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Exumação e Julgamento de DEUS Gentil, o iconoclasta

Gentil Lopes - Exumação e Jugamento de Deus

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Gentil Lopes - Exumação e Julgamento de Deus: EXUMAÇÃO E JULGAMENTO DE DEUS - Gentil, o iconoclasta. Copyrightc 2012. Gentil Lopes da Silva. Todos os direitos reservados ao autor www.profgentil.com. Email: [email protected], Editoração eletrônica e Diagramação: Gentil Lopes da Silva Capa: Paulo de Tarso SoaresO iconoclasta - Exumação e julgamento de Deus por Gentil Lopes, pseudônimo: Gentil, o iconoclasta Taguatinga-DF : Editora KIRON, 2012 193 p. ilust. ISBN 978-85-8113-054-5 17 × 24 cm 1-Religião-Controvérsias doutrinárias I. Silva, Gentil Lopes II. Título

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Exumação eJulgamento de

DEUS

Gentil, o iconoclasta

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EXUMACAO E JULGAMENTO DE DEUS

Gentil, o iconoclasta

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Prefacio

Nao sabeis vos que havemos de julgar

os anjos? (1 Co 6 : 3)

Nietzsche (1844 — 1900) decretou a morte de Deus. A historia registrapelo ao menos um julgamento de um cadaver. Com efeito, o Papa Es-tevao VI mandou exumar o corpo do seu antecessor o Papa Formoso (mortonove meses antes) para um julgamento que se deu na basılica de Sao Joaode Latrao em janeiro de 897; o julgamento do cadaver tambem ficou con-hecido como Sınodo do cadaver, que e lembrado como um dos episodios maisbizarros da historia do papado medieval.

Um outro exemplo de condenacao postuma temos em Orıgenes, profundoconhecedor da tradicao crista, que foi excomungado quase tres seculos apossua morte, dentre outras razoes por ter criticado varias alteracoes efetuadasna Bıblia.

E notoria a evolucao de uma parte significativa da humanidade em ter-mos de nıvel de consciencia. E suficiente lembrarmos, numa ligeira retros-pectiva, dos esportes sanguinarios da Roma Antiga, passando pelas crueistorturas e fogueiras da Idade Media ate nossos dias onde um deputado doRio Grande do Sul aprovou uma lei permitindo o “Sacrifıcio de Animais”em rituais religiosos; essa lei recebeu − por parte daqueles que ascenderamem consciencia e sensibilidade − uma enxurrada de crıticas concernentes aabusos praticados contra animais em rituais primitivos.

E que aquela fracao da humanidade que ascendeu em consciencia e sen-sibilidade ja nao tolera mais certos atos de crueldade que outrora passavamdespecebidos, por assim dizer.

O apostolo Paulo certa feita afirmou em uma de suas epıstolas que oshomens haveriam de julgar os proprios anjos, neste livro vamos um poucoalem do apostolo e defendemos a tese de que ja chegou a hora do homemjulgar o proprio Deus! . . . Pasmem!

Com efeito, se em nossos dias alguem pode ser condenado por maustratos a animais, o que dizer de um Deus que promove o sacrifıcio de animaisem rituais religiosos?

O que dizer de um Deus cuja sanha assassina chega a exterminar “idosos,mulheres, criancas e animais”? E, finalmente, o que dizer de um Deus queaceita sacrifıcio humano?

Estamos falando de um Deus?. . . Sim senhor! estamos falando dotemıvel Deus de judeus e cristaos, o guerreiro Jeova.

Se e verdade que cada povo tem o governo que merece nao e menosverdade que cada povo tem o Deus que merece.

Se nos ‘demonstrassem’ esse Deus dos cristaos, ainda acreditarıamosmenos nele. (Nietzsche)

Gentil, o iconoclasta

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Os tres luminares a seguir ser~ao citados em nossa obra.

− Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 — 1900) foi um filologo e influentefilosofo alemao do seculo XIX.

Nasceu numa famılia luterana em 1844, filho de Karl Ludwig, seus doisavos eram pastores protestantes; o proprio Nietzsche pensou em seguir acarreira de pastor. Entretanto, Nietzsche rejeita a “fe” ainda durante suaadolescencia, e os seus estudos de filosofia contribuiram para que ele desis-tisse da carreira teologica.

Em Para alem do bem e do mal, de 1886, denuncia que “a crenca da ver-dade percorreu o mundo moderno, que se denomina senhor dessa verdade ”,nao haviam entendido que Deus e o diabo eram uma coisa so.

− Baruch Spinoza (1632 — 1677) considerado um dos maiores filosofos emetafısicos de todos os tempos − E o eleito de Einstein.

Nasceu em Amsterda, numa famılia de negociantes judeus de origemportuguesa. E considerado o fundador do criticismo bıblico moderno.

Receando comprometer a lisura de seus trabalhos filosoficos recusou umconvite para ensinar na Universidade de Heidelberg.

Temendo suas teses “comprometedoras” os sacerdotes ofereceram umapensao a Espinosa para ele manter fidelidade a sinagoga, ele recusou. Optoupor viver como um humilde polidor e cortador de lentes opticas. Foi entaoexcomungado em 1656, amaldicoaram-no em ritual.

Luıs XIV lhe ofereceu uma vultosa pensao para que Spinoza lhe dedicasseum livro. O filosofo recusou polidamente.

O monumento feito em homenagem a Spinoza, em Haia foi assim comen-tado por Renan em 1882:

“Maldicao sobre o passante que insultar essa suave cabeca pensativa.Sera punido como todas as almas vulgares sao punidas — pela sua propriavulgaridade e pela incapacidade de conceber o que e divino. Este homem, doseu pedestal de granito, apontara a todos o caminho da bem-aventurancapor ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aquipassar dira em seu coracao: Foi quem teve a mais profunda visao de Deus.”

− Bertrand Arthur William Russell (1872 — 1970), nascido no Paıs deGales foi um dos mais proeminentes matematicos, filosofos e logicos queviveram no seculo XX.

Recebeu o Nobel de Literatura de 1950, “em reconhecimento dos seusvariados e significativos escritos, nos quais ele lutou por ideais humanitariose pela liberdade do pensamento”.

Russell estudou Filosofia na Universidade de Cambridge, tendo inicia-do os estudos em 1890. Tornou-se membro do Trinity College em 1908.Pacifista, recusou alistar-se durante a Primeira Guerra Mundial, perdeu acatedra do Trinity College e esteve preso durante seis meses. Nesse perıodo,escreveu sua magnıfica obra “Introducao a Filosofia da Matematica”.

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Sumario

1 O QUE E DEUS ? 7

1.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1.2 Deus Pode Mentir, Pode ser Desonesto . . . . . . . . . . . . . 9

1.3 Deus e o Mal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.3.1 “Deus” e o demonio podem ser uma mesma entidade 15

2 O ACARAJE DE JESUS 23

2.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.2 Jesus nao liberta, Jesus Aprisiona . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.3 A imitacao e um atentado contra a Natureza . . . . . . . . . 28

2.3.1 Nao e certo querer ser igual a Jesus . . . . . . . . . . 31

2.4 Desconstruindo o ıdolo Jesus . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2.4.1 Jesus, um mestre iluminado? . . . . . . . . . . . . . . 51

2.4.2 Entendo que ninguem e “especial” aos olhos de Deus . 56

2.5 Engenharia Teologica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

2.5.1 Astutos ate a santidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

3 O CAXIRI DO PADRE 65

3.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

3.2 Uma proposta de ecumenismo universal . . . . . . . . . . . . 67

3.3 A mente e a verdadeira natureza das coisas . . . . . . . . . . 73

3.3.1 A visao dos animais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

3.3.2 A visao dos microscopios . . . . . . . . . . . . . . . . 74

3.3.3 Deus visto sob as lentes de um potente “microscopio” 75

3.3.4 A diversidade de Deuses . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

3.3.5 Dialogo entre Einstein e Tagore . . . . . . . . . . . . . 81

3.4 A equacao divina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

3.5 Deus e o homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

3.6 O Universo esta em expansao exceto . . . . . . . . . . . . . . . 92

3.6.1 Fosseis vivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

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4 O TEOREMA DE RUSSEL 1154.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1154.2 O Teorema de Russel visto da perspectiva bıblica . . . . . 1204.3 Limpando Deus das incrustacoes parasitarias . . . . . . . . . 123

4.3.1 Analise do teorema de Russel . . . . . . . . . . . . . . 1244.3.2 Uno, o Deus de Plotino . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

4.4 Uma Concepcao Cientıfica de Deus . . . . . . . . . . . . . . . 1274.5 Conclusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

4.5.1 A concepcao divina de Jesus e o Vazio . . . . . . . . . 1334.5.2 Deus, um decalque no Absoluto . . . . . . . . . . . . . 1354.5.3 Deuses piratas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

4.6 Da Unicidade do Vazio-Absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . 1414.6.1 Identificando o Vazio com o Absoluto . . . . . . . . . 143

� Apendice: Jose Saramago . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146� Apendice: Identificando o Vazio com o Absoluto . . . . . . . . . . 150

5 IMPOSTURAS ESPIRITUAIS 1555.1 Imposturas Intelectuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1555.2 Imposturas Espirituais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1565.3 Uma Exegese de Nossa Odisseia Gnostica . . . . . . . . . . . 1645.4 O Alquimista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

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Capıtulo 1O QUE E DEUS ?

Conviccoes sao prisoes, um espırito

que queira realizar belas obras, que

tambem queira os meios necessarios, tem

de ser cetico. Estar livre de toda forma

de crenca pertence a forca, ao poder de

ver sem algemas. (Nietzsche)

1.1 Introducao

Julgo nao haver pergunta mais importante para a humanidade hodiernaque esta:

O QUE E DEUS ?A importancia desta pergunta∗ − mais do que qualquer outra − se da

pelo fato de que diz respeito diretamente a vida de bilhoes de seres humanosna face do planeta.

Uma outra questao relacionada a esta que eu gostaria de levantar: seacaso alguem − ou alguma religiao − adotar uma forma equivocada, pos-sivelmente ate perniciosa, de se relacionar com Deus o leitor acha que Deusestara preocupado em desfazer o equıvoco?

Na Africa existe uma tribo que adora a divindade na figura de umcrocodilo, chegam ate a mutilar o proprio corpo para parecerem com o seuDeus, o crocodilo. Na India um grupo tambem mutila o corpo como umaforma de adoracao a divindade.

Daqui − e de inumeros outros possıveis exemplos − concluimos quese pode adorar a Deus de uma forma extremamente nociva sem que Eleesteja preocupado em desfazer o equıvoco. Por oportuno, a Igreja Catolicaem nome de Deus exterminou milhares de seres humanos utilizando-se dastorturas, fogueiras e Cruzadas − Deus nao impediu nada disto.

∗Doravante a chamaremos de “a quest~ao fundamental”: O QUE E DEUS?

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E Neste contexto que vejo a importancia de se tentar responder a quest~ao

fundamental. Existem, como se sabe, centenas − possivelmente milhares− de respostas a esta pergunta, numa rapida pesquisa constatei as seguintes:

Deus

Bahai

Hinduısmo

Budismo

Jainismo

Confucionismo

Sufismo

Taoısmo

Xintoısmo

Tenrikyo

Judaısmo

Islamismo

Cristianismo

Hare Krishna...

Com certeza essa lista ainda poderia ser ampliada significativamente, porexemplo, deixamos de fora dezenas de religioes africanas. Sem mencionar ascentenas de Deuses que hoje encontram-se soterrados nas ruinas do tempo.

O leitor, em algum momento de sua vida, ja parou para se perguntarse nao estaria sendo vıtima de uma ilusao, de um embuste, dentro de suapropria religiao?

Um fenomeno religioso interessante e que cada um acredita estar com averdade e “o outro” com o erro. Dentre estas dezenas, centenas, de con-cepcoes de Deus existem muitas que se contradizem entre si, entao e obvioque nem todas podem estar corretas, ou ainda, que muitos vivem numailusao, cultuam uma quimera − uma fantasia construida pela mente dossacerdotes.

A quest~ao fundamental esteve presente em minha mente durante muitotempo, tornou-se quase uma obsessao para mim a investigacao do que possavir a ser isto que chamam de Deus.

E por que esta questao tornou-se fundamental para mim? Dentre muitasrazoes uma delas e que eu poderia passar toda a minha vida no papel de tolo,

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adorando um falso Deus, que a tradicao me ensinou como sendo o verdadeiro,e se nao fosse? Eu estaria certamente correndo o risco de desperdicar grandeparte da minha vida adorando uma ilusao, adorando um ıdolo fabricado“pelos meus antepassados ”. Uma outra razao, talvez a mais importante, eque me causa do ver milhares de seres humanos, cegos, vıtimas dos embustesreligiosos de pastores e sacerdotes.

Entre um primitivo que traja uma pele de crocodilo para cultuar suadivindade e um cardeal que veste-se com uma batina de cor purpura e deseda − ou um pastor que traja paleto e gravata − para cultuar a sua quegarantias podemos ter de que o relacionamento (concepcao) do padre sejasuperior ao do ındio?

A batina de purpura deles deveria

designar o amor ardente a Deus, mas

agora, significa a cupidez do dızimo.

(Erasmo de Rotterdam (1466-1536))

Haveria alguma prova irrefutavel a este respeito? Creio que nao, tudotrata-se de crencas − como estaremos argumentando ao longo deste livro.

Entre qualquer finito e o infinito (Absoluto) a distancia e sempre infinita,e precisamente nesse contexto que a liturgia do padre e do pastor se igualama do primitivo.

Talvez nao constitua exagero afirmar que seja mais facil apontar incon-gruencias na concepcao do padre que na do primitivo − como estaremosmostrando em momento oportuno.

Claro, poderia-se refutar: Deus nao e uma questao de provas mas de fe,de sentimento. Respondo que todos os selvagens tem fe e sentimento no queacreditam ser Deus.

Em minhas pesquisas sobre a quest~ao fundamental descobri algunsfatos, como poderia dizer, bizarros, extravagantes, como por exemplo

1.2 Deus Pode Mentir, Pode ser Desonesto

Estas duas afirmacoes obviamente se referem ao que muitos entendem ecultuam como Deus, nao excetuando o Deus cristao. Estarei me esforcandopara provar minha tese, para comecar farei uma “acareacao” entre doisDeuses e provarei que um dos dois esta mentindo.

Inicialmente vou apresentar-lhes uma religiao japonesa e monoteısta,surgida em 26 de Outubro de 1838 por nome Tenrikyo. Essa religiao hojeesta difundida por todo o Japao e por diversos outros paıses, e possui umnumero de seguidores estimado em 2 milhoes. No Brasil iniciou-se em 1929,a sede desta Igreja encontra-se na cidade de Bauru, no interior de Sao Paulo.

O Deus adorado pelos seguidores da Tenrikyo chama-se Deus-Parens.†

†Comparando-se com o amor entre pais e filhos dos seres humanos − Parens do latim,que significa tanto pai como mae.

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Foi em minhas pesquisas que me deparei com o Deus-Parens da Tenrikyo.Os biologos, em pesquisas geneticas, se utilizam da mosca-das-frutas comomodelo, dentre outras razoes por seu reduzido numero de genes (15 mil).De modo analogo, achei Deus-Parens um excelente modelo para o estudo dofenomeno religioso, inclusive como contribuicao para a pesquisa do que sejaisto que todos chamam de Deus − por ser um Deus (fenomeno) relativamentenovo comparado a outros.

