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1 ACESSO À JUSTIÇA E AS FORMALIDADES PROCESSUAIS Gelson Amaro de Souza. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Professor concursado para os cursos de graduação e mestrado em direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP (Campus de Jacarezinho), ex-diretor e professor da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo - AET de Presidente Prudente-SP. Procurador do Estado (aposentado) e advogado em Presidente Prudente - SP. Gelson Amaro de Souza Filho. Jornalista Graduado pela Universidade do Oeste Paulista e Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP. RESUMO: Pretende-se com este estudo fazer algumas considerações sobre o direito constitucional de acesso ao Judiciário e a efetivação de direitos. A Constituição da República colocou entre os direitos fundamentais, aquele referente o acesso à justiça com a concretização do direito (art. 5º, XXXV, da CF). Trata-se de garantia de acesso à justiça e não só ao Judiciário, mas que, nem sempre resulta em efetivação do direito. Leis infraconstitucionais existem que impedem a concretização desse direito. PALAVRAS CHAVES: Acesso ao Judiciário. Acesso à justiça. Concretização de direito. ACCESS TO THE JUDICIARY AND EFFECTIVENESS OF RIGHT ABSTRACT: This study aims to establish considerations about the constitutional right of access to the judiciary and effectiveness of rights. The Brazilian Constitution placed it among the fundamental rights, those relating to access to justice (article 5, XXXV, of the Brazilian Constitution). It is an access to courts guarantee which not always result in effectiveness of the right. There exists some infraconstitutional laws that suppress the implementation of rights. KEY WORDS: Access to the judiciary. Access to Justice. Implementation of rights. Sumário Introdução 1. Acesso à justiça e a concretização do direito 2. Histórico constitucional do acesso à justiça 3. Espécie de tutela jurídica 3.1. Tutela do processo 3.2. Tutela Jurisdicional 3.3. Tutela do direito 4. Tutela cognitiva.

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ACESSO À JUSTIÇA E AS FORMALIDADES PROCESSUAIS

Gelson Amaro de Souza. Doutor em Direito Processual Civil pela

PUC/SP, Professor concursado para os cursos de graduação e

mestrado em direito da Universidade Estadual do Norte do Paraná –

UENP (Campus de Jacarezinho), ex-diretor e professor da Faculdade

de Direito da Associação Educacional Toledo - AET de Presidente

Prudente-SP. Procurador do Estado (aposentado) e advogado em

Presidente Prudente - SP.

Gelson Amaro de Souza Filho. Jornalista Graduado pela

Universidade do Oeste Paulista e Bacharel em Direito pelas

Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente

Prudente/SP.

RESUMO: Pretende-se com este estudo fazer algumas considerações

sobre o direito constitucional de acesso ao Judiciário e a efetivação de

direitos. A Constituição da República colocou entre os direitos

fundamentais, aquele referente o acesso à justiça com a concretização

do direito (art. 5º, XXXV, da CF). Trata-se de garantia de acesso à

justiça e não só ao Judiciário, mas que, nem sempre resulta em

efetivação do direito. Leis infraconstitucionais existem que impedem a

concretização desse direito.

PALAVRAS CHAVES: Acesso ao Judiciário. Acesso à justiça.

Concretização de direito.

ACCESS TO THE JUDICIARY AND EFFECTIVENESS OF RIGHT

ABSTRACT: This study aims to establish considerations about the

constitutional right of access to the judiciary and effectiveness of

rights. The Brazilian Constitution placed it among the fundamental

rights, those relating to access to justice (article 5, XXXV, of the

Brazilian Constitution). It is an access to courts guarantee which not

always result in effectiveness of the right. There exists some

infraconstitutional laws that suppress the implementation of rights.

KEY WORDS: Access to the judiciary. Access to Justice.

Implementation of rights.

Sumário

Introdução

1. Acesso à justiça e a concretização do direito

2. Histórico constitucional do acesso à justiça

3. Espécie de tutela jurídica

3.1. Tutela do processo

3.2. Tutela Jurisdicional

3.3. Tutela do direito

4. Tutela cognitiva.

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4.1. Tutela jurisdicional completa

4.1.1. Declaratória

4.1.2. Constitutiva

4.1.3. Condenatória

4.2. Tutela jurisdicional incompleta

4.2.1. Tutela condenatória

5. Os diferenciais entre as tutelas

6. Acesso ao Judiciário e acesso à jurisdição

7. O regramento constitucional

8. Alguns obstáculos do acesso à justiça

8.1. Custas judiciais

8.2. Exigência de depósito

8.3. Ausência de ampla defesa

8.4. Condições da ação

8.5. Pressupostos processuais

8.6. Presunção absoluta

8.7. Prescrição e decadência

Conclusão

Referências

Introdução

Não é de agora que as Constituições da República têm se preocupado com o acesso ao

judiciário e a concretização do direito dos jurisdicionados. Nada obstante a boa vontade do

constituinte, tal desiderato ainda está longe de ser alcançado. A Constituição da República,

hoje considerada a constituição cidadã, está muito avançada e se encontra disparadamente à

frente da legislação infraconstitucional. Falam-se muito na constitucionalização do processo,

mas, o processo e os nossos procedimentos ainda não se adequaram à Constituição da

República, permanecendo muito distantes das garantias constitucionais.

Pela norma constitucional o ingresso ao Judiciário é incondicionado (art. 5º XXXV), o

que não é seguida por normas infraconstitucionais que ainda insistem em condicionar o

ingresso ao Judiciário, sendo que estas, muitas vezes, impedem o julgamento de mérito em

várias situações, não se permitindo a concretização do direito.

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Hodiernamente, falam-se muito em constitucionalização do processo, mas na prática,

ainda reinam dificuldades para a perfeita adequação das regras processuais ordinárias às

modernas normas constitucionais. Permanece ainda a preocupação com as formalidades

obsoletas do passado, esquecendo-se, que o direito é muito mais importante do que a forma. A

doutrina, de uma maneira geral, não se deu conta, que primeiro se deve proteger o direito e

somente, depois, pensar nas formalidades.

As formalidades são necessárias para a proteção e a concretização do direito, mas isso

somente pode ser exigido quando houver necessidade e não por mera opção do aplicador do

direito. Isto é, quando o direito não puder ser alcançado sem as formalidades extremamente

necessárias. No entanto, não se pode inverter a lógica, dando preferência às formalidades em

prejuízo da concretização do direito.

A Constituição da República, ao dispor que não se pode retirar da apreciação do

Judiciário qualquer alegação de lesão a direito, quis garantir a apreciação e, se for o caso, a

efetivação do direito, independentemente de qualquer formalidade.

As formalidades como as condições da ação e os pressupostos processuais, são

obstáculos impostos pelo legislador infraconstitucional, contrariamente ao direito fundamental

de acesso à justiça, assegurado constitucionalmente. Pela norma constitucional, o acesso à

justiça não pode sofrer condicionamento.

