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OPINIAO | OPINIÃO DO DIA 1 28/02/2008 - 21h28 A crise americana e o Brasil A redução do ritmo de crescimento da economia norte-americana já é uma realidade. É praticamente consensual entre os economistas a previsão de que o ano de 2008 encerra um longo ciclo de expansão da grande locomotiva da economia mundial. Em grande medida, esta desaceleração é o resultado da crise que se abateu sobre o sistema bancário dos Estados Unidos como resultado da crise no setor imobiliário. Quais as conseqüências para o Brasil desta redução da atividade nos Estados Unidos? Em primeiro lugar, é fundamental lembrar que os norte-americanos ainda são a grande locomotiva da economia mundial. Aproximadamente 20% do produto mundial é gerado por eles. A China, que tem ganhado espaço com grande velocidade no cenário internacional, é responsável por 8% deste produto. Desta forma, o papel dos norte-americanos como demandante na economia internacional está longe de ser desprezível. A redução do crescimento dos Estados Unidos deve levar, portanto, a uma redução no crescimento da demanda mundial. É bom lembrar também que o modelo de crescimento da região mais dinâmica da economia mundial – a Ásia, em particular o sudeste asiático – depende essencialmente das exportações. Este modelo é conhecido pelos economistas como “crescimento puxado pelas exportações”. A redução da demanda norte-americana deve, portanto, reduzir a possibilidade de crescimento da Ásia. Os reflexos sobre a economia brasileira de uma redução do crescimento mundial em 2008 são diversos. Em primeiro lugar, os preços das commodities exportadas pelo país seriam reduzidos, o que reduziria o espaço para manter o atual superávit comercial concomitantemente à expansão das importações, peça importante para a sustentação do crescimento com estabilidade de preços. A redução do crescimento mundial implicaria numa redução dos mercados por produtos brasileiros o que, além dos impactos sobre a balança comercial, significaria uma redução no potencial de crescimento do país. Num momento como este, os analistas costumam se dividir em duas categorias: os que enxergam na situação norte-americana um problema profundo, uma crise do capitalismo, e aqueles que acreditam que nada de grave irá acontecer, apostando que o Brasil, por exemplo, está “blindado” em função de seus indicadores macroeconômicos. Ao que tudo indica nenhuma destas interpretações mais radicais deve se confirmar. Existem fatores que tendem a reduzir a extensão da crise. O governo norte-americano está fortemente imbuído do objetivo de manter o nível de demanda. A aprovação da agressiva política fiscal de redução de imposto deve injetar cerca de US$ 150 bilhões. Esta política, conjugada com a redução de juros e a expansão da liquidez promovida pelo Federal Reserve devem impedir uma crise mais profunda neste ano. O elevado grau de flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano é outro fator que deve ser levado em consideração na análise como um atenuador da crise. Outro fato inegável é que – ainda que os Estados Unidos desempenhem um papel fundamental na economia mundial – o surgimento de novos players no mercado internacional, em particular a China e a Índia, tendem a diminuir – não a eliminar – o efeito recessivo sobre a economia mundial. Até o momento, os preços das principais commodities não apresentaram nenhuma tendência de queda, tendo em vista a manutenção, até o momento, da forte demanda asiática. Por outro lado, parece ingênua a visão de que a economia brasileira está “blindada”. As elevadas reservas internacionais brasileiras em nada contribuirão para conter o processo de redução de demanda e a queda de preços de commmodities, se estas vierem a se confirmar. Continuamos fortemente dependentes do contexto internacional. Igualmente ingênua é a visão de que uma crise nos por MARCELO CURADO E MÁRCIO JOSÉ VARGAS DA CRUZ Página 1 de 2 28/2/2008 http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/impressa/controle/imprimir.php?site=gazetadopo...