A religiao Tenrikyo revelou-se um excelente modelo para o estudo dofenomeno religioso. E, como o cristianismo, uma religiao revelada. As-sim como Jesus recebeu o “Espırito de Deus-Pai ”, a senhora Miki Naka-iama recebeu o “Espırito de Deus-Parens”; assim como o cristianismo contacom uma Bıblia a Tenrikyo conta com uma Bıblia (Escritura) por nomeOfudessaki †, assim como Jesus realizou milagres a Sra Miki tambem:

[. . .] E comecou a aparecer nas vizinhancas, quem se aproximasseadorando-a como uma deusa viva. Ensinou-lhes, entao, que a origemdas doencas esta no proprio espırito e realizou inumeras curas ex-traordinarias. Mesmo as doencas tidas como incuraveis nao eram diantedela. Os cegos adquiriram prontamente a visao e os loucos, a clara lu-cidez. (Doutrina de Tenrikyo, p. 49)

De sorte que esta religiao me foi como um achado primoroso para oestudo do fenomeno religioso e para minha pesquisa sobre O QUE E DEUS.

Voltando a minha tese de que Deus pode mentir e, por conseguinte serdesonesto, vou cotejar dois Deuses. O Deus de judeus e cristaos diz:

“Porventura nao sou eu, o Senhor? E nao ha outro Deus senao eu ”

(Is 45:21)

Por outro lado, o Deus da Tenrikyo retruca:

Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. Nesta casa ha uma predes-tinacao. Desta vez, revelei-me neste mundo para salvar a humanidade,Desejo ter Miki como meu Sacrario. (Doutrina de Tenrikyo, p. 3)

Do exposto, minha conclusao e a de que ou o Deus dos cristaos estamentindo ou o Deus dos “parentes ” esta mentindo − ou ambos −, e, porconseguinte, ou os cristaos estao sendo enganados ou os parentes estao sendoenganados, nao vejo outra alternativa.

Nota: Nao sei como sao chamados os adoradores do Deus-Parens, para fa-cilitar a comunicacao decidi chama-los por esse nome.

Aqui existem duas alternativas que podem ser seguidas pelos membrosdestas religioes: Ou tentarao conciliar (harmonizar) os dois Deuses − porexemplo dizendo-nos que o mesmo Deus manifestou-se em epocas distintas

†Ponta do Pincel ou Escritura Divina.

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− ou cada um considerara o seu proprio Deus como sendo o verdadeiro e oda outra o falso.

Quanto a tentiva de conciliacao, o Deus-Parens mantem-se irredutıvel,revelou-se a este mundo pela primeira vez atraves da senhora Miki Naka-iama. (Vida de Oyassama, p. 130)

No maximo Deus-Parens considera os Deuses anteriores como seus subal-ternos, veja∗:

O Deus real e verdadeiro deste mundo sou Eu, Tsukihi. Todos osdemais sao meus instrumentos. (Ofudessaki, VI-50)

Deus-Parens faz questao de enfatizar que embora Ele seja o Deus ver-dadeiro, que criou o homem e o mundo e por quem todos sao vivificados,nao e nenhum dos deuses tradicionais das preces, exorcismos e evocacoes.

(Doutrina de Tenrikyo, p. 11)

Sendo assim fica excluida a possibilidade de que o Deus de judeus ecristaos (Jeova) e o Deus dos parentes (Parens) seja o mesmo Deus. Con-clusao: um dos dois esta mentindo − Ou ambos.

Resta a outra alternativa: Os cristaos diriam que o seu Deus e o ver-dadeiro e os parentes diriam que o seu e que e o verdadeiro Deus.

Antes de mais nada no momento nao estou propriamente interessadoem discutir qual o verdadeiro Deus − esta questao nos levaria muito longee nos desviaria do principal − estou interessado em estudar o fenomenoreligioso em si, isto e, como surge e se propaga uma religiao, e isto o queme interessa. Observe-se que existem milhoes de seguidores em ambas asreligioes, e, de mais a mais, e obvio que as conclusoes a respeito destesdois microuniversos podem ser estendidas a outras religioes, isso e o que meinteressa de momento.

Por outro lado, e nao menos importante, como Deus-Parens veio para“salvar a humanidade” e como ele se auto proclama o unico Deus verdadeiro,sua religiao ja nasce com o estigma da intolerancia, do fanatismo, uma vezque eles se acham na obrigacao de converter toda a humanidade. O que foidito desta religiao se aplica igualmente a todas as outras.

Resumindo: Um dos primeiros resultados de minha pesquisa sobre aquest~ao fundamental e este: Que Deus pode ser mentiroso, que uma re-ligiao pode ser fundada sobre uma mentira.

Insistindo, para os que porventura ainda nao compreenderam: assimcomo a religiao Tenrikyo foi fundada por um espırito suspeito, desejoso deser adorado como um Deus (como de fato aconteceu), de igual modo areligiao judia − e por extensao a crista − foi fundada por um outro espırito,tambem suspeito, nao confiavel, proclamando-se Deus, neste caso Jeova.

∗Tsukihi, e uma outra denominacao do Deus-Parens. Significa Lua-Sol.

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Ou entao, deveremos concluir que podem existir tantos deuses quantosforem os tolos dispostos a acreditar em suas promessas de salvacao e bem-aventurancas. Igualzinho ao que ocorre com respeito as inumeras igrejasevangelicas; digo, qualquer um pode tornar-se um “pastor ”, desde que exis-tam tolos em numero suficiente para dar-lhes credito. Como diz o ditado:Assim como embaixo, tambem encima.

1.3 Deus e o Mal

Eu formo a luz e crio as trevas; eu

faco a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faco

todas estas coisas. (Is 45 : 7)

Outro resultado surpreendente de minha pesquisa e a proximidade (conubio)entre Deus e o mal. No que concerne ao mal descobri que Deus e capaz decertas praticas que nem todo ser humano o seria, ou ainda, que muitos sereshumanos reprovariam. Nao creio que todo ser humano seja capaz de matarseu animal de estimacao caso este lhe desobedeca, Deus fez bem mais e piorque isto:

Entao certamente feriras ao fio da espada os moradores daquelacidade, destruindo ao fio da espada a ela e a tudo que nela houver, ateos animais. (Dt 13 : 6− 10, 15)

O livro “Vida de Oyassama”∗ relata como a Sra Miki Nakaiama veio atornar-se Sacrario (“hospedeira” ) de Deus-Parens; dadas as circunstanciasda ocasiao, inclusive casa, marido e filhos pequenos para cuidar, a propostade Deus-Parens foi inicialmente rejeitada por todos os familiares. Deus-Parens negou-se terminantemente a aceitar a recusa, tentou impor a suavontade de diversos modos, inclusive adoecendo membros da famılia da SraMiki e ameacando destruir a residencia da famılia:

Deveis agir de acordo com a intencao de Deus original. Aceitai oque Eu, Deus, vos digo. Se ouvirdes, Eu a farei salvar todos os povos domundo. Se recusardes, farei com que nao sobre nem o po desta casa.

(Vida de Oyassama, p. 6)

Diante de uma proposta tao “solıcita” destas a famılia nao teve outraalternativa que nao render-se aos apelos de Deus-Parens.

Independente de qualquer outra coisa observe em que bases uma religiao− que esta difundida por todo o Japao e por diversos outros paıses, inclusiveo Brasil, enfatizo − pode ser fundada.

∗Que significa Nossa Mae. Oya e um prefixo que designa pai e mae, indistintamente;Sama e um sufixo honorıfico.

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Minha analise da conjuntura

Tocar-se-a a buzina na cidade, e o

povo nao estremecera? Sucedera qual-

quer mal a cidade, e o Senhor nao tera

feito? (Am 3 : 6)

O que e Deus? Segundo a concepcao vigente do que seja Deus, a logicanos permite concluir que das duas uma: Ou Deus e responsavel diretamentepelos males do mundo ou indiretamente, ja que nada acontece sem o seuconsentimento, ou concurso.

Disse anteriormente − pelas razoes apresentadas − que ou o Deus Jeovaou o Deus Parens, ou ambos, sao mentirosos. A minha tese e que ambos saomentirosos. Ou devemos refinar nosso conceito de Deus.

Deus-Parens afirma: “Eu a farei salvar todos os povos do mundo”. Sin-ceramente nao creio que a humanidade sera salva por esse Deus − o leitoracredita? − e, por conseguinte, o tenho na conta de um megalomanıacomentiroso.

Estive refletindo sobre a questao da “salvacao da humanidade ”, da pers-pectiva colocada pelas religioes, e a minha conclusao e a de que trata-se deum engodo, farsa, falacia, embuste, sofisma. Esse, a salvacao, e o principalinstrumento de dominacao das religioes.

A esse respeito a estrategia das religioes e muito simples: Tu estas con-denado e eu te ofereco a salvacao!

Espera aı ! quem disse que eu estou condenado? quem determinou queassim seja?

No que me diz respeito, nao me sinto condenado e, portanto, nao pre-ciso de nenhuma religiao para me “salvar”. Creio que o homem precisa sesalvar de uma unica coisa: da ignorancia e, por conseguinte, de todas assupersticoes, inclusive religiosas; isto e, precisa urgentemente se salvar dasreligioes e dos sacerdotes (padres e pastores, notadamente). Essa e a unicasalvacao necessaria em que creio.

Vejamos uma analogia para que eu me faca melhor entender: Tudo sepassa como se o espırito de um “deus-cirurgiao-plastico” baixasse em umacidade e proferisse: tem muita gente feia nesta cidade, vou tratar de “salva-los”, se seguirem meus preceito$.

Espera aı, um momento! quem disse que feiura e pecado? E ele, ocirurgiao, quem esta afirmando, e razoavel eu acreditar nisto?

Ocorre algo similar pelo lado das religioes. Ninguem esta condenado porviver em um dado nıvel de consciencia. Uma crianca nao precisa ser “salva”por viver em seu proprio nıvel. Um escolar nao precisa ser “salvo” por estarno ensino primario. Um canibal nao precisa ser “salvo” por refestelar-secom a carne do inimigo.

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Enfatizo: nao creio que Deus fara com que um canibal queime eterna-mente no fogo do inferno, mesmo se ele devorar o padre (ou o pastor) quetentar “salva-lo” propondo-lhe aceitar “o sangue de Jesus”.

Em todos os casos trata-se de nıveis de consciencia, ninguem esta con-denado ao inferno por isto. O que e necessario e um cambio de consciencia.Precisam ser “salvos” da ignorancia e nao do inferno. Neste contexto, muitosreligiosos ainda precisam ser salvos uma vez que o fato de aceitar uma re-ligiao nao torna ninguem sabio, muito pelo contrario.

Que o estado de pecado no homem nao e um facto, senao apenas ainterpretacao de um fato, a saber: de um mal-estar fisiologico, conside-rado sob o ponto de vista moral e religioso. O sentir-se alguem “culpado”e “pecador”, nao prova que na realidade o esteja, como sentir-se alguembem nao prova que na realidade esteja bem. Recordem-se os famosos pro-cessos de bruxaria; naquela epoca os juızes mais humanos acreditavamque havia culpabilidade; as bruxas tambem acreditavam; contudo, a cul-pabilidade nao existia. (Nietzsche/A Genealogia da Moral)

Eu creio em mestres, nao em salvadores. Jesus morreu ha dois mil anospara “salvar” a humanidade, dizem-nos padres e pastores; acontece que ob-servando a minha volta nao vejo que os homens tenham melhorado por causadisto, inclusive ovelhas e pastores; acompanho pela televisao, revistas e in-ternet e tenho constatado com sobejos exemplos que o sangue de Jesus naocontribuiu com a salvacao nem dos proprios padres e pastores; minto, con-tribuiu com a “salvacao material” uma vez que eles sustentam a si proprios− e a toda uma hierarquia parasita − vendendo o sangue de Jesus, isto e,“a salvacao”.

Perceberam a falacia, o embuste das Religioes? Com a proposta da“Salvacao” e a ameaca do inferno elas mantem milhoes de almas prisioneirasdos seus ardis. Esta e precisamente a razao de suas existencias.

Nao existem messias (. . .) Se esperarmos um messias, ficaremos es-perando; se reagirmos aos desafios do presente e do futuro como agentesmorais responsaveis, como aspirantes a cidadaos peregrinos, estaremosagindo. Quando agimos, um processo cumulativo se desdobra, lıderesemergem e novos horizontes de aspiracao realista se apresentam.

(Richard Falk, Explorations at the Edge of time/“Exploracoes a Margem do Tempo”)

Ha muito tempo a pedagogia aboliu a palmatoria nas escolas como ummetodo contraproducente, a ameaca de castigos e torturas psicologicas naoentraria em nenhum manual moderno de psicopedagogia . . . e assaz impres-sionante como todos vem isto com a maior naturalidade quando praticadopelas igrejas. Muitos pais nao aceitariam que seus filhos fossem torturadosnas escolas, mas aceitam de bom grado que o sejam nas igrejas − isto meparece um comportamento incongruente, irracional.

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Encontrei em um pequeno livro∗ catolico um bom exemplo para ilustrara que me refiro, o comentarista afirma:

Noutro dia, fui dar uma aulinha de catequese as criancas da primeiraEucaristia. Num dado momento eu falei sobre o pecado e de como Deusfilma cada ato, cada pensamento, cada mentira que se da para a mamae.

Neste momento um menino me interrompeu e, dando um profundosuspiro disse com os olhinhos arregalados, como pego em falta: MeuDeus! Entao e assim!. . . E realmente e assim![. . .] E vai para la expiar suas faltas, nao forcada, mesmo que as doresdo Purgatorio sejam equivalentes as do inferno, com a diferenca que estee eterno e aquele um dia acaba. (p. 47)

Veja que a pedagogia deste “instrutor”, deste asno de catequese, e ado terror − se confirma isto em varias outras passagens do livro −, desdecedo as criancas sao ensinadas a verem Deus como um carrasco, como umdemonio. Depois ainda se pergunta por que existem ateus. Ja disse emoutras ocasioes e volto a repetir: tenho quatro filhos nunca os levei a umareligiao. Nao os quero antolhados como cavalos.

Retomando, ainda com respeito a analogia do “deus-cirurgiao-plastico”podemos lograr mais um precioso aprendizado. De fato, o “deus-mıdia”levanta, dentre estrelas e celebridades, alguns padroes de beleza e muitossuditos se esforcam por atingı-los movimentando assim toda uma roda fi-nanceira arquimilionaria; de igual modo se da pelo lado das religioes, elaslevantam ıdolos − tais como, Jesus, Virgem Maria, Santo este, Santo aquele− e as coitadas das cegas ovelhas movimentam quantias bilionarias e daosustentacao a todas estas instituicoes parasitarias, vampiras.

Ainda tem mais, assim como vez ou outra vemos muitos mutilados (de-formados) fısicamente, vıtimas de cirurgioes incompetentes, de modo per-feitamente similar se da pelo lado das religioes: muitos sao mutilados naalma e no espırito, vıtimas de lobos sanguinarios − Como exemplo de mu-tilacao da alma citamos a cegueira, a alienacao e o fanatismo que sao osfrutos das religioes atuais.