Essas condicionantes infraconstitucionais afastam o acesso à justiça, à ordem jurídica

justa e à concretização do direito. Desta forma impede que se realize a pacificação social

objetivo maior do processo e da atividade jurisdicional. Sem uma ordem jurídica justa, sem a

efetiva concretização do direito, não há como atingir a pacificação social. Daí a maior

relevância do efetivo acesso à justiça e a concretização do direito.

1. Acesso à justiça e a concretização do direito

É muito comum confundir-se o acesso à justiça com o simples acesso ao judiciário. O

direito de ação, puro e simples não pode ser considerado acesso à justiça1. Tais expressões

não devem ser confundidas. Como não se devem confundir a tutela jurídica com a

jurisdicional e nem esta com a tutela do direito. São modalidades de tutelas diferentes, sendo

que somente a última é que interessa ao jurisdicionado, porque é esta que representa a

concretização do direito. O acesso à justiça e a concretização do direito somente acontece

quando for efetivamente empreendida a tutela do direito.

1 [...] “logo o direito de ação não deve se subsumir no mero ingresso da pessoa ao sistema judiciário, mas sim o

acesso a uma ordem jurídica justa”. SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional –Nova

concepção de jurisdição, pp. 148-149. São Paulo: Método, 2008.

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Várias são as espécies de tutelas, mas, a principal é tutela do direito, porque esta é que

abre as portas para o acesso à justiça e a concretização do direito. Não se podem confundir as

outras modalidades de tutela, com aquela que efetiva (concretiza) o direito, pois, é somente

esta que atende a finalidade social e o anseio dos jurisdicionados.

Quando se fala em tutela jurídica, está se referindo ao mínimo que fica muito aquém

da expectativa do jurisdicionado, porque este almeja o acesso à justiça com a concretização de

seu direito, o que somente pode ser alcançado com a tutela do direito e não com a simples

tutela jurídica. A tutela jurídica é o caminho a ser percorrido para se alcançar a verdadeira

tutela do direito que é a concretização do direito e representa o acesso justiça. Antes do acesso

à justiça com a concretização do direito, o que se tem é o acesso ao judiciário, mas não o

almejado acesso à justiça2.

A tutela do direito a além de ser uma tutela jurídica que poderá ser prestada pelo

Judiciário, ela também pode ser obtida extrajudicialmente, como já ensinava CHIOVENDA3.

A tutela do direito pode se dar pela via jurisdicional ou pela via extrajudicial e, está ligada à

realização do direito. Melhor acontece quando se dá a tutela do direito em que este é

protegido e realizado sem a necessidade da via jurisdicional. O processo jamais foi um bem,

aprioristicamente. É um mal necessário. Somente existe porque nem sempre o direito que

deveria ser tutelado extrajudicialmente, o é. O interesse em buscar a via judicial somente

ocorre quando o direito for violado ou ameaçado de violação. Quando se dá a tutela do direito

extrajudicialmente, desnecessária se torna a tutela jurisdicional por falta de interesse.

Bom seria se todas as pessoas cumprissem com as suas obrigações e respeitassem os

direitos das outras, a ponto de se evitar lides e, promovendo a pacificação social extrajudicial,

sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Como exposto acima, o processo é um mal necessário, que somente deve entrar em

cena, quando as partes não forem capazes de solucionarem seus conflitos. Enquanto as partes

souberem se controlar e uma respeitar o direito da outra, cumprindo com as suas obrigações

sem prejudicar interesses alheios, a tutela jurídica está sendo realizada extrajudicialmente,

sem a necessidade do processo e nem da intervenção do Poder Judiciário.

O povo que sabe realizar a tutela jurídica extrajudicialmente é uma camada social

mais avançada, mais evoluída, e que melhor representa a espécie humana.

2 “Neste sentido, vários dogmas precisam ser transpostos. Primeiro é essencial que se extirpe do mundo jurídico

a compreensão de que o acesso à justiça se limita tão-somente ao direito a uma sentença, mesmo que de mérito”.

SAMPAIO JUNIOR, José Herval. Processo Constitucional – nova concepção de jurisdição, p. 122. São Paulo:

Método, 2008.

3 CHIOVENDA, Giuseppi. “Y esta declaración lógica de certeza como determinante de la tutela jurídica, seria el

signo distintivo de lacto jurisdicional em general de las outra formas de tutela jurídica que puedem encontra-se

fuera del processo”. La acción, p. 83.

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2. Histórico constitucional do acesso à justiça

O acesso ao judiciário nem sempre foi assegurado de modo explícito nas Constituições

que existiram anteriormente.

A primeira Constituição brasileira foi editada em 1.824, com a denominação de

Constituição Política do Império em 23.03.1824. No art. 179 tratou das garantias dos direitos

civis e políticos dos cidadãos, mas não contemplou de forma expressa o direito de acesso ao

Judiciário. O art. 179, § 30 garantiu a apenas a reclamação aos órgãos, legislativo e executivo,

sem nada falar sobre o Judiciário.

Após a proclamação da república, em 24-02-1891 foi publicada a Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil, que apesar de falar em Declaração de direitos, na

Seção II e relacioná-los no art. 72, também nada expressou a respeito do acesso à justiça. Essa

Constituição foi emendada em 1926, mas o silêncio a respeito permaneceu.

Em 1.934 foi editada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que

apesar de falar em Direitos e Garantia Individuais no cap. II, no art. 113 falou em petição aos

Poderes Públicos, mas nada mencionou sobre o acesso à justiça. O mesmo silêncio se repetiu

na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1.937, nada constando a respeito no art. 122

que cuidou dos Direitos e Garantias Individuais.

Somente com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18.09.1946 é que

apareceu pela primeira vez de forma expressa a garantia do acesso ao Judiciário. No art. 141,

par. 4º, apareceu pioneiramente a expressão: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder

judiciário qualquer lesão de direito individual”. Era a garantia do acesso ao Judiciário, restrito

ao direito individual, época que ainda não se falava em direito coletivo.

A mesma expressão apareceu na Constituição do Brasil de 24.01.1967, contemplando

o acesso ao Judiciário no art. 150, § 4º. Esta Constituição foi alterada pela Emenda

Constitucional nº 1, de 17.10.1969, mas a mesma redação foi mantida, no art. 153, § 4º, com o

acréscimo da possibilidade de condicionamento pelo esgotamento prévio das vias

administrativas desde que não fosse exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo

de cento e oitenta dias para decisão do pedido.

Em progressão e, em um tom bem mais avançado, a atual Constituição da República

federativa do Brasil de 1988, afastando-se do individualismo puro que a antecedia, no Título

II tratou Dos Direitos e Garantias Fundamentais e, no Capítulo I, cuidou dos direitos e

deveres individuais e coletivos. Pela primeira vez, surgiu a preocupação com o coletivo. No

artigo 5º, XXXV, está expresso: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça ao direito”. De regra não há mais o condicionamento de esgotamento da via

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administrativa como foi previsto na Constituição anterior4 e nem limitação ao direito apenas

individual. Hoje a garantia do acesso à justiça alcança tanto o direito individual, bem como o

direito coletivo.

