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nota de abertura

Gazeta de Fsica Vol. 23 (2000) Fasc. 2 Director Carlos Fiolhais Editor Carlos Pessoa Correspondentes Paulo Crawford (Lisboa), Rui Ferreira Marques (Coimbra) e Ftima Pinheiro (Porto). Colaboraram ainda neste nmero Antnio Brotas, Antnio Fonseca, Augusto Barroso, Fernando Nogueira, Hugo Natal, Joo Fernandes, Jos Antnio Paixo, M. A. R. Talaia, Manuel Fiolhais, Paulo Renato Trinco, Pedro Alberto, Rui Ferreira Marques Secretariado Maria Jos Couceiro (Lisboa) e Carolina Borges Simes (Coimbra). Design Lupa, R. da Graa, 140- 2 1170-171 Lisboa E-mail [email protected] Pr-impresso e Impresso Textype Artes Grficas Lda. Tiragem 1500 exemplares Preos Nmero avulso 750$00 (inclui IVA), ou 3,74 . Assinatura anual: 2.700$00 (inclui IVA), ou 13,47 . A assinatura grtis para os scios da SPF. Propriedade da Sociedade Portuguesa de Fsica Administrao e Redaco Avenida da Repblica, 37-4 1050-187 Lisboa Tel. 21 799 36 65; Fax 21 795 23 49 ISSN 0367-3561 Registo DGCS n 107280 de 13/5/80 Depsito Legal n 51419/91 Publicao Trimestral Publicao subsidiada pela Fundao para a Cincia e Tecnologia do Ministrio da Cincia e Tecnologia.

A Fsica dentro e foraO prmio mais desejado por um fsico decerto o Nobel. O primeiro dos nossos artigos deste nmero explica as razes que levaram a Real Academia Sueca a atribuir o Prmio Nobel da Fsica de 1999 aos holandeses Martinus Veltman e Gerardus 't Hooft. O segundo descreve uma investigao experimental acerca da influncia (nenhuma!) do comprimento de uma bolha na sua velocidade de ascenso no seio de um lquido num tubo. Os dois artigos mostram, a nveis diferentes, como a Fsica por dentro... Mas mal ficaria se uma revista de Fsica no falasse dos contributos que os fsicos do ao mundo mesmo fora da Fsica. Por isso, os leitores aceitaro que nos ocupemos nesta edio a evocar algumas das pessoas com formao acadmica em Fsica que fizeram carreira, ganharam nome ou ascenderam ao estrelato por razes que nada tm a ver, primeira vista, com essa formao. , para todos os efeitos, uma descoberta que contraria a ideia de muitos, para quem os fsicos s sabem fazer Fsica. Um exemplo de incurso de um fsico fora da Fsica no caso na fico cientfica tambm o conto de Antnio Brotas O Molusco de Einstein. ndice O enredo? A espcie humana foi extinta e os micrbios artigos estudam a valiosssimo esplio O Prmio Nobel da Fsica de 1999 cientfico que encontram. Jorge C. Romo O nosso entrevistado deste nmero o fsico (claro!...) Uma anlise dimensional ascenso de Henrique Machado Jorge, de uma bolha no interior de um liquido M. A. R. Talaia momento afectado a funes que pouco parecem ter a ver Fsicos fora da Fsica com aquela formao. Carlos Pessoa H mais motivos de interesse nesta edio. As restantes e O Molusco de Einstein Antnio Brotas habituais seces tm encontro marcado com os entrevista leitores. Estes encontraro Iniciativas para produzir nelas a informao que tecnologia tm apoio recolhemos e tratmos para Entrevista com Henrique Machado Jorge dar a conhecer um pouco do Carlos Pessoa muito que se faz em Fsica notcias em Portugal e por esse Fsica em Portugal mundo fora. Fsica no Mundo Terminamos com a opinio Sociedade Portuguesa de Fsica do gelogo Paulo Trinco, Olimpadas de Fsica director do Museu Nacional livros e multimdia da Cincia e da Tcnica, sobre os fsicos. Uma viso opinio de fora, portanto. Boa leitura, boas frias cartas dos leitores e at Setembro.

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A Gazeta de Fsica publica artigos, com ndole de divulgao, considerados de interesse para estudantes, professores e investigadores em Fsica. Dever constituir tambm um espao de informao para a actividades da SPF, nomeadamente as suas Delegaes Regionais e Divises Tcnicas. Os artigos podem ter ndole terica, experimental ou aplicada, visando promover o interesse dos jovens pelo estudo da Fsica, o intercmbio de ideias e experincias profissionais entre os que ensinam, investigam ou aplicam a Fsica. As opinies expressas pelos autores no representam necessariamente posies da SPF. Os manuscritos devem ser submetidos em duplicado, dactilografados em folhas A4 a dois espaos (mximo equivalente a 3500 palavras ou 17500 caracteres, incluindo figuras, sendo que uma figura corresponde em mdia a 140 palavras). Devero ter sempre um curto resumo, no excedendo 130 palavras. Deve(m) ser indicado(s) o(s) endereo(s) completo(s) das instituies dos autores, assim como o endereo electrnico para eventual contacto. Agradece-se o envio dos textos em disquete, de preferncia Word para Macintosh ou PC. Os originais de figuras devem ser apresentados em folhas separadas, prontos para reproduo, e nos formatos electrnicos jpg, gif ou eps.

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artigos

o Prmio Nobel da Fsica de 1999

O Prmio Nobel

da

Fsica de 1999

Jorge C. Romo*Martinus Veltman CERN Gerardus 't Hooft

A Fsica de Partculas moderna

O caminho da unificaoDesde Isaac Newton que o caminho para a compreenso da Natureza tem sido o de relacionar fenmenos aparentemente distintos numa mesma teoria. Em linguagem moderna pode dizer-se que a descoberta de Newton sobre a causa comum da queda dos corpos e do movimento dos planetas a primeira unificao: as massas inercial e gravtica so iguais. Em 1860 deu-se um outro passo importante nesse sentido. O fsico escocs James Clark Maxwell mostrou que a electricidade e o magnetismo eram dois aspectos diferentes duma mesma realidade descrita pela teoria hoje designada por electromagnetismo e que previu, entre outras coisas, a existncia de ondas de rdio. Os avanos deste sculo no sentido da unificao tm a ver com a descoberta duma simetria de que o prprio electromagnetismo de Maxwell o paradigma. Essa simetria ou invarincia designa-se por simetria de padro (em ingls gauge symmetry). Ao nvel clssico esta invarincia explica-se de modo simples. Os campos elctrico e magntico podem ser calculados usando os chamados potenciais. Estes podem ser transformados de acordo com uma certa regra sem alterar o valor dos campos. Tal transformao designa-se por transformao de padro, dizendo-se que a teoria tem uma simetria de padro (gauge). O exemplo mais simples consiste em adicionar uma constante ao potencial elctrico. Fisicamente esta invarincia est relacionada com o facto

O Prmio Nobel da Fsica de 1999 foi atribudo conjuntamente aos professores Martinus Veltman e Gerardus 't Hooft, respectivamente da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e da Universidade de Utrecht, na Holanda. A citao da Academia Sueca no anncio do prmio diz que receberam o prmio por terem elucidado a estrutura quntica da teoria das interaces electrofracas. Algum mais dentro do assunto poderia dizer que eles colocaram a teoria da fsica das partculas elementares numa base matemtica slida. Em particular, eles mostraram como se pode usar a teoria para calcular com grande preciso certas grandezas fsicas. Experincias nos grandes aceleradores de partculas europeus e norte-americanos confirmaram nas ltimas duas dcadas muitos desses clculos, colocando a teoria das interaces electrofracas ao mesmo nvel de preciso que a electrodinmica quntica tinha adquirido nos anos 50. Neste artigo procurarei clarificar para o no-especialista algumas das afirmaes anteriores.4

A matria nossa volta constituda por tomos que, por sua vez, so feitos de electres e ncleos atmicos. Nos ncleos existem protes e neutres que, por sua vez, so feitos de quarks [1]. Para estudar a matria a este nvel elementar so necessrios grandes aceleradores. Estas mquinas apareceram na dcada a seguir Segunda Guerra Mundial tanto nos Estados Unidos como na Europa (com a criao do CERN, Laboratrio Europeu de Fsica de Partculas). Foi ento possvel estudar aquelas partculas elementares, criar outras que no existem na matria normal e estudar as foras ou interaces que existem entre elas. Ficou ento claro que existem entre as partculas elementares os quatro tipos de interaces fundamentais indicados na Tabela 1. Durante os ltimos 50 anos grandes progressos foram feitos na compreenso destas interaces fundamentais da Natureza. Nas seces seguintes daremos uma ideia do modo como se conseguiu essa compreenso e como os trabalhos de Veltman e 't Hooft a se inserem. Fora Gravitacional Electromagntica Fraca Forte Descoberta Sc. XVII Sc. XIX Sc. XX Sc. XX Relevncia Corpos Macroscpicos Estrutura Atmica Desintegrao Radioactiva Coeso dos Ncleos

Tabela 1. As interaces fundamentais

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de s serem relevantes diferenas de potencial: o zero do potencial arbitrrio [a]. No electromagnetismo a ordem com que se processam as transformaes de padro irrelevante. Se designarmos por elctrico e fizermos duas transformaes sucessivas

ento devemos ter 12 = 21. Matematicamente dizemos que o electromagnetismo uma teoria abeliana. Este nome vem do matemtico noruegus Niels Henrik Abel (1802-1829). O exemplo mais simples de uma transformao abeliana uma srie de rotaes em torno de um eixo. Se rodar um objecto em torno de um eixo primeiro de 45 e depois de 30 obtenho o mesmo resultado que se rodar primeiro 30 e depois 45 .

dizer que, se olharmos para o electro distncia, a nuvem de pares electro-positro modifica (renormaliza) a carga e a massa do electro. O efeito destes pares pode ser visto como se o vcuo fosse um meio dielctrico modificando as propriedades do electro. A electrodinmica quntica foi testada nas dcadas seguintes tendo-se obtido um acordo extraordinrio entre a experincia e a teoria. S para dar um exemplo, o momento magntico do electro medido com uma preciso de 12 dgitos e os primeiros 10 esto em acordo com os clculos de QED [c]. Saliente-se que, para se obter esta preciso, necessrio calcular at quarta ordem da srie perturbativa fazendo uso intensivo dos mtodos da renormalizao.

