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artigos FSICA, ENERGIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL Jos Dias Urbano AS ENERGIAS DO PRESENTE E DO FUTURO Carlos Varandas, Anbal Traa de Almeida, Antnio Vallra, Eduardo Oliveira Fernandes, Manuel Collares Pereira e Pedro Coelho MEIO SCULO DE HISTRIA FOTOVOLTAICA Antnio M. Vallra e Miguel Centeno Brito OS COMBUSTVEIS FSSEIS - O PROBLEMA DO PEAK OIL Rui Namorado Rosa ENERGIA E CLIMA: DESAFIO AMBIENTAL DO SCULO XXI Filipe Duarte Santos A ENERGIA SOLAR: APLICAES TRMICAS Manuel Collares Pereira ENERGIA SOLAR FOTOVOLTAICA Antnio Vallra SITUAO ACTUAL DOS BIOCOMBUSTVEIS E PERSPECTIVAS FUTURAS Maria Fernanda Rosa HIDROGNIO E CLULAS DE COMBUSTVEL Anbal Traa de Almeida e Pedro Soares Moura CoMisso orgaNiZaDora NOVAS FORMAS DE CISO NUCLEAR Pedro Miguel de Sampaio Nunes FUSO NUCLEAR, UMA OPO ENERGTICA PARA O FUTURO M. E. Manso e C. A. F. Varandas VECULOS ALTERNATIVOS Tiago Lopes Farias A PROCURA E A EFICINCIA ENERGTICA NOS TRANSPORTES Jos Manuel Viegas e Filipe Moura OFERTA E EFICINCIA ENERGTICA EM SISTEMAS ELCTRICOS Joo A. Peas Lopes 86 PEDRO COELHO Instituto Superior Tcnico 78 74 66 ANBAL TRAA DE ALMEIDA Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra ANTNIO VALLRA Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa EDUARDO OLIVEIRA FERNANDES Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto MANUEL COLLARES PEREIRA Instituto Nacional de Tecnologias Industriais 56 CARLOS VARANDAS Instituto Superior Tcnico 50 42 36 30 22 16 10 6 4

AS ENERGIAS DO PRESENTE E DO FUTUROCentro de Congressos do Instituto Superior Tcnico 21 e 22 de Novembro de 2005

FSICA, ENERGIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVELA Conferncia As Energias do Presente e do Futuro inseriu-se num conjunto de actividades que, sob o mesmo ttulo, integraram o programa da Sociedade Portuguesa de Fsica para celebrar o Ano Internacional da Fsica 2005 em Portugal. As outras actividades foram (e so, pois ainda esto a decorrer) a realizao de palestras e a produo de materiais de divulgao. Ao declarar o ano de 2005 como o Ano Internacional da Fsica, a Assembleia-Geral das Naes Unidas convidou a UNESCO a celebr-lo em colaborao com as sociedades de Fsica e grupos de todo o mundo, incluindo os pases em desenvolvimento. Por sua vez a UNESCO escolheu como objectivo principal a promoo da Fsica a todos os nveis, no mundo inteiro. Uma das formas mais eficazes de promover a Fsica mostrar que, quando aliada a outros ramos do saber, ela pode ajudar a identificar e resolver alguns dos maiores problemas com que a humanidade se defronta. Um desses problemas precisamente o de satisfazer as crescentes necessidades de energia, sem danificar o ambiente. A Comisso Organizadora de As Energias do Presente e do Futuro escolheu criteriosamente a data e o local da Conferncia. A data (21 e 22 de Novembro de 2005) foi escolhida de forma a coincidir com o centenrio da publicao, em 21 de Novembro de 1905, do clebre artigo de Einstein sobre a dependncia da inrcia dum corpo do seu contedo energtico. O local foi o Centro de Congressos do Instituto Superior Tcnico, uma das mais emblemticas escolas de cincia e tecnologia do Pas, que presta especial ateno s energias do presente e do futuro. No referido artigo, Einstein apresentou, pela primeira vez, a sua clebre frmula E=mc2, que alguns consideram a frmula mais famosa do mundo. Com aquela frmula Einstein ligou dois conceitos at ento desligados um do outro, o de massa e o de energia. E f-lo, aplicando a sua teoria da relatividade restrita que ligava dois conceitos que, at ento, se referiam tambm a aspectos diferentes da descrio da realidade fsica, o espao e o tempo. A ideia de que a massa de um corpo se pode transformar em energia, e vice-versa, foi confirmada em situaes muito diferentes e teve um papel determinante no aprofundamento

do nosso entendimento sobre a constituio e as propriedades dos sistemas fsicos. Ela est na base da compreenso da ligao dos constituintes fundamentais em sistemas to diversos quanto as galxias, as estrelas, os planetas, os slidos, as molculas, os tomos, os ncleos atmicos e os nuclees. Essa frmula , em ltima anlise, a fonte primria de todas as formas de energia. A importncia que a UNESCO d aos problemas da energia e do ambiente, e a esperana que deposita na contribuio dos fsicos e da fsica para ajudar a resolv-los, ficaram patentes quando incluiu esse tpico na Conferncia Mundial A Fsica e o Desenvolvimento Sustentvel que se realizou de 30 de Outubro a 2 de Novembro, em Durban, frica do Sul. Em sintonia com esta iniciativa da UNESCO, a Comisso Organizadora, presidida pelo Prof. Carlos Varandas, definiu como principais objectivos do projecto As Energias do Presente e do Futuro os seguintes: a) Alertar para a importncia das polticas energticas no desenvolvimento econmico e social, sustentvel, da humanidade; b) Informar sobre as vrias opes energticas; c) Realar o papel da Fsica no progresso cientfico e tecnolgico da rea das energias, com nfase especial na procura de solues para a produo de energia no futuro; d) Cativar os jovens para o estudo da Fsica e das Tecnologias. A competncia e o profissionalismo com que a Comisso encarou a difcil tarefa de organizar actividades que so de alguma forma inditas em Portugal, permitem antever que aqueles objectivos iro ser alcanados. O sucesso da Conferncia, em que as vrias formas de produzir energia foram brilhantemente apresentadas e vivamente confrontadas, um indicador muito positivo, que nos permite acalentar essa esperana. Resta-me, em nome da Sociedade Portuguesa de Fsica, agradecer Comisso Organizadora e aos conferencistas o seu esclarecido e empenhado contributo; aos participantes o terem aderido iniciativa; e ao POCI 2010 o financiamento concedido. Ele possibilita, nomeadamente, a publicao deste nmero especial da Gazeta de Fsica, o qual permitir levar a audincias mais vastas os ensinamentos da Conferncia. Jos Dias UrbanoPresidente do Conselho Directivo da Sociedade Portuguesa de Fsica Comissrio Nacional para o Ano Internacional da Fsica 2005

GAZETA DE FSICA

AS ENERGIAS DO PRESENTE E DO FUTUROCENTRO DE CONGRESSOS DO INSTITUTO SUPERIOR TCNICO

21 | 22 Novembro 2005

21 NOVEMBRO09:30 Sesso de Abertura

22 NOVEMBRO

I. A FSICA E A ENERGIAPresidente: Jos Dias Urbano 10:00 A Fsica e a Energia Joo Caraa Intervalo Combustveis Fsseis: O Problema Rui Namorado Rosa A Energia e o Ambiente I - Clima F. Duarte Santos A Energia e o Ambiente II - Territrio Teresa Andresen Debate

III. ENERGIA E CONHECIMENTO - 2 PartePresidente: Antnio Vallera 09:30 Introduo Antnio Vallera Utilizao Limpa de Combustveis J. Toste Azevedo Hidrognio A. Traa Almeida Novas Tecnologias de Ciso Nuclear P. Sampaio Nunes Fuso Nuclear Maria Emlia Manso Intervalo Veculos Alternativos Tiago Farias Procura e Eficincia Energtica I - Transportes J.M. Viegas Oferta e Eficincia Energtica II - Sistemas elctricos J.P. Lopes Procura e Eficincia Energtica III - Edifcios Ricardo S Debate Fim da sesso da manh

10:40 10:50

09:40

10:00

11:10

10:20

11:30

10:40

11:50 13:00

11:00 Fim da sesso da manh 11:20

II. ENERGIA E CONHECIMENTO - 1 PartePresidente: Anbal Traa de Almeida 14:30 A Energia em Portugal - Ponto de Situao: E. de Oliveira Fernandes Energia Hdrica A. Gonalves Henriques Energia Elica lvaro H. Rodrigues Energia Solar Trmica M. Collares Pereira Energia Solar Fotovoltaica A. Vallera Caf Energia das Ondas A. Falco Energia dos Biocombustveis Fernanda Rosa A Energia e a Cidade: Matriz Energtica Lvia Tirone Debate

11:40

12:00

15:00

12:20

15:20

12:40 13:00

15:40

16:00

IV. A ENERGIA PARA TODOSPresidente: Carlos Varandas 14:30 Debate com Carlos Varandas, Jos Sucena Paiva (IST), A. S da Costa (APREN) e Gomes Martins (UC).

16:20 16:40

17:00

17:20

PATROCNIOS:

17:40

Membros da Comisso Organizadora da Conferncia As Energias do Presente e do Futuro, Sociedade Portuguesa de Fsica, Novembro de 2005

AS ENERGIAS D PRESENTE E DO

Os problemas energticos tm condicionado o desenvolvimento sustentvel da nossa sociedade, directamente ou atravs das suas implicaes no clima e ambiente. Para alm das polticas de eficincia energtica e do aumento do recurso s energias renovveis, os governos devem investir, cada vez mais, na procura de novas tecnologias energticas, capazes de serem fontes alternativas aos combustveis fsseis e de proporcionarem uma soluo global para os problemas energticos da humanidade. A poltica energtica mundial tem sido baseada, essencialmente, na queima de combustveis fsseis, com relevo especial para o petrleo. O carvo, o petrleo e o gs natural so responsveis por aproximadamente 80% da energia final consumida anualmente, enquanto as energias renovveis (hdrica includa) e nuclear representam cerca de 10% cada. Existem vrias justificaes para este panorama: (i) em primeiro lugar, razes histricas decorrentes da descoberta do poder calorfico da combusto e das invenes revolucionrias da mquina a vapor e do motor de combusto interna; (ii) o preo do petrleo manteve-se baixo e atractivo at ao incio da dcada de setenta do sculo passado; (iii) os combustveis fsseis, e em particular o petrleo, podem ser facilSectorINDSTRIA TRANSPORTES EDIFCIOS OUTROS

CARLOS VARANDAS1, ANBAL TRAA DE ALMEIDA2, ANTNIO VALLRA3, EDUARDO OLIVEIRA FERNANDES4, MANUEL COLLARES PEREIRA5, PEDRO COELHO6

1, 6 2

Instituto Superior Tcnico Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Instituto Nacional de Tecnologias Industriais

Portugal29% 35% 29% 7%

Reino Unido21% 35% 30% 14%

3 4 5

Tabela 1 - Distribuio do consumo energtico por sector de actividade.