1.3.1 “Deus” e o demonio podem ser uma mesma entidade

Eu formo a luz e crio as trevas; eu

faco a paz e crio o mal; eu, o Senhor,

faco todas estas coisas. (Is 45 : 7)

Assim eu peco a Deus que me livre

de Deus. (Mestre Eckhart)

Martinho Lutero ao defrontar-se com a corrupcao do Clero de sua epocae apos varias experiencias com o demo chegou a cogitar de que este e Deuspoderiam tratar-se de uma mesma entidade. A frase em epıgrafe, de mestre

∗O livro da vida, Gloria Polo com comentarios de Arnaldo Haas.

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Eckhart, pode apontar nesta direcao: Eu peco a Deus (o verdadeiro) queme livre de Deus (da Igreja), o demo.

De fato, em muitas manifestacoes creio que o demo e “Deus” podemtratar-se de uma mesma entidade. Por oportuno, nao foi Jesus que nosalertou de que esta entidade malevola pode se transvestir de um Anjo deLuz? Essa minha conclusao veio a ser reforcada quando tomei conhecimentopela internet de uma outra religiao japonesa por nome Sukyo Mahikari. Asede mundial desta entidade localiza-se em Takayama, no Japao. Existemsedes regionais na America Latina, America do Norte, Australia, Singapura,Europa e Africa. Existem centros da Sukyo Mahikari em mais de 75 paıses.

Esta organizacao foi fundada por Kotama Okada a 28 de Agosto de 1959,apos ter recebido uma revelacao de Deus Criador − Segundo ele proprio.

Pois bem, li as denuncias de dois ex-membros desta instituicao e fiqueipasmo, estupefato; por um lado de como existem pessoas diabolicas a frentedas religioes − nas igrejas evangelicas vemos muito disto − e por outro ladopessoas obtusas ao ponto de se deixarem enganar, o que me fez recordar deuma sutil observacao de um eminente filosofo, diz ele:

Pois o mundo constitui o inferno, e os

homens formam em parte os atormenta-

dos, e noutra, os demonios.

(Schopenhauer/Parerga e Paraliponema)

Schopenhauer dividiu o mundo nestas duas classes, eu poderia dividı-loem outras duas:

Pois o mundo constitui um aprisco, e os homens formam em parteas ovelhas, e noutra, os lobos tosquiadores. (Parafrase)

De meus estudos e reflexoes nao tenho duvidas de que uma grandeparcela da humanidade precisa ser salva: precisamente a que se encontradentro das religioes; esta sim precisa urgentemente ser liberta − nao os queestao fora.

Porque surgirao falsos cristos e fal-

sos profetas, e farao tao grandes sinais

e prodıgios que, se possıvel fora, enga-

nariam ate os escolhidos.

Mais ai de vos, padres, pastores e

“mestres”, hipocritas! Pois que fechais

aos homens o reino dos ceus; e nem vos

entrais, nem deixais entrar aos que estao

entrando. (Mt 23 : 13/Parafrase)

Existe uma passagem no livro do Apocalipse que desde ha muito tem medespertado algumas reflexoes, julgo que esta passagem esconde ensinamentosjamais suspeitos pelo homem, ei-la:

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Aconteceu entao uma batalha no ceu: Miguel e seus Anjos guer-rearam contra o Dragao. O Dragao batalhou juntamente com os seusAnjos, mas foi derrotado, e no ceu nao houve mais lugar para eles. Essegrande Dragao e a antiga serpente, e o chamado Diabo ou Satanas. Eaquele que seduz todos os habitantes da terra. O Dragao foi expulso paraa terra, e os Anjos do Dragao foram expulsos com ele. (Ap 12 : 7− 9)

Pelo ao menos a mim aqui esta claro que “O Dragao foi expulso para aterra, e os Anjos do Dragao foram expulsos com ele.”

A minha tese e a de que chegando aqui os demonios utilizaram as religioespara exercerem domınio sobre os homens. Todavia, devo admitir que estatese nao chega a ser tao original quanto poderia parecer a primeira vista,observe:

Uma historia antiga. . .Um jovem diabo vem correndo ate seu chefe.Ele esta tremendo e diz ao velho diabo: “Algo deve ser feito imediata-mente, porque na Terra um homem encontrou a verdade! E uma vez queas pessoas conhecam a verdade, o que vai ser de nossa profissao?”

O velho diabo riu e disse: “Sente-se, descanse e nao se preocupe.Tudo esta sob controle. Nossa gente ja esta la”.

Mas o jovem disse: “Estou voltando de la e nao vi nenhum diabo”.

O velho respondeu: “Os sacerdotes sao minha gente. Eles ja cercaramo homem que encontrou a verdade. Agora se tornarao os intermediariosentre o homem da verdade e as massas. Vao erguer templos, vao escreverescrituras, vao interpretar e distorcer tudo. Pedirao ao povo que adoreme rezem. E em toda essa confusao a verdade sera perdida. Esse e meuvelho metodo, sempre deu certo”. ([3], p. 71)

Em minhas pesquisas sobre a quest~ao fundamental (O que e Deus?) oDeus-Parens foi um primoroso achado, me trouxe uma nova luz sobre essaquestao, me abriu uma nova dimensao. Pelo que pude inferir trata-se deuma entidade, digo, de um demonio, fazendo-se passar por Deus, fundouuma religiao e e adorado por milhoes de pessoas como um Deus verdadeiro:

Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. [. . .] revelei-me nestemundo para salvar a humanidade.

Explico melhor: Ja disse em outra ocasiao que a realidade nao e unıvoca,sempre pode ser interpretada de varias perspectivas, tudo se passa como naseguinte ilusao de otica:

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Na figura da esquerda se olharmos de uma certa perspectiva veremos umabela jovem e de uma outra perspectiva veremos uma velha bruxa. Por opor-tuno, as religioes sao especialistas nestas “ilusoes de otica”, elas fazem comque as pessoas enxerguem apenas a “bela jovem” e, pela lavagem cerebral,impedem que as pessoas detectem a “velha bruxa”. Vejamos o caso daTenrikyo, ela faz com que as pessoas vejam apenas o “lado belo” do Deus-Parens: “salvacao da humanidade ”, “revelacao de misterios ”, “amar a hu-manidade ”, “todos os seres humanos sao irmaos, criacao do nosso Deus ”,etc., e, ademais, toda uma sorte de rituais. Escondem a “velha bruxa” emseu Deus, que e o engodo, a farsa, o embuste, etc. Lembrem-se de como oculto a este Deus surgiu − pela forca, pela imposicao.

Em varias passagens de suas Escrituras Deus-Parens promete cumu-lar seus filhos de bem-aventuranca e sabedoria, revelando-lhes “grandesmisterios”, por exemplo:

Mostrarei uma realizacao tao extraordinaria quanto ao princıpio dacriacao deste mundo. (Of. VI −7)

Ou ainda:

Originalmente, este mundo foi um mar de lama. Tsukihi ou Deus-Parens, julgando insıpida essa condicao caotica, teve a ideia de criar oshomens e compartilhar da sua alegria, vendo-os viverem felizes, plenosde jubilo. (Doutrina de Tenrikyo, p. 26)

Pergunto: se esse e o desejo de Deus, e ele sendo de fato Deus, o que oimpede de conseguir seu objetivo maior, relativamente ao homem?

Se Deus quer de fato “salvar a humanidade” o que o impede? Claro,todas as religioes jogam a culpa no proprio homem. Ora, se o homem tema capacidade de frustrar Deus em seus planos entao teremos que convir queDeus nao e “Todo-Poderoso”, nao neste aspecto, pelo ao menos.

Em varias partes, como ja disse, Deus-Parens revelara “misterios e sabedo-ria” extraordinarios aos parentes. Perdoem-me a franqueza, muita ver-borreia, muita bravata; dificilmente a ciencia poderia esperar beneficiar-secom a revelacao destes “extraordinarios misterios”, observe como deu-se acriacao dos homens:

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[. . .] Em seguida, chamou um golfinho do noroeste e uma tartarugado sudeste. Obtendo consentimento, tomou-os tambem para si, comeu-ospara provar os seus sabores espirituais e, discernindo as suas respectivasqualidades, decidiu fazer uso do primeiro como o orgao genital masculinoe a estrutura ossea com a funcao de suportar o corpo, e da segunda comoo orgao genital feminino e a pele com a funcao conexadora. Colocou-osrespectivamente no corpo do sirenio e da cobra branca, os quais foram,entao, determinados como os prototipos de homem e mulher.

(Doutrina de Tenrikyo, p. 27)

E a isso a que me refiro (e muito mais): embuste e alienacao, e esta aface da “velha bruxa” que os mıopes nao enxergam − porque seus lıderesvolvem suas cabecas na outra direcao. Sao antolhados como cavalos.

O que me fez propriamente desconfiar deste Deus foi sua enfase excessivana “salvacao da humanidade”. Se ele fosse Deus mesmo teria lembrado deque ja enviou seu Filho com este mesmo proposito . . . ou nao?

Independente de quem seja o verdadeiro salvador, acontece que dois milanos depois, meus olhos nao vem que a humanidade tenha sido salva, pelocontrario, em muitos aspectos, cada vez pior. O outro “salvador”, peloque me consta, nao salvou nem os do seu proprio redil; e suficiente olhar ahistoria pregressa do cristianismo, e suficiente passar uma ligeira vista noscristaos hodiernos.

Nao creio na “salvacao da humanidade”, meu raciocınio, secundado peloque meus olhos me mostram, me diz que a “salvacao” e individual e trata-sede salvar-se da ignorancia, esta e a verdadeira trevas.

A proposito, um dos metodos de ensino do zen budismo e a “terapia dechoque” ilustrada no seguinte dialogo:

Discıpulo: Qual e o caminho para a libertacao?

Mestre: Quem esta te acorrentando?

Discıpulo: Ninguem esta me acorrentando.

Mestre: Entao, por que queres ser libertado?

Adaptando essa iluminada parabola para o nosso contexto cristao, temos:

Discıpulo: Qual e o caminho para a salvacao?

Mestre: Quem te disse que estas condenado?

Discıpulo: Os padres, os pastores, as igrejas.

Mestre: Entao, te livra dos padres dos pastores e das igrejas.

Resumindo e isto: pela mente nos tornamos prisioneiros e pela mentetambem podemos nos tornar livres, simples nao?

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Quanto a minha tese − a de que um demonio pode muito bem fundaruma religiao − pode-se levantar algumas questoes:

1a ) E Deus mesmo (o verdadeiro) como pode permitir isto? Como pode per-mitir que milhoes de pessoas sejam enganadas a vida inteira por demonios?

2a ) Como estas entidades poderiam estar por tras das religioes manipulandoas pessoas se, nao raro, as igrejas so falam de amor ao proximo, de salvacao,de caridade, de felicidade, de paz, etc., etc.?

Para responder a estas perguntas basta volvermos, ao menos por um ins-tante, o olhar “dos ceus” (do paraıso) de volta a terra. Com efeito, aquimesmo na terra existem homens que se dizem Deus e sao adorados pormilhoes como se de fato o fossem − Deus permite isto.

Os pastores e padres das igrejas nao falam de outra coisa que nao salvacao,amor, paz, bem-aventuraca, etc. Prestem atencao na vida de muitos deles.Veja a historia pregressa da Igreja: Cruzadas, torturas, fogueiras, Santa In-quisicao, etc. Numa mao a Bıblia e na outra a espada.

Outro dia assisti pela televisao um documentario de um destes lıderes quenao apenas dizia-se Deus como era adorado como tal. Um mıstico argentinoque vivia em uma grande comunidade (Arsham) com seus seguidores. Ofato de ele ter sido envolvido em um escandalo de pedofilia, ter passado umano atras das grades, nao mudou em nada a veneracao por parte de seussuditos. Eles justificavam-se dizendo que seu Deus fora vıtima de calunias,era o demonio tentando desestabilizar a obra deles.

Ja se disse que a inteligencia humana tem limites, a estupidez nao.Ademais, se Deus nao impediu que surgisse um Hitler, e muitos outros

ditadores sanguinarios (demonios), o que mais nao se poderia esperar?Talvez nao tenha sido sem razao que Confucio, dirigindo-se a seus discıpu-

los, disse-lhes: “Mostrem respeito pelos deuses, mas mantenha-os a distancia.”

O que foi dito do Deus-Parens e a sua face oculta de velha bruxa aplica-seigualmente a outros Deuses, como o de judeus e cristaos, o Deus Jeova. Eque as religioes nos antolham como a cavalos e so nos fazem ver o lado dabela “jovem” e “esquecem” de nos mostrar a face da velha bruxa:

Porque Deus amou o mundo

de tal maneira que deu o seu

Filho unigenito, para que todo

aquele que nele cre nao pereca,

mas tenha a vida eterna.

E com pedras o apedrejaras,

ate que morra, pois te procurou

apartar do Senhor, teu Deus.

Eu formo a luz e crio as

trevas; eu faco a paz e crio o

mal; eu, o Senhor, faco todas es-

tas coisas. (Dt 13 : 10, Is 45 : 7)

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Por exemplo: criancas esqualidas e moribundas morrendo de fome epeste em varias partes do mundo, dois mil anos de crimes em nome deDeus∗, Hitler, a escravidao, torturas e fogueiras, tsunamis, terremotos, umleao trucidando uma gazelinha, etc. etc.

Pergunto ao distinto leitor: Se lhe fosse dado projetar um mundo (“Ar-quiteto do Universo”, “Designer Inteligente ”), voce o projetaria de tal modoque seu cao de estimacao se alimentasse do seu gato de estimacao?

Sabedoria e loucura sao qualidades baseadas em nosso julgamento. Omundo nao esta cheio de mil coisas que nos parecem loucas? As pessoas,em funcao das quais adoramos pensar que o mundo tenha sido criado,nao sao frequentemente insensatas e irracionais? Os maravilhosos ani-mais, exaltados como obras de um Deus imutavel, nao se alteram con-tinuamente e nao terminam por destruir-se? (Paolo Rossi)

Semideuses

Ainda a respeito dos espıritos Jeova e Parens. Volvendo os olhos ao nossopequeno planeta terra podemos aprender muito a respeito da “outra di-mensao”, a espiritual. Alguns espıritos tanto encarnados (homens) quantodesencarnados tem o poder de criar “universos”, isto e facil de constatarse nos voltarmos para as criacoes da ciencia. Na matematica em particu-lar seria muito facil enumerar diversos universos (e teorias) criados pelosespıritos deste campo particular. Embora muitos destes universos criadossejam no campo puramente abstrato da matematica nao e difıcil constatarque existe uma simbiose (amalgama) entre abstracao e realidade concreta.Por exemplo, toda a parafernalia tecnologica atual, de que somos teste-munhas, assenta-se em descobertas da fısica quantica e esta fundamenta-sena matematica abstrata.

De repente, a eficacia do esforco matematizante e tal que o realse cristaliza nos eixos oferecidos pelo pensamento humano: novosfenomenos se produzem. Pois e possıvel falar sem hesitacao de umacriacao dos fenomenos pelo homem. O eletron existia antes do homemdo seculo XX. Mas, antes do homem do seculo XX, o eletron nao can-tava. Ora, ele canta nos computadores, televisores e celulares.

(Gaston Bachelard/A formacao do espırito cientıfico, p. 305/Parafrase)

Os Espıritos, tanto dos homens quanto dos desencarnados, tem o poderde criar em todas as areas: ciencias, artes, literatura, religiao, etc.

