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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARGARETE PADILHA DO AMARAL GENOCÍDIO: A AGRESSÃO AOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO INTERNACIONAL CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MARGARETE PADILHA DO AMARAL

GENOCÍDIO:

A AGRESSÃO AOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO

INTERNACIONAL

CURITIBA

2015

MARGARETE PADILHA DO AMARAL

GENOCÍDIO:

A AGRESSÃO AOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO

INTERNACIONAL

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D‟Angelis.

CURITIBA

2015

TERMO DE APROVAÇÃO

MARGARETE PADILHA DO AMARAL

GENOCÍDIO: A AGRESSÃO AOS DIREITOS HUMANOS E O DIREITO

INTERNACIONAL

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Bacharel no

Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____de________de 2015.

_______________________________________

Prof. Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador:________________________________

Prof. Dr. Wagner Rocha D‟Angelis

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. ____________________________________

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof.____________________________________

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná

EPÍGRAFE

“Todo homem luta com mais bravura pelos seus interesses que pelos seus direitos”.

Napoleão Bonaparte.

DEDICATÓRIA

À minha amada filha Nicole do Amaral

Presendo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela saúde e força durante toda essa caminhada;

A minha família, pelo apoio e incentivo;

Ao meu orientador Wagner Rocha D‟Angelis, pela compreensão, correções,

dicas e paciência em me orientar.

A esta Universidade pela oportunidade de cursar Direito com um corpo docente

excelente;

Aos amigos pelo apoio, companheirismo e incentivo;

A todos os funcionários e colaboradores da Universidade Tuiuti do Paraná, pelo

respeito e cordialidade.

LISTA DE SIGLAS

Art. - Artigo

CAP - Capítulo

CC - Código Civil

CFRB - Constituição Federal da República Federativa do Brasil

CP - Código Penal

DIH – Direito Internacional Humanitário

MIN. - Ministro

RE - Recurso Extraordinário

REL. - Relator

RESP. - Recurso Especial

RT - Revista dos Tribunais

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TJ – Tribunal de Justiça

TMIEO - Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente

TMIN - Tribunal Militar Internacional de Nuremberg

TPI – Tribunal Penal Internacional

TPIR – Tribunal Penal Internacional para Ruanda

TRF – Tribunal Regional Federal

RESUMO

O presente trabalho analisa o crime de genocídio e suas consequências na sociedade. Avalia-se esta conduta delituosa dentro do contexto do Direito Internacional. Entende-se genocídio como a aniquilação de um povo, raça, grupo ou etnia por motivo de preconceito. Este crime é um atentado grave aos direitos humanos de uma coletividade e vai de encontro com o entendimento da convivência pacífica entre os povos. O método de pesquisa utilizado neste trabalho é a revisão sistemática de literatura, concentrando-se a coleta em livros, artigos, dissertações, teses e revistas especializadas de Direito Internacional. Objetivou-se apresentar um conceito de genocídio tendo em vista a sua incidência em diversos países e contextos; relatar, brevemente, a evolução histórica desse crime; apontar os fatores políticos e culturais que geralmente envolvem a prática do crime de genocídio; demonstrar o entendimento dos tribunais brasileiros sobre a prática deste crime. Além disso, argumenta-se sobre as possibilidades de intervenção do Direito Internacional em guerras étnicas, relatando o posicionamento da doutrina do Direito Internacional sobre as medidas da ONU e suas consequênciasem alguns episódios importantes na história, como no caso de Ruanda. Não se pode fechar a questão, mas o armamento de grupos e aumento da proporção de guerra pode ter ocorrido pela omissão das potências da ONU em alguns países, como ocorreu em Ruanda. Palavras Chave: Direito Internacional. Organização das Nações Unidas. DireitosHumanos. Genocídio.

ABSTRACT

This paper analyzes the crime of genocide and its consequences in society. We analyze this criminal conduct within the context of international law. It is understood genocide as the annihilation of a people, race, or ethnic group by reason of prejudice. This crime is a serious violation of human rights of a community and meets with the understanding of peaceful coexistence among peoples. The research method used in this work is the systematic literature review, focusing on the collection of books, articles, dissertations, theses and journals of international law. The objective was to present a concept of genocide with a view to its incidence in different countries and contexts; report briefly the historical evolution of this crime; point out the political and cultural factors that generally involve the practice of the crime of genocide; demonstrate an understanding of the Brazilian courts on the practice of this crime. Moreover, it is argued about the possibilities of intervention of international law in ethnic wars, reporting the position of the doctrine of international law on UN measures and their result in some important episodes in history, as in the case of Rwanda. You cannot close the question, but the arming of groups and increasing the proportion of war may have occurred by the UN of the power failure in some countries, as happened in Rwanda. Keywords: international law. The United Nations.HumanRights.Genocide.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 DO GENOCÍDIO .................................................................................................... 12

2.1 CONCEITO ......................................................................................................... 12

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS .................................................................................. 12

2.3 FATORES POLÍTICOS DO GENOCÍDIO............................................................ 14

2.4 FATORES CULTURAIS ...................................................................................... 14

2.5 O GENOCÍDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ........................ 15

3 GENOCÍDIO E O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIOS ......................... 17

3.1 CONVENÇÃO DE GENOCÍDIO E CONVENÇÃO DE GENEBRA ...................... 17

3.2 II CONVENÇÃO DE PAZ DE HAIA ..................................................................... 18

3.3 A OBRIGAÇÃO DOS ESTADOS NA PREVENÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE

GENOCÍDIO EM SEU TERRITÓRIO ........................................................................ 20

4 GENOCÍDIO E ASPECTOS SOCIAIS, CULTURAIS E JURÍDICOS ..................... 22

4.1 NUREMBERG ..................................................................................................... 22

4.2 TRIBUNAIS PENAIS “AD HOC” .......................................................................... 23

4.2 O GENOCÍDIO EM RUANDA .............................................................................. 25

4.3 O GENOCÍDIO E OS TRIBUNAIS BRASILEIROS .............................................. 26

4.4 POSICIONAMENTO E MEDIDAS DA ONU ........................................................ 30

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 32

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 34

10

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a ocorrência do crime de

genocídio e seus desdobramentos no contexto nacional e internacional. Observa-se

que o genocídio no século XX foi um fenômeno assustador que vitimou milhões de

pessoas da mesma forma que as grandes guerras mundiais. Assim, entende-se que

esse tema é um dos principais assuntos do Direito Internacional, pois, é constitui-se

como uma afronta grave aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.