ARTIGO

DO O FUTURO

mente usados quer na produo de energia elctrica quer directamente na indstria e nos transportes (o qual, neste caso, representa entre 30% e 40% do consumo energtico de um pas desenvolvido (Tabela 1)); (iv) a energia nuclear, convencional, produzida a partir de reaces de fisso de ncleos de elementos pesados (como, por exemplo, o urnio), tem uma aceitao fraca pela opinio pblica. Esta poltica energtica tem, contudo, um preo elevado para a humanidade e coloca vrias questes importantes para o futuro. De facto: (i) a queima de combustveis fsseis liberta para a atmosfera grandes quantidades de dixido de carbono, o qual o principal responsvel pelo chamado efeito de estufa. Este efeito cria perturbaes graves no clima e no ambiente, nomeadamente o aquecimento global da Terra (Fig. 1), com todas as suas consequncias; (ii) os recursos naturais dos combustveis fsseis so limitados. As jazidas que conhecemos permitem satisfazer as necessidades actuais da humanidade durante respectivamente 40, 50 ou 300 anos consoante o combustvel considerado seja o petrleo, o gs natural ou o carvo; (iii) as jazidas de petrleo e de gs natural esto concentradas em certas regies da Terra, caracterizadas por grande instabilidade poltica e social (Tabela 2), facto que cria problemas econmicos e polticos, de que o actual aumento excessivo do preo do petrleo e os conflitos frequentes no Mdio Oriente so exemplos elucidativos. Por outro lado, o consumo de energia vai aumentar em resultado do crescimento da populao mundial, do desenvolvimento de alguns pases (como, por exemplo, a China e a ndia) e, ainda, se bem que de forma j hoje bastante moderada, da melhoria da qualidade de vida nos pases desenvolvidos. A anlise das evolues no tempo do consu-

Fig. 1 - Evoluo da temperatura mdia superfcie da Terra no hemisfrio norte.

mo de energia e das reservas das actuais fontes energticas (Fig. 2) permite concluir que a partir de 2040 o consumo ser superior s reservas convencionais e que a diferena aumentar significativamente ao longo dos anos seguintes. Os factos referidos nos dois pargrafos anteriores indicam a necessidade de uma nova poltica energtica, capaz de corresponder aos desafios do desenvolvimento sustentvel e do progresso social. Esta nova poltica energtica deve estar baseada nos seguintes conceitos fundamentais: - Eficincia na utilizao (converso, transporte e consumo) da energia, atravs de programas de eficincia energtica na produo e no transporte e na distribuio de electricidade e em todos os sectores de actividade, mas com nfase especial nos edifcios e nos transportes; - Flexibilidade, de modo a que a poltica energtica possaRegioMDIO ORIENTE FRICA SIA PACFICO AMRICA DO NORTE AMRICA CENTRAL E DO SUL EUROPA E EURO-SIA

Petrleo61,7% 9,4% 3,5% 5,1% 8,5% 1,7%

Gs natural40,6% 7,8% 7,9% 4% 4% 35,7%

Tabela 2 - Distribuio das reservas de petrleo e gs natural (Fonte: BP Statistical Review of World Energy, Junho de 2005).

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AS ENERGIAS DO PRESENTE E DO FUTURO

Fig. 2 - Evoluo do consumo e da energia disponvel, admitindo que a populao mundial estabiliza em 10 bilies e um consumo a 2/3 da taxa de consumo dos Estados Unidos em 1985.

ser facilmente adaptada a alteraes nos mercados e nos condicionalismos externos; - Diversidade, atravs do recurso simultneo a vrias formas de energia, de modo a garantir o fornecimento barato, seguro e eficiente. necessrio incrementar fortemente a construo de centrais hidroelctricas, aumentar significativamente o peso das energias renovveis (solar trmica, solar fotovoltaica, ondas, mars, elica, biomassa e biocombustveis) e, se necessrio, recorrer a outras energias alternativas (energia nuclear convencional, areias betuminosas e leos pesados);

elctricas, a Fsica tem ajudado a estabelecer modelos que permitem explicar, e at prever, as alteraes climticas e a desenvolver novas fontes de energia baseadas em conceitos com grande ligao Fsica. No admira, por isso, que a Sociedade Portuguesa de Fsica tenha includo no programa das comemoraes nacionais do 2005 Ano Mundial da Fsica um conjunto de actividades subordinadas ao tema As energias do presente e do futuro. De entre as iniciativas desenvolvidas, assumiu relevncia especial uma Conferncia Nacional, realizada no Centro de Congressos do Instituto Superior Tcnico, nos dias 22 e 23 de Novembro de 2005. Recorde-se que foi no dia 22 de Novembro de 1905 que Einstein publicou a clebre formula, E=mc2, que relaciona a massa com a energia, relao que viria mais tarde a explicar a origem da energia libertada em reaces nucleares. Saliente-se tambm que em 17 de Maro do mesmo ano Einstein tinha publicado o artigo sobre o efeito fotoelctrico, que lhe valeu o prmio Nobel em 1921, artigo esse que serviu de base ao nosso entendimento da converso fotovoltaica. Este nmero especial da Gazeta de Fsica contm artigos correspondentes a algumas das comunicaes feitas na conferncia acima referida. As cpias destas apresentaes esto disponveis em: www.cfn.ist.utl.pt/conf_energia/index.html.

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- Inovao e desenvolvimento tecnolgico, de modo a trazer at ao estado comercial novas fontes energticas, assim como novas fontes de armazenamento e novas tecnologias de utilizao de energia. Esta necessidade decorre do facto das actuais fontes energticas no proporcionarem uma resposta global para as necessidades energticas do futuro. , por isso, necessrio apoiar a investigao cientfica e o desenvolvimento tecnolgico de todas as fontes energticas com potencial para darem contribuies importantes, ainda que a mdio ou longo prazo, como as tecnologias do hidrognio e da fuso nuclear. A Fsica tem dado ao longo dos sculos contribuies importantes para a problemtica da energia. De facto, e para alm dos conceitos bsicos que esto subjacentes a muitas fontes de energia e ao funcionamento das centrais

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A primeira clula solar moderna foi apresentada em 1954. Tinha apenas dois centmetros quadrados de rea e uma eficincia de 6%, gerando 5 mW de potncia elctrica. Cinquenta anos depois, em 2004, foram produzidos cerca de mil milhes de clulas, com eficincias da ordem dos 16%, ultrapassando pela primeira vez a barreira de 1 GW de potncia elctrica anual instalada.

MEIO SCULO D HISTRIA FOTO

ANTNIO M. VALLRA Departamento de Fsica e Centro de Fsica da Matria Condensada (CFMC), Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa Campo Grande, 1749-016 Lisboa [email protected]

O efeito fotovoltaico foi observado pela primeira vez em 1839 por Edmond Becquerel que verificou que placas metlicas, de platina ou prata, mergulhadas num electrlito, produziam uma pequena diferena de potencial quando expostas luz [1]. Mais tarde, em 1877, dois inventores norte americanos, W. G. Adams e R. E. Day, utilizaram as propriedades fotocondutoras do selnio para desenvolver o primeiro dispositivo slido de produo de electricidade por exposio luz [2]. Tratava-se de um filme de selnio depositado num substrato de ferro e com um segundo filme de ouro, semitransparente, que servia de contacto frontal. Apesar da baixa eficincia de converso, da ordem de 0,5%, nos finais do sculo XIX o engenheiro alemo Werner Siemens (fundador do imprio industrial com o seu nome) comercializou clulas de selnio como fotmetros para mquinas fotogrficas. A histria da energia fotovoltaica teve de esperar os grandes desenvolvimentos cientficos da primeira metade do sculo XX, nomeadamente a explicao do efeito fotoelctrico por Albert Einstein em 1905, o advento da mecnica quntica

MIGUEL CENTENO BRITO Centro de Fsica da Matria Condensada (CFMC) Campo Grande, 1749-016 Lisboa [email protected]

ARTIGO

DE OVOLTAICA

quente de ltio, criando assim na superfcie da barra uma zona com excesso de electres livres, portadores com carga negativa (e por isso chamado silcio do tipo n). Na regio onde o silcio tipo n fica em contacto com o silcio tipo p, a juno p-n, surge um campo elctrico permanente. Ao caracterizar electricamente esta amostra, Pearson verificou que produzia uma corrente elctrica quando a amostra era exposta luz. Pearson tinha acabado de fazer a primeira clula solar de silcio. Morton Prince, um outro fsico dos Bell Labs, conta numa entrevista [3] como Pearson ficou surpreendido com a descoberta e o chamou ao laboratrio para que testemunhasse as medidas, assinando o seu caderno de laboratrio. Entusiasmado, Pearson foi ter com o engenheiro Daryl Chapin, tambm seu colega nos Bell Labs, que estudava solues para substituir as baterias elctricas que mantinham em funcionamento redes telefnicas remotas. Chapin ensaiara clulas solares de selnio, conhecidas h muito, mas com resultados decepcionantes: a eficincia mxima que conseguira era bem inferior a 1%. Ensaiando a nova clula, Chapin e Pearson verificaram que a eficincia de converso era de cerca de 4%, muitas vezes maior do que a melhor clula de selnio. Continuando o estudo da nova clula, rapidamente o grupo encontrou vrios obstculos. Por um lado a clula revelava uma resistncia-srie muito significativa1, devida dificuldade em soldar contactos elctricos ao material. Por outro lado, mesmo temperatura ambiente, verificaram que o ltio migrava para o interior do silcio, pelo que a juno p-n (a zona activa da clula solar) ficava cada vez mais profunda e inacessvel aos fotes da radiao solar, diminuindo assim a eficincia da clula. Fuller experimentou fazer a dopagem do tipo n usando uma difuso de fsforo, e obteve uma juno p-n mais estvel do que a anterior. Porm, o problema dos contactos persistia. Foi ento que Fuller substituiu o glio por arsnio (formando um substrato do tipo n) seguido por uma difuso

e, em particular, a teoria de bandas e a fsica dos semicondutores, assim como as tcnicas de purificao e dopagem associadas ao desenvolvimento do transstor de silcio: sem a cincia moderna, seria impensvel o nascimento da energia solar elctrica. As descobertas acidentais e o desenvolvimento emprico nunca nos teriam levado a ultrapassar o limiar de eficincia que a tornou vivel. O nascimento: a primeira clula solar moderna A histria da primeira clula solar comeou em Maro de 1953 quando Calvin Fuller, um qumico dos Bell Laboratories (Bell Labs), em Murray Hill, New Jersey, nos Estados Unidos da Amrica, desenvolveu um processo de difuso para introduzir impurezas em cristais de silcio, de modo a controlar as suas propriedades elctricas (um processo chamado dopagem). Fuller produziu uma barra de silcio dopado com uma pequena concentrao de glio, que o torna condutor, sendo as cargas mveis positivas (e por isso chamado silcio do tipo p). Seguindo as instrues de Fuller, o fsico Gerald Pearson, seu colega nos Bell Labs, mergulhou esta barra de silcio dopado num banho

Fig. 1 - Calvin Fuller prepara uma amostra de silcio dopado com arsnio para a colocar num forno de difuso de modo a criar uma juno p-n.

