa que se os parênteses mais baixos de uma medida de taxação cobrem quase exclusivamente produtos domésticos, enquanto os parênteses mais altos cobrem quase exclusivamente produtos importados, a medida de taxação pode ser considerada como aplicada de modo a sustentar a proteção à produção doméstica. Tal análise não requer o exame da intenção subjetiva do legislador ou do regulador, mas sim os critérios, a estrutura e a aplicação geral da medida de taxação. 2.7 Quando Há Uma Violação da Obrigação de Tratamento Nacional, sob o Artigo III:4? A obrigação de tratamento nacional do Artigo III envolve leis internas e regulamentos, bem como taxação interna. O Artigo III:4 lida especificamente com leis internas e regulamentos. 80 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 27. 81 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 29-30. 82 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 29-30. Deve-se notar, porém, que o Órgão de Apelação pareceu dar alguma importância aos relatos feitos pelos representantes do Governo Canadense sobre os objetivos políticos da medida de tributação em questão. Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, nota 20. 83 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 29. 84 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 29. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages II. 85 Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 27. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages II.

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O Artigo III:4 estabelece: Artigo III:4, GATT 1994 – “Os produtos do território de qualquer [Membro] importados para o território de qualquer outro [Membro] deverão receber tratamento não menos favorável do que aquele concedido a produtos similares de origem nacional em respeito a todas as leis, regulamentos e requisitos afetando sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso. As disposições deste parágrafo não deverão impedir a aplicação de encargos diferenciais de transporte interno que estão baseados exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte a não na nacionalidade do produto.” Teste de três fases – a fim de determinar se há uma violação do Artigo III:4, três questões devem ser respondidas: (1) se a medida em questão é uma “lei, regulamento ou requisito afetando sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso”; (2) se os produtos importados e domésticos em questão são “produtos similares”; (3) se o tratamento concedido aos produtos importados é “menos favorável” do que aquele concedido a produtos similares domésticos.86 Sem exame em separado sob o Artigo III:1 – deve-se notar que o Artigo III:4 não faz nenhuma referência específica ao elemento “de modo a sustentar a proteção à produção doméstica” no Artigo III:1. Portanto, o Artigo III:4, assim como o Artigo III:2, primeira sentença, não requer um exame em separado se a medida em questão é aplicada de modo a sustentar a proteção à produção doméstica”.87 No entanto, o Artigo III:1 e o elemento “de modo a sustentar a proteção à produção doméstica” fornecem um “significado contextual particular na interpretação do Artigo III:4, uma vez que ele expõe o ‘princípio geral’ pretendido por aquela disposição”.88 2.7.1 As leis, regulamentos ou requisitos afetando a venda e uso de produtos foram aplicados? Medidas abrangidas – O Artigo III:4 aplica-se a “todas as leis, regulamentos e requisitos afetando [a] venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso [de produtos]”. Em termos gerais, a obrigação de tratamento nacional do Artigo III:4 envolve o regulamento afetando a venda e uso de produtos. “Afetando” – O escopo da aplicação do Artigo III:4 tem sido interpretado de forma abrangente. O uso do termo “afetando” tem sido interpretado para significar que o Artigo III:4 deveria cobrir não apenas leis e regulamentos que governam diretamente as condições de venda ou compra, mas também quaisquer leis e regulamentos que deveriam modificar adversamente as condições de concorrência entre os produtos domésticos e importados nos mercados internos.89 86 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Coréia – Medidas que afetam as Importações de Carne Bovina Fresca, Resfriada e Congelada (“Korea – Beef ”), WT/DS161/AB/R, WT/DS169/AB/R, adotado em 10 de janeiro de 2001, par. 133. 87 Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, par. 216. 88 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 93.

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89 Relatório do Painel, Discriminação Italiana Contra Maquinário Agrícola Importado (“Italian Agricultural Machinery”), adotado em 23 de outubro de 1958, BISD 7S/60, par. 12.

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Leis e regulamentos processuais – Além disso, foi decidido que o Artigo III:4 abrange leis, regulamentos e requisitos procedimentais assim como leis, regulamentos e requisitos substanciais. O Painel em US – Section 337 explicou que procedimentos de execução não podem ser separados das disposições substantivas para cuja execução se destinam.90 O Painel também declarou que se disposições processuais de lei interna não fossem abrangidas pelo Artigo III:4, os Membros da OMC poderiam escapar da obrigação de tratamento nacional ao aplicar lei substantiva compatível através de procedimentos incompatíveis menos favoráveis a produtos importados do que a produtos nacionais.91 A jurisprudência do GATT refinou ainda mais o escopo da aplicação do Artigo III:4. Por exemplo, ele especificou que o Artigo III:4 aplica-se aos requisitos de preço mínimo aplicáveis às cervejas doméstica e importada92, às limitações a pontos de venda para bebidas alcoólicas importadas93, à prática de limitar a listagem de cerveja importada ao tamanho de seis pacotes94, ao requisito de cerveja e vinho importados serem vendidos apenas através de atacadistas internos ou outros intermediários95, ao banimento de todas as propagandas de cigarros96, aos requisitos adicionais de anotação tais como uma obrigação de adicionar o nome do produtor ou do local de origem ou a fórmula do produto97, e às práticas envolvendo transporte interno de cerveja98. Relatórios da OMC também definiram o escopo de aplicação do Artigo III:4. Por exemplo, o Órgão de Apelação concordou com o Painel em que o Artigo III:4 era aplicável aos requisitos de licenciamento de importação da Comunidade Européia em questão em EC – Bananas III. O Órgão de Apelação entendeu: “O que está em disputa nesta apelação não é se algum requisito de licenciamento de importação, como tal, está dentro do escopo do Artigo III:4, mas se os procedimentos da CE e requisitos para a distribuição de licenças de importação para bananas importadas entre operadores elegíveis dentro da Comunidade Européia estão dentro do escopo desta disposição.... Essas regras vão bem além dos meros requisitos de licenciamento de importação necessários para administrar a quota tarifária para bananas de países terceiros e não-tradicionais da ACP ou dos requisitos da Convenção de Lomé para a importação de bananas. Essas regras têm a intenção, entre outras coisas, de dar subsídios cruzados a distribuidores de bananas da CE (e da ACP) e de assegurar que maturadores de banana da CE obtenham uma parcela dos arrendamentos de quota. Como tal, essas regras afetam ‘a venda interna, oferta para

90 Relatório do Painel, EUA – Seção 337 do Tariff Act de 1930 (“US – Section 337“), adotado em 7 de novembro de 1989, BISD 36S/345, par. 5.10. 91 Relatório do Painel, US – Section 337, par. 5.10. 92 Relatório do Painel, Canadá – Importação, Distribuição e Venda de Determinadas Bebidas Alcoólicas por Agências de Promoção Provinciais (“Canada – Provincial Marketing Agencies (1992)“), adotado em 18 de fevereiro de 1992, BISD 39S/27, par. 5.30. 93 Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 4.26. 94 Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 5.4. 95 Relatório do Painel, US – Malt Beverages, par. 5.32. 96 Relatório do Painel, Tailândia – Restrições à Importação de e Tributos Internos sobre Cigarros (“Thailand – Cigarettes“), adotado em 7 de novembro de 1990, BISD 37S/200, par. 77. 97 Working Party Report, Certificates of Origin, Marks of Origin, Consular Formalities, adotado em 17 de novembro de 1956, BISD 5S/102, par. 13.

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98 Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 5.12; e Relatório do Painel, US – Malt Beverages, par. 5.50.

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venda, compra, ...’ nos termos do Artigo III:4, e portanto incluem-se no escopo dessa disposição.”99 Em Canada – Autos, o Painel utilizou uma interpretação ampla do termo “afetando” ao referir-se a medidas que possuem um efeito sobre mercadorias importadas. O Painel entendeu que uma medida pode ser considerada uma medida afetando a venda interna ou uso de produtos importados ainda que não seja demonstrado que sob circunstâncias atuais a medida tem um impacto sobre as decisões de partes privadas para comprar produtos importados.100 “Requisitos” – O Artigo III:4 também abrange “requisitos” que podem aplicar-se a casos isolados. Embora a maioria dos casos lidando com o Artigo III:4 envolvam leis e regulamentos, o Artigo III:4 abrange “requisitos” que podem aplicar-se apenas a casos isolados. Contudo, deve-se notar que ambas as medidas que se aplicam em todos os casos e medidas que se aplicam a casos isolados somente são abrangidos pelo Artigo III:4.101 Ademais, um “requisito” nos termos do Artigo III:4 não precisa necessariamente ser imposto pelo governo. A ação por uma parte privada pode constituir um “requisito” sob o alcance do Artigo III:4, na medida em que haja um nexo entre aquela ação e a ação de um governo tal que o governo deva ser visto como responsável por aquela ação.102 Por exemplo, em Canada – Autos, o Painel teve de decidir se compromissos assumidos por fabricantes de veículos motorizados canadenses, em cartas endereçadas ao governo canadense, para aumentar o valor agregado canadense na produção de veículos motorizados, qualificavam-se como “requisitos” sob o Artigo III:4. O Painel declarou: “Nós não acreditamos que tal nexo possa existir apenas se um governo assume obrigações de partes privadas legalmente executáveis, como na situação considerada pelo Painel em Canada – FIRA, ou se um governo condiciona a concessão de uma vantagem a obrigações assumidas por partes privadas, como na situação considerada pelo Painel em EEC – Parts and Components. Notamos a esse respeito que a palavra ‘requisito’ foi redefinida para significar ‘1. A ação de requerer algo; uma solicitação. 2. Algo requerido ou necessário, um querer, uma necessidade. Também a ação ou um caso de necessitar ou querer algo. 3. Algo exigido ou demandado; uma condição que deve ser preenchida.’ A palavra ‘requisitos’ em seu significado ordinário e à luz desse contexto no Artigo III:4 claramente implica uma ação do governo envolvendo uma demanda, pedido ou a imposição de uma condição, mas em nossa opinião esse termo não carrega uma conotação particular com respeito à forma legal na qual tal ação de governo é realizada. A esse respeito, nós consideramos que, ao aplicar o conceito de ‘requisitos’ do Artigo III:4 a situações envolvendo ações por partes privadas, é necessário levar em conta que há uma ampla variedade de formas de ação de governo que pode ser efetiva em influenciar a conduta de partes privadas.”103

99 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, par. 220. 100 Ver Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.80 e 10.84. 101 Ver Relatório do Painel, Canadá – Administração do Ato de Revisão de Investimentos Estrangeiros (“Canada – FIRA”), adotado em 7 de fevereiro de 1984, BISD 30S/140, par. 5.5. 102 Ver Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.80 e 10.84.

36103 Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.106-10.107.

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2.7.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”? “Produtos Similares” – A obrigação de não-discriminação no Artigo III:4 aplica-se apenas a “produtos similares”, como nos Artigos I:1 e III:2, primeira sentença, ambos discutidos acima. EC – Asbestos – O Órgão de Apelação examinou a fundo o significado do conceito de “produtos similares” do Artigo III:4 em EC – Asbestos. O Órgão de Apelação lembrou que o conceito de “produtos similares” no Artigo III:2, primeira sentença, deve ser construída “de modo restrito”.104 No entanto, o Órgão de Apelação era da opinião de que o conceito de “produtos similares” no Artigo III:4 não sugere uma leitura igualmente restrita de “similar” essencialmente porque o Artigo III:2 distingue “produtos similares” de “produtos concorrentes e substituíveis”, enquanto o Artigo III:4 está apenas preocupado com “produtos similares”. Logo, o Órgão de Apelação concluiu que dada a diferença textual entre os Artigos III:2 e III:4, o “acordeão” de “similaridade” estende-se de uma maneira diferente no Artigo III:4.105 Artigo III:1 – quanto ao efeito do “princípio geral” contra protecionismo no Artigo III:1 sobre a interpretação do Artigo III:4, o Órgão de Apelação declarou que: “… ao empenhar-se em assegurar ‘igualdade das condições de concorrência’, o ‘princípio geral’ no Artigo III visa impedir Membros de aplicar taxas internas e regulamentos de maneira que afete a relação concorrencial, no mercado, entre os produtos domésticos e importados envolvidos, ‘de modo a sustentar a proteção à produção doméstica.’”106 O Órgão de Apelação afirmou, na seqüência: “Uma vez que produtos que estão em uma relação concorrencial no mercado poderiam ser afetados através do tratamento de importações ‘menos favoráveis’ do que o tratamento considerado para produtos domésticos, segue que a palavra ‘similar’ no Artigo III:4 deve ser interpretada para aplicar a produtos que estejam em tal relação concorrencial. Portanto, uma determinação de “similaridade” sob o Artigo III:4 é, fundamentalmente, uma determinação sobre a natureza e extensão de uma relação concorrencial entre produtos. ... [Nós] [] concluímos que o escopo do produto do Artigo III:4, embora mais amplo do que a primeira sentença do Artigo III:2, certamente não é mais amplo do que o escopo combinado do produto das duas sentenças do Artigo III:2 do GATT 1994. Reconhecemos que, ao interpretar o termo ‘produtos similares’ no Artigo III:4 desta maneira, damos àquela disposição um escopo de produto relativamente amplo – embora não mais amplo do que o escopo do produto do Artigo III:2.”107

104 Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 95. Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan Alcoholic Beverages II, pp. 19-20 e Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, pp. 20-23. 105 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 94-96. 106 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 98.

37107 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 97-100.

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Critérios – Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação também enumerou critérios a serem levados em conta para determinar se produtos são “similares” nos termos do Artigo III:4. O Órgão de Apelação declarou: “Como no Artigo III:2, nesta determinação, ‘nenhuma abordagem ... será apropriada para todos os casos.’ Particularmente, uma avaliação utilizando ‘um inevitável elemento de julgamento individual, discricionário’ deve ser feito em uma base de caso a caso. O Relatório do Grupo de Trabalho sobre Border Tax Adjustments delineou uma abordagem para analisar ‘similaridade’ que tem sido seguida e desenvolvida desde então por alguns painéis e pelo Órgão de Apelação. Esta abordagem consistiu, principalmente, em empregar quatro critérios gerais para analisar ‘similaridade’: (i) as propriedades, natureza e qualidade dos produtos; (ii) os usos finais dos produtos; (iii) gostos e hábitos dos consumidores – mais compreensivelmente chamados de percepções e comportamento dos consumidores – a respeito dos produtos; e (iv) a classificação tarifária dos produtos. Notamos que esses quatro critérios incluem quatro categorias de ‘características’ que os produtos envolvidos podem dividir: (i) as propriedades físicas dos produtos; (ii) a extensão em que os produtos são capazes de servir aos mesmos ou similares usos finais; (iii) a extensão em que consumidores percebem e tratam os produtos como meios alternativos de executar funções particulares a fim de satisfazer um desejo ou demanda particular; e (iv) a classificação internacional dos produtos para propósitos tarifários.”108 Lista não-exaustiva – contudo, deve-se notar que essa lista não é de modo nenhum exaustiva. Esses critérios pretendem ser “simplesmente ferramentas para assistir na tarefa de selecionar e examinar as evidências relevantes”.109 Isso significa que toda evidência pertinente deve sempre ser examinada, e não apenas evidência relativa a alguns desses critérios. Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação discordou com a recusa do Painel em considerar os riscos à saúde postos por asbestos na sua determinação de “similaridade”. O Órgão de Apelação declarou: “... nem o texto do Artigo III:4, nem a prática dos painéis e do Órgão de Apelação sugerem que qualquer evidência deveria ser excluída a priori do exame de ‘similaridade’ por um painel. Além disso, como dissemos, ao examinar a ‘similaridade’ de produtos, os painéis devem avaliar todas as evidências relevantes. Nós somos fortemente da opinião de que evidência relativa a riscos à saúde associados a um produto pode ser pertinente em um exame de ‘similaridade’ sob o Artigo III:4 do GATT 1994. Não consideramos, porém, que a evidência relativa aos riscos à saúde associados a fibras de asbestos de crisotila precisa ser examinada sob um critério separado, pois acreditamos que essa evidência pode ser avaliada sob os critérios existentes de propriedades físicas, e de gostos e hábitos de consumidores, ...”110 Potencial cancerígeno ou toxicidade – Portanto, o Órgão de Apelação concluiu que as propriedades de fibras de asbestos de crisotila incluem um potencial cancerígeno ou uma toxicidade, e esse aspecto deve ser considerado ao determinar “similaridade” sob o Artigo III:4. O Órgão de Apelação também declarou que “evidência relativa a riscos à

108 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 101. 109 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 102.

38110 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 113.

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saúde pode ser relevante ao avaliar a relação concorrencial no mercado entre produtos supostamente ‘similares’”.111 Quanto aos usos finais e hábitos do consumidor, o Órgão de Apelação verificou em EC – Asbestos: “Evidência desse tipo é de particular importância sob o Artigo III do GATT 1994, precisamente porque aquela disposição está preocupada com relações concorrenciais no mercado. Se não há – ou poderia não haver – relação concorrencial entre produtos, um Membro não pode intervir, através de taxação interna ou regulamento, para proteger a produção doméstica. Logo, evidência sobre a extensão em que produtos podem servir aos mesmos usos finais, e a extensão em que consumidores desejam – ou desejariam – escolher um produto ao invés de outro para executar aqueles usos finais, é evidência altamente relevante ao avaliar a ‘similaridade’ daqueles produtos sob o Artigo III:4 do GATT 1994. Consideramos que isso é especialmente assim em casos onde a evidência relativa às propriedades estabelece que os produtos em questão são fisicamente bem diferentes. Em tais casos, a fim de resolver essa indicação de que produtos não são ‘similares’, um encargo maior é colocado sobre Membros demandantes para estabelecer que, apesar das diferenças físicas pronunciadas, há uma relação concorrencial entre os produtos tal que todas as evidências, juntadas, demonstram que os produtos são ‘similares’ sob o Artigo III:4 do GATT 1994.”112 Quanto ao elemento dos gostos e hábitos dos consumidores, o Órgão de Apelação declarou que eles são altamente relevantes com respeito a fibras de asbestos ou substitutos, mesmo quando as partes comerciais, tais como fabricantes, estão envolvidos, uma vez que os riscos à saúde associados a fibras de asbestos podem bem influenciar sua decisão de utilizá-los ou não.113 Embora o conceito de “produtos similares” em EC – Asbestos tenha sido interpretado de modo amplo, ele não é tão amplo a ponto de incluir fibras de asbestos de crisotila e substitutos como “produtos similares”. US – Gasoline – Em US – Gasoline, o Painel entendeu que gasolinas importada e doméstica quimicamente idênticas eram “produtos similares” porque “gasolina quimicamente importada e doméstica, por definição, possuem exatamente as mesmas características físicas, usos finais, classificação tarifária e são perfeitamente substituíveis”.114 O Painel não examinou os objetivos e o efeito da distinção reguladora ao determinar “similaridade”.