Afirma-se que o crime de genocídio é o “crime dos crimes”. O genocídio mais

notório no século XX foi o praticado contra os judeus na Segunda Guerra Mundial

por parte dos alemães nazistas. Esse atentado contra os direitos humanos motivou a

comunidade internacional a pensar sobre quais medidas seriam mais eficazes no

combate e prevenção do genocídio para que não se repetisse eventos como o

protagonizado pelo nazismo.

O genocídio é um crime internacional. Nesse sentido, Borges (2009, p. 34)

afirma que foi devido ao ocorrido na Segunda Guerra Mundial que motivou “os

Estados membros das Nações Unidas, que conduziu à criação da Convenção para a

Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio em 1948”. Todos os Estados

membros das Nações Unidas foram convidados a adotarem métodos para prevenir e

reprimir o genocídio.

A linguagem ocupa um papel importante na mobilização das pessoas. No

genocídio a linguagem também demonstra sua importância, pois é a partir de um

discurso violento que se propaga a hostilidade e se instaura a violência. Assim, o

discurso discriminatório é o responsável pelos assassinatos. A indução à violência

pela via do discurso anula a capacidade de uma construção social entre grupos

opostos.

Um exemplo claro da influência do discurso na disseminação da violência e

caracterização do genocídio é o ocorrida em Ruanda. Neste país, a disputa étnica

de dois grupos rivais e indiferentes ao diálogo ceifou centenas de milhares de vidas.

Demonstra-se que o genocídio muitas vezes é fundado na propagação de uma ideia

de diferenciação e supremacia entre os povos. Neste contexto, a omissão de alguns

órgãos ou medidas equivocadas pode agravar a situação de alguns conflitos, como

ocorreu em Ruanda.

11

A presente pesquisa divide-se do seguinte modo: no primeiro capítulo, fala-se

sobre o genocídio e seus desdobramentos enquanto crime contra a humanidade;

conceitua-se genocídio; relata-se os aspectos históricos deste crime; aponta-se os

fatores políticos e culturais do genocídio; cita-se os atores do crime de genocídio e

elenca-se as legislações concernentes ao genocídio no ordenamento jurídico

brasileiro.

No segundo capítulo aborda-se o crime de genocídio no direito internacional

humanitário; fala-se sobre a Convenção de Genebra e a Convenção de Genocídio;

relata-se o ocorrido em Haia e suas disposições. Ainda, argumenta-se sobre a

obrigação dos Estados na prevenção e punição do crime de genocídio no seu

território.

No terceiro capítulo argumenta-se sobre os aspectos sociais, culturais e

jurídicos do genocídio. Cita-se o tribunal de Nuremberg, os tribunais ad hoc, o

genocídio em Ruanda, o posicionamento dos tribunais brasileiros diante do crime de

genocídio e as medidas da ONU para combater o genocídio, argumentando sobre a

possibilidade de equívocos da organização no conflito em Ruanda.

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2 DO GENOCÍDIO

2.1 CONCEITO

A palavra genocídio em si já carrega o seu conceito. De acordo com

Savazzoni (2009, p. 1): “A palavra genocídio vem da junção dos

termos: génos (grego) que significa raça, povo, tribo, grupo, nação com a

palavra caedere (latim) que quer dizer destruição, aniquilamento, ruína, matança

etc.” Neste sentido, genocídio seria a destruição ou aniquilação de um povo, raça ou

etnia por motivos de preconceito.

Argumenta-se que a palavra “genocídio” foi usada pela primeira vez em 1944

para se referir às pessoas que foram vitimadas pelo regime nazista. Nota-se que a

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio de 1948, em

seu artigo 2º, traz a seguinte definição para genocídio:

Na presente Convenção, entende-se por genocídio os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) Matar membros do grupo; b) Causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) Adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Efetuar a transferência forçada de crianças de um grupo para o outro.

Dessa forma, ações que visem atingir a existência de um determinado grupo,

com o objetivo de lesionar a integridade mental ou física e submissão degradante,

constituem-se como genocídio. Neste contexto, elenca-seainda as medidas que

impeçam o nascimento de crianças de um determinado grupo ouos transfira para

outros ambientes.Para que se caracterize a conduta é preciso que haja o objetivo de

não apenas matar pessoas,mas simdestruir determinado grupo étnico.

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS

O histórico do genocídio remonta ao histórico dos conflitos entre os povos.

Desde o antigo Egito até as Cruzadas que consistiu em recorrentes batalhas entre

cristãos e muçulmanos, os povos se digladiam por motivos étnicos, religiosos ou

13

culturais. Sendo assim, ao se propor relatar o histórico da prática de genocídios é

tentar descrever a história humana. De acordo com Chiganer (2005, p. 4):

Desde os primórdios da humanidade tem sido comum o massacre de povos inteiros, motivados por ódios nacionais, religiosos, raciais e políticos, pela busca da dominação e pela vingança. Como exemplo, pode-se citar a sentença do Senado romano, que condenou a cidade de Cartago e todo a sua população à destruição em 146 a.C. ou a destruição de Jerusalém por Tito, em 72 d.C.

É importante discutir o chamado “direito de guerra” quando se fala em crime

de genocídio. Observa-se o interesse internacional pela dignidade da pessoa

humana envolvida em guerras, tanto os militares como a população civil. Algumas

medidas, resoluções e Convenções foram realizadas com o fim de amenizar o

desastre humano provocado pelas guerras. Neste sentido, Chiganer (2005, p. 5)

acrescenta:

Pode-se citar a Convenção de Genebra, de 1864, que tratava da melhoria da sorte dos militares feridos nos exércitos de campanha e as tradicionais Convenções de Haia de 1899 e 1907; além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Convenção de Genebra de 1949, que tratava da proteção dos civis em tempo de guerra.

Mesmo com inúmeros esforços das organizações internacionais, países e

demais integrantes da sociedade internacional, o século XX ainda presenciou

inúmeros genocídios, por exemplo: a) o holocausto na Segunda Guerra Mundial; b)

a bomba de Hiroshima e Nagasaki; c) a guerra do Vietnã; d) a limpeza étnica na

antiga Iugoslávia; e) O extermínio dos Tutsis em Ruanda; f) o extermínio dos

Hererós na Namíbia; g) o extermínio dos Namaquas na Namíbia; h) o extermínio dos

armênios na Turquia; i) a perseguição de PolPot no Camboja.

Esses são apenas os mais relevantes genocídios que ocorreram no século

XX, sem contar os que ocorrem e ainda não foram reconhecidos pela ONU como tal.

Segundo Chiganer (2005, p. 5): “Todos esses atos de barbárie fizeram com que a

sociedade internacional se mobilizasse para punir os responsáveis e impedir que

novas atrocidades acontecessem”.