A unificao do electromagnetismo e da interaco fracaA descoberta da radioactividade e o desenvolvimento da fsica atmica nas primeiras dcadas do sculo XX levaram identificao das interaces fortes e fracas. As interaces fortes so responsveis pela estabilidade do ncleo atmico, vencendo a repulso da fora de Coulomb existente entre os protes por serem partculas com a mesma carga elctrica. Por outro lado, as interaces fracas so responsveis por certas formas de radioactividade, permitindo que alguns ncleos decaiam atravs da transformao de neutres em protes com emisso de electres e neutrinos, processo designado por decaimento beta, ou pelo processo inverso. As designaes forte e fraca tm a ver com a intensidade relativa destas interaces, conforme indicado na Tabela 2, em unidades arbitrrias e tomando como referncia a fora forte. Apesar da sua fraca intensidade, as interaces fracas desempenham um papel crucial na evoluo do Universo e na criao de condies para o desenvolvimento da vida por serem responsveis pelas reaces que alimentam as estrelas, como o caso do Sol. Fora Forte Electromagntica Fraca Gravitacional Intensidade 1 10 10 10-2 -5 -40

Problemas com a mecnica qunticaO electromagnetismo passou sem problemas pela revoluo da teoria da relatividade. De facto, o electromagnetismo uma teoria relativista partida [b] e foi ele que forou o aparecimento da teoria da relatividade de Albert Einstein em 1905. Depois da descoberta da mecnica quntica, cerca de 1925, por Erwin Schroedinger, Werner Heisenberg, Max Born e outros, vrias tentativas foram feitas para unificar o electromagnetismo com a mecnica quntica naquilo que viria a ser conhecido por electrodinmica quntica (QED, da designao em ingls Quantum ElectroDynamics). Como se sabe da mecnica quntica, muito poucos problemas podem ser resolvidos exactamente. Normalmente temos que recorrer a mtodos aproximados, nomeadamente a mtodos perturbativos. Ora, quando se calculava em QED para alm da ordem mais baixa, obtinham-se frequentemente resultados sem sentido, muitas vezes um valor infinito em vez de uma pequena correco ordem anterior, como seria de esperar do mtodo perturbativo. Parte da razo reside no facto de que a teoria prev que os campos electromagnticos a muita curta distncia de um electro possam gerar grandes quantidades de pares electro-positro (o positro a anti-partcula do electro) que existem durante um intervalo de tempo muito curto. Assim, no mais possvel descrever o sistema com base numa funo de onda de um s electro. O problema passou a incluir um nmero varivel de partculas, o objecto de estudo daquilo que se veio a designar por teoria quntica dos campos. O problema da QED foi resolvido nos anos 40 por Sin-Itiro Tomonaga, Julian Schwinger e Richard P. Feynman, que partilharam o Prmio Nobel da Fsica em 1965 pelas suas contribuies. O mtodo desenvolvido pelos trs chamado renormalizao. De modo simplificado, podemos

Alcance < 10 -15 m Infinito < 10 -18 m Infinito

Tabela 2. Intensidade e alcance das interaces fundamentais.

Nos anos 1930-40 foi formulada a primeira teoria para o decaimento beta pelo fsico italiano Enrico Fermi. Esta teoria foi construda um pouco semelhana de QED mas, quando se calculava com ela, os problemas eram muito piores que os encontrados em QED e mesmo os mtodos de Tomonaga, Schwinger e Feynman no conseguiam resolver esses problemas. A diferena fundamental entre QED e as interaces fracas tem origem na diferena de

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alcance entre estas duas foras. Enquanto o electromagnetismo tem alcance infinito, a fora fraca tem um alcance muito curto, muito inferior dimenso do ncleo que da ordem de 1 fermi = 10-15 m, isto cem mil vezes menor que a dimenso caracterstica dos tomos, que 1 =10-10 m (ver Tabela 2). Nos anos 30 o fsico japons Yukawa props que a energia potencial correspondente a uma dada interaco devia depender da distncia r ao centro de foras de acordo com

de simetria permanece uma simetria abeliana a que corresponde o foto da interaco electromagntica. A descoberta em 1983, no CERN, dessas partculas veio confirmar estas ideias (o Prmio Nobel da Fsica em 1984 foi dado a Carlo Rubbia e a Simon van der Meer).

A contribuio de Veltman e 't HooftA teoria electrofraca foi um passo importante na compreenso da estrutura das interaces fracas e electromagnticas, mas no resolveu todos os problemas. De facto, quando se usava a teoria para clculos alm da primeira aproximao apareciam problemas semelhantes aos de QED antes dos trabalhos de Tomonaga, Schwinger e Feynman. A aplicao do mtodo da renormalizao de QED na teoria electrofraca no resolvia o problema e muitos investigadores tinham a opinio que no seria possvel efectuar clculos precisos com a teoria electrofraca. Assim, o modelo de Weinberg, Salam e Glashow para as interaces electrofracas no seria mais do que um modelo fenomenolgico sem o estatuto de teoria consistente que a QED tinha adquirido para as interaces electromagnticas. Entre aqueles que sempre acreditaram ser possvel renormalizar as teorias no abelianas estava Martinus Veltman, ento professor na Universidade de Utrecht, na Holanda. Durante anos Veltman trabalhou neste problema quase sozinho. O trabalho computacional em teoria quntica dos campos bastante complexo mas tinha sido simplificado por Feynman com a introduo dos seus famosos diagramas de Feynman. Estes diagramas continham ao mesmo tempo uma representao pictrica do processo em estudo e uma forma, atravs das chamadas regras de Feynman, de lhe fazer corresponder uma expresso matemtica. O mtodo tinha funcionado maravilhosamente em QED, mas nas teorias no abelianas o nmero de diagramas muito maior, o que torna o clculo muito mais complicado. Para automatizar estes clculos Veltman desenvolveu um programa de computador, designado por Schoonschip, que permitia fazer clculos algbricos usando smbolos, um percursor de programas actuais como, por exemplo, o Maple ou o Mathematica. Este programa desempenhou um papel muito importante na verificao dos clculos. Em 1969 Gerardus 't Hooft iniciou os seus estudos de doutoramento sob a superviso de Veltman na Universidade de Utrecht. O seu programa de doutoramento era precisamente a renormalizao das teorias no abelianas com invarincia de padro. A genialidade de 't Hooft e todo o trabalho anterior de Veltman permitiram que o problema estivesse resolvido em 1971. Primeiro mostraram que era possvel renormalizar uma teoria no abeliana sem quebra de simetria, isto , uma teoria de Yang-Mills. Como vimos, este caso corresponde situao em que as partculas

onde g uma constante que tem a ver com a intensidade da fora (ver Tabela 2), c e h so, respectivamente, a velocidade da luz no vcuo e a constante de Planck e M a massa da partcula responsvel pela interaco. Seguindo estas ideias dizemos que o electromagnetismo tem alcance infinito (V ~ 1/r) porque o foto responsvel pela interaco electromagntica tem massa nula, enquanto o curto alcance das interaces fracas deve ser explicado pelo facto de as partculas responsveis por essa interaco terem uma massa muito grande. Como muitas vezes acontece em Fsica, a soluo do problema da teoria das interaces fracas veio por uma via que, primeira vista, no tinha nada a ver com o problema. Nos anos 1950-60 os fsicos norte-americanos Charles Young e Robert Mills formularam uma teoria quntica de campo com invarincia de padro para um grupo no abeliano. Num grupo no abeliano importante a ordem pela qual as transformaes so efectuadas [d]. A relevncia destas teorias no abelianas para a interaco fraca s foi compreendida no comeo da dcada de 60, depois dos trabalhos do fsico escocs Peter Higgs sobre a quebra espontnea de simetria nestas teorias no abelianas. A ideia que a Natureza pode escolher um estado fundamental (o vcuo, como se designa em teoria quntica dos campos) com simetria menor que a teoria inicial [e]. Neste processo algumas partculas sem massa associadas teoria no abeliana adquirem massa, enquanto outras que correspondem s simetrias no quebradas permanecem sem massa. O processo, designado por mecanismo de Higgs, permitiu o desenvolvimento de uma teoria no abeliana que unifica a interaco electromagntica com a interaco fraca, naquilo que hoje se designa por interaco electrofraca. Os fsicos norte-americanos Sheldom Glashow e Steven Weinberg, conjuntamente com o fsico paquistans Abdus Salam, receberam o Prmio Nobel da Fsica de 1979 pelas suas contribuies para esta teoria. Ela previa a existncia de novas partculas, o W e o Z , que eram os responsveis pela fora fraca, e que deveriam ter massa elevada (da ordem de 80 a 90 vezes a massa do proto), o que explica o curto alcance dessas interaces. Depois da quebra

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associadas a essa interaco (os anlogos do foto) no tm massa. Depois mostraram que, no caso de teorias no abelianas em que as partculas associadas a essa interaco adquirem massa depois da quebra espontnea de simetria (mecanismo de Higgs), como acontece nas interaces electrofracas, a demonstrao continuava vlida. Com a ajuda do programa Schoonschip, os resultados de 't Hooft foram verificados e a teoria no abeliana das interaces electrofracas adquiriu a possibilidade de efectuar clculos precisos tal como tinha acontecido com a QED 20 anos antes. Veltman e 't Hooft introduziram tambm uma nova tcnica para tratar as divergncias que aparecem nos clculos intermdios. Esta tcnica, designada por regularizao dimensional e que consiste em modificar temporariamente o nmero de dimenses do espao quando se efectuam os clculos, tornou-se um instrumento essencial no programa da renormalizao permitindo mesmo simplificar a demonstrao para o caso de QED. O artigo em que este mtodo introduzido justamente um dos quatro citados pela Academia Sueca no anncio do prmio [2]. Estes mtodos permitiram calcular as massas do W e o Z com grande preciso, o que veio a ser confirmado em 1983 com a sua descoberta no CERN. Posteriormente, o acelerador LEP (Large Electron-Positron) no CERN permitiu produzir grandes quantidades de partculas Z e W e verificar as previses da teoria electrofraca com uma preciso extraordinria. Podemos dizer que a teoria electrofraca tem hoje o mesmo nvel de preciso que a QED [3, 4].

* Departamento de Fsica, Instituto Superior Tcnico Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa [email protected]

Notas [a] Os pssaros que pousam nos cabos de alta tenso tambm j descobriram esta lei da Natureza. [b] Correndo o risco de ser trivial, pode dizer-se que a luz se propaga velocidade da luz. [c] De facto, para ir alm dos 10 dgitos preciso introduzir as interaces fracas e fortes. [d] Um exemplo simples de um grupo no abeliano o grupo cujos elementos so as matrizes 2 x 2 com a operao a multiplicao de matrizes. Ento, se A Te B forem duas destas matrizes, em geral A B B A . Isto d origem

a uma estrutura matemtica mais complicada, e sem ligao aparente com as interaces fracas, pois as partculas associadas a essas teorias (os anlogos do foto) deviam ter massa nula. [e] Uma imagem por vezes usada a seguinte. Consideremos uma vara flexvel colocada na vertical. Na extremidade superior da vara actua uma fora, tambm vertical, que comprime a vara. Sabemos que a vara vai flectir, mas a priori todas as direces so igualmente possveis. Dizemos que h uma simetria. Contudo depois de a vara flectir h uma direco que foi escolhida e dizemos que a simetria foi quebrada. [f] Estou, claro, a simplificar. H muitas questes ainda por esclarecer, s que, neste contexto, esta parece ser a mais importante.

Referncias [1] Barroso, A., De que so feitas as coisas, Colquio Cincias, Outubro de 1988 (uma introduo elementar).

ConclusoAs experincias efectuadas no acelerador LEP no CERN durante a ltima dcada demonstraram com grande preciso a capacidade de clculo da teoria no abeliana com invarincia de padro que descreve as interaces electrofracas. O Prmio Nobel da Fsica de 1999 foi atribudo a Veltman e 't Hooft por terem descoberto os meios para efectuar esses clculos precisos. H, no entanto, ainda uma questo por esclarecer [f]. Um ingrediente essencial no esquema a existncia de uma outra partcula, designada por boso de Higgs. Esta partcula, cuja existncia uma consequncia do mecanismo de Higgs que, como vimos, responsvel pelo facto das partculas W e Z terem massa, ainda no foi descoberta. Ao que tudo indica neste momento, o nico acelerador com energia suficiente para produzir o boso de Higgs ser o LHC (Large Hadron Collider), presentemente a ser construdo no CERN e cuja entrada em funcionamento est prevista para 2005. Teremos ainda de esperar alguns anos antes de estar mostrada a consistncia completa da teoria electrofraca.