Assim como o matematico, reitero, tem o poder de criar diversos uni-versos (Geometrias, por exemplo) outros espıritos tem a capacidade de criardiversos universos religiosos − Religioes diversas.

∗O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus.Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007.

Esse e o livro que sugiro ao leitor, uma das faces da “velha bruxa”.

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Algumas caracterısticas ocorrem no que diz respeito as construcoes daciencia:

1a ) Podem servir tambem para escravizar e ate para matar − O arsenal dearmamentos, inclusive a bomba atomica, e um flagrante exemplo;

2a ) Muitas ao longo dos seculos sao revistas ou caem no esquecimento pormostrarem-se inadequadas “aos novos tempos” − isto acontece ate mesmocom teorias matematicas;

3a ) Muitas destas construcoes posteriormente revelaram-se falsas, ou inade-quadas.

O que estou defendendo e que todas estas caracterısticas aplicam-se lite-ralmente ao universo das construcoes espirituais.

Agora vejam so, nas ciencias existem criterios objetivos para se validaruma dada construcao (criacao) e, mesmo assim, em algumas areas tem ocor-rido fraudes, imposturas. Ja pelo lado da espiritualidade a possibilidade defraude e cem vezes maior ja que nao existem controles “externos”, qual-quer um pode criar uma serie de regras, “rituais”, e se habilitar a “salvar ahumanidade”.

Pelo lado da espiritulidade ainda tem um outro serio agravante: “Aliberdade de expressao religiosa esta protegida por lei ”.

Tudo bem, acontece que os bandidos tem se valido desta prerrogativapara assaltar os pobres dos seres humanos ainda nao chegados a idade darazao. E aı nao deu outra: Muitos bandidos trocaram o revolver pela Bıbliae assaltam tranquilamente sob a protecao da lei.

A mais antiga escritura dos hindus, Os Vedas, estabelece rituais nosquais nao somente animais devem ser sacrificados para satisfazer osdeuses, mas ate mesmo seres humanos devem ser sacrificados − parasatisfazer um deus que ninguem jamais viu. Mas nenhum sabio daque-les dias levantou sua voz para dizer que isso e absolutamente ridıculo,completamente irreligioso, nao espiritual. Todos eles seguiram de maosdadas com a sociedade, apoiando com seus escritos ou com sua propriaforma de viver tudo aquilo que a sociedade acreditava.

A sua unica satisfacao era a de ser cultuado − mas ser cultuado e umtremendo alimento para o ego. Se a sociedade queria que eles vivessemnus, eles viviam nus; se a sociedade queria que eles vivessem em com-pleta pobreza, eles viviam em completa pobreza. Em suma, o velho sabioera exatamente o oposto do novo rebelde. O velho sabio era o ser obedi-ente e reprimido, com o ego satisfeito. De acordo comigo, ele era doente− espiritualmente doente. (Osho/O Rebelde, p. 15)

Nota: Apenas sugiro ao leitor trocar “velho sabio” por “velho santo”.Refiro-me aos santos obedientes e submissos a “Igreja de Deus”, Catolica.Nota: Nos capıtulos 3 e 4 estaremos retornando a analise da quest~ao

fundamental: O que e Deus?

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Capıtulo 2O ACARAJE DE JESUS

Se se torna motivo de alienacao, nao

necessitamos dela, pois a religiao e como

um remedio: se agrava o mal, torna-se

desnecessaria. ( Baha’ u’ llah)

2.1 Introducao

A motivacao (start) para eu redigir o presente capıtulo foi um programade televisao que assisti ha poucos dias. Versava este programa sobre o sin-cretismo religioso na Bahia.

Exibia a diversidade de manifestacoes religiosas encontradas somente nacapital, Salvador. A cena que nao consegui mais esquecer: Existiam muitasbancas de baianas vendendo acaraje em uma das pracas de Salvador, umadelas, que ficava bem em frente a uma igreja evangelica, teve a “brilhante”ideia de encimar sua banca com uma faixa na qual se lia:

“ACARAJE DE JESUS”

O mais incrıvel e que surtiu o efeito desejado, numa longa fila os crentesse acotovelavam para comprar o acaraje de Jesus. O reporter perguntou auma irma que se encontrava na fila por que ela nao comprava o acaraje emuma outra banca ja que tratava-se do mesmo bolinho, feito com os mesmosingredientes. A irma, exibindo uma certa empafia, respondeu que a razao eque somente o “acaraje de Jesus ” era abencoado, ungido por Deus.

Esta cena grotesca me desencadeou uma serie de reflexoes que resultaramno presente capıtulo. Inicialmente concluimos que tudo o que leva o “rotulo”de Jesus serve como motivo de discriminacao. Da mesma forma como elesdiscriminam um acaraje, por nao ser de Jesus, discriminam um ser humanoque nao partilhe de suas crencas. Segundo, reflita caro leitor no que asigrejas sao capazes de transformar um ser humano: em um perfeito idiota!

Ja foi enfatizado que a inteligencia humana e limitada, a estupidez, pelocontrario, nao tem limites, aı esta a prova: limpıda, cristalina e irrefutavel!

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2.2 Jesus nao liberta, Jesus Aprisiona

Nao apenas pela pungente cena descrita anteriormente, mas tambem poroutras observacoes e reflexoes, fui levado a indubitavel conclusao de que

Jesus nao liberta, Jesus Aprisiona!

Jesus nao liberta, Jesus Aprisiona!

Jesus nao liberta, Jesus Aprisiona!

De fato, qualquer um que pare para observar e refletir sobre o compor-tamento fanatico e alienado de crentes − e boa parte de catolicos − chegaraa conclusao de que sao robos ambulantes, hipnotizados pelos seus lıderes.

Ja pesquisei na internet sobre o fenomeno do sonambulismo, existemos que, enquanto dormem, falam ao celular, sobem escadas, digitam nocomputador e ate dirigem carros. Esse e o nıvel de consciencia da maioriados religiosos, perderam a capacidade de discernimento e reflexao.

Eu poderia arrolar uma serie de argumentos para provar que o Jesus dehoje∗ nao liberta, ao contrario, aprisiona.

Observe que essa nao e uma hipotese, conjectura minha, mas sim arealidade que se encontra escancarada frente aos olhos de todo aquele quetem capacidade para enxergar.

Reflita, mais uma vez, sobre a cena do acaraje de Jesus. As igrejas, aovenderem toda sorte de bugigangas em nome de Jesus: oleo ungido, paoungido, dızimo, etc., etc. se constituiram em um covil de salteadores.

Os bandidos trocaram o revolver pela Bıblia

Padres e pastores evangelicos deveriam montar uma faculdade de pos-graducao para (pos)graduar os bandidos pes-de-chinelo, como o FernandinhoBeira-mar, por exemplo.

De fato, vejam como os bandidos que trajam paleto e gravata (ou vestembatina) sao muito mais inteligentes que aqueles que vendem os outros tiposde entorpecentes: assaltando com a Bıblia, no lugar do antiquado revolver,eles nao apenas estao a salvo de um par de algemas como ainda gozam daprotecao das autoridades (in)competentes − ou coniventes.

Se observarmos atentamente o comportamento de muitos crentes a con-clusao e a de que eles foram drogados (hipnotizados). Eu mesmo ja presencieium culto no qual tive a oportunidade de constatar (“in loco”) que nao e pre-ciso ingerir nada para se ficar drogado. Por oportuno, esse fenomeno nao enovo, a propria Bıblia assinala esta possibilidade, vejam:

∗Isto e, do que as igrejas fizeram com as “boas novas ” de Jesus.

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Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bebedos estao, masnao de vinho, andam cambaleando, mas nao de bebida forte.

Porque o Senhor derramou sobre vos um espırito de profundo sono,e fechou os vossos olhos, os pastores; e vendou as vossas cabecas, ospadres.

Pelo que toda visao vos e como as palavras dum livro selado que seda ao que sabe ler, dizendo: Ora le isto; e ele dira: Nao posso, porqueesta selado.

Ou da-se o livro ao que nao sabe ler, dizendo: Ora le isto; e eleresponde: Nao sei ler.

Por isso o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, ecom a sua boca e com os seus labios me honra, mas tem afastado paralonge de mim o seu coracao, e o seu temor para comigo consiste em man-damentos de homens, aprendidos de cor; portanto eis que continuarei afazer uma obra maravilhosa com este povo, sim uma obra maravilhosa eum assombro; porque a sabedoria dos seus padres perecera, e o entendi-mento dos seus pastores se escondera.

Ai dos que querem esconder profundamente o seu proposito do Sen-hor, e fazem as suas obras as escuras, e dizem: Quem nos ve? E quemnos conhece? (Is 29 : 9− 15/Parafrase)

Essa cena de Isaıas descreve com impressionante fidelidade as praticasreligiosas das igrejas atuais.

Por sinal, um outro pensador tambem atinou com uma relacao existenteentre estas praticas e as drogas, vejam:

Nao sao so as drogas e o alcool − a chamada religiao tambem temservido como um opio. Ela dopa as pessoas. E e claro que todas as re-ligioes sao contra as drogas, afinal elas atuam no mesmo mercado; lutamcontra a concorrencia. Se as pessoas usam opio, elas podem nao ser re-ligiosas; podem nao precisar ser religiosas. Ja encontraram o opio paraque se incomodar com a religiao? E o opio e mais barato, exige menosenvolvimento. Se as pessoas estao consumindo maconha, LSD e outrasdrogas mais sofisticadas, elas naturalmente nao vao ser religiosas, poisa religiao e uma droga muito primitiva. Por isso todas as religioes saocontra as drogas.

Nao que elas sejam realmente contra as drogas. E que as drogas saoconcorrentes e, evidentemente, se as pessoas nao tiverem acesso as dro-gas, elas fatalmente cairao nas armadilhas dos padres; nao lhes restaraoutra saıda. Essa e uma forma de monopolio, pois so havera esse tipode opio no mercado e tudo o mais sera considerado ilegal. [. . .]

E existem diferentes combinacoes de opio − Cristianismo,Hinduısmo, Maometismo, Jainismo, Budismo −, que nao passam decombinacoes diferentes. (Osho/Consciencia, p. 27)

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Certa feita eu lia um artigo da internet no qual o autor argumentava− dentro de determinado contexto − que de uma coisa ele tinha certeza:

“nenhum cientista pode refutar uma experiencia religiosa”. “Uma ex-periencia que se tem com Deus, nao pode ser contestada pela ciencia”, ar-gumentava ele.

Apos refletir um pouco, cheguei a conclusao de que nao e bem assim.Veja bem, a experiencia em si nao pode ser negada, nisto estou de acordo;entretanto, a interpretacao que se da a ela esta sim pode ser contestada. E oque acontece em um sonho, por exemplo. Qualquer que seja a interpretacaoque se de a um sonho, mesmo por quem sonhou, pode ser contestada.

Reitero: uma coisa e uma experiencia, outra bem distinta e a inter-pretacao que se decida dar. Um contra-exemplo mais contundente: supon-hamos, para efeitos didaticos, que um adolescente se masturbe pensando naatriz ou modelo de sua predilecao; certamente ele chegara ao orgasmo, masisto nao significa que a musa inspiradora tenha alguma coisa a ver com suaexperiencia − a nao ser o ter servido de inspiracao.

De igual modo podemos conjecturar que possa dar-se com muitas daspraticas religiosas contemporaneas. A experiencia (“orgasmo”) existe, naopode ser negada, agora que Deus tenha algo a ver com isso − a nao ser oter servido de inspiracao −, isto podemos discutir.

Quando assisto pela televisao certas experiencias religiosas − frenesis,gritos e lamurias − me pergunto se Deus tem algo a ver com tudo aquilo. Aimpressao que tenho e que os pastores se utilizam de determinados artifıciospara anestesiar as incautas ovelhas daı que resulta no que a Bıblia assinala:“Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bebedos estao, mas naode vinho, andam cambaleando, mas nao de bebida forte.”

Quando leio alguma frase ou pensamento ou argumentacao que me toca(sensibiliza) tenho a mania de divulga-la em meus escritos; a perola a seguirse aplica tambem aos pastores obviamente:

Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma faltade inteligencia nos chefes do movimento cristao: − Ah! sao astutos atea santidade os senhores padres da Igreja! o que lhes falta e outra coisamuito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, aomenos modestamente, de instintos convenientes e “limpos. . . ”

Seja dito entre nos, nao sao nem sequer homens. . . se o islamismodespreza o cristianismo, tem mil razoes para isso; o islamismo tem“homens” por condicao primaria. (Nietzsche)

O filosofo Nietzsche (1844 - 1900) viveu no seculo XIX, ha poucos diasassisti a uma missa pela televisao (Cancao Nova) e tive a oportunidade dever materializado frente a meus olhos o que foi dito acima: “sao astutos atea santidade os senhores padres e pastores das igrejas!”

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A tıtulo de exemplo, deixa eu ralatar-lhes uma santa astucia, uma ver-dadeira obra de “engenharia teologica”. Na missa o padre afirmava que asovelhas nao deveriam dar tanta importancia aos pecados dos padres, o im-portante e que eles foram ungidos por Deus para zelarem pelo rebanho, queas ovelhas deviam obediencia aos padres, nao importando a conduta destes,por que assim o quiz Jesus.

Quer dizer que um padre pode ser um beberrao, um fumante, um men-tiroso, um molestador de criancas (pedofilo), etc. etc., . . . tudo bem. Aoque parece, os santos padres astutos fazem questao de que esta lorota sejaassimilada pelas tolas ovelhas; com efeito, no pequeno livro catolico men-cionado no capıtulo anterior (p. 15) lemos:

Um apelo a todos, que vale tambem para mim, e vale para voce leitor:tomemos o proposito de nunca mais criticar a qualquer padre! Elessao escolhidos por Deus, e claramente todo sacerdote e o espelho do povo,da comunidade. [. . .]

Dos nossos pecados, o sacerdote cuida! Dos defeitos e pecados dospadres cuida Deus! (p. 30)

Por “coincidencia” foi isto o que o padre afirmou na missa: “Dos nos-sos pecados cuida Deus, dos pecados de voces cuidamos nos, que somos asautoridades instituidas por Deus para perdoar pecados.”

Neste pequeno discurso (existe muito mais) posso detectar varias “santasastucias”; primeira, se um padre nao presta a culpa e da comunidade, jaque o sacerdote e um espelho desta; segunda, ao mesmo tempo que eles jus-tificam suas fraquezas (sem-vergonhices) ainda reforcam a autoridade sobreas cegas ovelhas. Eles so esqueceram de uma coisa, de seguir o exemplo doapostolo:

E todo aquele que luta de tudo se abstem; eles o fazem para alcancaruma coroa corruptıvel, nos, porem, uma incorruptıvel. Pois eu assimcorro, nao como a coisa incerta; assim combato, nao como batendo noar. Antes, subjugo o meu corpo e o reduzo a servidao, para que, pregandoaos outros, eu mesmo nao venha de alguma maneira ficar reprovado.

