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GEcircNERO DIREITO E SISTEMA PENAL O PRINCIacutePIO DA
IGUALDADE REVISITADO
Joelma Pultinaviciuslowast
RESUMO
O presente artigo tem a missatildeo de demonstrar as conquistas do feminismo em prol de uma
garantia igualitaacuteria concernente agrave questatildeo de gecircnero que vise superar a hegemonia do
masculino em todas as formas de pensar construir e interpretar dentro do direito e do
sistema penal brasileiro Busca-se identificar visotildees alternativas dentro desta problemaacutetica
para delinear e dar valor agrave cultura feminina construindo assim um Sistema Penal justo ou
seja que natildeo contenha praacuteticas discriminatoacuterias e que abarque a visatildeo feminina de mundo
Neste sentido parece urgente e imprescindiacutevel identificar o pensamento juriacutedico-penal que
gera o ponto de desequiliacutebrio entre homens e mulheres para entatildeo buscar novos caminhos
em prol de um sistema Penal justo que faccedila valer o princiacutepio basilar da igualdade
PALAVRAS CHAVES
GEcircNERO DIREITO SISTEMA PENAL IGUALDADE
ABSTRACT
The present article has the mission to demonstrate to the conquests of the feminism in favor
of a igualitaacuteria guarantee concernente to the sort question that it aims at to surpass the
hegemony of the masculine in all the forms to think to construct inside and to interpret of
the right and the Brazilian criminal system One searchs to identify alternative visotildees inside
of this problematic one to delineate and to give value to the feminine culture thus
constructing a Criminal System just that is that it does not contain practical discriminatory
and that accumulates of stocks the feminine vision of world In this direction it seems
lowast Graduada em Administraccedilatildeo de Empresas pela Fundaccedilatildeo de Estudos Sociais do Paranaacute e graduada em Direito pela Faculdade do Brasil -UNIBRASIL
5341
urgent and essential to identify the legal-criminal thought that generates the point of
disequilibrium between men and women for then searching new ways in favor of a
Criminal system just that it makes to be valid the fundamental principle of the equality
KEYWORDS
SORT RIGHT CRIMINAL SYSTEM EQUALITY
INTRODUCcedilAtildeO
Em nosso sistema penal ateacute os dias atuais a figura da mulher nunca obteve
tratamento igualitaacuterio em relaccedilatildeo aos homens e agravequele concedido aos homens sendo
apenas um elemento a mais no contexto dos ideais machistas voltados ao conservadorismo
Parece urgente esclarecer como se apresentam os mecanismos de identidade feminista
como eles se constroem sendo necessaacuterio tambeacutem uma avaliaccedilatildeo do fenocircmeno social e
juriacutedico em direccedilatildeo a uma igualdade consagrada na Constituiccedilatildeo Federal e recepcionada
pelo ordenamento juriacutedico Ocorre que haacute seacuteculos homens e mulheres sujeitam-se a papeacuteis
culturalmente diferentes Logo se busca atraveacutes do princiacutepio da igualdade abarcado pela
nossa Carta Magna natildeo a igualdade entre os sexos e sim uma garantia concernente ao
gecircnero Pretende-se aqui particularizar a questatildeo da igualdade entre os gecircneros em relaccedilatildeo
ao poder sancionador do Estado denunciando a omissatildeo de valores e perspectivas do
universo feminino o qual natildeo participa de forma puacuteblica e direta da elaboraccedilatildeo do discurso
juriacutedico-penal Neste sentido pretende-se denunciar o Direito em sua capacidade enquanto
estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar as visotildees femininas da realidade
social bem como a postura conservadora do sistema judiciaacuterio no tocante agrave igualdade
juriacutedica na dimensatildeo de gecircnero o qual tambeacutem silencia o discurso alternativo da visatildeo
feminista mantendo-se dentro do Direito e Sistema Penal a aplicaccedilatildeo do senso comum
masculino Pode-se entatildeo perceber que o Direito Penal e o Sistema Penal apresentam linhas
discriminatoacuterias que satildeo amparadas em lei ou na praacutetica judicial Se em tema de igualdade
entre os sexos os movimentos feministas alcanccedilaram a eliminaccedilatildeo dos oacutebices mais
gritantes agrave emancipaccedilatildeo da mulher quase nada se alterou no Sistema Penal aplicado
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Portanto tradicionais dogmas e questotildees juriacutedicas devem ser repensados para a implantaccedilatildeo
de um sistema igualitaacuterio sem a supremacia juriacutedica de um gecircnero em detrimento de outro
1 GEcircNERO IMPASSES TEOacuteRICOS
Vivemos em uma sociedade patriarcal onde impera o senso comum masculino ou
seja ateacute haacute pouco tempo eram aceitos os tratamentos desiguais entre os gecircneros uma vez
que as mulheres eram consideradas inferiores em relaccedilatildeo aos homens Entretanto a
sociedade natildeo eacute imutaacutevel logo apoacutes longo periacuteodo de lutas o gecircnero feminino vem
conquistando lento respeito onde se busca abolir qualquer praacutetica discriminatoacuteria contra a
mulher
Desde a mais remota das civilizaccedilotildees todas sociedades distinguem o trabalho feminino do trabalho masculino sendo o primeiro limitado pela gestaccedilatildeo pelo aleitamento e pelo cuidado dispensado agraves crias cuja idade infantil no reino animal eacute uma das mais longas A partir daiacute cruzaram-se os limites entre a histoacuteria familiar a histoacuteria das mulheres e a histoacuteria cultural histoacuterias estas mescladas de sentimentos e conceitos de moralidade Liberada da maternidade natildeo planejada pela descoberta dos anticoncepcionais nos anos 60 abriu-se para a mulher um mundo novo com direito agrave vida universitaacuteria agrave vida profissional ao domiacutenio do seu proacuteprio corpo o que significou para ela a ldquolei aacuteureardquo A transformaccedilatildeo individual da mulher que pocircde a partir do planejamento da maternidade tambeacutem organizar sua vida profissional e econocircmica provocou uma transformaccedilatildeo no gecircnero quebrando-se a partir daiacute a ideacuteia dos velhos socialistas de que eacute a transformaccedilatildeo coletiva que leva agrave mudanccedila individual Com a mulher deu-se exatamente o inverso porque tornou-se ela consciente do seu papel de sujeito atuante no fenocircmeno produtivo na manutenccedilatildeo da famiacutelia e na efetiva participaccedilatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas comeccedilando-se a falar em uma reforma do Estado com enfoque de gecircnero o que eacute de suma importacircncia no desenvolvimento de uma sociedade igualitaacuteria1
A categoria gecircnero surge a partir dos anos 80 com o novo direcionamento dos
movimentos feministas voltados agrave libertaccedilatildeo Gecircnero eacute ldquo um conjunto de conceitos
essenciais vocacionado a aportar elementos metodoloacutegicos e teoacutericos centrados nas relaccedilotildees
sociais e culturais que satildeo elaboradas e construiacutedas entre os sexosrdquo 2 Esta categoria
compreende o aspecto social que diz respeito agrave ldquoconstruccedilatildeo social histoacuterica e cultural
elaborada sobre as diferenccedilas sexuais bem assim sobre as relaccedilotildees construiacutedas entre os dois
sexosrdquo 3 o aspecto psiacutequico ou seja a configuraccedilatildeo de uma subjetividade masculina e
1 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttp wwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
2 PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na Perspectiva de Gecircnero Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005p 42
3 ALMEIDA Jane Soares de Estudos de Gecircnero Universidade Estadual Paulista Disponiacutevel emlthttpwwweducacaoprobrgecircnerohtmgt Acesso em 31 ago 2001 apud PINHO Leda de Oliveira Op Citp 54
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feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular
hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas
fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo
para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero
portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute
a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para
efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo
somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos
Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo
repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as
relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6
Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio
da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos
direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se
afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a
Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de
constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das
exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se
violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade
eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma
sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees
Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta
Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo
iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de
MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente
4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no
contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007
7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo
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aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8
Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples
expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de
todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um
instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo
poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade
acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina
de mundo
Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples
busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade
femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem
estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-
se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas
existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais
construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a
diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento
para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de
diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10
Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na
diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma
que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres
em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a
participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal
8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64
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Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o
rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e
natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica
Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por
reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute
transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute
identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que
fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais
desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-
se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo
para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute
necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel
2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL
Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para
denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo
das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso
comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito
fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um
modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber
um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal
natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que
interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram
estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades
femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12
No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista
resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma
11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31
