22
GÊNERO, DIREITO E SISTEMA PENAL: O PRINCÍPIO DA IGUALDADE REVISITADO Joelma Pultinavicius RESUMO O presente artigo tem a missão de demonstrar as conquistas do feminismo em prol de uma garantia igualitária concernente à questão de gênero, que vise superar a hegemonia do masculino em todas as formas de pensar, construir e interpretar dentro do direito e do sistema penal brasileiro. Busca-se identificar visões alternativas dentro desta problemática, para delinear e dar valor à cultura feminina, construindo assim um Sistema Penal justo, ou seja, que não contenha práticas discriminatórias e que abarque a visão feminina de mundo. Neste sentido, parece urgente e imprescindível identificar o pensamento jurídico-penal que gera o ponto de desequilíbrio entre homens e mulheres, para então buscar novos caminhos em prol de um sistema Penal justo, que faça valer o princípio basilar da igualdade. PALAVRAS CHAVES GÊNERO; DIREITO; SISTEMA PENAL; IGUALDADE. ABSTRACT The present article has the mission to demonstrate to the conquests of the feminism in favor of a igualitária guarantee concernente to the sort question, that it aims at to surpass the hegemony of the masculine in all the forms to think, to construct inside and to interpret of the right and the Brazilian criminal system. One searchs to identify alternative visões inside of this problematic one, to delineate and to give value to the feminine culture, thus constructing a Criminal System just, that is, that it does not contain practical discriminatory and that accumulates of stocks the feminine vision of world. In this direction, it seems Graduada em Administração de Empresas pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná e graduada em Direito pela Faculdade do Brasil -UNIBRASIL. 5341

GÊNERO, DIREITO E SISTEMA PENAL: O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ...sociologial.dominiotemporario.com/doc/GENERO_E_DIREITO.pdf · Enfim, a igualdade tutelada pela nossa Carta magna é

  • Upload
    ngobao

  • View
    221

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

GEcircNERO DIREITO E SISTEMA PENAL O PRINCIacutePIO DA

IGUALDADE REVISITADO

Joelma Pultinaviciuslowast

RESUMO

O presente artigo tem a missatildeo de demonstrar as conquistas do feminismo em prol de uma

garantia igualitaacuteria concernente agrave questatildeo de gecircnero que vise superar a hegemonia do

masculino em todas as formas de pensar construir e interpretar dentro do direito e do

sistema penal brasileiro Busca-se identificar visotildees alternativas dentro desta problemaacutetica

para delinear e dar valor agrave cultura feminina construindo assim um Sistema Penal justo ou

seja que natildeo contenha praacuteticas discriminatoacuterias e que abarque a visatildeo feminina de mundo

Neste sentido parece urgente e imprescindiacutevel identificar o pensamento juriacutedico-penal que

gera o ponto de desequiliacutebrio entre homens e mulheres para entatildeo buscar novos caminhos

em prol de um sistema Penal justo que faccedila valer o princiacutepio basilar da igualdade

PALAVRAS CHAVES

GEcircNERO DIREITO SISTEMA PENAL IGUALDADE

ABSTRACT

The present article has the mission to demonstrate to the conquests of the feminism in favor

of a igualitaacuteria guarantee concernente to the sort question that it aims at to surpass the

hegemony of the masculine in all the forms to think to construct inside and to interpret of

the right and the Brazilian criminal system One searchs to identify alternative visotildees inside

of this problematic one to delineate and to give value to the feminine culture thus

constructing a Criminal System just that is that it does not contain practical discriminatory

and that accumulates of stocks the feminine vision of world In this direction it seems

lowast Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas pela Fundaccedilatildeo de Estudos Sociais do Paranaacute e graduada em Direito pela Faculdade do Brasil -UNIBRASIL

5341

urgent and essential to identify the legal-criminal thought that generates the point of

disequilibrium between men and women for then searching new ways in favor of a

Criminal system just that it makes to be valid the fundamental principle of the equality