[2] http://www.nobel.se/announcement-99/physics99.html (Site da Real Academia Sueca das Cincias, onde pode ser encontrada muita informao). [3] 't Hooft, G., Gauge Theories of the forces between elementary particles, Scientific American, June 1980. [4] Veltman, M., The Higgs Boson, Scientific American, November 1986.

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artigos

Uma anlise dimensional:ascenso de uma bolha num lquido paradoM.A.R. Talaia*Descreve-se uma investigao experimental acerca da influncia do comprimento de uma bolha tubular isolada na sua velocidade de ascenso no seio de um lquido contido num tubo vertical. As experincias para um sistema ar-gua foram realizadas num tubo, de parede interior lisa, com 2 m de comprimento e 20,6 mm de dimetro interno. A concluso principal deste trabalho que, para lquidos pouco viscosos e em repouso, a velocidade da bolha tubular independente do comprimento da bolha: onde g a acelerao da gravidade, D o dimetro do tubo e C uma constante determinada experimentalmente.Em certas situaes de interesse prtico, as bolhas gasosas em ascenso num lquido tm dimetro equivalente, De (definido como o dimetro de uma esfera cujo volume igual ao volume da bolha), comparvel ou superior ao dimetro, D, da conduta em que circulam gs e lquido. Essas bolhas ascendero ento atravs do lquido com uma forma adaptada forma da conduta e, por ser esta normalmente cilndrica ou tubular, so designadas por bolhas tubulares. A expresso bolha tubular o equivalente em portugus das expresses inglesas gas slug ou Taylor bubble. A Figura 1 ilustra a ascenso de uma bolha tubular de comprimento L bt velocidade Ubt no seio de um lquido contido no tubo cilndrico transparente.

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uma anlise dimensional

Figura 1 - Ascenso de uma bolha tubular no seio de um lquido.

Usualmente a viscosidade e a massa especfica do gs so bastante inferiores, respectivamente, viscosidade e massa especfica do lquido e, assim, o gs dentro da bolha gasosa estar a uma presso uniforme. Conforme indica a Figura 1, num corte segundo o eixo do tubo, a bolha tem a forma aproximada de uma bala, com o nariz arredondado e o corpo alongado e aproximadamente cilndrico; a uma distncia suficientemente grande do nariz da bolha, o interface gs lquido tem uma forma cilndrica. Considerando uma bolha tubular isolada em ascenso atravs do lquido contido numa coluna vertical, fechada nos dois extremos, tem interesse considerar um plano horizontal que corta a bolha (plano representado por AA na Figura 1) e contabilizar quer o dbito de gs, quer o dbito correspondente de lquido que atravessam esse plano, num dado instante. Na Figura 1, Qg representa o dbito instantneo de gs atravs de AA, enquanto Ql representa o correspondente dbito de lquido, em sentido oposto; como obvio, para uma coluna fechada na base (isto , em que no h alimentao de gs nem lquido), os valores absolutos de Qg e Ql so necessariamente iguais. Dado que a bolha tubular ascende atravs do lquido com uma velocidade Ub, o dbito de passagem de gs atravs de AA dado por (1) Numa anlise simplificada, razovel desprezar em face de D/2 . Portanto, o caudal Q, por unidade de comprimento medido na perpendicular ao eixo do tubo, (2) Em geral, o regime de escoamento considerado laminar quando o nmero de Reynolds Re < 2000 e turbulento quando Re > 3000. O nmero de Reynolds para escoamento pelicular define-se habitualmente por Re = (4Ql)/l , em que l e l representam respectivamente a massa volmica e a viscosidade dinmica do lquido.

corrente aceitar-se que o escoamento ser laminar para Re < 1000 , mas tal no significa que Re = 1000 seja o limite inferior a partir do qual o escoamento passa a turbulento. Hewitt and Wallis [1], por exemplo, obtiveram escoamento laminar nas suas experincias at Re ~ 4000. = No entanto, ser uma boa precauo considerar que o escoamento pode ser laminar ou turbulento para 1000 < Re < 5000 , dependendo o valor exacto da transio de pormenores da instalao difceis de quantificar. S para Re > 5000 se pode esperar, com segurana, que o escoamento pelicular seja turbulento. Para escoamento laminar usada a teoria de Nusselt [2]. A espessura da pelcula de lquido , para presses de ensaio prximas da presso atmosfrica em que a massa volmica do gs desprezvel face massa volmica do lquido, dada por (3) Esta expresso pode ainda ser reescrita em funo do Re: (4) Para escoamento turbulento, Wallis [3] sugeriu uma expresso aproximada para o clculo de , com base numa aproximao da equao de Belkin et al. [4]. O seu valor dado por (5) Um contributo para o estudo de um escoamento pelicular por gravidade ao longo de uma superfcie vertical foi por ns fornecido [5]. Experimentalmente, se o volume de gs de cada bolha for medido e o valor de for calculado, facilmente se pode prever o valor do comprimento da bolha, tomando como aproximao que a bolha de gs constituda por um cilindro de gs de dimetro d = (D-2) e de uma meia esfera de gs de raio r = (D-2)/2. Em alternativa, e com maior rigor, o comprimento da bolha pode ser avaliado experimentalmente quando se conhecem a velocidade de ascenso da bolha tubular e o tempo devido passagem da bolha por uma referncia, marcada no tubo.

Fundamento fsicoDumitrescu [6] e Davies and Taylor [7] deduziram teoricamente que a velocidade de ascenso de uma bolha tubular isolada, a presses de ensaio prximas da presso atmosfrica, depende apenas do valor de g no local onde realizada a experincia e do valor D do dimetro do tubo usado. A questo que se coloca e que tem causado alguma discusso saber por que razo a velocidade de ascenso no depende do comprimento da bolha tubular. Para responder a esta questo importante caracterizar a

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uma anlise dimensional

situao em estudo, identificando as variveis envolvidas. O ponto de partida para a anlise que se segue admitir que, para o valor de g local e escolhido um D que determina o comprimento da bolha Lbt , e para um dado volume de gs de uma bolha, o valor de Ubt determinao Ubt = f (g, D, Lbt) (6)

A anlise dimensional desta relao pode ser feita segundo as tcnicas tradicionais (ver, por exemplo, Kay and Nedderman [8]). Havendo quatro variveis envolvidas e sendo apenas duas as grandezas fundamentais (comprimento e tempo), devem escolher-se duas variveis principais, a partir das quais se adimensionalizam as outras duas. H vrias escolhas possveis para as variveis principais. Escolheram-se g e D.

um tubo transparente de vidro ou perspex, fechado nas duas extremidades, e um sistema de duas vlvulas de corte rpido. Foi marcada uma distncia, l, segundo o eixo do tubo para se avaliar o tempo de percurso, t, feito pelo nariz da bolha. Como a bolha se move uniformemente no seio do lquido, o valor experimental da velocidade determinado pelo quociente da distncia pelo tempo medido, ou seja, Ubt = l/t . O comprimento da bolha calculado multiplicando o valor da velocidade da bolha pelo tempo, t, medido durante a passagem da bolha (do nariz at cauda da bolha) por uma referncia marcada no tubo (por exemplo P0, indicada na Figura 1). Esse comprimento dado por Lbt = Ubt t . Bolhas isoladas para um sistema ar-gua foram estudadas numa gama alargada de volume de gs medido.

Resultados experimentais e discussoDeterminao dos parmetros adimensionais, 1 e 2 Com (7) A Figura 2 mostra a variao do comprimento da bolha tubular, Lbt, em funo do tempo medido, t, e do volume medido de gs, V. O grfico mostra tambm os dados experimentais, para os tempos medidos, com as respectivas barras de erro. A linha a cheio representa os valores calculados a partir do volume de gs medido. Como o tubo tinha os topos fechados, no h influncia dos efeitos de entrada e de sada dos fluidos, pelo que o escoamento pelicular foi suposto laminar. Os valores Re = 2866 e = 0,603 mm foram calculados a partir da definio de Re , da expresso (1) dividida por D, de (3) e do valor de Ubt medido.

vem: L 1 = a+b e T -1 = -2a . Calculados os valores de a e b, o parmetro adimensional dado por . 1 tem sido usado por diversos autores [6, 7, 9] e usualmente simbolizado pela letra C. Se 1 for constante tambm o ser Ubt . Por outro lado, (8)

donde: L 1 = c+d e T 0 = -2c . Calculados os valores de c e d, o parmetro adimensional dado por 2 = Lbt /D. 2 uma quantidade adimensional que caracteriza a relao entre o comprimento ou tamanho da bolha tubular no seio de um lquido contido num tubo de dimetro D. Encontrados os parmetros adimensionais 1 e 2, torna-se necessrio saber como se relacionam. A representao grfica da funo (9)Figura 2 - Variao do comprimento de uma bolha tubular isolada.

para um sistema gs-lquido indicar se a velocidade da bolha tubular depende do comprimento da bolha.

Dispositivo experimental fcil realizar no laboratrio, com baixo custo, uma experincia que mostre uma bolha tubular em ascenso num lquido. O dispositivo experimental composto por

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uma anlise dimensional

Referncias [1] Hewitt, G.F. e Wallis, G.B., Flooding and associated phenomena in falling film flow in a vertical tube, Multiphase Flow Symposium - Winter Annual Meeting of ASME, Philadelphia, pp. 62-74 (1963) [2] Nusselt, W., Surface condensation of water vapour, Zeitschrift Verein Deutscher Ingenieur 60 (26), 569-575; 60 (27), 541-546 (1916) [3] Wallis, G.B., One-dimensional Two-phase Flow. Chap. 11, pp. 336-346, McGraw-Hill, New York (1969) [4] Belkin, H.H., MacLeod, A.A., Monrad, C.C. e Rothfus, R.R, Turbulent liquid flow down vertical walls. American Institution Chemical Engineering Journal, 245-248 (1959) [5] Talaia, M.A.R., Estabilidade de Bolhas em Lquidos e Encharcamento em Colunas de Parede Molhada, Tese de Doutoramento, Universidade do Porto (1997) Figura 3 - Influncia do tamanho da bolha na sua velocidade. [6] Dumitrescu, D.T., Stroemung an einer Luftblase im senkrechten Rohr, Zeitschrift Angewandter Mathematischer Mechanik, 23, 139-149 (1943)

A Figura 3 mostra o resultado obtido a partir da funo (9). No grfico representada a linha do valor mdio de C bem como os dados experimentais. Os pares de valores de C e Lbt/D indicados no grfico sugerem que o valor de C independente da variao de Lbt/D, o que equivale a afirmar que, para o valor local de g e escolhido um certo D, a velocidade de ascenso de uma bolha tubular no depende do seu comprimento.