111 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 115. Deve-se notar que um Membro do Órgão de Apelação escreveu uma “opinião divergente” sobre essa questão, na qual ele discordou com os dois outros Membros da Divisão de que a relação competitiva é decisiva na determinação de “similaridade” de produtos sob o Artigo III:4. 112 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 117-118. 113 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 122.

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114 Relatório do Painel, EUA – Padrões para Gasolina Reformulada e Convencional (“US – Gasoline”), WT/DS2/R, adotado em 20 de maio de 1996, modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS2/AB/R, DSR 1996:I, 29, para. 6.17.

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US – Tuna – Finalmente, no relatório não-adotado de US – Tuna, o Painel entendeu que diferenças no processamento e nos métodos de produção de produtos não são relevantes ao determinar “similaridade”: “O Artigo III:4 demanda uma comparação do tratamento de atum importado enquanto um produto, com o tratamento de atum doméstico enquanto um produto. Regulamentos acerca da captura incidental de golfinhos durante captura de atum não poderiam possivelmente afetar o atum enquanto produto. O Artigo III:4, portanto, obriga os Estados Unidos a conceder tratamento não menos favorável ao atum mexicano do que aquele concedido ao atum dos Estados Unidos, independente de se a captura incidental de golfinhos por navios mexicanos correspondiam àquela dos Estados Unidos.”115 Esta abordagem atraiu algumas críticas de professores e ambientalistas.116 2.7.3 O tratamento foi menos favorável? A fim de determinar se a medida em questão é incompatível com o Artigo III:4, não apenas deve-se distinguir “produtos similares”, como também deve-se conceder ao produto importado similar “tratamento menos favorável” do que se concede ao grupo de produtos domésticos similares. Em US – Section 337, o Painel interpretou “tratamento não menos favorável” para exigir “igualdade efetiva de oportunidades competitivas”. Os painéis e o Órgão de Apelação têm utilizado consistentemente essa abordagem em relatórios mais recentes do GATT e da OMC.117 Em US – Gasoline, o Painel entendeu que a medida em questão concedeu à gasolina importada tratamento menos favorável do que à gasolina doméstica, com base no fato de que os vendedores de gasolina doméstica estavam autorizados a utilizar uma base individual, ao passo que vendedores de gasolina importada deveriam utilizar uma base legal mais onerosa.118 Diferença Formal no Tratamento – Em Korea – Beef, a disputa envolveu um sistema de distribuição de varejo para a venda de bife sob o qual o bife importado seria, entre 115 Relatório do Painel (não-adotado), EUA – Restrições à Importação de Atum (“US – Tuna/Dolphin“), circulado em 3 de setembro de 1991, BISD 39S/155, para. 5.15. 116 Para uma discussão da distinção de processamento de produtos, favor referir-se a Robert E. Hudec, “Chapter 12: The Product-Process Doctrine in the GATT/WTO Jurisprudence” in Marco Bronckers e Reinhard Quick, New Directions in International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson, Kluwer Law International, 2000, p.187-218; e Robert Howse e Donald Regan, “The Product/Process Distinction – An Illusory Basis for Disciplining ‘Unilateralism’ in Trade Policy”, European Journal of International Law, Vol. 11, No. 2, 2000, p. 249-289. 117 Ver, entre outros, Relatório do Painel, Canadá – Importação, Distribuição e Venda de Determinadas Bebidas Alcoólicas por Agências de Promoção Provinciais (“Canada – Provincial Liquor Boards (US)”), adotado em 18 de fevereiro de 1992, BISD 39S/27, para. 5.12-5.14 e 5.30-5.31; Relatório do Painel, US - Malt Beverages, para. 5.30; Relatório do Painel, US – Gasoline, para. 6.10; Relatório do Painel, Canada – Periodicals, p. 75; Relatório do Painel, Comunidades Européias – Regime para a Importação, Venda e Distribuição de Bananas – Demanda dos EUA (“EC – Bananas III (US)”), WT/DS27/R/USA, adotado em 25 setembro de 1997, modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS27/AB/R, DSR 1997:II, 943, par. 7.179-7.180; e Relatório do Painel, Japão – Medidas que Afetam Filme e Papel Fotográfico para Consumidor (“Japan – Film”), WT/DS44/R, adotado em 22 de abril de 1998, DSR 1998:IV, 1179, par. 10.379.

40118 Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.10.

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outros, vendido em lojas especializadas em vendas de bife importado, ou em seções separadas em supermercados. O Órgão de Apelação entendeu que tal medida era incompatível com as obrigações da República da Coréia sob o Artigo III:4 do GATT 1994. O Órgão de Apelação enfatizou que uma diferença formal no tratamento entre produtos domésticos e importados não é necessária nem suficiente para uma violação do Artigo III:4. O tratamento diferente de produtos importados de uma maneira formal não necessariamente constitui tratamento menos favorável. Do modo contrário, a ausência de diferença formal no tratamento não significa necessariamente que não haja tratamento menos favorável. Como o Órgão de Apelação verificou naquele caso: “Observamos ... que o Artigo III:4 exige apenas que uma medida conceda tratamento a produtos importados que seja ‘não menos favorável’ do que aquele concedido a produtos domésticos similares. Uma medida que forneça tratamento a produtos importados que é diferente daquele concedido a produtos domésticos similares não é necessariamente incompatível com o Artigo III:4, desde que o tratamento dado pela medida não seja ‘menos favorável’. Conceder ‘tratamento não menos favorável’ significa, como dissemos anteriormente, conceder condições de competição não menos favoráveis ao produto importado do que ao produto doméstico similar. ... Para saber se produtos importados são tratados ‘menos favoravelmente’ do que produtos domésticos similares, isto deve ser avaliado examinando se uma medida modifica as condições de concorrência no mercado relevante em detrimento de produtos importados.”119 Balanceamento não permitido – Em US – Gasoline, o Painel explicou que “[a] letra [do Artigo III:4] não permite tratamento menos favorável dependente das características do produtor e da natureza dos dados mantidos por ele”.120 O Painel também rejeitou o argumento feito pelos Estados Unidos de que o regulamento em questão tratava produtos importados “igualmente no geral” e, portanto, era compatível com o Artigo III:2. O Painel notou que esse argumento chegava a afirmar que o tratamento menos favorável de produtos importados particulares em alguns casos poderia ser compensado ou balanceado pelo tratamento mais favorável de produtos particulares em outros.121 Contudo, sob os Artigos I:1, III:2 e III:4, tal “balanceamento” não é admissível.122 Na jurisprudência do GATT e da OMC, uma grande variedade de medidas foi julgada como incompatível com a obrigação de tratamento nacional do Artigo III:2, exceto as medidas em questão em US – Section 337, Korea – Beef e US – Gasoline. Elas incluem requisitos de preço mínimo,123 regulamentos sobre transporte interno,124 o sistema de alocação para a quota tarifária de bananas,125 e os requisitos de valor adicionado canadenses para a indústria automobilística.126 2.8. Teste Sua Compreensão 119 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 135-137. 120 Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.11. 121 Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.14. 122 Ver Relatório do Painel, US – Section 337, par. 6.14. 123 Ver Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies. 124 Ver Relatório do Painel, US – Malt Beverages. 125 Ver Relatório do Painel, EC – Bananas III.

41126 Ver Relatório do Painel, Canada – Autos.

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1. Quais são os dois elementos do princípio de não-discriminação em direito do comércio internacional? Qual é a diferença entre a obrigação de nação mais favorecida e a obrigação de tratamento nacional? 2. Qual é o objetivo da obrigação de tratamento da nação mais favorecida? Quando há uma violação da obrigação de tratamento da nação mais favorecida? O conceito de “vantagem” está limitado a taxas internas, leis, regulamentos e requisitos? O conceito de “produtos similares” é interpretado de modo compatível nas diferentes disposições do GATT 1994? Quais são os critérios para determinar se dois produtos são “similares” nos termos do Artigo I:1 do GATT 1994? Uma vez que um Membro da OMC tenha concedido uma vantagem a um país, pode ele impor condições a outros Membros da OMC para que estes se beneficiem daquela mesma vantagem? 3. Qual é o objetivo da obrigação de tratamento nacional? A obrigação de tratamento nacional está limitada a produtos sujeitos a concessões tarifárias sob o Artigo II do GATT 1994? O Artigo II aplica-se apenas a medidas internas? 4. Quando há uma violação do Artigo III, primeira sentença? Podem medidas administrativas de taxação qualificarem-se como “taxas internas ou encargos” nos termos deste Artigo? Como se pode avaliar se produtos são “similares” nos termos do Artigo III:2, primeira sentença? Qual é a quantidade mínima da taxa interna ou encargo para o qual os produtos importados são considerados como taxados “acima de” produtos domésticos? O Artigo III:2, primeira sentença, exige um exame em separado para saber se a medida em questão é aplicada “de modo a suportar a proteção à produção doméstica”? 5. Quando um interpretador pode considerar o Artigo III:2, segunda sentença? Quando há uma violação do Artigo III:2, segunda sentença? Como o conceito de “diretamente concorrente ou substituível” difere do conceito de “produtos similares”? Qual é a quantidade mínima da taxa interna ou encargo para o qual os produtos domésticos e importados são considerados “não similarmente taxados”? O Artigo III:2, segunda sentença, exige um exame em separado para saber se a medida em questão é aplicada “de modo a suportar a proteção à produção doméstica”? 6. Quando há uma violação do Artigo III:4? A quais tipos de medidas aplica-se o Artigo III:4? Em que medida difere o conceito de “produtos similares” interpretado no Artigo III:4 em comparação com outras disposições do GATT? Quais critérios precisam ser levados em consideração ao determinar se os produtos são “similares” sob o Artigo III:4? O Artigo III:4 exige um exame em separado para saber se a medida em questão é aplicada “de modo a suportar a proteção à produção doméstica”?

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3. O PRINCÍPIO DO ACESSO A MERCADOS NO GATT 1994 Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de: • identificar as barreiras de acesso a mercados; • fazer a distinção entre tarifas, restrições quantitativas, outras obrigações e

encargos financeiros e outras barreiras não tarifárias; • listar as obrigações relacionadas à publicação e administração dos atos

normativos relativos a comércio. 3.1 Barreiras de Acesso a Mercados: Definição Acesso a Mercados – É de extrema importância para os comerciantes saber quando e sob quais condições os seus produtos possuem acesso a mercados em outros países. O acesso a mercados de bens pode ser impedido ou restringido de diversas maneiras. Barreiras em Acesso a Mercados – Barreiras em acesso a mercados incluem tarifas (também referidas como tarifas aduaneiras), restrições quantitativas (incluindo quotas), outras obrigações e encargos financeiros, e outras medidas não tarifárias, tais como procedimentos aduaneiros, atos normativos técnicos, e medidas sanitárias e fito-sanitárias. É notável que outras medidas não tarifárias poderão abranger medidas internas, ao passo que tarifas, outras obrigações e encargos financeiros e restrições quantitativas referem-se às medidas externas. Regras em Acesso a Mercados – O GATT 1994 e outros acordos multilaterais de comércio sustentam diferentes regras para diferentes barreiras. Com relação aos normativos aplicáveis, este Capítulo abrange somente o GATT 1994, porém deve-se notar que quase todos os Acordos no âmbito da OMC incluem disciplinas que fazem referência às barreiras de acesso a mercados.127 Particularmente, este Capítulo examina os atos normativos sobre tarifas e concessão de tarifas, regras sobre restrições quantitativas, atos normativos sobre obrigações e encargos financeiros, atos normativos sobre outras barreiras tarifárias, e finalmente, regras sobre publicação e administração sobre atos normativos relativos a comércio. 3.2 Tarifas Tarifas – Tarifas ou taxas alfandegárias128 são encargos financeiros que recaem sobre bens no momento de sua importação. O acesso a mercados está condicionado ao pagamento das tarifas aduaneiras. Estas podem ser tanto específicas (quantidade baseada em peso, volume etc.), quanto ad valorem (quantidade baseada no valor). As Tarifas aduaneiras Ad valorem têm sido mais comuns. Recusa à proibição geral – De acordo com o GATT, as tarifas ou tarifas aduaneiras não são proibidas. Isto está exatamente em contraste com a proibição geral de restrições quantitativas prevista no artigo XI do GATT 1994. As normas da OMC/GATT têm nítida preferência pelas tarifas aduaneiras.

127 Ver, por exemplo, o Acordo sobre Agricultura e o Acordo sobre Têxteis e Vestuário.

43128 O GATT 1994 usa ambos os termos indistintamente.

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O artigo XXVIII do GATT 1994 incita e apela aos membros da OMC para negociar a redução de tarifas:

Artigo XXVIII

Negociações de tarifas

1. Os [Membros] reconhecem que as tarifas alfandegárias freqüentemente constituem sérios obstáculos ao comércio; portanto as negociações com as vantagens da reciprocidade e mutualidade, direcionadas à redução substancial dos níveis gerais de tarifas e outros encargos sobre importações e exportações e em particular sobre a redução destas elevadas tarifas que desestimulam a importação, até mesmo em pequenas quantidades, e conduzidas de acordo com os objetivos deste Acordo e das necessidades variáveis de cada um [Membros], são de grande importância para a expansão do comércio internacional. Os [Membros] poderão, portanto, promover estas negociações de tempo em tempo. 2. (a) As negociações sob este Artigo poderão ser conduzidas de modo seletivo produto –por - produto ou sob a aplicação destes procedimentos multilaterais que poderão ser aceitas pelas partes envolvidas. Estas negociações poderão ser dirigidas rumo à redução de tarifas, relacionando as tarifas sob os níveis existentes ou comprometendo-se que tarifas individuais ou as tarifas medianas das categorias específicas de produtos não excedam níveis especiais. A obrigação contra o aumento das tarifas baixas ou das tarifas aduaneira isentas deverá, em princípio, ser reconhecida, em termos de valor, como concessão equivalente à redução de tarifas elevadas. 3. (b) Os [Membros] reconhecem que, no geral, o sucesso das negociações multilaterais dependem da participação de todos [Membros] que conduzem uma substancial proporção do seu comércio exterior com outros. 4.3. As negociações deverão ser conduzidas em uma base que proporcione oportunidades adequadas que considerem: (a) as necessidades de cada um [Membros] e cada indústria; (b) as necessidades [dos países Membros em desenvolvimento] de utilização de tarifa de proteção mais flexível para dar assistência ao seu desenvolvimento econômico e necessidades especiais desses países em manter sua tarifas para fins arrecadatórios; (c) todas as outras circunstâncias relevantes, incluindo o desenvolvimento fiscal, estratégico e outras necessidades das partes contratantes envolvidas. Rodadas de Negociação - No GATT 1947, estas negociações de redução de tarifas ou tarifas aduaneiras foram realizadas em oito “Rodadas” sucessivas. As primeiras cinco Rodadas (Genebra, Annecy, Torquay, Genebra, Dillon) foram exclusivamente voltadas para negociação de redução de tarifas ou tarifas aduaneiras. As últimas três rodadas (Kennedy, Tokyo e Uruguai) tiveram uma pauta mais ampla, apesar das negociações sobre redução de tarifas permanecerem importantes129.

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129 Para um estudo detalhado sobre cada uma das rodadas, favor verificar Anwarul Hoda, “Tariff Negotiations and Renegotiation under the GATT and the WTO”, Cambridge University Press, 2001,

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Resultado das Negociações – Estas oito rodadas de negociações tiveram bastante sucesso no que se refere à redução de tarifas e tarifas aduaneiras. Nos últimos quarenta anos, a média da tarifa sobre produtos industrializados era em torno de 40 por cento ad valorem. Como resultado da Rodada do Uruguai e das Rodadas anteriores, a tarifa média ficou em 3,9%. Muitos produtos hoje possuem a tarifa zero. Economistas, freqüentemente, consideram que tarifas aduaneiras inferiores a 5 por cento são um incômodo e não uma barreira. Entretanto, em mercados muito competitivos, ou em comércio entre países vizinhos, uma tarifa/tarifa muito baixa poderá continuar a constituir uma barreira. Além disso, muitos países em desenvolvimento possuem tarifas elevadas em grupos específicos de produtos, como produtos agrícolas e têxteis. NMF - Negociações de tarifas são conduzidas de forma bilateral, mas qualquer redução em tarifa aduaneira irá beneficiar todos os outros Membros. Este é o resultado da não discriminação das obrigações no GATT, mais particularmente, a obrigação de tratamento da nação mais favorecida coberta pelo Capítulo 2. Como resultado da obrigação de tratamento da nação mais favorecida, as negociações sobre redução de tarifa aduaneira são, entretanto, consideravelmente complicada porque o país A irá resistir na concessão de redução de tarifas a outros países, sem receber algo como retorno. Assim, é plausível que irá retardar a sua negociação com o país B, até que este seja capaz de oferecer algo em retorno de outros países. A obrigação de estender qualquer concessão bilateral para todos os membros da OMC leva os membros a negociarem a redução de tarifas de modo multilateral.130 Reciprocidade e não - reciprocidade - O princípio da “reciprocidade” é central para as negociações e renegociações comerciais. Isto significa que durante as rodadas de negociações de redução de tarifa, cada país irá fazer concessões equivalentes de tarifas. Cada governo deve avaliar os benefícios e as vantagens econômicas das concessões propostas. Porém, deve-se notar que a concepção de reciprocidade não se aplica às negociações comerciais entre Países-Membros em desenvolvimento e países Membros desenvolvidos. Isto é coberto pelo Capítulo 5. Não é de se esperar que os Países-Membros em desenvolvimento, no curso de suas negociações comerciais, façam concessões tarifárias incompatíveis com seus desenvolvimentos individuais, necessidades financeiras e comerciais. Tarifas e Produtos Agrícolas – As sucessivas rodadas de negociações obtiveram sucesso na redução progressiva do nível de proteção tarifária de muitos países Membros da OMC. As negociações de tarifas em relação aos produtos agrícolas irão permanecer com extrema importância, uma vez que neste campo, todas as barreiras não tarifárias foram eliminadas e substituídas por tarifas a níveis elevados em muitos casos. Concessões Tarifárias - Os resultados das negociações estão dispostos na “Lista de Concessões em Bens” de cada Membro. O Artigo II do GATT 1994 estipula as obrigações referentes às concessões.131 Capítulo II: “Tariff Conferences and Rounds of Multilateral Trade Negotiations”, páginas 25-78, e para práticas e procedimentos em renegociações, verificar Capítulo IV, páginas 83-110. 130 Ver John H. Jackson, A Jurisprudência do GATT e da OMC (“The Jurisprudence of GATT and the WTO”), Cambridge Univesity Press, 2000, página 59, Capítulo 5: Igualdade e discriminação no direito econômico internacional: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. (Equality and discrimination in international economic law: the General Agreement on Tariffs and Trade”), páginas 57-68.