12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
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imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
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observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
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envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
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natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
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fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de
gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em
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REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios
Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-
082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007
SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007
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urgent and essential to identify the legal-criminal thought that generates the point of
disequilibrium between men and women for then searching new ways in favor of a
Criminal system just that it makes to be valid the fundamental principle of the equality
KEYWORDS
SORT RIGHT CRIMINAL SYSTEM EQUALITY
INTRODUCcedilAtildeO
Em nosso sistema penal ateacute os dias atuais a figura da mulher nunca obteve
tratamento igualitaacuterio em relaccedilatildeo aos homens e agravequele concedido aos homens sendo
apenas um elemento a mais no contexto dos ideais machistas voltados ao conservadorismo
Parece urgente esclarecer como se apresentam os mecanismos de identidade feminista
como eles se constroem sendo necessaacuterio tambeacutem uma avaliaccedilatildeo do fenocircmeno social e
juriacutedico em direccedilatildeo a uma igualdade consagrada na Constituiccedilatildeo Federal e recepcionada
pelo ordenamento juriacutedico Ocorre que haacute seacuteculos homens e mulheres sujeitam-se a papeacuteis
culturalmente diferentes Logo se busca atraveacutes do princiacutepio da igualdade abarcado pela
nossa Carta Magna natildeo a igualdade entre os sexos e sim uma garantia concernente ao
gecircnero Pretende-se aqui particularizar a questatildeo da igualdade entre os gecircneros em relaccedilatildeo
ao poder sancionador do Estado denunciando a omissatildeo de valores e perspectivas do
universo feminino o qual natildeo participa de forma puacuteblica e direta da elaboraccedilatildeo do discurso
juriacutedico-penal Neste sentido pretende-se denunciar o Direito em sua capacidade enquanto
estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar as visotildees femininas da realidade
social bem como a postura conservadora do sistema judiciaacuterio no tocante agrave igualdade
juriacutedica na dimensatildeo de gecircnero o qual tambeacutem silencia o discurso alternativo da visatildeo
feminista mantendo-se dentro do Direito e Sistema Penal a aplicaccedilatildeo do senso comum
masculino Pode-se entatildeo perceber que o Direito Penal e o Sistema Penal apresentam linhas
discriminatoacuterias que satildeo amparadas em lei ou na praacutetica judicial Se em tema de igualdade
entre os sexos os movimentos feministas alcanccedilaram a eliminaccedilatildeo dos oacutebices mais
gritantes agrave emancipaccedilatildeo da mulher quase nada se alterou no Sistema Penal aplicado
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Portanto tradicionais dogmas e questotildees juriacutedicas devem ser repensados para a implantaccedilatildeo
de um sistema igualitaacuterio sem a supremacia juriacutedica de um gecircnero em detrimento de outro
1 GEcircNERO IMPASSES TEOacuteRICOS
Vivemos em uma sociedade patriarcal onde impera o senso comum masculino ou
seja ateacute haacute pouco tempo eram aceitos os tratamentos desiguais entre os gecircneros uma vez
que as mulheres eram consideradas inferiores em relaccedilatildeo aos homens Entretanto a
sociedade natildeo eacute imutaacutevel logo apoacutes longo periacuteodo de lutas o gecircnero feminino vem
conquistando lento respeito onde se busca abolir qualquer praacutetica discriminatoacuteria contra a
mulher
Desde a mais remota das civilizaccedilotildees todas sociedades distinguem o trabalho feminino do trabalho masculino sendo o primeiro limitado pela gestaccedilatildeo pelo aleitamento e pelo cuidado dispensado agraves crias cuja idade infantil no reino animal eacute uma das mais longas A partir daiacute cruzaram-se os limites entre a histoacuteria familiar a histoacuteria das mulheres e a histoacuteria cultural histoacuterias estas mescladas de sentimentos e conceitos de moralidade Liberada da maternidade natildeo planejada pela descoberta dos anticoncepcionais nos anos 60 abriu-se para a mulher um mundo novo com direito agrave vida universitaacuteria agrave vida profissional ao domiacutenio do seu proacuteprio corpo o que significou para ela a ldquolei aacuteureardquo A transformaccedilatildeo individual da mulher que pocircde a partir do planejamento da maternidade tambeacutem organizar sua vida profissional e econocircmica provocou uma transformaccedilatildeo no gecircnero quebrando-se a partir daiacute a ideacuteia dos velhos socialistas de que eacute a transformaccedilatildeo coletiva que leva agrave mudanccedila individual Com a mulher deu-se exatamente o inverso porque tornou-se ela consciente do seu papel de sujeito atuante no fenocircmeno produtivo na manutenccedilatildeo da famiacutelia e na efetiva participaccedilatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas comeccedilando-se a falar em uma reforma do Estado com enfoque de gecircnero o que eacute de suma importacircncia no desenvolvimento de uma sociedade igualitaacuteria1
A categoria gecircnero surge a partir dos anos 80 com o novo direcionamento dos
movimentos feministas voltados agrave libertaccedilatildeo Gecircnero eacute ldquo um conjunto de conceitos
essenciais vocacionado a aportar elementos metodoloacutegicos e teoacutericos centrados nas relaccedilotildees
sociais e culturais que satildeo elaboradas e construiacutedas entre os sexosrdquo 2 Esta categoria
compreende o aspecto social que diz respeito agrave ldquoconstruccedilatildeo social histoacuterica e cultural
elaborada sobre as diferenccedilas sexuais bem assim sobre as relaccedilotildees construiacutedas entre os dois
sexosrdquo 3 o aspecto psiacutequico ou seja a configuraccedilatildeo de uma subjetividade masculina e
1 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttp wwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
2 PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na Perspectiva de Gecircnero Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005p 42
3 ALMEIDA Jane Soares de Estudos de Gecircnero Universidade Estadual Paulista Disponiacutevel emlthttpwwweducacaoprobrgecircnerohtmgt Acesso em 31 ago 2001 apud PINHO Leda de Oliveira Op Citp 54
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feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular
hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas
fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo
para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero
portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute
a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para
efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo
somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos
Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo
repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as
relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6
Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio
da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos
direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se
afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a
Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de
constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das
exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se
violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade
eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma
sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees
Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta
Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo
iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de
MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente
4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no
contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007
7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo
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aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8
Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples
expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de
todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um
instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo
poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade
acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina
de mundo
Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples
busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade
femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem
estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-
se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas
existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais
construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a
diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento
para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de
diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10
Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na
diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma
que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres
em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a
participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal
8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64
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Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o
rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e
natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica
Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por
reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute
transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute
identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que
fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais
desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-
se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo
para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute
necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel
2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL
Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para
denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo
das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso
comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito
fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um
modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber
um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal
natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que
interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram
estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades
femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12
No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista
resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma
11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31
12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
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imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
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observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
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envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
5349
natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-
082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007
SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007
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Portanto tradicionais dogmas e questotildees juriacutedicas devem ser repensados para a implantaccedilatildeo
de um sistema igualitaacuterio sem a supremacia juriacutedica de um gecircnero em detrimento de outro
1 GEcircNERO IMPASSES TEOacuteRICOS
Vivemos em uma sociedade patriarcal onde impera o senso comum masculino ou
