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Genética e Ambiente RETORNO A OPINIÕES Francisco M. Salzano Doutor em Ciências, Professor Titular, Departamento de Genética, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS As características biológicas de nosso meio ambiente são brevemente descritas, bem como as posições éticas que procuram relacionar o Homo sapiens com nossos companheiros do universo. A seguir, faz-se uma revisão da legislação brasíleira de proteção ao meio ambiente. Após um breve histórico sobre o desenvolvimento da genética ao longo do século, são identificadas três áreas de contato entre esta ciência e problemas vinculados ao meio ambiente. Estas áreas estão relacionadas com projetos de conservação, de monitoramento da poluição e de aplicações tecnológicas. São indicadas as medidas cautelares estabelecidas pelos países desenvolvidos com relação à liberação, no ambiente, de organismos modificados por meio da engenharia genética, e mencionadas tentativas atualmente em curso, no Brasíl e em outros países, visando harmonizar desenuolvimento com conservação. UNITERMOS - Genética, ética ambiental, biotecnologia Um patrimônio a preservar Quanto vale um metro cúbico de ar, ou de água, ou de biodiversidade? Esta foi a pergunta feita recentemente por conhecido pasquisador brasíleiro (1). Evidentemente, é impossível estabelecer-se um valor exato. Entretanto, adiciona ele, enquanto o preço de um grama de ouro está calculado em cerca de 12 dólares, o de um grama de clorofila bruta é de 700 dólares, e o de clorofila purificada é de aproximadamente 20 mil dólares. Já o preço do beta e do alfa-caroteno varia entre 3 mil e 6 mil dólares. Consideremos, de maneira específica, a biodiversidade (2). Calcula-se que, até o presente, tenham sido descritas cerca de 1,4 milhão de espécies de plantas, animais e microrganismos. A diversidade terrestre e dos habitats de água doce é maior do que a marinha. Os elementos mais numerosos são as plantas com flores (220 mil espécies) e seus parceiros coevolucionários, os insetos (750 mil espécies). Mas a diversidade conhecida é apenas uma fração da diversidade total. É possível que o número total de espécies do planeta situe-se em cerca de 100 milhões. Certos grupos taxonômicos apresentam hiperdiversidade, e o mesmo é verdadeiro com relação a certos habitais e áreas geográficas. Por exemplo, no Peru, em um único hectare foram encontradas 300 espécies de árvores, enquanto em toda a América do Norte só foram descritas 700 dessas espécies (2). Em todo o mundo, o Brasíl ocupa a primeira posição com relação ao número total de espécies. Dos 1,4 milhões de organismos já mencionados, 10% vivem em território brasíleiro. A extensão das florestas tropicais brasíleiras é de longe a maior do planeta: são mais de 3,57 milhões de km2, representando 30% das florestas tropicais existentes (3). No país da megadiversidade, é natural que deva haver uma preocupação marcante com relação à preservação desta variabilidade. Assim mesmo, pode-se perguntar por que devemos nos preocupar com a manutenção dessa diversidade? Ehrlich e Wilson (2) enumeram pelo menos três razões básicas. A primeira é ética e estética.. Como o Homo sapiens é a espécie dominante na terra, temos a responsabilidade moral de proteger os nossos companheiros do universo. É notório, também, que a observação e a convivência com os mesmos geram sentimentos estéticos e gratificantes.. A segunda razão é que a partir dessa diversidade a humanidade já obteve enormes beneficios econômicos na forma de alimentos, remédios e produtos industriais, e potencialmente pode ganhar ainda muito mais. Assim, apenas uma porção minúscula das espécies vegetais foi investigada quanto ao seu valor farmacêutico; e embora tenhamos usado cerca de sete mil espécies como alimento, pelo menos um número diversas vezes maior de espécies apresenta partes comestíveis. Por último, há toda uma gama de serviços que são prestados pelos ecossistemas naturais, os quais envolvem a estabilidade de climas, águas, solos e nutrientes. Nesse caso, a biodiversidade fornece um papel crítico numa escala tão grande - e a interação entre as diversas formas de vida é tão intrincada -que não é possível estabelecer-se a dispensabilidade mesmo dos organismos mais simples. Ética e meio ambiente Como se explica que possamos alimentar um astronauta no espaço e confeccionar instrumentos de morte caríssimos, mas sejamos incapazes de dar de comer e de vacinar crianças do Nordeste brasileiro ou da periferia Genética e Ambiente http://www.octopus.furg.br/cibio/opi/geneticaambiente.htm 1 de 6 07/03/2015 14:03

Genética e Ambiente Salzano

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é realmente uma boa leitura sobre a genética arual em poucas páginas.

