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Genocídios: O Caso Herero

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Page 1: Genocídios: O Caso Herero

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Amanda R. Fraga

O caso Herero – 1904-1907

Trabalho Final da Optativa Genocídios

e sociedades contemporâneas

ministrada pela Prof. Dra. Marijane

Lisboa

2011

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O caso Herero: um genocídio?

O domínio alemão no Sudoeste da África (1884-1915) foi marcado pela

brutalidade, desrespeito aos direitos humanos e o confisco de terras e gado. Sua

política expansionista assumiu diversas formas, mas geralmente se caracterizou pelo

uso excessivo da força e submissão. Diante das condições de exploração, várias

tentativas de rebelião tomaram forma, dentre elas a dos Herero e dos Namas.

Na maioria dos casos de rebelião, os exercitos foram orientados a não

exterminar as populações rebeldes, mas sim impor uma “derrota total” e, assim, a

submissão. Não podemos caracterizar todas as repressões a rebeliões como

genocídios, porém este caso é particular. No caso dos Herero, houve a intenção clara e

oficial de exterminar o povo, intento exemplificado na carta do General Alemão Von

Trotha de 1904, o que se traçou foi uma guerra de extermínio.

Liderados pelo General Günter Spraul, entre outros, os alemaes encamparam

uma campanha de exterminio que dizimou a população Herero do sudoeste da África,

reduzindo-o à pelo menos dois terços1. Este pode se configurar como o primeiro ato de

genocídio no século 20, passando por várias fases de radicalização.

A guerra de aniquilação travada pela administração colonial alemã contra os

Herero violaram vários tratados de que a Alemanha era signatária. Existem diversas

evidencias de que os Herero, foram submetidos à escravidão, trabalhos forçados,

prisão em campos de concentração, experimentação médica-eugênica, além da

progressiva destruição da cultura tribal e de suas organizações sociais, com abuso

sistemático de mulheres e crianças2.

Antecedentes Históricos

Em 1884, parte da África se tornou colônia alemã, no entanto, o numero de

colonos alemães que lá residiam eram ínfimos, pois não havia grande interesse no

continente, ao contrário da grande migração para as Américas. Situação que vai mudar

1 Estima-se que a população Herero era de mais de 75 mil indivíduos em 1904.2 Lundtofte apud Chalk and Jonassohn.

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bruscamente a partir de 1908 com a descoberta das reservas de diamantes. Apesar do

pequeno número de habitantes, iniciou-se uma política de expansão que não levou em

conta as tribos do Sudoeste Africano, resultando em uma crescente hostilidade para

com os alemães.

Os Herero eram um povo semi-nomade que vivia da criação de gado, este não

servia somente de alimento, como também tinha um significado religioso. Os alemães

acreditavam que esse potencial pecuarista poderia ser incorporado ao colonato, por

meio de serviços, mas as perspectivas dos Herero não eram compatíveis com as

intenções alemãs. Eles não estavam dispostos a vender terras aos brancos nem a

comerciar seu gado, pois o modo de vida tradicional e seus costumes tribais não

compactuavam com os esforços pelo estabelecimento de um Estado europeu.

Contrariados os alemaes exigiram o desarmamento das tribos, e a expropriação

das terras, tornando-as estatais ou concedendo-as a empresas. Tais ações

estabeleceram grandes restrições ao modo de vida dos Herero, impedindo-os de

estender suas áreas de pastagem de acordo com suas praticas históricas, o que

fortalece a animosidade anti-alemã entre os Herero.

Na administração local, Leutwein3, olhava a colonização como um grande

negócio, assim fazia uso de combinações de meios diplomáticos e militares. Por meio

de uma certa “diplomacia”, conseguiu conter alguns conflitos como meio de

prevenção a rebeliões maiores. Um exemplo foi a aliança com o chefe Herero Samuel

Maharero, fez com que se desenhassem acordos e fronteiras reconhecidas pelas duas

partes. Porém outras tribos menores eram forçadas por meio militares, a “aceitar” as

fronteiras impostas. Mas normalmente com tribos maiores, se tentava um “acordo”,

por enteder que seria contraproducente para a administração local manter conflitos

diretos. Leutwein acreditava que os Herero eram capazes de se adaptar, tornando-se

força de trabalho para os agricultores europeus, inclusive baseando-se na ideia de que

a estrutura tribal Africana com o tempo iria desaparecer ao conviver com o “estado

europeu moderno”, uma espécie de Darwinismo social. Havia grande insatisfação

entre os colonos brancos, por enxergar como falha do governador, por não usar meios

militares eficazes para destruir a estrutura tribal, movimento que começa a exercer

pressão sobre os tomadores de decisão em Berlin.