14

2.3 FATORES POLÍTICOS DO GENOCÍDIO

Um dos motivos determinantes para a ocorrência do genocídio são os fatores

políticos. Além, das diferenças religiosas, diferenças de língua e étnica, as

diferenças políticas são determinantes. De acordo com Lunardon (2010, p. 9): “Os

porquês das sangrentas guerras civis e dos massacres, especialmente no continente

africano, estão relacionados a fatores político/econômicos, ao subdesenvolvimento e

a fragilidade institucional”.

Mesmo quando ocorrem genocídios por motivos alheios aos fatores políticos,

indiretamente estes estão envolvidos. Neste sentido, Lunardon (2010, p. 21)

acrescenta:

Mesmo que os conflitos internos fossem causados por motivos alheios aos políticos – como, por exemplo, as causas ambientais – os mecanismos de controles sociais, quando existiam, tornaram-se explicitamente ineficazes. Sem o aporte externo, a fragilidade institucional daqueles entes políticos não era mais maquilável e o Estado se via numa condição de ruína.

Sendo assim, entende-se que os fatores políticos direta ou indiretamente

estão envolvidos no genocídio.

2.4 FATORES CULTURAIS

Além dos fatores políticos há também os fatores culturais envolvendo o crime

de genocídio. Algumas regiões, especialmente na África, têm conflitos devido a sua

localização geográfica e consequente disputa de territórios. Na análise dos fatores

culturais do genocídio, nota-se que há fatores antecedentes que não são

observados por alguns pesquisadores. Neste sentido, Lunardon (2010, p. 32)

argumenta:

Quando se analisa a situação somente a partir da época da eclosão do conflito armado é natural delimitar as razões entre as causas políticas e econômicas vistas anteriormente ou considerar as diferenças culturais como fundamentais. No entanto, é possível resolver tal situação sem a compreensão das raízes do problema.

Nota-se que quando ocorre genocídio por motivos de diferenças culturais,

este é chamado de etnocídio. Segundo Vieira (2010, p. 205):

15

Da mesma forma em que o genocídio se constitui como uma prática que busca exterminar a existência de um grupo enquanto tal, o etnocídio busca exterminar a identidade cultural, responsável pela produção, reprodução e desenvolvimento da vida de um grupo humano. Compreender este processo é essencial para se possibilitar uma visão ética e jus-humanista, voltada ao respeito à pluralidade que é inerente à nossa condição humana.

Para se entender o etnocídio é necessário avaliar as relações de poder que

ocorreram durante o período de colonização de determinado território e que pode

está relacionado com a prática deste crime. O genocídio, seja em qualquer

modalidade que se apresente, é conduta punível no ordenamento jurídico brasileiro.

2.5 O GENOCÍDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No ordenamento jurídico brasileiro existe a repressão ao crime de genocídio.

Essa repressão ocorre tanto no âmbito constitucional como no infraconstitucional. O

artigo 3º da Constituição Federal demonstra que o interesse do legislador originário

é promover o bem de todos de forma igual, independente da cultura, raça ou etnia

que pertença.

No inciso VIII do art. 4º da Constituição Federal tem-se a disposição do

repúdio ao terrorismo e ao racismo. Esses princípios são considerados como direitos

fundamentais. Assim, a Lei que regulamenta a punição deve prever que os crimes

dessa espécie sejam inafiançáveis e imprescritíveis, conforme apontam os incisos

XLI e XLII da Constituição Federal.

A Constituição de 1988 recepcionou a Lei nº 2889/1956 que define e pune o

crime de genocídio. Esta Lei tipifica e pune as condutas ligadas ao genocídio.

Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo; Será punido: Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; Com as penas do art. 270, no caso da letra c; Com as penas do art. 125, no caso da letra d; Com as penas do art. 148, no caso da letra e;

16

Há também a seguinteprevisão no Código Penal sobre o crime de genocídio:

“Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I – os crimes: d) de

genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil” (Art. 7, inciso I,

alínea “d” do Código Penal).

A Lei nº 9.459/1997 trouxe em seu bojo algumas questões sobre religião e

nacionalidade na lista de discriminações. O legislador pretendia reprimir a existência

de grupos neonazistas no país. O artigo 20, da Lei nº 7.716/1989, alterado pela Lei

nº 9.459/1997, reprime e criminaliza o genocídio de forma expressa, conforme se

verificaabaixo:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

Além de previsões constitucionais e legislações infraconstitucionais, existem

ainda Projetos de Lei, como o nº 4.038/2008, que disciplina o crime de genocídio e

conceitua os crimes como a humanidade, os crimes de guerra e as infrações contra

a administração do Tribunal Penal Internacional. Ainda, há os Tratados e

Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário, além de inúmeros

julgados do Supremo Tribunal Federal que são demonstrados neste trabalho.

17

3 GENOCÍDIO E O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIOS

3.1 CONVENÇÃO DE GENOCÍDIO E CONVENÇÃO DE GENEBRA

O que se entende atualmente por crime de violação de direitos humanos e a

noção de genocídio são oriundos das contribuições da Convenção de Genocídio e

da Convenção de Genebra. A Convenção de Genebra (1949) dispõe em seu artigo

149, inciso IV, que a tortura é uma violação grave dos direitos humanos. O Protocolo

Adicional II de 1977 em seu artigo 4º também dispõe sobre os direitos humanos.

Neste sentido, Paula (2011, p. 72) acrescenta:

Os crimes de guerra, portanto segundo o artigo 4º do protocolo, configuram a categoria mais ampla de crimes punidos pelo TPIR. Em breve comparação com o genocídio e com os crimes contra a humanidade, que possuem um número determinado de tipos penais puníveis, os crimes de guerra englobam não só as condutas previstas expressamente no próprio art. 4º do Protocolo (violência à pessoa, homicídio, punições coletivas, etc.), mas, também, violações previstas no artigo 3º comum às Convenções de Genebra e no texto integral do Protocolo Adicional II.

Além da Convenção de Genebra e do Protocolo Adicional II, a Convenção de

Genocídio emitiu importantes acordos para prevenção e punição de crimes de

guerra. Na esteira da Resolução nº 96 (I), de 11/12/1946, pela qual a Assembleia

Geral da ONU declarou que o genocídio é um crime contra o Direito Internacional, foi

na Convenção de Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio (1948) que se

definiu o termo genocídio e se previu algumas punições. De acordo com Paula

(2011, p. 73):

A convenção definiu o delito e estabeleceu que as partes contratantes assumissem o compromisso de adotarem as medidas legislativas pertinentes para assegurar a sua aplicação e determina em seu artigo VI que as pessoas acusadas pela prática do delito serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território o ato foi cometido.