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  • Gentica e Ambiente

    RETORNO A OPINIES

    Francisco M. Salzano

    Doutor em Cincias, Professor Titular, Departamento de Gentica, Instituto de Biocincias, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS

    As caractersticas biolgicas de nosso meio ambiente so brevementedescritas, bem como as posies ticas que procuram relacionar o Homo sapiens

    com nossos companheiros do universo. A seguir, faz-se uma reviso da legislao brasleira deproteo ao meio ambiente. Aps um breve histrico sobre o desenvolvimento da gentica ao longo do

    sculo, so identificadas trs reas de contato entre esta cincia e problemas vinculados ao meio ambiente.Estas reas esto relacionadas com projetos de conservao, de monitoramento da poluio e de aplicaes

    tecnolgicas. So indicadas as medidas cautelares estabelecidas pelos pases desenvolvidos com relao liberao, no ambiente, de organismos modificados por meio da engenharia gentica, e

    mencionadas tentativas atualmente em curso, no Brasl e em outros pases, visandoharmonizar desenuolvimento com conservao.

    UNITERMOS - Gentica, tica ambiental, biotecnologia

    Um patrimnio a preservar

    Quanto vale um metro cbico de ar, ou de gua, ou de biodiversidade? Esta foi a pergunta feita recentemente porconhecido pasquisador brasleiro (1). Evidentemente, impossvel estabelecer-se um valor exato. Entretanto,adiciona ele, enquanto o preo de um grama de ouro est calculado em cerca de 12 dlares, o de um grama declorofila bruta de 700 dlares, e o de clorofila purificada de aproximadamente 20 mil dlares. J o preo dobeta e do alfa-caroteno varia entre 3 mil e 6 mil dlares.

    Consideremos, de maneira especfica, a biodiversidade (2). Calcula-se que, at o presente, tenham sido descritascerca de 1,4 milho de espcies de plantas, animais e microrganismos. A diversidade terrestre e dos habitats degua doce maior do que a marinha. Os elementos mais numerosos so as plantas com flores (220 mil espcies) eseus parceiros coevolucionrios, os insetos (750 mil espcies). Mas a diversidade conhecida apenas uma fraoda diversidade total. possvel que o nmero total de espcies do planeta situe-se em cerca de 100 milhes.

    Certos grupos taxonmicos apresentam hiperdiversidade, e o mesmo verdadeiro com relao a certos habitais ereas geogrficas. Por exemplo, no Peru, em um nico hectare foram encontradas 300 espcies de rvores,enquanto em toda a Amrica do Norte s foram descritas 700 dessas espcies (2).

    Em todo o mundo, o Brasl ocupa a primeira posio com relao ao nmero total de espcies. Dos 1,4 milhes deorganismos j mencionados, 10% vivem em territrio brasleiro. A extenso das florestas tropicais brasleiras delonge a maior do planeta: so mais de 3,57 milhes de km2, representando 30% das florestas tropicais existentes(3). No pas da megadiversidade, natural que deva haver uma preocupao marcante com relao preservaodesta variabilidade.

    Assim mesmo, pode-se perguntar por que devemos nos preocupar com a manuteno dessa diversidade? Ehrlich eWilson (2) enumeram pelo menos trs razes bsicas. A primeira tica e esttica.. Como o Homo sapiens aespcie dominante na terra, temos a responsabilidade moral de proteger os nossos companheiros do universo. notrio, tambm, que a observao e a convivncia com os mesmos geram sentimentos estticos e gratificantes..