[7] Davies, R.M. e Taylor, G.I., The mechanics of large bubbles rising through liquids in tubes, Proceedings of the Royal Society, London, 200 Ser. A, 375-390 (1950) [8] Kay, J.M. e Neddermand, R. M., An Introduction to Fluid Mechanics and Heat Transfer, London, Cambridge University Press (1974) [9] Nicklin, D.J., Wilkes, J.O. e Davidson, J.F., Two-phase flow in vertical tubes, Transactions International Chemical Engineering 40, 61-68 (1962) [10] White, E.T. e Beardmore, R.H., The velocity of rise of single cylindrical air bubbles through liquids contained in vertical tubes, Chemical Engineering

ConclusoCom base numa anlise dimensional, estabeleceu-se e interpretou-se fisicamente a influncia do comprimento de uma bolha tubular isolada na sua velocidade de ascenso no seio de um lquido parado, contido num tubo vertical. Para o sistema ar gua, conforme sugere a Figura 3, o grupo adimensional C independente da variao do grupo adimensional Lbt/D . Neste trabalho, o valor de C 0,3501 0,001. Por conseguinte, a velocidade de ascenso de uma bolha tubular isolada pode ser determinada atravs da expresso . O valor de C obtido est de acordo com os valores obtidos nomeadamente por Dumitrescu [6] C = 0,351, Davies and Taylor [7] C = 0,328 e White and Beardmore [10] C = 0,345. Finalmente, este estudo mostrou o mecanismo da relao, to importante nas cincias fsicas, entre o modelo terico e a experincia.* Departamento de Fsica, Universidade de Aveiro 3810 Aveiro [email protected]

Science 17, 351-361 (1962)

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artigos

Fsicos foradaCarlos Pessoa**Jornalista. [email protected] Com a colaborao de Carlos Fiolhais

Fsica

Fsicos fora da Fsica?! No, caro leitor, no se trata de um movimento de rectificao que vise expulsar os maus fsicos. Tambm no se trata de nenhum fenmeno de deslocao forada de fsicos para outras latitudes profissionais. A verdade que h muita gente com formao acadmica em Fsica ou que, de uma forma ou de outra, navegou nessas guas que, por sua opo, fez carreira, ganhou nome ou ascendeu ao estrelato por razes que nada tm a ver, primeira vista, com essa formao. Ou ser que tm?... Caber ao leitor julgar.Vrias pessoas famosas, no universo literrio, musical, poltico, desportivo ou dos negcios vieram do mundo da Fsica. Uma pesquisa que est longe de ser exaustiva permite-nos revelar aos leitores da Gazeta alguns desses exemplos. E h nomes que constituiro verdadeiras surpresas. Desafiamos os leitores a informarem-nos de outros casos, porventura ainda mais surpreendentes.

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fsicos fora da Fsica

o escritor

Rmulo de CarvalhoNasceu em 1906 em Lisboa, tendo-se licenciado em Cincias Fsico-Qumicas pela Faculdade de Cincias da Universidade do Porto. Iniciou a sua carreira como professor no Liceu Cames (Lisboa), em 1934, prosseguida nos liceus D. Joo III (Coimbra), e Pedro Nunes (Lisboa), onde foi a partir de 1958 professor metodlogo em Cincias Fsico-Qumicas. Em 1946 era co-director da Gazeta de Fsica, onde trabalhou at 1974. Os seus contributos para a divulgao da Cincia em obras de pendor didctivo e formativo so bem conhecidos. Paralelamente, e com o pseudnimo de Antnio Gedeo, desenvolveu uma carreira literria bem conhecida, iniciada em 1956 com o primeiro livro de poesia, Movimento Perptuo, e s interrompida pela sua morte, em Fevereiro de 1997, com mais de 90 anos de idade.

o poltico excntricoJohn HaguelinDoutorado em Fsica pela Universidade de Harvard, John Haguelin publicou vrios artigos sobre teoria de partculas na Physical Review Letters com um nmero enorme de citaes. No entanto, este americano mais conhecido por ter sido o candidato do Partido da Lei Natural, fundado em 1992, nas eleies presidenciais norte-americanas de 1996. Esta formao partidria est associada aos ensinamentos de Maharishi Mahesh Yogi, um guru indiano que tem uma Universidade Internacional com o seu nome e onde Haguelin ensina. O partido preconiza a sade natural como meio de reduzir os custos na sade e o uso da meditao transcendental para resolver os problemas da sociedade. um programa que est longe de colher a adeso maioritria nos Estados Unidos, e que levou Robert Park, director de informao da Sociedade Americana de Fsica, a afirmar que um doutoramento em Fsica no uma vacina contra a insanidade.

o atleta

Jonathan EdwardsNascido em Londres, Edwards estabeleceu o recorde do mundo do triplo salto em 1995, recorde que ainda hoje se mantm (18,29 m, nos Campeonatos do Mundo de Atletismo em Gotemburgo, na Sucia). Ganhou a medalha de prata da especialidade nos jogos da Commonwealth de 1990 e 1994, e em 1992 a medalha de ouro nos Jogos Olmpicos de Barcelona. Foi medalha de prata nos Jogos Olmpicos de Atlanta em 1996, perdendo o ttulo mundial para um atleta cubano em Agosto de 1997, em Atenas. Pouca gente sabe que Edwards formado em Fsica pela Universidade de Durham, no Reino Unido, em 1987, tendo trabalhado como investigador na indstria electrnica. um cristo convicto, que diz que Deus o ajuda na vida... e no triplo salto.

o desenhadorMike JudgeLicenciado em Fsica pela Universidade de San Diego, Califrnia, Mike Judge o criador da srie de desenhos animados Beavis and Butthead. Esta srie muito violenta de cinema de animao foi um dos maiores xitos de audincia do MTV, um canal por cabo dedicado msica pop, onde chegou a ser vista nos momentos ureos por mais de 200 milhes de telespectadores em todo o mundo. O Financial Times considerou Beavis e Butthead os mais populares anti-heris dos adolescentes americanos. Na opinio de Francis Slakey, da Sociedade Americana de Fsica, os dois personagens que passam a vida a incendiar tudo e a furar mutuamente os olhos, so um travesti da juventude americana.

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fsicos fora da Fsica

o diplomata o msicoJavier SolanaNascido em 1942, em Madrid, Javier Solana conheceu uma carreira poltica ascendente, que o levou de deputado s Cortes espanholas a responsvel pela cultura e pela diplomacia em governos socialistas de Felipe Gonzlez, e da a secretrio-geral da NATO. desde este ano a Senhor PESC, presidindo s relaes exteriores da Unio Europeia. Poucos sabem que Solana se especializou em Fsica da Matria Condensada, doutorado nos EUA e professor na Universidade Complutense de Madrid. Foi forado a terminar os seus estudos universitrios no Reino Unido devido sua oposio ao regime de Franco. Leccionou mais tarde em Madrid e escreveu vrios trabalhos de Fsica. Conhecido pela sua capacidade de trabalho, Solana aproxima-se dos 60 anos, mantendo o aspecto de sbio bondoso e um tudo nada luntico. Quem o conhece diz que no bem assim: Frio por dentro e quente por fora, afirma o seu irmo para caracterizar um temperamento determinado e calculista. O dirio espanhol El Pas fala do seu sorriso gelado, o que para um diplomata decerto uma virtude.

Brian MayGuitarrista do grupo rock The Queen. Nasceu em Hampton, Middlessex, Inglaterra, em 1947, mostrando desde cedo a sua habilidade escolar. Aos 11 anos ganhou uma bolsa para frequentar a melhor escola do seu distrito. Sempre se interessou por Astronomia, tendo finalizado o curso de Fsica no incio dos anos 60 no Imperial College de Londres. Desistiu a meio de um doutoramento em Astrofsica no Imperial College, de Londres, para se tornar numa estrela da msica popular. O grupo que criou com Freddie Mercury e outros nasceu nos anos 70 e conheceu o extraordinrio xito que se sabe. Depois da dissoluo dos The Queen, May fez uma carreira a solo, tendo editado em 1998 o seu segundo lbum a solo Another World. Conserva o interesse pela astronomia, deslocando-se a qualquer stio do mundo sempre que haja um eclipse.

o empresrio

o cineasta

David PotterDavid Potter um multimilionrio britnico, fundador e presidente da companhia Psion (que lanou em 1984 o famoso computador de bolso, Psion organizer). Nascido na frica do Sul, em 1944, estudou nos anos 60 em Cambridge, tendo feito o doutoramento em Fsica de Plasmas no Imperial College de Londres. Utilizou computadores na sua investigao ( mesmo autor de um livro sobre Fsica Computacional), interessando-se pelas tecnologias da informao. Depois de ter estado na Universidade da Califrnia, em Los Angeles, decidiu em 1980 deixar a vida universitria para fundar a companhia Psion, que conheceu um grande xito. O meu salrio acadmico era pattico, declarou na altura para explicar a mudana de vida... Hoje, pensa que a Fsica um grande assunto para treinar a mente. muito exigente e ensina-nos a ser intelectualmente honestos. Podem usar-se os mtodos de pensar aprendidos na Fsica para obter grandes benefcios em muitas disciplinas.

Paul VerhoevenHolands, nasceu em 1938. Formado em Fsica e Matemtica pela Universidade de Leiden, entrou depois na Marinha holandesa, onde comeou a sua carreira cinematogrfica rodando documentrios. Trabalhou depois em sries para a televiso holandesa, tendo-se mudado em 1985 para Hollywood com armas e bagagens. Os seus maiores xitos de bilheteira foram os filmes de fico cientfica RoboCop (1987) e Total Recall (1990). Basic Instinct (1992), Showgirls (1995) e Starship Troopers (1997) no conheceram o mesmo xito. O seu ltimo filme, rodado j este ano, intitula-se The Hollow Man. Uma das principais caractersticas dos filmes de Verhoeven, cujo registo principal a fico cientfica, a violncia extrema embora para muitos enquadrada de uma forma inteligente e no gratuita. O realizador defende-se, afirmando que no verdade que os filmes tornem as pessoas violentas, os filmes apenas reflectem a violncia da sociedade.

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artigos

Antnio Brotas*

O Molusco de EinsteinUm conto de fim do milnio, com o contributo para a nossa sobrevivncia entre micrbios e robs. chegada, o prestigiado Presidente da ACUM (Academia das Cincias Universal Microbiana) trocou umas palavras de circunstncia com o colega (e candidato sua sucesso), que tratara dos detalhes e o arrastara para aquele encontro. Sabe, eu no dou muita importncia a estas iniciativas do ministro Oag, mas sempre prefervel falar para os jovens do que para os polticos. Sim, os jovens de hoje so os polticos de amanh, so eles o nosso futuro. Pois rosnou para dentro o Presidente , assim vais longe. No mnimo, a presidente da ACUM, e talvez at... Vieram cham-los. Ao entrar na sala, milhares de jovens micrbios levantaram-se e aplaudiram, fazendo vibrar as membranazinhas. Na realidade, no eram micrbios verdadeiros, mas robs de micrbios. A sesso era transmitida por vdeoconferncia para milhes de outras salas onde bilies de jovens micrbios, estes verdadeiros, a seguiam em directo com a possibilidade de intervirem com perguntas e curtas intervenes. Um elaborado programa e um complicado sistema de ligaes permitiam escolher as perguntas dos micrbios reais e fazer snteses das suas intervenes que depois eram apresentadas pelos micrbios robs diante dos conferencistas. Embora o sistema ainda no estivesse inteiramente apurado, a Administrao j usava amplamente o conceito de cidado-rob. O que se fazia ali, era, exactamente, uma aplicao num domnio, o das conferncias cientficas, em que se revelara no estar ainda inteiramente afinado. Em sesses anteriores, os programas elaborados a partir de elementos estatsticos tinham eliminado as perguntas inteligentes e originais com o argumento de serem raras. As intervenes dos jovens micrbios-robs tinham a tal ponto sido desinteressantes e banais que o pblico ficara com uma pssima impresso da juventude. Tinha havido uma reaco e, em parte devido a ela, e com algum apoio da Academia, tinham sido feitos programas alternativos, muito controversos e desde logo classificados de elitistas, em que se procuravam seleccionar as perguntas inteligentes e fazer snteses interessantes. Naquela reunio ia ser testado um destes programas. Os conferencistas, carregando num boto com a indicao pi, podiam fazer com que os robs, em vez das perguntas mdias, fizessem perguntas inteligentes. O acompanhante do Presidente fez as apresentaes. O Presidente, algo distrado, no reteve nada do que ele disse e entreteve-se a contar as vezes em que usou os efeitos especiais (conhecidos de todos os oradores) para obter os aplausos dos robs. To entretido estava nesta contagem que foi apanhado de surpresa e teve de entrar de repente no assunto, quando lhe deram a palavra: Meus senhores (os jovens gostam sempre de ser tratados por senhores). Venho fazer-vos uma comunicao da maior importncia. Como sabeis, a nossa comunidade cientfica, alm dos seus estudos originais, tem dedicado uma boa parte do seu tempo a decifrar o valiosssimo esplio cientfico da extinta espcie humana que, pode dizer-se, se autoliquidou com aquela questo da globalizao que diminuiu a biodiversidade e a deixou exposta ao nosso mortfero ataque. Esta espcie (que durou menos que os dinossauros) era, no entanto, dotada de um notvel hardware biolgico. Por estranho que parea, tendo conseguido sobreviver com tcnicas rudimentares durante milnios, veio a desaparecer quase instantaneamente (na escala geolgica) no momento exacto em que a sua cincia tinha um desenvolvimento explosivo. Num dos ltimos sculos da sua existncia, houve um humano, um cientista chamado Albert Einstein, que se