KEYWORDS

SORT RIGHT CRIMINAL SYSTEM EQUALITY

INTRODUCcedilAtildeO

Em nosso sistema penal ateacute os dias atuais a figura da mulher nunca obteve

tratamento igualitaacuterio em relaccedilatildeo aos homens e agravequele concedido aos homens sendo

apenas um elemento a mais no contexto dos ideais machistas voltados ao conservadorismo

Parece urgente esclarecer como se apresentam os mecanismos de identidade feminista

como eles se constroem sendo necessaacuterio tambeacutem uma avaliaccedilatildeo do fenocircmeno social e

juriacutedico em direccedilatildeo a uma igualdade consagrada na Constituiccedilatildeo Federal e recepcionada

pelo ordenamento juriacutedico Ocorre que haacute seacuteculos homens e mulheres sujeitam-se a papeacuteis

culturalmente diferentes Logo se busca atraveacutes do princiacutepio da igualdade abarcado pela

nossa Carta Magna natildeo a igualdade entre os sexos e sim uma garantia concernente ao

gecircnero Pretende-se aqui particularizar a questatildeo da igualdade entre os gecircneros em relaccedilatildeo

ao poder sancionador do Estado denunciando a omissatildeo de valores e perspectivas do

universo feminino o qual natildeo participa de forma puacuteblica e direta da elaboraccedilatildeo do discurso

juriacutedico-penal Neste sentido pretende-se denunciar o Direito em sua capacidade enquanto

estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar as visotildees femininas da realidade

social bem como a postura conservadora do sistema judiciaacuterio no tocante agrave igualdade

juriacutedica na dimensatildeo de gecircnero o qual tambeacutem silencia o discurso alternativo da visatildeo

feminista mantendo-se dentro do Direito e Sistema Penal a aplicaccedilatildeo do senso comum

masculino Pode-se entatildeo perceber que o Direito Penal e o Sistema Penal apresentam linhas

discriminatoacuterias que satildeo amparadas em lei ou na praacutetica judicial Se em tema de igualdade

entre os sexos os movimentos feministas alcanccedilaram a eliminaccedilatildeo dos oacutebices mais

gritantes agrave emancipaccedilatildeo da mulher quase nada se alterou no Sistema Penal aplicado

5342

Portanto tradicionais dogmas e questotildees juriacutedicas devem ser repensados para a implantaccedilatildeo

de um sistema igualitaacuterio sem a supremacia juriacutedica de um gecircnero em detrimento de outro

1 GEcircNERO IMPASSES TEOacuteRICOS

Vivemos em uma sociedade patriarcal onde impera o senso comum masculino ou

seja ateacute haacute pouco tempo eram aceitos os tratamentos desiguais entre os gecircneros uma vez

que as mulheres eram consideradas inferiores em relaccedilatildeo aos homens Entretanto a

sociedade natildeo eacute imutaacutevel logo apoacutes longo periacuteodo de lutas o gecircnero feminino vem

conquistando lento respeito onde se busca abolir qualquer praacutetica discriminatoacuteria contra a

mulher

Desde a mais remota das civilizaccedilotildees todas sociedades distinguem o trabalho feminino do trabalho masculino sendo o primeiro limitado pela gestaccedilatildeo pelo aleitamento e pelo cuidado dispensado agraves crias cuja idade infantil no reino animal eacute uma das mais longas A partir daiacute cruzaram-se os limites entre a histoacuteria familiar a histoacuteria das mulheres e a histoacuteria cultural histoacuterias estas mescladas de sentimentos e conceitos de moralidade Liberada da maternidade natildeo planejada pela descoberta dos anticoncepcionais nos anos 60 abriu-se para a mulher um mundo novo com direito agrave vida universitaacuteria agrave vida profissional ao domiacutenio do seu proacuteprio corpo o que significou para ela a ldquolei aacuteureardquo A transformaccedilatildeo individual da mulher que pocircde a partir do planejamento da maternidade tambeacutem organizar sua vida profissional e econocircmica provocou uma transformaccedilatildeo no gecircnero quebrando-se a partir daiacute a ideacuteia dos velhos socialistas de que eacute a transformaccedilatildeo coletiva que leva agrave mudanccedila individual Com a mulher deu-se exatamente o inverso porque tornou-se ela consciente do seu papel de sujeito atuante no fenocircmeno produtivo na manutenccedilatildeo da famiacutelia e na efetiva participaccedilatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas comeccedilando-se a falar em uma reforma do Estado com enfoque de gecircnero o que eacute de suma importacircncia no desenvolvimento de uma sociedade igualitaacuteria1