3 Governador alemão da colonia.

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Em tal contexto, não foi considerado necessário verificar se determinados

grupos da população poderiam ser “usados” ou eram “supérfluos”, muito menos

intervir, porém com o passar do tempo, os Herero começam a se recusar a obedecer a

ordens e fazer acordos, gerarando atritos.

A Rebelião

A eclosão da rebelião Herero pegou os alemães de surpresa. Leutwein estava

lidando com uma pequena rebelião mais ao sul com a maior parte de suas forças,

quando guerreiros Herero atacaram postos militares e fazendas alemãs em 12 de

janeiro de 1904.

A política de expropriações de terras dos Herero e confisco do gado estava se

tornando uma constante, com as ocupações alemas cada vez mais bruscas e extensas

adentrando os territorios tribais. Os colonos e os Herero competiam por terra e gado,

situação que se agrava depois de uma grande praga na virada do sec. XIX para o Sex.

XX, que dizimou o gado e desestruturou o sistema de sobrevivencia Herero. Sem o

gado, eles foram obrigados a vender suas terras para os colonos alemães. Essa

situação é acompanhada pela criação de um sistema financeiro de emprestimos à base

de altos juros, com vistas a expropriação de terras e gado.

O conflito se torna eminente. Leutwein em uma tentativa de pôr fim a este

método de cobrança de dívidas, emite um decreto colocando prazo de validade nas

dívidas, tensionando o fim da expropriação. Mas ao invés de ajudar, o decreto agravou

a situação, pois os comerciantes começaram a cobrar as dívidas de uma só vez com

medo de perder as promissórias, muitas vezes fazendo uso de violencia. Os Herero

estavam sob pressão e sentindo as consequências políticas e sociais de colonização.

Tal contexto dá início a uma rebelião onde 123 colonos - dentre estes

fazendeiros e soldados - alemães foram mortos. A rebelião não era um levante

somente pelas terras, ela se dava contra castigos cruéis, estupros e assassinatos. Na

esfera jurídica a impunidade se fazia presente, os brancos recebiam penas de prisão

curtas ou eram absolvidos pelo assassinato dos negros, enquanto os negros eram

condenados à morte pelo assassinato dos brancos. Alguns documentos apontam ainda

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uma ameaça de morte à Samuel Maharero por parte de um tenente alemão4, como

estopim da revolta.

Após o auge da revolta, os Herero vão para as cidades do interior e se alojam

com as famílias para se proteger do levante alemão. Os alemães cercam os Herero em

todas as cidades, mesmo assim Leutwein foi substituído. Visando umapolítica mais

“efetiva”, nomeia-se como novo comandante o general Trotha. Trotha toma posse

com ordens de Berlim para que a rebelião de ser completamente esmagada, fazendo

uso dos meios que forem necessários. Trotha ataca primeiro o planalto de Waterberg,

principal cidade onde os Herero se alojam, lá estavam concentrados principalmente

mulheres, crianças e gado.

O número de pessoas que ali estava é incerto, oscilando entre 40 e 60 mil.

Desses, 5 a 6 mil eram guerreiros, que foram confrontados por mais de 4 mil soldados

alemães. Tendo consciencia de sua minoria militar, Trotha traça uma estratégia

consciente para exterminio dos Herero. Estratégicamente, o exercito é distribuído

estratégicamente, comlocando a minoria em um ponto onde dava para o deserto,

induzindo e permitindo aos Herero romper as linhas alemãs, conduzindo a população

para as planícies do deserto de Omaheke para morrer.

Von Trotha sabia o que estava fazendo, e dá ordem para que o exercito seja

implacavel

Eu, o grande general das tropas alemãs, envio esta carta ao povo Herero. Os Herero já não são súditos alemães. Eles assassinaram e roubaram, cortaram as orelhas e outras partes dos corpos dos soldados feridos, e agora fora da covardia não querem mais lutar. Eu digo ao povo: quem entrega um dos chefes de uma das nossas colonias como prisioneiro receberá 1.000 marcas e quem oferecer Samuel Maharero receberá 5.000 marcas. O povo Herero deve, contudo, deixar a terra. Se vocês se recusam a fazê-lo, vou obrigá-los com canhão. Qualquer Herero encontrado dentro das fronteiras alemãs, com ou sem uma arma, com ou sem gado, será morto. Eu não receberei mais as mulheres ou crianças. Vou levá-los de volta para seu povo ou encomendá-los para serem fuzilados. Estas são as minhas palavras para o povo Herero5.