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o molusco de Einstein

destacou e foi justamente homenageado pelos seus semelhantes. Os nossos matemticos trabalham hoje intensamente para decifrar a obra de Einstein (a que se seguiram outras ainda mais complexas) e no a tero ainda inteiramente compreendido, mas este grande autor teve a simptica ideia de escrever obras de divulgao e com base numa delas que eu vos trago hoje, aqui, uma informao importantssima para ns, micrbios: Ns vivemos no interior de um imenso molusco, finito, mas sem limites. Sentiu-se na sala um ambiente de satisfao. Embora a questo dos limites no fosse muito clara, a ideia de viverem no interior de um molusco era manifestamente agradvel para os jovens micrbios. Aproveitando o bom ambiente, o Presidente carregou no boto pie disse: Podem agora fazer perguntas. O primeiro a falar foi um pequeno rob com uma expresso inteligente: Como a pele dele?. De quem?. Do molusco. No tem. Ento como que est separado do exterior?. No h exterior. Ento, o molusco est dentro de qu?. Est dentro dele prprio. Houve um silncio e, depois, o pequeno rob disse: No entendo. Outras vozes se foram ouvindo em seguida: Eu tambm no. Eu tambm no. Vou tentar explicar, disse o Presidente. Vocs tm os seis pontos cardiais que aprenderam na escola: Norte, Sul, Este, Oeste, para Cima e para Baixo. Os humanos no viviam espalhados pelo espao em blocos de gelatina como ns, mas estavam praticamente confinados superfcie do planeta Terra. Por isso s usavam quatro pontos cardiais. Nos tempos em que s sabiam navegar vela, um humano, um espanhol chamado Ferno de Magalhes (a cultura histrica do Presidente tinha algumas falhas), saiu com alguns barcos do porto de Sevilha, navegou sempre para Oeste e regressou vindo do Este. Se tivesse navegado para Norte, teria regressado vindo do Sul. No nosso molusco a situao a mesma. Se andarmos sempre numa direco regressamos vindos do lado oposto. Um rob com ar de lder estudantil levantou-se no meio da sala e disse: Quer o senhor dizer que o nosso espao no euclidiano?. Exactamente, disse o Presidente. Ento, se o nosso espao no euclidiano, por que que nos obrigam no 17 ano de escolaridade a fazer um exame de acesso ao Ensino Superior da cadeira de Geometria Descritiva euclidiana a 4 dimenses? Esta cadeira deve ser substituda por outra de Topologia. No, disseram imediatamente outros robs. A Geometria Descritiva serve para elevar as nossas mdias para entrar na Universidade. A polmica estudantil estalou na sala e o Presidente teve a maior dificuldade em dar a palavra a dois robs que j a tinham pedido.

O primeiro foi um rob com um ar muito srio que perguntou: J resolveram o problema do pav ? Que pav?. Eu no entendo um espao finito que no possa ser visto de fora se no me indicarem um volume bem definido, o pav, que repetido em N exemplares encostados uns aos outros possa preencher esse espao. O Presidente reconheceu que os micrbios matemticos ainda no tinham resolvido o problema, mas disse que andavam procura da soluo nos arquivos dos humanos. O ltimo interveniente foi um pequenino rob, que estava na ltima fila e comeou a falar muito lentamente: Se eu tiver um irmo gmeo, ele ficar parado e eu partir numa dessas viagens para um lado com o regresso vindo do outro, como que o senhor me garante que no nos vamos encontrar, ele a mim e eu a ele virados do avesso? Virados do avesso?. Sim, com a mo esquerda tocada pela direita. O Presidente sentiu-se ele prprio virado do avesso e compreendeu que j no era capaz de mais nenhuma explicao. A polmica estudantil reacendera-se e todos queriam falar. O indicador do nvel de entropia discretamente encrustado no plpito do orador atingira nveis altssimos, sinal de que de um momento para o outro a reunio ficaria fora de controlo. Decidiu, ento, dirigiu-se sala e dizer: Vou pedir aqui ao meu colega mais novo para vos explicar todas estas questes. O acompanhante no se fez rogado. Dirigiu-se ao plpito, desligou imediatamente o boto das perguntas inteligentes e perguntou: Vocs querem que eu vos explique tudo isto de um modo muito simples? Sim, sim, gritaram os robs de um modo quase unnime. Muito bem. Vocs sabem o que o big bang ? . Sim, j aprendemos nas cadeiras de Fsica. At j fizemos exames sobre isso. ptimo, basta relacionar o que aprenderam em Fsica com o que ouviram agora: o big bang foi o instante em que nasceu o molusco em que agora vivemos. Fica tudo claro?. Sim, sim. H mais alguma dvida?. No, no. Tal qual os humanos na ltima fase, pensou o Presidente, mas guardou o comentrio para si. Como no havia mais perguntas, encerrou a sesso. No dia seguinte a imprensa sublinhou a excepcional clareza da interveno do acompanhante, que quase todos os jornais apresentaram como futuro Presidente da ACUM.

* Departamento de Fsica do Instituto Superior Tcnico Av. Rovisco Pais 1000-Lisboa [email protected]

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entrevista

Henrique Machado Jorge, um fsico nuclear no universo empresarial

Iniciativas paraPRODUZIR TECNOLOGIAA produo, em Portugal, de tecnologia competitiva que tambm possa ser colocada no mercado internacional e a possa ser adquirida tanto por portugueses e estrangeiros, uma aposta em que Henrique Machado Jorge acredita. Fsico de formao, doutorado nos Estados Unidos em engenharia nuclear e presidente do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI) antes de ocupar idntica funo no Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas (IAPMEI), o nosso entrevistado considera que h uma ampla margem para apoiar iniciativas dos agentes pblicos e privados que contribuam para dinamizar a produo endgena de tecnologia. E espera que haja empresrios com uma clara noo das suas necessidades tecnolgicas capazes de as formular e encontrarem parceiros nas universidades e nos laboratrios de Estado.

tm apoioGazeta de Fsica Pela sua formao e funes, esteve ligado actividade do reactor nuclear portugus. Para que serve e o que faz uma mquina como essa? Henrique Machado Jorge O reactor de Sacavm, nome comum por que conhecido o reactor portugus de investigao (RPI), foi adquirido nos Estados Unidos nos anos 50. O objectivo, altura, era criar uma capacidade nacional na rea da energia nuclear. Havia um misto de pretenso de utilizao das matrias nucleares urnio , eventual produo de rdio-istopos e tambm a utilizao militar da energia nuclear. Eram as iluses da poca... Fundamentalmente, um reactor uma fonte de neutres. E estes, como partculas neutras sem carga elctrica, so extremamente teis em estudos com vista a um vasto leque de aplicaes. O nosso reactor uma mquina pequena, com uma complexidade relativamente modesta mas uma versatilidade aprecivel, que permite no s aprender as tcnicas nucleares (do ponto de vista da engenharia nuclear) fundamentais, mas tambm produzir rdio-istopos para fins mdicos, designadamente oncolgicos. Permite ainda obter outro tipo de irradiaes, como foi feito ao longo destes quase 40 anos de vida do reactor, nomeadamente para estudar plantas e as suas mutaes genticas ou nas esterilizaes de moscas e outras pestes de citrinos. Mais recentemente, voltou a ser usado de novo numa perspectiva de estudo oncolgico directo. Fundamentalmente, isto o que se faz e no h qualquer justificao para fugir a este tipo de aplicaes.

entrevistado por Carlos Pessoa

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Henrique Machado Jorge

P. E onde pram os sonhos de que falou? R. Temos de reconhecer que nunca se conseguiu que o RPI, como instrumento de investigao, fosse popular. E quando falo em popular, no sentido de envolver e arrastar a universidade. P. Porqu? R. Hoje j comea a no ser assim, mas tradicionalmente a capacidade de investigao est nas universidades. As especializaes universitrias tm uma lgica prpria de oportunidade, de popularidade deste ou daquele tema, etc. A inflexibilidade que consistiu em ter um reactor num determinado stio no caso presente, em Sacavm exclua praticamente partida que outras universidades fora da Grande Lisboa se interessassem. Por outro lado, escolas como o Instituto Superior Tcnico ou a Faculdade de Cincias de Lisboa (e, mais recentemente, a Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa) tm tido o seu percurso prprio, que no as tem levado para o campo da utilizao de neutres. P. H pases, como Espanha, que encerraram os seus reactores de investigao. favorvel a uma iniciativa no mesmo sentido em Portugal? R. Penso que seria prematuro faz-lo. Se me perguntar o que penso da hiptese de fazer um grande investimento no aumento de potncia do reactor ou na sua substituio, tenho muitas dvidas quanto ao seu interesse. Em contrapartida, acho que se deve explorar este reactor enquanto ele est tecnologicamente adequado, como o caso. uma mquina segura que est longe do termo da sua vida til. Todavia, claro que as intenes que havia nos anos 50 e 60 de produo de rdio-istopos, designadamente para aplicaes mdicas, utilizando reactores de potncia relativamente baixa como o nosso, morreram de todo. P. H outros meios de l chegar... R. Claro. H hoje rdio-istopos que so subprodutos do tratamento de combustvel irradiado nas centrais nucleares que tornam completamente impossvel, em termos econmicos, concorrer com a sua produo. Mas bom lembrar que o RPI um instrumento totalmente amortizado que apenas tem custos fixos de operao relativamente modestos. Por isso, ainda um instrumento til para a Fsica Aplicada e no seria sensato fech-lo nesta altura. P. A produo de energia elctrica por via nuclear tambm, no nosso pas, um sonho morto e enterrado. Nesse quadro, qual pensa ser o futuro da investigao e da tecnologia nucleares? R. A tecnologia nuclear que tenha como objectivo o desenvolvimento de tcnicas com vista produo industrial de energia elctrica no tem qualquer futuro. Isto vlido para Portugal, mas mesmo nos pases onde o nuclear teve grande incremento conhecem-se os problemas que existem, como o caso da Alemanha ou

dos pases nrdicos. A produo nuclear de energia deve ser considerada hoje como um complemento e de maneira nenhuma ser a coluna vertebral do sistema de produo industrial de energia elctrica, como se pensava h 30 anos atrs. Isto no significa que eu pense que ela v desaparecer totalmente, mas a verdade que o investimento fundamental que se faa no sentido de desenvolver conhecimentos para a tecnologia nuclear no tem grande razo de ser. A nica possibilidade a utilizao dos neutres, e a h