2. Conceito de tutela jurídica

A tutela jurídica é o gênero da qual se extrai as demais espécies de tutela, como a do

processo, a da jurisdição e a do direito. A tutela do processo que se liga às formalidades

procedimentais visa pura e simplesmente tutelar o procedimento (processo) através do rígido

regime das formalidades. Recebe esse nome por se cuidar de proteger direitos que tanto pode

ser de natureza material, como de natureza processual. Quando se fala em tutela jurídica, vem

à tona a possibilidade dela aparecer nas várias modalidades de tutelas existentes, tais como, a

tutela do procedimento, a tutela jurisdicional e a tutela do direito, propriamente dita.

A expressão tutela tem sentido de proteger e quando se liga ao procedimento teremos a

tutela procedimental ou tutela do processo; quando se liga à postulação em juízo se diz tutela

jurisdicional, sempre que ultrapassadas as questões puramente processuais, o juiz passa a

julgar o pedido. Ocorre a tutela jurisdicional sempre que o juiz aprecia o pedido, seja pela

procedência ou pela improcedência. Já por fim, a tutela do direito se dá quando o direito é

efetivamente protegido ou devidamente realizado5.

3. Espécies de tutela jurídica

A tutela jurídica se apresenta nas mais variadas formas e pode se ligar apenas à

proteger o processo, apenas a uma prestação jurisdicional independentemente de quem será o

vencedor ou ainda em tutela do direito, quando este for efetivamente protegido ou realizado.

3.1. Tutela do processo

Sempre houve uma grande preocupação com a tutela do processo por amor à forma.

No entanto, enquanto se prestigia a forma, desprestigia-se o direito que é o fim em si mesmo.

O processo civil ainda sofre a influência de uma herança do processo romano, que era

extremado em suas formalidades6. Todavia, precisamos dar conta de que as épocas são outras.

4 Salvo a única hipótese prevista de esgotamento prévio no art. 217, § 1º da CF, em relação ao desporto. 5 “O processo civil deve estar estruturado de modo a viabilizar a adequação da tutela dos direitos. Neste sentido,

não cabe confundir o modelo processual (vale dizer, os procedimentos) com a tutela que por eles deve ser

prestada”. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, p. 32. São Paulo, 3ª ed. RT, 2003.

6 “ainda se reveste de um formalismo e autonomia que andam na contramão da efetividade dos direitos de um

modo geral, ou seja, contra a sua própria razão de ser”. SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo

Constitucional –Nova concepção de jurisdição, p. 43. São Paulo: Método, 2008.

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A sociedade evoluiu e com ela evoluíram os mais diversos seguimentos sociais e, entre estes,

o direito. Não se pode proteger o processo e desproteger o direito.

Hoje, mais do que nunca, há necessidade de se privilegiar o direito quando colocado

em confronto com a forma. Sabe-se que a forma e as formalidades foram criadas para

tutelarem o processo. Mas também se sabe que o processo é o meio para atingir um fim e não

o próprio fim. A lógica aponta que não se deve prestigiar o meio (processo) em detrimento do

fim (direito). Não se pode perder tempo com incidente processual infrutífero e retardar ou

nunca se chegar à concretização do direito.7

A teoria das nulidades que está reclamando por uma releitura, porque não mais atende

ao interesse maior da sociedade que é atingir o quanto antes a tutela do direito. A começar

com a obsoleta e vetusta nulidade do processo (procedimento).

O processo é uma abstração sem forma e sem substância palpável; não tem cor, não

tem peso e não pode conter vício. Por isso, não pode ser atingido por qualquer nulidade.

Eventual vício dos atos atinge o procedimento, mas, jamais o processo em si mesmo

ou como já restou exposto alhures, todo processo é legal, o que pode ser ilegal é o

procedimento8.

O Código de Processo Civil, apesar de fazer referência à nulidade do processo (art.

246), é de se notar que não é o processo atingido por qualquer nulidade. A nulidade somente

atinge o procedimento (arts. 249 e 250, do CPC). Somente os atos do procedimento podem ser

nulos e não o processo em si mesmo (art. 249, do CPC).

Tanto é assim, que o juiz ao declarar nulo o procedimento ele declarará quais os atos

que serão atingidos pela nulidade, aproveitando-se o processo (procedimento) até então (art.

249, do CPC). Fosse o processo anulado, ele desapareceria por completo e não poderia ser

reaproveitado.

As formalidades procedimentais visam tutelar o processo (mais propriamente, o

procedimento), mas não se preocupam com o direito em si mesmo. Como foi exposto em

outra oportunidade, o “que importa hoje é a satisfação do direito e não mais a satisfação do

processo”9.

7 Ao condenar as formalidades custosas e desnecessárias, MORELLO, expõe: [...] “uma infructuosa cuestion de

competência o um vano incidente parásito”. MORELLO, Augusto Mário. Persona, sociedad y derecho, p. 211.

Buenos Aires: Lajouane, 2006.

8 Esta questão foi tratada com maior amplitude em “Fraude à execução e o direito de defesa do adquirente, pp.

173:199”. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.

9 SOUZA, Gelson Amaro de. Tutela de urgência e definitividade do provimento judicial. in Tendências do

moderno Processo Civil Brasileiro – Aspectos individuais e coletivos das Tutelas preventivas e ressarcitórias.

(Org) Lucio Delfino, Fernando Rossi, Luiz Eduardo Ribeiro e Ana Paula Chiovitti, pp. 323, 347. Belo

Horizonte: Fórum, 2008.

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Enquanto se preocupa em demasia com o processo (procedimento), afasta-se do

objetivo principal que é a concretização do direito. É necessário, antes se preocupar com as

garantias constitucionais voltadas para a concretização do direito e somente depois com as

formalidades infraconstitucionais. Como bem explica MORELLO, em qualquer disciplina,

nenhum tema pode ser objeto de análise solitária, senão diante da análise do sistema em

conexão com os demais princípios e com o direito em geral, sem o qual se perde boa parte de

seu significado e seu alcance10.

3.2. Tutela Jurisdicional

A tutela jurisdicional é proteção que o Estado procura dar ao interessado portador de

uma pretensão. Portanto, surge como necessária a separação entre direito e pretensão. A

pretensão não corresponde ao direito, visto que nem todo aquele que tem pretensão tem

direito. Já ensinou PONTES DE MIRANDA11, que tanto aquele que tem pretensão de direito

material, bem como aquele que está obrigado tem direito de ir ao judiciário para buscar uma

tutela jurisdicional.

Resulta dizer que esta modalidade de tutela jurisdicional já está ligada à atuação da

jurisdição e guarda séria relação ao julgamento de mérito. Assim é que MARINONI12, afirma

que tanto a sentença de procedência como a de improcedência presta a tutela jurisdicional,

não importando se concede ou não o direito pretendido pela parte.