A categoria gecircnero surge a partir dos anos 80 com o novo direcionamento dos

movimentos feministas voltados agrave libertaccedilatildeo Gecircnero eacute ldquo um conjunto de conceitos

essenciais vocacionado a aportar elementos metodoloacutegicos e teoacutericos centrados nas relaccedilotildees

sociais e culturais que satildeo elaboradas e construiacutedas entre os sexosrdquo 2 Esta categoria

compreende o aspecto social que diz respeito agrave ldquoconstruccedilatildeo social histoacuterica e cultural

elaborada sobre as diferenccedilas sexuais bem assim sobre as relaccedilotildees construiacutedas entre os dois

sexosrdquo 3 o aspecto psiacutequico ou seja a configuraccedilatildeo de uma subjetividade masculina e

1 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttp wwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

2 PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na Perspectiva de Gecircnero Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005p 42

3 ALMEIDA Jane Soares de Estudos de Gecircnero Universidade Estadual Paulista Disponiacutevel emlthttpwwweducacaoprobrgecircnerohtmgt Acesso em 31 ago 2001 apud PINHO Leda de Oliveira Op Citp 54

5343

feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular

hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas

fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo

para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero

portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute

a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para

efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo

somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos

Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo

repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as

relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6

Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio

da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos

direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se

afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a

Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de

constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das

exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se

violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade

eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma

sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees

Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta

Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo

iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de

MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente

4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no

contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo

5344

aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8

Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples

expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de

todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um

instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo

poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade

acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina

de mundo

Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples

busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade

femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem

estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-

se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas

existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais

construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a

diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento

para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de

diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10

Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na

diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma

que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres

em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a

participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal

8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64

5345

Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o

rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e

natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica

Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por

reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute

transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute

identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que

fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais

desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-

se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo

para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute

necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel

2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL

Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para

denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo

das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso

comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito

fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um

modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber

um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal

natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que

interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram

estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades

femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12

No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista

resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma

11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31

12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

5346

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

urgent and essential to identify the legal-criminal thought that generates the point of

disequilibrium between men and women for then searching new ways in favor of a

Criminal system just that it makes to be valid the fundamental principle of the equality

KEYWORDS

SORT RIGHT CRIMINAL SYSTEM EQUALITY

INTRODUCcedilAtildeO

Em nosso sistema penal ateacute os dias atuais a figura da mulher nunca obteve

tratamento igualitaacuterio em relaccedilatildeo aos homens e agravequele concedido aos homens sendo

apenas um elemento a mais no contexto dos ideais machistas voltados ao conservadorismo

Parece urgente esclarecer como se apresentam os mecanismos de identidade feminista

como eles se constroem sendo necessaacuterio tambeacutem uma avaliaccedilatildeo do fenocircmeno social e

juriacutedico em direccedilatildeo a uma igualdade consagrada na Constituiccedilatildeo Federal e recepcionada

pelo ordenamento juriacutedico Ocorre que haacute seacuteculos homens e mulheres sujeitam-se a papeacuteis

culturalmente diferentes Logo se busca atraveacutes do princiacutepio da igualdade abarcado pela

nossa Carta Magna natildeo a igualdade entre os sexos e sim uma garantia concernente ao

gecircnero Pretende-se aqui particularizar a questatildeo da igualdade entre os gecircneros em relaccedilatildeo

ao poder sancionador do Estado denunciando a omissatildeo de valores e perspectivas do

universo feminino o qual natildeo participa de forma puacuteblica e direta da elaboraccedilatildeo do discurso

juriacutedico-penal Neste sentido pretende-se denunciar o Direito em sua capacidade enquanto

estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar as visotildees femininas da realidade

social bem como a postura conservadora do sistema judiciaacuterio no tocante agrave igualdade