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MEIO SCULO DE HISTRIA FOTOVOLTAICA

duzir electricidade no espao. Recordemos que o primeiro satlite, o Sputnik, lanado em 1957, acabara de inaugurar oficialmente a corrida ao espao entre os Estados Unidos e a Unio Sovitica.

Fig. 2 - Extracto da patente da primeira clula solar, registada em Maro de 1954.

Fig. 3 - Gerald Pearson, Daryl Chapin, Calvin Fuller e a sua primeira clula solar, desenvolvida nos laboratrios da Bell Telephone C. em 1954.

de boro (formando uma zona do tipo p superfcie). As novas clulas podiam agora ser facilmente soldadas e revelaram uma eficincia recorde, atingindo 6%. Perante estes resultados, e depois de o Pentgono ter autorizado a sua publicao, a primeira clula solar foi apresentada na reunio anual da National Academy of Sciences, em Washington, e anunciada numa conferncia de imprensa no dia 25 de Abril de 1954. Os resultados foram submetidos para publicao no Journal of Applied Physics [4] e foi registada uma patente [5] (Fig. 2). A demonstrao pblica da pilha solar consistiu numa transmisso via rdio de algumas palavras entre D. E. Thomas e Morton Prince usando um sistema porttil alimentado por uma clula solar2. A reaco da imprensa foi entusistica. Nas pginas do New York Times podia ler-se que aquela primeira clula solar marca o princpio de uma nova era, levando, eventualmente, realizao de um dos mais belos sonhos da humanidade: a colheita de energia solar sem limites, para o bem-estar da civilizao. A primeira aplicao das clulas solares de Chapin, Fuller e Pearson (Fig. 3) foi realizada em Americus, no estado da Georgia, para alimentar uma rede telefnica local (Fig. 4). O painel, com nove clulas com 30 mm de dimetro, foi montado em Outubro de 1955 e removido em Maro de 1956. Os resultados foram promissores, embora o painel tivesse ficado rapidamente coberto por uma massa opaca de fezes ornitolgicas! [6]. No entanto, rapidamente se compreendeu que o custo das clulas solares era demasiado elevado, pelo que a sua utilizao s podia ser economicamente competitiva em aplicaes muito especiais, como, por exemplo, para pro-

Fig. 4 - A primeira aplicao de uma clula solar de silcio foi como fonte de alimentao de uma rede telefnica local em Americus, na Gergia, Estudos Unidos da Amrica, em 1955.

Infncia e adolescncia Inicialmente, os satlites usaram pilhas qumicas ou baseadas em istopos radioactivos. As clulas solares eram consideradas uma curiosidade, e foi com grande relutncia que a NASA aceitou incorpor-las, como back-up de uma pilha convencional, no Vanguard I, lanado em Maro de 1958 (Fig. 5). A pilha qumica falhou, mas o pequeno painel com cerca de 100 cm2, que produzia quase 0,1 W, manteve o transmissor de 5 mW em funcionamento muito para alm de todas as expectativas: o Vanguard I manteve-se operacional durante oito anos. Depois desta demonstrao de fiabilidade, durabilidade e baixo peso, o programa espacial norte-americano adoptou as clulas solares como fonte de energia dos seus satlites. Tambm o programa espacial sovitico viu nas clulas solares a soluo para uma fonte de energia inesgotvel para os seus satlites. Dois meses depois do lanamento do Vanguard I, foi a vez do Sputnik-3. E muitos outros se seguiram nas dcadas seguintes. Hoje, todos os veculos espaciais so equipados com clulas solares, desde a Inter-

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national Space Station aos Mars Rover, que ao fim de dois anos continuam a percorrer o solo marciano. O desenvolvimento de clulas solares cada vez mais eficientes para utilizao no espao levou a alguns avanos tecnolgicos importantes na dcada que se seguiu. o caso da substituio, a partir de 1960, do contacto frontal nico por uma rede de contactos mais finos mas espalhados, reduzindo a resistncia srie e aumentando a eficincia [7]. Enquanto nas primeiras clulas solares norte-americanas o substrato das clulas era silcio do tipo n, os investigadores do programa espacial sovitico escolheram substratos do tipo p, por ser mais econmico de produzir. Mais tarde, verificou-se que o silcio do tipo p mais resistente radiao pelo que, depois da descoberta das cinturas de radiao de Van Allen, em 1960, o programa espacial norte americano comeou tambm a desenvolver clulas em substrato do tipo p [8]. Outro avano importante foi a chamada clula violeta, dos COMSAT Laboratories [9]. Esta clula tinha uma do zona tipo n significativamente mais fina que as anteriores, o que permitiu eliminar a zona inactiva superfcie, melhorando portanto a resposta no azul. A clula violeta obteve uma eficincia recorde de 13,5%. Destaque-se ainda a utilizao de um campo elctrico na superfcie posterior da clula (o Back Surface Field - BSF) criado por uma difuso de alumnio, para melhorar a resposta da clula no vermelho3 [10], e a texturizao da superfcie frontal para reduzir as perdas por reflexo [11]. Mas, se o desenvolvimento das clulas solares nos anos sessenta foi sobretudo motivado pela corrida ao espao, o que levou a clulas mais eficientes mas no necessariamente mais econmicas, foi nessa dcada que surgiram as primeiras aplicaes terrestres. Foi o caso das clulas da SOLAREX, uma empresa de Jospeh Lindmeyer, que comeou a produzir painis fotovoltaicos para sistemas de telecomunicaes remotos e bias de navegao. Este tipo de aplicaes muito especficas eram ento as nicas economicamente interessantes devido inexistncia de fontes de energia alternativas electricidade solar. Esta situao viria a mudar de figura quando, no outono de 1973, o preo do petrleo quadruplicou. O pnico criado pela crise petrolfera de 1973 levou a um sbito investimento em programas de investigao para reduzir o custo de produo das clulas solares. Algumas das tecnologias financiadas por estes programas revolucionaram as ideias sobre o processamento das clulas solares. o caso da utilizao de novos materiais, em particular o silcio multicristalino (em vez de cristais nicos de silcio, monocristais, muito mais caros de produzir) ou de mtodos de produo de silcio directamente em fita (elimi-

nando o processo de corte dos lingotes de silcio, e todos os custos associados). Outra inovao particularmente importante do ponto de vista de reduo de custo foi a deposio de contactos por serigrafia em vez das tcnicas tradicionais: a fotolitografia e a deposio por evaporao em vcuo [12]. O resultado de todos estes avanos foi a reduo do custo da electricidade solar de 80 $/Wp para cerca de 12 $/Wp em menos de uma dcada4. Do ponto de vista da eficincia de converso das clulas solares, a barreira dos 20% de eficincia foi pela primeira vez ultrapassada pelas clulas de silcio monocristalino da Universidade de New South Wales, na Austrlia [13], enquanto a equipa de Dick Swanson atingiu os 25% de eficincia em clulas com concentrador5 [14].

A maturidade As dcadas de oitenta e noventa foram tambm marcadas por um maior investimento em programas de financiamento e de demonstrao motivados sobretudo pela conscincia crescente da ameaa das alteraes climticas devido queima de combustveis fsseis6. Exemplos destas iniciativas so a instalao da primeira central solar de grande envergadura (1 MWp) na Califrnia, em 1982, e o lanamento dos programas de telhados solares na Alemanha (1990) e no Japo (1993). Os poderes polticos compreenderam ento que a criao de um verdadeiro mercado

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Fig. 5 - Imagem do Vanguard I, o primeiro satlite com clulas solares, lanado em Maro de 1958 levando a bordo um pequeno painel solar com 100 cm2 visvel na janela em cima esquerda.

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MEIO SCULO DE HISTRIA FOTOVOLTAICA

fotovoltaico no poderia basear-se apenas no desenvolvimento tecnolgico, aumentando a eficincia das clulas (como na poca da corrida ao espao), ou reduzindo o seu custo de produo (como depois da crise do petrleo) mas tambm atravs de uma economia de escala: quantas mais clulas forem fabricadas menor ser o custo unitrio. Um exemplo do impacte deste tipo de poltica fica bem claro quando se consultam as concluses de um estudo financiado pela Comisso Europeia, o MUSIC FM, que mostrou que, utilizando tecnologia actual, melhorada apenas por investigao focada com resultados previsveis, uma fbrica de painis solares com um nvel de produo da ordem dos 500 MW anuais levaria a uma reduo dos custos dos painis solares para valores competitivos com a energia convencional (1 euro/Wp) [15]. Foi do resultado de iniciativas de estmulo ao mercado fotovoltaico, como por exemplo a lei das tarifas garantidas na Alemanha, que resultou o crescimento exponencial do mercado da electricidade solar verificado no final dos anos noventa e princpios deste sculo: em 1999 o total acumulado de painis solares atingia a fasquia do primeiro gigawatt, para, trs anos depois, o total acumulado ser j o dobro. Entretanto, o desenvolvimento tecnolgico do fotovoltaico no pra. Assim, em 1998 foi atingida a eficincia recorde de 24,7%, com clulas em silcio monocristalino [16], enquanto, no ano passado, o grupo do Fraunhofer Institut for Solar Energy Systems anunciou uma eficincia superior a 20% para clulas em silcio multicristalino [17]. Clulas solares com configuraes mais complexas, as chamadas clulas em cascata (ou tandem) que consistem na sobreposio de vrias clulas semicondutoras, cada uma optimizada para um dado comprimento de onda da radiao, permitem atingir rendimentos de converso superiores a 34% [18].

entre clulas individuais que hoje limitam fortemente a automatizao dos processos de montagem de painis solares. Concluso Decorrido meio sculo desde a construo da primeira clula solar de silcio, a tecnologia fotovoltaica atingiu finalmente uma fase de maturidade que permite antecipar que, nas prximas dcadas, o fotovoltaico se pode vir a transformar numa das mais importantes formas de produo de electricidade. Se sombra da corrida ao espao, os primeiros 25 anos de vida da clula solar assentaram na procura de maiores eficincias, o choque petrolfero e a percepo da ameaa das alteraes climticas devido emisso de gases e consequente efeito de estufa estimularam o incio do desenvolvimento de tcnicas de processamento de clulas com menores custos. Hoje dado nfase a mecanismos de apoio criao e desenvolvimento de um verdadeiro mercado de electricidade solar sustentvel que, nos prximos 25 anos, possa levar a energia fotovoltaica a muitos dos lares do planeta.

bIbLIOGRAFIA Para mais detalhes sobre a histria das clulas solares de silcio consultar os seguintes textos: 1. Flood, M., Solar cells, Design and Innovation, Open University Press (1986) 56. 2. Green, M., Silicon Photovoltaic Modules: A Brief History of the First 50 Years, Progress in Photovoltaics: Research and Applications 13 (2005) 447. 3. Perlin, J., Kazmerski, L. and Moon, S., Silicon solar cell turns 50, Solar Today 1 (2004). 4. Siemer J., First steps into the solar age, Photon International 6 (2004) 65. 5. Treble, F., Milestones in the development of crystalline silicon solar cells, Renewable Energy 15 (1998) 473. 6. Willeke, G. P., The crystalline silicon solar cell: history, achievements and perspectives, Proceedings 19th EPVSEC (2004).