    A segunda razo que a partir dessa diversidade a humanidade j obteve enormes beneficios econmicos na formade alimentos, remdios e produtos industriais, e potencialmente pode ganhar ainda muito mais. Assim, apenas umaporo minscula das espcies vegetais foi investigada quanto ao seu valor farmacutico; e embora tenhamosusado cerca de sete mil espcies como alimento, pelo menos um nmero diversas vezes maior de espciesapresenta partes comestveis.

    Por ltimo, h toda uma gama de servios que so prestados pelos ecossistemas naturais, os quais envolvem aestabilidade de climas, guas, solos e nutrientes. Nesse caso, a biodiversidade fornece um papel crtico numaescala to grande - e a interao entre as diversas formas de vida to intrincada -que no possvelestabelecer-se a dispensabilidade mesmo dos organismos mais simples.

    tica e meio ambiente

    Como se explica que possamos alimentar um astronauta no espao e confeccionar instrumentos de mortecarssimos, mas sejamos incapazes de dar de comer e de vacinar crianas do Nordeste brasileiro ou da periferia

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  • das grandes cidades? A resposta a esta pergunta que, apesar de nossa competncia em cincia e tecnologia,padecemos de uma trgica incompetncia tanto em tica como em poltica. E se somos incompetentes em tica,talvez a pior contaminao ambiental seja, ento, a de ndole mental (4).

    A histria da relao entre oHomo sapiens e a natureza to antiga quanto nossa prpria espcie, e tem sidonaturalmente muito influenciada pelo desenvolvimento de um atributo essencialmente humano: a cultura.Evidentemente, a ao do homem sobre o meio ambiente era muito menos destruidora quando o meio desubsistncia baseava-se na caa e na recoleta do que nos estgios posteriores, com o desenvolvimento daagricultura em larga escala e a posterior industrializao. A influncia da religio no deve tambm sermenosprezada. White (5), por exemplo, descreveu o cristianismo, em sua forma ocidental, como ''a religio maisantropocntrica que o mundo j viu". Thomas (6), por sua vez, fornece uma excelente reviso das mudanas deatitude dos homens com relao s plantas e animais, ocorridas na Inglaterra entre os anos 1500 e 1800, que, noentanto, podem ser extrapoladas para outros pases.

    Leis (7) contextualiza a tica ecolgica em um quadro de quatro entradas, definidas pelas relaes dos sereshumanos tanto com a sociedade como com a natureza. Em ambos os casos, os princpios de incluso e exclusodefiniriam duas posies polares: antropocentrismo/biocentrismo (nas relaes homem-sociedade) ecomunitarismo/individualismo (nas relaes homem-natureza). Combinando esses dois tipos de relaes feramosas seguintes tendncias: a) antropocentrismo/individualismo: alfa; b) antropocentrismo/comunitarismo: beta; c)biocentrismo/comunitarismo: delta; d) biocentrismo/ individualismo: gama.

    A posio alfa tem razes ticas histricas (John Locke, por exemplo). Em alguns aspectos ela tem conseguidoevitar muitos sofrimentos aos seres humanos, atravs do reconhecimento dos direitos individuais. Por outro lado,com a prosperidade econmica, foram desenvolvidos em nome do progresso comportamentos desapiedados.Segundo Shrader-Frechette (4), a descrio que Oscar Wilde fez dos cnicos tambm se aplica aos individualistastecnocratas: so pessoas que sabem o preo de tudo e o valor de nada.

    A tendncia beta, embora mantendo uma orientao antropocntrica, prefere a cooperao competio dentro dasociedade. Essa viso mais comunitria recebe s vezes o nome de ecologia social. A nfase, nesse caso, situa-sena harmonizao das relaes sociais, pois s por meio dela poderia ser alcanada uma boa interao homem-natureza.

    A vertente deita preconiza fraternidade e igualdade de aplicao tanto na sociedade como na natureza. Leis (7)relaciona-a com uma cosmoviso pr-moderna, pela sua reivindicao do carter sagrado de todos e cada um dosseres deste mundo.