seja ateacute haacute pouco tempo eram aceitos os tratamentos desiguais entre os gecircneros uma vez
que as mulheres eram consideradas inferiores em relaccedilatildeo aos homens Entretanto a
sociedade natildeo eacute imutaacutevel logo apoacutes longo periacuteodo de lutas o gecircnero feminino vem
conquistando lento respeito onde se busca abolir qualquer praacutetica discriminatoacuteria contra a
mulher
Desde a mais remota das civilizaccedilotildees todas sociedades distinguem o trabalho feminino do trabalho masculino sendo o primeiro limitado pela gestaccedilatildeo pelo aleitamento e pelo cuidado dispensado agraves crias cuja idade infantil no reino animal eacute uma das mais longas A partir daiacute cruzaram-se os limites entre a histoacuteria familiar a histoacuteria das mulheres e a histoacuteria cultural histoacuterias estas mescladas de sentimentos e conceitos de moralidade Liberada da maternidade natildeo planejada pela descoberta dos anticoncepcionais nos anos 60 abriu-se para a mulher um mundo novo com direito agrave vida universitaacuteria agrave vida profissional ao domiacutenio do seu proacuteprio corpo o que significou para ela a ldquolei aacuteureardquo A transformaccedilatildeo individual da mulher que pocircde a partir do planejamento da maternidade tambeacutem organizar sua vida profissional e econocircmica provocou uma transformaccedilatildeo no gecircnero quebrando-se a partir daiacute a ideacuteia dos velhos socialistas de que eacute a transformaccedilatildeo coletiva que leva agrave mudanccedila individual Com a mulher deu-se exatamente o inverso porque tornou-se ela consciente do seu papel de sujeito atuante no fenocircmeno produtivo na manutenccedilatildeo da famiacutelia e na efetiva participaccedilatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas comeccedilando-se a falar em uma reforma do Estado com enfoque de gecircnero o que eacute de suma importacircncia no desenvolvimento de uma sociedade igualitaacuteria1
A categoria gecircnero surge a partir dos anos 80 com o novo direcionamento dos
movimentos feministas voltados agrave libertaccedilatildeo Gecircnero eacute ldquo um conjunto de conceitos
essenciais vocacionado a aportar elementos metodoloacutegicos e teoacutericos centrados nas relaccedilotildees
sociais e culturais que satildeo elaboradas e construiacutedas entre os sexosrdquo 2 Esta categoria
compreende o aspecto social que diz respeito agrave ldquoconstruccedilatildeo social histoacuterica e cultural
elaborada sobre as diferenccedilas sexuais bem assim sobre as relaccedilotildees construiacutedas entre os dois
sexosrdquo 3 o aspecto psiacutequico ou seja a configuraccedilatildeo de uma subjetividade masculina e
1 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttp wwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
2 PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na Perspectiva de Gecircnero Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005p 42
3 ALMEIDA Jane Soares de Estudos de Gecircnero Universidade Estadual Paulista Disponiacutevel emlthttpwwweducacaoprobrgecircnerohtmgt Acesso em 31 ago 2001 apud PINHO Leda de Oliveira Op Citp 54
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feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular
hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas
fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo
para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero
portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute
a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para
efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo
somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos
Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo
repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as
relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6
Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio
da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos
direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se
afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a
Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de
constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das
exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se
violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade
eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma
sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees
Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta
Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo
iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de
MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente
4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no
contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007
7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo
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aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8
Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples
expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de
todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um
instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo
poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade
acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina
de mundo
Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples
busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade
femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem
estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-
se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas
existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais
construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a
diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento
para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de
diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10
Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na
diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma
que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres
em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a
participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal
8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64
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Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o
rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e
natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica
Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por
reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute
transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute
identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que
fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais
desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-
se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo
para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute
necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel
2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL
Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para
denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo
das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso
comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito
fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um
modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber
um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal
natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que
interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram
estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades
femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12
No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista
resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma
11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31
12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
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imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
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observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
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envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
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natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
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pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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5362
feminina e o aspecto fiacutesico do ser (sua conformaccedilatildeo fiacutesica orgacircnica geneacutetica celular
hormonal material funcional) que o distinguem como homem ou mulher Estas diferenccedilas
fiacutesicas existem e devem ser consideradas mas elas natildeo podem ser causa para a opressatildeo
para a discriminaccedilatildeo ou dominaccedilatildeo de um sexo em detrimento do outro4 O gecircnero
portanto eacute um elemento fundamental das relaccedilotildees sociais baseadas na diferenccedila sexual e eacute
a partir dela que seratildeo construiacutedas outras relaccedilotildees sendo a mais importante delas para
efeito deste estudo a relaccedilatildeo de poder5 Abordar a questatildeo de gecircnero natildeo implica em tatildeo
somente diferenciar o feminino e o masculino em campos estanques e heterogecircneos
Homens e mulheres possuem convergecircncias em suas experiecircncias e representaccedilotildees Logo
repensar o gecircnero significa repensar as relaccedilotildees entre homem e mulher e tambeacutem as
relaccedilotildees de mulher com mulher e homem com homem 6
Ocorre que a desigualdade se fez presente na histoacuteria desde o berccedilo do princiacutepio
da igualdade uma vez que natildeo era dado a ldquoalgunsrdquo (mulheres escravos) os mesmos
direitos de ldquotodosrdquo (homens cidadatildeos) Ou seja o justo nunca foi igual a todos Pode-se
afirmar que o princiacutepio da igualdade encontrou uma verdadeira consagraccedilatildeo histoacuterica com a
Revoluccedilatildeo Francesa e representou um avanccedilo para a sociedade ldquo pelo simples fato de
constituir um comando ao legislador proibindo discriminaccedilotildees insustentaacuteveis agrave luz das
exigecircncias do bem comumrdquo 7 Em que pese o fato de que ateacute os dias atuais presenciam-se
violaccedilotildees agrave isonomia parece de extrema importacircncia destacar que o princiacutepio da igualdade
eacute inerente ao nosso atual Estado Democraacutetico de Direito pois este pressupotildee uma
sociedade livre justa e igualitaacuteria logo livre de desigualdades e formas de discriminaccedilotildees
Assim esta igualdade encontra assento em nosso sistema e eacute consagrada pela nossa Carta
Magna Afirma o artigo 5ordm inciso I da Constituiccedilatildeo Federal que homens e mulheres satildeo
iguais em direitos e obrigaccedilotildees nos termos desta Constituiccedilatildeo Segundo Alexandre de
MORAES A correta interpretaccedilatildeo desse dispositivo torna inaceitaacutevel a utilizaccedilatildeo do discriacutemen sexo sempre que o mesmo seja eleito com o propoacutesito de desnivelar materialmente o homem da mulher aceitando-o poreacutem quando a finalidade pretendida for atenuar os desniacuteveis Consequumlentemente
4 PINHO Leda de Oliveira Op cit p 54-55 5 Ibid p 58-59 6 MACEDO Maacutercia S O Gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de gecircnero no
contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em lt httpwwwredemulherorg brgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007
7 SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-feminismo No prelo
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aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8
Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples
expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de
todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um
instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo
poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade
acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina
de mundo
Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples
busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade
femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem
estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-
se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas
existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais
construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a
diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento
para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de
diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10
Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na
diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma
que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres
em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a
participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal
8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64
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Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o
rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e
natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica
Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por
reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute
transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute
identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que
fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais
desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-
se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo
para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute
necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel
2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL
Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para
denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo
das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso
comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito
fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um
modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber
um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal
natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que
interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram
estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades
femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12
No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista
resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma
11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31
12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
5346
imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
5347
observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
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envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
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natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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aleacutem de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos na proacutepria constituiccedilatildeo (arts 7deg incisos XVIII e XIX 40 paraacutegrafo 1deg 143 paraacutegrafos 1deg e 2deg 201 paraacutegrafo 7deg) poderaacute a legislaccedilatildeo infraconstitucional pretender atenuar os desniacuteveis de tratamento em relaccedilatildeo ao sexo 8
Enfim a igualdade tutelada pela nossa Carta magna eacute mais que uma simples
expressatildeo de Direito eacute um modo justo de viver em sociedade e por isso deve ser a base de
todo o sistema juriacutedico principalmente o Sistema Penal Poreacutem sendo o direito penal um
instrumento privilegiado de poliacutetica e de utilidade social ele eacute um tema poliacutetico9 O espaccedilo
poliacutetico (puacuteblico) era (ou ainda eacute) um espaccedilo masculino logo o princiacutepio da igualdade
acaba natildeo sendo observado pelo sistema penal que acaba por negar a identidade feminina
de mundo
Observa-se que na histoacuteria o movimento feminista foi se modificando Da simples
busca pela emancipaccedilatildeo passou agrave busca da liberdade e agrave luta constante pela ldquoidentidade
femininardquo Passou-se a admitir que homens e mulheres satildeo naturalmente diferentes poreacutem
estas diferenccedilas natildeo podem servir de justificativas para discriminaccedilotildees e opressotildees Busca-
se entatildeo revisitar este princiacutepio da igualdade compreendendo que ldquo() as diferenccedilas
existentes dentro da sociedade entre homens e mulheres se devem a relaccedilotildees sociais
construiacutedas historicamente e natildeo determinadas pela natureza Ora se assim o eacute se a
diferenccedilas bioloacutegicas natildeo justificam as diferenccedilas sociais natildeo haacute qualquer impedimento
para desconstruiacute-las e reconstruiacute-las sob novos paracircmetros uma vez que as causas de
diferenciaccedilatildeo satildeo artificiais e natildeo naturaisrdquo 10
Decorre daiacute a importacircncia deste estudo permitindo que se encontre a igualdade na
diferenccedila ou seja que se garanta agraves mulheres os direitos de quarta geraccedilatildeo de tal forma
que se construam novas bases que sustentem a efetiva realizaccedilatildeo dos direitos das mulheres
em especial a alteridade a personalidade a dignidade o poder sobre seu proacuteprio corpo a
participaccedilatildeo na vida puacuteblica a autonomia das decisotildees garantindo sua integridade fiacutesica
psiacutequica e moral bem como sua identidade pessoal
8 MORAES Alexandre De Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006 p34 9 PALAZZO Francesco C Valores Constitucionais e Direito Penal Porto Alegre Sergio Antonio
Fabris 1989 p16-17 10 PINHO Leda de Oliveira Op cit p64
5345
Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o
rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e
natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica
Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por
reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute
transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute
identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que
fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais
desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-
se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo
para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute
necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel
2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL
Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para
denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo
das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso
comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito
fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um
modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber
um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal
natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que
interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram
estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades
femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12
No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista
resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma
11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31
12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
5346
imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
5347
observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
5348
envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
5349
natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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Destaca-se que a revoluccedilatildeo feminista vem contagiando e alterando lentamente o
rumo da histoacuteria Hoje a mulher conquistou sua identidade juriacutedica como ser humano (e
natildeo mais como propriedades de outrem) Falta agora conquistar a igualdade juriacutedica
Ocorre que o Direito ao reproduzir estatutos e sancionar papeacuteis acaba por
reproduzir o ldquojogo das estratificaccedilotildees sociaisrdquo Assim ldquoo dualismo masculino-feminino eacute
transposto para o discurso juriacutedico numa perspectiva hieraacuterquica em que o niacutevel superior eacute
identificado ao homem O discurso juriacutedico tambeacutem esconde uma ideologia sexista que
fazendo constante referecircncia ao princiacutepio da igualdade recusa-se a reconhecer as reais
desigualdades entre os sexosrdquo 11 Observa-se entatildeo que as mulheres acabaram por apropriar-
se do mundo masculino poreacutem esqueceram de buscar qualquer reciprocidade e aceitaccedilatildeo
para as suas visotildees e senso comum Natildeo que se queira feminilizar o mundo mas eacute
necessaacuterio desmascarar a visatildeo masculina tida como a uacutenica correta e possiacutevel
2 AS MULHERES E O SISTEMA PENAL
Reconhece-se o esforccedilo que o pensamento juriacutedico feminino tem feito para
denunciar o Direito enquanto estrateacutegia de conhecimento e poder de desqualificar a visatildeo
das mulheres poreacutem a jurisprudecircncia aponta para o senso comum como sendo o senso
comum masculino A relaccedilatildeo entre Direito e Gecircnero decorre da contribuiccedilatildeo que o Direito
fornece agrave estruturaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os sexos Observa-se que o Direito adota um
modelo de ser humano que eacute masculino e como o sistema natildeo estaacute preparado para receber
um modelo diverso daquele no qual se funda os conflitos natildeo previstos no sistema penal
natildeo satildeo suficientes para gerar mudanccedilas funcionais mantendo-se assim o status quo que
interessa ao grupo dominante ldquoAs normas penais e suas formas de execuccedilatildeo foram
estruturadas a partir de uma perspectiva masculina que desconsidera as especificidades
femininas onerando e em alguns casos inviabilizando o acesso agrave justiccedilardquo 12
No Direito Penal moderno apesar de contar com previsibilidade garantista
resultado da incorporaccedilatildeo ao discurso de princiacutepios constitucionais fundamentais haacute uma
11 MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil Rio de Janeiro Renovar 2003 p 30-31
12 BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
5346
imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
5347
observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
5348
envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
5349
natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
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26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
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LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt
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REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios
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SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
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5362
imprevisibilidade de questotildees de gecircnero que atendam as reais necessidades peculiares agraves
mulheres 13 Se este sistema penal eacute constituiacutedo de representaccedilotildees e relaccedilotildees sociais ele
reflete entatildeo a sociedade em que estaacute inserido Se esta sociedade eacute composta por um senso
comum masculino entatildeo o sistema penal tambeacutem o eacute Este senso comum masculino
encontra-se presente nas trecircs vertentes deste sistema na atuaccedilatildeo da poliacutecia (nas
delegacias nos atendimentos agraves viacutetimas e nos processos investigatoacuterios) no Judiciaacuterio (no
ordenamento juriacutedico e suas formas de interpretaccedilatildeo) bem como no sistema prisional
A histoacuteria da mulher criminosa apresenta seus primeiros sinais por volta do
seacuteculo XI (de desobediecircncia da mulher agrave lei) Anteriormente a esta eacutepoca a mulher tambeacutem
delinquumliu mas foi a partir deste seacuteculo que surgem tipos especiacuteficos de delinquumlecircncia
feminina ldquocomo se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou
erradas o faccedila separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente femininas mas eacute
uma separaccedilatildeo realizada atraveacutes de um olhar masculino Como se percebe ao longo da
histoacuteria as condutas femininas satildeo diretamente vinculadas agrave sexualidade e ao mundo
privadordquo 14 As primeiras notiacutecias de criminalidade feminina relacionam-se com a bruxaria 15 e com a prostituiccedilatildeo (comportamentos que desobedeciam aos padrotildees estabelecidos pela
igreja e pelos homens para preservaccedilatildeo da moral familiar da fidelidade e da castidade)
Esta criminalidade feminina eacute especiacutefica relacionada com o ambiente familiar comum que
reflete a ideacuteia cultural e social de que a mulher pertence a uma esfera domeacutestica privada e
natildeo puacuteblica16