45131 Verificar capítulo 3.2.1 deste Módulo

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Renegociações de Tarifas – É possível aos Membros modificar ou retirar as concessões tarifárias depois da negociação, com observância de condições específicas. É comumente referida como renegociações de tarifas. O Artigo XXVIII do GATT 1994 regula a renegociação de concessões de tarifas. A modificação ou retirada de concessões de tarifas só é possível perante Membros com quem inicialmente houve negociações ou com os Membros que estejam voltados ao fornecimento. Também devem ser realizadas consultas aos Membros que tiverem interesse substancial nas referidas concessões. É de se esperar do Membro que estiver buscando modificação ou retirada das concessões tarifárias a compensação em outros produtos. Se um Membro não cumprir um acordo, os Membros envolvidos terão o direito de retirar as suas concessões negociadas inicialmente com o Membro que fizer as modificações tarifárias.132 3.2.1. Concessões Tarifárias em Listas Concessões Tarifárias – Um dos principais objetivoS do GATT 1994 é a redução de tarifas. Como visto acima, o resultado das negociações tarifárias foi que os Membros da OMC se comprometeram a estabelecer o nível máximo das tarifas aduaneiras aplicáveis a certos produtos. Sendo assim, os Membros da OMC “criaram” as tarifas para esses produtos. As tarifas criadas constituem as "concessões tarifárias". Isto é feito na chamada “Lista de Concessões em Bens". Listas de Concessões – Todo Membro da OMC é obrigado por uma “Lista de Concessões de Bens”, que forma uma parte integral do GATT 1994. Cada lista incorpora todas as concessões feitas pelo Membro envolvido na Rodada Uruguai e negociações anteriores. Artigos II:1 GATT 1994 – Os Artigos II:1(a) e II:1(b) do GATT 1994 prevêem regras relacionadas às concessões previstas nas listas de concessões tarifárias e estabelecem:

Artigo II

Lista de Concessões 1. (a) Cada [Membro] deverá conferir ao comércio de outro [Membro] tratamento não menos favorável do que aquele estabelecido na Lista apropriada anexada a este Acordo. (b) Os produtos descritos na Parte 1 da Lista relacionada a qualquer [Membro], que são produtos do território de outros [Membros], deverão, na importação ao território que a Lista compreende, e sujeitos aos termos, condições ou qualificações previstas na Lista, estar isentos de tarifas aduaneiras que excedam as tarifas estipuladas na referida Lista. Estes produtos também deverão estar isentos de todas as outras tarifas ou encargos de qualquer natureza impostos ou em conexão com a importação que estiver

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132 Para maiores informações sobre renegociações de tarifas, verificar Rodada Anwarul, Negociações e Renegociações de Tarifas no GATT e na OMC (“Anwarul Hoda, Tariff Negotiations and Renegotiation under the GATT and the WTO”, Cambridge University Press, 2001, Chapter II: “Tariff Conferences and Rounds of Multilateral Trade Negotiations”, páginas 11-18.

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prevista na data deste Acordo ou aqueles requeridos diretamente ou obrigatoriamente para serem impostos pela legislação que estiver em vigor no território importador. O Artigo II: 1(a) estipula que os Membros deverão concordar com o tratamento comercial menos favorável de outros Membros do que aquele conferido à parte apropriada da Lista anexa a este Acordo. O Artigo II;1(b), em sua primeira sentença, estipula que os produtos descritos na Parte I da Lista de qualquer Membro deverão, na importação, ser isentos de tarifas aduaneiras ordinárias superiores àquelas previstas na referida Lista. Isto significa que os produtos não estarão sujeitos às tarifas aduaneiras acima das concessões tarifárias. “Argentina – Textiles and Apparel” – Em “Argentina – Têxteis and Apparel”, o Órgão de Apelação julgou que a aplicação de um tipo de tarifa diferente do tipo previsto na Lista de um Membro era incompatível com o Artigo II:1(b), primeira sentença, do GATT 1994, na medida em que ela resultasse em uma tributação superior àquela prevista na Lista daquele Membro.133 “Outras obrigações e encargos”- Todas as taxas aplicadas sobre a importação, além das tarifas que não estão em conformidade com o Artigo VIII do GATT 1994 sobre “taxas e procedimentos”(Ver capítulo 3.4) são consideradas como “outras obrigações e encargos” com o significado do Artigo II:1(b) do GATT 1994, que estabelece que os produtos mencionados nas listas de concessões “deverão estar isentos de outras obrigações e encargos de qualquer natureza que excederam aquelas aplicadas ao tempo em que a concessão foi feita.” Compreensão do Artigo II:1(b) – O Entendimento sobre a interpretação do Artigo II:1(b) do GATT 1994 requer que a natureza e o nível de qualquer outra "obrigação ou encargo" aplicada em itens tarifários consolidados a partir de 15 de abril de 1994 sejam registrados nas Listas de concessões anexadas ao GATT 1994. Qualquer "obrigação ou encargo" não acordado dessa maneira tinha que ser eliminado. 3.2.2. Interpretando as Concessões Tarifárias As regras para interpretar as concessões tarifárias foram examinadas pelo Órgão de Apelação no casoEC – Computer Equipment. Intenções Comuns das Partes - Como julgado pelo Órgão de Apelação no caso EC – Computer Equipment, as regras aplicáveis para interpretar o significado de uma concessão são as regras gerais de interpretação estabelecidas na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados – “Vienna Convention on the Law of Treaties”, com o propósito de assegurar os interesses comuns das partes.134 Neste sentido, o Órgão de Apelação também deixou claro que os interesses comuns não podem ser assegurados com base subjetiva unilateral e “expectativas” unilateralmente determinadas por cada uma das partes do tratado.135 Similarmente, o Órgão de Apelação julgou que a prática por somente uma das partes poderá ser relevante, mas é de valor mais limitado do que 133 Relatório do Órgão de Apelação, Argentina – Medidas que afetam importação de calçados, têxteis, vestimentas e outros itens. (“Argentina – Textiles and Apparel”) 134 Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Classificação de tarifas de certos equipamentos de computadores (“EC – Computer Equipment”), WT/DS62/AB/R, WT/DS67/AB/R, WT/DS68/AB/R, adotado em 22 de Junho de 1998, parágrafo 84.

47135 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 84.

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aquela praticada por todas as partes.136 O Órgão de Apelação acrescentou que o Sistema Harmonizado, incluindo suas notas explicativas, e decisões da Organização Mundial de Tarifas – “World Customs Organization” (“WCO”) poderão ser relevantes para interpretar as concessões tarifárias na Lista LXXX.137 O Órgão de Apelação afirmou que a prática de um membro da OMC durante a Rodada Uruguai poderá constituir “circunstâncias da conclusão” do Acordo da OMC e poderão ser usadas como formas suplementares de interpretação no sentido constante do Artigo 32 da Convenção de Viena.138 Finalmente, o Órgão de Apelação estatuiu que a prática de classificação anterior poderá ser freqüentemente significante, porém a prática desta classificação incompatível não poderá ser relevante para interpretar o significado da concessão de tarifa.139 3.2.3. O Ônus de Esclarecer as Concessões de Tarifas Esclarecimento das Concessões – Como afirmado pelo Órgão de Apelação na questão dos Equipamentos de Computadores, o ônus de esclarecer o escopo e a definição das concessões de tarifas durante as negociações não é meramente incumbência do Membro que estiver fazendo a concessão, é uma tarefa para todas as partes interessadas: ... Negociações de tarifas são um processo recíproco de concessões e demandas, de “dar e receber”. Somente é normal que Membros importadores definam suas ofertas (e suas obrigações subsequentes) sob termos que atendam às suas necessidades. Por outro lado, Membros exportadores devem assegurar que seus direitos correspondentes sejam descritos nas Listas de Membros importadores, de maneira que seus interesses de exportar, como acordado nas negociações, sejam garantidos. Na Rodada Uruguai, houve um acordo específico neste sentido. Para este propósito, houve um processo de verificação de listas de tarifas de 15 de fevereiro a 25 de março de 1994, que autorizou os participantes da Rodada Uruguai a verificarem e controlarem, mediante consultas com as partes negociantes, o escopo e definição das concessões de tarifas. Deveras, o fato das Listas dos Membros integrarem o GATT 1994 indica que, enquanto cada Lista representa o comprometimento tarifário feito por um Membro, elas representam o acordo comum entre todos os Membros. Por essas razões estatuídas acima, concluímos que o Painel equivocou-se ao decidir que “os Estados Unidos não foram requeridos a esclarecer o escopo das concessões tarifárias em [LAN equipment] da Comunidade Européia. Consideramos que o esclarecimento do escopo das concessões tarifárias, que podem ser requeridas durante as negociações, é uma tarefa para todas as partes interessadas.140 3.2.4. Concessões Tarifárias e o GATT 1994 A relação entre as concessões de tarifas e o GATT 1994 foi explorada em alguns casos, e a regra geral que surgiu de cada um desses casos é a seguinte: um Membro poderá

136 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 93. 137 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 89-90. 138 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 92. 139 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 95.

48140 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafos 109-110.

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renunciar aos seus próprios direitos e garantir benefícios a outros Membros, mas não poderá reduzir unilateralmente suas próprias obrigações.141 EC – Poultry – Mais particularmente em EC – Poultry, o Órgão de Apelação afirmou: Em Estados Unidos – Restrições na Importação de Açúcar, o painel declarou que o Artigo II do GATT permite às partes contratantes incorporar nas suas Listas atos renunciando aos seus direitos no âmbito do GATT, mas sem agir de forma a diminuir obrigações sob este Acordo. Do nosso ponto de vista, isto é em respeito ao princípio da não –discriminação dos Artigos I e XIII do GATT 1994. Em EC – Bananas, confirmamos o princípio de que um Membro poderá renunciar a direitos, mas não diminuir obrigações, e concluímos que é igualmente válido para as concessões de acesso a mercados e os compromissos para os produtos agropecuários contidos na Lista anexa ao GATT 1994. O sentido do termo “concessões” sugere que um Membro poderá renunciar aos seus próprios direitos e conceder benefícios para outros Membros, porém não poderá unilateralmente reduzir suas obrigações. Esta interpretação é confirmada pelo parágrafo 3 do Protocolo de Marrakesh, que prevê: A implementação das concessões e compromissos contidos nas listas anexas a este Protocolo estatui que, mediante requerimento, estará sujeita a exame multilateral dos Membros, sem prejuízo dos direitos e obrigações dos Membros previstos no Anexo 1A do Acordo da OMC. Assim, a concessão prevista na Lista LXXX referente à alíquota da tarifa para carne de frango congelada deverá estar de acordo com os Artigos I e XIII do GATT 1994.142 3.3. Restrições Quantitativas Restrições Quantitativas - Restrições Quantitativas (RQs) são medidas que proíbem ou restringem a quantidade de um produto que poderá ser importado. Um exemplo típico de restrição quantitativa seria uma medida permitindo a importação de somente 10.000 objetos. Esta restrição quantitativa é também conhecida como quota. Quota tarifária - Uma quota tarifária, entretanto, não é uma quota e não é considerada como uma restrição quantitativa. Uma quota tarifária é uma quantidade que poderá ser importada sob uma determinada tarifa. Por exemplo, um Membro poderá permitir a importação de 5000 objetos a 10 por cento ad valorem e qualquer objeto importado acima desta quantidade, a 20 por cento ad valorem. As quotas tarifárias não são restrições quantitativas uma vez que não proíbem ou restringem a importação. Elas somente submetem as importações a tarifas variáveis. 3.3.1. Proibições Gerais às Restrições Quantitativas

141 Verificar relatório do Painel, EUA – Restrições à Importação de Açúcar (“US – Sugar Headnote”), adotado em 22 de Junho de 1989, BISD 36S/331, parágrafo 5.2; Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 154-155; e Relatório do Órgão de Apelação, EC – Poultry, para. 98.

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142 Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Medidas que afetam a importação de determinados produtos de frango (“EC – Poultry”), WT/DS69/AB/R, adotado em 23 de julho de 1998, paras. 98-99.

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Artigo XI do GATT 1994 – O GATT 1994 dispõe sobre uma proibição geral de restrições quantitativas. Um dos principais objetivos do GATT 1994 é proteger a indústria doméstica somente com tarifas. O Artigo XI:1 do GATT 1994 estabelece:

Artigo XI

Eliminação Geral de Restrições Quantitativas 1. Nenhuma proibição ou restrição que não seja tarifária, tributária ou que envolva outros encargos, quando adotadas por quotas, licenças de importação e exportação ou outras medidas, deverá ser instituída ou mantida por qualquer [Membro] na importação de qualquer produto de território de outro [Membro] ou na exportação ou venda para exportação de qualquer produto destinado ao território de qualquer outro [Membro]. As únicas restrições permitidas no comércio são as tarifas, taxas e outros encargos, e não proibições, quotas ou licenças. Essa regra geral não está livre de exceções, como se verá no capítulo abaixo. 3.3.2. Exceções à Proibição Geral Exceções – Restrições quantitativas poderão ser aplicadas, temporariamente, para evitar carências de gêneros alimentícios, visando atender a escala de commodities ou produtos agrícolas ou de pesca.143 RQs em outros Acordos da OMC - Alguns outros Acordos da OMC contêm previsões que regulam a redução gradativa das restrições quantitativas das suas respectivas áreas de interesse. Isto é ilustrado no Módulo 3.11 sobre têxteis e vestuários, por exemplo. Outras exceções - Existem outras exceções à proibição geral de restrições quantitativas. O próprio GATT 1994, nos Artigos XII, XVIII, XIX, XX e XXI, contém exceções, por exemplo, nos motivos da balança de pagamentos, medidas emergenciais de salvaguarda, ou para proteção da saúde publica e segurança nacional. Estas exceções serão examinadas no Capítulo 4. 3.3.3. Administração de Restrições Quantitativas Artigo XIII do GATT 1994 - O GATT 1994 prevê que as restrições quantitativas, como proibição de importação, por exemplo, quando aplicadas, devem ser administradas com fundamento não discriminatório. Desta forma, restrições quantitativas, quando aplicadas, devem abranger todos os membros igualmente. Isto é conhecido como a regra da “restrição similar”. O Artigo XIII:1 do GATT 1994 estipula:

Artigo XIII

Administração Não-discriminatória das Restrições Quantitativas

50143 Artigo XI:2 do GATT 1994.

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1. Nenhuma proibição ou restrição deverá ser aplicada por qualquer [Membro] na importação de qualquer produto do território de outro [Membro] ou na exportação de qualquer produto destinado para o território de qualquer outro [Membro], salvo se a importação do produto de um terceiro país ou a exportação de um terceiro país seja igualmente proibida ou restrita. Artigo XIII: 2 do GATT 1994 – Na aplicação de restrições quantitativas, os Membros devem sempre visar a distribuição comercial de forma mais próxima àquela participação que os países fornecedores teriam alcançado se não tivessem essas restrições. Artigo XIII:4 do GATT 1994 – O GATT 1994 prevê que, se as negociações para alocação da divisão de quotas não forem bem sucedidas, as alocações deverão ser feitas de acordo com a respectiva proporção dos países fornecedores no comércio, durante o período de representação anterior.144 Com base na não – discriminação prevista no Artigo XIII do GATT 1994, o Órgão de Apelação enfatizou em EC – Bananas III que a igualdade de tratamento dos produtos é a essência da não – discriminação, independentemente de sua origem. Consequentemente, neste caso, a condição da não discriminação aplicável a todas as importações de bananas, independe de quando e como um Membro categoriza ou subdivide essas importações para fins administrativos ou quaisquer outras razões. O Órgão de Apelação esclarece que se um Membro poderia evitar a aplicação da não discriminação desses produtos diante de outro Membro, por meio da escolha de uma base legal diferente, o Membro poderia, assim, muito facilmente dissimular a previsão de não - discriminação do GATT 1994 no caso da previsão desses atos normativos aplicarem-se somente a este Membro.145 3.4. Outras Obrigações e Encargos Financeiros Artigo II:1 (b) do GATT 1994 – O Artigo II:1(b) do GATT 1994, na segunda sentença, prevê: Os produtos descritos na Parte I da Lista relacionada a qualquer parte contratante, que são produtos dos territórios de outras partes contratantes, deverão, na importação para o território a que a Lista se refere, e sujeitos aos termos, condições ou qualificações previstas nessa Lista, estar isentos das tarifas aduaneiras que excederem aqueles previstos aqui. Estes produtos também deverão estar isentos de todas as outras tarifas ou encargos de qualquer natureza impostos ou em conexão com a importação que estiver prevista na data deste Acordo ou aqueles requeridos diretamente ou obrigatoriamente para serem impostos pela legislação que estiver em vigor no território importador. Esta previsão estipula que com relação aos produtos em que há uma concessão tarifária, nenhuma outra obrigação ou encargo financeiro poderá ser imposto além daqueles impostos em 1948 ou em qualquer momento de ingresso no GATT ou OMC, ou estabelecidos em legislação em vigor em qualquer das referidas datas. O Entendimento para Interpretação do Artigo II:1(b) prevê a obrigação de registrar todas as outras

144 Artigo XIII:4 f do GATT 1994.

51145 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 190.