    Finalmente, a tendncia gama maximiza o bem-estar ambiental, mesmo em oposio ao bem-estar humano.Seramos apenas uma espcie a mais, caracterizada por extrema insensibilidade e ignorncia com relao ao meioambiente. Nesse sentido, so rechaados o hiperconsumismo, os valores econmicos neoclssicos e oindividualismo tecnocrfico. O perigo dessa posio seria a adeso chamada "tica do bote salva-vidas". SegundoGarrett Hardin,ospaisesdesenvolvidos seriam como botes salva-vidas abarrotados, e os subdesenvolvidossemelhantes a grupos de pessoas que esto se afogando. Os ocupantes dos botes no deveriam ajudar os que seesforam a subir a bordo, porque isto faria com que as embarcaes soobrassem. Conduso: o problemaambiental teria prioridade sobre os dos pases pobres. O mesmo autor (8) argumenta que o problema populacionalno tcnico, e que deve ser estabelecido algum tipo de coero para resolv-lo.

    Qual das posies seria a mais correta? Schrader-Frechette (4) sugere que a sada do dilema deveria ocorrer pormeio de uma ordem tica de prioridades, na seguinte seqncia: 1. Obrigao de reconhecer os direitos humanosimportantes; 2. Obrigao de proteger os interesses ambientais; 3. Obrigao de reconhecer os direitos humanossecundrios. A verdade, no entanto, que todos os direitos humanos bsicos pressupem um meio ambientesaudvel. O que se deve fazer separar as noes de necessidade, melhoria e luxo. Seria eticamente incorretoconsumir artigos de luxo, se ao mesmo tempo no se faz nada para ajudar os outros a satisfazerem suasnecessidades bsicas.

    Legislao brasleira protetora

    H abundante legislao brasleira protetora do meio ambiente. Machado (9) revisou e comentou sua totalidade at1982 e, mais recentemente, examinou a relativa proteo s guas (10).

    A Constituio de 1988 tem um captulo especial sobre o meio ambiente, constitudo pelo artigo 225. O pargrafo1, inciso II deste artigo especfica que incumbe ao Poder Pblico "preservar a diversidade e a integridade dopatrimnio gentico do Pas e fiscalizar as atividades dedicadas pesquisa e manipulao de material gentico"; eo inciso V, que cabe ao mesmo Poder Pblico "controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas,mtodos e substncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente". Outros

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  • documentos legais que devem ser mencionados so: (a) o Decreto Legislativo n.2, de 3 de fevereiro de 1994, queaprova a Conveno sobre diversidade Biolgica, assinada na Conferncia das Naes Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro no perodo de 5 a 14 de junho de 1992; (b) a Lei n.8.974, de 5 de novembro de 1995, que regulamenta os incisos II e V do pargrafo 1. do artigo 225 da ConstituioFederal; (c) o Decreto n.152, que regulamenta a Lei n.8.974 e estabelece a estrutura da Comisso TcnicaNacional de Biossegurana; e (d) a Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, intitulada Lei de Patentes.

    Alm disso, encontra-se em discusso, no Senado, um projeto de lei que dispe sobre os instrumentos de controledo acesso aos recursos genticos do pais e d outras providncias, de autoria da senadora Marina Silva; e, naCmara dos Deputados, outro projeto de lei sobre a utilizao cientfica de animais, do deputado Srgio Arouca.Esse ltimo talvez venha a receber um substitutivo, elaborado por representantes de vrias sociedades cientficas,e que seria encaminhado pela deputada Vanessa Felippe.

    O Brasl tem 104 reas territoriais protegidas por legislao federal, o que representa cerca de 2% de suaextenso total. So 28 parques nacionais, 15 reservas biolgicas,35 estaes ecolgicas,15 florestas nacionais e11 reas de proteo ambiental, totalizando 16.996.315 hectares. A esse sistema podem ser adicionadas, pelomenos, 210 unidades de conservao estaduais, a maioria situada nas regies Sul e Sudeste. Note-se que outrospases que tambm tm alta biodiversidade apresentam maior proporo de reas protegidas (como o Equador,por exemplo, com 38,4% de seu territrio; ou a Indonsia, com 7,5%) (3).