Esta modalidade de tutela representa o ato do Juiz em apreciar o pedido e julgar o

mérito da causa, seja a favor de qualquer das partes. Com razão observa ORTIZ13, que as

condições da ação atuam como condicionante ao julgamento do mérito, sendo que a ausência

de qualquer delas impede a prestação da tutela jurisdicional. No mesmo sentido proclama

10 Detengámonos em uno de lós princípios procesales, el de economia, aunque como e cualquier disciplina,

ningún tema es objeto de análise en solitário sino radicado em un plexo sistêmico, interconectado con lós demás

princípios y con el Derecho en general y su interpretación”. MORELLO, Augusto Mário. Persona, sociedad e

derecho, p. 203. Bueno Aires: Lajouane, 2006.

11 “Tanto o que tem a pretensão de direito material quanto o obrigado dispõem da pretensão à tutela jurídica”.

PONTES DE MIRANDA; Tratado da ação rescisória, p. 11. Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed. 1996.

12 MARINONI, Luiz Guilherme. “Ainda que a sentença seja de improcedência, é evidente que essa sentença lhe

presta tutela jurisdicional, não importando se não concede a tutela do direito. A tutela jurisdicional é a resposta

da jurisdição ao direito de participação em juízo das partes”. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à

tutela dos direitos. RDPC, v. 37, p. 536. Curitiba, Gênesis, julho/setembro, 2005.

13 “As condições da ação operam, portanto, especificamente no plano da prestação da tutela jurisdicional de

mérito, condicionando-a, de modo que, ausentes quaisquer uma delas, inexistente o direito a esta espécie de

tutela, inviabilizando a apreciação do pedido, com conseqüente extinção do processo sem julgamento de mérito”.

ORTIZ, Mônica Martinelli. Âmbito da cognição das questões de ordem pública nos tribunais superiores e

exigência de preqüestionamento. REPRO, V. 128, p. 177. São Paulo: RT, outubro de 2005.

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MARINONI14, que se o autor exerce o direito de ação para obter a tutela jurisdicional do

direito, mesmo que a sentença não reconheça a pretensão de direito material, ainda assim,

presta a tutela jurisdicional, respondendo ao direito de ação.

No dizer de MARINONI15, o procedimento, além de conferir oportunidade à adequada

participação das partes e a possibilidade de controle da atuação pelo juiz, visando proteção ao

direito material, devendo dar ensejo à efetiva tutela dos direitos. Nota-se a preocupação com a

efetivação do direito e não mais com a simples efetivação do processo, este como meio, para

se chegar ao fim que é a entrega efetiva do direito a quem o efetivamente o tem.

Para a sociedade moderna o que importa é o acesso ao direito e a consecução da ordem

jurídica justa e, não só, o acesso ao judiciário. Para o jurisdicionado, de nada adianta ter

acesso ao judiciário e ao processo, se ao final, contudo, não se alcançar o direito, objetivo

maior. Não interessa uma simples decisão judicial favorável, se o direito mesmo, não for

alcançado. Também decisão favorável tardia e sem aptidão para efetivar o direito, já não

interessa mais a ninguém. O que interessa é a efetivação do direito (fim) e não só a efetivação

do processo (meio) e nem a pura prestação jurisdicional em simples tutela cognitiva. Dizer o

direito deixou de ser importante, o que mais importa é realização e não o simples reconhecer.

3.3. Tutela do direito

A tutela do direito difere das demais tutelas mencionada. Desta forma não se pode

confundir a tutela do processo e a tutela jurisdicional que são meios, com a tutela do direito

que é o fim. Até mesmo YARSHELL16 que chegou a manifestar pela equivalência dos termos

“tutela jurisdicional” e “tutela de direitos”, em outro ponto17, parece admitir a distinção entre

uma e outra ao afirmar que a tutela jurisdicional, embora se traduza em termos claros, merece

alguma reflexão, dada a associação a que induz com a idéia de tutela de direitos. Possível

notar-se que ao admitir a associação das duas figuras, está admitindo a diferença entre uma e

outra. Até porque, a mesma coisa não pode se associar consigo mesmo. A associação sempre

há de se dar entre entes diferentes. Pode se ver que nos casos em que a tutela jurisdicional

(julgamento de mérito) seja contra o autor, fica afastada qualquer hipótese de tutela de direito,

que pelo julgamento demonstrou não existir ao autor, muito embora, mesmo assim, a tutela

jurisdicional foi prestada.

14 MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela dos direitos. RDPC, v.

37, p. 536. Curitiba. Gênesis, julho/setembro, 2005.

15 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos, p. 145. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004.

16 YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional, p. 29. São Paulo: Atlas, 1999.

17 Idem, idem, p. 28.

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O direito fundamental à tutela judicial se efetiva pelo simples agir em juízo em busca

da tutela jurisdicional que efetiva pela apreciação do mérito da causa, seja a favor ou contra o

autor. Todavia, com o observa MARINONI18, a prestação jurisdicional que reconheça o

direito do autor, ainda está longe de corresponder a uma efetiva tutela de direito material.

A tutela jurisdicional deverá ser prestada de acordo com o pedido (art. 460 do CPC),

mas a tutela do direito pode ser aquém do pedido. Ao julgar o pedido da parte, o juiz poderá

atendê-lo em toda sua extensão, bem como, poderá atendê-lo apenas parcialmente, o que

implica em tutela do direito menor do que foi pedido. O juiz pode conceder menos direito do

que o autor pediu, somente não pode julgar menos do que se pediu. O principio da

congruência somente se aplica na relação pedido e sentença, mas não na relação julgamento e

concessão.

A tutela jurisdicional por si só, pode não atender a pretensão do autor que visa a

realização de um direito e que exige atuação além de uma simples prestação jurisdicional. A

mera acessibilidade aos órgãos judiciais e a mera definição de que tem direito e quem não o

tem, não é o suficiente em todos os casos. Observa SPADONI19 que o direito de ação

reconhecido constitucionalmente, não pode ser considerado como a possibilidade de acesso ao

judiciário, mas deve ser visto como garantia constitucional a uma atividade jurisdicional

plena, adequada e eficaz à tutela do direito. Para esse autor a tutela a ser concedida deve ser

ampla e aproximar o máximo possível daquele resultado que seria obtido caso o direito fosse

respeitado ou cumprimento espontaneamente20.

O direito processual que regula a atividade processual, não pode se contentar com o

simples acesso ao Judiciário, mais que isto, é necessário provimento jurisdicional que atribui

e ao mesmo tempo efetive o direito da parte. Acesso à justiça se dá quando a parte alcançar a

concretização de seu direito. Isto é, que seu direito seja efetivado e incorporado ao seu

patrimônio21.

4. Tutela cognitiva.

A tutela de conhecimento é a mais ampla e pode ser encontrada entre as figuras da

tutela completa e da tutela incompleta. Na primeira hipótese encontra-se aquela tutela

18 MARINONI, Luiz Guilherme. Da ação abstrata e uniforme à ação adequada à tutela dos direitos. RDPC, v.

37, p. 542. Curitiba. Gênesis, julho/setembro, 2005.