4 Lundfofte, p. 32. 5 Tradução do pronunciamento do Comandante Alemão General Lothar Von Trotha Vernichtungsbefehl -Ordem de Extermínio. (1)

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Muitos não acreditavam que seria possível manter os Herero no deserto, mas

os alemaes fizeram uso de diversas estratégias para mantê-los no deserto.

From officers’ contemporary diaries and from later memoirs it is clear that a number of German officers doubted the feasibility of surrounding a stretch of land of more than a 100 kilometers in extent. Officers made Trotha aware of their concern but Trotha dimissed their criticisms6.

As planícies de areia eram estéreis, eles morreriam de sede. A ação não visava

somente punir, visava a destruição total dos adversários e de qualquer força

organizada que pudesse restar. As forças alemãs empenhadas na guerra total7

assassinaram homens, mulheres e crianças, embora Trotha aparentemente houvesse

proibido os seus soldados a disparar contra mulheres e crianças. Diários escritos na

época indicam que as tropas alemãs tinham sido ordenadas a agir sem misericórdia

para com os Herero.

a war experienced officer who had lived in Africa for a long time later told me… that he never imagined such a panic-stricken escape of the normally arrogant and proud Herero, and that in his opinion they were unable to continue fighting8.

Apesar de não ser tão clara no inicio, as declarações posteriores de Trotha

levam a crer que essa parte da estratégia fazia parte do plano. Em carta à Leutwein,

Trotha deixa claro que "A nação (Herero) deve perecer. Não há como aniquilá-los com

artilharia, então tem que ser feito dessa maneira”9. Trotha emitiu ordem para que as

forças alemãs atirassem para matar todos os homens da tribo Herero, enquanto suas

mulheres e crianças deveriam ser “induzidas” a fugir em direção ao deserto. A

repressão aos Herero se radicalizou, transformando-se em uma guerra onde o objetivo

era o extermínio dos Herero, uma guerra total que tornou-se um genocídio. Na batalha

de Waterberg não se fez qualquer distinção entre civis e combatentes, "Aqui e ali, a

6 Lundtofte, 2003.7 Guerra total é um conflito, de alcance ilimitado; no qual as partes beligerantes entram numa fase de mobilização total de todos os seus recursos— humanos, indústriais, agrícolas, militares, naturais e tecnológicos — de modo a anular a capacidade de retaliação do adversário. 8 Lundtofte apud Krüger (1999), p. 50-51, 83-95.9 Lundtofte “Die Nation muss untergehen. Wenn es mir nicht gelang, sie durch die Geschütze zu vernichten, so muss es auf diese Weise geschehen“. Tradução Livre.

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direita e a esquerda, um tiro foi dado no mato, quando nossas patrulhas se deparavam

com retardatários "10. As tropas alemãs queriam o extermínio, ficaram no entorno das

nascentes de água, garantindo que os Herero fossem privados de qualquer

possibilidade de sobrevivência, e às que eles tinham acesso eram envenenados.

os homens, mulheres e crianças doentes e desamparados que desabaram de cansaço estavam deitados em massa, secos de sede ... no mato sem resistência à espera de seu destino11.

O ataque alemão aos Herero em Waterberg foi um ataque à totalidade da

população incluindo mulheres e crianças. Para Lundfort há conexão direta entre a

guerra total e o genocídio, aproximações como a mobilização da nação política,

militarização da sociedade, como também a busca do inimigo comum. A estrutura

adotada respondeu à insatisfação, Trotha se recusou a negociar com os Herero, ele

havia declarado guerra. Tal extremo pode ser visto como uma resposta às primeiras

vitórias dos Herero em 1904, que causaram grande frustração aos alemães, levando a

liderança militar a conduzir uma guerra de extermínio contra os Herero, o prestigio e o

poderio militar estava em jogo.

Haviam vários pedidos de paz, mas Trotha ignorando todos eles, continuou o

cerco aos Herero, no retorno à Alemanha, Von Trotha ainda seria condecorado pelos

seus “esforços” de guerra contra os Herero.