(1 Co: 9 : 25− 27)

Por oportuno, no programa que assisti∗ presenciei uma outra destas “san-tas astucias”. A reporter perguntou a um padre (ou bispo, ou monsenhor,nao lembro o posto) o que ele achava de toda aquela diversidade cultural ereligiosa. Ele respondeu que devemos ser tolerantes com as demais mani-festacoes − vivemos em tempos de tolerancia − e que aceitar ou nao Jesuse uma escolha pessoal. Eu percebi astucia na forma como ele se manifestou.De fato, eles sao tolerantes “a contragosto”, fazer o que? − Nao podemmais torturar e queimar os “hereges” como em tempos idos . . . o jeito etolerar!

∗SBT Reporter, se nao me falha a memoria; o apresentador era o Cesar Filho.

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E de surpreender que tenha havido tao pouca oposicao contra os abu-sos praticados a favor de interesses eclesiasticos. Uma das razoes paraisso parece ser a crenca generalizada de que a religiao, hoje em dia,e suave e tolerante e que as perseguicoes sao coisas do passado. Estae uma ilusao perigosa. Embora muitos lideres religiosos sejam, indu-bitavelmente, amigos verdadeiros da liberdade e da tolerancia e, ainda,partidarios comprovados da separacao entre Igreja e o Estado, ha, infe-lizmente, muitos outros que, se pudessem, se entregariam a perseguicoese que, de fato, o fazem, quando podem. (Bertrand Russel/[1], p. 4)

Nota: No proximo capıtulo estaremos denunciando uma destas intoleranciasainda em nossos dias. O fanatismo religioso esta longe de ter sido extinto.

Ademais, no momento em que ele afirmou que Jesus e uma escolha pes-soal li nas entrelinhas que ele insinuava que apenas a igreja dele possuia omonopolio sobre Jesus. Jesus e exclusividade dos catolicos, a igreja entendeassim, embora eles astutamente procurem disfarcar o fanatismo.

E por isso que tenho dito: voce pode ate encontrar pessoas cultas einteligentes sentadas num banco de igreja “aprendendo” da boca de umpadre ou pastor, entretanto, jamais se encontrara um sabio nestas condicoes.Inteligencia e cultura e uma coisa, outra bem distinta e sabedoria. Nemsempre estas convergem em um mesmo sujeito, alias raramente convergem.

Eu considero um computador culto e inteligente, ha os que derrotam atecampeoes mundiais de xadrez; por sinal os cientistas da computacao criaramate a disciplina inteligencia artificial, nunca ouvi falar que sequer tenhamcogitado de criar a disciplina “sabedoria artificial ”. Parafraseando Nietzsche

Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma faltade inteligencia nos chefes do movimento cristao: − Ah! sao astutos atea santidade os senhores padres e pastores das Igrejas! o que lhes falta eoutra coisa muito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de osdotar, ao menos modestamente, de sabedoria, de sensibilidade . . .

2.3 A imitacao e um atentado contra a Natureza

Anteriormente afirmei que Jesus nao liberta, mas sim aprisiona. Claro,alguns poderiam argumentar que as igrejas distorceram os ensinamentos deJesus e essa forma distorcida e que aprisiona os seres humanos.

Nao desconheco essa perspectiva. Mesmo assim invoco em apoio a minhatese um eminente pensador:

Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravidoes. Na ver-dade, ninguem pode redimir outra pessoa. A pessoa pode redimir a simesma, mas fingir que “Sou o redentor, simplesmente acredite em mime o salvarei; sou o salvador, o unico verdadeiro salvador”, tem criadoaprisionamento.

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Essas prisoes sao espirituais e psicologicas, por isso voce nao as ve.Senao o que voce quer dizer quando afirma: “Sou cristao”, ou “Souhindu”, ou “Sou budista”? Isso significa que “Acredito que GautamaBuda sera meu redentor”, “Estou simplesmente esperando que JesusCristo venha e me salve”.

Voce abandonou todo esforco para transformar a si mesmo − e essee o unico caminho que existe para qualquer tipo de transformacao. Todosesses redentores criaram apenas prisoes para as pessoas. E os sacerdotescontinuam representando esses redentores mortos.

Esses sacerdotes tambem estao aprisionados, mas pelo ao menos suasprisoes sao lucrativas. Os outros que estao aprisionados estao simples-mente desperdicando seu tempo na espera. Todo o esperar e um esperarpor Godot, que nunca vem.

Toda religiao destroi a dignidade do homem, chama-o de pecador. Emvez de dotar o homem de dignidade, tornando-o mais belo e mais ver-dadeiro, tornando-o um deus sobre a terra, transformaram a humanidadeinteira numa multidao de pecadores. E tudo que voces devem fazer e:“Subam as escadas de joelhos, seus pecadores!”

Eles chamam isso de adoracao, de prece. Isso nada mais e quesuicıdio. Isso e destruir a si mesmo, sua auto-estima, seu respeitoproprio, sua dignidade. (Osho)

Observe a harmonia entre o pensamento do mıstico e o do filosofo:

Toda concepcao de Deus e uma concepcao derivada dos antigos despo-tismos orientais. E uma concepcao inteiramente indigna de homenslivres. Quando vemos na igreja pessoas a menosprezar a si proprias ea dizer que sao miseraveis pecadores e tudo o mais, tal coisa nos parecedeprezıvel e indigna de criaturas humanas que se respeitem.

(Bertrand Russel/[1], p. 19)

Tributo

Por oportuno, vou me permiti abrir aqui um parentesis para prestar umtributo ao eminente logico, filosofo e matematico Bertrand Russel − e a ou-tros tantos eminentes ateus e agnosticos∗ − que por ter sido um espırito deelevada estirpe aqui neste planeta, mesmo diante do vazio da morte mantemsua integridade intelectual e moral e nao dobra seus joelhos em busca deconsolo em possıveis fantasias religiosas, como amiude ocorre com mirıadesde pobres espıritos que nao teriam tanto a perder e a lamentar diante damorte. De fato, sao dignos de toda a minha admiracao e respeito espıritoscomo estes, a exemplo do proprio Einstein, que tanto contribuiram com aevolucao da humanidade e que, nao obstante, se despedem do nosso planosem mendigar − as religioes − nenhuma recompensa futura.

∗Bertrand Russel, ele mesmo nao se considera ateu mas sim agnostico no sentido de quenao consegue aceitar pela razao a existencia de Deus, todavia nao nega esta possibilidade.

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Adendo: Um evangelico que leu uma versao anterior deste capıtulo meescreveu discordando da afirmativa anterior: “. . . e os sacerdotes continuamrepresentando esses redentores mortos ” − no que toca a Jesus − uma vezque Buda, Maome e outros, argumenta ele, estao no tumulo enquanto Jesusnao, ressuscitou.

Respondi-lhe que entendo esta afirmativa algo diferente. O autor afirmaantes “Na verdade, ninguem pode redimir outra pessoa”, e neste sentido queentendo que todos os redentores estao mortos: nao existem redentores! Aliberdade − da ignorancia, de um nıvel inferior de consciencia, etc. − euma conquista pessoal, e isto o que a vida me mostra, nao e um simplesbatismo e a recitacao de formulas exotericas que vai tornar alguem sabiode um momento a outro. Reitero: nunca ouvi dizer de alguem que tenhamergulhado em um tanque batismal e, ao retornar, estivesse se iluminado.Salvacao, libertacao, e isto: Iluminacao.

Nao adianta um aluno relapso e negligente ter um excelente mestre, se elenao se esforcar nunca saira do seu estado de ignorancia, nunca sera “salvo”.

Retomando, poderiam argumentar, existem inumeros exemplos de beba-dos e drogados que abandonaram seus vıcios e hoje encontram-se dentro deuma igreja louvando e adorando a Deus, isto nao e libertacao?

Respondo: trocaram uma prisao por outra, uma droga por outra. Sehouve progresso, em muitos casos isto nao e tao evidente assim. ReleiaIsaıas a pagina 25. Reflitam sobre as seguintes passagens bıblicas:

Mas ai de vos, pastores e padres,

hipocritas! Pois que fechais aos homens

o reino dos ceus; e nem vos entrais, nem

deixais entrar aos que estao entrando.

(Mt 23 : 13/Parafrase)

Ai de vos pastores e padres,

hipocritas! porque percorreis o mar e a

terra para fazer um proselito; e, depois de

o terdes feito, o tornais duas vezes mais

digno do inferno do que vos.

(Mt 23 : 15/Parafrase)

Daqui minha logica de matematico me permite deduzir que dentro deuma igreja a chance de que um indivıduo va para o inferno e duas vezesmaior do que a de alguem que esteja fora dela. Ou existiria um erro emminha inferencia?

Existe um pensamento relativo a polıtica que acho extremamente idiota:“O polıtico fulano de tal rouba mas faz ”. Um argumento imbecil destesestaria justificado para qualquer profissao: Um medico rouba mas faz, umadvogado rouba mas faz, um engenheiro rouba mas faz, um professor roubamas faz, etc.

Reitero: se este mote imbecil, idiota, vale para o polıtico nao vejo razaopela qual nao deveria valer para as outras profissoes.

Um polıtico deve fazer, sem roubar, porque esta e sua obrigacao, eleganha no mınimo dez vezes mais que muitos trabalhadores honestos, porque ele ainda teria o direito de roubar?

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Mas nao estamos tratando de polıtica e sim de religiao. E que pelo ladoda religiao existe um pensamento tao imbecil quanto este − ou mais − ode que uma igreja encontra-se justificada apenas por “retirar muitos dasdrogas”, “transformar vidas”, “realizar milagres”, etc; nao importando seo seu lıder e um bandido, se o pastor distorce um versıculo para roubar.Uma igreja deve transformar vidas porque esta e sua obrigacao, foi isto oque eles escolheram fazer e ganham para isto. Um psicologo, um psiquiatratambem salvam vidas, entretanto isto nao lhes confere o direito de seremdesonestos como uma maioria nao desprezıvel de lıderes religiosos.

E as ovelhas cegas sao tao cegas que ainda defendem seus propriostosquiadores. Muitas vezes me vejo pasmo, estupefato, por ver que o poconao tem fundo no que diz respeito a estupidez humana.

2.3.1 Nao e certo querer ser igual a Jesus

Se observarmos a Natureza veremos que a mesma prima (“zela”) peladiversidade, pela singularidade; nada se repete na Natureza, nao existemsequer duas folhas de uma mesma arvore que sejam iguais; se ha algo queme fascina e a diversidade da vida marinha, a diversidade de fauna e flora.Duas coisas absolutamente iguais seria um atentado contra a Natureza.

Certa feita, uma amiga minha me confidenciou que sentia-se culpadapor ter dificuldade em imitar o que ela achava bonito nas pessoas virtuosas.

Respondi que ela nao era obrigada a imitar ninguem. Ela me respondeu:“aquilo que se acha bonito deve-se imitar sim”.

Nao concordo, por exemplo, quando Sao Francisco tirou a roupa, ficounu, e a entregou a seu pai; achei este um gesto de sua parte relativamentebonito, no entanto, nao pretendo imita-lo.

Jesus se deslocava, em sua epoca, no lombo de um jumentinho, acheibonito esse seu gesto, no entanto prefiro (e necessito) me deslocar em minhamotocicleta.

Jesus, segundo os relatos bıblicos, foi surpreendido varias vezes em oracaoao Pai. Achei isso bonito, mas nao sinto a necessidade de imitar Jesus. Aconjuntura na qual ele vivia foi uma, a minha e outra bem distinta.

Se eu tivesse como objetivo “seguir os passos de Jesus”, por exemplo naoteria estudado matematica, foi com o pouco que aprendi desta disciplina queconsegui criar meus filhos.

Jesus nunca teve mulher e filhos, eu tenho quatro filhos que, por sinal,estudam na mesma universidade em que eu leciono, isto me deixa contente.

Em suma, Jesus e Jesus e eu sou eu. Por que devo imita-lo?

O que estou tentando dizer e que todo ser humano deve esforcar-se emconstruir sua propria individualidade. Ja foi observado que as religioes saoos celeiros dos maiores hipocritas do mundo. Eles estao sempre tentando“imitar” seus ıdolos, delegando a outrem a responsabilidade da autocons-trucao.

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O homem e o artıfice do seu destino:

tem que arrostar o esforco de criar a si

mesmo. (Pietro Ubaldi)

Nao trata-se de ser igual ou melhor que ninguem mas sim de ser dife-rente − digo, de preservar sua individualidade, ou construı-la. Eu nao queroser igual a nenhum dos grandes homens da historia, aqui incluindo-se todosos santos e “redentores da humanidade”, posto que isto, segundo entendo,seria um atentado contra a propria Natureza.

Lembro que ha muitos anos, quando eu ainda era crente, me queixeia uma irma da igreja: sinto que estou perdendo a minha individualidade(personalidade), os pastores nos dizem que devemos nos esforcar para sermosiguais a Jesus. Eles te exibem um “manequim de gesso” como modelo, sevoce e magro tem que engordar para caber ali dentro e se e gordo tem deemagrecer.

Ela me respondeu: tu tens mais e que perder a tua individualidade mesmoe ser igual a Jesus.

Ainda aos 26 anos me retirei da igreja sem ter conseguido ser igual aJesus. Hoje, aos 51 anos, nao tenho mais isto como uma das prioridades daminha vida.

Por oportuno, esta e precisamente uma das razoes pelas quais muitoscasamentos desmoronam: Um dos conjuges “vampiriza” − tenta anular −a individualidade do outro.

Nao sei se estao me entendendo . . . reflita sobre o seguinte:

Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravidoes. Na ver-dade, ninguem pode redimir outra pessoa [. . .]

Voce abandonou todo esforco para transformar a si mesmo − e essee o unico caminho que existe para qualquer tipo de transformacao. Todosesses redentores criaram apenas prisoes para as pessoas. E os sacerdotescontinuam representando esses redentores mortos. (Osho)

Os doutores teologos poderiam tecer mil e um argumentos contra o queesta dito acima, acontece que a realidade − isto e, o que nossos olhos nosfazem ver − desmontaria facilmente seus sofismas.

Pelo que percebo, as pessoas perdem bastante tempo na vida mendigandoisto ou aquilo dos santos, esquecem de partir para a conquista. E a Igrejae celere em manter esse estado afinal de contas e desta mendicancia que elaperpetua seu poderio sobre as massas, sobre os cegos.

E uma das leis da Natureza, ao que me parece, que tudo o que tem

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valor deve ser conquistado com esforco proprio. Nao se transfere sabedorianuma simples “transfusao de sangue ”. Nunca vi um crente que tenha ficadomais sabio ou mais inteligente pelo simples ato de “aceitar Jesus”. Pelocontrario, tenho visto muitos diminuirem em sabedoria e discernimento, porficarem cegos e alienados. Vejam, por exemplo, a irma do acaraje. Se elanao tivesse aceitado Jesus compraria seu acaraje em uma banca que naotivesse fila; aceitando Jesus, no meu entendimento, ela ficou mais burra emenfrentar uma longa fila, sendo que na banca ao lado, em frente, nao existiafila nenhuma.

Ademais, doar dinheiro a bandidos − abutres parasitas − e cegueira eburrice.

Este foi um mero exemplo colhido aleatoriamente, poderiamos arrolarinumeros outros nos quais os religiosos tem se revelados acanhados (tacan-hos) em inteligencia.

E por falta de inteligencia que escu-

tamos os sacerdotes, que acreditamos em

suas ficcoes. (Osho)

Se formos contabilizar desde os primordios ate nossos dias, nao tenhoduvidas de que Jesus fez muito mais prisioneiros que “ex-escravos”. E sufi-ciente observarmos os milhares e milhoes de cegos enclausurados dentro dasigrejas hodiernas . . . e este o saldo de Jesus− e de outros supostos redentores.