19 SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória, p. 23.

20 SPADONI, Joaquim Felipe. Idem, idem.

21 “Ainda nesse condão, é imprescindível que todos os operários do direito passem a compreender que a maior

preocupação desta ciência deve ser a efetiva tutela dos direitos”. SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo

Constitucional –Nova concepção de jurisdição, p. 08. São Paulo: Método, 2008.

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jurisdicional que por si só já é o suficiente para satisfazer o interessado. A tutela incompleta é

aquela que exige outra atividade a seguir para que o interesse da parte efetivamente atendido.

4.1. Tutela jurisdicional completa

Entre as modalidades de tutela jurisdicional completa, encontramos as mais comuns

que são a tutela declaratória e constitutiva, que de regra encerram o processo, sem

necessidade providência jurisdicional posterior. Todavia, excepcionalmente poderá se

encontrar nesta espécie a sentença condenatória, quando não for possível ou desnecessária

outra atividade jurisdicional para o cumprimento do julgado.

4.1.1. Declaratória

Alerta MARINONI22, que tanto a sentença declaratória, bem como a constitutiva,

podem ser consideradas suficientes por si mesmas. Considera que a simples prolação da

sentença, nessas modalidades, é o bastante para que se considere a prestação jurisdicional

integral23.

A sentença declaratória pura é sem qualquer sombra de dúvida uma das formas de

tutela jurisdicional completa, quando julga o mérito. É completa por que não precisa de

nenhum outro ato ou procedimento para a efetivação da tutela da pretensão pedida pelo autor.

Seja caso de procedência ou de improcedência, a tutela é exauriente da pretensão do autor não

comportando ou não exigindo outro procedimento jurisdicional posteriormente.

4.1.2. Constitutiva

Seguindo os passos da sentença declaratória, a sentença constitutiva também dispensa

procedimento judicial posterior, podendo assim, ser classificada como tutela completa. A

sentença constitutiva não exige nova atuação jurisdicional, o que a caracteriza como tutela

completa, porque o direito da parte fica satisfeito somente com a constituição ou a

desconstituição pretendida. Não se exige fase procedimental executiva. Eventual atuação

necessária para registro ou averbação da decisão em órgãos públicos, será feita através de

atividade administrativa e não mais jurisdicional.

22 MARINONI, Luiz Guilherme. “A sentença declaratória e a sentença constitutiva sempre foram consideradas

sentenças suficientes em si. A mera prolação dessas sentenças é bastante para que a prestação jurisdicional seja

integral”. Técnica processual e tutela dos direitos, p. 41. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004.

23 “Nas chamadas ações declaratórias, costuma-se dizer que ocorre verdadeira confusão dos pedidos mediato e

imediato, “porque na simples declaração da existência ou inexistência da relação jurídica se esgotam a pretensão

do autor e a finalidade da ação”. VIANA, Juvêncio Vasconcelos Viana. A causa de pedir nas ações de

execução”, p. 93. in Causa de pedir e pedido no processo civil, CRUZ E TUCCI, José Rogério e BEDAQUE,

José Roberto dos Santos (coords). São Paulo: RT. 2002.

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4.1.3. Condenatória

A sentença condenatória é a que mais tem preocupado a doutrina, principalmente

depois de uma brilhante exposição apresentada por BAPTISTA DA SILVA24 no Primeiro

Congresso Internacional de Direito Processual Civil realizado em Brasília no ano de 1995,

quando afirmou tratar-se providência inócua, porque a simples condenação não implica na

realização do direito, que estaria a reclamar por outro processo para a sua efetivação que era o

processo de execução.

Esse pensamento foi ganhando raízes e não faltaram aqueles que criticavam a

definição de sentença constante do artigo 162, § 1º do CPC, não poupando argumentos

visando a sua modificação, o que veio acontecer com a reforma tópica realizada pela Lei

11.232/2005. Pela nova redação do artigo 162, § 1º do CPC, desapareceu a expressão “ato que

extingue o processo”, o que fez com que a grande maioria da doutrina entendesse que a

sentença não é mais o ato que extingue o processo. No entanto, se a sentença não extinguisse

o processo de conhecimento, ela jamais seria alcançada pela coisa julgada, pois, esta somente

se configura quando do último julgamento no processo25.

Pensamos que tal avaliação fora feita de forma apressada26 e que a sentença continua

sendo o ato que extingue o processo da mesma forma como acontecia antes da Lei

11.232/2005. O que pensamos é que esta Lei veio para simplificar o procedimento executivo

(cumprimento de sentença), dispensando a instauração de outro processo27 que antes era o de

execução de sentença, passando essa execução (cumprimento) ser realizada por simples

procedimento28 executivo e não mais por processo de execução. O que se afastou foi a

24 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Exposição feita no Primeiro Congresso Internacional de Direito Processual

Civil, realizado em Brasília no ano de 2005.

25 Em artigo intitulado “Sentença – em busca de uma nova definição”, em co-autoria com SOUZA FILHO,

Gelson Amaro de, foi afirmado que a mudança da redação do art. 162, § 1º do CPC, por si só não teve o condão

de mudar a essência e, que a sentença, a nosso ver continua sendo o ato que extingue o processo. Esse trabalho

foi publicado no Repertório IOB, v. III, nº 5, 2009. 1ª quinzena, março, 2009.

26 Existe ainda uma relutância em se reconhecer a distinção entre “processo” e “procedimento”, quando esta

diferença está claramente demonstrada nos artigos 22, I e 24, XI, da CF. Pelo primeiro só a União pode legislar

sobre processo; pelo segundo, os Estados e Distrito federal também podem legislar sobre procedimento.

27 Dispensa-se novo processo de execução somente para a sentença condenatória civil comum, pois ainda se

exige tal processo para outros casos, como na condenação da fazenda pública, na condenação criminal para

execução no civil, na sentença condenatória estrangeira, na sentença arbitral e em caso de execução individual de

sentença condenatória coletiva. Essa matéria foi tratada com mais detalhes em nosso: “Efeitos da sentença que

julga embargos à execução”. São Paulo: Editora MP, 2007.

28 Não se pode confundir processo e procedimento. O processo de conhecimento condenatório pode encerrar-se e

após iniciar-se, o procedimento executivo. Alias, alguns países, a execução de sentença é realizada por

procedimento extrajudicial, através de Cartório de Notas. No Brasil também há procedimento (não processo) de

execução extrajudicial em favor dos credores contra os devedores do SFH, através do famigerado Decreto 70,

cujo vício (inconstitucionalidade) notável é o próprio credor dirigir o procedimento.

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necessidade de novo processo de execução, mas isso não implica dizer que o processo de

conhecimento continua mesmo após a sentença com trânsito em julgado.