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O futuro A European Photovoltaic Industry Association (EPIA) publicou em 2004 um roteiro que avana as perspectivas da indstria fotovoltaica para as prximas dcadas. Prevendo um crescimento do mercado semelhante ao dos ltimos anos (superior a 30% por ano) e uma reduo nos custos proporcional ao crescimento de painis instalados, a EPIA antecipa que em 2020 cerca de 1% da electricidade consumida mundialmente ser de origem fotovoltaica, elevando-se essa fraco para cerca de 26% em 2040 [19]. Ainda segundo o mesmo relatrio, do ponto de vista tecnolgico o nfase ser dado reduo de custos atravs da reduo da matria-prima (silcio) utilizada por unidade de potncia instalada, usando clulas mais finas ou produzidas directamente em fita. Destaque-se ainda o desenvolvimento de novas tcnicas de soldadura dos contactos elctricos

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[14] Bruton, T. et al., Multimegawatt upscaling of silicon and thin film solar cell and module manufacturing, MUSIC FM, Final Report RENA-CT94-0008 (1997). [15] Zhao, J., Wang, A., Green, M. A. and Ferrazza, F., Novel 19.8% efficient honeycomb textured multicrystalline and 24.4% monocrystalline silicon solar cell, Applied Physics Letters 73 (1998) 1991. [16] Schultz, O., Glunz, S. W. and Wileke G. P., Multicrystalline Silicon Solar Cells Exceeding 20% Efficiency, Progress in Photovoltaics: Research and Applications 12 (2004) 553. [17] King, R. R., et al., Lattice-matched and metamorphic GaInP/GaInAs/Ge concentrator solar cells, Proceedings of the World Conference on Photovoltaic Energy Conversion (WCPEC-3), Osaka (2003). [18] Viaud, M., Hoffman, W. and Aulich H., European PV Industry roadmap, Proceedings 19th EPVSEC (2004).

nOTAS A resistncia srie de uma clula solar representa o conjunto das diversas perdas hmicas do dispositivo que reduzem o rendimento da clula.1

Cinquenta anos depois, uma desta clulas originais foi reapresentada na Conferncia Mundial de Energia Fotovoltaica, que teve lugar em Osaka, no Japo, em Maio de 2003. Passado meio sculo, a sua eficincia degradou-se um pouco e agora de 5,1% (medio certificada pelo NREL).2

O Wp (watt-peak) a unidade de medida da potncia elctrica de um painel fotovoltaico quando iluminado em determinadas condies padro (1000 W/m2, temperatura ambiente de 25 C e o espectro da radiao solar AM1.5).4

Os concentradores focam a radiao solar numa rea mais pequena, onde se encontra a clula solar.5

Com a excepo dos E.U.A., que introduziram cortes significativos no financiamento da energia fotovoltaica durante a administrao Reagan.6

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O BSF repele os portadores da superfcie posterior da clula solar, diminuindo efectivamente a sua probabilidade de recombinao.3

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O crescimento demogrfico, a inovao tcnica, a substituio e diversificao de fontes primrias de energia, a diversificao de vectores energticos, a multiplicao das utilizaes de energia final, a omnipresena de mquinas e a integrao econmica mundial, so conducentes intensificao da utilizao de energia que suporta o crescimento econmico. Ser este sustentvel? A gnese dos hidrocarbonetos conhecida e o conhecimento dos seus recursos quase exaustivo. So finitos e escassos. Os recursos mais acessveis foram explorados primeiro, o custo energtico de extraco cresce e a sua disponibilidade diminui: obter energia fssil requer cada vez mais energia. H um limite para a quantidade disponvel: quando o custo em energia dispendida igualar o benefcio em energia recolhida. A eficincia energtica de extraco uma medida fsica til para abordar este problema.

OS COMBUSTV O PROBLEMA D

SUBSTITUIO DE MATRIAS-PRIMAS A energia crucial para todas as economias. O ferro pode substituir o cobre, o alumnio pode substituir o ferro ou o cobre, o ferro pode substituir a madeira, o beto pode substituir o ferro, o titnio pode substituir o alumnio, com eventuais constrangimentos ou at grandes vantagens. Mas energia s pode ser substituda por energia, eventualmente de outra origem, mas por opo ou por constrangimento? Com vantagem ou desvantagem? RUI NAMORADO ROSA Centro de Geofsica de vora, Universidade de vora R. Romo Ramalho, 59 7000 vora Instituto Superior Tcnico e Association for the Study of Peak Oil and Gas [email protected] A captao ou extraco de uma fonte de energia primria uma actividade econmica que ela prpria consome recursos, e em particular energia. Por cada barril de petrleo investido no Golfo Prsico podem ser extrados, refinados e transportados trinta ou mais barris. O retorno, no caso de extraco de hidrocarbonetos a partir de areias betuminosas e xistos asflticos, prximo de 2 ou 3; essa extraco implica enorme mobilizao de energia (actualmente gs natural) e de massa (desmonte de rochas e consumo de caudais de gua) para obter quantidades relativamente modestas de energia til. A evoluo para fontes ou tecnologias de menor retorno energtico implica

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VEIS FSSEIS DO PEAK OIL

1977 (e de novo em 1997, pois neste pas tiveram lugar duas vagas de prospeco e dois picos distintos de descobertas), no Egipto em 1994, no Reino Unido em 1999, na Noruega em 2001, na Rssia em 1988 (prevendo-se um pico secundrio em 2009, neste caso porque o normal curso da curva de produo foi distorcido por factores poltico-econmicos), na China prev-se que ocorra j em 2009. O lote de pases que seguramente ainda no atingiram o pico da respectiva curva de produo um peloto j reduzido a apenas oito: Arbia Saudita, Iraque, Abu-Dhabi, Cazaquesto, Azerbeijo, Uzbequisto, Lbia e Bolvia. E se constatarmos que o pico de descobertas, no plano mundial, se centrou na dcada de 1960, poderemos antecipar que o correspondente pico da produo poder provavelmente ocorrer na primeira dcada do novo sculo. Outro sinal de alarme tem a ver com o desempenho dos maiores campos petrolferos. Quase metade da produo mundial assegurada pelos 120 maiores campos petrolferos. Destes, os catorze maiores (super-gigantes, com capacidade superior a 500 000 barris/dia) asseguram, s por si, 20% da produo mundial. Ora a descoberta de campos gigantes vem diminuindo em nmero e dimenso desde a remota dcada de 1950; o ltimo super-gigante foi descoberto nos anos 1980. A larga maioria est envelhecida e muitos deles entraram j em franco declnio de produo; os maiores dos maiores, Gawar na Arbia Saudita, Burgan no Kuwait e Cantarel no Mxico, depois de largas dezenas de anos de elevada produtividade, entraram em declnio, no obstante os esforos de produo assistida. Uma consequncia desse envelhecimento e diminuio a necessidade de incrementar a produo, requerida pelo crescimento da procura, por recurso explorao de uma multido cada vez mais numerosa de milhares de depsitos menores e cada vez mais pequenos, com acrescidos custos econmicos e energticos. Outro sinal de alarme reside indiscutivelmente no facto de a taxa de extraco de petrleo manter ainda tendncia ascendente, mas a taxa de descoberta de novas reservas exibir tendncia descendente, com saldo consistentemente negativo desde 1980. Estamos a consumi-lo ao ritmo de 25 bilies de barris/ano (25 Gb/ano), enquanto o ritmo de descoberta se reduziu j a apenas 5 Gb/ano. Entrmos decisivamente num perodo em que exaurimos um stock definitivamente limitado (Fig. 1). Finalmente falemos de reservas estimadas. As estimativas das ltimas reservas recuperveis (URR) a nvel mundial so variveis consoante os autores, mas o intervalo em que se situam mantm-se estvel ao longo das ltimas dezenas de anos; segundo a ASPO, esse montante estar prximo de 2000 bilies de barris (2000 Gb). J no so de esperar surpresas, no obstante, ou justamente, por causa dos notveis progressos realizados, quer na prospeco quer na

a reduo da energia efectivamente disponvel para as restantes actividades e/ou o aumento do investimento e a diminuio da rentabilidade do sector energtico. A progressiva escassez dos hidrocarbonetos (petrleo e gs natural), que representam dois teros do aprovisionamento mundial de energia, assunto que preocupa um nmero cada vez maior de cientistas, polticos e cidados. HIDROCARBOnETOS COnVEnCIOnAIS A CAMInHO DA ExAUSTO Os sinais de alarme vo-se acumulando. A experincia industrial dos vrios pases produtores de petrleo tem revelado que a sua capacidade de produo atinge o respectivo mximo cerca de 25 a 40 anos aps a ocorrncia da taxa mxima de descoberta de reservas nos seus depsitos petrolferos (esta variabilidade depende de factores geolgicos, mas tambm de factores econmicos e polticos). Essa observao tem-se repetido consecutivamente na larga maioria dos pases produtores. Nos EUA a curva de produo exibiu o seu pico em 1971, na Indonsia em

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OS COMBUSTVEIS FSSEIS - O PROBLEMA DO PEAK OIL

Fig. 1 - Descobertas e produo: o crescente dfice de petrleo convencional.

explorao. E por isso que se pode afirmar com segurana que estaremos (a nvel mundial) prximo do ponto em que a quantidade de petrleo convencional j extrado e queimado (cerca de 945 Gb) aproximadamente igual quantidade de petrleo recupervel ainda preservado nas reservas remanescentes. A dvida sobre se tal ocorrer alguns anos mais cedo ou mais tarde irrelevante e at no concretamente observvel; o fundamental a mudana da tendncia que se avizinha, se no que estamos a atravess-la justamente agora. SUBSTITUIO DE FOnTES DE EnERGIA PRIMRIA As repercusses econmicas dessa transio podero revelar-se (ou estaro a revelar-se j) determinantes no funcionamento da esfera scio-econmica. Sendo a energia um factor de produo cuja real produtividade muito superior respectiva contribuio na estrutura de preos dos factores, a disponibilidade de energia, independentemente do seu custo monetrio, ser determinante para a possibilidade de crescimento econmico (numa mtrica fsica). Ento, a escassez de uma determinada fonte de energia primria requer a sua substituio por outras fontes, de forma que a disponibilidade de energia no se torne em factor limitativo da produo. Cerca de 1880, as duas fontes de energia primria dominantes no plano mundial eram a biomassa (lenha) e o carvo mineral, em iguais propores, a primeira em tendncia descendente e o segundo ascendente; a energia solar, elica e hdrica mantinham a sua histrica importncia, que porm se tornara relativamente menor; o acelerado crescimento da produo suportava-se no consumo do carvo mineral, parte intrnseca da revoluo industrial. Tambm, por essa poca, o petrleo iniciava, nos EUA, o seu ciclo de vida como combustvel de

futuro. Mais de um sculo volvido, no final do sculo XX, cinco fontes primrias asseguravam contribuies importantes e em boa medida especializadas no aprovisionamento mundial de energia: o petrleo com 40%, o gs natural e o carvo com cerca de 25% cada (mas com tendncias contrrias, ascendente o primeiro, descendente o segundo), a fraco restante sendo assegurada pelas energias nuclear e hdrica (ambas na produo elctrica). Porm, as diversas fontes de energia no so equivalentes e, portanto, as respectivas substituies no so fsica e economicamente indiferentes. O petrleo substituiu o carvo no por exausto do carvo; o gs natural, que em regra acompanha geologicamente o petrleo, comeou por ser negligenciado, at passar a ser recuperado nas regies onde escasseou o petrleo. O petrleo , como lquido, facilmente armazenvel, transportvel e destilvel, uma matria-prima energtica e qumica incomparvel. Poder ser substitudo do ponto de vista de poder calorfico mas no o ser no conjunto das suas propriedades superiores. Em particular, o petrleo a mais eficaz fonte de combustveis lquidos, universalmente utilizados em motores de combusto interna, quer em aplicaes fixas quer sobretudo em aplicaes mveis, com destacada predominncia nos sectores de transportes areo, martimo e terrestre. Por esta via o petrleo est omnipresente e tem uma importncia imediata e determinante no comrcio a todos os seus nveis de integrao econmica. Da que seja necessrio e se assista a um esforo no sentido de diversificar as origens de hidrocarbonetos lquidos, para alm do petrleo convencional que goza de baixa viscosidade e se encontra acumulado em rochas relativamente porosas e permeveis. Segundo as avaliaes da ASPO regularmente actualizadas, estamos a atravessar o pico mundial da capacidade de extraco de petrleo convencio-