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obrigações e encargos na Lista do Membro da OMC. Somente quando estiverem devidamente registradas, podem “outras obrigações e encargos” ser impostas. Artigo II: 2(c) do GATT 1994 – Por outro lado, o Artigo II do GATT 1994 prevê uma exceção permitindo a imposição de taxas ou outros encargos: Nada neste Artigo impedirá qualquer parte contratante de impor a qualquer momento, na importação de qualquer produto: .... taxas ou outros encargos proporcionais ao custo dos serviços prestados. Artigo VIII: 1(a) do GATT 1994 – O Artigo VIII: 1(a) do GATT 1994 prevê que todas as taxas e encargos (exceto tarifas) impostos sobre a importação ou exportação deverão ser limitados ao custo aproximado dos serviços prestados, e não deverão constituir proteção indireta dos produtos nacionais ou taxação para fins fiscais. Os Membros também reconhecem a necessidade de reduzir o número e a diversidade de taxas e encargos.146 3.5. Outras Barreiras Não Tarifárias Esta é uma categoria muita ampla. Muitas barreiras não tarifárias aplicam-se a produtos nacionais e importados. Incluem-se procedimentos aduaneiros, atos normativos técnicos, medidas sanitárias e fitossanitárias, encargos equivalentes às taxas nacionais, anti-dumping e medidas de salvaguarda sobre serviços prestados. Informações adicionais sobre outras barreiras não tarifárias estão no Capítulo 3.4 acima, Módulo 3.9 em medidas sanitárias e fitossanitárias e, Módulo 3.10 em barreiras técnicas ao comércio. Não há regras gerais no âmbito da OMC sobre barreiras não tarifárias, porém há regras sobre barreiras específicas. Por exemplo, em relação a formalidades aduaneiras, os Membros reconhecem a necessidade de minimizar a incidência e a complexidade das formalidades de importação e exportação para diminuir e simplificar os documentos de importação e exportação requeridos. Muitas medidas não tarifárias estão sob as previsões da Parte II do GATT 1994 (Artigo III do Artigo XXIII do GATT 1994). Estes artigos tratam do tratamento nacional em relação à taxação interna e suas regras, às quotas de exibição de filmes cinematográficos, ao trânsito livre, a anti-dumping e direitos alfandegários compensatórios, às avaliações para fins alfandegários, às taxas e formalidades, às marcas de origem, às restrições quantitativas, aos subsídios, às restrições impostas por razões de balança de pagamentos e ao auxílio governamental para desenvolvimento econômico. Na parte II há maiores disposições sobre exceções gerais de segurança. Muitos outros acordos da OMC tratam de barreiras não tarifárias, mais especificamente o Acordo TRIMS, o Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque (Agreement on Preshipment Inspection), o Acordo sobre Compras Governamentais (Agreement on Government Procurement), e o Acordo TRIPs (TRIPs Agreement). 3.6. Publicação e Administração de Regulamentos de Comércio

52146 Artigo VIII:1(b) do GATT 1994.

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O Artigo X do GATT 1994 enuncia dois princípios gerais. Primeiramente, os atos normativos relativos a comércio não podem entrar em vigor antes de publicação oficial. Segundo, atos normativos relativos a comércio deverão ser administrados de modo uniforme, imparcial e razoável. 3.6.1. Aplicação apenas após publicação oficial das leis e regulamentos Todos os atos normativos, decisões judiciais, atos administrativos etc. referentes a importações e exportações devem ser publicados. Eles não poderão entrar em vigor antes de sua publicação oficial. Artigos X:1 e 2 do GATT 1994 – Em particular, os Artigos X:1 e X:2 prevêem:

Artigo X

Publicação e Administração de Regulamentos de Comércio

1. Leis, regulamentos, decisões judiciais e atos administrativos de aplicação geral, referentes à classificação ou avaliação de produtos para fins aduaneiros, alíquotas de tarifas, taxas ou outros encargos, requerimentos, restrições ou proibições sobre importações, exportações ou transferências de pagamentos, distribuição, transportes, seguros, inspeção de armazéns, exibição, processamento, associação, deverão ser publicados previamente, de maneira que permitam a governos e comerciantes estarem informados a respeito deles. Acordos envolvendo política comercial internacional que estão em vigor entre o governo ou agência governamental de qualquer [Membro] também deverão ser publicados. Os dispositivos deste parágrafo não deverão requerer que algum Membro revele informação confidencial que poderia impedir a execução de lei ou de qualquer forma contrariar interesse público ou que poderia prejudicar os interesses comerciais legítimos de empreendimentos particulares e públicos. 2. Nenhuma medida de aplicação geral adotada por qualquer [Membro] que altere a alíquota de tarifa ou qualquer outro encargo sobre importações sob uma prática fixada e uniforme, uma nova imposição ou solicitação onerosa, restrição ou proibição de importações, ou transferência de pagamentos, poderá ser executada sem que a medida tenha sido oficialmente publicada. 3.6.2. Administração Uniforme, Imparcial e Razoável de Leis e Regulamentos A Administração de atos normativos relacionados a comércio deverá ser uniforme, imparcial e razoável. Juízo independente, árbitro ou instâncias administrativas deverão ser instituídos para revisão imediata e correção de atos incompatíveis com este princípio. Artigo X:3 do GATT 1994 - O Artigo X:3 do GATT 1994 prevê: 3. (a) Cada [Membro] deverá administrar seus atos normativos descritos no parágrafo 1 deste Artigo, de modo uniforme, imparcial e razoável.

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(b) Cada [Membro] deverá manter, ou instituir assim que possível, juízo, árbitros, tribunais administrativos ou procedimentos para este fim, inter alia, para a revisão imediata e correção de atos administrativos relacionadas às matérias aduaneiras. Estes tribunais ou procedimentos deverão ser independentes em relação às agências envolvidas na execução administrativa, e suas decisões deverão ser implementadas pelas agências a não ser que um recurso tenha sido interposto para uma corte ou tribunal de jurisdição superior dentro do prazo previsto aos importadores; desde que a administração central desta agência possa adotar medidas para obter uma revisão da matéria em outro procedimento, tendo bons fundamentos para sustentar que a decisão foi inconsistente em relação aos princípios estabelecidos por lei ou fatos. (c) As previsões do subparágrafo (b) deste parágrafo não deverão requerer a eliminação ou substituição de procedimentos em vigor no território de um [Membro] na data deste Acordo que determine uma revisão objetiva e imparcial de atos administrativos, até mesmo se estes procedimentos não forem totalmente ou formalmente independentes em relação às agências administrativas encarregadas da execução administrativa. Qualquer [Membro] que adote estas medidas deverá, mediante requerimento, fornecer aos [Membros] informações completas, de modo que possam determinar se estes procedimentos estão em conformidade com os requisitos deste subparágrafo. 3.7 Teste sua compreensão 1. Quais tipos de medidas podem impedir ou restringir o acesso a mercado para bens? 2. O GATT 1994 proíbe tarifas? Como as negociações e renegociações tarifárias são conduzidas? Como o princípio da reciprocidade se aplica a negociações tarifárias? O que são “listas de concessões”? Qual é a relação entre concessões tarifárias e o GATT 1994? 3. O GATT 1994 proíbe restrições quantitativas? 4. O GATT 1994 proíbe “outras obrigações e encargos [financeiros]”? 5. O que são outras barreiras não-tarifárias? 6. Quais são as obrigações relativas à publicação e administração de regulamentos de comércio?

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4. EXCEÇÕES ÀS DISCIPLINAS DO GATT 1994 Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de: • Listar as possíveis exceções às disciplinas do GATT 1994; • Diferenciar entre os elementos das exceções específicas contidas no Artigo

XX do GATT 1994; • Enumerar as possíveis exceções por razões de segurança; • Identificar as condições nas quais os Membros de um acordo regional

podem se eximir das disciplinas do GATT; e • Apreciar situações nas quais as restrições de balanço de pagamentos podem

ser aplicadas e explicar as regras aplicadas. 4.1 Quais são as Exceções Gerais ao GATT 1994? O GATT 1994 permite aos Membros da OMC eximirem-se das disciplinas do GATT a fim de protegerem valores sociais sob certas condições específicas. Artigo XX do GATT 1994 – O Artigo XX do GATT 1994 estabelece, na parte relevante:

Artigo XX

Exceções Gerais Sujeito aos requisitos de que tais medidas não sejam aplicadas de maneira que possam constituir arbitrária ou injustificada discriminação entre países onde as mesmas condições prevaleçam, ou disfarçada restrição ao comércio internacional, nada neste Acordo poderá ser interpretado de forma a evitar a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante de medidas: (a) necessárias para proteger a moral pública; (b) necessárias para proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal; ... (d) necessárias para assegurar o cumprimento de leis ou regulações que não sejam incompatíveis com as disposições deste Acordo, incluindo aquelas relacionadas à aplicação de alfândega, aplicação de monopólios regulados pelo parágrafo do artigo II e artigo XVII, a proteção de patentes, marcas e direitos autorais, e a prevenção de práticas enganosas; (e) relacionadas aos produtos do trabalho em prisões; (f) impostas para proteção de tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico; (g) relacionadas à conservação de recursos naturais esgotáveis se tais medidas forem efetuadas conjuntamente com restrições à produção e ao consumo domésticos; ... Início da Análise - Antes de examinar quando a medida pode ser justificada sob as exceções do Artigo XX, é necessário determinar se tal medida é incompatível com qualquer outro dispositivo do GATT 1994. Se a medida em questão não é incompatível com nenhum dispositivo do GATT, não há necessidade de justificá-la sob o Artigo XX.

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construed
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Prison labour
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there is no need for justification under Article XX.
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Equilíbrio - Sobre a relação entre o Artigo XX e os demais dispositivos do GATT, o Órgão de Apelação mencionou no US - Gasoline que alguma forma de equilíbrio é necessária: os dispositivos do Artigo XX “não devem ser lidos tão expansivamente de forma a subverter seriamente o propósito e o objeto” de outros dispositivos do GATT. Nem se pode dar a outros dispositivos do GATT 1994 “um alcance tão amplo a ponto de macular” os dispositivos do Artigo XX e as políticas e interesses nele incorporados.147 O Órgão de Apelação concluiu que a relação entre “as exceções gerais” do Artigo XX deve ser examinada caso a caso, “através do escrutínio cuidadoso do contexto factual e legal de determinada disputa, considerando as palavras de fato usadas pelos Membros da OMC para expressar suas intenções e propósitos”.148 Teste em duas fases - A abordagem geral para determinar se uma medida em apreço configura uma exceção válida nos termos do Artigo XX é a aplicação do teste dos dois níveis: 1) A medida em questão configura uma das exceções específicas? 2) A medida em questão satisfaz as condições requeridas no caput do Artigo XX?149 Ordem da Análise - A ordem da análise é importante e deve ser respeitada. Conforme dito pelo Órgão de Apelação no caso US-Shrimp: A seqüência dos passos indicados acima para análise dos pedidos de justificação nos termos do Artigo XX reflete não uma escolha inadvertida ou aleatória, mas sim, pelo contrário, a estrutura fundamental e lógica do Artigo XX... A tarefa de interpretar o caput a fim de evitar o abuso ou o emprego incorreto das exceções específicas previstas no Artigo XX torna-se muito difícil, se é que continua possível, onde o intérprete (como o Painel neste caso), de início não identificou e examinou a exceção específica ameaçada de abuso. ... O que é apropriadamente caracterizada como ‘discriminação arbitrária’ ou ‘discriminação injustificada’, ou como uma ‘restrição disfarçada ao comércio internacional’ em relação a uma categoria de medidas, não necessariamente será para outro grupo ou tipo de medidas. O padrão de ‘discriminação arbitrária’, por exemplo, nos termos do caput pode ser diferente para uma medida que pretende ser necessária para proteger a moral pública do que quando aplicada a uma medida relacionada a produtos do trabalho em prisional.150 As Seções seguintes examinarão os elementos que precisam ser satisfeitos para justificar medidas que, não fosse por isso, seriam incompatíveis com o GATT, nos termos de cada exceção específica do Artigo XX e nos termos do próprio caput do Artigo XX. 4.1.1 Tipos de Medidas Enumeradas no Artigo XX

147 Órgão de Apelação Report, US – Gasoline, p. 16-17. 148 Órgão de Apelação Report, US – Gasoline, p. 16-17. 149 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, p. 22.

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150 Relatório do Órgão de Apelação, Estados Unidos – Proibição à importação de certos camarões e produtos à base de camarão (“US - Shrimp”), WT/DS58/AB/R, adotado em 6 de novembro de 1998, paras. 119-120.

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As seriously to
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caput?
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Aticle XX is rendered very difficult
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Várias exceções específicas estão contempladas no Artigo XX , parágrafos (a) a (j), para medidas que seriam, em princípio, incompatíveis com as disposições do GATT 1994. Essas exceções reconhecem que os Membros têm o direito de adotar e implementar legítimas políticas governamentais que podem entrar em conflito com a liberalização comercial. Tais políticas governamentais podem objetivar a proteção de valores sociais e interesses legítimos tais como vida ou saúde humana, animal e vegetal, recursos naturais esgotáveis, tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico e valores morais. Para os propósitos deste Curso, somente trataremos das exceções específicas que já foram cuidadosamente consideradas em diferentes relatórios do GATT e da OMC, ou seja, as exceções específicas previstas nos Artigos XX(b), XX(d) e XX(g). 4.1.1.1 Medidas necessárias para proteger a vida humana, animal ou vegetal, ou a saúde Artigo XX(b) do GATT 1994 – O Artigo XX(b) estabelece: “... nada neste Acordo deverá ser interpretado de forma a impedir a adoção ou aplicação, por qualquer parte contratante, de medidas: ... (b) necessárias para proteger a vida humana, animal ou vegetal, ou a saúde;” Teste de duas fases – O Artigo XX(b) prevê um teste de duas fases para determinar se uma medida é justificada sob aquela disposição, antes de examinar se ele também satisfaz os elementos do caput do Artigo XX. A parte invocando o Artigo XX(b) deve estabelecer: 1) que a política relativa às medidas para as quais o dispositivo foi invocado inclui-se no espectro de políticas destinadas a proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal; 2) que as medidas incompatíveis para as quais a exceção está sendo invocada são necessárias para cumprir o objetivo da política.151 Saúde Pública e Políticas Ambientais – O primeiro elemento do teste envolve políticas de saúde pública assim como políticas ambientais. Essa condição é relativamente fácil de preencher. Por exemplo, em Thailand – Cigarretes, a Tailândia procurou justificar suas restrições à importação de cigarros ao dizer que ela visava proteger o público de ingredientes danosos de cigarros importados, e reduzir o consumo de cigarros na Tailândia. O Painel reconheceu que fumar constituía um sério risco à saúde humana e que, conseqüentemente, medidas visando reduzir o consumo de cigarros incluíam-se no âmbito de políticas consideradas sob o Artigo XX(b).152 Em EC – Asbestos, a França impôs uma proibição a produtos de cimento de crisotila e invocou o Artigo XX(b) ao alegar que tais produtos colocavam riscos à vida humana e à saúde.153 Elemento da “necessidade” – O segundo elemento – o requisito da “necessidade” – é mais difícil de estabelecer. O Painel em Thailand – Cigarettes estabeleceu que uma

151 Ver Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.20. 152 Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 73.

57153 Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 162.

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enshrined
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medida é “necessária” nos termos do Artigo XX(b) apenas quando não há medidas alternativas compatíveis com o GATT, ou menos incompatíveis com ele, cujo emprego poderia razoavelmente ser esperado pelo Membro demandado, para alcançar seu objetivo.154 À luz desse padrão, o Painel em Thailand – Cigarettes conduziu a seguinte avaliação da “necessidade” das restrições à importação da Tailândia alegadamente estabelecidas para proteger a saúde pública: “O Painel então examinou se as preocupações tailandesas com a qualidade dos cigarros consumidos na Tailândia poderiam ser alcançadas com as medidas compatíveis, ou menos incompatíveis, com o Acordo Geral. Ele notou que outros países tinham introduzido uma rotulagem rigorosa e não-discriminatória bem como regulamentos de divulgação de ingredientes que permitiam aos governos controlarem o conteúdo dos cigarros e ao público se informar sobre ele. Uma regulação não-discriminatória implementada com base no tratamento nacional de acordo com o Artigo III:4 exigindo a divulgação completa de ingredientes, acoplado a uma proibição de substâncias insalubres, seria uma alternativa compatível com o Acordo Geral. O Painel considerou que se poderia razoavelmente esperar da Tailândia a tomada de medidas para tratar dos objetivos da política de qualidade que ela agora busca através de uma proibição à importação de todos os cigarros quaisquer que fossem seus ingredientes. O Painel então considerou se as preocupações tailandesas com a quantidade dos cigarros consumidos na Tailândia poderiam ser alcançadas com medidas razoavelmente disponíveis para isso e compatíveis, ou menos incompatíveis, com o Acordo Geral. Uma proibição da propaganda de cigarros tanto de origem doméstica como estrangeira normalmente alcançaria os requisitos do Artigo III:4 [ou] teria de ser considerada como inevitável e, portanto, necessária nos termos do Artigo XX(b), pois direitos adicionais de propaganda seriam um risco de estimular a demanda por cigarros. ... Em suma, o Painel considerou que havia várias medidas compatíveis com o Acordo Geral que estavam razoavelmente à disposição da Tailândia para controlar a qualidade e quantidade de cigarros fumados e que, colocadas juntamente, poderiam alcançar os objetivos da política de saúde que o governo tailandês busca ao restringir a importação de cigarros de modo incompatível com o Artigo XI:1. O Painel entendeu, portanto, que a prática da Tailândia de permitir a venda de cigarros domésticos enquanto não permitia a importação de cigarros estrangeiros era uma incompatibilidade com o Acordo Geral não ‘necessária’ nos termos do Artigo XX(b).”155 No Relatório não-adotado em United States – Tuna/Dolphin, o Painel conduziu a seguinte avaliação para determinar se a proibição de atum de albacora capturado com técnicas que são danosas aos golfinhos poderia ser justificada sob o Artigo XX(b). “O Painel considerou que as medidas dos Estados Unidos, mesmo que o Artigo XX(b) fosse interpretado de forma a permitir a proteção extrajurisdicional da vida e da saúde, não alcançariam o requisito de necessidade previsto nesta disposição. Os Estados Unidos não demonstraram ao Painel – como exigido pela parte invocando uma exceção

154 Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 74-75.