Se hoje ainda nao faltam aqueles que

nao sabem em que medida e indecente

ser crente − ou um sinal de decadence,

de uma vontade de vida alquebrada −,

amanha ja o saberao. (Nietzsche)

Entendo perfeitamente que Jesus nao e culpado pelo que as aves derapina fizeram com os seus despojos, no entanto sua mensagem serviu parao estrago que aı se ve.

Jesus afirmou − creio que um tanto quanto intempestivamente:

Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguem vem ao Pai, senaopor mim. (Jo 14 : 6)

Discordo de tres das quatro afirmativas acima: “Eu sou o caminho”,“Eu sou a verdade”, “Ninguem vem ao Pai, senao por mim.”

Quanto a quarta, eu nao sei o que e a vida. Veja, minha conviccao

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em discordar destas assertivas, se fundamenta na realidade que meus olhostestemunham. Leio em um livro espiritual, referindo-se a Deus: “Ele da-meuma extensa variedade de metodos para usar para o progresso espiritual ”.

Qualquer pessoa, em sa consciencia, nao teria dificuldade em concordarcom esta afirmativa, qual seja, a de que Deus nos disponibiliza varios ca-minhos para o progresso espiritual − porque e isto o que a realidade nosmostra. Ou sera que todos os povos de todas as outras religioes do mundoestao no caminho errado? E somente os cristaos estao no caminho certo!?

Sinceramente nao creio nesta possibilidade. Mais a frente estarei jus-tificando por que nao creio que Jesus seja a verdade. Quanto a ultimaafirmativa de Jesus; ora, se Deus disponibiliza varios caminhos para o pro-gresso espiritual e lıcito concluirmos que podemos chegar a Deus por umcaminho distinto de Jesus, nao e verdade?

Desta, e de outras passagens, podemos discernir claramente a genese daintolerancia e fanatismo proprios dos cristaos, neste sentido Jesus e culpadosim. E nao e apenas eu que consegue enxergar isto:

A intolerancia que se estendeu pelo mundo com o advento do cris-tianismo constitui um de seus tracos mais curiosos, devido, penso eu, acrenca judaica na justica e na realidade exclusiva do Deus judeu. Porque razao os judeus deviam possuir tais peculiaridades, e coisa que ig-noro. [. . .] Seja como for, os judeus, e mais especialmente os profetasinventaram a ideia de que e pecado tolerar-se qualquer religiao, excetouma. Essas duas ideias tiveram efeitos extraordinariamente desastrosossobre a historia ocidental. (Bertrand Russel/[1], p. 26)

Os crentes − toda a conjuntura religiosa atual − me obrigam a voltar-mepara os ensinamentos de Jesus, a refletir sobre o que ele disse. Nestas minhasbuscas cheguei a conclusao de que nao existem mestres “perfeitos”; tenhotido contato com outras “verdades” mais adequadas aos “tempos moder-nos”, mais eficazes, por assim dizer, para libertar os homens do atoleiro emque eles se encontram patinando ha seculos − milenios.

O que me da conviccao para uma afirmativa de tamanha envergadura eque, quase diria, nao conheco um unico cristao que seja livre. Todos os quese encontram dentro de uma igreja rezando, nao os considero livres − casocontrario, nao estariam ajoelhados. Falo no seguinte sentido:

Quando sei de pessoas que se cur-

vam nas igrejas confessando-se miseraveis

pecadoras, e tudo o mais, tenho isso como

desprezıvel, incompatıvel com o respeito

que devemos a nos proprios.

(Bertrand Russell)

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Por outro lado, nao creio que Jesus gozava de tanta intimidade com oPai, pelo ao menos nao tanto quanto padres e pastores querem nos fazercrer. Nao apenas por ele ter sido “abandonado pelo Pai” na cruz, ou ter seequivocado quanto a data do seu segundo advento

Em verdade vos digo que alguns ha,

dos que aqui estao, que nao provarao

a morte ate que vejam vir o Filho do

homem no seu reino. (Mt 16 : 28)

E, a hora nona, Jesus exclamou com

grande voz, dizendo: Deus meu, Deus

meu, por que me desamparaste?

(Mc 15 : 34)

como tambem por ele nao ter sido ouvido em pelo ao menos uma de suasoracoes, qual seja:

Para que todos sejam um, como tu, o Pai, o es mim, e eu, em ti;que tambem eles sejam um em nos, para que o mundo creia que tu meenviaste. (Jo 17 : 21)

Veja, aqui Jesus esta orando pela unidade dos cristaos. Eu nao seidaqui para a frente mas ate hoje − isto e, 2000 anos depois − Deus aindanao atendeu seu pedido. Pelo contrario os cristaos estao mais desunidosdo que nunca, e suficiente ver que as igrejas se multiplicam com a mesmarapidez com que o fazem celulas cancerosas em um tumor.

Os cristaos andaram ate se matando em “guerras santas” entre catolicose protestantes . . . Pasmem!

Talvez Jesus tenha esquecido que a unidade dos cristaos esta vinculadaao livre arbıtrio de cada um e, neste, nem Deus toca − por definicao de livrearbıtrio.

Como disse, vejo a igualdade como um atentado contra a propria Na-tureza. Se ha algo que me emociona, me impressiona, me cativa, e justa-mente a diversidade de seres humanos, de culturas ao redor do mundo −gosto muito de assistir pela televisao os canais que me dao conta de todaessa diversidade de culturas e formas de se relacionar com o divino.

Sinceramente, minha oracao a Deus e para que um budista nao se torneum cristao, para que um taoısta nao se torne um cristao, para que um hindunao se torne um cristao, para que um africano nao se converta ao cristia-nismo, etc., etc., pois a diversidade deveras me encanta, me fascina.

Por outro lado, lembro que em funcao desta visao exclusivista a “Igrejade Deus”, a “Igreja de Jesus Cristo” foi capaz de cometer os crimes maishediondos que se possa imaginar∗. Para mais detalhes, leia a obra:

“O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus”.

Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007

∗Vide: Cruzadas, Santa Inquisicao, Catequizacao de outros povos, etc. − nao faz muitotempo que para a Igreja negros e ındios nao tinham alma.

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Para que todos sejam um, como tu, o Pai, o es mim, e eu, em ti;que tambem eles sejam um em nos, para que o mundo creia que tu meenviaste.

Essa oracao de Jesus − na qual podemos vislumbrar um resquıcio deego − nao poderia ter sido atendida pelo Pai posto que vai de encontro apropria Natureza que prima pela diversidade em todo os sentidos:

Para que todos sejam distintos, como tu, o Pai, o es na Natureza, ea Natureza, em ti; que tambem eles sejam unicos em tudo, para que omundo se deleite com a tua sabedoria. (Parafrase)

Quase todas as oracoes quando nao lembram a Deus o que Ele deve fazer,exigem que algo seja feito. Jesus orando . . . nao e estranho?

Ou ele nao conhece o Pai − pelo ao menos nao tanto quanto ele supoe(ou os seus seguidores) − ou o Pai nao e de fato confiavel.

Uma grande maioria de crentes e catolicos − senao todos − vive en-clausurada em uma grande “bolha de ilusoes ” criada por ela mesma.

E certo que de ilusoes tambem se vive, no entanto creio que toda ilusaoaprisiona ao inves de libertar. E o que pode ser constatado nas igrejas etemplos.

Tudo bem que as ilusoes muitas vezes fazem o “mesmo efeito” que a reali-dade; um adolescente quando se masturba, inspirado em sua musa predileta,atinge o orgasmo do mesmo jeito, satisfaz as suas necessidades; no entanto,se ele opta por essa pratica a vida inteira, sem contato com a “realidade”,penso que isso pode ser caracterizado como algo doentio.

As vezes me questiono se inumeras praticas religiosas − por esse mundoafora − nao se situam nesse mesmo nıvel de artificialidade. Penso que naoestou sendo inconsequente por levantar esta hipotese. Veja novamente:

Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bebedos estao, masnao de vinho, andam cambaleando, mas nao de bebida forte. [. . .]

Esta cena me parece que descreve com bastante realismo muitas daspraticas religiosas contemporaneas, ou sera apenas exagero de minha parte?o que o leitor acha?

2.4 Desconstruindo o ıdolo Jesus

A atitude idolatra pressupoe que certas pessoas sao seres divinos,outras nao. Algumas estao acima das contingencias humanas, provi-das de uma perfeicao inatingıvel, mensageiras do Alto, privilegiadas einfalıveis, enquanto que outras sao subestimadas, incapazes e, aparente-mente, deprovidas de valores inatos. Ao convertermos as criaturas emmitos, supervalorizamos os outros e, em virtude disso, desvalorizamosnosso poder interior. Declaramo-nos impotentes para evoluir, ficandodependentes da vontade dos supostos eleitos.

(Hammed/A Imensidao dos Sentidos/p. 21)

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Eu pediria ao leitor que nao apenas lesse o texto acima, mas que refletissesobre o mesmo.

E precisamente esta atitude idolatra − cultivada pelas igrejas − emrelacao a figura de Jesus que tem gerado toda a escravidao, cegueira ealienacao que se observa por parte das incautas ovelhas. Vejo como umanecessidade hodierna a “desconstrucao” da imagem do ıdolo Jesus.

Encontrei no livro “Porque nao sou cristao ”, de Bertrand Russel, oque ele afirma ser uma imperfeicao nos ensinamentos de Cristo − Eu, par-ticularmente, nao saberia como refutar o eminente logico, deixo aqui essaincumbencia aos doutores teologos:

Por um lado, Ele [Jesus] certamente pensou que o Seu segundo ad-vento ocorreria em nuvens de gloria antes da morte de toda a genteque estava vivendo naquela epoca. Ha muitos textos que o provam. DizEle, por exemplo: “Nao acabareis de correr as cidades de Israel, semque venha o Filho do Homem”. E adiante: “Entre aqueles que estaoaqui presentes, ha alguns que nao morrerao, antes que vejam o Filho doHomem no seu reino” [. . .] (Bertrand Russel/[1], p. 16)

Vejo esta observacao como sendo da maior importancia posto que, se Je-sus se equivocou em um ponto pode muito bem ter se equivocado em dois,em tres, etc., de formas que isto compromete a credibilidade de toda a suadoutrina, vejo desta forma. Vejamos mais um pouco de Russel:

Chega-se, a seguir, as questoes morais. Ha, a meu ver, um defeitomuito serio no carater moral de Cristo, e isso por que Ele acreditavano inferno. Quanto a mim, nao acho que qualquer pessoa que seja,na realidade, profundamente humana, possa acreditar no castigo eterno.Cristo, certamente, tal como e descrito nos Evangelhos, acreditava nocastigo eterno, e a gente encontra, repetidamente, uma furia vinditivacontra os que nao davam ouvidos aos seus ensinamentos − atitude essanada incomum entre pregadores, mas que, de certo modo, se afasta daexcelencia superlativa. Nao encontrareis, por exemplo, tal atitude emSocrates. Encontramo-la bastante suave e cortes para com aqueles quenao queriam ouvi-lo − e, na minha opiniao, e muito mais digno de umsabio adotar tal atitude do que mostrar-se indignado. [. . .]

Devo dizer que considero toda esta doutrina − a de que o fogo do in-ferno e um castigo para o pecado − como uma doutrina de crueldade. Euma doutrina que pos a crueldade no mundo e submeteu geracoes a umatortura cruel − e o Cristo dos Evangelhos, se pudermos aceita-lO comoos seus cronistas O representam, teria, certamente, de ser considerado,em parte, responsavel por isso. (ibid., p. 17)

E claro que as aves de rapina (padres e pastores) poderao ainda tecermil e um comentarios (sofismas) com o intuito de “salvarem o cordeiro de

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Deus” posto que esse mesmo cordeiro tem sustentado essa horda durantetodos estes seculos. E da carne do cordeiro que os abutres se refestelam.

Pontuei anteriormente que Jesus alem de se colocar como “o” caminho− como se houvesse um unico − ainda se coloca como sendo a Verdade. Aquestao principal e:

O que e a Verdade?

Os crentes responderiam de pronto: E Jesus! . . . nao vale, raciocıniocircular.

Em boa parte do meu tempo tenho me dedicado nao a ganhar “mais di-nheiro” mas sim a reflexao. E um dos ıtens que tem sido objeto de minhasconsideracoes e justamente o que diz respeito a Verdade.

Tenho refletido, meditado, lido mısticos e filosofos em busca de umaresposta para o que seja a verdade. A conclusao que cheguei e a de que

Nao existe a verdade!

A nao ser “localmente”, no geral o que existem sao perspectivas, comosublinha Nietzsche.

Ao contrario do que muitos poderiam supor nem na matematica existea verdade absoluta. Com efeito, a matematica se divide em varios sub-domınios:

Matematica

1+1=2

1+1=0

a verdade que vale em um subdomınio nao vale em um outro. Para umexemplo extremo, nem sempre 1+1 = 2, na matematica universitaria pode-mos ter∗ 1+1 = 0. Na matematica existem varias geometrias, uma verdadevalida em uma delas pode nao valer em outra.

Quando o espırito se apresenta a cul-

tura cientıfica, nunca e jovem. Alias e

bem velho, porque tem a idade de seus

preconceitos. Aceder a ciencia e reju-

venescer espiritualmente, e aceitar uma

brusca mutacao que contradiz o passado.

(Gaston Bachelard)

A isto se acrescenta que todo sımbolo

e ambivalente e ate mesmo polivalente,

no sentido de que ele pode significar

uma pluralidade de realidades diversas e

mesmo contraditorias.

(Leon Bonaventure)

∗Este tipo de adicao, analoga a adicao de horas em um relogio (e.x., 18h + 6h = 0h)tem larga aplicacao na computacao.

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Mesmo na fısica − supostamente mais aderente a realidade − a verdadeque vale em um domınio (teoria) nao vale em outro. Por exemplo, se adi-cionarmos duas velocidades iguais a 1, na fısica de Galileu teremos 1+1 = 2,ja na de Einstein teremos 1 + 1 6= 2. (ver p. 114)

Retomando, supondo por um momento que a verdade exista, quem vaidecidir o que e a verdade? Seria por acaso um pastor? um padre? umbispo? um arcebispo? . . . um monsenhor? o Papa? − O infalıvel!

Quem o leitor elegeria como arbitro da verdade? Seria por acaso Jesus?A este respeito Jesus nao e absolutamente confiavel, dentre outras razoes,por que faltou com a verdade quanto ao seu segundo advento e, por outrolado, deixou-se contaminar pela cosmologia judaica que, an passant, nao euma das mais inteligentes (ou sabias) sobre a face da terra.

A cosmologia judaica − como relatada no livro do Genesis − esta emflagrante contradicao com a ciencia moderna, apenas os crentes relutam emenxergar isto. Igualmente pueril e sua explicacao para a condicao humana.Para explicar a origem do sofrimento humano, em linhas gerais eles dizem:Deus criou Lucifer um anjo de luz inteligente, perfeito e semelhante ao cria-dor, este anjo rebelou-se contra seu criador, no seu coracao intentou ser iguala Deus; foi expulso do ceu, nao sem antes convencer a terca parte dos anjosde que Deus era um ditador egocentrico, etc.; nao satisfeito, chegando naterra convenceu o primeiro casal humano a desobedecer a Deus e com istoentrou o pecado no mundo e todas as desgracas − estupros, assassinatos,guerras, campos de concentracao, criancas queimadas vivas em crematorios,etc., etc. − devem-se a um descuido de Eva.