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Henrique Machado Jorge

muito a fazer. De qualquer modo, eles sero usados simplesmente como um instrumento por exemplo, na rea da metalurgia, das novas tcnicas de deteco ou do apuramento de tcnicas j existentes. Em estudos de Fsica Aplicada, os neutres tambm ainda tm muita aplicao. No fundo, h que pr os reactores de investigao em paralelo com outros instrumentos, como os aceleradores de partculas mais complexos e dispendiosos, como se sabe , e tomar as decises, que so de carcter econmico. P. Que futuro v para o Instituto Tecnolgico e Nuclear (ITN)? R. uma questo sensvel. O papel do ITN est longe de estar esgotado. verdade que o investimento feito em todas as tcnicas associadas ao reprocessamento do urnio est ultrapassado e j no h nenhuma justificao para reabrir essa frente. Mas o ITN continua a ser, em Portugal, a instituio mais vocacionada para as tcnicas nucleares, que podem ser usadas em vastos domnios da investigao. Ele rene condies para manter o espectro mais amplo de tcnicas nucleares, devendo ser, do meu ponto de vista, a instituio de referncia qual recorressem os investigadores que queiram aplicar tcnicas nucleares nos seus domnios concretos de estudo. As tcnicas evoluram muito e exigem uma grande prtica, o que significa que no se pode pedir a um experimentador, nem sequer a uma equipa, que domine todo um conjunto de tcnicas. Por conseguinte, quando ele quiser recorrer a uma determinada tcnica, deve ir ter com os especialistas. O ITN rene, em Sacavm, as condies para ser a instituio especialista num leque aprecivel de tcnicas nucleares e, desse ponto de vista, apoiar a investigao feita em muitas outras instituies e sectores. P. Mas isso o que se faz ou o que pensa que deve acontecer? R. H em Portugal a tradio de cada instituio e estou agora a pensar nos laboratrios do Estado fixar o seu prprio programa de uma forma autnoma, se no mesmo autista. O que necessrio que haja um entrosamento de capacidades. O facto de haver um Ministrio da Cincia e da Tecnologia, um forum natural para esse tipo de discusso, um contributo muito positivo para levar as pessoas a discutir em termos abertos e chegarem a acordo sobre operaes e complementaridades. O que est hoje fora de questo, face ao volume existente de recursos financeiros e outros, que se faam sobreposies que tm custos em termos de rentabilidade nacional. P. Est frente do IAPMEI desde Dezembro do ano passado. Que pontes podem ser estabelecidas entre a Fsica e a indstria? E que futuro h para um fsico nas pequenas e mdias empresas portuguesas? R. A primeira prioridade do IAPMEI colaborar no lanamento do programa operacional da economia no quadro do terceiro Quadro Comunitrio de Apoio. Mas o seu papel no se esgota nos sistemas de incentivos,

e uma agncia de pequenas e mdias empresas e ser sempre necessria independentemente do grau de desenvolvimento da economia portuguesa. O seu financiamento pblico, competindo-lhe acudir a falhas de mercado. O IAPMEI no pode concorrer com operadores no mercado, pois no essa a sua vocao nem a sua finalidade. Mas a tecnologia ainda aparece associada a falhas de mercado e o Plano Operacional da Economia tem imensas possibilidades para acolher iniciativas de pendor tecnolgico. Adquirir tecnologia e equipamentos uma possibilidade, mas uma economia no pode estar globalmente na mo de terceiros por no dispor de tecnologia prpria. Isto no a defesa de uma tecnologia portuguesa, mas a apologia de que se produza em Portugal tecnologia que tambm possa ser colocada no mercado internacional e a ser adquirida por portugueses e estrangeiros por ser considerada competitiva. Tendo em conta as nossas limitaes em recursos humanos muito qualificados e os custos dos desenvolvimentos tecnolgicos, h uma ampla margem de trabalho para uma agncia como o IAPMEI no sentido de apoiar iniciativas dos agentes pblicos e privados que contribuam para dinamizar a produo endgena de tecnologia. P. Ou seja, o IAPMEI pode ter uma palavra a dizer em relao a projectos, ideias e iniciativas que os fsicos possam ter e queiram desenvolver? R. Houve e h projectos que associam empresas e entidades acadmicas os chamados projectos em consrcio cuja experincia mostra que no tm muitas vezes uma autntica razo de ser. Uma equipa universitria com uma ideia interessante arranja uma empresa mas esta, em norma, s muito moderadamente est interessada. No digo que o trabalho produzido no tenha mrito, mas isso no tem futuro, pois no responde a uma necessidade sentida pelo agente econmico, que acabar por no tirar o devido partido disso. O que ns esperamos que haja empresrios com uma clara noo das suas necessidades tecnolgicas a formular essas necessidades e que consigam encontrar parceiros, designadamente na academia e nos laboratrios de Estado, que com eles executem esses projectos. H bons exemplos, como o da indstria do calado. O IAPMEI est fortemente interessado em ajudar a desenvolver instrumentos que suportem iniciativas de carcter tecnolgico. Um exemplo: o sector das energias renovveis, onde h boa tecnologia em Portugal. Temos que criar os instrumentos para que se passe do laboratrio, do prottipo, para a realidade empresarial.

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Fsica em PortugalRomper com um certo tipo de ensinoEst j nas livrarias a segunda edio do livro Introduo Fsica, de Jorge Dias de Deus, Mrio Pimenta, Ana Noronha, Teresa Pea e Pedro Brogueira, publicado pela McGraw-Hill portuguesa (ver seco Livros). Falmos com o primeiro daqueles autores, o Dr. Jorge Dias de Deus, professor de Fsica do Instituto Superior Tcnico (instituio a que j presidiu).

Gazeta de Fsica Acaba de sair uma nova edio desse best-seller que Introduo Fsica. Quais so as principais alteraes e por que foram feitas? Jorge Dias de Deus Essa do bestseller faz-me lembrar o comentrio do Mark Twain quando leu num jornal a notcia da sua morte: parece-me que um exagero. As principais alteraes foram no sentido de completar certos temas como a ptica geomtrica, fsica estatstica e fsica do estado slido. Por outro lado, na mecnica, houve a preocupao de estabelecer uma ponte mais clara com a fsica do secundrio: incluiu-se uma reviso da fsica newtoniana. P Os alunos do Tcnico tm, em geral, boas classificaes entrada. Mas o livro ser tambm adequado para os alunos que trazem to m preparao da escola secundria? O

que se deve fazer em primeira prioridade na escola bsica e secundria para melhorar a preparao dos alunos em Fsica em particular e em cincias em geral? R O livro foi adoptado em vrias licenciaturas no Tcnico (no em todas), mas tambm em vrias outras universidades. Talvez no seja inteiramente verdade dizer que o livro s bom para os bons alunos, ou para os alunos bem preparados. Essa no foi certamente a ideia dos autores! A ideia foi a de romper com um tipo de ensino da Fsica em que esta vista como algo chato, formal, intil e antiquado. E aqui entramos na segunda parte da questo. que a Fsica do secundrio exactamente isso: chata, formal, intil e antiquada. Passa-se o tempo a repetir cinemtica de forma obscura, disserta-se sobre velocidade e celeridade, fala-se de electrosttica como no sculo XVIII e deixa-se em branco toda a Fsica importante deste sculo, desde as ondas electromagnticas mecnica quntica (esta quando aparece com o rtulo de Qumica!), dos semicondutores aos supercondutores, dos satlites aos telemveis e s televises, da Biofsica Fsica do Ambiente. No fcil dar sucintamente a soluo para o problema dos ensinos bsico e secundrio e faz-lo revela, no mnimo, algum pretensiosismo. Mas, l vai: cincia integrada, no bsico, pelo menos; ensino criativo, com responsabilidade individual; ensino fazendo coisas, que podem ser muito simples, mas que envolvam as mos e a cabea, recolha e processamento de dados e informao, etc., etc. No ser o que toda a gente pensa? O problema no tem a ver com horrios e coisas assim! Tem a ver com uma revoluo de mentalidades. P o autor do recente Viagens no Espao-Tempo, um livro de divulgao cientfica na Gradiva. Qual pode ser o papel dos livros de divulgao no ensino? R Eu julgo que a boa divulgao o que no necessariamente o caso em causa um escape para a chatice do ensino normal. So lufadas de ar num ambiente fechado! No penso que haja

um livro de divulgao que disserte sobre a velocidade e a celeridade. Isso so parvoces bizantinas e o melhor castrar os anjos para no haver mais discusso! Isto o que eu penso (o de que no digo).

Doutoramentos no MinhoRealizaram-se em maio passado as seguintes provas de doutoramento no Departamento de Fsica da Universidade do Minho: Luis Gachineiro Cunha, Estudo dos mecanismos de degradao em revestimentos PVD baseados em nitretos metlicos no processamento de materiais plsticos. J. Filipe Vilela Vaz, Preparao e Caracterizao de Filmes Finos de Ti1-xSixNy, Crescidos por Pulverizao Catdica Reactiva em Magnetro.

Astrofsica no PortoAs novas oportunidades geradas com a entrada de Portugal na European Space Agency ESA ficaram claras no encontro realizado no Porto de 30 de Maro e 1 de Abril passados. Intitulada Space Astronomy: from the Suns vicinity to large scale structure, a reunio internacional foi organizada pelo Centro de Astrofsica da Universidade do Porto e pela ESA. Enquanto cientistas da ESA e outros visitantes forneceram perspectivas gerais da cincia espacial, os astrnomos portugueses relataram os trabalhos de investigao mais importantes realizados no nosso pas (ver http://sci.esa.int/).