Após mudanças no governo em Berlim, a política contra os Herero entra em

uma nova fase, agora eles deveriam ser mantidos como força de trabalho. Muitos

desses Herero que sobreviveram ao abate foram enviados para campos de concentração

especialmente construídos próximo às cidades, sendo forçados a trabalhar em fazendas e

comércios alemães. Nos campos de prisioneiros que foram construidos os trabalhadores

poderiam ser requisitados para trabalhar na construção das ferrovias, fazendas e

instalações militares em troca de um pagamento, tais campos seguiam o mesmo

modelo da África do Sul. Milhares de Herero de ambos os sexos e de todas as idades

10 Lundtofte: “Hin und wieder fi el rechts und links ein Schuss im Dornbusch, wenn unsere Patrouillen auf Nachzügler stiessen“. Tradução Livre.11 “Kranke und hilfl ose Männer, Weiber und Kinder, die vor Erschöpfung zusammengebrochen waren, lagen, vor Durst schmachtend, in Massen .... im Busch, willenlos und ihre Schicksal erwartend.“ Generalstabswerk (1906-1908), p. 203. See also Bayer (1909), p. 195.. Tradução Livre.

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morreram de desnutrição e doenças, em um deles o de Haifi Schinsel, 45% dos presos

morreram em questão de meses.

Krüger’s analysis of the diaries of officers and common soldiers indicates that these a priori attitudes towards the Herero were not only influenced by such generally held views, but that the denial of a common humanity to the Herero was further strengthened by their murder of German farmers. In addition horror stories of acts of Herero bestiality were widespread in both the German press and among the soldiers, this only serving to strengthen the denial of a common humanity.12

Além disso, os alemães sentiram-se os portadores da civilização, estavam em

luta contra a barbárie. Eles não os consideravam iguais, crânios que são levados a

Berlim para estudos medico-eugênicos, as caixas cranianas só seriam parcialmente

devolvidas 100 anos depois em 2004, como um reconhecimento mesmo que incipiente

da responsabilidade alemã nos massacres ao povo Herero. A visão evolucionista era

compartilhada pelos inúmeros meios de comunicação.

should be regarded as an admonitary and cautionary moment in world history. As yet the white man is still master of the world despite the fact that in the eyes of the negro we are every bit as ugly as we fi nd them to be, but we have no conception of how everything will be in a hundred years.13

As possibilidades de arbitrariedades, o poderio militar, político e econômico,

aliados ao imaginário de uma superioridade, permitiram a ultrapassagem da linha

tênue entre a guerra total e o genocídio. Ditos métodos de pacificação ou contenção

de revoltas, que por meio da radicalização passaram a ter como horizonte o extermínio

do outro.

12 Lundtofte, p.47.13 Manchete de Illustrated Times em 25/12/1904.

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BIBLIOGRAFIA

Lundtofte, Henrik. Genocide: Cases, Comparisons and Contemporary Debates – the

Radicalization of the German Suppression of the Herero Rising in 1904. Disponível em:

http://www.diis.dk/graphics/CVer/Personlige_CVer/Holocaust_and_Genocide/

genocide_cases_comparisons.pdf

Krüger, Gesine (1999), Kriegsbewältigung und Geschichtsbewusstsein:

Realität,Deutung und Verarbeitung des deutschen Kolonialkrieges in Namibia, 1904 bis

1907. Göttingen.

Sites e Notícias

http://www.guardian.co.uk/books/2011/oct/19/end-myths-britains-imperial-past

http://www.zeit.de/zeit-geschichte/2010/04/Kolonialismus

http://www.afrol.com/articles/13487

http://en.wikipedia.org/wiki/Herero_and_Namaqua_Genocide

http://ovahererogenocideassociationusa.org/images/Document%20pdfs/Herero

%20Genocide%20Bibliography.pdf

http://www.preventgenocide.org/edu/pastgenocides/swafrika/resources/

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ANEXO DE FOTOS

Crânios retirados para uso em pesquisas raciais em Berlim.

Hereros retornando do deserto para Campos de Concentração

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chefe Herero Samuel Maharero antes dos massacres

Presos do Campo de Concentração

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Dr. Eugen Fischer, cujas teorias científicas de pureza racial eram praticados em

namibianos.

Mulheres prisioneiras dos campos trabalhando

Fonte: http://img.modernghana.com/

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