    O problema que existe com relao s reas de preservao ambiental brasleiras o da fiscalizao insuficiente.O nmero de fiscais do Instituto Brasleiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis (IBAMA) est muitoaqum do necessrio. A superintendncia do IBAMA no Amazonas, por exemplo, tem apenas 54 funcionrios, amaioria dos quais no est diretamente envolvida em tarefas de fiscalizao. Mesmo que todos se dedicassemexclusivamente a essa tarefa, ter-se-ia no mais do que um fiscal para cada trs milhes de hectares! (3).

    A revoluo gentica

    O nosso sculo ser lembrado por muitos eventos polticos e histricos, tais como o surgimento e queda dospases comunistas, os campos de concentrao nazistas e o holocausto, o fim dos imprios coloniais e aindependncia de muitas naes. Porm, o que talvez melhor ir caracteriz-lo ser o significativo desenvolvimentoda cincia e da tecnologia. Mais especificamente, existe uma rea da biologia, a gentica, que surgiu exatamenteno incio do sculo - com a redescoberta das leis de Mendel (Johann Gregor Mendel, 1822-1884)- e que, ao longodos anos, iria influenciar praticamente todos os ramos da biologia e penetrar no dia-a-dia de todos ns.

    A primeira tera parte do sculo correspondeu ao perodo mendeliano-morganiano (Thomas Hunt Morgan,1866-1945) e envolveu, principalmente, a busca de mutaes em uma grande variedade de animais e plantas, e oestudo de sua herana. Na verdade, a palavra gene, para indicar a unidade da hereditariedade biolgica, foi criadaem 1909. Seguiram-se pesquisas sobre a localizao dos genes, e o primeiro mapa gentico foi publicado em1913.

    A partir da dcada de 30, houve uma ampliao dessas investigaes para o nvel bioqumico, e a extenso daanlise gentica a microrganismos. O ano de 1944 foi marcado pela demonstrao, efetuada por Avery, MacLeod eMcCarty, que o material gentico era o DNA (cido desoxirribonuclico), e em 1956 a estrutura dessa molcula foiesclarecida por Watson e Crick.

    Os anos que se seguiram tm sido de progresso vertiginoso. Demonstrou-se como circuitos regulatrios modulam aexpresso gnica; identificou-se o produto primrio do gene, o RNA; elucidou-se o cdigo gentico; realizou-se asntese qumica do gene; houve o fantstico desenvolvimento da tecnologia do DNA recombinante, que transformoucompletamente as possibilidades de anlise gentica de organismos multicelulares; foi realizada a montagem deorganismos transgnicos (com a transposio experimental de genes de uma espcie para outra, distantementerelacionada); foram descobertos os oncogenes (responsveis pelo desencadeamento do processo tumoral) e osantioncogenes; houve a invaso da medicina e da agricultura por mtodos e conceitos genticos; testemunhou-se odesenvolvimento da biotecnologia; e, finalmente, foi montado o projeto de sequenciamento total de vrios genomas,inclusive o da espcie humana (11). Outros detalhes sobre a revoluo gentica podem ser encontrados emBernardi (12) e Chambers (13).

    Gentica e meio ambiente

    Um resumo sobre as relaes entre a gentica e o meio ambiente fornecido na Tabela 1. Pode-se visualizar trsreas de contato: conservao, monitoramento da poluio e aplicaes tecnolgicas.

    Tabela 1 - Relaes entre a gentica e problemas vinculados ao meio ambiente

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  • rea de contato: Conservao (14)1.1 Nvel de variabilidade intra e interespecfica1.2. Tamanho populacional mnimo efetivo1.3. Taxa mxima de evoluo sustentvel1.4. Efeito das redues populacionais1.5. Genes delatrios na populao ancestral1.6. Novas mutaes deletrios na populao isolada1.7. Taxas de mutao elevadas1.8. Aumento populacional a partir de indivduos manados em cativeiro

    1.