Ao estudar a mulher enquanto agente criminoso a doutrina muitas vezes atribuiacutea
agrave ela desvios psicoloacutegicos que a levavam a cometer o delito Hoje se percebe que a mulher
encontra diversas pressotildees e possui um perfil diferenciado a mulher mata seu
companheiro por natildeo suportar mais a relaccedilatildeo de submissatildeo a mulher comete os mais
diversos crimes mas na maioria das vezes com menor violecircncia e crueldade Haacute ainda os
crimes cometidos contra seus filhos e sua manipulaccedilatildeo por traficantes que induzem a
mulher a cometer o crime sob promessa de ganhos patrimoniais faacuteceis No entanto
13 Id 14 BUGLIONE Samantha Op cit 15 A tiacutetulo de curiosidade a partir de 1400 surge o esterioacutetipo de que toda mulher eacute uma feiticeira
em potencial Esta ideacuteia permanece no direito criminal ateacute o final do seacuteculo XVII Id 16 Id
5347
observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
5348
envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
5349
natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
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fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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5362
observa-se que ao longo do tempo os tipos de crimes realizados pelas mulheres tecircm-se
equiparado aos tipos penais definidos como ldquoproacuteprios de homensrdquo 17
Segundo dados da Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre o perfil dos
infratores de ocorrecircncias registradas no ano de 2005 segundo o perfil por sexo as mulheres
representaram 172 dos infratores de traacutefico de drogas no Brasil 84 dos infratores de
posse e uso de Drogas 47 dos infratores de crime de roubo a trausentes 24 dos
infratores de crime de roubo de veiacuteculos 18 dos infratores do crime de lesotildees corporais
dolosas 5 dos infratores do crime de homiciacutedio doloso consumado e 7 dos infratores
do crime de homiciacutedio doloso tentado 18 A Mulher criminosa portanto representa uma
parcela pequena dentro do contexto que envolve os crimes Mas sua participaccedilatildeo vem
lentamente aumentando nos crimes ditos masculinos o que requer atenccedilatildeo e preocupaccedilatildeo
A maior participaccedilatildeo da mulher no crime eacute hoje relacionado com o traacutefico de entorpecente
onde se verifica que muitas mulheres cometem o traacutefico a pedido de seus companheiros ou
influenciadas por eles geralmente em empreitadas solitaacuterias onde acabam sendo presas
Esta questatildeo acaba por produzir reflexos nas estatiacutesticas acerca das mulheres encarceradas
uma vez que o traacutefico iliacutecito eacute considerado um crime hediondo e por isso conforme
previsatildeo da Lei ndeg 8072 de 1990 o cumprimento de pena era em regime integralmente
fechado Somente em 2007 foi editada a Lei ndeg 11464 que prevecirc que o autor de crime
hediondo deveraacute iniciar a cumprimento em regime fechado (admitindo-se a progressatildeo de
regime de pena)19 Com isso verificou-se o aumento de nuacutemeros de mulheres
encarceradas o que natildeo significa que elas passaram a cometer mais crimes e sim que o
principal crime por elas cometido era penalizado em regime fechado
A doutrina do direito assegura que a participaccedilatildeo mais efetiva das mulheres estaacute
prevista nos crimes relacionados com a reproduccedilatildeo e maternidade mas na praacutetica observa-
se um nuacutemero iacutenfimo e muitas vezes inexistente de agentes punidas pela praacutetica de aborto e
infanticiacutedio Tais crimes relacionam-se com o papel social atribuiacutedo agrave mulher (matildee) e
17 Id 18 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacuteveis em lt httpwwwmj govbrsenaspestatisticasperfil20dasvitimas20e20agressoresgt acesso em 16 abr 2007
19 SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos Apoacutes a Alteraccedilatildeo do seu Artigo 2deg Disponiacutevel em lthttpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007 nova_20lei_crimes_20hediondosdocgt Acesso em 27 abr 2007
5348
envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
5349
natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007
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envolvem princiacutepios morais e valores da sociedade O Coacutedigo Penal e legislaccedilatildeo
complementar tratam em muitos artigos homens e mulheres de forma diferenciada Nos
crimes contra a liberdade sexual e contra os costumes o legislador natildeo conseguiu esconder
sua visatildeo machista20 basta mencionar o artigo 107 do Coacutedigo Penal que vigorou ateacute o ano
de 2005 onde previa que o casamento posterior ao crime fosse com o proacuteprio ofensor
fosse com um terceiro extinguia a punibilidade do ofensor como se para uma mulher
viacutetima de estupro o casamento significasse a ausecircncia de prejuiacutezo com a agressatildeo sofrida O
dispositivo do extinto artigo 107 demonstrava claramente a ldquopostura imoral do legislador
frente agrave mulher no que pertine ao assunto sexordquo21
Quanto aos crimes cometidos pelas mulheres observa-se que a mulher eacute sempre a
agente no crime de Infanticiacutedio previsto no artigo 123 do Coacutedigo Penal que privilegia o
homiciacutedio cometido pela matildee logo apoacutes o parto onde esta mulher ainda estaacute sob influecircncia
das modificaccedilotildees psicoloacutegicas do estado puerperal Aqui haacute um tratamento mais benigno agrave
mulher22 Jaacute o aborto tipificado em nosso ordenamento como crime conforme artigo 124
do Coacutedigo Penal prevecirc a puniccedilatildeo da mulher que provoca a interrupccedilatildeo da gestaccedilatildeo com o
sacrifiacutecio do embriatildeo ou feto ou que permite que outrem lhe provoque23 Infelizmente esta
praacutetica faz parte do cotidiano das mulheres Uma gravidez indesejada pela mulher ou pelo
seu parceiro dificuldades financeiras vergonha da famiacutelia e sociedade falta de estrutura
emocional etc levam as mulheres a cometer o aborto No Brasil em face da sua tipificaccedilatildeo
penal a grande maioria ocorre em cliacutenicas clandestinas e eacute grande o nuacutemero de mulheres
que sofrem perdas em decorrecircncia desta clandestinidade e falta de assistecircncia (perdem a
vida perdem sua capacidade reprodutiva sofrem graves hemorragias etc) Mas a sociedade
cala-se diante de tal realidade mantendo a visatildeo masculina que ignora o direito da mulher agrave
liberdade de seu proacuteprio corpo
O Coacutedigo Penal pune a praacutetica do aborto (artigos 124 a 127) mas admite como
excludente de antijuridicidade (artigo 128) o aborto necessaacuterio (quando houver risco de
morte agrave gestante) e o aborto sentimental (quando a gravidez decorre de estupro) O Coacutedigo
20 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional Satildeo
PauloRevista dos Tribunais 1993 p139 21 Ibid p 138 22 Ibid p 139 23 Id
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natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
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fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
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pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
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e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
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a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
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quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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natildeo prevecirc o aborto Eugecircnio (anencefaacutelicos) o qual era entatildeo crime24 ou seja ateacute haacute pouco
tempo atraacutes a mulher era obrigada a permanecer carregando em seu ventre um feto sem
expectativa de vida Somente em 2004 houve a interposiccedilatildeo da Accedilatildeo de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederaccedilatildeo Nacional dos
Trabalhadores na Sauacutede (CNTS) onde o STF emitiu uma decisatildeo liminar com eficaacutecia
imediata e de efeito vinculante reconhecendo agrave gestante o direito constitucional de realizar
o aborto quando se constatar mediante laudos meacutedicos que o feto apresenta anencefalia
Assim a priori o aborto de fetos anencefaacutelicos eacute provisoriamente considerado legal (esta
legalizaccedilatildeo natildeo adveio do poder Legislativo e sim do Judiciaacuterio o qual ainda natildeo decidiu
por definitivo a questatildeo)25 Torna-se clara a visatildeo masculina que inferioriza a mulher que
natildeo respeita seus direitos uma vez que para a gestaccedilatildeo decorrente de estupro (crime que
ofende a honra da famiacutelia do homem-pai do homem-marido) o Direito permite a
interrupccedilatildeo desta gravidez agora se o feto que esta sendo gerado natildeo possui condiccedilotildees de
vida extra-uterina (pela ausecircncia de ceacuterebro) a mulher era sentenciada a prosseguir com tal
situaccedilatildeo sofrendo ao saber que estaacute gerando um ser sem expectativa de vida sofrendo com
inuacutemeros problemas maternos durante a gestaccedilatildeo com as dores do parto e depois com o
sepultamento deste que seraacute registrado como seu filho Penalizar o aborto eacute fechar os olhos
para a realidade e permitir que os abortos continuem sendo praticados de forma
clandestina26 aleacutem de representar uma clara discriminaccedilatildeo social (a mulher rica recorre a
cliacutenica especializada enquanto que a mulher pobre realiza o aborto em circunstacircncias
precaacuterias arriscando sua sauacutede e vida)
A mulher responde ainda pelo abandono de receacutem-nascido tipificado no artigo
134 que prevecirc sanccedilatildeo ao comportamento de quem abandona receacutem-nascido expondo-o agrave
perigo de vida com o objetivo de resguardar sua proacutepria honra social Este dispositivo em
sua forma original era aplicado somente agrave mulher onde se entendia que assumir um filho
24 HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr 2007 25 CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo liminar do STF declara legal o aborto
de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
26 As complicaccedilotildees decorrentes do aborto clandestino representam a quinta causa de internaccedilatildeo de mulheres no Brasil LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lthttpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticia mpnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022ebae79dfff431bc 8883 256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
5350
fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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fora das regras sociais (casamento) era sujeitar-se ao desprezo geral Jaacute o abandono deste
receacutem-nascido poderia significar o resgate da boa fama da mulher Neste contexto o
legislador entendeu por minorar a puniccedilatildeo ldquoreconhecendo o comportamento da sociedade
como insulfrador da conduta iliacutecitardquo27 Novamente percebe-se a visatildeo masculina que
privilegia a moral em detrimento de valores superiores tais como a vida Ora esta visatildeo
masculinizada da sociedade eacute que gera a reprovaccedilatildeo agraves gestaccedilotildees fora do tradicional
casamento punindo a mulher e a crianccedila e nada repercutindo no homem que colaborou na
criaccedilatildeo desta nova vida
Neste sentido a sociedade deve repensar o dever de assumir a paternidade Agrave
crianccedila tem o direito de possuir registro com nome do genitor e genitora bem como ao
homem cabe o dever de assumir seus atos independente do contexto social que estaacute
inserido A negaccedilatildeo a tal conduta deveria ser repensada pelo Direito Penal uma vez que
hoje eacute possiacutevel a certeza da paternidade e diante da sua recusa esta deveria ser penalizada
Outro ponto a ser abordado eacute a vitimizaccedilatildeo da mulher a qual eacute viacutetima de crimes
como ameaccedila violecircncia domeacutestica estupro caacutercere privado homiciacutedio entre outros Sobre
esta viacutetima mulher foi lanccedilada a visatildeo masculina a qual muitas vezes atribuiacutea agrave proacutepria
viacutetima a causa do crime Apedrejava-se a adultera mata-se pela honra agredia-se pela
afronta agrave superioridade masculina do ldquoSenhorrdquo marido estuprava-se porque a mulher
insinuou-se ldquoprovocandordquo o homem aqui a viacutetima torna-se reacute Neste discurso
masculinizado natildeo haacute preocupaccedilatildeo com a dignidade da mulher com sua integridade fiacutesica