Todavia, impõe-se notar que nem toda sentença proferida processo de conhecimento

condenatório, vai exigir processo ou procedimento de execução posteriormente. Existem

sentenças condenatórias que não comportam processo ou procedimento de execução, sendo a

própria sentença autosuficiente ou autosatisfativa, de tutela completa29.

Ainda que se quisesse sustentar que a sentença condenatória não extingue o processo

de conhecimento, ao menos no caso de condenação do devedor a emitir declaração de

vontade, como previsto no artigo 466-A do CPC, haverá de reconhecer que nesta hipótese, a

sentença extingue o processo, pela simples razão de que nenhuma outra providência executiva

ser cabível, visto que a sentença por si mesmo produz todos os efeitos necessários.

O mesmo se pode dizer, quando se tratar de sentença proferida em processo de

natureza condenatório, mas que a sentença seja de improcedência. Mesmo que o autor busque

a tutela condenatória, mas, se a sentença dá pela improcedência do pedido, a tutela

jurisdicional foi prestada e, necessariamente, a sentença está pondo fim ao processo, porque

nada resta a executar, porque sentença de improcedência não se executa30.

4.2. Tutela jurisdicional incompleta

Diferentemente da tutela jurisdicional completa que não exige outra providência

jurisdicional, a incompleta não autosuficiente e exige atividade jurisdicional ulterior para a

efetivação do direito. O exemplo mais comum desta modalidade é a sentença condenatória,

que de regra, exige atividade jurisdicional posterior para concretizar o direito do interessa.

Essa sentença é uma tutela de definição, serve como indicativo de direito, mas não serve para

a sua realização. Somente providências ulteriores é que podem chegar à realização do direito.

4.2.1. Tutela condenatória

Talvez a maior responsável pela modificação da redação do art. 162, § 1º do CPC,

tenha sido a sentença condenatória que, de regra31, exige processo ou procedimento posterior

para impor o cumprimento (execução) da sentença. A sentença condenatória quando condena

29 CPC. “Art. 466-A. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em

julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida”. Artigo acrescido pela Lei nº 11.232/2005.

30 Na sentença de improcedência, o que se pode executar são verbas de sucumbência. Mas essa execução será em

outro procedimento, porque no mesmo procedimento não se pode mudar a causa de pedir e o pedido após o

saneamento do processo e nem mesmo as partes, após a citação, por imperiosa disposição proibitiva do art. 264 e

parágrafo único, do CPC.

31 Diz-se “de regra”, por que o artigo 466-A do CPC, não admite qualquer providência executiva posteriormente.

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ao pagamento de quantia ou entrega de coisa, obrigação de fazer ou não fazer, apenas define o

direito, isto é, quem tem razão e quem não a tem. Mas, para por aí, caracterizando uma tutela

incompleta. Somente em procedimento executivo (cumprimento de sentença) é que o vencido

é forçado ao cumprimento da obrigação. Neste caso, tem-se que a tutela jurisdicional foi

incompleta, pois, a sentença reclama por providências jurisdicionais posteriores, para se

chegar à concretização do direito.

Alguns casos reclamam verdadeira ação (e processo) de execução para que se alcance

a concretização do direito. Em se tratando de sentença penal condenatória, para ser executada

no cível há necessidade de processo de execução e não simples procedimento de

cumprimento; No caso de sentença arbitral, exige processo de execução; O mesmo se dá para

o caso de sentença condenatória estrangeira; Ainda para a execução singular de sentença

condenatória coletiva pelo particular que sofrera prejuízo, há necessidade de processo de

liquidação e, depois, processo de execução em separado.

Neste contexto, pode-se dizer que há a Tutela (prestação) jurisdicional, mas, ainda não

há a tutela do direito e, por isso, ainda não se pode falar em atendimento à ordem jurídica

justa. Existe a tutela jurisdicional, mas ainda não há a tutela do direito, propriamente dita, que

vem a ser a concretização do direito.

5. Os diferenciais entre as tutelas

Quando se fala em acesso à justiça, vem logo a ideia de tutela jurisdicional, que é

aquela que aprecia o pedido feito pela parte e que corresponde ao mérito da causa. Somente

quando o pedido é apreciado é que se pode dizer que houve acesso à jurisdição. Mas o acesso

à jurisdição ainda não representa acesso à ordem jurídica justa, pois, nem sempre será o

suficiente para a efetivação (concretização) do direito.

De outra forma a tutela do processo e a tutela jurídica ficam aquém da tutela

jurisdicional, visto corresponder a provimentos judiciais, sem o julgamento do mérito. Na

primeira visa-se tutelar o processo, e na segunda a emitir provimentos judiciais fora do

contexto meritório, sem a análise do pedido feito pela parte.

Nesta linha de raciocínio pode-se dizer que as tutelas do processo e jurídica não

prestam a jurisdição, que é direito e ao mesmo tempo garantia constitucional (art. 5º, XXXV,

da CF). Somente a tutela jurisdicional que é aquela que julga o mérito do pedido da parte é

que atende a previsão constitucional de acesso à justiça. A norma do art. 5º, XXXV, da CF,

não contenta com o simples ingresso no Judiciário, exige-se mais, que exista julgamento de

mérito, ou seja, julgamento do pedido da parte. Com o julgamento de mérito pode-se dizer

que houve tutela jurisdicional, mas, casos existem em que esta tutela ainda é incompleta e

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para o acesso à justiça exige providência executiva para a concretização do direito, o que se

pode falar em tutela do direito ou concretização do direito.

O acesso à justiça não se limita apenas ao acesso ao julgamento do mérito da causa,

vai mais além, pois, dependendo da pretensão do jurisdicionado, o acesso à justiça somente se

dá com a concretização do direito e não com o simples julgamento. Somente quando o direito

for efetivado e incorporado ao patrimônio do jurisdicionado é que se pode falar em acesso à

ordem jurídica justa ou efetiva tutela do direito.

6. Acesso ao Judiciário e acesso à jurisdição

Não se pode confundir o simples acesso ao judiciário, como acesso à jurisdição e nem

o acesso a esta última com o acesso à ordem jurídica justa. O nosso sistema processual é de

um formalismo exagerado, que nem sempre ao acessar o judiciário, estará tendo acesso à

jurisdição. O acesso ao judiciário se dá com o simples ingresso com qualquer ação e iniciando

o processo (art. 262 e 263, do CPC). O acesso à jurisdição somente se dá quando o mérito da

causa é julgado. Muitos dos jurisdicionados que acessam o Judiciário, não conseguem ver seu

pedido julgado, em razão do formalismo excessivo que povoa o nosso sistema jurídico.

O acesso à jurisdição somente se dá quando o jurisdicionado tem a sua pretensão

(pedido) julgada o que corresponde ao julgamento de mérito. Todavia, as legislações

processuais colocadas a nível infraconstitucional, vez por outra, criam pressupostos ou

condições, como obstáculos ao julgamento de mérito e, por via de consequência, impede o

acesso à jurisdição que é o julgamento do pedido.