juriacutedica na dimensatildeo de gecircnero o qual tambeacutem silencia o discurso alternativo da visatildeo

feminista mantendo-se dentro do Direito e Sistema Penal a aplicaccedilatildeo do senso comum

masculino Pode-se entatildeo perceber que o Direito Penal e o Sistema Penal apresentam linhas

discriminatoacuterias que satildeo amparadas em lei ou na praacutetica judicial Se em tema de igualdade

entre os sexos os movimentos feministas alcanccedilaram a eliminaccedilatildeo dos oacutebices mais

gritantes agrave emancipaccedilatildeo da mulher quase nada se alterou no Sistema Penal aplicado

5342

Portanto tradicionais dogmas e questotildees juriacutedicas devem ser repensados para a implantaccedilatildeo

de um sistema igualitaacuterio sem a supremacia juriacutedica de um gecircnero em detrimento de outro

1 GEcircNERO IMPASSES TEOacuteRICOS

Vivemos em uma sociedade patriarcal onde impera o senso comum masculino ou

seja ateacute haacute pouco tempo eram aceitos os tratamentos desiguais entre os gecircneros uma vez

que as mulheres eram consideradas inferiores em relaccedilatildeo aos homens Entretanto a

sociedade natildeo eacute imutaacutevel logo apoacutes longo periacuteodo de lutas o gecircnero feminino vem

conquistando lento respeito onde se busca abolir qualquer praacutetica discriminatoacuteria contra a

mulher

Desde a mais remota das civilizaccedilotildees todas sociedades distinguem o trabalho feminino do trabalho masculino sendo o primeiro limitado pela gestaccedilatildeo pelo aleitamento e pelo cuidado dispensado agraves crias cuja idade infantil no reino animal eacute uma das mais longas A partir daiacute cruzaram-se os limites entre a histoacuteria familiar a histoacuteria das mulheres e a histoacuteria cultural histoacuterias estas mescladas de sentimentos e conceitos de moralidade Liberada da maternidade natildeo planejada pela descoberta dos anticoncepcionais nos anos 60 abriu-se para a mulher um mundo novo com direito agrave vida universitaacuteria agrave vida profissional ao domiacutenio do seu proacuteprio corpo o que significou para ela a ldquolei aacuteureardquo A transformaccedilatildeo individual da mulher que pocircde a partir do planejamento da maternidade tambeacutem organizar sua vida profissional e econocircmica provocou uma transformaccedilatildeo no gecircnero quebrando-se a partir daiacute a ideacuteia dos velhos socialistas de que eacute a transformaccedilatildeo coletiva que leva agrave mudanccedila individual Com a mulher deu-se exatamente o inverso porque tornou-se ela consciente do seu papel de sujeito atuante no fenocircmeno produtivo na manutenccedilatildeo da famiacutelia e na efetiva participaccedilatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas comeccedilando-se a falar em uma reforma do Estado com enfoque de gecircnero o que eacute de suma importacircncia no desenvolvimento de uma sociedade igualitaacuteria1

A categoria gecircnero surge a partir dos anos 80 com o novo direcionamento dos

movimentos feministas voltados agrave libertaccedilatildeo Gecircnero eacute ldquo um conjunto de conceitos

essenciais vocacionado a aportar elementos metodoloacutegicos e teoacutericos centrados nas relaccedilotildees

sociais e culturais que satildeo elaboradas e construiacutedas entre os sexosrdquo 2 Esta categoria

compreende o aspecto social que diz respeito agrave ldquoconstruccedilatildeo social histoacuterica e cultural

elaborada sobre as diferenccedilas sexuais bem assim sobre as relaccedilotildees construiacutedas entre os dois

sexosrdquo 3 o aspecto psiacutequico ou seja a configuraccedilatildeo de uma subjetividade masculina e

1 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttp wwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

2 PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na Perspectiva de Gecircnero Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005p 42

3 ALMEIDA Jane Soares de Estudos de Gecircnero Universidade Estadual Paulista Disponiacutevel emlthttpwwweducacaoprobrgecircnerohtmgt Acesso em 31 ago 2001 apud PINHO Leda de Oliveira Op Citp 54