Novo supercomputadorO Centro de Fsica Computacional da Universidade de Coimbra (CFCUC) adquiriu um sistema para computao paralela consistindo em 12 estaes de trabalho Compaq XP1000 com o

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processador Alpha 21264, a 667 MHz, ligadas por um switch de 100 Mbits. Cada computador tem 512 MB de memria RAM e um disco de 9 GB e usar o sistema operativo Linux. Este sistema foi fornecido por uma diviso europeia da Compaq especializada neste tipo de sistemas e inclui software especial de gesto das mquinas em paralelo. O novo sistema veio complementar outro semelhante j existente designado por Centopeia, que consiste de 24 estaes de trabalho Digital com processor Alpha a 500 MHz da anterior gerao, com um desempenho de pico de cerca de 24 GFlops. A Centopeia tem sido utilizada para clculos intensivos de Fsica da Matria Condensada e testes de algoritmos paralelos para problemas de optimizao de geometrias de molculas. O novo sistema, que est ligado Centopeia por um uplink de 1 Gbit, tem aproximadamente o mesmo desempenho que o anterior. O supercomputador do CFCUC est aberto utilizao por outros centros. Pedro Alberto Departemento de Fsica da Universidade de Coimbra [email protected]

universitrios: a herana e os desafios. As palestras seguintes so: Museums, History, and the Public Understanding of Science, por J. A. Bennet (Museum of the History of Science, Oxford), em 4 de Maio. Conservar e restaurar: dos princpios prtica no Museu de Fsica, por Adlia Alarco (Museu Machado de Castro, Coimbra), em 18 de Maio. Museums in the Heroic Age of English Geology (1815-1851), por Simon Knell (University of Leicester), em 1 de Junho. O coleccionador privado na Arte e na Cincia, por Paula Mesquita dos Santos (Museu de Soares dos Reis, Porto), em 15 de Junho. Os Museus Universitrios no mbito dos Museus de Cincia, por Fernando Bragana Gil (Museu de Cincia da Universidade de Lisboa), em 6 de Julho. Objectos do Museu esto ou estaro presentes nas seguintes exposies: Fundamentos da Amizade: Cinco Sculos de Relaes Culturais e Artsticas Luso-Chinesas, no Centro Cientfico e Cultural de Macau em Lisboa, at Maio de 2000. A Universidade e a Formao do Brasil, na Pinacoteca de S. Paulo, Brasil, a abrir em Setembro de 2000. Instrumentalized Vision: from the World in a Box to Images on a Screen, no Getty Research Institute for the History of Art and the Humanities, em Los Angeles, EUA, a abrir em Novembro de 2001. No Science Museum de Londres, em projecto.

para fixar longitudes e rectificar os elementos fundamentais da Astronomia. Actualmente, o Observatrio Astronmico daquela universidade, que est na tutela do Departamento de Matemtica, faz investigao em Fsica solar e Astrofsica estelar e promove actividade de formao e divulgao cientfica. Investigao So obtidos diariamente espectroheliogramas (na zona do visvel) na risca do clcio ionizado e na risca H alfa do hidrognio. Alm deste trabalho de rotina, iniciado em 1926, o uso dos espectro-heliogramas permite a investigao em Fsica Solar, como por exemplo o estudo da risca da ressonncia He II 304 , feito em colaborao com o Laboratrio de Astronomia de Goddard/NASA (EUA), e o estudo de regies activas durante perodos mnimos de actividade solar, em colaborao com o Observatrio de Ondrejov (Repblica Checa). H um projecto de modernizao do espectroheligrafo tendo em vista o seu controlo automti-co, a captao digital dos espectro-helio-gramas e a sua afixao na Internet. A energia de uma estrela observada na Terra basicamente emitida pela sua superfcie. Assim, para conhecer a estrutura interna da estrela so necessrios modelos do seu comportamento termodinmico que so materializados num conjunto de rotinas. Estes cdigos, em conjunto com observaes astromtricas, fotomtricas e espectros-cpicas, permitem conhecer a estrutura interna, a idade e a abundncia em hlio de uma estrela. As investigaes nesta rea realizam-se em colaborao com os Observatrios de Paris, Estrasburgo e Toulouse. Formao e divulgao De 2 a 8 de Agosto de 1999 realizou-se no Observatrio, com a colaborao do Observatrio de Lisboa, a 1 Escola de Vero Interdisciplinar sobre o Sistema Solar. A escola, dirigida a estudantes finalistas, de mestrado e no incio de doutoramento, deu preparao terica e

Observatrio Astronmico da Universidade de Coimbra Museu de FsicaRealizou-se no dia 27 de Abril a primeira das palestras do Museu de Fsica da Universidade de Coimbra. Foi oradora a Dr Raquel Henriques da Silva, directora do Instituto Portugus dos Museus, que abordou o tema Museus Os estatutos da Universidade de Coimbra de 1772 justificavam a importncia do estudo da Astronomia e da Matemtica, na Geografia e na Navegao. Salientavam ainda o valor dos observatrios no conhecimento da Terra e mandavam estabelecer um observatrio no s para a Astronomia prtica, mas tambm,

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prtica. A segunda edio da escola realizar-se- em meados de 2001. O Observatrio oferece visitas guiadas, nomeadamente a escolas. Alm disto, tm sido organizadas desde 1997 uma ou duas semanas de portas abertas anuais para o pblico geral o programa Em torno do Sol, integrado na Astronomia no Vero do Ministrio da Cincia e Tecnologia. Promovem-se observaes astronmicas abertas ao pblico, em particular em dias de ocorrncia de fenmenos celestes, como foi o caso do eclipse solar de 1999. O Observatrio tem ainda o programa Dia da Astronomia destinado a escolas primrias da regio Centro. Desde Janeiro de 2000 que o Observatrio Astronmico tem um jornal electrnico, o Helios (http://www.mat.uc.pt/~helios). O Observatrio publica anualmente, desde 1802, as efemrides astronmicas. Na edio de 1999 so apresentados, entre outros, os clculos para as posies do Sol, Lua, planetas principais, luas de Jpiter, algumas estrelas mais brilhantes, e eclipses do Sol e da Lua. Existe ainda aberto ao pblico um ncleo museolgico com instrumentos de observao astronmica e terrestre, relgios e cartas celestes. Joo Fernandes Observatrio Astronmico e Departamento de Matemtica da Universidade de Coimbra [email protected]

Escola de Outono em LisboaDe 8 a 13 de Outubro prximo realiza-se em Lisboa a XVIII Escola de Outono (que existe desde 1979), sobre o tema Topology of Strongly Correlated Systems. Pretende reunir fsicos de diferentes reas desde QCD at Matria Condensada, tratando temas como anomalias, vrtices, solites, topologias na rede e confinamento. Entre os conferencistas anunciados encontram-se o recente Prmio Nobel da Fsica Gerald tHooft (Utrecht, EUA), e David Thouless (Seattle, EUA). Para mais informaes: [email protected], http://cfif.ist.utl.pt/xviiischool/

da cincia moderna, incorporaram as novas ideias oriundas primeiro da Europa e depois dos Estados Unidos. Para mais informaes, contactar [email protected], http://www.eventos.uevora.pt/clbhct

Prmios em FaroNo 2 Encontro Nacional de Estudantes de Fsica, em Faro (ver ltima Gazeta de Fsica), promovida pelo Quanta em colaborao com o Physis, o jri presidido pelo Dr. Eduardo Ducla Soares, da Universidade de Lisboa, atribuiu os seguintes prmios: Primeiros classificados, ex-aequo: Patrick Sousa, Universidade do Algarve, com O estudo do efeito Lzaro (anlise experimental da ressurreio de detectores de silcio irradiados quando sujeitos a temperaturas criognicas); Jos Marques, Joo Moreira e Alexandre Lindote, Universidade de Coimbra, com Estudos de Espectroscopia e fluxos de partculas na experincia AMS (anlise de dados da experincia do espectrmetro magntico enviado para o espao em 1998 no vaivm Discovery, realizada em paralelo com a anlise oficial). O prmio ser uma viagem ao congresso internacional de estudantes de Fsica (ICPS 2000) a realizar de 4 a 11 de Agosto em Zadar, na Crocia. Foram ainda atribudas as seguintes menes honrosas: Sandrina Nunes, Universidade do Algarve, com Simulao de Monte Carlo do tratamento da artereoesclerose. Ana Cavaco, Universidade de Aveiro, com Absoro no infravermelho em camadas finas e altamente dopantes. Cristina Monteiro, Universidade de Coimbra, com Resposta em energia dos detectores de germnio hiperpuro para raios X com energia na regio do limiar de absoro da camada K do germnio.

Plasma de Quarks-GluesRealizou-se no passado dia 14 de Abril no Instituto Superior Tcnico, em Lisboa, um workshop com o ttulo Searching the Quark-Gluon Plasma: a look into the future. Discutiram-se os resultados experimentais recentes obtidos com feixes de ies pesados no CERN, em Genebra, e no BNL, em Brookhaven. Entre os conferencistas contaram-se Bernd Mueller, Helmut Satz e Peter Sonderegger. Os organizadores foram Jorge Dias de Deus, Carlos Loureno e Joo Seixas.

Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Cincia e da TcnicaNeste ano em que se comemora o achamento do Brasil, realiza-se de 22 a 27 de Outubro na Universidade de vora e na Universidade de Aveiro (primeira parte em vora e segunda parte em Aveiro, com visita intermediria a Coimbra), o 1 Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Cincia e da Tcnica. Para alm de aproximar os historiadores de cincia dos dois pases, pretende-se debater o modo como pases como Portugal e Brasil, perifricos no que respeita ao surgimento e consolidao

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Novo mestrado em FaroVai abrir em Outubro de 2000 um novo mestrado na Universidade de Faro. A rea de especializao Fsica para o Ensino, sendo a durao de 2 anos. Para mais informaes ver http://-.ualg.pt/UCEH/fisica/mestrado .

Encontro Nacional de Educao em CinciaO Departamento de Cincias da Educao da Universidade dos Aores organiza nos dias 2, 3 e 4 de Novembro deste ano, em Ponta Delgada, o VIII Encontro Nacional de Educao em Cincia. Os organizadores pretendem que a reunio represente um momento de reflexo sobre a educao cientfica na nossa escolaridade bsica e secundria. Pretendem, igualmente, propiciar trocas de experincias e promover um dilogo entre profissionais da educao. Na tradio de anteriores encontros, so objectivos deste Encontro: Promover o debate, a reflexo e a troca de experincias entre investigadores e educadores dos ensinos bsico e secundrio;

Contribuir para a divulgao de experincias e projectos inovadores no ensino das cincias; Divulgar o panorama actual da investigao sobre a educao em cincia em Portugal; Contribuir para um melhor conhecimento das prticas pedaggicas dos educadores. Para mais informaes, contactar a Comisso Organizadora, Departamento de Cincias de Educao, Universidade dos Aores. Apartado 1422, 9502 Ponta Delgada Codex; Tel. 296.65.31.55, Fax 296.65.38.70, e-mail [email protected].

Questes de FsicaNova questo: Gostaria que me respondessem a uma dvida que tenho h algum tempo. uma experincia prtica e simples: se eu pilotasse um avio com combustvel suficiente para duas voltas Terra e desse as duas voltas em 24 horas, ou seja num dia, no sentido contrrio ao do fuso horrio, eu estaria a retroceder um dia? Ser isso possvel? Ou estaria apenas a voltar onde estava com a data do dia anterior (parece-me ilgico)? (Um aluno de Engenharia Informtica)

Segundo Mark Zemansky (Temperatures Very Low and Very High, Dover, 1981), as chamas normais nas quais um gs natural ou um lquido atomizado ou carvo pulverizado reagem com o oxignio do ar raramente do temperaturas acima de 2000 K, mas 4850 K podem ser obtidos com a reaco C2 N2 + O2 -> 2 CO + N2. So necessrias temperaturas superiores para obter um plasma, normalmente acima de 20 000 K. No entanto, a temperatura de uma chama pode ser bastante aumentada atravs de uma descarga elctrica, que ioniza a regio da chama. C. F. [email protected]

Relembremos a questo colocada no nmero anterior por uma professora do ensino secundrio: A chama amarela de uma vela ou produzida por uma lamparina um plasma? A resposta a seguinte: Um plasma, o chamado quarto estado da matria, uma mistura de tomos, ies e electres. Todas as molculas se encontram dissociadas em tomos e a maior parte destes esto ionizados. No o que ocorre numa reaco de combusto numa chama de vela ou lamparina.