    rea de contato: Monitoramento da poluio (15,16)2.1. Ambientes a serem monitorados 2.1.1. Ar 2.1.2. gua 2.1.3. Solo2.2. Tipos de agentes indutores 2.2.1. Radiaes 2.2.2. Substncias qumicas2.3. Mtodos de deteco 2.3.1. Organismos 2.3.1.1. Humanos 2.3.1.2. Outros 2.3.1.3. Microrganisrnos 2.3.2. Cultura de clulas2.4. Indicadores 2.4.1. Mutaes gnicas 2.4.2. Aberraes cromossmicas

    2.

    rea de contato: Aplicaes tecnolgicas (17,18)3.1. Fermentaes3.2. Cultura de tecidos3.3. Produtos (nas reas de qumica inorgnica e orgnica, de energia, minerao, agricultura, de alimentos,de uso mdico/veterinrio/fermacutico, forense, e nos servios de sade pblica)

    3.

    Atualmente, no h dvidas de que o conhecimento gentico adequado de um organismo muito importante parasua preservao. Na Tabela 1 esto indicados oito itens relacionados a essa interao. A palavra-chave, comrelao a todos eles, variabilidade. Deve-se ter uma idia muito clara sobre a natureza da mesma na espcie ougrupo de espcies sob considerao, tanto na que ocorre dentro como entre populaes. Alm disso, soimportantes informaes sobre o tamanho populacional e sua variao entre geraes. Redues no nmero deindivduos pode condicionar diminuio na variabilidade (com concomitante perda da plasticidade adaptativa -capacidade de resistir a predadores e parastas) ou at extino. Por outro lado, o simples aumento artificial dapopulao, pela adio de indivduos criados em cativeiro, muitas vezes no basta, eis que tais indivduos no estoadaptados vida livre. Mudanas muito drsticas no ambiente podem ter efeitos desastrosos para certas espciese taxas de mutao elevadas podem condicionar cargas genticas insustentveis (pela demasada elevao nafreqncia de genes deletrios).

    No caso do monitoramento da poluio pode-se considerar questes relativas ao ambiente a ser estudado, os tiposde agentes indutores, os mtodos de deteco e os indicadores a serem avaliados. O enfoque, naturalmente, irvariar com o ambiente que est sendo objeto de investigao. Por exemplo, no estudo da qualidade da gua soutilizados peixas e planrias, que no podem ser empregados para o monitoramento dos outros ambientes.Organismos fossorais so importantes no estudo dos solos, mas no no que se refere ao ar. O dano causado pelasradiaes pode ser diferente do induzido por substncias qumicas, e os diferentes mtodos de deteco e seusindicadores tm eficincia varivel.

    A rea das aplicaes tecnolgicas da gentica ampliou-se de maneira fantstica nos ltimos anos, no sendoexagero afirmar-se que nossa existncia est sendo marcadamente influenciada por produtos e servios vinculados,de alguma maneira, gentica. As aplicaes esto presentes na indstria, na agricultura, na produo dealimentos e nos remdios desenvolvidos para assegurar o bem-estar de humanos e de nossos animais domsticos..As possibilidades de utilizao de microrganismos especialmente modificados por engenharia gentica vo desde arecuperao e lixiviao de minrios at ao controle da poluio (por meio da degradao dos elementospoluentes).

    Medidas cautelares

    bvio que as tcnicas de engenharia gentica, por sua capacidade de alterar o patrimnio hereditrio de qualquer

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  • organismo, envolvem um risco. Dessa maneira, foram montados nos pases desenvolvidos esquemas de seguranaque tm evoludo ao longo dos anos.

    As primeiras medidas envolveram o desenvolvimento de normas para evitar que os organismos criados porengenharia gentica fossem liberados acidentalmente no ambiente. Os laboratrios foram classificados de acordocom o tipo de pesquisa que realizavam, e foram estabelecidas normas rigidas de confinamento. A partir damontagem de microrganismos incapazes de se desenvolverem em ambiente diferente das condies de laboratrio,no entanto, tais normas foram liberalizadas.

    No que se refere emisso de certificados de aprovao de ensaios clnicos e de produtos farmacuticos e dediagnstico, a maioria dos pases do hemisfrio norte segue os princpios adotados pela agncia americana FDA(Food and Drug Administration). Esses so liberados levando-se em conta as caractersticas do produto e no atecnologia de recombinao gentica utilizada. As principais excees so a Alemanha e o Japo, onde essesprocessos so considerados.