5343

feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular

hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas

fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo

para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero

portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute

a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para

efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo

somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos

Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo

repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as

relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6

Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio

da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos

direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se

afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a

Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de

constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das

exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se

violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade

eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma

sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees

Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta

Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo

iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de

MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente

4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no

contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo

5344

aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8

Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples

expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de

todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um

instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo

poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade

acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina

de mundo

Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples

busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade

femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem

estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-

se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas

existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais

construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a

diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento

para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de

diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10

Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na

diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma

que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres

em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a

participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal

8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64

5345

Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o

rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e

natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica

Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por

reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute

transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute

identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que

fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais

desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-

se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo

para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute

necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel

2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL

Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para

denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo

das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso

comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito

fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um

modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber

um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal

natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que

interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram

estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades

femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12

No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista

resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma

11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31

12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

5346

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

Portanto tradicionais dogmas e questotildees juriacutedicas devem ser repensados para a implantaccedilatildeo

de um sistema igualitaacuterio sem a supremacia juriacutedica de um gecircnero em detrimento de outro

1 GEcircNERO IMPASSES TEOacuteRICOS

Vivemos em uma sociedade patriarcal onde impera o senso comum masculino ou

seja ateacute haacute pouco tempo eram aceitos os tratamentos desiguais entre os gecircneros uma vez

que as mulheres eram consideradas inferiores em relaccedilatildeo aos homens Entretanto a

sociedade natildeo eacute imutaacutevel logo apoacutes longo periacuteodo de lutas o gecircnero feminino vem

conquistando lento respeito onde se busca abolir qualquer praacutetica discriminatoacuteria contra a

mulher

Desde a mais remota das civilizaccedilotildees todas sociedades distinguem o trabalho feminino do trabalho masculino sendo o primeiro limitado pela gestaccedilatildeo pelo aleitamento e pelo cuidado dispensado agraves crias cuja idade infantil no reino animal eacute uma das mais longas A partir daiacute cruzaram-se os limites entre a histoacuteria familiar a histoacuteria das mulheres e a histoacuteria cultural histoacuterias estas mescladas de sentimentos e conceitos de moralidade Liberada da maternidade natildeo planejada pela descoberta dos anticoncepcionais nos anos 60 abriu-se para a mulher um mundo novo com direito agrave vida universitaacuteria agrave vida profissional ao domiacutenio do seu proacuteprio corpo o que significou para ela a ldquolei aacuteureardquo A transformaccedilatildeo individual da mulher que pocircde a partir do planejamento da maternidade tambeacutem organizar sua vida profissional e econocircmica provocou uma transformaccedilatildeo no gecircnero quebrando-se a partir daiacute a ideacuteia dos velhos socialistas de que eacute a transformaccedilatildeo coletiva que leva agrave mudanccedila individual Com a mulher deu-se exatamente o inverso porque tornou-se ela consciente do seu papel de sujeito atuante no fenocircmeno produtivo na manutenccedilatildeo da famiacutelia e na efetiva participaccedilatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas comeccedilando-se a falar em uma reforma do Estado com enfoque de gecircnero o que eacute de suma importacircncia no desenvolvimento de uma sociedade igualitaacuteria1

A categoria gecircnero surge a partir dos anos 80 com o novo direcionamento dos

movimentos feministas voltados agrave libertaccedilatildeo Gecircnero eacute ldquo um conjunto de conceitos

essenciais vocacionado a aportar elementos metodoloacutegicos e teoacutericos centrados nas relaccedilotildees

sociais e culturais que satildeo elaboradas e construiacutedas entre os sexosrdquo 2 Esta categoria

compreende o aspecto social que diz respeito agrave ldquoconstruccedilatildeo social histoacuterica e cultural

elaborada sobre as diferenccedilas sexuais bem assim sobre as relaccedilotildees construiacutedas entre os dois

sexosrdquo 3 o aspecto psiacutequico ou seja a configuraccedilatildeo de uma subjetividade masculina e

1 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttp wwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