Assim, a Convenção de Genocídio não somente previu o crime de genocídio,

mas também estabeleceu algumas regras para que os países criassem Leis com o

fim de punir a prática de genocídio e demais condutas relacionadas à violação dos

direitos humanos. A Convenção de Genocídio (1948) classificou este crime como um

18

delito contra todos os povos. Isto fica claro na leitura do artigo 1º:“as partes

contratantes confirmam que o genocídio, seja cometido em tempo de paz ou em

tempo de guerra, é um crime de direito dos povos, que desde já se comprometem a

prevenir”.

3.2 II CONVENÇÃO DE PAZ DE HAIA

A II Convenção de Paz de Haia (1907) ficou conhecida pelas suas

deliberações e também pelo importante papel desempenhado pelo jurista brasileiro

Rui Barbosa que ficou conhecido com “Águia de Haia” devido a seus argumentos

coerentese a forma brilhante com que sustentou as suas teses.Neste sentido Cunha

(1977, p. 13) relata:

É possível a um grupo seleto dominar uma reunião internacional mesmo nos nossos dias; basta que seus membros combinem uma ação conjunta e votem com unidade. Em 1907 o fenômeno não apenas era possível, mas até esperado se discutisse o poder militar, como ocorria em Haia. Rui Barbosa, por temperamento, desprezava entendimentos e conchavos. Como político alteava-se à região do Ideal em detrimento do prático e do possível; abraçava o Princípio sem dar ouvido à conveniência. Essa dedicação fazia-o alvo de comentários, irônicos uns, maliciosos outros: reclamavam-lhe os discursos (sem acusá-lo de prolixo), diziam-no absorvente, subtraindo oportunidade para que os demais membros da delegação aparecessem. O certo é que, em meio a representantes de potências imbuídas de sua importância e desacostumadas a serem contrastadas, devem ter soado inesperadas as advertências daquele homenzinho interessado em defender preceitos teóricos, quando não utópicos.

A II Conferência de Haia (1907) tinha como objetivo melhorar os mecanismos

de resolução pacífica de conflitos entre os países. Esta Conferência ainda objetivava

criar dois tribunais internacionais: um voltado para a arbitragem e outro de presas.

Laidler (2011, p. 6) acrescenta:

O objetivo expresso era traçar limites capazes de restringir os rigores da guerra no interesse da humanidade. Inspirou-se na Declaração de Bruxelas. Uma determinação do artigo 2ºda convenção estabeleceu que os regulamentos que deveriam ser observados pelos signatários, para garantir que beligerantes e populações estivessem protegidos pela lei internacional, só obrigavam as partes contratantes em caso de guerras envolvendo duas ou mais delas. Ou seja, nas guerras com nações ou Estados não reconhecidos pelo sistema que se constituía os regulamentos restritivos não precisavam ser observados, o que deixava as potências bastantes à vontade para perseguir seus objetivos expansionistas.

19

As nações mesmo em comum acordo em iniciativas de paz, não construíam

barreiras para uma espécie de visão colonialista. Assim, defendia-se uma hierarquia

entre as nações, sendo que apenas as potências tivessem o direito de ter juízes

permanentes. No entanto, Rui Barbosa com seus pronunciamentos rejeitou essa

noção de hierarquia entre as nações, especialmente porque favorecia os países com

marinha mercante forte e prejudicava os países latino-americanos. Neste sentido,

Laidler (2011, p. 8) relata:

No ano da Segunda Conferência da Paz de Haia, havia uma corrida naval assentada em investimentos vultosos de grandes empresas que passavam a depender dos Estados para que a máquina custosa de produção não fosse subempregada e não gerasse prejuízos. Até a América Latina entrou no processo de modernização militar. A Rússia, que havia perdido grande parte de sua frota na guerra contra o Japão, já não desejava comprometer-se com o desarmamento. Os Estados Unidos, desde 1898 tinham o Pacífico como região de mercados a explorar e também iniciaram a construção naval em grande escala.

Apesar dos aparentes pontos de desajuste, a II Convenção de Haia promoveu

importantes alterações no direito internacional, especialmente no que tange ao

direito de guerra. Importantes passos foram dados em direção à resolução de

conflitos por meio dos tribunais de arbitragem.

Os diversos mecanismos criados para serem normas preservavam a autonomia decisória dos Estados, que nos casos de disputas tinham ampla oportunidade de pactuar entre si os procedimentos das comissões de inquérito ou dos tribunais de arbitragem. As normas criadas garantiam ainda a eqüidade entre as partes em litígio, uma vez que os acordos sobre as regras eram priorizados. Após instalado, e obedecidos os procedimentos de instrução inicial do processo e de discussão, o tribunal de arbitragem tinha maior autonomia quanto a aplicação das convenções relacionadas ao caso em questão, tanto em relação à determinação dos mecanismos processuais, quanto às decisões de mérito, tomadas por maioria. As partes tinham o direito de apelar das decisões, desde que o acordo preliminar previsse essa possibilidade e um prazo para a apelação, mas os pedidos só seriam acolhidos se houvesse novos fatos a serem examinados. Apenas na parte final da convenção de 1907 se estabeleceu que as decisões arbitrais obrigavam as partes (LAIDLER: 2011, p. 9)

Observa-se ainda sobre a II Convenção de Haia que nela foram revistas as

legislações referentes aos Costumes de Guerra Terrestre.

20

3.3 A OBRIGAÇÃO DOS ESTADOS NA PEVENÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE

GENOCÍDIO EM SEU TERRITÓRIO

A obrigação por parte dos Estados na prevenção da prática de genocídio em

seu território não foi estabelecida de forma explícita na Convenção de Genocídio

(1948). Entretanto, o Estado tem o dever de prevenir a prática deste delito e criar

medidas punitivas bem mais que Estados terceiros. De acordo com Borges (2011, p.

13):

A idéia de uma responsabilidade estatal já não suscita dúvidas nas ordens jurídicas internas e internacionais. Mas a possibilidade de uma responsabilidade penal levanta muitas controvérsias e discussões, porque quando um ato ilícito do Estado é qualificado de crime, não provoca as mesmas consequências do que os atos praticados pelos indivíduos. De fato, no caso de haver responsabilidade penal por parte do Estado, seriam todos os indivíduos do próprio Estado a ter que assumir as consequências dos atos de apenas alguns, o que não seria coerente nem justo.