Hoje, mais do que nunca, faz-se necessária releitura32 das normas infraconstitucionais,

para afastar o formalismo extremo que está a impedir o acesso à jurisdição. As condições da

ação (impedem o seguimento da ação) e os chamados pressupostos processuais que na

maioria das vezes nada têm a ver com o processo, senão apenas com o procedimento, tornam-

se empecilhos ao acesso à jurisdição, e, com isso, impedem o acesso à ordem jurídica justa.

Já não se pode mais privilegiar as formas em detrimento do direito. É tempo e hora de

nova releitura das formalidades processuais, eliminando-as, para possibilitar o acesso à justiça

e à ordem jurídica justa, que é o que mais importa para o jurisdicionado. As formalidades

32 “Entende-se por modelo constitucional de processo, para fins de compreensão da extensão do direito a uma

tutela efetiva, o conjunto de garantias constitucionais referentes ao processo dispostos no rol de direitos e

garantias fundamentais e que, de forma expressa, vinculam toda a atuação jurisdicional, impondo um releitura de

todas as normas processuais, de modo que os valores ali dispostos restem consagrados em todas as situações

fáticas submetidas a um processo judicial e algumas delas até mesmo a um processo administrativo”. SAMPAIO

JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional –Nova concepção de jurisdição, p. 117. São Paulo: Método,

2008.

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excessivas podem agradar aos profissionais do direito, mas, por certo, não agradam, não

interessam e nem atendem as necessidades dos jurisdicionados.

7. O regramento constitucional

A Constituição da República em seu art. 5º, XXXV, deixou clara a sua preocupação

com a tutela jurisdicional, a ponto de dizer quer “a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”. ARAÚJO e NUNES JUNIOR, afirmam que com estes

dizeres “a Constituição da República empalmou a princípio da inafastabilidade da

jurisdição”33.

Seguindo a mesma trilha, PENTEADO FILHO34 afirma trata-se de princípio

constitucional da inafastabilidade da jurisdição com amplo acesso à justiça assegurado ao

jurisdicionado o que é essencial ao Estado de direito, acrescentando que é dever do Judiciário

a solução dos conflitos.

FACHIM35 perfila entendimento no sentido de que a norma constitucional assegura a

todos o direito fundamental de acesso aos órgãos jurisdicionais para a defesa dos seus direitos.

Não se pode negar que o espírito da Constituição da República é exatamente este. Todavia,

ainda existem autoridades ou mesmo normas infraconstitucionais que de forma direta ou

indireta, afastam ou dificultam o exercício deste direito fundamental36.

Como parece ser de entendimento óbvio, a Constituição da República, com a norma

estigmatizada no art. 5º, XXXV, quis dizer que a todos é facultada a via judicial, para se ter

acesso à justiça, que é alem da definição do direito, a sua efetiva concretização. Entre as

tutelas acima mencionadas, a principal é a tutela do direito37.

33 “Sob a dicção de que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’, a

Constituição da República empalmou o principio da inafastabilidade da jurisdição, que em síntese, de um lado,

ou outorga ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição e, de outro, faculta ao indivíduo o direito de ação, ou

seja, o direito de provocação daquele”. ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso

de Direito Constitucional, p. 114. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. 1999.

34 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de Direitos Humanos, p. 65. São Paulo: Método, 2008.

35 FACHIM, Zulmar. Direitos fundamentais e cidadania, p. 17. São Paulo: Método, 2008.

36 “Infelizmente, ainda existem, com muita frequência, autoridades governamentais que limitam a eficácia de

algumas normas constitucionais, não só por deixarem de aplicá-las diretamente, mas principalmente por

restringirem a sua eficácia indireta, ou seja, não reconhecendo, muitas vezes, os direitos e garantias fundamentais

previstas de modo categórico nas Constituições, o que impõe aos profissionais do direito um novo pensar sobre a

própria concepção de jurisdição, ação e processo, ante esse movimento mundial de constitucionalização de todo

o direito, já que o Poder Judiciário, em nosso país, é o protetor direito de todos os direitos”. SAMPAIO

JUNIOR, José Herval. Processo Constitucional – nova concepção de jurisdição, p. 3. São Paulo: Método, 2008.

37 [...] “daí a ideia que estamos desenvolvendo de que a jurisdição tem como escopo maior tutelar os direitos e

para tanto todas as técnicas são válidas, desde que respeitem as próprias garantias aqui comentadas”, idem, idem,

p. 146.

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Somente a tutela do direito é capaz de atingir a paz social, objetivo maior do processo

e da atividade jurisdicional. As limitações que impedem o julgamento de mérito e a efetiva

concretização dos direitos, impostas pelas normas infraconstitucionais, prejudicam a

pacificação social e não atendem ao fim último que inspirou o constituinte a positivar a

garantia do acesso à justiça e à ordem jurídica justa38.

8. Alguns obstáculos do acesso à justiça

A tendência moderna é facilitar o acesso à justiça, com a universalização da tutela

jurisdicional, para se chegar à efetiva tutela do direito. Lembra FACHIM39, que para a

consecução desse desiderato, é necessária a transposição de alguns obstáculos impeditivos de

ingresso em juízo, a fim de permitir o maior número de pessoas a demandar, sem o que estaria

comprometida a garantia de acesso à justiça. Neste passo, afirma SAMPAIO JÚNIOR, “que

hoje para a população pobre essa previsão não passa de uma grande ilusão”40.

8.1. Custas processuais

Entre tantos outros fatores que restringem o acesso à justiça, pode-se dizer das custas

processuais, que têm afastado muita gente do acesso à justiça. A Constituição Federal ao

prever o acesso à justiça no art. 5º, XXXV, o fez na melhores das intenções sem deixar

margem ao legislador ordinário a imposição do pagamento de custas que pudesse impedir ou

dificultar o pleno acesso à justiça e à ordem jurídica justa.

8.2. Exigência de depósito

A exigência de depósito antecipado para se recorrer ou se propor ação é outro

obstáculo ao acesso à justiça imposto pelo legislador ordinário e que contraria a Constituição

da República. A legislação ordinária exige depósito para se recorrer (art 899, parágrafos 1º,

2º, 6º e 7º, da CLT) e o art. 488, II, do CPC, exige depósito para a propositura da ação

rescisória. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a exigência de depósito para ação em

que se discute crédito tributário é inconstitucional (Súmula vinculante 28). Mas esta súmula é

muito tímida, pois, restringiu somente às ações em que se pretende discutir crédito e

38 “Pensar em uma atividade jurisdicional que não vise obrigatoriamente à pacificação social é tratar essa função

pública com descaso”. SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional – Nova concepção de

jurisdição, p. 12. São Paulo: Método, 2008

39 FACHIM, Zulmar. Direitos fundamentais e cidadania, p. 19. São Paulo: Método, 2008.

40 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo Constitucional – Nova concepção de jurisdição, p. 123. São

Paulo: Método, 2008.