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nal. A presso da procura exige investimento na extraco de outros hidrocarbonetos lquidos, menos acessveis ou de menor qualidade. De entre estas contribuies no convencionais, a mais aprecivel vem, e prev-se que continue a vir, sobretudo dos lquidos que acompanham o gs natural e condensam aquando da sua extraco. Outras fronteiras de extraco de petrleo no convencional so o petrleo polar (depsitos a latitude superior ao crculo polar rtico), o petrleo de guas profundas (depsitos no offshore em fundos marinhos a profundidade superior a 500 metros, Fig. 2), o petrleo pesado (de elevadas densidade e viscosidade) e os asfaltos e betumes (correspondentes a fases geologicamente anteriores ou posteriores formao de petrleo). Os petrleos polar e de guas profundas exigem solues tcnicas sofisticadas e implicam pesados investimentos e custos de explorao; por isso, s depsitos de mdia ou grande dimenso justificam ser explorados. O aproveitamento de depsitos de petrleo pesado, de areias betuminosas ou de xistos asflticos requer igualmente solues tcnicas complicadas e pesados investimentos; so tipicamente casos de baixo retorno de energia por energia investida na extraco; existem alguns grandes depsitos (Orinoco, na Venezuela, Athabasca, no Canad e Green River, nos EUA), cuja taxa de recuperao reconhecidamente baixa e que comportam impactos ambientais importantes. EnERGIA E CRESCIMEnTO ECOnMICO A econosfera, o conjunto das instituies e processos sociais de elaborao material, um sistema aberto no seio da geosfera natural. Toda a actividade econmica implica transformao material e decorre no seio da natureza,

sujeita s suas leis naturais. A civilizao pr-industrial e o arranque da revoluo industrial apoiaram-se inteiramente em fluxos directos de energia solar (ou indirectos, que suportam stocks renovveis como florestas e pesqueiros). O valor histrico da terra (solo) atribuvel sua capacidade para captar e converter os fluxos naturais de energia e massa (mormente os ciclos do carbono e da gua) accionados pelo fluxo primrio de radiao solar. Obter energia implica trabalho, ou seja dispndio de energia. A relao entre energia obtida e energia dispendida, tem um significado primordial na base material de todas as sociedades e dita a sua sustentabilidade e a habilidade para o seu crescimento. Nas sociedades pr-industriais o trabalho somtico do homem (e dos animais de trabalho domesticados), aplicado ao solo (e dadas as disponibilidades dos factores sol e gua), deveria produzir alimentos suficientes para sustentar esse ciclo de realimentao, sem o que a fome poria em risco a sobrevivncia da populao e a estabilidade da sua estrutura. Nas sociedades industriais avanadas a intensidade de utilizao de energia externa dezenas de vezes a capacidade de realizao de trabalho somtico, at mesmo na agricultura, mas sobretudo nos transportes. As fontes de energia externa que suportaram o desenvolvimento industrial no passado foram os combustveis fsseis, particularmente o petrleo, que ganhou predominncia quantitativa e qualitativa ao longo de quase todo o sculo XX. Todavia os depsitos de combustveis fsseis so finitos e apenas uma parte deles so ou podero vir a ser tomados como reservas, isto , passveis de ser utilmente explorados, ponderados os factores tecnolgicos e econmicos. Lamentavelmente, as expectativas colocadas nas potencialidades de desenvolvimento tecnolgico tm sido erradamente supostas ilimitadas pelo pensamento econmico neoclssico dominante.

Fig. 2 - Novas Fronteiras da Prospeco e Explorao: O crescimento de reservas e de produo tem sido tambm assegurado pelo offshore a profundidades progressivamente maiores. (Fonte: ENSPM, Institut Franais du Petrle, 2002)

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OS COMBUSTVEIS FSSEIS - O PROBLEMA DO PEAK OIL

EFICInCIA EnERGTICA DAS FOnTES DE EnERGIA PRIMRIA Quando nos ocupamos de extraco de matrias-primas energticas (fsseis ou nucleares) apropriado tomar a razo entre energia (bruta ou lquida) obtida e energia dispendida, energy return on energy invested, EROEI ou energy profit ratio, EPR como medida da eficincia energtica de extraco da fonte de energia primria. Este indicador , em regra, de aferio incerta porque a indstria e as entidades responsveis pela recolha de informao no esto sensibilizados para ele. Consumos internos indstria energtica no so relatados ou sequer aferidos; h gs natural recuperado sada dos poos que re-injectado nos campos petrolferos (para incrementar a taxa de recuperao do petrleo) e stranded gas consumido localmente pela prpria indstria sem que sejam registados; o gs natural consumido na extraco de petrleo sinttico a partir de areias betuminosas ou na beneficiao de petrleo pesado tambm no registado; os ganhos de refinaria so acertos que confirmam a inconsistncia de critrios e procedimentos. Os hidrocarbonetos convencionais, petrleo e gs natural, so fluidos resultantes da lenta transformao de matria orgnica incorporada em rochas sedimentares em afundamento e submetidas a temperaturas e presses progressivamente elevadas (rocha me), que ficam retidos e armazenados em rochas porosas e permeveis e naturalmente pressurizadas (rocha reservatrio), pelo que, uma vez perfurada a rocha cobertura, a sua ejeco espontnea. Com o avano da extraco, a presso baixa e, numa segunda etapa, o prosseguimento da extraco requer pressurizao, mediante injeco ou de gua sob o lenol deFONTE DE ENERGIA PRIMRIA1940 - 9 1970 - 9 2000 - 5 CARVO ( BOCA DA MINA) 1950 1970 2000 OFFSHORE PROFUNDO XISTOS ASFLTICOS AREIAS BETUMINOSAS LIQUEFACO DO CARVO

hidrocarboneto ou de um gs (azoto, dixido de carbono, ou mesmo gs natural) sobre o lenol de petrleo. Etapas mais avanadas exigem a extraco atravs de furos horizontais, a injeco de substncias tensioactivas, a fragmentao da rocha com explosivos, a instalao de bombeamento subterrneo, etc. Qualquer modalidade de extraco assistida (enhanced oil recovery, EOR) no s exigente em recursos adicionais, particularmente em energia, como tambm contrariada e limitada no seu alcance pelo facto de o escoamento se dar em mistura de fases, de que resulta a fragmentao do hidrocarboneto em bolsas isoladas cuja acessibilidade se torna progressivamente mais difcil; por estas razes, a taxa de recuperao frequentemente no excede 45% para o petrleo e 70% para o gs. A acelerao da extraco e a explorao gananciosa para satisfao de necessidades imediatas agravam as irreversibilidades, traduzindo-se, tanto na antecipao do pico da produo, como em mais rpido declnio da ulterior taxa de extraco e reduo da taxa de recuperao final alcanada. O incremento da taxa de recuperao do hidrocarboneto pr-existente exige, em particular, a intensificao do consumo de energia na extraco, isto , a eficincia energtica de extraco, EROEI ou o EPR, degrada-se progressivamente ao longo do ciclo de vida de um campo petrolfero, pelo que o hidrocarboneto in situ nunca totalmente extrado. Os limites econmicos e tcnicos da extraco do recurso no podem ser deixados deslizar indefinidamente, como crena corrente, porque admitindo que o fossem, a extraco tornar-se-ia, a partir de certo momento, um sumidouro e no uma fonte de energia. Os recursos de hidrocarbonetos no convencionais caracterizam-se por exibirem ab initio baixa eficincia energtica de extraco, EROEI ou EPR. Mesmo que os recursos sejam muito vastos, os fluxos de massa e energia exigidos para obter uma unidade de energia lquida, a ser exportada e consumida fora da prpria indstria energtica, so substancialmente superiores aos exigidos para obter uma unidade de energia lquida partindo de recursos convencionais. Isso significa que os investimentos em meios de equipamento sero proporcionalmente maiores e os impactos ambientais tambm. A escassez j patente em reservas de hidrocarbonetos convencionais faz com que se recorra, cada vez mais, a reservas no convencionais, nomeadamente petrleo pesado e ultra-pesado, areias betuminosas, jazidas no offshore profundo, jazidas na zona polar, lquidos de gs natural (NGL) e lquidos do carvo (CL), lquidos sintticos derivados do gs sada do poo (GTL) ou do carvo ou boca da mina (CTL), Coal Bed Methane e Tight Gas Sands. Xistos asflticos (rochas-me imaturas portadoras de querognio ainda no convertido em hidrocarbonetos) e sedimentos marinhos (portadores de hidratos de metano)

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Eficincia energtica de extraco EROEI ou EPRDescobertas >100 Descobertas 8, Extraco 23 Extraco 10

PETRLEO E GS NATURAL ( SADA DO POO)

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80 30 8 5 1a4 2a4 0,5 a 8

Tabela1 - Eficincia energtica de extraco de energia primria.

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ocorrem em algumas vastas jazidas, mas o EROEI ou EPR da sua extraco presumivelmente proibitivo (Tabela 1). Assim, o pico de produo de hidrocarbonetos convencionais e a transio para hidrocarbonetos no convencionais significa, essencialmente, uma degradao progressiva da eficincia energtica de extraco de energia primria, do nvel muito elevado alcanado em meados do sculo XX, para nveis que foram os alcanados em fases anteriores da revoluo industrial. certo que as eficincias energticas de converso de energia primria em secundria (centrais termoelctricas e refinarias, por exemplo) e de utilizao final (motores trmicos, clulas de combustvel, sistemas de energia total, por exemplo) podem ainda progredir, mas j estreita a margem de progresso a realizvel. Ora uma economia industrial baseada em baixa eficincia energtica de extraco de energia primria, ver a sua capacidade de acumulao de bens materiais (e capital) constrangida. O sculo XXI ser tecnicamente muito mais avanado mas poder ter capacidade de crescimento comparvel do sculo XIX.