58155 Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 73-81.

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do Artigo XX – que eles exauriram todas as opções razoavelmente disponíveis para isso, para perseguir os objetivos de proteção aos golfinhos através de medidas compatíveis com o Acordo Geral, em particular através da negociação de arranjos de cooperação internacional, que pareceriam desejáveis à luz do fato de que golfinhos vagam pela águas de muitos Estados e pelo alto-mar. Ademais, ainda que se assumisse que uma proibição à importação fosse o único recurso razoavelmente disponível aos Estados Unidos, a medida particular escolhida pelos Estados Unidos poderia, na opinião do Painel, não ser considerada como necessária nos termos do Artigo XX(b). Os Estados Unidos ligaram a taxa máxima de captura incidental de golfinhos que o México tinha de alcançar durante um período particular a fim de poder exportar atum aos Estados Unidos, com a taxa de captura realmente registrada para os pescadores dos Estados Unidos durante o mesmo período. Conseqüentemente, as autoridades mexicanas não poderiam saber se, em um dado momento, suas políticas conformavam-se aos padrões de proteção a golfinhos dos Estados Unidos. O Painel considerou que uma limitação ao comércio baseada em tais condições imprevisíveis não poderia ser considerada como necessária para proteger a saúde ou a vida de golfinhos.”156 Em US – Gasoline, o Painel enfatizou que o Artigo XX(b) não requer a avaliação do objetivo da política ser “necessário”, mas da medida em disputa ser “necessária” para alcançar o objetivo da política em questão.157 Nível de Proteção – em EC – Asbestos, a disputa entre o Canadá e a Comunidade Européia envolvia a proibição francesa de asbestos e produtos de asbestos. O Órgão de Apelação entendeu que os Membros da OMC possuem o direito de determinar o grau de proteção à saúde que eles consideram apropriado em uma dada situação.158 Isso significa que outros Membros da OMC não podem desafiar o grau de proteção selecionado pelo Membro reclamado, mas apenas argüir que a medida em disputa não é “necessária” para alcançar aquele grau de proteção. Alternativas Compatíveis do GATT Razoavelmente Disponíveis – Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação ainda refinou o teste de “necessidade” usado primeiro em Thailand – Cigarettes, que estabeleceu que não deveria haver nenhum método alternativo compatível, ou nenhum menos incompatível, com a medida em disputa que poderia se esperar razoavelmente que o Membro empregasse. Naquele caso, o Canadá argüiu que “uso controlado” constituía uma alternativa razoavelmente disponível para a proibição francesa à importação de asbestos. O Canadá argüiu que uma medida alternativa somente pode ser excluída como “razoavelmente disponível” se a implementação daquela medida for “impossível”. Valendo-se de sua interpretação de “necessidade” no Artigo XX(d) em Korea – Beef, o Órgão de Apelação declarou que um aspecto do “processo de pesagem e balanceamento... compreendido na determinação de se uma medida alternativa compatível com a OMC” está razoavelmente disponível é a extensão em que a medida alternativa “contribui para a realização do fim perseguido”159; e que “quanto mais vitais ou importantes os interesses comuns ou valores” perseguidos, mais fácil seria estabelecer que as medidas em disputa são “necessárias” para alcançar esses fins.160 O Órgão de Apelação então concluiu:

156 Relatório do Painel, US – Tuna/Dolphin, par. 5.25-5.28. 157 Ver Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.22. 158 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 168. 159 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 166 e 163.

59160 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 162.

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“Nesse caso, o objetivo visado pela medida é a preservação da vida humana e da saúde através da eliminação, ou redução, dos bem conhecidos, e ameaçadores, riscos à saúde colocados pelas fibras de asbestos. O valor almejado é tanto vital como importante no nível mais alto. A questão restante, então, é se há uma medida alternativa que alcançaria o mesmo fim e que é menos restritiva ao comércio do que uma proibição. ... Em nossa opinião, não se poderia razoavelmente esperar que a França empregasse qualquer medida alternativa se aquela medida envolvesse uma continuação do mesmo risco, o qual o Decreto procura ‘parar’. Tal medida alternativa impediria, com efeito, a França de alcançar seu escolhido grau de proteção à saúde. Com base nas evidências científicas sobre isso, o Painel entendeu que, em geral, a eficácia do ‘uso controlado’ ainda precisa ser demonstrada. Além disso, mesmo em casos onde prática de ‘uso controlado’ é aplicada ‘com grande certeza’, as evidências científicas sugerem que o graul de exposição pode, em algumas circunstâncias, ser ainda suficientemente alto para haver um ‘risco residual significante de desenvolver doenças relacionadas a asbestos.’ O Painel entendeu também que a eficácia do ‘uso controlado’ é particularmente duvidoso para a indústria de construção e para entusiastas do ‘faça você mesmo’, que são os usuários mais importantes de produtos baseados em cimento contendo asbestos de crisotila. Dadas essas constatações factuais do Painel, acreditamos que o ‘uso controlado’ não permitiria à França alcançar o grau escolhido de proteção à saúde ao impedir a disseminação dos riscos à saúde relacionados a asbestos. ‘Uso controlado’ não seria, portanto, uma medida alternativa que alcançaria o fim buscado pela França.”161 Meios Suficientes de Prova – Quanto aos meios suficientes de prova para justificar uma medida de outro modo incompatível com o GATT sob o Artigo XX(b), o Órgão de Apelação declarou em EC – Asbestos, que um Membro pode valer-se, de boa-fé, de fontes científicas que, naquele momento, podem representar uma opinião divergente, mas qualificada e respeitada. O Órgão de Apelação expressou: “Um Membro não está automaticamente obrigado, ao determinar a política de saúde, a seguir o que, em um dado momento, pode constituir uma opinião científica majoritária. Portanto, um painel não precisa, necessariamente, alcançar uma decisão sob o Artigo XX(b) do GATT 1994 com base no peso ‘preponderante’ da evidência.”162 4.1.1.2 Medidas sob o Artigo XX(d) Artigo XX(d) do GATT 1994 – o Artigo XX(d) estabelece: “... nada neste Acordo deverá ser interpretado para impedir a adoção ou implementação por qualquer parte contratante de medidas: ... (d) necessárias para assegurar a obediência a leis ou regulamentos que não são incompatíveis com as disposições deste Acordo, incluindo aqueles relativos à 161 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 174.

60162 Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 178.

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implementação de aduanas, a implementação de monopólios operados sob o parágrafo 4 do Artigo II e do Artigo XVII, a proteção de patentes, marcas registradas e direitos autorais, e a prevenção de práticas enganosas;” Teste de duas fases – Duas questões precisam ser respondidas a fim de determinar se medidas de outro modo incompatíveis com o GATT podem ser justificadas provisoriamente sob o Artigo XX(d), antes de determinar se as medidas também satisfazem os requisitos sob o caput do Artigo XX. O ônus de demonstrar que esses dois elementos estão presentes reside no Membro que invoca o Artigo XX(d) como justificativa.163 (1) A medida deve ser destinada a “assegurar obediência” a leis ou regulamentos que não são eles mesmos incompatíveis com alguma determinação do GATT 1994. (2) A medida deve ser “necessária” para assegurar tal obediência.164 Primeiro elemento – Quanto ao primeiro elemento, qual seja, “assegurar obediência às leis e regulamentos [compatíveis com o GATT]”, o Painel em US – Gasoline expressou: “... a manutenção da discriminação entre gasolina importada e doméstica contrária ao Artigo III:4, sob os métodos de estabelecimento de uma base, não ‘asseguram obediência’ com o sistema de base. Esses métodos não eram um mecanismo de implementação. Eles eram simplesmente regras para determinar as bases individuais. Como tais, eles não eram o tipo de medidas com as quais o Artigo XX(d) estava preocupado.”165 Elemento de “necessidade” – Quanto ao segundo elemento, qual seja, o teste de “necessidade”, o Órgão de Apelação em Korea – Beef declarou: “Em suma, a determinação de se uma medida, que não é ‘indispensável’, pode não obstante ser ‘necessária’ dentro da contemplação do Artigo XX(d), envolve em todo caso um processo de pesar e balancear uma série de fatores que incluem, de forma proeminente, a contribuição feita pela medida de obediência para a implementação da lei ou regulamento em questão, a importância dos interesses ou valores comuns protegidos por aquela lei ou regulamento, e o impacto da lei ou regulamento associado às importações ou exportações.”166 4.1.1.3 Medidas Relativas à Conservação de Recursos Naturais Esgotáveis Artigo XX(g) do GATT 1994 – O Artigo XX(g) estabelece: “... nada neste Acordo deverá ser interpretado para impedir a adoção ou implementação por qualquer parte contratante de medidas: ... (g) relativas à conservação de recursos naturais esgotáveis se tais medidas forem aplicadas em conjunção com restrições à produção ou consumo domésticos;” 163 Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 157. 164 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 157. 165 Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.33.

61166 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 164.

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Teste de três fases – Três questões precisam ser respondidas sob o Artigo XX(g) para avaliar se a medida em disputa é provisoriamente justificada sob o Artigo XX, antes de determinar se ela também satisfaz os elementos do caput do Artigo XX; • se a medida relaciona-se à conservação de recursos naturais esgotáveis; • se a medida relaciona-se à conservação de recursos naturais esgotáveis; • se a medida é aplicada em conjunção com restrições sobre a produção ou consumo domésticos. “conservação de recursos naturais esgotáveis” – o elemento de “conservação de recursos naturais esgotáveis” inclui tanto espécies vivas como não-vivas. O Órgão de Apelação adotou uma interpretação “evolucionária” do Artigo XX(g): “... nós não acreditamos que recursos naturais ‘esgotáveis’ e recursos naturais ‘renováveis’ sejam mutuamente excludentes. Uma lição que as ciências biológicas modernas nos ensinam é que espécies vivas, embora em principio capazes de reprodução e, nesse sentido, ‘renováveis’, são realmente em certas circunstâncias suscetíveis de depleção, exaustão e extinção, freqüentemente devido a atividades humanas. Recursos vivos são tão ‘finitos’ quanto petróleo, minério de ferro e outros recursos não-vivos. As palavras do Artigo XX(g), ‘recursos naturais esgotáveis’, na verdade foram elaboradas há mais de 50 anos. Elas devem ser lidas por um interpretador de tratados à luz das preocupações contemporâneas da comunidade de nações acerca da proteção e conservação do meio-ambiente. Apesar do Artigo XX não ter sido modificado na Rodada Uruguai, o preâmbulo anexado ao Acordo da OMC mostra que os signatários daquele Acordo estavam, em 1994, totalmente cientes da importância e legitimidade da proteção ambiental como objetivo da política nacional e internacional. O preâmbulo do Acordo da OMC – que informa não apenas o GATT 1994, mas também os outros acordos abrangidos – reconhece explicitamente ‘o objetivo do desenvolvimento sustentável...’; ... Da perspectiva incorporada no preâmbulo do Acordo da OMC, notamos que o termo genérico ‘recursos naturais’ no Artigo XX(g) não é ‘estático’ no seu conteúdo ou referência, mas ‘por definição, evolucionário’. É pertinente, portanto, notar que as convenções e declarações internacionais modernas fazem freqüentes referências aos recursos naturais como abrangendo tanto recursos vivos como não-vivos. ... Ademais, dois relatórios do painel do GATT 1947 adotados julgaram anteriormente que peixes são um ‘recurso natural esgotável’ nos termos do Artigo XX(g).”167 Em US – Gasoline, os Estados Unidos procuraram assegurar que a poluição da combustão de gasolina não excedesse os níveis de 1990 e que poluentes nos maiores centros populacionais fossem reduzidos.168 O Órgão de Apelação entendeu que o objetivo da medida incluía-se no âmbito do Artigo XX(g), mas que ele não satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX. Em US – Shrimp, os Estados Unidos visaram proteger tartarugas marinhas ao proibir importações de camarões capturados com redes

167 Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 128-131.

62

168 Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline. O Órgão de Apelação entendeu que a medida “da gasolina” dos Estados Unidos incluía-se nos termos do Artigo XX(g), mas o Órgão de Apelação concluiu que ela não satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX do GATT 1994.

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que eram danosas a tartarugas marinhas.169 Novamente, o Órgão de Apelação entendeu que o objetivo da medida incluía-se no escopo do Artigo XX(g), mas também entendeu que a medida falhava ultimamente em preencher o requisito do caput do Artigo XX. “relaciona-se à” – Para satisfazer o segundo elemento que exige que medida “relacione-se” à conservação de recursos naturais esgotáveis, a medida em questão deve “primariamente visar a conservação”.170 Em US – Shrimp, o Órgão de Apelação adicionou que, não apenas a medida deve “primariamente visar a conservação”, mas também sua relação com a política ambiental deve ser “visivelmente próxima e real”. Aplicando-se os padrões aos fatos do caso, o Órgão de Apelação declarou: “Em seu desenho e estrutura gerais, portanto, a Seção 609 não é uma proibição simples e abrangente da importação de camarão, imposta sem considerar as conseqüências (ou a falta delas) do modo de colheita empregado na captura incidental e na mortalidade de tartarugas marinhas. Focalizando no desenho da medida aqui em jogo, parece-nos que a Seção 609, com linhas gerais de implementação, não é desproporcionalmente ampla no seu escopo e alcance em relação ao objetivo da política de proteção e conservação das espécies de tartarugas marinhas. Os meios são, em princípio, razoavelmente relacionados aos fins. A relação de meios e fins entre a Seção 609 e a política legítima de conservar uma espécie esgotável e, de fato, em perigo, é visivelmente uma relação próxima e real. ...”171 “imparcialidade” – Finalmente, quanto ao terceiro elemento do teste sob o Artigo XX(g) que exige que as medidas sejam aplicadas em conjunção às restrições sobre a produção ou consumos domésticos, o Órgão de Apelação explicou em US – Gasoline que esse é um requisito de “imparcialidade” na imposição de restrições a produtos importados e domésticos, em nome da conservação.172 O Órgão de Apelação aplicou aquele padrão ao caso da seguinte forma: “Na presente apelação, as regras de estabelecimento de uma base afetam tanto a gasolina doméstica como a importada, possibilitando – genericamente falando – bases individuais para refinadores e misturadores domésticos e bases estatutárias para importadores. Logo, restrições ao consumo ou à depleção de ar limpo através da regulação da produção doméstica de gasolina ‘suja’ são estabelecidas juntamente com as restrições correspondentes com respeito à gasolina importada. ...”173 4.1.2 Requisitos do Caput do Artigo XX 169 Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp: o Órgão de Apelação entendeu que a medida dos Estados Unidos incluía-se nos termos do Artigo XX(g), mas o Órgão de Apelação concluiu que ela não satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX do GATT 1994. 170 Relatório do Painel, Canadá – Medidas que Afetam as Exportações de Arenque e Salmão Não Processados (“Canada – Herring and Salmon ”), adotado em 22 de março de 1988, BISD 35S/98, par. 4.4-4.6. 171 Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 141. 172 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.

63173 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.

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O Artigo XX prevê um teste de duas fases para determinar se uma medida de outro modo incompatível com o GATT pode ser justificada. Ele requer primeiro, que a medida satisfaça os elementos de uma exceção particular, e segundo, que a mesma medida satisfaça os requisitos do caput do Artigo XX. Caput do Artigo XX – Com respeito às medidas provisoriamente justificadas sob uma das exceções específicas do Artigo XX, o caput do Artigo XX estabelece: “Sujeito à exigência de que tais medidas não sejam aplicadas de uma maneira que constituiria um meio de discriminação arbitrária ou injustificada entre países onde as mesmas condições prevalecem, ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional...” Objetivo – Quanto ao objetivo do caput do Artigo XX, o Órgão de Apelação em US – Gasoline entendeu que o caput trata não tanto da medida em questão, mas da maneira pela qual aquela medida é aplicada, e que seu propósito e objeto são de prevenir o abuso das exceções do Artigo XX que resultariam na derrota e frustração dos objetivos do GATT 1994.174 Além disso, em US – Shrimp, o Órgão de Apelação explicou que o caput do Artigo XX é uma emanação do princípio geral de boa-fé no direito internacional.175 4.1.2.1 Discriminação Arbitrária ou Injustificada Discriminação – A aplicação de medidas visando serem eximidas das disciplinas do GATT através do Artigo XX não deve constituir “discriminação” “arbitrária” e “injustificada”. Em outras palavras, se a discriminação não é arbitrária ou injustificada, ela pode ser autorizada segundo o caput do Artigo XX. Nesse sentido, o conceito de “discriminação” sob o Artigo XX difere daqueles contidos em outras disposições do GATT.176 A fim de determinar se a aplicação de medidas em questão constitui discriminação arbitrária ou injustificada, três elementos devem ser satisfeitos; • a aplicação da medida deve resultar em discriminação; • a discriminação deve ter natureza arbitrária ou injustificada; • a discriminação deve ocorrer entre países onde as mesmas condições prevalecem.177 Quanto ao terceiro elemento, deve-se notar que tal discriminação poderia ocorrer não apenas entre diferentes Membros exportadores, mas também entre Membros exportadores e o Membro importador envolvido.178 Em US – Gasoline, o Órgão de Apelação articulou o seguinte:

174 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22. 175 Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 156-159. 176 Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 23-24. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 150. 177 Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 150.

64178 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 23-24.