E por falta de inteligencia que escu-

tamos os sacerdotes, que acreditamos em

suas ficcoes. (Osho)

A esta cosmologia infantil e insalubre tenho varias objecoes. Primeira:se Lucifer foi criado perfeito entao ele nao poderia ter errado, e se errou, naoera perfeito. Segunda: Eu, um simples mortal, menor que os anjos, nao seriaestupido a ponto de querer tomar o lugar de Deus, de apregoar que Deusera um ditador tiranico e egocentrico. Se ele convenceu a terca parte dosanjos do ceu, fica difıcil de aceitar que os anjos foram criados inteligentes.

E de mais a mais, seria igualmente irracional, estupido, admitir que todasas desgracas e sofrimentos do mundo se devem a um unico deslize cometidopor Eva. Se e assim, creio que devemos tomar ao pe da letra Deus ter criadoLucifer a sua semelhanca. Uma estupidez destas so cabe na cabeca de padrese pastores − e por isto que afirmo: as religioes tem o inexplicavel poder detransformar pessoas sadias em doentes mentais. Ou em epileticos da ideias,no dizer de Nietzsche.

Por outro lado, se todos herdaram o “pecado de Adao e Eva”, entao apropria Bıblia se contradiz, veja: “A alma que pecar, essa morrera; o filho

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nao levara a maldade do pai, nem o pai levara a maldade do filho; a justicado justo ficara sobre ele, e a impiedade do ımpio caira sobre ele.” (Ez 18 : 20)

Ou ainda: Naqueles dias, nunca mais dirao: Os pais comeram uvas verdes,e os dentes dos filhos se embotaram. (Jr 31 : 29)

Que essa pobre e abjeta cosmologia tenha convencido homens brutos eignorantes de milenios passados eu entendo, agora que homens do seculoXXI a esposem, isto nao compreendo.

Se nos ‘demonstrassem’ esse Deus dos cristaos, ainda acreditarıamosmenos nele. (Nietzsche)

A passagem bıblica sobre o menino Jesus entre os doutores: “E aconte-ceu que, passados tres dias, o acharam no templo, assentado no meio dosdoutores, ouvindo-os e interrogando-os ”, a mim prova que Jesus, desdemenino, comecou a ser doutrinado pelos “doutores da lei judaica”, querodizer, Jesus e produto de uma cultura e uma epoca − foi moldado por estesdois fatores −, disto nunca devemos nos esquecer.

Gosto muito de usar uma expressao para me referir as supostas verdades:

“Tudo pode ser reduzido a meras construcoes mentais ”Tudo resulta de construcoes da mente humana − aqui nao excetuando-

se as aquisicoes cientıficas e ate da matematica, das religioes nem se fala.Quem melhor teve uma visao de profundidade (perspicacia) a este respeito,nao foi Jesus, foi Nietzsche − em meu entendimento, claro:

[. . .] O que e a verdade, portanto? Um batalhao movel de metaforas,metonımias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relacoes humanas,que foram enfatizadas poetica e retoricamente, transpostas, enfeitadas, eque, apos longo uso, parecem a um povo solidas, canonicas e obrigatorias:as verdades sao ilusoes, das quais se esqueceu que o sao, metaforas quese tornaram gastas e sem forca sensıvel, moedas que perderam sua efıgiee agora so entram em consideracao como metal, nao mais como moedas.

(Nietzsche)

Claro, qualquer um tem a liberdade de discordar das minhas conclusoes;todavia, qualquer que seja a proposta − para o que possa vir a ser a verdade− esta deve ser confrontada com a realidade que observamos, esse e o meucriterio.

Os sonhos sao particulares, a verdade nao e particular. A verdadenao pode ser particular − ela nao pode ser minha ou sua, nao podeser dos cristaos ou dos hindus, nem dos indianos ou dos gregos. Averdade nao pode ser particular. Os sonhos sao particulares. Tudo o quee particular, nao se esqueca, pertence necessariamente ao mundo dossonhos. A verdade e um ceu aberto; e para todo o mundo, e uma so.

(Osho/Consciencia)

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Por exemplo, se voce teima em me dizer que Jesus e a verdade e ocaminho, sinto muito mas o que observo e que essa proposicao conduz aofanatismo e a alienacao, isto e, “desencaminha”.

Se voce insiste em me dizer que Jesus liberta, sinto muito mas o que vejoe que Jesus aprisiona . . . entendes?

E nesse sentido que afirmo que a verdade nao existe, o que existem saoperspectivas . . . E e melhor que seja assim.

Outrossim, observe que ate as “verdades” da ciencia − fısica, por exem-plo − que sao “confirmadas” experimentalmente com o recurso de simu-lacoes computacionais, camara de bolhas, fotografias, etc. sao provisorias;isto e, o que vale hoje amanha podera esta sendo descartado.

Por oportuno, a teoria da relatividade de Einstein, ja esta sendo postaem duvidas (no que diz espeito a velocidade da luz), eu particularmente,creio que ela devera ser substituida − como ela substituiu a de Newton, emmuitos domınios.

O conhecimento cientıfico e sempre a

reforma de uma ilusao. (Bachelard)

Essa humildade a que o cientista foi forcado esposar e o que falta aosintransigentes doutores teologos.

Ora, se assim se da com o conhecimento cientıfico, e muita ousadia epetulancia da parte dos doutores teologos achar que suas parcas concepcoesteologicas foram escritas na pedra, tal como se deu com os dez mandamentosentregues a Moises. Meros desvarios de mentes apoucadas.

Digo mentes tacanhas, primeiro porque nenhum deles foi capaz de cons-truir uma teologia com aceitacao universal, tal como se da com a ciencia;segundo, porque existe um problema que desafia a todos eles ha pelo aomenos 2500 anos, colocado pelo celebre filosofo Epicuro. (ver p. 122)

Observe que a teologia de uma dada Igreja so e valida, so encontra con-senso, dentro do seu proprio redil (curral); minto, nem isto! nao e raroencontrarmos dissensoes entre os “doutores” de uma mesma denominacao.

Pois bem, se esta “volatilidade” acontece ate mesmo com as “leis cientıfi-cas” com mais razao ainda devemos esperar que aconteca com as “leis es-pirituais”, muitas das quais baseadas em experiencias meramente subjetivas.

Quando voce procura um Buda, pode nao ficar imediatamente im-pressionado, porque ele sera muito hesitante e nao afirmara nada. Elesabe melhor do que isso. . . Ele sabe que a vida nao pode ser confinada aqualquer declaracao e que todas as declaracoes sao parciais. Nenhumaafirmacao pode conter toda a verdade. (Osho)

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Sendo assim, diante das evidencias, serei forcado a considerar um Budamais sabio que Jesus − que se considera a propria verdade encarnada.

A verdade e uma questao de perspectiva

Desejo tecer mais algumas consideracoes a respeito desta importanteproposicao. A questao inicia-se pela observacao de que a “realidade” naoe unıvoca. Digo, a “realidade”, qualquer que seja ela, sempre comportamais que uma interpretacao ou perspectiva. Deixa eu tentar uma analogiapara me fazer melhor entender. O leitor possivelmente tem conhecimentode algumas ilusoes de otica tais como as tres a seguir:

Na figura da esquerda, por exemplo, podemos enxergar uma jovem ouuma bruxa, a depender da “perspectiva” em que nos situamos.

Se, por exemplo, alguem afirma que neste quadro existe apenas uma belajovem, posso discordar desta afirmativa; se eu quiser, posso enxergar umaoutra realidade que difere desta.

Pois bem, este modo de interagir com a realidade pode ser estendidopara todos os demais setores de nossa existencia, inclusive o religioso.

O fanatico e precisamente aquele que teima em afirmar que a realidade ecomposta de uma unica perspectiva (“verdade”) − precisamente aquela queele quer enxergar . . . Cada indivıduo tem a ilusao que merece.

Jesus e como um destes quadros, podemos ver a sua personalidade demais de uma perspectiva; o fanatico e precisamente aquele que ve apenas o“belo” em Jesus, isto e, aquilo que ele quer enxergar. (Reveja Russel, p. 37)

A isto se acrescenta que todo sımbolo e ambivalente e ate mesmopolivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de rea-lidades diversas e mesmo contraditorias. (Leon Bonaventure)

Esse e o fanatico, e o doente e aquele que acha “belo” tudo o que leva onome de Jesus . . . mesmo que seja um simples acaraje.

E precisamente as custas destas pobres almas enfermas, sem luz, que osbandidos − padres e pastores, notadamente − sobrevivem vendendo suasbugigangas e ilusoes. Reveja, por exemplo, a historia pregressa da “Igrejade Deus”. Observe o comportamento dos lıderes das igrejas evangelicas.

Como mais um exemplo ilustrativo de que a verdade e uma questao de

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perspectiva− ou ainda, de que em ummesmo “quadro” podemos decodificar“verdades” distintas −, observe o quadro a seguir:

Quem nao e comigo, e contra mim;

e quem comigo nao ajunta espalha. (Mt 12 : 30)

Todo cristao decodificaria, em favor de Jesus, uma “verdade positiva”neste quadro; eu, se quisesse, veria neste mesmo quadro uma “verdadeoposta”, contra Jesus. Por oportuno, nao apenas eu, ha mais alguem quecompartilha de minha visao:

Se comparardes Jesus a Socrates, por exemplo, verificareis que ofilosofo era suave e cortes para quem se recusava a escuta-lo. Ao quepenso, e muito mais proprio dum sage adoptar essa linha de condutado que deixar-se dominar pela indignacao. Recordem-se as palavras deSocrates no momento da sua morte e aquelas que correntemente dirigiaaos que estavam em desacordo consigo. (Bertrand Russel)

Observe que, pelo ao menos neste ponto, nao caberia nenhuma contra-argumentacao dos cristaos, estou apenas exemplificando como a verdade euma questao de perspectiva. Esta e a minha leitura do quadro acima.

Da mordida da vıbora

A construcao a seguir, de Nietzsche, me causou um certo fascınio pormostrar-me que ate mesmo aquilo que se supoe solido como uma rocha,tambem como uma rocha pode esfarelar-se.

Estava Zaratustra, um dia, adormecido debaixo de uma figueira, poisfazia calor, e pusera o braco por cima do rosto. Veio, entao, uma vıborae o mordeu no pescoco, o que fez Zaratustra gritar de dor. Apos tirar obraco do rosto, olhou ele para a vıbora; reconheceu esta, entao, os olhos deZaratustra e voltou-se contrafeita querendo fugir. “Nao”, falou Zaratus-tra, “ainda nao recebeste o meu agradecimento! Acordaste-me a tempo,meu caminho ainda e longo.” “O teu caminho ainda e curto”, disse,tristonha a vıbora; “o meu veneno mata.” Zaratustra sorriu. “Desdequando se viu um dragao morrer do veneno de uma cobra?”, disse. “Mastoma teu veneno de volta! Nao es bastante rica para da-lo de presente amim.” Entao, a vıbora atirou-se de novo ao seu pescoco e lambeu-lhe aferida.

Quando Zaratustra, certa vez, contou isso a seus discıpulos, eleslhe perguntaram: “E qual e, Zaratustra, a moral da tua historia?”Respondeu-lhes, entao, Zaratustra: Destruidor da moral, chamam-meos bons e justos: a minha historia e imoral.

Mas, se tendes um inimigo, nao lhe pagueis o mal com o bem, porqueisto o humilharia. Demonstrai, ao contrario, que ele vos fez, mesmoassim algum bem.

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Nao sempre, claro, mas por vezes pagando o mal com o bem − como pre-coniza a moral de Jesus − nao estaremos incentivando o infrator a prosseguirna pratica do seu crime?

Se o povo paga a opressao dos seus ditadores com o bem, quando seraolibertados? Descerao anjos do ceu para amenizar seus tormentos?

Se um polıtico desvia o dinheiro da merenda das criancas − ou da saude−, com que bem deveremos retribuir-lhe? O que isto ensinara a ele?

Estamos enfatizando que a verdade, principalmente a do cristao, e aquiloque ele determina como sendo a verdade, que ele acochambra para aco-modar ao seu minusculo universo. Aos que ainda duvidam, vejamos maisum quadro ilustrativo:

E, quando alguns nao vos receberem, nem vos escutarem, saindo dalisacudi o po dos vossos pes, em testemunho contra eles. Em verdade vosdigo que no dia do Juızo, Sodoma e Gomorra serao tratadas com menosrigor do que aquela cidade. (Mc 6 : 11)

Sao a estas manifestacoes explıcitas de intolerancia por parte do mestreJesus a que Russel se refere. Ja tive a oportunidade de mencionar que asigrejas sao especialistas em criar “ilusoes de otica”, por exemplo li em umlivro catolico∗, a respeito desta mesma passagem do mestre, o seguinte:

Jesus nos deu um conselho muito sabio para quando achassemosoposicao ou rechaco quanto ao que somos e fazemos: sacudam a poeirados vossos pes. (p. 83)

Em seguida os autores, atraves de uma prestidigitacao (ilusao cogni-tiva), dao uma interpretacao propria do verso citado − “colocando palavrasna boca do Mestre”.

Disse anteriormente que as supostas verdades podem ser reduzidas ameras construcoes mentais. Encontrei em um livro† uma destas construcoesque ilustra com perfeicao a que me refiro. O autor trata da interpretacaobıblica, segundo ele existem dois tipos de interpretacoes a literal e a alegorica.Diz ele:

A passagem em Mt 21 : 2-11 sobre a entrada messianica de Jesus emJerusalem montado num jumentinho e geralmente considerada como ir-relevante por muitos cristaos. Porem, quando devidamente interpretada,revela importante ensinamento. (p. 120)

∗Como Evangelizar com Parabolas; Canc~ao Nova (Jose Prado/Angela Chineze.)†O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo/Raul Branco (2004), Editora

Teosofica.

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E qual e a interpretacao devida? Segundo o autor e a alegorica:

Na interpretacao alegorica, Jesus representa o Cristo interior decada ser humano. Numa etapa avancada de sua jornada, a alma es-tara pronta para entrar na Casa do Pai, simbolizada por Jerusalem, acidade sagrada. Mas, para que isso aconteca, devera cumprir um requi-sito basico, que, nesse caso, e representado pelo jumentinho. Sendo esseanimal um quadrupede, na linguagem sagrada ele simboliza a naturezaquaternaria mortal do homem exterior, ou seja, seus corpos fısico, ener-getico, emocional e mental concreto [. . .] (p. 121)

E o autor prossegue dando varias “interpretacoes alegoricas ” da Bıblia,totalmente arbitrarias − segundo meu entendimento. E a isto que chamo de“construcoes mentais da verdade ”. Achei uma certa ingenuidade do autortomar as suas construcoes, e de outros, como sendo a interpretacao devida.Ao ler esta e outras interpretacoes nao tive como nao lembrar de uma ane-dota que li ha muitos anos em uma revista de matematica, mais ou menosassim: comecando com uma igualdade evidente, vai-se, atraves de uma seriede operacoes validas, transformando-a sucessivamente ate chegar-se numaigualdade que impressiona o leigo em matematica, por exemplo:

Como Valorizar Seus Conhecimentos Matematicos

1 = 1 ⇒√1 =

√1 ⇒ log

√1 = log

√1 ⇒ 3

log√1 = 0 ⇒ · · ·

Desconfio que muitas das “verdades” apresentadas (impostas) em algunslivros religiosos e esotericos sao desta natureza. Os autores “valorizam” seusconhecimentos e, ademais, sao tidos pelos leigos na conta de “detentores deelevados conhecimentos secretos, esotericos ”, conhecimentos reservados so-mente aos “iniciados” . . . Como ja disse, meras construcoes mentais.