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J PAGOU AS QUOTAS DE 2006?GAZETA DE FSICA

Caro Scio da SPF: neste momento j dever ter recebido uma carta solicitando o pagamento da sua quota. A Sociedade Portuguesa de Fsica pede a todos uma resposta rpida. Ela indispensvel para a continuidade da SPF.

http://spf.pt

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Apresenta-se uma breve descrio do sistema climtico terrestre e uma anlise das causas da variabilidade climtica natural, especialmente da alternncia entre perodos glaciares e interglaciares nos ltimos 600 000 anos. Desde o incio da revoluo industrial e sobretudo mais recentemente, as actividades humanas tm provocado uma interferncia sobre o sistema climtico por meio das emisses crescentes de gases com efeito de estufa para a atmosfera. Esta interferncia provoca alteraes climticas, cujos primeiros sinais so j observveis, que tero impactos negativos sobre vrios sectores scio-econmicos e sistemas biofsicos. H dois tipos de resposta a estas alteraes climticas: a mitigao e a adaptao. Depois de discutir uma metodologia para definir quantitativamente o que se deve entender por interferncia antropognica perigosa sobre o sistema climtico faz-se uma breve introduo problemtica da mitigao, que consiste em estabilizar a concentrao atmosfrica dos gases com efeito de estufa, especialmente o CO2 proveniente da combusto dos combustveis fsseis e das alteraes no uso dos solos.

EnErgia E Clim DEsafio ambiE sCulo XXi

FILIPE DUARTE SANTOS Laboratrio Associado - Instituto D. Luiz, Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa, Observatrio Astronmico de Lisboa Edifcio Leste, Tapada da Ajuda 1349-018 Lisboa [email protected]

Um dos maiores impactes ambientais do actual perodo de intenso desenvolvimento scio-econmico, que teve o seu incio com a revoluo industrial, em meados do sculo XVIII, o aumento da concentrao atmosfrica de alguns gases com efeito de estufa (GEE) (ou seja, com a propriedade de absorver a radiao infravermelha), especialmente o CO2. A concentrao deste gs na atmosfera aumentou em cerca de 35% desde o valor pr-industrial de 280 ppmv (partes por milho em volume) at ao valor de 379 ppmv em 2004. Este aumento continua e resulta, sobretudo, da queima de combustveis fsseis, carvo, petrleo e gs natural, e tambm das alteraes no uso dos solos, em especial a desflorestao. Nos ltimos 20 anos a combusto dos combustveis fsseis contribuiu em mdia, com 75% das emisses globais de CO2 para a atmosfera. H outros GEE cujas concentraes atmosfricas esto tambm a aumentar devido a emisses antropognicas tais como CH4, N2O, CFCs e HCHCs. As emisses antropognicas de CO2 so especialmente importantes porque o CO2 um poderoso regulador do clima. Estudos paleoclimticos revelam que existe uma forte correlao entre a concentrao atmosfrica do CO2 e a temperatura mdia global da atmosfera. Os resultados apresentados na Fig. 1, obtidos a partir da medio da

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durao aproximada de 100 000 anos, caracterizados por um perodo glaciar relativamente longo com 80 000 a 90 000 anos, seguido de um perodo interglaciar relativamente mais quente e curto. O aumento da concentrao do CO2 atmosfrico, nos ltimos 250 anos constitui uma preocupante interferncia antropognica sobre o sistema climtico que, se no for controlada, se tornar perigosa. Os ciclos climticos evidenciados na Fig. 1 tm causas naturais e resultam de foramentos de natureza astronmica relacionados com variaes peridicas nos parmetros orbitais da Terra - variao da excentricidade da rbita em torno do Sol, variao da inclinao do eixo de rotao relativamente elptica e movimento de precesso do eixo da rotao. Note-se porm que estes foramentos so insuficientes para explicar cabalmente a grande amplitude das oscilaes da temperatura mdia global entre os perodos glaciares e interglaciares: provavelmente eles so amplificados atravs de processos no-lineares de realimentao interna no sistema climtico, envolvendo a interaco entre dois dos seus principais sub-sistemas a atmosfera e a hidrosfera. Quanto forte correlao entre a concentrao atmosfrica de CO2 e a temperatura mdia global da baixa atmosfera, provavelmente ela resulta tambm da interaco entre a atmosfera e os oceanos e est associada ao facto de os oceanos constiturem o principal sumidouro de CO2 e este ser menos dissolvel quando a temperatura superficial dos oceanos sobe. Resultados recentes [3] obtidos na Antrctica permitem recuar at h 650 000 anos atrs e revelam que desde ento houve 6 ciclos glaciares nos quais se manteve a correlao entre a concentrao de CO2 e a temperatura mdia global da atmosfera. Se recuarmos ainda mais no tempo encontramos longos perodos em que a temperatura mdia da atmosfera era bastante mais elevada do que a actual e no existiam calotes polares. o

concentrao do CO2 em pequenas bolhas de ar retidas nas sucessivas camadas de gelo depositadas na Antrctica, revelam que a concentrao actual de CO2 excede em cerca de 70 ppmv o mximo da concentrao nos ltimos 420 000 anos, durante os quais houve 4 ciclos glaciares, com uma

Fig. 1 - Reconstituio da evoluo da temperatura mdia global da baixa atmosfera, representada por meio da anomalia relativamente mdia do perodo de 1961 a 1990, e da concentrao atmosfrica do CO2 nos ltimos 400 000 anos [1]. Figura adaptada de [2]. Repare-se na correlao que se observa entre os dois registos. O aumento da concentrao do CO2 a partir da revoluo industrial e at ao presente est indicado por um vector aproximadamente vertical devido escala de tempo utilizada na figura.

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caso, por exemplo do Cretcico. A alternncia entre pocas de glaciao nas regies polares e perodos relativamente quentes sem gelos polares provavelmente causada pelos movimentos tectnicos e pelas alteraes que provocam na circulao ocenica. Durante as duas ltimas dcadas do sculo XX a taxa mdia anual do aumento da concentrao do CO2 foi de 1,5 ppmv, valor que mais de cem vezes superior quele que se registou nas ltimas 6 transies dos perodos glaciares para os interglaciares. Estamos a modificar ligeiramente a composio da atmosfera ao aumentar a concentrao de GEE e sabemos que o sistema climtico tem uma resposta determinista a este foramento, cuja principal caracterstica o aumento da temperatura mdia global da tropoesfera. No conjunto das emisses antropognicas de GEE as de CO2 so as que mais contribuem para aumentar o efeito de estufa. Actualmente as emisses de CO2 produzem um foramento radiativo mdio de 1,5 Wm-2 correspondente a cerca de 60% do foramento radiativo mdio global das emisses antropognicas de GEE. Com estas emisses estamos a perturbar o ciclo natural do carbono no qual os principais reservatrios so os oceanos com 40 000 GtC (gigatoneladas de carbono), o reservatrio terrestre com uma quantidade menor, da ordem de 2050 GtC, e a atmosfera com cerca de 775 GtC, actualmente. Surpreendente que, antes da revoluo industrial a atmosfera continha apenas cerca de 600 GtC. O acrscimo de 175 GtC, num perodo da ordem de 250 anos resultou da acumulao de CO2 na atmosfera provocada pelas emisses antropognicas. No ciclo do carbono os principais sumidouros so os oceanos e as plantas, por meio da fotossntese, enquanto que as principais fontes so a respirao das plantas, a decomposio da matria viva, a combusto dos combustveis fsseis e em muito menor escala a produo de cimento, as queimadas e os fogos florestais. A Tabela 1 indica os fluxos globais anuais de carbono sob a forma de CO2 em Gt nas dcadas de 1980 e 1990 apresentadas no 3 relatrio do Painel Intergovernamental para as Alteraes Climticas (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC) [4]. Valores positivos correspondem a fluxos para a atmosfera e negativos correspondem a retirar CO2 da atmosfera. A soma algbrica dos valores mdios dos trs fluxos nas duas colunas da Tabela 1 iguala o valor mdio do aumento anual da quantidade de CO2 na atmosfera. Repare-se na incerteza relativa-

mente elevada do valor do fluxo da atmosfera para a terra firme resultante da dificuldade em contabilizar todos os processos que envolvem trocas de CO2 com a globalidade dos seres vivos e em decomposio. sinais DE uma muDana ClimtiCa rECEntE Para quantificar a mudana climtica que resulta do aumento da concentrao atmosfrica de GEE e caracteriz-la em termos das outras variveis meteorolgicas necessrio recorrer a modelos de circulao geral da atmosfera que simulam o comportamento do sistema climtico. Um dos principais mtodos de validao destes modelos consiste em procurar reproduzir a evoluo da temperatura mdia global observada desde que h medies com termmetros, ou seja, aproximadamente, desde finais do sculo XIX. Conclui-se que as observaes so bem reproduzidas pelos modelos e ainda que o aumento da temperatura mdia global observado durante o sculo XX e especialmente depois da dcada de 1970 resulta, em grande parte, do aumento da concentrao dos gases com efeito de estufa na atmosfera. H vrios sinais de uma mudana climtica que se tm acentuado nas ltimas trs dcadas. Desde o incio do sculo XX a temperatura mdia global da atmosfera superfcie aumentou de 0,60,2 C [4]. Em algumas regies continentais o aumento foi maior, como, por exemplo, na Europa onde o valor mdio foi 0,95 C. Nas ltimas trs dcadas o aumento da temperatura mdia global de 0,170,5 C por dcada. Em Portugal Continental, durante o mesmo perodo, esse aumento foi maior: 0,47 C por dcada na temperatura mxima e 0,48 C por dcada na temperatura mnima [5]. Nas ltimas dcadas observou-se tambm uma maior frequncia de fenmenos climticos extremos. Maior frequncia de episdios de precipitao intensa nas latitudes mdias e altas e de secas em vrias regies de frica, sia e Europa. No sculo XX e especialmente nos ltimos 50 anos observou-se um recuo da grande maioria dos glaciares de montanha e uma reduo da massa de gelo nas grandes altitudes que compatvel com as observaes do aumento da temperatura mdia global da atmosfera durante o mesmo intervalo de tempo. Nas calotes polares a situao tambm preocupante embora mais fcil de interpretar no1990 a 19993,2 0,1 6,3 0,4 - 1,7 0,5 - 1,4 0,7

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1980 a 1989AUMENTO DO CO2 ATMOSFRICO EMISSES DE CO2 PARA A ATMOSFERA

3,3 0,1 5,4 0,3 - 1,9 0,6 - 0,2 0,7

(queima de combustveis fsseis e produo de cimento)FLUXO ATMOSFERA - OCEANO FLUXO ATMOSFERA - TERRA FIRME

Tabela 1 - Fluxos globais anuais de CO2 em GtC (IPCC, 2001).