Há inúmeros debates sobre a responsabilidade penal dos Estados envolvidos

em genocídio. Argumenta-se que os Tratados e Convenções que tratam do tema do

genocídio não classificaram como “crime” a omissão dos Estados no combate ao

genocídio, mas como violações de obrigações impostas no âmbito do Direito

Internacional. Neste sentido, Borges (2011, p. 14) relata:

Para resolver este problema, alguns autores afirmam que a responsabilidade internacional dos Estados não pode ser vista pelas categorias de direito interno, mas por características próprias. Sendo assim, a responsabilidade é um princípio geral de Direito internacional segundo o qual, por ação ou omissão, os Estados podem ser acusados de violar os direitos e os deveres aos quais se comprometeram de maneira voluntária, pelo meio de tratados ou outros instrumentos que levem ao compromisso internacional.

Desta maneira, o não cumprimento de qualquer compromisso firmado no

âmbito do direito internacional ele seria responsabilizado por sua omissão. Neste

sentido, a responsabilidade dos Estados se assemelha com a responsabilidade

objetiva do direito civil no sentido de restituir e reparar. Segundo Francisco (2009, p.

13):

A imputabilidade é o nexo causal, ligando o ato ilícito ao responsável pela violação. A responsabilidade poderá ser indireta, hipótese na qual o Estado será responsável pelos atos praticados por seus funcionários, por exemplo.

21

Nesses casos, os atos serão imputáveis ao Estado porque vinculados à sua soberania, ou porque ocorreram em seu nome. A imputabilidade, portanto, não se confunde com a autoria. No entanto, como a imputabilidade exige certo nexo jurídico entre o agente do dano e o Estado, é preciso que aquele tenha praticado o ato na qualidade de órgão do Estado ou com os meios de que dispõe em virtude de tal qualidade.

Desta forma, é responsabilidade dos Estados mesmo que não esteja

envolvido diretamente nos conflitos respeitar os tratados e convenções. De acordo

com Peres (2011, p. 83): “o desrespeito às regras de DIH por parte de um Estado

participante no conflito, não daria a outro Estado na mesma situação de fazer o

mesmo”.

22

4 GENOCÍDIO E ASPECTOS SOCIAIS, CULTURAIS E JURÍDICOS

4.1 NUREMBERG

O Tribunal Militar de Nuremberg foi uma tentativa da sociedade internacional

de amenizar os problemas sociais, culturais e jurídicos provocados pelos crimes de

guerra praticados na Segunda Guerra Mundial. De acordo com Chiganer (2005, p.

6):

Com o término da Guerra, a derrota do nazismo e após longas discussões sobre a necessidade de um julgamento dos principais responsáveis pelas atrocidades cometidas, as potências vencedoras celebraram um acordo que estabelecia as regras que iriam orientar o processo e julgamento dos grandes criminosos de guerra.

No entanto, esse Tribunal se concentrou em julgar apenas o lado dos

vencidos, ou seja, as condutas criminosas do nazismo durante a guerra. Por isso

que se argumenta que as decisões deste Tribunal eram medidas dos vencedores

contra os perdedores da guerra. A instituição do Tribunal foi decidida na Conferência

de Londres (1945). Para Paula (2011, p. 19):

O acordo de Londres, de 08 de agosto de 1945, criou o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg (TMIN), com a jurisdição sobre criminosos de guerra cujas ofensas não tenham uma localização geográfica particular, quer sejam acusados individualmente ou na qualidade de membros de organizações ou grupos, ou em ambas as qualidades, julgando crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

Este Tribunal julgou vinte e dois acusados, e suas decisões resultaram em

doze condenações a morte por enforcamento, três absolvições e algumas penas de

privativas de liberdade. É importante pontuar que nesta época não existia nenhuma

previsão em algum documento internacional que tipificava o crime contra a

humanidade. De acordo com Chiganer (2005, p. 6): “esta foi sem dúvida uma

inovação prevista pelo Estatuto, e configurava a flagrante violação ao princípio da

reserva legal, sendo os acusados, processados e julgados por lei posterior aos fatos

por eles praticados”.

23

Conforme estatuído no art. 6º do tratado de Londres, que o criou, o Tribunal

Militar Internacional para os Crimes do Nazismo tipificou três grupos de crimes

passíveis de julgamento, a saber: (a) os Crimes Contra a Paz – entendendo, por

estes, a participação, direta ou indireta, na preparação e execução de guerras de

agressão ou de guerras, violando-se tratados, acordos e garantias internacionais; (b)

os Crimes de Guerra – isto é, as violações aos costumes e leis de guerra, incluindo-

se neste tópico os assassinatos, maus tratos e escravização de civis e prisioneiros

de guerra, bem como a devastação desmotivada de cidades e vilarejos; e (c) os

Crimes Contra a Humanidade, delineados como o assassinato (individual e coletivo),

extermínio, escravização, deportação, tortura e outros atos desumanos cometidos

contra qualquer população civil, antes ou durante a guerra, bem como as

perseguições políticas, raciais e religiosas. (BRITO, 2004, p. 31)

De acordo com as normativas desse Tribunal, a definição dos crimes contra a

humanidade pode ser considerada o embrião da moderna definição de genocídio,

pois as condutas descritas se assemelham ao que viria a se definir como genocídio,

nos termos da Convenção sobre a Prevenção e Repressão do Genocídio, de 1948.

A diferença é que perante o Tribunal Militar de Nuremberg estes crimes contra a

humanidade seriam os praticados durante o tempo de guerra e sem um fim especial

de agir, que viria a caracterizar o genocídio posteriormente.1

O Tribunal Militar de Nuremberg sofreu várias críticas do ponto de vista

jurídico pelas suas inovações. A instituição deste Tribunal deu à população vitimada

uma noção de “justiça” e influenciou a criação de tribunais “ad hoc”.

4.2 TRIBUNAIS PENAIS “AD HOC”

Os Tribunais Penais “ad hoc” foram criados com caráter temporário com o fim

de julgar e punir determinadas condutas relacionadas a crimes de guerra em

algumas regiões. Pode-se cita como exemplo de Tribunal ad hoc o próprio Tribunal

de Nuremberg e o Tribunal de Tóquio após a Segunda Guerra Mundial; e os

Tribunais de Ruanda e da ex-Iugoslávia na década de 1990. No que diz respeito ao

Tribunal de Tóquio, Paula (2011, p.19) acrescenta:

1 AZEVEDO FILHO. in: http://www.dhnet.org.br/ direitos/anthist/nuremberg/genocidio_oquee.htm.

Acesso em 15 fev. 2015.