2 PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na Perspectiva de Gecircnero Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005p 42

3 ALMEIDA Jane Soares de Estudos de Gecircnero Universidade Estadual Paulista Disponiacutevel emlthttpwwweducacaoprobrgecircnerohtmgt Acesso em 31 ago 2001 apud PINHO Leda de Oliveira Op Citp 54

5343

feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular

hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas

fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo

para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero

portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute

a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para

efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo

somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos

Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo

repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as

relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6

Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio

da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos

direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se

afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a

Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de

constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das

exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se

violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade

eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma

sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees

Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta

Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo

iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de

MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente

4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no

contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo

5344

aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8

Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples

expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de

todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um

instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo

poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade

acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina

de mundo

Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples

busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade

femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem

estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-

se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas

existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais

construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a

diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento

para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de

diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10

Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na

diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma

que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres

em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a

participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal

8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64

5345

Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o

rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e

natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica

Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por

reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute

transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute

identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que

fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais

desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-

se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo

para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute

necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel

2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL

Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para

denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo

das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso

comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito

fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um

modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber

um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal

natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que

interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram

estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades

femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12

No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista

resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma

11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31

12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

5346

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular

hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas

fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo

para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero

portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute

a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para

efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo

somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos

Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo

repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as

relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6

Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio

da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos

direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se

afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a

Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de

constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das

exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se

violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade

eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma

sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees

Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta

Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo

iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de

MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente

4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no

contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo

5344

aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8

Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples

expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de

todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um

instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo

poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade

acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina

de mundo

Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples

busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade

femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem

estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-

se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas

existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais

construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a

diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento

para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de

diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10

Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na

diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma

que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres

em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a

participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal

8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64

5345

Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o

rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e

natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica

Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por

reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute

transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute

identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que

fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais

desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-

se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo

para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute

necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel

2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL

Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para

denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo

das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso

comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito

fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um

modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber

um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal

natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que

interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram

estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades

femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12

No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista

resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma

11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31

12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

5346

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8

Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples

expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de

todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um

instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo

poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade

acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina

de mundo

Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples

busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade

femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem

estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-

se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas

existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais

construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a

diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento

para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de

diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10

Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na

diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma

que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres

em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a

participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica

psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal

8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio

Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64

5345

Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o

rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e

natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica

Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por

reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute

transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute

identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que

fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais

desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-

se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo

para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute

necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel

2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL

Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para

denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo

das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso

comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito

fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um

modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber

um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal

natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que

interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram

estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades

femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12

No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista

resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma

11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31

12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

5346

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o

rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e

natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica

Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por

reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute

transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute

identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que

fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais

desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-

se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo

para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute

necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel

2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL

Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para

denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo

das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso

comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito

fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um

modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber

um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal

natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que

interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram

estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades

femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12

No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista

resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma

11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31

12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

5346

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves

mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele

reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso

comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino

encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas

delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no

ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional

A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do

seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem

delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia

feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou

erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute

uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da

histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo

privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela

igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)

Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que

reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e

natildeo puacuteblica16

Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea

agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher

encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu

companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais

diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os

crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a

mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto

13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira

em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id

5347

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se

equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17

Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos

infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres

representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de

posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos

infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais

dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores

do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma

parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem

lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo

A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente

onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou

influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas

Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas

uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme

previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente

fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime

hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de

regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres

encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o

principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado

A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute

prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-

se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e

infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e

17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007

19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007

5348

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo

complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos

crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder

sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano

de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor

fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher

viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O

dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador

frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21

Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a

agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o

homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia

das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave

mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124

do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o

sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta

praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo

seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura

emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo

penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres

que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a

vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade

cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave

liberdade de seu proacuteprio corpo

O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como

excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de

morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo

20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo

PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id

5349

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco

tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem

expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento

de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos

Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia

imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar

o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia

Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta

legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu

por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que

natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que

ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a

interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de

vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal

situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com

inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o

sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos

para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma

clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a

cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias

precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)