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rctico do que na Antrctica. A rea de gelos martimos estivais no rctico reduziu-se de 16 a 20% nos ltimos 30 anos e na Gronelndia a rea da camada de gelo, anualmente sujeita a fuso durante o vero, aumentou de 16% de 1979 a 2002 [6]. O aumento do nvel mdio do mar, observado na rede mundial de margrafos durante o sculo XX, situou-se entre 1,0 e 2,0 mm/ano, valor que cerca de 10 vezes superior ao valor mdio estimado por meio de observaes indirectas para os ltimos 3 000 anos [4]. Este aumento , na sua maior parte, provocado pela dilatao trmica da camada superficial dos oceanos, provocada pelo aumento da temperatura mdia global da atmosfera superfcie e ao degelo dos glaciares das montanhas. De acordo com os modelos climticos todas estas tendncias tendem a agravar-se no futuro. Contudo a severidade das alteraes climticas durante o sculo XXI e para alm do sculo XXI depende de sermos ou no capazes de controlar a interferncia antropognica sobre o sistema climtico estabilizando as emisses globais de GEE para a atmosfera para depois as diminuir at valores inferiores aos actuais. Este objectivo extremamente difcil de atingir devido enorme dependncia do sector energtico, a nvel global, dos combustveis fsseis e s profundas alteraes no uso dos solos, especialmente a desflorestao nas regies tropicais. Cerca de 80% das fontes primrias de energia a nvel mundial so combustveis fsseis e o consumo global de energia est a crescer a uma taxa de aproximadamente 2% por ano. Segundo as previses da Agencia Internacional de Energia [2], as emisses globais anuais de CO2 vo aumentar 60% at 2030 relativamente a 2004 se no houver mudanas significativas nas polticas energticas. Mais de dois teros do aumento das emisses provm dos pases em desenvolvimento que, provavelmente, continuaro a utilizar o carvo de forma intensiva. mitigao E aDaptao s altEraEs ClimtiCas antropogniCas Estamos perante um desafio de enorme grandeza frente ao qual necessrio e urgente identificar as respostas mais adequadas e p-las em prtica escala nacional, regional e mundial. As alteraes climticas antropognicas so j inevitveis no sculo XXI e tero impactos na maior parte negativos sobre vrios sistemas naturais e sociais. H essencialmente dois tipos de respostas: a mitigao e a adaptao. A primeira consiste em combater as causas das alteraes climticas antropognicas e traduz-se em aces que visam estabilizar a concentrao atmosfrica dos GEE por meio da reduo das emisses globais e do desenvolvimento de sumidouros desses gases. A adaptao um processo de resposta em que se procuram minimizar os impactos negativos das alteraes climticas nos diversos sistemas naturais e sociais. Os dois tipos de respostas so

complementares: poder-se- dar mais nfase a uma ou a outra, conforme a poltica climtica, nos diversos nveis, nacional, regional ou internacional. Porm deve insistir-se sobretudo na mitigao com incidncia global porque a partir de determinados limiares de concentrao dos GEE os impactos das alteraes climticas tornam-se profundamente adversos, perigosos e alguns com consequncias irreversveis. Estamos perante um problema de poluio global para o qual todos os pases contribuem embora de forma quantitativamente muito distinta. Os E. U. A., por exemplo, contribuem com cerca de 25% das emisses globais de CO2 com apenas 4,3% da populao mundial o que corresponde a uma emisso anual per capita de mais de 20 toneladas de CO2. Em contrapartida, a maior parte dos pases em desenvolvimento tm taxas de emisso anuais per capita de apenas 2 toneladas de CO2. Na Unio Europeia (UE) a mdia das taxas de emisso anuais per capita cerca de 9 toneladas e Portugal atingiu j, em 2001, o valor de 8,1 toneladas, deixando para a Sucia o valor mais baixo (7,9 toneladas) do conjunto dos 15 pases que integravam a UE antes do recente alargamento. No existe qualquer relao entre a quantidade de emisses de um dado pas e a sua vulnerabilidade aos impactos das alteraes climticas provocadas pelo conjunto global de emisses. Em geral os pases em desenvolvimento so mais vulnerveis e simultaneamente os menos responsveis pelo problema do aquecimento global. Estas consideraes justificam que o principal princpio que deve fundamentar o regime climtico futuro, especialmente no que respeita mitigao, a equidade entre pases. Equidade no que respeita a compromissos de reduo de emisses correlacionados com as emisses histricas e proporcionais ao esforo global de mitigao, a direitos iguais de acesso a uma atmosfera livre de uma interferncia antropognica perigosa sobre o clima, capacidade de planear e pr em prtica medidas de adaptao s alteraes climticas eficazes e finalmente ao acesso a um desenvolvimento scio-econmico que no presente e num futuro prximo continuar inevitavelmente dependente da utilizao dos combustveis fsseis. Como DEfinir uma intErfErnCia antropogniCa pErigosa sobrE o sistEma ClimtiCo? A questo est em saber at que ponto tolervel interferir no sistema climtico. Esta a problemtica visada na Conveno Quadro das Naes Unidas para as Alteraes Climticas cujo objectivo final, enunciado no seu Artigo 2, refere o de conseguir estabilizar a concentrao na atmosfera de GEE, a um nvel que evite uma interferncia antropognica perigosa com o sistema climtico. O problema est pois em definir o que se dever entender por interferncia perigosa sobre o sistema climtico. Para estudar esta questo e encontrar respostas necessrio avaliar a

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grandeza e as consequncias dos impactos das alteraes climticas sobre os vrios sistemas naturais e sociais com base em indicadores dessas alteraes. Os indicadores mais importantes so o aumento da temperatura mdia global da tropoesfera, o aumento da frequncia de fenmenos climticos extremos, especialmente secas, perodos de precipitao muito intensa e ciclones tropicais, variaes regionais dos regimes de precipitao, aumento da temperatura superficial dos oceanos, subida do nvel mdio do mar, degelo dos glaciares e campos de gelo das montanhas e dos gelos das calotes polares. De todos estes indicadores, o mais importante para caracterizar a mudana climtica provocada pelo aumento da concentrao de GEE a temperatura mdia global da baixa atmosfera. Os outros tm correlaes mais ou menos significativas com a temperatura mdia que porm esto ainda insuficientemente estudadas e conhecidas. Desde a publicao do 3 Relatrio de Avaliao do Painel Intergovernamental para as Alteraes Climticas [4] foram publicados muitos resultados novos sobre os riscos dos impactos num conjunto muito variado de sistemas naturais e sociais. No caso dos ecossistemas conclui-se que alguns deles tais como os recifes de coral [7] e algumas florestas tropicais [8] so gravemente afectados com aumentos da temperatura mdia global de apenas 1 C. Entre 2 C e 3 C o nmero de ecossistemas que se tornam vulnerveis aumenta muito e a partir de 3 C os impactos negativos so generalizados. Cerca de metade das reservas naturais mundiais so incapazes de se adaptar a uma mudana climtica com um aumento de temperatura superior a 3 C [9] o que implica impactos profundamente negativos na biodiversidade. Um estudo recente [10] indica que, em mdia, 10% das espcies de vrios pases europeus desaparecem para aumento de temperatura superior a 3 C. Em geral os ecossistemas mais vulnerveis so as zonas hmidas, as regies montanhosas e as regies das grandes latitudes, especialmente no rctico.

da lenta propagao do calor. Para alm do aquecimento, os oceanos esto tambm a sofrer uma acidificao devida ao aumento da concentrao do CO2 dissolvido. Nos ltimos 200 anos os oceanos absorveram cerca de metade do CO2 emitido para a atmosfera em consequncia das actividades humanas. Medies recentes permitem concluir que aquela absoro diminuiu o pH das guas ocenicas superficiais de 0,1 e que o decrscimo poder atingir 0,5 at ao final deste sculo [12]. A taxa de reduo do pH das guas ocenicas superficiais provavelmente cerca de 100 vezes superior que ocorreu durante alguns perodos nos ltimos 650 000 anos e ter consequncias gravosas na vida marinha, nas cadeias trficas e especialmente nos processos de formao de conchas e corais. O tempo de resposta dos gelos das calotes polares ainda maior do que o dos oceanos (Fig. 2). Estudos recentes [14,15] indicam que um aumento da temperatura mdia na regio do rctico prximo de 3 C inicia um processo irreversvel de fuso da camada de gelo da Gronelndia durante um perodo de pelo menos 1000 anos. Estes resultados so preocupantes porque quando a temperatura mdia global aumenta de um determinado valor o acrscimo da temperatura mdia nas latitudes elevadas maior. Um aumento da temperatura mdia global de 2 C corresponde a um aumento de 4 C a 8 C no rctico. A amplificao do aquecimento global nas regies polares introduz um risco acrescido de incio de um processo irreversvel, na escala de vrios milhares de anos, de fuso dos gelos. Note-se que a camada de gelo da Gronelndia contm cerca de 3x106 km3 de gelo que ao fundirem completamente elevariam o nvel mdio do mar cerca de 7 m. A anlise, aqui apresentada de forma muito breve, dos impactos sobre os sistemas naturais e sociais e dos respectivos riscos sugeriu que seja considerada como interferncia perigosa sobre o sistema climtico aquela em que a temperatura mdia global aumenta de um valor superior a 2 C, relativamente mdia pr-industrial. Este limiar foi adoptado pela UE em 1996 e confirmado pelo Conselho Europeu em 2004. mEDiDas DE mitigao para o ps-Quioto Estabelecido o limiar de interferncia perigosa em termos de um acrscimo da temperatura mdia, necessrio determinar qual o valor de estabilizao da concentrao dos GEE que lhe corresponde e quais as opes de calendarizao do esforo de reduo de emisses globais que permitem conduzir quela estabilizao. Esta relao determinada pela sensibilidade do sistema climtico definida como o aumento da temperatura mdia global que resultaria de uma duplicao da concentrao atmosfrica dos GEE, expressa em CO2 equivalente, relativamente

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Aumentos de temperatura entre 3 C a 4 C tero impactos muito adversos na produo agrcola mundial e de acordo com [11] introduzem um risco adicional de insuficincia alimentar grave para 80 a 125 milhes de pessoas. O aumento da temperatura mdia global ser acompanhado, muito provavelmente, por uma maior frequncia de fenmenos climticos extremos cujo impacto negativo especialmente relevante nos recursos hdricos, agricultura, florestas, zonas costeiras e na sade humana. O tempo de resposta dos oceanos ao foramento provocado pelo aumento da concentrao atmosfrica dos GEE muito maior do que o da atmosfera, (Fig. 2). Se fosse possvel interromper totalmente e imediatamente as emisses antropognicas de GEE o nvel mdio do mar continuaria a subir durante pelo menos 500 anos devido dilatao trmica das camadas mais profundas do oceano resultante