moral e principalmente psicoloacutegica Tanto eacute assim que o estupro eacute ateacute os dias atuais
considerado um crime contra os costumes Estuprar uma mulher eacute ofender os bons
costumes da sociedade machista ou eacute ofender a integridade fiacutesica moral psicoloacutegica da
mulher bem como sua liberdade Tanto era assim (ou ainda o eacute) que a mulher casada que
era estuprada pelo seu marido sequer poderia denunciaacute-lo uma vez que este homem estava
exercendo seu ldquodireito de maridordquo Observa-se ainda o caraacuteter privado da accedilatildeo penal para
os crimes de estupro (artigo 225 do Coacutedigo Penal) justificado em uma proteccedilatildeo agrave mulher
ldquovisa a lei deixar agrave viacutetima ou seu representante legal a oportunidade de promover ou natildeo a
accedilatildeo penal em respeito agrave honrabilidade da ofendida optando se quiser pelo silecircncio e natildeo
27 LIMA Paulo Roberto de Oliveira Op cit p 142
5351
pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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pelo strepitus judicci em torno do fatordquo28 Esta proteccedilatildeo nada mais eacute do que uma
desconsideraccedilatildeo com a mulher viacutetima
Ainda analisando a mulher enquanto viacutetima observa-se que segundo os dados da
Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica sobre as ocorrecircncias registradas no ano de 2005
por perfil de sexo as mulheres representam 548 das viacutetimas de crime de Lesatildeo Corporal
Dolosa29 Evidencia-se que a mulher eacute claramente a maior viacutetima do crime de lesatildeo
corporal principalmente aqueles cometidos pelos seus companheiros no acircmbito familiar
caracterizando-se assim a existecircncia de uma violecircncia de gecircnero
O Coacutedigo Penal brasileiro tipifica alguns crimes de violecircncia cometidos contra a
mulher onde na maioria apenas ela eacute agente passivo tais como Estupro Atentado Violento
ao Pudor Posse mediante Fraude Asseacutedio sexual Rapto Lenociacutenio (artigos 213 a 232 do
Coacutedigo Penal) Esta violecircncia contra a mulher pode apresentar-se de diversas formas
sexual fiacutesica moral psicoloacutegica ou emocional Ocorre que muitas mulheres passam anos
sendo viacutetimas em seus proacuteprios lares desta violecircncia psicoloacutegica que se apresenta sempre
de foram sutil mansa haacutebil mas que tem o condatildeo de abalar o emocional da viacutetima
mulher Neste sentido identificam-se os crimes de Caluacutenia (art 138) Difamaccedilatildeo (at 139) e
Injuacuteria (art 140) todos do Coacutedigo Penal 30
Destaca-se ainda que haacute dificuldade em romper com as discriminaccedilotildees e
preconceitos para com as mulheres na esfera policial onde impera um contexto propiacutecio a
tais praacuteticas Eacute que dentro da visatildeo masculina o poder eacute exercido pelo homem assim
como a violecircncia as accedilotildees criminosas Enfim agrave mulher cabe o papel de submissatildeo de
fragilidade Assim impera nesta esfera o comportamento machista onde a mulher quando
viacutetima tambeacutem recebe o ocircnus de ldquoser mulherrdquo onde muitas vezes a palavra da viacutetima
mulher recebe um valor probatoacuterio menor do que a palavra do agente criminoso Neste
sentido os policiais homens (ateacute policiais mulheres) acostumados a lidar diariamente com
marginais e drogados dos mais diversos graus de periculosidade natildeo atendem a mulher
viacutetima de violecircncia domeacutestica com a presteza que lhe eacute esperada No Brasil infelizmente a
mulher em especial aquela economicamente mais pobre desconhece seus proacuteprios direitos
28 MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999 p1329 29 BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Op cit 30 CFEMEA Violecircncia Psicoloacutegica Caluacutenia Difamaccedilatildeo Injuacuteria Disponiacutevel em lthttpwww
cefemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=2gt Acesso em 18 abr 2007
5352
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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5362
e intimida-se com a simples ameaccedila do seu companheiro (seja contra sua integridade fiacutesica
seja contra a integridade fiacutesica de seus filhos) ou ainda o receio do rompimento da relaccedilatildeo e
da consequumlente inseguranccedila financeira que lhe acarretaraacute Intimida-se tambeacutem diante da
ameaccedila do agressor de tomar-lhes os seus filhos caso o denuncie A supremacia masculina
impera portanto em todas as relaccedilotildees da sociedade e a mulher torna-se ldquocuacutemplicerdquo do seu
agressor tamanho eacute o estado de degeneraccedilatildeo em que sua mente se encontra apoacutes anos de
tortura ao lado de homens histeacutericos coleacutericos possessivos e violentos 31
Assim visando melhorar a qualidade de atendimento agraves mulheres criando um
ambiente mais propiacutecio haacute quebrar estas barreiras foram criadas as Delegacias Especiais ndash
Delegacias de Poliacutecia de Defesa dos Direitos da Mulher Estas delegacias especializadas
em seu projeto inicial estavam associadas a atos de solidariedade e compreensatildeo Aqui a
prioridade era de criar um espaccedilo feminino onde as mulheres pudessem recorrer ser
ouvidas e receber a devida atenccedilatildeo e ajuda Este projeto inicial demonstra o discurso
hieraacuterquico da diferenccedila entre os sexos uma vez que representavam estas delegacias uma
organizaccedilatildeo derivada das desigualdades que associava a mulher agrave subjetividade e
qualidades passivas como compreensatildeo e docilidade32 As Delegacias da Mulher assumem
uma importacircncia grandiosa perante a sociedade poreacutem para que as mesmas possam dar
efetividade em seus atendimentos faz-se necessaacuterio uma conjugaccedilatildeo de forccedilas onde
devem contar com apoio de profissionais de outras aacutereas tais como assistentes sociais e
psicoacutelogos Espera-se ainda que novas unidades de Delegacia da Mulher sejam criadas
uma vez que hoje no Brasil haacute ldquouma delegacia para cada quatorze municiacutepiosrdquo33 deixando
assim milhares de mulheres sem atendimento adequado e permitindo que estes crimes natildeo
encontrem fim Em que pesem os caminhos da desnaturalizaccedilatildeo da violecircncia cometida
contra a mulher passe pela retirada desta questatildeo do acircmbito familiar e privado eacute necessaacuterio
31 CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lthttpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em 29 mar 2007 32 BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel em
lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
33 Segundo dados da Secretaria Especial de Poliacuteticas para as Mulheres no Brasil existem 386 delegacias especializadas de Atendimento agraves Mulheres Considerando que o Brasil tem 5562 municiacutepios isso significa que em meacutedia haacute uma delegacia para cada grupo de 14 municiacutepios REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma Delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308materia2007-03-082278142469 viewgt Acesso em 28 marccedil 2007
5353
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
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quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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5362
a criaccedilatildeo destes espaccedilos de enfrentamento tais como a prontidatildeo da accedilatildeo policial de
socorro para a viacutetima a prisatildeo do agressor o atendimento digno agrave mulher que vai registrar
uma queixa bem como a maior eficiecircncia da Justiccedila na puniccedilatildeo desses agressores e a
criaccedilatildeo de espaccedilos de apoio agrave estas mulheres que satildeo constantemente agredidas e
ameaccediladas de morte34
Na esfera judiciaacuteria tambeacutem se observa a desqualificaccedilatildeo da visatildeo feminista
Ocorre que as normas juriacutedicas apresentam impliacutecita e explicitamente a visatildeo masculina da
sociedade O Direito Penal acaba sendo reflexo desta sociedade culturalmente
discriminatoacuteria e preconceituosa que acaba desqualificando a visatildeo de mundo da mulher
Ocorre que ldquoa impressatildeo que se tem (por mais extremada que pareccedila) eacute que em paiacuteses de
tradiccedilatildeo juriacutedica como o nosso o Judiciaacuterio (notadamente o Supremo Tribunal Federal)
parece estar sempre seacuteculos atraacutes da dinacircmica das transformaccedilotildees sociais sendo raro
vivenciaacute-las contemporaneamenterdquo 35
O autor Lecircnio STRECK ao tratar do crime de estupro relata que na
jurisprudecircncia brasileira encontram-se julgados que explicitamente ou implicitamente
guardam relaccedilatildeo com o desprezo histoacuterico da condiccedilatildeo feminina Ele relata caso ocorrido
em Satildeo Paulo onde o agente foi absolvido porque a viacutetima ldquonatildeo utilizou meios eficazes
para evitar a consumaccedilatildeo do crimerdquo36 O Estupro eacute um tiacutepico ato de domiacutenio e de
submissatildeo das mulheres ele eacute sempre um ato de violecircncia E na esfera judiciaacuteria
geralmente vem acompanhado de justificaccedilotildees masculinas tais como
ldquoo argumento do ldquoconsentimentordquo as mulheres ldquopediramrdquo para serem atacadas ao usarem roupas curtas coladas perfume e maquiagem chamativos Ignora-se com tal argumento que mulheres de haacutebito de freira ou de burca tambeacutem satildeo violentadas As ideacuteias perversas de que a mulher na verdade ldquobem que queriardquo embora dissesse que natildeo ou que o homem foi fraco diante de tanta seduccedilatildeo trivializam o estupro Na esfera legal eacute comum que agrave viacutetima caiba o ocircnus da prova Isso quando ela natildeo eacute transformada em reacute O estupro costuma ser reduzido ao privado e essa esfera tende a ser despolitizada Para alguns a denuacutencia amplia a vergonha da viacutetima e da famiacutelia devendo portanto ser evitada Para outros o estupro simplesmente natildeo eacute da nossa conta jaacute que guardadas na seguranccedila do lar as ldquonossasrdquo mulheres sabem se comportar e estatildeo a salvo Engano Tambeacutem o lar pode gerar segredos e silecircncios destruidores As mulheres e meninas satildeo frequumlentemente atacadas dentro de casa por seus familiares incluindo o proacuteprio pai Incluem-se entre provaacuteveis agressores algueacutem a quem elas conhecem e muitas vezes a quem amam e em
34 MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v3 n1 p 6 janjun 2003
35 SILVA Eliezer Gomes da Opcit p17 36 STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPUS Carmem Hein de (Org)
Criminologia e Feminismo Porto AlegreSulina 1999 p87
5354
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In
HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a
Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39
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para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo
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Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993
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feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3
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Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt
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CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
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aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto
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2007
LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt
httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba
e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de
gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em
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REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios
Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-
082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007
SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007
5362
quem confiam o namorado o marido o tio o primo o chefe o amigo o colega o professor o sacerdote ou o vizinho 37
Enfim a jurisprudecircncia reproduz este discurso machista muitas vezes arquivando
o feito investigatoacuterio por falta de ldquoprovasrdquo como tambeacutem absolvendo o estuprador38 apoacutes
ldquojulgarrdquo a viacutetima (seu passado sexual sua histoacuteria sua imagem denegrida nos tribunais pela
defesa do agressor) Na praacutetica judiciaacuteria observa-se muito presente ateacute os dias atuais este