A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo

134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave

perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em

sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho

24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto

de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

5350

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste

receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o

legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade

como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que

privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo

masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional

casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na

criaccedilatildeo desta nova vida

Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave

crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao

homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute

inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que

hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada

Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes

como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre

esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria

viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela

afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher

insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso

masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica

moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais

considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons

costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da

mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que

era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava

exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para

os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher

ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a

accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo

27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142

5351

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma

desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima

Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da

Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005

por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal

Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo

corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar

caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero

O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a

mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento

ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do

Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas

sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos

sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre

de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima

mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e

Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30

Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e

preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a

tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim

como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de

fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando

viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima

mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste

sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com

marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher

viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a

mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos

28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww

cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007

5352

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica

seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e

da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da

ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina

impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu

agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de

tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31

Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um

ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash

Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas

em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a

prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser

ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso

hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma

organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e

qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem

uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar

efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde

devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e

psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas

uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando

assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo

encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida

contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio

31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em

lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007

5353

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de

socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar

uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a

criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e

ameaccediladas de morte34

Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista

Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da

sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente

discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher

Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de

tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)

parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro

vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35

O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na

jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente

guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido

em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes

para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de

submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria

geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como

ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em

34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003

35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)

Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87

5354

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37

Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando

o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes

ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela

defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este

senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro

stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39

Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela

Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando

inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a

mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma

ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes

em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um

instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes

parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista

o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a

Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a

37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres

e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit

5355

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e

manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres

Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de

modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do

sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no

que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave

criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo

e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da

filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40

Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da

populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos

detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos

a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos

manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de

exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia

meacutedica 41

As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo

copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era

admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos

principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber

seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se

entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da

vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um

benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo

discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a

mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave

40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no

Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007

42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50

5356

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo

agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e

solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se

ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou

processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44

Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro

direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que

na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas

penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam

com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta

praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as

criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a

marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final

da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que

aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas

seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba

por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a

perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute

natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os

seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves

criminosas como aos seus familiares)

Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria

e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas

natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para

situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito

do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes

43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33

5357

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47

Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por

isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas

designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees

nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no

Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos

de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha

poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as

discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais

ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de

gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de

marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes

Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia

grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver

o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em

especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio

aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos

crimes contra os costumes

Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O

velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo

assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia

Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a

46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990

p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo

de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07

5358

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como

inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]

Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os

novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar

em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila

natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em

consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso

concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute

instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal

Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de

gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os

crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da

viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do

homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais

sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes

no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e

assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o

Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal

desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade

concernente ao gecircnero52

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a

reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito

somente as mulheres

Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para

que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais

dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila

50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para

sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id

5359

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas

penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam

ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente

da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe

aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se

encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e

mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In

HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a

Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39

CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992

HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila

para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo

LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional

Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993

MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia

feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3

n1 p 2-9 janjun 2003

MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999

MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O

Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil

Rio de Janeiro Renovar 2003

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006

PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero

Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005

SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro

Ameacuterica Juriacutedica 2002

SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-

feminismo No prelo

5360

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)

Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999

FONTES ELETRONICAS - ONLINE

ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas

no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308

materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007

APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite

ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007

A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao

Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo

Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007

BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel

em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp

IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007

BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em

lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007

BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da

Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt

httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt

Acesso em 16 abr 2007

CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher

Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em

29 mar 2007

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel

em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18

abr 2007

CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o

aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto

aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007

5361

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362

HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro

Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr

2007

LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt

httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba

e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007

MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de

gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em

lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007

REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios

Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-

082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007

SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos

Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes

20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007

5362