24

A Corte conhecida como “Tribunal de Tóquio”, cujo nome oficial é “Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente” (TMIEO), foi criada em 19 de janeiro de 1946, com sede na cidade japonesa de mesmo nome. Seu fim era “o justo e rápido julgamento e punição dos principais criminosos de guerra do Extremo Oriente”, sendo formada por 11 juízes, representando 11 Estados aliados. A jurisdição do TMIEO era julgar e punir os criminosos de guerra como indivíduos ou como membros de organizações, são acusados de ofensas que incluam crimes contra a paz.

Os crimes julgados pelo Tribunal de Tóquio abrangiam três esferas: 1) crimes

de guerras convencionais; 2) crimes contra a paz; 3) crimes contra a humanidade.

Outros Tribunais Penais ad hoc foram criados com o apoio de vários países

membros do Conselho de Segurança da ONU, inclusive do Brasil, como o Tribunal

da ex-Iugoslávia e de Ruanda. Neste sentido, Mazzuoli (2011, p. 943) acrescenta:

Assim, no início da década de 1990, por deliberação do Conselho de Segurança das Nações Unidas e com a participação e voto favorável do Brasil foram criados mais dois tribunais internacionais de caráter temporário (Ad hoc): um instituído para julgar as atrocidades praticadas no território da antiga Iugoslávia desde 1991, e o outro para julgar as inúmeras violações de direitos de idêntica gravidade perpetrados em Ruanda, tendo sido sediados, respectivamente, na Holanda e na Tanzânia.

As decisões dos referidos tribunais penais internacionais tinham com escopo

indenizar e reabilitar as pessoas que sofreram os horrores da guerra. De acordo com

Machado (2006, p. 429):

As decisões propostas pelo Tribunal Penal Internacional direcionam-se à indenização e reabilitação das vítimas e à afirmação da inviolabilidade da dignidade humana. A sentença deve ter como critério de graduação a gravidade da ofensa aumento de pena, a graduação da gravidade da ofensa cometida, aferida, em concreto, por referência aos bens e valores violados, ao dano causado, ao risco criado e à culpabilidade do agressor, e, abstrato, à relevância e à qualificação legal dos elementos constitutivos da ofensa. Assim, se faz necessária a máxima atenção ao caso concreto, com a devida consciência e uniformidade de decisão.

Baseados no paradigma gravidade da ofensa aos bens e valores tutelados as

penas nos referidos tribunais eram majoradas ou diminuídas. Ainda sobre a

aplicação de penas, Piovesan (2007, p. 48) argumenta:

Em se tratando de penas, o Estatuto prevê, em seu art. 77, pena máxima de

até 30 anos, admitindo excepcionalmente a prisão perpétua, quando

justificada a extrema gravidade do crime cometido e pelas circunstâncias

pessoais do condenado. É previsto ainda, sanções de natureza civil, eis que

25

no art. 75 há a possibilidade de reparar as vítimas e os seus familiares,

conjugando, desta forma, a justiça retributiva com a reparatória.

Apesar das penas aplicadas nos Tribunais de Nuremberg e Tóquio, a história

ainda contemplaria outras guerras e genocídios por motivos étnicos, como o que

ocorreu em Ruanda.

4.2 O GENOCÍDIO EM RUANDA

É necessário entender as particularidades geográficas de Ruanda antes de

avaliar o conflito. Nota-se que Ruanda é um país africano que se localiza na região

de Grandes Lagos. Este país possui como vizinhos a República Democrática do

Congo, Burundi, Tanzânia e Uganda. Ruanda não possui saída para o mar. O

terreno deste país é montanhoso e, por isso, o país recebe o nome de “Terra das Mil

Colinas”. Essas condições geografias tornaram Ruanda uma das nações mais

povoadas do mundo.

Ruanda é um país onde a maioria da população vive na área rural. Neste

contexto, viviam duas grandes tribos rivais: Bahutu (atualmente Hutus) e Batutsi

(hoje Tutsis). O grupo majoritário é o Hutu e o minoritário Tutsi. De acordo com

Castro (2010, p. 1):

Culturalmente, estes grupos detinham a mesma língua e os mesmos costumes; contido, a influência externa foi determinante para a transformação social do país na medida em que a definição de fronteiras e o estabelecido da burocracia colonial deram margem a uma luta por poder sobrepujante e discriminatório.

Foi na década de 1990 que se instalou uma crise humanitária em Ruanda.

Essa crise foi oriunda de uma guerra civil extremamente violenta entre Tutsis e

Hutus. Em 1993, a ONU deliberou enviar uma missão para minimizar os conflitos na

região, que foi denominada como UN AssistanceMission for Rwanda. A missão da

ONU tinha como pretensão monitorar o frágil cessar-fogo e acompanhar o processo

de desmilitarização. No entanto, com a morte dos presidentes Habyarimana (de

Ruanda) e Ntaryamira (do Burundi) em um acidente aéreo, os ânimos se acirraram.

Logo após o acidente aéreo que vitimou os presidentes supracitados ocorreu

uma “onda” de violência e mortes com conotações políticas e étnicas. A intervenção

26

da ONU pode-se dizer, foi um verdadeiro desastre.De acordo com Romanini de

Abranches (2004, p. 15): “o processo de intervenção humanitária em Ruanda foi

considerado um fracasso. Primeiro, porque o caso de Ruanda evidenciaria os limites

políticos da perspectiva de recorrer-se à força armada com objetivos humanitários”.

Também por ter sido uma ameaça à paz e à segurança internacionais.

Mais de um milhão de cidadãos foram mortos durante os cem dias de tragédia

em Ruanda. A quantidade de mortos foi tão grande que a população tinha

dificuldades em enterrar os corpos. Essa tragédia poderia ser evitada se a

comunidade internacional não tivesse se omitido. De acordo com Nolli (2013, p.

703):

A comunidade internacional falhou com Ruanda, pois sabia o que estavaocorrendo. Eles tinham a completa noção de que um genocídio estava sendopreparado, que a milícia estava treinando para matar e que armas estavam sendofeitas e encomendadas de outros países apenas com o intuito de exterminar umdeterminado grupo devido a uma disputa antiga.

Ainda sobre a omissão da comunidade internacional, Nolli (2013, p. 704)

acrescenta:

Relatórios diários eram enviados para as Nações Unidas e para o Governofrancês com as informações sobre o avanço da situação política que estavaocorrendo em Ruanda, e mesmo sabendo de tudo, nada foi realizado para deter talacontecimento. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi, literalmente, um organismoinútil nesse massacre. Ela detinha de meios para compreender o que acontecia e sabia como interferir, no entanto, não o fez. Poderia ter prevenido os massacres já que o general Dellaire havia pedido o envio de mais tropas para o local. No entanto, não o fez.