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tributário. E em outras ações e recursos, seja na esfera judicial e na esfera administrativa?

Porque não se estender o mesmo entendimento para todos os recursos e ações?

8.3. Ausência de ampla defesa

A Constituição da República prevê ainda o direito ao contraditório e a ampla defesa

em qualquer processo ou procedimento (art. 5º, LV) com todos os meios e recursos a esta

inerente. Todos os meios e recursos visados pela garantia constitucional implicam na mais

ampla possibilidade probatória com aceitação de todos os meios de prova. No entanto, o

legislador ordinário, vez por outra impõe norma que viola esta garantia, ao estabelecer limite

ou proibição ao uso de determinada prova. O art. 401, do CPC, impede a prova

exclusivamente testemunhal para contrato acima do décuplo do salário mínimo. O art. 55,

parágrafo 3º, da Lei 8.213/90, afirma que para a contagem de tempo de trabalho não se admite

a prova exclusivamente testemunhal, o que é, sem dúvida uma afronta aos princípios da ampla

defesa e do acesso à justiça41.

8.4. Condições da ação

Pela norma constitucional a ação é incondicionada. A garantia do acesso à justiça

prevista como direito fundamental, não permite qualquer condicionamento para a obtenção da

tutela jurisdicional. Todavia, o art. 267, do CPC, prevê casos em que o processo deve ser

extinto sem julgamento de mérito, o que quer dizer, sem a prestação jurisdicional (julgamento

de mérito) e, por consequência, sem a concretização do direito da parte. Entre estes casos de

impedimento de julgamento de mérito (prestação jurisdicional) está a falta de uma das

condições da ação (art. 267, VI, do CPC). Trata-se de norma impeditiva ou restritiva do

acesso à justiça, cuja formalidade precisa ser repensada, porque atenta contra a garantia

constitucional do acesso à justiça e à ordem jurídica justa.

8.5. Pressupostos processuais

Outro ponto que restringe em muito o acesso à justiça, está no artigo 267, IV, do CPC,

segundo o qual, será o processo extinto sem julgamento de mérito (prestação jurisdicional)

quando ausente qualquer pressuposto processual. Pela norma Constitucional, não se percebe

qualquer exigência de pressuposto para se ter acesso à jurisdição que sua inteireza abrange a

41 “O direito fundamental à prova, por sua vez, encontra-se assentado em bases constitucionais principiológicas

do devido processo legal, da ação, da ampla defesa e do contraditório”. TAVARES, Fernando Horta e CUNHA,

Mauricio Ferreira. O direito fundamental à prova e a legitimidade dos provimentos sob a perspectiva do direito

democrático. REPRO, v. 195, p. 112, maio de 2011.

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tutela de direito que é a concretização deste. É uma exigência infraconstitucional e que

impede o exercício do direito fundamental ao acesso à justiça e a concretização do direito.

8.6. Presunção absoluta

O absolutismo não pode ser aceito em nada neste mundo. Muito menos em termos de

direito e acesso à justiça. Sempre foi um equívoco denominar-se a presunção de “absoluta”,

até porque, se se trata de algo absoluto, não pode ser presunção, tem de ser certeza e não

apenas presunção. A presunção apenas dispensa a demonstração da certeza, mas não pode ser

tida como a própria certeza.

Se no passado foi admitida a chamada (inadequadamente) “presunção absoluta”, a

partir da Constituição de 1988, esta figura restou extirpada do nosso meio jurídico. Presunção

absoluta era aquela que não permitia defesa e nem prova em contrário. Hoje, em todo

processo e procedimento é permitida a ampla defesa e, por via de consequência, prova em

contrário (art. 5º, LV, da CF).

A garantia constitucional do acesso à justiça exige o contraditório e a ampla defesa

(art. 5º, LV, da CF) em qualquer processo e procedimento, não se permitindo mais, e vetusta

presunção absoluta, onde não se admitia prova e nem defesa em contrário. Hoje, em qualquer

processo ou procedimento haverá direito ao contraditório e produção de prova e ampla defesa,

afastando a figura da presunção absoluta. Não obstante isto, o legislador ordinário de forma

desavisada e contrariando a garantia constitucional, ainda mantém a expressão presunção

absoluta, em ofensa o acesso à justiça e à ordem jurídica justa, como pode se ver no artigo

659, § 4º do CPC.

A norma do art. 659, § 4º do CPC, afirma que o registro da penhora constituirá em

presunção absoluta do conhecimento por parte de terceiro, induzindo ao pensamento de que

este não poderá se defender e nem fazer prova em contrário. Se fosse assim, de valeria o art.

5º, LV, da CF? Será que o legislador desconhece que o registro também pode conter falha?

Ou será que o funcionário que certifica a inexistência de ônus não pode cometer falha? Essa

norma é inconstitucional e viola o direito de acesso à justiça (art. 5º XXXV da CF) e o direito

ao contraditório e à ampla defesa (art. 5, LV, da CF).

A atual Constituição da república não alberga mais, tal modalidade de presunção (se é

que antes poderia ser assim chamada). O direito a ampla defesa afasta qualquer imaginação de

presunção absoluta.

8.7. Prescrição e decadência

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Outro aspecto interessante é o que diz respeito à prescrição e decadência. Estes

institutos previstos em legislação infraconstitucional, sem dúvida, impedem o acesso à justiça

e a concretização do direito. Muito embora a conjugação dos artigos 295, IV e 269, IV do

CPC, pode levar ao entendimento de que o seu reconhecimento é julgamento de mérito (tutela

jurisdicional), em verdade é um impedimento ao acesso à justiça e à realização do direito.

Levando-se em conta que a norma do art. 5º, XXXV, da CF, afirma que a lei não pode

afastar da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, estes institutos ferem a

Constituição porque impedem, o acesso à justiça e à concretização do direito. No caso da

prescrição, fica o interessado de acessar a justiça (perda da pretensão), mas o seu direito

persiste violado sem poder ingressar juízo. Como se falar em existência de direito, violação

deste e, ao mesmo tempo, falar-se em impossibilidade do credor ter acesso à justiça?

Conclusão

Com estas ponderações, encerro o presente estudo, conclamando aos estudiosos do

direito que façam uma releitura das condições da ação e dos pressupostos processuais, para

evitar que tais formalidades continuem a impedirem o acesso à justiça e a concretização do

direito.

Não adianta somente as pregações sobre a constitucionalização do processo; mais que

isto, é necessária a efetiva tomada de posição e colocar em prática as garantias constitucionais

sobre o processo, com vistas ao pleno acesso à justiça e à ordem jurídica justa e, não somente,

o acesso ao judiciário sem se alcançar a prestação jurisdicional e/ou a concretização do

direito.

A simples tutela jurídica ou o acesso ao judiciário por si mesmos não atendem ao

mandamento constitucional, por não solucionarem a lide e nem alcançar a paz social, que é o

objetivo maior do processo através do acesso à justiça. Sem a concretização do direito. não se

pode falar em paz social.

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