senso comum masculino uma vez que o in duacutebio pro reacuteo altera-se para in duacutebio pro
stereotypo como demonstram PIMENTEL SCHRITZMEYER E PANDJIARJIAN Vale dizer a aplicaccedilatildeo do in duacutebio pro reacuteo teacutecnica processual do sistema penal que garante ao reacuteu o benefiacutecio da duacutevida baseada em princiacutepios de respeito ao cidadatildeo acusado da praacutetica de um crime acaba sendo substituiacuteda pelo in duacutebio pro stereotypo no qual aleacutem de contar com o benefiacutecio da duacutevida conta tambeacutem a seu favor com o beneficio do estereotipo e da discriminaccedilatildeo social em detrimento do respeito agrave cidadania da viacutetima mulher O in duacutebio pro stereotypo aparece entatildeo como um dos princiacutepios determinantes para as discriminaccedilotildees de gecircnero presentes na atuaccedilatildeo dos operadores do Direito e da justiccedila A presenccedila desse principio da normativa social regendo a aplicaccedilatildeo do direito nos casos concretos que ora analisamos revela a faceta nociva da ideologia patriarcal machista em relaccedilatildeo agraves mulheres verdadeira violecircncia de gecircnero perpetrada por vaacuterios operadores do Direito em sua praacutexis juriacutedica39
Ocorre que para que haja a real e efetiva aplicaccedilatildeo dos valores abarcados pela
Constituiccedilatildeo Federal de 1988 dos tratados Internacionais de Direitos Humanos visando
inovar a ordem juriacutedica no sentido de eliminaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias contra a
mulher e da superaccedilatildeo do estereotipo da inferioridade feminina faz-se necessaacuterio uma
ampla sensibilizaccedilatildeo e o intenso envolvimento dos agentes juriacutedicos Poreacutem estes agentes
em sua grande maioria tecircm um forte perfil conservador fazendo com que o Direito seja um
instrumento de manutenccedilatildeo da ordem social (e natildeo de transformaccedilatildeo social) Grandes
parcelas dos agentes juriacutedicos brasileiros possuem uma formaccedilatildeo privatista e natildeo publicista
o que acaba por gerar em uma verdadeira subversatildeo da ordem juriacutedica uma vez que a
Constituiccedilatildeo passa a ser interpretada de acordo com as leis e natildeo as leis de acordo com a
37 Id 38 Neste sentido destaca-se que ldquoapenas 5 dos julgamentos por violecircncia sexual contra mulheres
e meninas realizados no mundo levam agrave condenaccedilatildeo do reacuteu afirmou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) da ONU APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Portal Violecircncia contra a mulher Artigo publicado no Diaacuterio de Cuiabaacute em 07032007 Disponiacutevel em lthttpcopodeleite ritsorgbrapc-aa-patricia galvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
39 PIMENTEL Silvia SCHRITZMEYER Ana Luacutecia P PANDJIARJIAN Valeacuteria Estupro ndash crime ou cortesia Abordagem sociojuriacutedica de gecircnero Porto AlegreSergio Antonio Fabris 1998 p 130 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit
5355
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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5362
Constituiccedilatildeo o que gera a manutenccedilatildeo dos valores discriminatoacuterios e da prevalecircncia e
manutenccedilatildeo do poder da visatildeo machista sobre os direitos das mulheres
Tambeacutem no sistema prisional feminino brasileiro eacute identificada a reproduccedilatildeo de
modelos masculinos com a ausecircncia de um olhar do eu feminino ou seja as poliacuteticas do
sistema prisional natildeo percebem as diferenccedilas concernentes ao gecircnero principalmente no
que se refere agrave extensatildeo que o caacutercere gera ldquoo que natildeo eacute identificado apenas em relaccedilatildeo agrave
criminalidade feminina na mulher encarcerada mas tambeacutem no processo de estigmatizaccedilatildeo
e dificuldades que as companheiras e esposas do preso enfrentam tampouco o problema da
filhas e matildees dos presos que tambeacutem constituem a parte feminina desta relaccedilatildeordquo 40
Segundo dados da AGENCIA BRASIL hoje as mulheres representam 5 da
populaccedilatildeo carceraacuteria do Brasil e as mesmas acabam compartilhando os dramas dos
detentos do sexo masculino poreacutem poreacutem para elas acrescentam-se os seguintes aditivos
a mulher criminosa geralmente eacute abandonada pelo seu companheiro o qual em raros casos
manteacutem o relacionamento afetivo ateacute a sua liberdade Ela perde tambeacutem o direito de
exercer sua maternidade e sofre restriccedilotildees a visitas iacutentimas aleacutem da falta de assistecircncia
meacutedica 41
As praacuteticas das visitas iacutentimas surgiram no iniacutecio dos anos 80 e foram logo
copiadas por todos os presiacutedios brasileiros com exceccedilatildeo dos femininos onde sequer era
admitida esta hipoacutetese sob argumentaccedilotildees de que acarretaria problemas diversos
principalmente de gravidez Assim as presas casadas ficavam impossibilitadas de receber
seus maridos os quais em sua grande maioria acabavam por abandonaacute-las Vislumbrava-se
entatildeo uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres privando estas uacuteltimas da
vida sexual 42 As visitas iacutentimas agraves mulheres encarceradas no Brasil satildeo vistas como um
benefiacutecio e natildeo efetivamente como um direito Existe portanto um ldquoprotecionismo
discriminatoacuterio quando se trata de questotildees que envolvem a sexualidade feminina sendo a
mulher presa desestimulada em sua vida sexual devido a burocratizaccedilatildeo para o acesso agrave
40 BUGLIONE Samantha Op cit 41 ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas no
Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308materia2007-03-08243388 1009viewgt Acesso em 29 mar 2007
42 SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro Ameacuterica Juriacutedica 2002 p48-50
5356
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
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5362
visita conjugalrdquo43 Torna-se claro com este protencionismo a visatildeo masculina de proteccedilatildeo
agrave sexualidade e moral feminina Este protecionismo discriminatoacuterio aliado agrave dependecircncia e
solidatildeo afetiva faz com que muitas encarceradas mudem sua opccedilatildeo sexual Elas tornam-se
ldquohomossexuais circunstanciaisrdquo ou seja a mudanccedila natildeo decorre de simples opccedilatildeo ou
processo natural e sim do rompimento do instinto sexual44
Aponta-se ainda que salvo algumas exceccedilotildees eacute negado agraves mulheres outro
direito que eacute a de permanecer com seus filhos receacutem nascidos e amamentaacute-los Ocorre que
na praacutetica natildeo haacute a construccedilatildeo de berccedilaacuterios e creches para os filhos das detentas nas
penitenciaacuterias como prevecirc a Lei de Execuccedilatildeo Penal Antigamente as crianccedilas permaneciam
com suas matildees detentas ateacute os 12 ou 13 anos poreacutem com a Constituiccedilatildeo de 1988 esta
praacutetica foi proibida (o legislador entendeu que o conviacutevio destas crianccedilas com as
criminosas natildeo traria uma boa formaccedilatildeo e facilitaria o desenvolvimento para a
marginalizaccedilatildeo) Hoje os filhos das presidiaacuterias permanecem no presiacutedio apenas ateacute o final
da idade de amamentaccedilatildeo Se possuiacuterem famiacutelia (avoacutes parentes proacuteximos algueacutem que
aceite sua guarda) passaratildeo aos cuidados destes poreacutem se natildeo possuiacuterem essas crianccedilas
seratildeo encaminhadas agraves escolas institucionais45 Assim o enclausuramento feminino acaba
por gerar consequumlecircncias que natildeo satildeo percebidas pela ldquovisatildeo masculinaldquo da sociedade Haacute a
perda da referecircncia materna pelos filhos das matildees encarceradas que em grande maioria jaacute
natildeo possuem o referencial paterno Estas crianccedilas satildeo portanto sentenciadas a perderem os
seus viacutenculos familiares (acentuando assim o processo de marginalizaccedilatildeo tanto agraves
criminosas como aos seus familiares)
Ainda inserido nesta problemaacutetica aborda-se outra questatildeo relevante eacute igualitaacuteria
e justa a aplicaccedilatildeo agraves mulheres das sanccedilotildees penais iguais as aplicados aos homens Estas
natildeo violariam o princiacutepio da igualdade uma vez que haacute tratamento igualitaacuterio para
situaccedilotildees desiguais Eliezer Gomes da SILVA em seu artigo Igualdade Gecircnero e Direito
do liberalismo claacutessico ao poacutes-feminismo nos ensina Vemos uma parcela da contemporacircnea Criminologia Criacutetica de vieacutes feminista indagar sobre ateacute que ponto a imposiccedilatildeo agraves mulheres das mesmas sanccedilotildees penais a partir dos valores masculinos natildeo violaria o princiacutepio da igualdade por haver um tratamento igualitaacuterio a situaccedilotildees diferentes
43 BUGLIONE Samantha Opcit 44 Id 45 SANTOS Rosangela Haytem Op cit p 33
5357
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In
HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a
Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39
CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal
Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992
HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila
para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo
LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993
MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3
n1 p 2-9 janjun 2003
MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999
MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil
Rio de Janeiro Renovar 2003
MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006
PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero
Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005
SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro
Ameacuterica Juriacutedica 2002
SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-
feminismo No prelo
5360
STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)
Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999
FONTES ELETRONICAS - ONLINE
ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas
no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308
materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007
APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite
ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao
Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo
Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel
em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp
IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em
lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt
httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt
Acesso em 16 abr 2007
CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em
29 mar 2007
CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel
em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18
abr 2007
CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o
aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto
aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
5361
HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr
2007
LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt
httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba
e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de
gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em
lthttpwwwredemulherorgbrgenerowebmarciahtmgt Acesso em 08 mar 2007
REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios
Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-
082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007
SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007
5362
Cite-se por todos a obra de CARLEN46 que questiona ateacute que ponto considerando os baixiacutessimos iacutendices de envolvimento da mulher como autora de crimes (em todas as culturas em todos os tempos) baixa periculosidade sua maior capacidade de reabilitaccedilatildeo e postura submissa com que se comportam quando confinadas (muitas vezes submetidas a um processo de medicalizaccedilatildeo) natildeo justificaria um tratamento ldquoigualdesigualrdquo agraves mulheres tese longe de ser considerada incontroversa mesmo entre um mesmo espectro poliacutetico-ideologico do feminismo de segunda fase47
Torna-se claro que o sistema penal eacute construiacutedo sob uma visatildeo masculina e por