Em meio a este massacre houve um Tutsi que foi considerado herói por ter

abrigado mil e duzentas pessoas num hotel onde era gerente.

Observa-se que o caso do massacre que ocorreu em Ruanda na década de

1990 é um exemplo de como o Direito Internacional Humanitário fica paralisado

diante de circunstâncias que precisam de um posicionamento mais claro e preciso

das organizações internacionais.

4.3 O GENOCÍDIO E OS TRIBUNAIS BRASILEIROS

Inicialmente, consigna-se que o genocídio tem previsão legal no ordenamento

jurídico brasileiro. A Convenção sobre o Genocídio foi adotada no país pelo Decreto

27

n. 30.822, de 1º de outubro de 1952. Pouco depois, ela foi quase que inteiramente

repetida pela Lei n. 2.889, de 1o/10/1956. Esta lei prevê cinco modalidades de

genocídio, com destaque para a alínea “a” do art.1, e em todos os casos requer-se o

especial fim de agir, de exterminar o grupo no todo ou em parte2.E ainda aponte-se

que o Código Penal Brasileiro prevê desde 1984 o crime de genocídio cometido por

brasileiro ou domiciliado no Brasil, in verbis:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I – oscrimes: d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984).

No Brasil há inúmeros julgados que são importantes para o tema do genocídio

e o entendimento dos Tribunais pátrios. Por exemplo, o Habeas Corpus 82424-RS

impetrado no Supremo Tribunal Federal que demonstrou, de acordo com o

posicionamento da Corte, ter sido legal a prisão de SiegfriedEllwanger, que foi

condenado pelo crime de racismo, tipificado pela venda de literatura que fazia

apologia à perseguição aos judeus e também negava a existência do holocausto,

conforme aponta-se abaixo:

EMENTA: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime

2 STF. In: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/sobreStfCooperacaoInternacional/anexo/Respostas_

Venice_Forum/3Port.pdf. Acesso em 20 fev. 2015.

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de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéiasanti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta

29

grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 82424. Relator: Min. Moreira Alves, Brasília, DF, 19 de março de 2004. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/770347/habeas-corpus-hc-82424-rs. acesso em 30 mar. 2015).

A Corte entendeu que no citado feito estava configurado o caso de racismo e

que tal forma de manifestação não estava dentro do bojo do direito fundamental da

liberdade de expressão. O debate girou em torno do crime de racismo previsto no

artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal e a possibilidade de prescrição do

crime de apologia ao nazismo. O Supremo Tribunal Federal entendeu que o crime

de racismo era imprescritível.

No mesmo sentido, há outro importante julgado acercada aplicação da Lei nº

2.889/1956 sobre o genocídio. O crime ocorreu contra o povo indígena Yanomami

na aldeia Haximu. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu a

competência do Juiz Federal para o julgamento da referidademanda, independendo

se o fato havia ocorrido em território brasileiro ou venezuelano.

PENAL. PROCESSO PENAL. GENOCÍDIO E ASSOCIAÇÃO PARA O GENOCÍDIO. ARTS. 1º E 2º DA LEI 2.889/56. POVOS INDÍGENAS YANOMAMIS. ALDEIA HAXIMU. LOCALIZAÇÃO. APLICABILIDADE DA LEI BRASILEIRA. COMPETÊNCIA DO JUIZ FEDERAL SINGULAR. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. CRIME DE DANO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. LAVRA GARIMPEIRA E CONTRABANDO. QUADRILHA OU BANDO. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. 1. A competência para processar e julgar acusados da prática do crime de genocídio contra etnia indígena, quando não houver denúncia também pela prática do crime de homicídio, é do juízo federal singular, e não do Tribunal do Júri Federal, porquanto o objeto jurídico tutelado nesse delito não é a vida em si mesma, mas, sim, a sobrevivência, no todo ou em parte, de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. 2. Independentemente de os fatos terem ocorrido em território brasileiro ou venezuelano, não está afastada a jurisdição da Justiça brasileira para julgar o crime de genocídio, consoante preceitua a letra d do inc. I do art. 7º do Código Penal, uma vez que os acusados são brasileiros e domiciliados no Brasil. Trata-se de caso especial de extraterritorialidade incondicionada pelo princípio da justiça universal. Há aplicação da lei brasileira ainda que o agente seja absolvido ou condenado no estrangeiro, segundo dispõe o § 1º do art. 72 do Código Penal. 3. Não sendo possível a realização do exame cadavérico, tendo em vista que os índios, não se afastando dos seus costumes, queimaram os corpos de seus entes, pilaram-nos, transformando-os em cinza, guardando-os em cabaças, a comprovação da morte se dá pelos depoimentos das testemunhas que viram os corpos estraçalhados à bala e a facão, o que supre o exame de corpo de delito, consoante disposto no art. 167 do Código de Processo Penal. 4. Prova testemunhal uniforme, precisa, categórica, constante dos autos, não deixa dúvidas da ocorrência dos fatos, bem como de que os acusados Pedro Erniliano Garcia, vulgo Pedro Prancheta; Eliézio Monteiro Nero, vulgo Eliezer; Juvenal Silva, vulgo Curupuru; Francisco Alves

30

Rodrigues, vulgo Chico Ceará; e João Pereira de Morais, vulgo João Neto; foram os autores do crime de genocídio tipificado no art. 1º, letras a, b e c da Lei 2.889/56. 5. Inexistindo prova suficiente da participação dos acusados Wilson Alves dos Santos, vulgo Neguinho, e Waldinéia Silva Almeida, conhecida por Ouriçada, deve ser mantida a sentença que os absolveu da prática de tais delitos. 6. Diante de exame pericial, nas duas malocas e três acampamentos (tapiris) utilizados pelos índios, na região de Haximu, o qual constatou que as cabanas e os tapiris foram destruídos pelo fogo e por bala e que foram encontrados panelas com perfurações de projéteis de arma de fogo, cartuchos de arma de fogo deflagrados, cabelo humano, fragamentos de projéteis encravados em árvores e no cercado da maloca, caracterizado está o crime de dano, previsto no art. 163, incisos I, II, e IV, do Código Penal. 7. A prova testemunhal confirma que os acusados praticaram o genocídio e ocultaram os cadáveres dos índios mortos na chacina, enterrando-os para que não fossem descobertos, o que caracteriza o crime de ocultação de cadáver. 8. Inexistindo prova dos crimes de associação para o genocídio, de lavra garimpeira, de contrabando e de formação de quadrilha ou bando, deve ser mantida a sentença na parte em que absolveu os acusados da prática de tais delitos. 9. Fixação do regime inicialmente fechado para cumprimento da pena de reclusão. A vedação à progressão do regime de cumprimento da pena para os crimes hediondos é inconstitucional. Fere o inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal. Essa vedação é tão hedionda como o próprio crime. A inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o HC 82.959-SP. 10. Não sendo conhecido o recurso de alguns dos acusados, estende-se a estes os efeitos benéficos da apelação conhecida, a teor do art. 580 do Código de Processo Penal. (BRASIL.Tribunal Regional Federal. Apelação Criminal: ACR 17.140 RR 1997.01.00.017140-0. Relator: Tourinho Neto, Brasília, DF, 19 de setembro de 2009. Disponível em: http://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15320498/apelacao-criminal-acr-17140-rr-19970100017140-0. Acesso em 30 mar. 2015.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu que no presente caso,