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“Nós localizamos acima duas omissões por parte dos Estados Unidos: explorar adequadamente os meios, incluindo particularmente a cooperação com os governos da Venezuela e do Brasil, de mitigar os problemas administrativos usados como justificativa pelos Estados Unidos para rejeitar bases individuais para refinadores estrangeiros; e contar os custos para refinadores estrangeiros que resultariam da imposição de bases estatutárias. Em nossa opinião, essas duas omissões vão bem além do que era necessário para o Painel determinar que uma violação do Artigo III:4 ocorreu em primeiro lugar. A discriminação resultante deve ter sido prevista, e não foi meramente inadvertida ou inevitável. À luz do exposto acima, nossa conclusão é que as regras de estabelecimento de bases na Regra da Gasolina, em sua aplicação, constituem ‘discriminação injustificada’ e uma ‘restrição disfarçada ao comércio internacional.’ Mantemos, em suma, que as regras de estabelecimento de bases, embora nos termos do Artigo XX(g), não servem para justificar a proteção conferida pelo Artigo XX como um todo.”179 Ao aplicar o teste de três fases descrito acima, o Órgão de Apelação fez as seguintes observações e conclusões em US – Shrimp: “... Deve ser bastante aceitável que um governo, ao adotar e implementar uma política doméstica, adote um padrão único aplicável a todos os cidadãos daquele país. No entanto, não é aceitável, nas relações do comércio internacional, que um Membro da OMC utilize um embargo econômico para ‘exigir que outros Membros adotem essencialmente o mesmo programa regulador abrangente, alcancem um certo objetivo político, como aquele em vigor dentro do território daquele Membro, sem levar em consideração as diferentes condições que podem ocorrer nos territórios daqueles outros Membros.’ ... Nós acreditamos que a discriminação resulta não apenas de quando países nos quais as mesmas condições prevalecem são diferentemente tratados, mas também de quando a aplicação da medida em questão não permite nenhuma investigação sobre se aquele programa é apropriado às condições prevalecendo naqueles países exportadores. ... A Seção 609, em sua aplicação, impõe um requisito único, rígido e firme de que países candidatando-se a uma certificação... adotem um programa regulador abrangente que é essencialmente o mesmo programa dos Estados Unidos, sem investigar se aquele programa é apropriado para as condições prevalecentes nos países exportadores. Além disso, há pouca ou nenhuma flexibilidade sobre como oficiais fazem a determinação para certificação segundo essas disposições. Em nossa opinião, essa rigidez e inflexibilidade também constituem ‘discriminação arbitrária’ nos termos do caput.”180 4.1.2.2 Restrição Disfarçada ao Comércio Internacional Relação Entre os Dois Elementos do Caput do Artigo XX - Quanto ao requisito de que a medida não constitua uma “restrição disfarçada ao comércio internacional” para se beneficiar das exceções do Artigo XX, e no que toca à sua relação com o requisito de que a medida não seja ainda “discriminação arbitrária e injustificada”, o Órgão de Apelação explicou o seguinte em US – Gasoline: 179 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 28-29.

65180 Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 164-165, 177.

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“‘Discriminação Arbitrária’, ‘discriminação injustificada’ e ‘restrição disfarçada’ ao comércio internacional podem, portanto, ser lidas lado-a-lado; eles transmitem significado um ao outro. É claro para nós que ‘restrição disfarçada’ inclui discriminação disfarçada no comércio internacional. É igualmente claro que a restrição ou discriminação oculta ou não-anunciada ao comércio internacional não esgota o significado de ‘restrição disfarçada’. Consideramos que ‘restrição disfarçada’, o que quer mais que ela cubra, pode ser lida apropriadamente como a adoção de restrições equivalentes à discriminação arbitrária ou injustificada ao comércio internacional, assumidas sob a aparência de uma medida formalmente nos termos de uma exceção listada no Artigo XX. Colocados de uma maneira de certo modo diferente, os tipos de considerações pertinentes ao decidir se a aplicação de uma medida em particular equivale a ‘discriminação arbitrária ou injustificada’ podem também ser levados em conta ao determinar a presença de uma ‘restrição disfarçada’ ao comércio internacional. O tema fundamental será encontrado no propósito e objeto de evitar abuso ou uso ilegítimo das exceções às regras substantivas disponíveis no Artigo XX.”181 4.2 Quais são as Exceções de Segurança? As “exceções de segurança” permitem aos Membros tomar medidas que partem das disciplinas do GATT para alcançar objetivos de “segurança”, nos termos do Artigo XXI.182 Artigo XXI do GATT 1994 – O Artigo XXI do GATT 1994 estabelece:

Artigo XXI

Exceções de segurança Nada neste Acordo deverá ser interpretado de modo a (a) exigir que qualquer [Membro] forneça qualquer informação cuja revelação ele considere contrária aos seus interesses essenciais de segurança; ou (b) impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação que ele considere necessária para a proteção de seus interesses essenciais de segurança (i) relativos a materiais fissionáveis ou aos materiais dos quais são derivados; (ii) relativos ao tráfico de armas, munição e utensílios de guerra e ao tráfico de outros bens e materiais executado com o propósito de, direta ou indiretamente, suprir um estabelecimento militar; (iii) assumidos em tempo de guerra ou outra emergência em relações internacionais; ou (c) para impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação conforme suas obrigações sob a Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais. 4.2.1 Exceções de Segurança Nacional 181 Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, p. 25.

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182 Vale notar que o Artigo XIV bis do GATS e o Artigo 73 do Acordo TRIPS contêm disposições similares ao Artigo XXI do GATT 1994.

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Artigos XXI(a) e XXI(b) do GATT 1994 – os Artigos XXI(a) e XXI(b) do GATT 1994 estabelecem:

Artigo XXI

Exceções de Segurança Nada neste Acordo deverá ser interpretado de modo a (a) exigir que qualquer [Membro] forneça qualquer informação cuja revelação ele considere contrária aos seus interesses essenciais de segurança; ou (b) impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação que ele considere necessária para a proteção de seus interesses essenciais de segurança (i) relativos a materiais fissionáveis ou os materiais dos quais são derivados; (ii) relativos ao tráfico de armas, munição e utensílios de guerra e ao tráfico de outros bens e materiais executado com o propósito de, direta ou indiretamente, suprir um estabelecimento militar; (iii) assumidos em tempo de guerra ou outra emergência em relações internacionais; ... O Artigo XXI(a) confere aos Membros o direito de recusar a revelação de informações baseado em fundamentos de segurança. O Artigo XXI(b) dá o direito aos Membros de “realizar qualquer ação”, tal como embargos unilaterais, sujeita aos critérios contidos nos parágrafos (i) a (iii). Na prática, este Artigo tem sido raramente invocado. 4.2.2 Ações sob a Carta das Nações Unidas para a Manutenção da Paz e Segurança Internacionais Artigo XXI(c) do GATT 1994 – O Artigo XXI(c) do GATT 1994 estabelece:

Artigo XXI

Exceções de Segurança Nada neste Acordo será ser interpretado de modo a ... (c) impedir qualquer [Membro] de realizar qualquer ação conforme suas obrigações sob a Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais. Sanções Econômicas – O Artigo XXI(c) permite aos Membros tomarem medidas de segurança que possam afetar as relações do comércio internacional, desde que tais medidas sejam exigidas pelo Conselho de Segurança agindo sob a Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais. Em virtude do Artigo 25 da Carta das Nações Unidas, os Membros das Nações Unidas não têm outra escolha a não ser aceitar e cumprir as decisões do Conselho de Segurança a respeito da paz e segurança internacionais. Tais medidas podem incluir sanções econômicas.183 Falando mais amplamente, o Artigo XXI(c) simplesmente reconhece a supremacia da Carta das

67183 Ver Artigo 41 da Carta das Nações Unidas.

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Nações Unidas sobre outros acordos internacionais na ocasião de um conflito, como estipulado no Artigo 103 da Carta das Nações Unidas. Na prática, isso significa que os Membros não estão violando suas obrigações do GATT ao implementarem sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, como foi o caso dos anos 80 quando sanções econômicas foram assumidas contra a África do Sul para protestar contra seu regime de apartheid. Os Membros geralmente notam seus recursos às sanções da ONU quando notificam seus sistemas de licenciamento de importação.184 4.3 Medidas de Salvaguarda É possível aos Membros derrogarem as disciplinas do GATT se, como resultado de desenvolvimentos imprevistos e do efeito das obrigações do GATT, incluindo a concessão de tarifas, qualquer produto esteja sendo importado em tais quantidades crescentes e sob tais condições de modo a causar ou ameaçar um sério dano aos produtores domésticos de produtos similares ou diretamente concorrentes. Sob condições estritas, o Membro pode então suspender a obrigação do GATT no todo ou em parte ou retirar ou modificar a concessão, na medida e pela duração necessárias para prevenir ou remediar tal dano. O Artigo XIX do GATT 1994 e o Acordo de Salvaguardas regulam o uso dessa exceção. O Módulo 3.8 examina em detalhes essa exceção às obrigações do GATT. 4.4 Integração Regional Padrões aplicáveis – O GATT 1994 permite algumas derrogações sob certas condições estritas a fim de que grupos de Membros da OMC alcancem uma integração mais próxima de suas economias por meio de acordos voluntários conhecidos como “acordos regionais de comércio” estabelecendo “uniões aduaneiras” ou “áreas de livre comércio”.185 A pedra angular do Acordo da OMC é o princípio da não-discriminação. A obrigação de tratamento da nação mais favorecida requer que os Membros da OMC concedam incondicionalmente aos produtos de cada Membro qualquer benefício que afete taxas de alfândega, encargos, regras e procedimentos que eles conferem aos produtos originários ou destinados a qualquer outro país. Em contraste, partes de acordos regionais de comércio oferecem tratamento mais favorável no comércio para seus membros do que para outros Membros da OMC. A OMC permite tal derrogação ao princípio da não-discriminação para acordos regionais de comércio, contanto que eles se conformem a certos critérios previstos nos: • Artigo XXIV do GATT 1994, a ser lido em conjunção com o Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994, sendo que ambos fornecem regras para uniões aduaneiras e áreas de livre comércio no que toca ao comércio de bens; • Decisão sobre Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, Reciprocidade e Ampla Participação de Países em Desenvolvimento (a chamada “Cláusula Habilitadora”) do

184 Índice Analítico do GATT, Art. XXI, 6ª. ed., 1995, p. 605.

68185 Artigo XXIV:4, primeira sentença, do GATT 1994.

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GATT, de 1979, que envolve preferências no comércio de bens concedidas entre países em desenvolvimento. Artigo XXIV:4 do GATT 1994 – O princípio básico no Artigo XXIV:4 do GATT 1994 é que o propósito das áreas de livre comércio ou uniões aduaneiras deveria ser o de facilitar o comércio entre os territórios constituintes e não levantar barreiras ao comércio de territórios não-constituintes.186 Artigo XXIV:8 do GATT 1994 – uniões aduaneiras e áreas de livre comércio são definidas no Artigo XXIV:8 que estabelece: 8. Para os propósitos deste Acordo: (a) uma união aduaneira deverá ser entendida como a substituição de um único território aduaneiro por dois ou mais territórios aduaneiros, de modo que (i) taxas e outros regulamentos restritivos de comércio (exceto, onde necessário, aqueles permitidos sob os Artigos XI, XII, XII, XIV, XV e XX) são eliminados com respeito substancialmente a todo o comércio entre os territórios constituintes da união ou ao menos com respeito substancialmente a todo o comércio de produtos originários de tais territórios, e, (ii) sujeito às disposições do parágrafo 9, substancialmente as mesmas taxas e outros regulamentos de comércio são aplicados por cada um dos membros da união ao comércio dos territórios não incluídos na união; (b) Uma área livre de comércio deverá ser entendida como um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros nos quais as taxas e outros regulamentos restritivos de comércio (exceto, onde necessário, aqueles permitidos sob os Artigos XI, XII, XII, XIV, XV e XX) são eliminados para substancialmente todo o comércio entre os territórios constituintes em produtos originários de tais territórios. Em essência, as taxas e outros regulamentos restritivos de comércio serão eliminados com respeito a “substancialmente todo o comércio” entre os membros de uma união aduaneira ou uma área de livre comércio. Quanto às uniões aduaneiras, há o requisito adicional de que seus membros deveriam aplicar “substancialmente as mesmas taxas e outros regulamentos restritivos de comércio” ao comércio com não-membros e, portanto, terão uma política comercial comum incluindo uma tarifa externa comum. Artigo XXIV:5 do GATT 1994 – As condições aplicáveis para um acordo regional de comércio se beneficiar de uma derrogação das disciplinas do GATT estão contidas no Artigo XXIV:5 do GATT 1994. O Artigo XXIV:5(a) estipula que as taxas e outros regulamentos de comércio impostos sobre não-membros na formação da área de livre comércio ou, um acordo temporário levando a uma área de livre comércio não deveriam ser mais altos ou mais restritivos do que aqueles existentes antes de sua formação. Quanto à união aduaneira ou um acordo temporário levando a uma união aduaneira, o Artigo XXIV:5(b) estabelece que as taxas e outros regulamentos de comércio não podem ao todo serem mais altos ou mais restritivos do que a incidência geral das taxas e outros regulamentos de comércio aplicados antes de seu estabelecimento. No que toca às tarifas impostas sobre terceiras partes, o Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994 estabelece que o grau de proteção deveria ser comparado com base em uma avaliação geral da média ponderada das tarifas

69186 Artigo XXIV:4, segunda sentença, do GATT 1994.

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aplicadas antes da, e no momento da, instituição da união aduaneira ou o acordo temporário levando à união aduaneira. O Artigo XXIV:5(c) estabelece que um acordo temporário deve incluir um plano e um cronograma para a formação de uma união aduaneira ou uma área de livre comércio dentro de “um período razoável de tempo”. Este período razoável de tempo não deveria exceder 10 anos exceto em circunstâncias excepcionais.187 Finalmente, no que toca à renegociação tarifária, o Artigo XXIV:6 obriga os Membros que propõem aumentar qualquer tarifa consolidada no contexto da formação de uma união aduaneira, a seguirem os procedimentos normais para renegociação tarifária previstos no Artigo XXVIII do GATT 1994. O Entendimento traz mais clarificações sobre essa questão. Áreas de livre comércio e uniões aduaneiras são revistas pela OMC para determinar sua compatibilidade com os Acordos da OMC. O Entendimento também modifica o procedimento de revisão para uniões aduaneiras e áreas de livre comércio. Desde 1996, o Comitê sobre Acordos Regionais de Comércio está encarregado dessas questões. 4.5. Restrições de Balança de Pagamentos Os Membros da OMC possuem o direito de restringir a quantidade ou valor da mercadoria que pode ser importada, ao impor restrições quantitativas, a fim de salvaguardar suas posições financeiras externas e suas balanças de pagamentos. As disposições relevantes do GATT 1994 estão contidas nos Artigos XII e XVIII. O Artigo XII do GATT 1994 é aplicável a todos os Membros da OMC. Uma disposição em separado, o Artigo XVIII, lida com restrições para os propósitos da balança de pagamentos em relação a países em desenvolvimento (favor referir ao Capítulo 5.1). Artigo XII do GATT 1994 – Conforme o Artigo XII, o Membro aplicando medidas para balança de pagamentos deve estar visando “salvaguardar [sua] posição financeira externa e assegurar um nível de reservas adequado para a implementação de seu programa de desenvolvimento econômico” e ele deve precisar “restaurar o equilíbrio em uma base sólida e duradoura”. O objetivo do Artigo XII é de “evitar o emprego não-econômico de recursos”. O Artigo XII, segundo parágrafo, estabelece que as restrições à importação “não deverão exceder aquelas necessárias (i) para antecipar a ameaça iminente de, ou parar, um sério declínio em suas reservas monetárias” ou “(ii)... no caso de um [Membro] com reservas monetárias muito baixas, para atingir uma taxa razoável de aumento nas suas reservas”. O Artigo XII requer que os Membros relaxem progressivamente as restrições assim que as condições melhorarem e as eliminem quando as condições não mais justificarem tal manutenção. Finalmente, o Artigo XII prevê notificação e requisitos de consultas com Membros mantendo restrições de balança de pagamentos. Declaração de Tóquio de 1979 – A Declaração de Tóquio sobre Medidas de Comércio Tomadas para Propósitos de Balança de Pagamentos de 1979 estabelece que todas as medidas tomadas para propósitos de balança de pagamentos, e não apenas restrições quantitativas, incluem-se nos requisitos de notificação e consulta. Essa Declaração também adicionou condições para a aplicação de medidas de balança de pagamentos.

70187 Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994, para. 3.

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Primeiro, a preferência deveria ser dada a medidas compatíveis com o GATT que possuem “o efeito menos perturbador sobre o comércio”. Segundo, a aplicação simultânea de mais do que uma medida comercial para propósitos de balança de pagamentos deveria ser evitada. Terceiro, “quando quer que seja aplicável, [os Membros] deverão anunciar publicamente um cronograma para a remoção das medidas”. Ela também esclarece que as medidas não deveriam ser tomadas para o propósito de proteger uma indústria ou um setor particulares. Entendimento sobre Disposições sobre Balança de Pagamentos – O Entendimento sobre Disposições sobre Balança de Pagamentos do GATT 1994 incorpora algum dos princípios da Declaração de Tóquio e, entre outros, encoraja a adoção de “medidas baseadas em preços” tais como sobrecargas de importação, requisitos de depósito de importação, ou outras medidas equivalentes de comércio com um impacto no preço de bens importados. Na prática, os países mais desenvolvidos não têm utilizado medidas comerciais para propósitos de balança de pagamentos. Medidas que lidam com problemas de balança de pagamentos têm sido majoritariamente baseadas em preços. É geralmente aceito que medidas restritivas de comércio são meios geralmente ineficientes de manter ou restaurar a balança de pagamentos. 4.6 Teste sua Compreensão 1. Quais são as possíveis exceções às disciplinas no GATT 1994? 2. Qual é o objetivo do Artigo XX? Quando se pode recorrer ao Artigo XX do GATT 1994? Quais são as exceções específicas do Artigo XX? 3. Quais são os elementos constituintes do Artigo XX(b)? Os Membros possuem o direito de determinar o grau de proteção à saúde que eles consideram apropriado em uma dada situação, segundo o Artigo XX(b)? Quais é o padrão de prova aplicável aos Membros que invocam uma exceção específica do Artigo XX(b) para justificar uma medida que, não fosse por isso, seria incompatível com o GATT? 4. Quais são os elementos constituintes do Artigo XX(d)? 5. Quais são os elementos constituintes do Artigo XX(g)? O elemento “conservação de recursos naturais esgotáveis” no Artigo XX(g) inclui tanto espécies vivas como não-vivas? A medida deve ser “necessária” para a conservação de recursos naturais esgotáveis para se qualificar para a aplicação do Artigo XX(g)? Quais são os requisitos do caput do Artigo XX? 6. Quais são os requisitos do caput do Artigo XX? 7. Quais são as exceções de segurança? 8. Sob que condições é possível aos Membros da OMC derrogarem a obrigação de tratamento da nação mais favorecida para o propósito de criar uniões aduaneiras ou áreas de livre comércio com vistas a facilitar o comércio entre os territórios

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constituintes? Como são definidas as “uniões aduaneiras” e “áreas de livre comércio” no GATT 1994? 9. Sob que condições é possível para os Membros da OMC aplicarem restrições quantitativas de outro modo proibidas a fim de salvaguardar suas posições financeiras externas e balança de pagamentos?