isso dispensa agraves mulheres um tratamento que eacute reflexo da posiccedilatildeo social histoacuterica agrave elas
designada Hoje muitas conquistas em prol das mulheres jaacute foram alcanccediladas haacute pressotildees
nacionais e internacionais para que o Estado passe a igualar os gecircneros Neste sentido no
Brasil algumas medidas jaacute foram tomadas tais como a erradicaccedilatildeo nos livros didaacuteticos
de preconceitos de toda e qualquer ordem48 a promulgaccedilatildeo da Lei Maria da Penha
poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa para a inserccedilatildeo da mulher no mundo poliacutetico etc Poreacutem as
discriminaccedilotildees contra as mulheres persistem uma vez que ldquocostumes e praacuteticas sociais
ainda continuam a ser obstaacuteculos para a implementaccedilatildeo da igualdade e da equidade de
gecircnerordquo49 Ainda como conquista feminina no direito destaca-se a Lei ndeg 11106 de 28 de
marccedilo de 2005 que alterou o Coacutedigo Penal em especial do tiacutetulo que trata Dos Crimes
Contra os Costumes retirando do Coacutedigo a expressatildeo mulher honesta a qual traduzia
grande preconceito contra as mulheres incluiu a palavra companheiro sempre que houver
o emprego do termo cocircnjuge o que alterou a interpretaccedilatildeo de vaacuterios artigos e em e em
especial revogou os artigos discriminatoacuterios jaacute em desuso de Seduccedilatildeo Rapto e Adulteacuterio
aleacutem da extinccedilatildeo da punibilidade quando o agente criminoso casava-se com a viacutetima nos
crimes contra os costumes
Com a nova Constituiccedilatildeo de 1988 nasceu o Estado Democraacutetico de Direito O
velho Direito Penal deve passar a ser interpretado conforme a Constituiccedilatildeo garantindo
assim a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios e valores da nossa carta magna Nas palavras de Maacutercia
Dometila Lima de CARVALHO a ldquofalta de harmonia entre a norma penal concretizada e a
46 CARLEN P Alternatives to womenrsquos imprisonment M Keynes Open University Press 1990
p30 apud SILVA Eliezer Gomes da Op cit p 21 47 Id 48 A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao Processo
de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo Disponiacutevel em lthttpwww stjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
49 HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v2 p07
5358
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo
LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993
MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3
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MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999
MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil
Rio de Janeiro Renovar 2003
MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006
PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero
Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005
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SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-
feminismo No prelo
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STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)
Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999
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no Brasil Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbrnoticias20070308
materia2007-03-082433881009viewgt Acesso em 29 mar 2007
APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite
ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao
Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo
Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel
em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp
IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em
lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt
httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt
Acesso em 16 abr 2007
CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em
29 mar 2007
CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel
em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18
abr 2007
CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o
aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto
aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
5361
HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
Disponiacutevel em lthttpwwwdireitonetcombrartigosx287628 76gt Acesso em 27 abr
2007
LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt
httpcelepar7ctaprgovbrmpprnoticiampnsf9401e882a180c9bc03256d790046d022eba
e79dfff431bc8883256f6a0064181eopenDocumentgt Acesso em 27 abr 2007
MACEDO Maacutercia S O gecircnero nos contextos de intervenccedilatildeo das ONGs Relaccedilotildees de
gecircnero no contexto urbano um olhar sobre as mulheres Disponiacutevel em
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REBELO Marcela Brasil tem em meacutedia uma delegacia da Mulher para 14 Municiacutepios
Disponiacutevel em lthttpwwwagenciabrasilgovbr noticias20070308 materia2007-03-
082278142469viewgt Acesso em 28 mar 2007
SILVA Ceacutesar Dario Mariano da ARRUDA Eloiacutesa de Souza A Lei dos Crimes Hediondos
Disponiacutevel em httpwwwapmpcombrjuriacutedicoartigosdocs2007nova_20leicrimes
20hediondosdoc Acesso em 27 abr 2007
5362
justiccedila positivada ou almejada pela Constituiccedilatildeo deve ser traduzida como
inconstitucionalidade 50 [grifo nosso]
Inicia-se um novo direito inserido em uma sociedade democraacutetica onde os
novos modelos devem pensar em termo de relaccedilotildees de tal forma que se direcione a pensar
em usar a lei para buscar o equiliacutebrio de direitos entre partes diferentes51 Esta nova justiccedila
natildeo ignora completamente o Coacutedigo Penal mas exercita o julgamento reflexivo e leva em
consideraccedilatildeo o contexto de opressotildees e desigualdades na sociedade onde ocorre o caso
concreto Deve-se ainda fazer uma releitura do Coacutedigo Penal agrave luz da Constituiccedilatildeo que eacute
instrumento de declaraccedilotildees de direitos e garantias que deve espalhar-se na justiccedila criminal
Embora esta nova justiccedila natildeo tenha o condatildeo de por si soacute acabar com as discriminaccedilotildees de
gecircnero deve fazer o que encontra-se em seu alcance (i) Aumentando a seriedade como os
crimes sexuais satildeo levados em consideraccedilatildeo (ii) Vetando a inclusatildeo da histoacuteria sexual da
viacutetima de estupro como meio de prova (direcionando a atenccedilatildeo para o comportamento do
homem no crime e natildeo da mulher) (iii) Reconhecendo discriminaccedilotildees individuais
sistemaacuteticas (raccedila sexo religiatildeo) (iv) Permitindo uma gama mais ampla de participantes
no processo (testemunhos especializados como por exemplo ativistas feministas e
assistentes sociais em casos onde a mulher mata seu parceiro agressor) (v) contando o
Coacutedigo Penal para fortalecer determinados direitos Enfim esta nova justiccedila criminal
desempenha-se em levar adiante os direitos constitucionais a fim de se garantir a igualdade
concernente ao gecircnero52
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este trabalho natildeo visa produzir respostas prontas e acabadas mas sim provocar a
reflexatildeo o despertar para o tema que ao contraacuterio do que muitos pensam natildeo diz respeito
somente as mulheres
Destaca-se que o discurso feminino lentamente vem ganhando visibilidade para
que se busque esta nova Justiccedila com um novo olhar que busca alterar os tradicionais
dogmas que reafirmam a discriminaccedilatildeo e o preconceito contra a mulher Esta nova justiccedila
50 Ibid p 24 51 HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila para
sociedades divididas Traduccedilatildeo de Silva Eliezer Gomes da No prelo 52 Id
5359
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARSTE Leila Linhares Lei e Realidade Social Igualdade x Desigualdade In
HERMANN Jacqueline (org) As Mulheres e os Direitos Humanos Traduzindo a
Legislaccedilatildeo com a Perspectiva de Gecircnero Rio de Janeiro CEPIA 2001 v 2 p 30-39
CARVALHO Maacutercia Dometila Lima de Fundamentaccedilatildeo Constitucional do Direito Penal
Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 1992
HUDSON Baacuterbara Direitos Humanos e novo constitucionalismo princiacutepios de justiccedila
para sociedades divididas Traduccedilatildeo de Eliezer Gomes da Silva No prelo
LIMA Paulo Roberto de Oliveira Isonomia Entre os Sexos no Sistema Juriacutedico Nacional
Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1993
MEDEIROS Maacutercia Maria de et al Anjos ou Democircnios ndash Um ensaio sobre a delinquumlecircncia
feminina no Brasil de 1890 a 1930 EDUCERE ndash Revista da Educaccedilatildeo PUC Curitiba v 3
n1 p 2-9 janjun 2003
MIRABETE Julio Fabbrini Coacutedigo Penal Interpretado Satildeo Paulo Atlas 1999
MONTEIRO Geraldo Tadeu Moreira Construccedilatildeo Juriacutedica das Relaccedilotildees de Gecircnero O
Processo de Codificaccedilatildeo Civil na Instauraccedilatildeo da Ordem Liberal Conservadora do Brasil
Rio de Janeiro Renovar 2003
MORAES Alexandre de Direito Constitucional 19 ed Satildeo Paulo Atlas 2006
PINHO Leda de Oliveira Princiacutepio da Igualdade Investigaccedilatildeo na perspectiva de gecircnero
Porto Alegre Sergio Antonio Fabris 2005
SANTOS Rosangela Hayden dos Mulher Corpo e alma atraacutes das grades Rio de Janeiro
Ameacuterica Juriacutedica 2002
SILVA Eliezer Gomes da Igualdade Gecircnero e Direito do Liberalismo Claacutessico ao Poacutes-
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5360
STRECK Lecircnio Luiz O Crime de Estupro In CAMPOS Carmen Hein de (org)
Criminologia e feminismo Porto Alegre Sulina 1999
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ANDRADE Juliana OEA recebe denuacutencia de violaccedilatildeo dos direitos das mulheres presas
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APENAS 5 dos acusados satildeo condenados Disponiacutevel em lthttpcopodeleite
ritsorgbrapc-aa-patriciagalvaohomeindexshtmlgt Acesso em 28 mar 2007
A QUEBRA do Paradigma e o Gecircnero Feminino na Administraccedilatildeo da Justiccedila face ao
Processo de Modernizaccedilatildeo da Sociedade Brasileira imposta pela Globalizaccedilatildeo
Disponiacutevel em lthttpwwwstjgovbrdiscursosgt Acesso em 13 fev 2007
BOSELLI Giane Delegacia de Defesa das Mulheres permanecircncia e desafios Disponiacutevel
em lthttpwwwcfemeaorgbrpublicaccedilotildeesimprimir_artigos_ detalhes asp
IDArtigo=22gt Acesso em 18 abr 2007
BUGLIONE Samantha A mulher enquanto metaacutefora do Direito penal Disponiacutevel em
lthttpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid=946gt Acesso em 16 abr 2007
BRASIL Secretaria Nacional de Seguranccedila Puacuteblica Departamento de Pesquisa Anaacutelise da
Informaccedilatildeo e Desenvolvimento de Pessoal em Seguranccedila Puacuteblica Disponiacutevel em lt
httpwwwmjgovbrsenaspestatisticas perfil20dasvitimas20 e20agressoresgt
Acesso em 16 abr 2007
CARVALHO Tereza A importacircncia das Delegacias de Poliacutecia de Defesa da Mulher
Disponiacutevel em lt httpkpluscosmocombrmateriaaspco=36amprv=Direitogt Acesso em
29 mar 2007
CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria Direito agrave natildeo violecircncia Disponiacutevel
em lthttpwww cfemeaorgbrguiaimprimir_detalheaspIDGuia=21gt Acesso em 18
abr 2007
CRUZ Luiz Carlos Lodi da Aborto Vinculante Decisatildeo Liminar do STF declara legal o
aborto de crianccedilas anencefaacutelicas Disponiacutevel em lthttpjus2uolcombrdoutrinatexto
aspid=5440gt Acesso em 30 abr 2007
5361
HELMANN Sandro Renato Breve Anaacutelise do Aborto Anencefaacutelico no Direito Brasileiro
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2007
LOPES Adriana Dias Meacutedicos Ainda Barram a Praacutetica Legal Disponiacutevel em lt
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5362
parte da releitura do Coacutedigo penal a partir da nossa Carta Magna contestando as normas
penais para fortalecer os direitos das mulheres Conclui-se que as mulheres necessitam
ocupar os espaccedilos puacuteblicos em especial o poliacutetico para que possa participar efetivamente
da confecccedilatildeo das leis e da administraccedilatildeo puacuteblica Aos aplicadores do Direito cabe
aprimorar a visatildeo da sociedade perfazendo a visatildeo feminina de mundo a fim de que se
encontre uma sociedade mais justa e igualitaacuteria onde haja respeito muacutetuo onde homens e
mulheres possam compartilhar todos os espaccedilos juntos
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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