em que estava configurada a extraterritorialidade incondicionada, havia o princípio

da justiça universal. Assim, aplicou-se a lei brasileira independente do agente ser

absolvido ou não no estrangeiro, obedecendo-se o disposto no § 1º do artigo 72 do

Código Penal.

4.4 POSICIONAMENTO E MEDIDAS DA ONU

Argumenta-se que alguns posicionamentos da ONU em relação ao crime de

genocídio são necessários e eficientes. No entanto, algumas intervenções deste

órgão não resultam na diminuição da violência ou promoção da paz. Observa-se que

o processo de intervenção humanitária em Ruanda foi considerado por muitos

doutrinadores um verdadeiro fracasso. Esse entendimento se deve ao fato de que o

caso evidenciaria limites os políticos em se recorrer à força armada com objetivos

31

humanitários e de ter sido uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Neste

sentido Patriota argumenta:

Anos depois, uma Comissão Independente, estabelecida pelo SGNU, concluiria que a resposta da ONU havia sido um „fracasso retumbante‟, resumindo na falta de recursos e de vontade política dos Estados-membros em assumir o compromisso necessário para prevenir o genocídio (PATRIOTA: 1998, p. 111).

Por outro lado, é notório que a intervenção humanitária em Ruanda deu sinais

de falta de compromisso com o Direito Internacional Humanitário. Esta conclusão

vem a partir do momento em que as tropas da Bélgica, consideradas o maior

contingente e mais forte da UNAMIR foram retiradasdaquelepaís,e isso acabou

dificultando qualquer reação efetiva à violência então estabelecida. No entanto,

diante da crise que se alastrava em Ruanda, o Conselho de Segurança das Nações

Unidas, de acordo com Romanini de Abranches Viotti(2004, p. 132) “decidiu reduzir

esse contingente para 270 soldados e restringiu seu mandato à mediação e à ajuda

humanitária, na medida do possível.”

A decisão foi o suficiente para que os demais Estados africanos e,

principalmente, as agências humanitárias, criticassem este posicionamento. Além

disso, o termo genocídio era evitado durante as discussões pelo CSNU com o

objetivo de evitar implicações políticas e jurídicas aos Estados-Membros, diante da

Convenção sobre a Prevenção e a Punição pelo crime do Genocídio de 1948.

Observe-se que as decisões acerca da intervenção humanitária em Ruanda

não foram precisas. Países que poderiam ter participado mais ativamente, ficaram

de fora por não se sentirem responsabilizados pelo massacre. Neste sentido, Viotti

(2004, p. 133) argumenta que um exemplo é o posicionamento dos Estados Unidos,

que julgavam não haver nenhum dever moral ou legal de intervir.

Mesmo a ONU tendo criado o TPIR para julgar e punir os criminosos do

genocídio, alguns países e organizações internacionais criticaram a atuação da ONU

no massacre. De acordo com Nolli (2013, p. 710): “Quando da criação da ONU, seu

principal foco era manter a paz esegurança mundial, garantir direitos e assistência

humanitária e também deterguerras entre Estados, porém, parece que a filosofia que

norteou sua criação foiesquecida durante o acontecimento em questão”.

32

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O genocídio constitui-se como um dos maiores atentados com a dignidade da

pessoa humana, além de ser um crime que ofende ao direito de guerra. Quando

este delito é motivado por causas étnicas ou econômicas, mostra a incapacidade do

ser humano de conviver de forma harmoniosa no mesmo território com aquele que é

diferente.

Argumenta-se que o crime de genocídio é o pior dos crimes. Esse crime

motivou as organizações internacionais a promoverem conferências, convenções e

acordos com o fim de instituir medidas eficazes para prevenir e punir os envolvidos

neste crime. Por ser um atentado contra a pessoa humana o genocídio é um crime

internacional.

No entanto, mesmo com o interesse da comunidade internacional em prevenir

e punir os envolvidos na prática deste crime, essa prática ainda é recorrente em

muitos territórios. Além disso, as medidas como criação de tribunais penais ad hoc

podem cometer injustiças, julgando apenas o lado dos vencidos como ocorreu após

a segunda guerra mundial e, ainda, a omissão de órgãos internacionais pode

contribuir para a prática do genocídio como foi o caso de Ruanda.

Apesar disso, afirma-se que os Tribunais Penais Internacionais são o efeito

de um processo longo de busca pela justiça. Mesmo que os Tribunais Penais sejam

alvos de críticas como o de Nuremberg, este serviu de base para que outros

Tribunais fossem instalados.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) existe para passar uma mensagem para

a sociedade internacional, uma mensagem de justiça. De que ninguém está acima

da justiça e o crime de genocídio será duramente combatido. Também, nas palavras

de Rui Barbosa na II Conferência de Haia (1907) tem-se uma esperança de que as

grandes potências não podem tripudiar o direito das nações subdesenvolvidas: “vi

todas as nações do mundo reunidas, e aprendi a não me envergonhas da minha.

Medindo de perto os grandes e os fortes, achei-os menores e mais fracos do que a

justiça e o direito” (PENER: 1977, p. 23).

É dever das organizações internacionais prevenirem a prática de genocídio.

No entanto, atualmente, até o emprego do termo “genocídio” provoca controvérsias

33

entre algumas autoridades, e isso pode postergar a prevenção e repressão do

genocídio.

Atualmente, nota-se que a repressão do crime de genocídio está num estágio

mais desenvolvido que a prevenção. O principal problema não está mais no plano

jurídico que possa ser solucionado por um Tribunal Penal Internacional e sim no

plano político. As barreiras políticas poderiam ser removidas se os envolvidos

voltassem os olhos para a dignidade da pessoa humana.

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REFERÊNCIAS

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