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5. PAÍSES-MEMBROS EM DESENVOLVIMENTO NO GATT 1994 Após completar este Capítulo, o leitor será capaz de: • identificar as condições sob as quais as restrições à balança de pagamentos estão disponíveis aos Países-Membros em desenvolvimento; • explicar como Países-Membros em desenvolvimento podem promover o estabelecimento de uma determinadaindústria “nascente”; • enumerar as regras especiais e diferenciais contidas na Parte IV do GATT 1994 para o benefício de Países-Membros em desenvolvimento; • explicar o princípio da não-reciprocidade aplicável aos Países-Membros em desenvolvimento no curso de suas negociações comerciais com Países-Membros desenvolvidos; • identificar as condições sob as quais Países-Membros em desenvolvimento podem estabelecer “arranjos” comerciais. Os acordos da OMC, e o GATT 1994 em particular, conferem um certo grau de flexibilidade para Países-Membros em desenvolvimento no uso de instrumentos de política econômica e comercial que não estão disponíveis, ou disponíveis em termos menos favoráveis, a Países-Membros em desenvolvimento. O GATT 1994 visa essencialmente aumentar as oportunidades de comércio para Países-Membros em desenvolvimento de várias maneiras. O GATT 1994 permite aos Países-Membros em desenvolvimento tomarem medidas de balança de pagamentos, fornecerem assistência do governo para promover uma indústria nascente com vistas a aumentar o padrão de vida de seu povo, e protegerem a si mesmos da reciprocidade integral nas negociações comerciais entre Países-Membros desenvolvidos e em desenvolvimento. Este Capítulo está apenas preocupada com as medidas favoráveis aos Países-Membros em desenvolvimento no GATT 1994. O Módulo 3.1 e os módulos lidando com Acordos específicos fornecem uma visão abrangente de todos os tipos de benefícios conferidos a Países-Membros em desenvolvimento em vários acordos da OMC. O sistema da OMC divide seus Membros em quatro grupos: os Países-Membros desenvolvidos, os Países-Membros em desenvolvimento, os Países-Membros menos desenvolvidos e as economias em transição. Além disso, outro grupo de Membros foi reconhecido na Conferência Ministerial de Genebra, a saber, “certas economias pequenas” dentro do grupo geral de países em desenvolvimento.188 Os países “menos desenvolvidos” identificados pelo sistema das Nações Unidas também são tratados como tais sob o sistema da OMC. No entanto, não há critérios precisos para identificar os grupos restantes. Os “Países-Membros em desenvolvimento” são aqueles que se auto-elegem como tal. Países da Europa Central e Oriental e a ex-União Soviética, que estão atualmente liberalizando seus mercados, são tratados como economias em

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188 A Declaração Ministerial da Conferência de Genebra declara, entre outros, que “Nós continuamos profundamente preocupados com a marginalização dos países menos desenvolvidos e certas economias pequenas e reconhecemos a necessidade urgente de lidar com essa questão que tem sido combinada com problemas crônicos de dívida externa que muitos deles enfrentam”. Ver também Business Guide to the World Trading System, 2ª. ed., International Trade Centre / Commonwealth Secretariat, 1999, pp. 13-14.

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transição. Os Países-Membros restantes são considerados como Países-Membros desenvolvidos.189 5.1 Restrições de Balança de Pagamentos O Artigo XVIII do GATT 1994 é intitulado “Assistência do Governo para o Desenvolvimento Econômico”. Ele permite aos Países-Membros em desenvolvimento “tomarem medidas de proteção ou outras medidas que afetem as importações” a fim de implementarem seus programas e políticas de desenvolvimento econômico. O Capítulo B envolve restrições de balança de pagamentos, examinadas neste Capítulo. Os Capítulos A, C e D lidam com a exceção de indústria nascente, examinada no Capítulo seguinte. Capítulo B do Artigo XVIII do GATT 1994 – O Capítulo B do GATT 1994 dá aos Países-Membros em desenvolvimento o direito de impor restrições quantitativas sobre importações para controlar o nível geral de importações a fim de salvaguardar suas posições financeiras externas e de assegurar um nível adequado de reservas para a implementação de seus programas de desenvolvimento econômico. A exceção de balança de pagamentos também está disponível aos Países-Membros em desenvolvimento sob o Artigo XII do GATT 1994, mas sob termos menos favoráveis. O Capítulo B do Artigo XVIII refere-se à necessidade de “salvaguardar a posição financeira externa [do Membro] e assegurar um nível adequado de reservas para a implementação de seu programa de desenvolvimento econômico” e à necessidade de “restaurar o equilíbrio em uma base sólida e duradoura”.190 O Capítulo B do Artigo XVIII visa “assegurar um emprego econômico dos recursos produtivos”, enquanto o Artigo XII sobre a exceção de balança de pagamentos disponível aos Países-Membros desenvolvidos refere-se ao objetivo de “evitar o emprego não-econômico de recursos”. O Artigo XVIII:9 estabelece que restrições à importação não deverão exceder aquelas necessárias: (a) para se antecipar à ameaça de, ou parar, um sério declínio em suas reservas monetárias, ou (b) no caso de um [Membro] com reservas monetárias inadequadas, para atingir uma taxa razoável de aumento nas suas reservas. O Capítulo B do Artigo XVIII permite aos Países-Membros em desenvolvimento recorrerem a restrições de balança de pagamentos sob condições mais flexíveis do que aquelas previstas no Artigo XII, disponíveis a todos os Membros da OMC. O Capítulo B do Artigo XVIII não requer uma ameaça “iminente” e, melhor do que nível “muito baixo” de reservas, ela refere-se ao nível “inadequado” de reserva. O termo “adequado” é definido como o seguinte: “adequado para a implementação de seu programa de desenvolvimento econômico”. Finalmente, o Artigo XVIII:11 estabelece que os Membros 189 Ver Business Guide to the World Trading System, 2ª. ed., International Trade Centre / Commonwealth Secretariat, 1999, pp. 13-14.

74190 Artigo XVIII:9 do GATT 1994.

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deverão relaxar progressivamente quaisquer restrições aplicadas sob este capítulo [i.e., Artigo XVIII:B] assim que as condições melhorarem, mantendo-as somente na medida necessária sob os termos do parágrafo 9 desse Artigo [XVIII] e deverão eliminá-las quando as condições não mais justificarem sua manutenção. Entendimento sobre Disposições sobre Balança de Pagamentos – o Entendimento sobre Disposições sobre Balança de Pagamentos do GATT 1994 encoraja todos os Membros, incluindo os Países-Membros em desenvolvimento, a adotarem “medidas baseadas em preços” tais como sobretaxas de importação, exigências de depósito de importação, ou outras medidas comerciais equivalentes com um impacto no preço de bens importados, ao contrário das restrições quantitativas. Mais precisamente, o Entendimento convoca todos os Membros a “procurarem evitar a imposição de novas restrições quantitativas para propósitos de balança de pagamentos a menos que, devido a uma situação crítica de balança de pagamentos, medidas baseadas em preços não possam interromper uma deterioração aguda na posição de pagamentos externos”. O Entendimento também confirma o compromisso dos Membros em anunciar publicamente, o quanto antes, cronogramas para a remoção de medidas restritivas de importação tomadas para propósitos de balança de pagamentos. Consultas com o Comitê BDP – Segundo os Artigos XII e o Capítulo B do Artigo XVIII do GATT 1994, tanto Países-Membros desenvolvidos como em desenvolvimento que aplicam novas restrições ou intensificam os existentes estão obrigados a realizarem consultas com o Comitê sobre Restrições de Balança de Pagamentos (o “Comitê BDP”) imediatamente após realizarem a ação ou antes de fazê-la se uma consulta prévia é praticável.191 Um Membro que mantenha tais restrições deve realizar consultas anualmente192 ou bienalmente.193 Consultas podem também ser iniciadas por um Membro afetado adversamente pelas restrições mantidas por outro, se elas são aplicadas de maneira incompatível com as disposições relevantes sobre restrições de balança de pagamentos.194 India – Quantitative Restrictions – Em India – Quantitative Restrictions, a Índia mantinha restrições quantitativas à importação de produtos agrícolas, têxteis e industriais e invocava a justificativa de balança de pagamentos de acordo com o Capítulo B do Artigo XVIII do GATT 1994, e notificava essas restrições quantitativas ao Comitê BDP. Seguindo às consultas com o Comitê BDP, a Índia propôs eliminar suas restrições quantitativas em um período de sete anos. Alguns dos Membros do Comitê BDP, incluindo os Estados Unidos, eram da opinião de que as restrições de balança de pagamentos da Índia poderiam ser retiradas em um período mais curto do que aquele proposto pela Índia. Como resultado, o consenso sobre a proposta da Índia não pôde ser alcançado.195 Os Estados Unidos subseqüentemente questionaram as restrições quantitativas em um painel. 191 Artigos XII:4(a) e XVII:12(a) do GATT 1994. 192 Artigo XII:4(b) do GATT 1994. 193 Artigo XVIII:12(b) do GATT 1994. 194 Artigos XII:4(d) e XVIII:12(d) do GATT 1994.

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195 Ver Relatório do Órgão de Apelação, Índia – Restrições Quantitativas às Importações de Produtos Agrícolas, Têxteis e Industriais (“India – Quantitative Restrictions ”), WT/DS90/AB/R, adotado em 22 de setembro de 1999, par. 2.

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O Painel entendeu, entre outros, que a Índia não possuía reservas inadequadas e que não havia um sério declínio ou uma ameaça de um sério declínio nas reservas monetárias da Índia, nos termos dos Artigos XVIII:9(a) e XVIII:9(b) e, que portanto a Índia não poderia manter suas medidas de balança de pagamentos.196 O Painel conduziu a seguinte investigação sobre se a Índia possuía reservas monetárias inadequadas: “... Ao analisar a situação da Índia nos termos do Artigo XVIII:9(a), é importante ter em mente que a questão é se a Índia estava enfrentando ou era ameaçada por um sério declínio nas suas reservas monetárias. Se um declínio de um dado tamanho é sério ou não, isso deve estar relacionado com o estado inicial e a adequação das reservas. Um grande declínio não precisa necessariamente ser um declínio sério se as reservas são mais do que adequadas. Conseqüentemente, é apropriado considerar a adequação das reservas da Índia para os propósitos do Artigo XVIII:9(a), assim como os do Artigo XVIII:9(b). Em conexão com isso, lembramos que o FMI relatou que as reservas da Índia em 21 de novembro de 1997 eram de US$ 25.1 bilhões e que um nível adequado de reservas àquela data seria de US$ 16 bilhões. Enquanto o Reserve Bank da Índia não especificou um nível preciso do que constituiria adequação, ele concluiu apenas três meses antes, em agosto de 1997, que as reservas da Índia estavam ‘bem acima da regra-padrão de adequação de reserva’ e, embora o Reserve Bank não aceitasse a regra-padrão como a única medida de adequação, ele também entendeu que ‘por quaisquer critérios, o nível de reservas de troca estrangeira parece confortável’. Ele também declarou que ‘as reservas seriam adequadas para resistir tanto a choques cíclicos como não-antecipados’. Também consideramos os quatro métodos alternativos de avaliação da adequação de reservas citada pela Índia. Notamos que a Índia concorda que suas reservas de US$ 25.1 bilhões teriam sido adequadas sob duas das alternativas (a e b). Sob uma terceira alternativa (d), as reservas de US$ 25.1 bilhões estavam em um ponto mais alto de uma escala entre os níveis de reservas mínimos (US$ 16 bilhões) e desejáveis (US$ 28 bilhões). Sob o quarto método (c), as reservas de US$ 27 bilhões seriam consideradas adequadas. Enquanto ela possa seguir uma abordagem prudente ao sugerir o método (c), a Índia não explica porque ele deveria ser superior ao método do FMI ou às três outras alternativas indianas sob as quais as reservas poderiam ser consideradas adequadas. Ademais, as alternativas da Índia não parecem compatíveis com a abordagem do Reserve Bank da Índia citada acima. Tendo pesado as evidências à nossa frente, notamos que apenas um dos quatro métodos sugeridos pela Índia para medir a adequação de reservas sustenta um entendimento de que as reservas da índia são inadequadas, e mesmo sob aquele método, a questão é bem próxima (US$ 25.1 bilhões v. US$ 27 bilhões, ou menos do que uma diferença de 10 por cento). No todo, somos da opinião de que a qualidade e o peso das evidências são fortemente em favor da proposição de que as reservas da Índia não são inadequadas. Em particular, essa posição é apoiada pelo FMI, pelo Reserve Bank da Índia e por três dos quatro métodos sugeridos pela Índia. Conseqüentemente,

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196 Na apelação, o Órgão de Apelação concluiu que o Painel fez uma avaliação objetiva da questão, e manteve todos os entendimentos e interpretações legais do Painel. Ver Relatório do Órgão de Apelação, India – Quantitative Restrictions, par. 153.

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entendemos que as reservas da Índia não eram inadequadas em 18 de novembro de 1997.”197 5.2 Indústria Nascente As Seções A, C e D do Artigo XVIII, intitulados “Assistência do Governo ao Desenvolvimento Econômico”, constituem as chamadas seções de “indústria nascente”, e permitem, sob certas condições, que Países-Membros em desenvolvimento modifiquem ou retirem concessões tarifárias ou, tomem outras medidas incompatíveis com o GATT a fim de promover o estabelecimento de uma indústria em particular. Artigo XVIII:7 do GATT 1994 – Segundo o Artigo XVIII:7 do GATT 1994, Países-Membros em desenvolvimento podem renegociar (modificar ou retirar) concessões tarifárias do GATT 1994 a fim de promover o estabelecimento de uma indústria em particular. Exige-se que o País-Membro em desenvolvimento notifique os Membros de sua intenção de renegociar as concessões tarifárias e ele deve entrar em negociações com os Membros que possuem direitos iniciais de negociação, assim como aqueles com interesse substancial. Artigo XVIII:13 do GATT 1994 – sob o Artigo XVIII:13 do GATT, Países-Membros em desenvolvimento podem tomar medidas incompatíveis com o GATT a fim de promover o estabelecimento de uma indústria em particular. O Parágrafo 13 do Capítulo C estabelece: “Se um Membro vindo dentro do escopo do parágrafo 4(a) deste Artigo entende que a assistência governamental é exigida para promover o estabelecimento de uma indústria em particular, com vistas a aumentar o padrão geral de vida de seu povo, mas que nenhuma medida compatível com outras disposições deste Acordo é praticável para atingir aquele objetivo, ele pode ter recurso às disposições e procedimentos previstos neste Capítulo.” Em essência, as “disposições e procedimentos” deste capítulo requerem que o Membro em questão notifique os outros Membros das dificuldades especiais que ele encontra no estabelecimento de uma indústria em particular e indique as medidas afetando bens importados que ele propõe introduzir para aliviar tais dificuldades.198 Nos casos onde o produto não está sujeito à concessão tarifária, e se outros Membros não objetam ou exigem consultas, então o Membro em questão pode se desviar das disposições relevantes do GATT na medida necessária para aplicar a medida proposta.199 Se outros Membros pedirem consultas, o Membro em questão deve realizar consultas com eles “para fins da medida proposta, para as medidas alternativas que podem estar disponíveis sob este GATT, e para o possível efeito da medida proposta sobre os interesses comerciais e econômicos de outros [Membros].”200

197 Relatório do Painel, India - Quantitative restrictions, par. 5.73-5.76. O Painel também entendeu que a Índia não estava enfrentando um sério declínio, ou ameaça de sério declínio, das suas reservas. Ver Relatório do Painel, India – Quantitative restrictions, par. 5.77-5.180. 198 Artigo XVIII:14 do GATT 1994. 199 Artigo XVIII:15 do GATT 1994.

77200 Artigo XVIII:16, primeira sentença, do GATT 1994.

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Se, como resultado de tal consulta, os Membros concordam que não há medida compatível com outras disposições deste Acordo que seja praticável a fim de atingir o objetivo delineado no parágrafo 13 deste Artigo, e que coincida com a medida proposta, o Membro em questão pode ser liberado de suas obrigações sob as disposições relevantes do GATT 1994 na medida necessária para aplicar aquela medida.201 Nos casos onde a medida envolva o enfraquecimento de uma concessão tarifária, uma cooperação prévia do Conselho Geral é necessária, além de consultas prévias com Membros interessados. Em ambas as situações, a aderência aos limites estritos de tempo é exigida. Decisão de 1979 – A Decisão de 1979, intitulada “Ação de Salvaguarda para Propósitos de Desenvolvimento”, estabelece regras para casos urgentes e renuncia aos requisitos de consulta prévia com os Membros afetados, à cooperação prévia do Conselho Geral e à aderência a quaisquer limites de tempo, e permite aos Países-Membros em desenvolvimento tomarem medidas provisórias imediatamente após notificação.202 Na prática, como relatado no Índice Analítico do GATT, tais liberações foram concedidas sob o Capítulo C do Artigo XVIII a Cuba, ao Haiti, à Índia e ao Sri Lanka. A Grécia, a Indonésia e a Malásia também notificaram certos regulamentos de importação tomados para propósitos de desenvolvimento sob o Capítulo C do Artigo XVIII.203 5.3 “Comércio e Desenvolvimento” (Parte IV do GATT 1994) A Parte IV do GATT 1994, que foi adicionada ao GATT 1947 em 1965, é intitulada Comércio e Desenvolvimento, e estabelece regras especial e diferenciais para Países-Membros em desenvolvimento. Artigo XXXVI do GATT 1994 – O Artigo XXXVI prevê os princípios e objetivos do GATT 1994 na contribuição para o desenvolvimento de Países-Membros em desenvolvimento. Eles incluem o aumento dos padrões de vida e o desenvolvimento progressivo das economias de todos os Membros, e o Artigo XXXVI enfatiza que a consecução desses objetivos é particularmente urgente para os Países-Membros em desenvolvimento.204 Ele reconhece que a ação individual e conjunta é essencial para levar adiante o desenvolvimento das economias de Países-Membros em desenvolvimento e para realizar um rápido avanço nos padrões de vida desses países.205 Ele nota finalmente que os Membros podem autorizar Países-Membros em desenvolvimento a utilizarem medidas especiais para promover seu comércio e desenvolvimento.206 O Artigo XXXVI:4 reconhece a “dependência contínua”, por muitos Países-Membros em desenvolvimento, da exportação de uma variedade limitada de produtos primários, e enfatiza que há necessidade de estabelecer, na maior medida possível, condições mais 201 Artigo XVIII:16, segunda sentença, do GATT 1994. 202 Ver Índice Analítico do GATT, p. 509. 203 Ver Índice Analítico do GATT, pp. 508-509. 204 Artigo XXXVI(a) do GATT 1994. 205 Artigo XXXVI(d) do GATT 1994.