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Matéria sobre a crise financeira mundial de 2008

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  • OPINIAO | OPINIO DO DIA 1 28/02/2008 - 21h28

    A crise americana e o Brasil

    A reduo do ritmo de crescimento da economia norte-americana j uma realidade. praticamente consensual entre os economistas a previso de que o ano de 2008 encerra um longo ciclo de expanso da grande locomotiva da economia mundial. Em grande medida, esta desacelerao o resultado da crise que se abateu sobre o sistema bancrio dos Estados Unidos como resultado da crise no setor imobilirio. Quais as conseqncias para o Brasil desta reduo da atividade nos Estados Unidos? Em primeiro lugar, fundamental lembrar que os norte-americanos ainda so a grande locomotiva da economia mundial. Aproximadamente 20% do produto mundial gerado por eles. A China, que tem ganhado espao com grande velocidade no cenrio internacional, responsvel por 8% deste produto. Desta forma, o papel dos norte-americanos como demandante na economia internacional est longe de ser desprezvel. A reduo do crescimento dos Estados Unidos deve levar, portanto, a uma reduo no crescimento da demanda mundial. bom lembrar tambm que o modelo de crescimento da regio mais dinmica da economia mundial a sia, em particular o sudeste asitico depende essencialmente das exportaes. Este modelo conhecido pelos economistas como crescimento puxado pelas exportaes. A reduo da demanda norte-americana deve, portanto, reduzir a possibilidade de crescimento da sia. Os reflexos sobre a economia brasileira de uma reduo do crescimento mundial em 2008 so diversos. Em primeiro lugar, os preos das commodities exportadas pelo pas seriam reduzidos, o que reduziria o espao para manter o atual supervit comercial concomitantemente expanso das importaes, pea importante para a sustentao do crescimento com estabilidade de preos. A reduo do crescimento mundial implicaria numa reduo dos mercados por produtos brasileiros o que, alm dos impactos sobre a balana comercial, significaria uma reduo no potencial de crescimento do pas. Num momento como este, os analistas costumam se dividir em duas categorias: os que enxergam na situao norte-americana um problema profundo, uma crise do capitalismo, e aqueles que acreditam que nada de grave ir acontecer, apostando que o Brasil, por exemplo, est blindado em funo de seus indicadores macroeconmicos. Ao que tudo indica nenhuma destas interpretaes mais radicais deve se confirmar. Existem fatores que tendem a reduzir a extenso da crise. O governo norte-americano est fortemente imbudo do objetivo de manter o nvel de demanda. A aprovao da agressiva poltica fiscal de reduo de imposto deve injetar cerca de US$ 150 bilhes. Esta poltica, conjugada com a reduo de juros e a expanso da liquidez promovida pelo Federal Reserve devem impedir uma crise mais profunda neste ano. O elevado grau de flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano outro fator que deve ser levado em considerao na anlise como um atenuador da crise. Outro fato inegvel que ainda que os Estados Unidos desempenhem um papel fundamental na economia mundial o surgimento de novos players no mercado internacional, em particular a China e a ndia, tendem a diminuir no a eliminar o efeito recessivo sobre a economia mundial. At o momento, os preos das principais commodities no apresentaram nenhuma tendncia de queda, tendo em vista a manuteno, at o momento, da forte demanda asitica. Por outro lado, parece ingnua a viso de que a economia brasileira est blindada. As elevadas reservas internacionais brasileiras em nada contribuiro para conter o processo de reduo de demanda e a queda de preos de commmodities, se estas vierem a se confirmar. Continuamos fortemente dependentes do contexto internacional. Igualmente ingnua a viso de que uma crise nos

    por MARCELO CURADO E MRCIO JOS VARGAS DA CRUZ

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  • Estados Unidos no teria impactos mais srios sobre a economia mundial em funo do surgimento dos novos players, particularmente China e ndia. O surgimento destes players tende a minimizar o efeito da crise americana, mas a importncia dos Estados Unidos para a economia mundial ainda relevante. Em suma, a reduo do crescimento norte-americano deve limitar a expanso da economia mundial e, por conseqncia, da economia brasileira. Isto, no entanto, no impossibilitar um bom resultado para o PIB brasileiro em 2008, ainda que a deteriorao da situao externa brasileira deva ocorrer. Ao que tudo indica no estamos blindados, mas tambm no assistiremos a uma reduo brusca do crescimento econmico brasileiro. Marcelo Curado e Mrcio Jos Vargas da Cruz so professores do Departamento de Economia da UFPR.

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