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Fig. 2 - Evoluo da concentrao do CO2 atmosfrico, da temperatura mdia global da baixa atmosfera e do nvel mdio do mar induzida por uma evoluo das emisses antropognicas de CO2 que atingem um mximo nos prximos 100 anos. Neste cenrio a estabilizao da concentrao do CO2 d-se passados 100 a 300 anos e a estabilizao da temperatura mdia global passados alguns sculos. No que respeita ao nvel mdio do mar a estabilizao do seu aumento, provocado pela dilatao trmica e pelo degelo das calotes polares, d-se passadas vrias centenas de anos a mais de um milhar e passados vrios milhares de anos, respectivamente. Figura adaptada de [13].

evidente que conseguir estes objectivos de reduo das emisses globais de GEE extremamente difcil e depende de uma concertao internacional envolvendo tanto os pases desenvolvidos como os pases em desenvolvimento, especialmente as economias em transio como o caso da China, ndia, Brasil e Indonsia. No que respeita ao CO2, que claramente o mais importante GEE no que respeita ao foramento radiativo, a mitigao consiste essencialmente em diminuir a interferncia antropognica sobre o ciclo do carbono, tanto a nvel das fontes como

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ao seu valor pr-industrial, ou seja, aproximadamente 550 ppmv. A sensibilidade climtica obtida por meio da simulao do sistema climtico com modelos e h ainda alguma incerteza sobre o seu valor. O IPCC, no seu relatrio de 2001 (IPCC, 2001), considera que h uma grande probabilidade de se situar no intervalo de 1,5 C a 4,5 C sendo 2,5 C o valor mais provvel. Estudos mais recentes [16] concluem que h uma probabilidade de 90% da sensibilidade climtica se situar entre 2 C e 4 C. Para que o limiar de 2 C seja atingido com uma probabilidade superior a 50% necessrio estabilizar as concentraes de GEE num valor inferior a 450 ppmv de CO2 equivalente [17]. A realizao deste objectivo requer que as emisses globais tenham um mximo antes de 2020 e que at 2050 tenham redues da ordem de 30 a 50% relativamente s emisses globais de 1990.

Alis importa salientar que o esforo de reduzir a dependncia nos combustveis fsseis vital num futuro mais ou menos prximo devido ao esgotamento progressivo das reservas, especialmente de petrleo e gs natural. A nvel global e a mdio prazo a contribuio da energia nuclear de ciso para o total das fontes primrias de energia tender a diminuir, excepto, se as condies de preo e segurana do abastecimento do petrleo e gs natural se agravarem significativamente e/ou surgirem novas tecnologias competitivas de tratamento dos resduos das centrais nucleares. Quanto energia nuclear de fuso ela s ser comercializvel daqui a mais de 50 anos, numa perspectiva moderadamente optimista. Todos estes condicionalismos e incertezas indicam que s ser possvel controlar a interferncia antropognica sobre o sistema climtico por meio da sequestrao de CO2. A sequestrao biolgica atravs

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dos sumidouros. O grande desafio que enfrentamos neste incio do sculo XXI pois o de diminuir o consumo mundial de combustveis fsseis por meio da poupana de energia, utilizao mais eficiente da energia primria, desenvolvimento das energias renovveis solar, trmica e fotovoltaica, elica, biomassa, geotrmica, ondas, mars da energia nuclear, em especial a fuso nuclear, de novas tecnologias de produo de energia e da inovao cientfica e tecnolgica no domnio da produo e utilizao mais eficiente da energia.

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da florestao, da reflorestao e de prticas agrcolas que favorecem a fixao do carbono nos solos insuficiente para resolver o problema. Ser necessrio recorrer tambm sequestrao do CO2 produzido na combusto de combustveis fsseis em centrais trmicas ou em processos de separao do hidrognio dos combustveis fsseis, em depsitos subterrneos, estanques a longo prazo, tais como reservatrios de petrleo e gs natural j explorados, antigas minas de carvo e aquferos salinos [4]. Existe uma vasta bibliografia sobre os custos econmicos de medidas de mitigao suficientemente eficazes para evitar uma interferncia perigosa sobre o clima. Estimativas recentes indicam que uma reduo de 50% das emisses globais de GEE relativamente a 1990 reduz o Produto Mundial Bruto (PMB) de 1 a 3% [18]. Esta uma reduo relativamente pequena tendo em ateno que se prev um aumento anual do PMB entre 0,8 e 2,8% at ao final do sculo. O principal problema est em que o estabelecimento de um regime climtico acordado a nvel global extremamente difcil sem primeiro assegurar a equidade entre pases no acesso a padres de qualidade de vida comparveis. Por outras palavras sem primeiro anular a enorme e crescente disparidade no acesso riqueza entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento.

[7] Sheppard, C.R.C., Predicted recurrences of mass, coral mortality in the Indian ocean, Nature 425, 2003, 294-297. [8] Williams, S.E. et al., Climate change in Ausutralian tropical rainforests: an impending environmental catastrophe, Proceedings of the Royal Society of London, Series B, Biological Sciences, 270, 2003, 1887-1892. [9] Leemans, R. and B. Eickhout, Another reason for concern: regional and global impacts of ecosystems for different levels of climate change, Global Environment Change 14, 2004, 219-228. [10] M. Bakkenes et al., Ecosystem impacts of different climate stabilization scenarios, Global Environmental Change, 2005, in press. [11] Parry, M. et al., Millions at risk: defining critical climate change threats and targets, Global Environmental Change 11, 2001, 181-183. [12] The Royal Society, Ocean acidification due to increasing atmospheric carbon dioxide, Policy Document. 12/05, June 2005. [13] IPCC, Synthesis of the Third Assessment Report of Working Groups I, II and III, R. T. Watson (eds.), IPCC, 2003. [14] Gregory, J.M. et al., Threatened loss of the Greenland ice sheet, Nature 428, 2004, 616. [15] Lowe, J. et al., The role of sea level rise and the Greenland ice sheet in dangerous climate change and issues of climate stabilization, Abstracts of the International Symposium on Stabilization of Greenhouse Gases: Avoiding Dangerous Climate Change, 1-3 February 2005, Met. Office, Exeter, United Kingdom. [16] Murphy, J.M. et al., Quantification of modelling uncertainties in a large ensemble of climate change simulations, Nature 430, 2004, 768-772. [17] Hare, B. and N. Meinshausen, How much warming are we committed to and how much can be avoided? PIK Report, 93, 2004, Potsdam. [18] Azar, C. and S.H. Schneider, Are economic costs of stabilizing the atmosphere prohibitive?, Ecological Economics 42, 2002, 73-80.

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PORTAL DE ENSINO DAS CINCIAS E DE CULTURA CIENTIFICA

www.mocho.pt

APOIOS:

feita uma breve descrio das principais tecnologias para aproveitamento da energia solar por via trmica, disponveis hoje em Portugal. So referidas as oportunidades que resultam da explorao das tecnologias solares ditas passivas (o aproveitamento directo da energia solar na prpria concepo/configurao e estrutura dos edifcios) e das tecnologias activas, com vrios tipos de colectores solares e respectivas aplicaes principais. referido o potencial em Portugal - do ponto de vista de energia final e energia primria - resultante da explorao da energia solar quer na rea dos edifcios, quer na sua aplicao do tipo activo mais comum, a do aquecimento de gua. So apresentadas estimativas do impacte que estas tecnologias podero ter para o cumprimento do Protocolo de Quioto, atravs do clculo da reduo de emisses de gases de efeito de estufa que resultar da sua adopo.

A ENERGIA SOL APLICAES TPortugal um pas sem recursos energticos de origem fssil, mas rico em recursos renovveis [1,5]. Recentemente tem aumentado entre ns a sensibilidade para o potencial que representam, sobretudo para a produo de electri cidade, em particular atravs de uma importante estra tgia de desenvolvimento da energia elica. Contudo, a contribuio das energias renovveis vai muito para l da questo da electricidade. Esta representa, afinal, apenas pouco mais de 20% da energia final total no nosso pas. Um exemplo concreto o da energia solar, aliada ao clima suave de que beneficiamos. As aplicaes desta forma de energia, exclusivamente no plano trmico, podem represen tar uma contribuio em termos de energia final superior que resultar da energia elica, mesmo quando estiverem instalados os 5000 MW que constituem o (notvel) objecti vo actual da nossa poltica energtica nesta rea. Contudo, e apesar da abundncia deste recurso solar (tal vez o melhor da Europa), no temos ainda objectivos de poltica energtica claros nesta matria e uma abordagem que permita explorlo a fundo. A curto prazo, as principais contribuies potenciais da energia solar na rea da trmica so seguramente ao nvel do aquecimento de gua (sanitria, de processo industrial, etc.) e do aquecimento/arrefecimento ambiente. Estas concretizamse por duas grandes vias: as tecnologias solares passivas e as tecnologias solares activas, brevemente caracterizadas em seguida. TECNOLOGIAS SOLARES PASSIvAS Estas tecnologias exploram o facto de qualquer edifcio (que necessita de energia para aquecimento e arrefecimen to) poder ser pensado, orientado, exposto radiao solar (e tambm protegido dela), dotado de inrcia trmica apropriada, bem isolado e naturalmente ventilado,

MANUEL COLLARES PEREIRA Departamento de Energias Renovveis do INETI Estrada do Pao do Lumiar 1649-038 Lisboa Departamento de Fsica do IST Av. Rovisco Pais 1049-001 Lisboa [email protected]

ARTIGO

LAR: RMICASintegrado na sua envolvente urbana ou outra, por forma a reduzir de forma substancial a energia necessria para a sua climatizao, ventilao e iluminao. Atendendo a que s o sector residencial e de servios responsvel por um consumo em energia final de cerca de 23% (e onde se verifica uma das maiores taxas de aumento de consumo de energia em Portugal) percebese o enorme potencial que existe nesta utilizao directa da energia solar, quer em no vas construes quer na recuperao das construes exis tentes. Contudo esta contribuio no aparecer directa mente nas estatsticas da energia! Tratase de evitar um consumo e ningum pode depois medir esta contribuio de forma directa. Mas, se no implementarmos estas tecnologias, o sector residencial e de servios poder muito facilmente atingir os 30% de energia final em menos de 10 anos! Evitar este aumento de uso de energia final de 7% corresponderia a uma contribuio superior contribuio potencial da energia elica no mesmo perodo. A implementao deste imenso potencial fazse perfeita mente no mbito das capacidades das actuais indstrias de construo e de materiais em Portugal, das capacidades de projecto e engenharia existentes e a um custo realmente baixo, que no depende de qualquer tipo de subsdio, ou ajuda de qualquer espcie, para se realizar. apenas uma questo de tornar prtica comum o que ainda o no , uma questo de mudana cultural, quer dos consumidores (cidados que desconhecem este potencial, logo no o exigem) e prestadores de servios habituados a proceder de uma forma diferente para um mercado que no os condi ciona a uma prestao distinta. Precisamente por isso est prestes a sair (mas sair real mente quando?) uma nova regulamentao na rea dos edifcios [2] que permite tornear a dificuldade inerente ao tempo que levam os processos puramente culturais a fazer o seu caminho, um tempo demasiado longo e que no podemos desperdiar na situao em que estamos de sermos importadores de combustveis fsseis p