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Prmio europeu de FsicaO prmio Europhysics-Agilent Technologies, sucessor do prmio HewlettPackard para a Fsica da Matria Condensada, foi atribudo este ano a Paolo Carra (ESRF, Grenoble, Frana), Gerrit van der Laan (Daresbury Laboratory, Reino Unido) e Gisela Schuetz (Instituto de Fsica, Wuerzburg, Alemanha) pelo desenvolvimento de uma nova tcnica conhecida por dicrosmo magntico de raios X (DMX). Este prestigiado prmio atribudo desde 1975 a fsicos com contribuies importantes na Matria Condensada; sete dos laureados vieram mais tarde a receber o prmio Nobel! Dicrosmo a propriedade, presente em alguns materiais, de a absoro da luz depender do estado de polarizao dos fotes. O exemplo mais conhecido de material dicrico so as folhas de Polaroid, que absorvem selectivamente um dos dois estados ortogonais que compem um feixe de luz polarizada. O dicrosmo magntico um efeito semelhante que ocorre em materiais magnticos, cujo coeficiente de absoro de raios X depende do estado de polarizao do feixe e da magnetizao da amostra. Por exemplo, num ferromagnete ou num antiferromagnete, a absoro de raios X ligeiramente diferente para uma polarizao linear dos fotes paralela ou perpendicular direco de fcil magnetizao da amostra. Este efeito conhecido por dicrosmo magntico linear de raios X (DMLX). De forma semelhante, um ferromagnete absorve de forma diferente um feixe de raios X de polarizao circular direita ou esquerda, falando-se neste caso de dicrosmo magntico circular de raios X (DMCX). Obtm-se um espectro de DMCX de um material medindo, em funo da energia dos fotes incidentes, a diferena entre os coeficientes de absoro para feixes de raios X de polarizao circular oposta.

O DMX uma das mais importantes descobertas das duas ltimas dcadas em magnetismo. Desde as primeiras experincias de van der Laan e Schuetz, tem sido utilizado com xito no estudo da origem microscpica da anisotropia magntica e de propriedades associadas como a magnetoestrio e a coercividade. Tambm frequentemente utilizado no estudo de multicamadas e filmes finos magnticos, de grande interesse tecnolgico. Por exemplo, possvel determinar a polarizao de um metal no-magntico numa interface com uma camada ferromagntica e estudar assim os mecanismos de acoplamento magntico entre os dois materiais. H um nmero cada vez maior de utilizadores de DMX a frequentar as instalaes de radiao de sincrotro, entre os quais se encontram alguns portugueses. Entre as vantagens desta tcnica contam-se a selectividade atmica, atravs da escolha da aresta de absoro, e a alta sensibilidade que permite utiliz-la para estudar uma camada de apenas alguns tomos de material magntico. Acresce que possvel extrair informao quantitativa precisa sobre o valor das componentes orbital e de spin dos momentos magnticos analisando os espectros dicricos, recorrendo a um conjunto de regras de soma descobertas por T. Hole, G. van der Laan e P. Carra. Por ter falecido recentemente num acidente, Hole no pde partilhar o prmio. Jos Antnio Paixo Departamento de Fsica da Universidade de Coimbra [email protected]

Europhysics NewsO boletim da Sociedade Europeia de Fsica (EPS), Europhysics News, tem um novo comit editorial, que dirigido por George Morrison, da Universidade de Birminghan, Inglaterra. A responsabilidade administrativa continua a ser de David Lee, secretrio da EPS. O boletim distribudo em Portugal a todos os scios da SPF, que so automaticamente scios da EPS. No novo comit, que tem planos para melhorar a revista (agora produzida pela EDP, editora da Sociedade Francesa de Fsica), tem lugar o director da Gazeta de Fsica, a quem podem ser endereados comentrios, sugestes ou artigos.

Rede europeia de FsicaA European Physics Education Network (EUPEN), uma rede de cerca de 100 departamentos de Fsica europeus apoiada pela Unio Europeia (programa Scrates), vai no seu quarto ano de actividade. De incio, o seu objectivo principal era encorajar a mobilidade de estudantes, mas hoje est tambm preocupada com vrias questes do ensino da Fsica, desde os currculos e novas formas de ensino at s carreiras profissionais. Alberga grupos de trabalho internacionais sobre experincias estudantis (descobriu-se que a carga horria dos alunos de Fsica era mxima em Itlia e mnima na Irlanda), a estrutura e desenvolvimento curricular

Paulo Carra, o fsico italiano premiado.

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(descobriu-se que os dois primeiros anos do curso de Fsica eram muito semelhantes em toda a Europa), a organizao dos estudos de Fsica (os cursos so maiores na Itlia e menores no Reino Unido, a mais baixa percentagem de mulheres estudantes na Suia e a mais alta na Romnia, os custos do curso so mais elevados a Suia e mais baixos na Romnia), a empregabilidade dos fsicos (as condies variam muito na Europa, mas as condies mais favorveis encontram-se na Alemanha) e a investigao no ensino da Fsica (que identificou como tpicos mais actuais o uso das novas tecnologias, novos cursos de formao de professores e novas formas de ligar teoria e experincia). O boletim electrnico EUPEN on-line fornece notcias sobre a educao em Fsica para as pessoas de contacto na EUPEN. O editor o responsvel pela EUPEN, o fsico belga Hendrik Ferdinande, da Universidade de Ghent, na Blgica (e-mail: hendrik.ferdinande @rug.ac.be, http://allserv.rug.ac.be/ ~hferdin/eupen/index.html ). A pessoa de contacto em Portugal o Dr. Carlos Matos Ferreira, do Departamento de Fsica do Instituto Superior Tcnico (e-mail: [email protected] ).

cerca de metade de um microsegundo d aos fsicos a esperana de poderem observar uma nova espcie de radioactividade, o decaimento por emisso de diprotes (conjunto de dois protes). Para isso, os investigadores do GANIL necessitam de uma amostra maior.

EconofsicaA Fsica aplicada Economia (Econofsica) continua uma rea quente. Depois de uma reunio em Dublin no ano passado, realiza-se de 13 a 15 de Julho na Universidade de Lige, Blgica, uma conferncia que tem o apoio da Sociedade Europeia de Fsica sobre Applications of Physics in Financial Analysis. Recorda-se que Ausloos, um fsico de Lige, tem artigos onde mostra como a fsica estatstica podia ter previsto o ltimo grande crash da bolsa. Para mais informaes sobre o encontro, contactar: [email protected], http://www.eps.org/apfa.

aproximao menos invasiva e mais quantitativa, os fsicos do MIT usam uma fina sonda de fibra ptica para iluminar com luz branca o tecido epitelial e colectar a luz que o tecido deflecte directamente para a sonda. Com esta luz deflectida, os investigadores conseguiram medir o ndice de refraco e o contedo espectral em diferentes regies do tecido. Isso permitiulhes mapear reas (ver figura, tirada de http://www.aip.org/physnews/graphics) com sinais de problemas como multiplicao anormal de clulas, crescimento de ncleos celulares e aumento do material gentico conhecido como cromatina. Tendo identificado com xito clons e tecidos do esfago pr-cancerosos em testes clnicos reais, os fsicos pensam que a sua tcnica chegar ao mercado nos prximos anos. No mesmo encontro, Paul Gourley, dos Sandia Labs, apresentou um laser de biocavidade do tamanho de uma pequena moeda que pode detectar cancro no sangue examinando apenas algumas centenas de clulas, cerca de um bilionsimo de litro (ver http://www.sandia.gov/media/ NewsRel/NR2000/candetec.htm ).

Deteco precoce do cancroNo March Meeting da Sociedade Americana de Fsica, realizado em Minneapolis, EUA, foram anunciadas novas tcnicas de Fsica para detectar cancros. Usando espectroscopia de disperso de luz, com a qual se estudam as cores deflectidas por um objecto iluminado, Michael Feld e colegas do MIT desenvolveram um mtodo para detectar os primeiros sinais de cancro no epitlio, uma camada de tecido em superfcies de orgos tal como o clon. Cerca de 85 por cento de todos os cancros comeam no epitlio, que muitas vezes a primeira linha de defesa contra a doena. Usualmente, os patologistas tm de fazer a bipsia de tecido epitelial e confiar no seu olho clnico (mas subjectivo) para encontrar os primeiros sinais de cancro. Numa

O ncleo mais rico em protesO nquel 48, o ncleo mais rico em protes, foi produzido pela primeira vez no acelerador GANIL (Frana), onde feixes de nquel 58 foram enviados contra um alvo (o nquel conhecido por ter uma das maiores variedades de istopos: o Ni78, em contraste com o Ni48, um dos ncleos mais ricos em neutres). O Ni48 de especial interesse uma vez que tem um ncleo duplamente mgico. A probabilidade de criar Ni 48 nesta coliso expressa por uma seco eficaz de apenas 50 femtobarns, a menor seco eficaz alguma vez medida em Fsica Nuclear. No entanto, a vida mdia que o Ni 48 aparenta

Nova interpretao da Mecnica Quntica Copenhagen, uma pea de Michael Frayn sobre o encontro em 1941 entre Niels Bohr e Werner Heisenberg, foi o tema de um simpsio na City University de Nova Iorque. Fsicos, historiadores e pessoas do teatro envolvidas na produo da pea (que estreou na Broadway depois do xito em Londres) discutiram a questo central sobre a razo por que Heisenberg, na poca cientista-chefe do projecto da bomba atmica alem, foi visitar o seu velho amigo na cidade

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ocupada de Copenhaga. Ser que ele pretendia saber algo sobre os planos atmicos dos aliados? Pretenderia ele analisar com Bohr a tica de aplicar a Fsica para construir a mais mortfera de todas as armas? Devemos ver Heisenberg como um heri por propositadamente ter travado ou sabotado os esforos atmicos alemes ou antes como um engenheiro incompetente que no sabia sequer a diferena entre um reactor e uma bomba? As apresentaes mais interessantes no simpsio foram efectuadas por Hans Bethe e John Wheeler, fsicos eminentes que trabalharam no projecto de bomba dos aliados e que conheceram Bohr e

Werner Heisenberg e Niels Bohr.

Heisenberg pessoalmente. Bethe declarou que Heisenberg no tinha o menor interesse em bombas atmicas, referindo como prova as gravaes de Farmhall, tomadas secretamente, das conversas de Heisenberg e outros cientistas atmicos alemes (entre os quais Otto Hahn, descobridor da ciso nuclear) quando, depois da guerra, estavam presos sob custdia britnica. As notcias da bomba de Hiroshima constituram um grande choque para os alemes que, apesar de no terem progredido muito no desenvolvimento da sua bomba, pensavam que estavam frente dos aliados. A tentativa inicial feita por Heisenberg de justificar o sucesso dos aliados numa sesso tutorial aos seus colegas parece indicar que ele estava muito longe de compreender o funcionamento da bomba. Wheeler (que esteve recentemente em Portugal) falou de vrios encontros com Heisenberg, incluindo um na Universidade de Michigan em 1939, de onde Heisenberg teve de se ausentar

para treino militar na Alemanha. A recepo de Heisenberg entre os fsicos nos anos de ps-guerra foi por vezes fria, disse Wheeler. No foi surpresa que Heisenberg tenha ten-tado nos anos finais defender a sua honra e, em vrias ocasies, tentado explicar os fins da sua visita em 1941. Numa dessas expl