    A partir de meados dos anos 80, a agenda de biossegurana voltou-se para a introduo, no meio ambiente, deprottipos vegetais e organismos engenheirados de interesse agropecurio. Nesse caso, cada pas adotou normasespecficas para o procedimento de testes com plantas transgnicas e de avaliao dos riscos eventuais para omeio ambiente. Apesar de, desde 1987, j terem sido realizados cerca de mil testes de campo para o estudo denovas plantas, microrganismos e vacinas animais, ainda no h consenso sobre o que seriam, nesses casos, oregulamento ou os procedimentos ideais (19).

    Os anos 90 se caracterizam pela possibilidade de inicio do cultivo em grande escala e do lanamento, no mercado,de produtos de plantas transgnicas. H discusses sobre as medidas que devem ser tomadas a respeito,exemplificadas com as que se formaram a respeito da liberao da variedade de tomate "Flavr Savr", da CalgeneInc. (20).

    No caso do Brasl, a Lei n.8.974, de 5 de janeiro de 1995, restringe as atividades e projetos de ensino e pesquisa,bem como a aplicao tecnolgica de organismos modificados por engenharia gentica, a entidades de direitopblico e privado. Tais entidades devero criar comisses internas de biossegurana, que sero fiscalizadas poruma comisso central, a Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana, (CTN Bio), vinculada Secretaria Executivado Ministrio da Cincia e Tecnologia, e cuja constituio foi determinada pelo Decreto n. 1.752, de 20 dedezembro de 1995. So 17 membros, dos quais oito so especialistas de notrio saber cientfico e tcnico, e osoutros representantes de ministrios, rgos de defesa do consumidor, do setor empresarial e de entidades deproteo sade do trabalhador.

    A lei proibiu: (a) a manipulao gentica de clulas germinais humanas; (b) a interveno em material genticohumano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genticos, respeitando-se princpios ticos tais como oprincpio de autonomia e o de beneficincia, com a aprovao prvia da CTNBio; e (c) a produo, armazenamentoou manipulaco de embries humanos destinados a servirem como material biolgico disponvel.

    Proteo ou destruio?

    Conhecimento poder. O espetacular desenvolvimento da cincia e da tecnologia que estamos testemunhando nopresente sculo tornam mais agudos do que nunca os problemas ticos vinculados preservao do meioambiente. Um dos nossos deveres 0 de legar s geraes futuras condies iguais ou melhores do que as quetemos agora. Pessoas e entidades vm trabalhando ativamente para este fim. Por exemplo, periodicamente sopublicadas listas de espcies em perigo de extino (21,22). Esto em curso, tambm, muitas tentativas, no Brasle no mundo, de conciliar o desenvolvimento com a conservao (23,24,25). E existe toda uma cincia, a EcologiaHumana, preocupada com esses problemas (26). Confiemos, portanto, na aptido humana de escolher o caminhocerto, combinando capacidade cientfica e tecnolgica com maior felicidade para todos.

    Abstract - Genetics and Environment

    The biological characteristics of our environment are briefly described, as are the ethical positions which try to relatethe Homo sapiens with our colleagues in the universe. A review of Brazilian legislation regarding environmentalprotection then follows. After a brief history on the development of genetics throughout the century, three areas ofcontact between this science and problems linked to the environment are then identified. These areas are related toconservation projects, the monitoring of pollution and technological applications. The cautionary measuresestablished by the developed nations concerning the releasng, into the environment, of organisms modified bymeans of genetic engineering are disclosed and also mentioned are the attempts currently underway, in Brazil and inother nations, to harmonize development with conservation.

    Referncias Bibliogrficas

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    Endereo para correspondncia:

    Departamento de GenticaInstituto de BiocinciasUniversidade Federal do Rio Grande do SulCaixa Postal 1505391501-970 Porto Alegre - RS

    | RETORNO A OPINIES | INCIO DA PGINA |

    Gentica e Ambiente http://www.octopus.furg.br/cibio/opi/geneticaambiente.htm

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