78206 Artigo XXXVI(e) do GATT 1994.

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favoráveis e aceitáveis de acesso a mercados mundiais para esses produtos. Com vistas a diversificar a produção de Países-Membros em desenvolvimento, o Artigo XXXVI:5 acentua a necessidade de um aumento no acesso, na maior medida possível, a mercados sob condições favoráveis para produtos processados e manufaturados atualmente ou potencialmente de particular interesse de exportação para Países-Membros em desenvolvimento. Mais importante, o Artigo XXXVI:8 da Parte IV do GATT 1994 incorpora no direito da OMC o princípio da não-reciprocidade nas negociações comerciais entre Países-Membros desenvolvidos e em desenvolvimento. Mais particularmente, isso significa que Países-Membros desenvolvidos não podem buscar, nem se exige que Países-Membros em desenvolvimento as façam, concessões que sejam incompatíveis com as necessidades desenvolvimentistas, financeiras e comerciais destes últimos. Esta disposição estabelece: “Os Países-Membros desenvolvidos não esperam reciprocidade para os compromissos feitos por eles em negociações comerciais, para reduzir ou remover tarifas e outras barreiras ao comércio de Países-Membros em desenvolvimento.” Nota Interpretativa ao Artigo XXXVI – a Nota Interpretativa ao Artigo XXXVI estabelece no parágrafo 8: “Está entendido que a frase ‘não esperam reciprocidade’ significa, de acordo com os objetivos apresentados neste Artigo, que não se espera que os [Países-Membros em desenvolvimento], no curso das negociações comerciais, façam contribuições que sejam incompatíveis com suas necessidades individuais desenvolvimentistas, financeiras e comerciais, levando-se em consideração desenvolvimentos comerciais no passado. ...” Esse princípio de não-reciprocidade aplica-se a negociações, assim como a renegociações de concessões tarifárias.207 Cláusula Habilitadora – A Decisão de Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, mais amplamente conhecida como a Cláusula Habilitadora, leva adiante o aprimoramento das disposições da Parte IV do GATT 1994.208 A Cláusula Habilitadora permite que Países-Membros desenvolvidos abandonem a obrigação de tratamento da nação mais favorecida nas suas relações comerciais com países em desenvolvimento e concedam a esses países um “tratamento diferenciado e mais favorável”. A Cláusula Habilitadora estabelece em parte relevante: “Não obstante as disposições do Artigo I do Acordo Geral, os Membros poderão conceder tratamento diferenciado e mais favorável aos países em desenvolvimento, sem conceder tal tratamento aos outros Membros.”

207 Para uma explicação mais detalhada do impacto do conceito de não-reciprocidade para Países-Membros em desenvolvimento, ver Anwarul Hoda, Tariff Negotiations and Renegotiations under the GATT and the WTO, Cambridge University Press, 2001, p. 9 e p. 56-65.

79208 BISD 26S/203.

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A liberação da obrigação de tratamento da nação mais favorecida, sob essas disposições, estende-se a todos os Países-Membros desenvolvidos para o propósito de permitir que eles apliquem tratamento tarifário preferencial apenas aos Países-Membros em desenvolvimento.209 Como explicado no Módulo 3.1, a maioria dos Países-Membros desenvolvidos o fez sob o Sistema Geral de Preferências (o “SGP”), primeiramente adotado como uma política pela UNCTAD em 1968. O Parágrafo 6 da Cláusula Habilitadora também prevê disposições especiais para os países menos desenvolvidos: “Considerando as dificuldades econômicas especiais e as necessidades desenvolvimentistas, financeiras e comerciais particulares dos países menos desenvolvidos, os países desenvolvidos deverão exercer a máxima moderação ao procurar quaisquer concessões ou contribuições para compromissos feitos por eles para reduzir ou remover tarifas e outras barreiras ao comércio de tais países, e não se deverá esperar que os países menos desenvolvidos façam concessões ou contribuições que sejam incompatíveis com o reconhecimento de sua situação e problemas particulares.” Artigo XXXVII do GATT 1994 – o Artigo XXXVII é intitulado “Compromissos” e sugere medidas que Países-Membros desenvolvidos podem tomar a fim de promover o desenvolvimento. Segundo o Artigo XXXVII:1, os Membros da OMC devem “na maior medida possível” dar alta prioridade à redução e eliminação de barreiras ao comércio de produtos atualmente ou potencialmente de particular interesse de exportação para Países-Membros em desenvolvimento, e abster-se de impor barreiras tarifárias ou não-tarifárias mais elevadas ao comércio com Países-Membros em desenvolvimento.210 Segundo o Artigo XXXVII:3, exige-se que os Países-Membros desenvolvidos envidem “todos os esforços” para manter as margens de comércio em níveis justos quando um governo determina o preço de revenda de produtos totalmente ou principalmente produzidos em Países-Membros em desenvolvimento. Os Países-Membros desenvolvidos são convocados a dar “ativa consideração” à adoção de outras medidas favoráveis ao desenvolvimento de importações vindas de Países-Membros em desenvolvimento. Ao aplicar outras medidas permitidas sob o GATT 1994, os Países-Membros desenvolvidos devem ter “consideração especial” aos interesses comerciais de Países-Membros em desenvolvimento. Países-Membros desenvolvidos devem também explorar todas as possibilidades de remédios construtivos antes de aplicarem medidas que afetariam interesses essenciais de Países-Membros em desenvolvimento. Segundo o Artigo XXXVII:4, os Países-Membros em desenvolvimento estão obrigados a realizar ações para o benefício do comércio de outros Países-Membros em desenvolvimento “na medida em que tal ação seja compatível com suas necessidades desenvolvimentistas, financeiras e comerciais individuais, presentes e futuras, levando em conta os desenvolvimentos comerciais no passado, assim como os interesses comerciais dos [Países-Membros em desenvolvimento] como um todo”. Portanto, o Artigo XXXVII articula responsabilidades tanto de Países-Membros desenvolvidos como em desenvolvimento em direção a outros Países-Membros em

209 Ver John H. Jackson, The Jurisprudence of GATT and the WTO, Cambridge University Press, 2000, pp. 65-66 in Chapter 5: “Equality and discrimination in international economic law: the General Agreement on Tariffs and Trade”, pp. 57-68.

80210 Ver Módulo 3.1, Seções 3 e 5.

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desenvolvimento, e fornece argumentos adicionais para Países-Membros em desenvolvimento ao negociarem com Países-Membros desenvolvidos. Artigo XXXVIII do GATT 1994 – O Artigo XXXVIII do GATT 1994 impõe obrigações positivas a todos os Membros de cooperarem com vistas a levar adiante os objetivos previstos no Artigo XXXVI. Em particular, exige-se que os Membros realizem ações para fornecer condições melhoradas e aceitáveis de acesso a mercados mundiais de produtos primários de particular interesse dos Países-Membros em desenvolvimento, ao designar medidas, por exemplo, de alcançar preços estáveis, justos e remunerativos para a exportação de tais produtos. Os Membros são encorajados a colaborar na análise de planos e políticas de desenvolvimento de Países-Membros em desenvolvimento individuais e no exame do comércio e das relações de ajuda, com vistas a idealizar medidas para promover as exportações de Países-Membros em desenvolvimento. Exige-se também que os Membros mantenham sob contínua revisão o desenvolvimento do comércio mundial, com referência especial à taxa de crescimento do comércio de Países-Membros em desenvolvimento, e façam recomendações onde for apropriado. Além disso, os Membros são chamados a colaborar na busca de métodos viáveis para expandir o comércio para o propósito de desenvolvimento econômico, através da harmonização internacional e do ajuste das políticas e regulamentos nacionais, através de padrões técnicos e comerciais que afetam a produção, o transporte e a comercialização, e através da promoção das exportações por meio do estabelecimento de instalações para o aumento do fluxo de informação comercial e para o desenvolvimento de pesquisas de mercado. Finalmente, exige-se que os Membros busquem a colaboração em questões de política comercial e de desenvolvimento com as Nações Unidas e sua agência especializada, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. O Acordo da OMC prevê explicitamente um Comitê sobre Comércio e Desenvolvimento. Esse Comitê já foi estabelecido antes da conclusão do acordo da OMC conforme o Artigo XXXVIII:2(f) do GATT 1994, mas sua área de competência ampliou-se com a conclusão do Acordo da OMC, que inclui mais disposições relativas ao tratamento especial e diferencial de Países-Membros em desenvolvimento. Embora o Artigo XXXVIII preveja “linhas gerais” de ação, estas linhas são fontes de obrigações e, como tais, elas foram examinadas por um Painel do GATT, que determinou que houve uma violação deste Artigo. Em European Communities – Refunds on Exports of Sugar – Complaint by Brazil,211 o Brasil argüiu que ao manter seu sistema de subsídio ao açúcar, que resultava em maiores exportações e importações reduzidas, e ao recusar-se a participar do Acordo Internacional do Açúcar (o “AIA”), a Comunidade Européia agiu de forma incompatível com o Artigo XXXVIII:1, 2, 2(a) e 2(e).212 O Painel considerou que o Artigo XXXVIII fornece “linhas gerais” para uma ação conjunta para levar adiante os objetivos previstos no Artigo XXXVI e que o Brasil, sendo um país em desenvolvimento, poderia esperar usufruir os benefícios de acordo com essas disposições. O Painel concluiu declarando que:

211 Relatório do Painel, Comunidades Européias – Reembolsos sobre Exportações de Açúcar – Reclamação do Brasil (“EC – Sugar Exports (Brazil)”), adotado em 10 de novembro de 1980, BISD 27S/69.

81212 Relatório do Painel, EC – Sugar Exports (Brazil), par. 4.30.

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“O aumento das exportações de açúcar através do uso de subsídios na situação particular do mercado de 1978 e 1979, e onde Países-Membros em desenvolvimento realizaram passos dentro da estrutura do AIA para melhorar as condições no mercado mundial de açúcar, inevitavelmente reduziu os efeitos dos esforços feitos por esses países. Para este período de tempo e para este campo particular, a Comunidade Européia não colaborou, portanto, com os outros [Membros] para levar adiante os princípios e objetivos previstos no Artigo XXXVI, em conformidade com as linhas gerais no Artigo XXXVIII.”213 5.4 Integração Regional A Cláusula Habilitadora também possibilita o tratamento diferenciado e mais favorável com respeito às medidas não-tarifárias e permite aos Países-Membros em desenvolvimento entrarem em “arranjos” regionais ou globais entre si para a redução ou eliminação mútua de tarifas e, sob certas condições, de barreiras não-tarifárias ao comércio.214 O princípio básico é previsto no parágrafo 3 da Cláusula Habilitadora: os “arranjos” abrangidos por esta cláusula “deverão ser desenhados para facilitar e promover o comércio de países em desenvolvimento e não para levantar barreiras ou criar dificuldades indevidas” para o comércio de qualquer outro Membro. Ademais, tais arranjos “não deverão constituir um impedimento para a redução ou eliminação de tarifas e outras restrições ao comércio com base na nação mais favorecida”. Esses requisitos permitem a troca de preferências sobre um sub-sistema de produtos e a redução parcial, antes do que a eliminação, de barreiras ao comércio. Eles não exigem que os “arranjos” lidem com “substancialmente todo o comércio” para justificar uma derrogação do princípio de tratamento da nação mais favorecida, diferentemente das uniões aduaneiras e áreas de livre comércio no Artigo XXIV do GATT 1994. Portanto, as disposições aplicáveis aos “arranjos” na Cláusula Habilitadora são mais flexíveis do que aquelas aplicáveis aos “acordos regionais de comércio” no Artigo XXIV do GATT 1994 e seu Entendimento, como discutido no Capítulo 4.4 acima. 5.5 Teste sua Compreensão 1. Sob que condições as restrições de balança de pagamentos estão disponíveis aos Países-Membros em desenvolvimento, em comparação com outros Membros da OMC? 2. Como Países-Membros em desenvolvimento podem promover o estabelecimento de uma indústria “nascente”? 3. Quais são os objetivos da Parte IV do GATT 1994? O princípio da não-reciprocidade é aplicável aos Países-Membros desenvolvidos em suas negociações tarifárias com outros Países-Membros desenvolvidos? 4. Quais são os “compromissos” com respeito a comércio e desenvolvimento? 5. Que formas de cooperação o GATT 1994 contempla para levar adiante o desenvolvimento? 213 Relatório do Painel, EC – Sugar Exports (Brazil), par. (h).

82214 Claúsula de Habilitação, parágrafo 2(c).

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6. Sob que condições podem os Países-Membros em desenvolvimento estabelecer “arranjos” comerciais?

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6. ESTUDO DE CASO Phobia e a Importação de Vinho Phobia é um País-Membro em Desenvolvimento na OMC, com uma grande mas ineficiente indústria vinicultora. Phobia impõe as seguintes taxas aduaneiras ad valorem sobre vinho e cerveja: • vinho tinto: 50 por cento • vinho branco: 30 por cento • cerveja: 20 por cento Phobia nunca realizou uma concessão tarifária sobre vinho mas, durante a Rodada Uruguai, ele vinculou suas taxas aduaneiras sobre cerveja a 25 por cento ad valorem. Além disso, Phobia limita sua importação de vinho a 50.000 hectolitros e a importação de cerveja a 100.000 hectolitros por ano. Phobia alega que essas restrições quantitativas sobre a importação de vinho e cerveja são necessárias para salvaguardar sua balança de pagamentos e para promover o desenvolvimento de sua indústria vinicultora. Vinho e cerveja de Nearland, um país vizinho em desenvolvimento com quem Phobia forma uma união aduaneira, estão isentos de todas as taxas aduaneiras e restrições quantitativas. Vinho e cerveja de Farland, um país desenvolvido com quem Phobia possui fortes ligações econômicas e políticas, também está livre de taxas e quotas de importação em Phobia. Phobia impõe uma taxa de vendas sobre vinho tinto de 30 por cento, sobre vinho branco de 20 por cento e sobre cerveja de 10 por cento. Essas taxas de vendas aplicam-se tanto a produtos importados como domésticos. No entanto, vinho produzido por micro-vinícolas está isento de taxas de venda. Phobia impõe uma taxa de reciclagem de um por cento sobre vinho e cerveja importada. Ele não impõe esta taxa sobre vinho e cerveja domésticos porque os produtores de vinho e cerveja domésticos participam de um esquema nacional de reciclagem de “latas e garrafas”. Finalmente, Phobia proíbe a venda de vinho em supermercados. Como parte de sua luta contra o alcoolismo, especialmente entre jovens, ele exige que vinho seja vendido apenas em lojas de vinho especializadas. Cerveja e outras bebidas alcoólicas, porém, podem ser vendidas em supermercados. Utopia, um País-Membro desenvolvido da OMC, é o maior produtor e exportador mundial de vinho tinto. Você trabalha como consultor legal na Missão Permanente de Utopia na OMC e foi solicitado a preparar um relatório resumido sobre a compatibilidade com o GATT das regras de Phobia sobre a importação, taxação e comercialização de vinho.

847. LEITURA ADICIONAL

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7.1 Livros e Artigos • International Trade Centre UNCTAD/WTO (ITC) and Commonwealth Secretariat, Business Guide to the World Trading System, 2ª. ed., 1999. • Hoda, Anwarul, Tariff Negotiations and Renegotiations under the GATT and the WTO (Cambridge University Press, 2001) 9, 11-18, 25-78, 83-110. • Howse, Robert and Regan, Donald, “The Product/Process Distinction – An Illusory Basis for Disciplining ‘Unilateralism’ in Trade Policy”, European Journal of International Law, 2000, 249-289. • Hudec, Robert E., “Chapter 12: The Product-Process Doctrine in the GATT/WTO Jurisprudence” in Bronckers, Marco and Quick, Reinhard (Eds.), New Directions in International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson (Kluwer Law International, 2000) 187-218. • Jackson, John H., The Jurisprudence of GATT and the WTO (Cambridge University Press, 2000), 57-68. • Jackson, John H., The World Trading System: Law and Policy of International Economic Relations, 2ª. ed., The MIT Press, 1997. • Josling, T. E. “Developing Countries and the World Trade Organization. An Opportunity for Concerted Action”, Stanford Journal of International Relations, 2001, 13. • McRae, Donald M., “GATT Article XX and the WTO Órgão de Apelação” in Bronckers, Marco and Quick, Reinhard (Eds.), New Directions in International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson (Kluwer Law International, 2000) 249-289. • Olivares, Gustavo, “The Case for Giving Effectiveness to GATT/WTO Rules on Developing Countries and LDCs”, Journal of World Trade, 2001, 545-551. • Van den Bossche, Peter, The Law and Policy of the World Trade Organization: Text, Cases and Materials (Cambridge University Press, a ser lançado). • WTO Secretariat, Analytical Index: Guide to GATT Law and Practice, 6ª. Edição (1995), Volumes 1 e 2. 7.2 DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES Para informações sobre as atividades da OMC, ver www.wto.org. Documentos oficiais da OMC podem ser obtidos ao procurar nos documentos on-line da OMC