Desta forma fica difıcil chegarmos a um criterio satisfatorio do que possaser a verdade.

Por outro lado, o que faz com que as pessoas enxerguem a realidade comosendo unıvoca? Vou buscar resposta a esta questao na filosofia:

Deformamos o real porque o apreendemosespontaneamente atraves de nossas impressoes sensıveis,de nossos desejos, nossas paixoes, nossos interesses,nossos habitos, [. . .] (Simone Manon/ Platao)

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Entao e isto: muitos deformam a realidade por conta de seus interesses. . . nao raro, escusos interesses. E do interesse das igrejas endeusarem Jesus,endeusarem a Virgem Maria, endeusarem os santos, endeusarem o EspıritoSanto; e no pedestal destes ıdolos que os judas juntam suas trinta moedas.

Os considerados santos de certas religioes quasenunca sao criadores. Sao simples virtuosos ou alu-cinados, aos quais o interesse do culto e a polıticaeclesiastica atribuıram uma santidade nominal.

(Jose Ingenieros)

Se, por um lado, os polıticos prosperam gracas a ignorancia do povo,o mesmo acontece no que diz respeito aos lıderes religiosos; sobrevivem ascustas da cegueira das massas. E do interesse deles que esse estado perdurepara sempre.

Do texto filosofico de Platao ainda podemos extrair uma preciosa con-clusao, veja: “Deformam o real porque o apreendem espontaneamente atravesde suas impressoes sensıveis ”. Vejamos um sımile: Uma crianca ao con-seguir tapar o sol com uma moeda deduz espontaneamente que o sol e suamoeda sao do mesmo tamanho. Seria necessaria uma “elevada” capacidadede abstracao − que certamente a crianca nao possui − para que ela pudesseconcluir que esta ilusao de otica se deve a que o sol situa-se a milhares dekilometros de distancia de seus olhos, ao contrario da moeda.

Pois bem, esse “nıvel de interacao” da crianca com a realidade, estaespontaneidade toda, e precisamente a mesma com que padres, pastores eovelhas lidam com a realidade, em particular com o universo da espirituali-dade; sao por demais “espontaneos”. E com esse nıvel de “inteligencia” queeles se acercam da Bıblia e de tudo o mais.

Aqueles cegos fanaticos que formavam fila para comprar o acaraje “ungido”de Jesus deveriam ter considerado uma outra possibilidade: a de que umespertalhao estava utilizando o sagrado nome de Jesus para ganhar dinheiro(a exemplo de seus pastores), e, em protesto, nao comprariam.

Como mais um exemplo ilustrativo de que num mesmo “quadro” pode-mos enxergar realidades distintas, certa feita eu estava escrevendo um artigoe para fundamenta-lo melhor fui a uma igreja assistir um culto.

O pastor descaradamente tentou me vender o sangue de Je-sus . . . Pasmem! Explico: em determinado momento do cultoele mandou circular envelopes dentro dos quais haviam fitasvermelhas simbolizando o sangue de Cristo, segundo ele. Diziao pastor que quanto maior a oferta colocada no envelope maiora protecao proporcionada pelo sangue do cordeiro.

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Esse foi o “quadro” apresentado em determinado momento do culto.Agora que mensagem podemos decodificar neste quadro? Muitas daquelasalmas enfermas (sem luz) viam aquele homem como um “ungido de Deus ”;eu, muito pelo contrario, vi ali um demonio, precisamente!

Compreenderam como em um mesmo quadro podemos contemplar ver-dades distintas? Com a diferenca de que a minha tem respaldo da propriaBıblia, veja:

Entao um dos doze, chamado Ju-

das Iscariotes, foi ter com o prıncipe dos

sacerdotes, E disse: Que quereis dar, e

eu vo-lo entregarei? E eles lhe pesaram

trinta moedas de prata.

(Mt: 26 : 14− 15)

Entrou, porem, Satanas em Judas,

que tinha por sobrenome Iscariotes, o

qual era do numero dos doze. E foi e

falou com os principais dos sacerdotes e

com os capitaes de como lho entregaria.

(Lc: 22 : 3− 4)

Veja estimada e cega ovelha: O Demonio entrou em Judas e ele vendeuo sangue de Jesus por algumas moedas; o teu pastor praticou o mesmoato: vendeu o sangue de Jesus por algumas moedas. Pergunto: O Demoniotambem entrou no teu pastor ou isso − no caso dele − nao foi necessario?Digo, ele proprio ja e um Demonio?

Eles estao no meio de nos

Como mais um exemplo ilustrativo de que “a verdade” e uma meraquestao de perspectiva, pergunto: Existem demonios encarnados como gente?

Para uma grande maioria de pessoas um demoniopossui um par de chifres, uma cauda pontiaguda ena mao um tridente − esse e o estereotipo de umdemonio no imaginario popular. Para mim nao e assim,defino:

Demonio e todo aquele que pratica ato demonıaco

Desta perspectiva as coisas mudam sensivelmente. Paramim um demonio pode muito bem esta trajando paleto e gra-vata e, na mao, no lugar de um tridente manipula uma Bıblia(ou uma caneta, existem muitos polıticos demonios).

Com efeito, se utilizar do sangue de Jesus para tosquiarincautas ovelhas, distorcer a Palavra de Deus para roubar,desviar dinheiro da merenda das criancas e da saude, estes sao atos de-monıacos.

Como mais uma prova de que os demonios estiveram e ainda estao entrenos citarei de∗ uma referencia ao romance Os irmaos Karamazov, de FiodorDostoievski (pg. 232)

∗Ehrman, Bart D. O problema com Deus. Alexandre Martins. − Rio de Janeiro: Agir,2008.

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Grande parte do capıtulo mostra Ivan angustiado com o sofrimentodos inocentes. Ele fala sobre a violencia dos soldados turcos nas guer-ras na Bulgaria, que ‘queimam, matam, estupram mulheres e criancas,pregam prisioneiros pelas orelhas a cercas e os deixam la ate de manha,e na manha os enforcam’. Ele se opoe a classificar isso como compor-tamento animalesco, porque seria ‘terrivelmente injusto e ofensivo aosanimais’, que nunca se comportariam com tal crueldade. E continua:

“Esses turcos, entre outras coisas, se deliciavam em torturar criancas,comecando por tira-las dos ventres das maes com um punhal e termi-nando arremessando os bebes para cima no ar e os apanhando com suasbaionetas em frente aos olhos das maes. O maior prazer estava em fazerisso frente aos olhos das maes.” (p. 238)

E apresenta a seguir uma outra cena horrıvel:

Imagine um bebe nos bracos de sua mae tremula, cercada por turcos.Eles conceberam uma brincadeira divertida: acalentam o bebe, riem paraque ele ria, e conseguem − o bebe ri. Nesse momento o turco aponta umapistola para ele, a dez centımetros de seu rosto. O bebe ri de prazer, es-tende as maozinhas para agarrar a pistola, e de repente o artista puxao gatilho direto em seu rosto e explode a sua cabecinha. (. . .) Artısticonao? (p. 238-239)

Pergunto: Diante dos atos descritos o leitor acha que ainda faltaria algopara que os soldados turcos possam ser caracterizados como demonios? Poracaso eles deveriam estar usando um tridente no lugar da baioneta?

O momento e oportuno para lembrarmos que a “Igreja de Deus” emtempos nao muito distantes torturava seres humanos com requintes de cruel-dade e os queimavam vivos em fogueiras. Nao tenho duvidas que esta foiuma das instituicoes que mais abrigou demonios por metro quadrado nasuperfıcie da terra.

E deveras lamentavel que uma grande maioria de catolicos desconhecao passado de sua Igreja. Do livro referido anteriormente (O livro negro docristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus) vou me permitircitar − ja que estamos falando de demonios encarnados como gente − apenaso seguinte trecho:

Os cataros

Eram ascetas e pacifistas, e seus sarcedotes nao possuiam riquezas.

A populacao era conquistada por seu ascestismo e moralidade, muitomaior do que a do clero ortodoxo. Aceitavam apenas uma parte das SagradasEscrituras e consideravam a Igreja de Roma uma criatura do demonio.

Em 1208, o papa Inocencio III, preocupado com o crescimento contınuoda influencia dos cataros, renovou o chamado a Cruzada, prometendo denovo as mesmas indulgencias e os mesmos privilegios concedidos aos cruza-dos.

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A Cruzada teve episodios de grande furia, como o massacre de Beziers,em 1209. Quando os cruzados conquistaram a cidade e perguntaram aorepresentante do papa como poderiam diferenciar os catolicos dos hereges,este respondeu: “Matem todos. Deus reconhecera os seus.”

“A cidade de Beziers foi dominada, e como nossos homens nao distin-guiram dignidade, sexo ou idade, quase vinte mil homens morreram sob aespada . . . a cidade foi saqueada e queimada: assim a atingiu o admiravelcastigo divino.” (Cristie-Murray, 1998, p. 155). Assim escreveram os repre-sentantes do pontıficie, em um relatorio ao papa sobre os acontecimentos.

Os cataros sobreviventes se refugiaram parte na Italia setentrional, partenos Balcas, onde incrementaram as fileiras de uma igreja dualista autonomahegemonica na Bosnia-Herzegovina, que foi destruida pela invasao turca nofinal do seculo XV.

Em 1244, o arcebispo de Narbonne, “seguindo diretrizes apostolicas”(ou seja, as ordens do papa Inocencio IV), mandou para a fogueira maisde duzentos hereges de ambos os sexos capturados apos um ano de sıtio afortaleza de Montsegur. Enquanto isso, a Igreja desenvolveu uma legislacaopara encorajar o “arrependimento”.

E nao venham me dizer que isto pertence ao passado da Igreja, os demoniosapenas mudam suas taticas e ardis, se hoje eles nao torturam e queimammais os “hereges” nas fogueiras e por que os tempos sao outros. E poristo que afirmo: Voce jamais encontrara um sabio como membro destas ins-tituicoes. Apenas cegos por um lado e oportunistas por outro. Eu dissecegos? nao eu a propria Bıblia o disse:

Porque surgirao falsos cristos e fal-

sos profetas, e farao tao grandes sinais

e prodıgios que, se possıvel fora, enga-

nariam ate os escolhidos.

Porem nao vos tem dado o Senhor um

coracao para entender, nem olhos para

ver, nem ouvidos para ouvir, ate o dia de

hoje. (Dt. 29 : 4)

Medite caro leitor sobre esta passagem do Deuteronomio, daqui e lıcitoconcluir − com logica matematica − que os do “povo de Deus” (em nossosdias catolicos e evangelicos, notadamente) sao cegos, surdos e mudos.

Como disse o eminente logico e pensador Bertrand Russel “nao acreditoque o motivo que leva as pessoas a aceitar uma religiao tenha alguma coisaa ver com o raciocınio.” Eu tambem nao creio.

Pois o mundo constitui o inferno, e os

homens formam em parte os atormenta-

dos, e noutra, os demonios.

(Schopenhauer/Parerga e Paraliponema)

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O homem esta repleto de tantas e tao grandes miserias que, senao fosse incompatıvel com a religiao crista, ousaria dizer: se existemdemonios, eles proprios expiam as penas do crime, transmigrando paraos corpos dos homens. (Vanini)

Vanini∗ equivocou-se, que os demonios transmigram para os corpos doshomens nao e incompatıvel com a religiao crista, segundo a propria Bıblia.Com efeito, no livro bıblico do Apocalipse le-se:

Aconteceu entao uma batalha no ceu: Miguel e seus Anjos guer-rearam contra o Dragao. O Dragao batalhou juntamente com os seusAnjos, mas foi derrotado, e no ceu nao houve mais lugar para eles. Essegrande Dragao e a antiga serpente, e o chamado Diabo ou Satanas. Eaquele que seduz todos os habitantes da terra. O Dragao foi expulso paraa terra, e os Anjos do Dragao foram expulsos com ele. (Ap 12 : 7− 9)

Pelo ao menos a mim aqui esta claro que “O Dragao foi expulso para aterra, e os Anjos do Dragao foram expulsos com ele.”

Ora, qualquer espırito que vem “morar na terra” chegando aqui deve“vestir-se como um homem” (assumir um corpo humano) por que esta e alei deste plano.

Por exemplo, foi o caso do proprio Cristo ao encarnar como Jesus.

∗ ∗ ∗

Retomando um tema anterior, podemos ver a realidade como uma imensatela em branco, cada um pinta ali a sua “verdade”, e o pincel que cada umutiliza e tingido nas “cores do proprio ego ”, digo:

O mundo de voces e um mundo criado pelo ego;o mundo de voces e um mundo projetado. Voces estaousando o mundo real como uma tela e projetando nelaas suas proprias ideias. (Osho)

Observe a concordancia (harmonia) do mıstico com o filosofo:

[. . .] Todos esses valores sao, do ponto de vista psicologico, resulta-dos de determinadas perspectivas de utilidade para a manutencao eintensificacao de formas humanas de dominacao: e apenas falsamenteprojetados na essencia das coisas. E sempre ainda a hiperbolica in-genuidade do homem: colocar a si mesmo como sentido e medida devalor das coisas. (Nietzsche/Sobre O Niilismo/Griffo nosso)

∗Vanini com toda esta prudencia ainda foi condenado a morte.

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Concordo plenamente que Jesus falou muitas coisas bonitas e “verdadei-ras”, − estas aspas significam que se algumas afirmativas de Jesus foremtiradas do contexto perdem o carater de verdade absoluta − tanto e que tenhoutilizado algumas em meus escritos, no entanto nao creio que ele soubessede tudo e que fosse o “dono da verdade” e muito menos a propria verdadeencarnada em forma de gente.

Como disse, os crentes criaram uma bolha de ilusoes e vivem dentrodela, ninguem tem o direito de perturbar-lhes o sono. E isto rouba-lhes acapacidade de reflexao, os fazem perder o contato com a realidade.

Os homens, para lidarem com a realidade, para enfrentarem seus medos,recorrem tanto as drogas dos psiquiatras, quanto as drogas confeccionadaspelos “mercadores do reino de Deus”. Segundo Jesus, e a verdade que li-berta, nao a mentira, a ilusao. E certo que cada um toma a sua propriailusao como sendo a verdade. Quando uma suposta verdade nao causa atransformacao que se espera das duas uma: ou e uma quimera ou nao foicompreendida.

Observando os cristaos ao longo da historia, observando ovelhas, sarce-dotes e pastores em nossos dias, a conclusao que se chega e que o que elestem vivido e pregado e uma grande quimera uma vez que nao tem servidonem a eles proprios . . . Vejam no que resultou o “acaraje de Jesus”.

Nota: Quando trato, em meus escritos, os sacerdotes pela alcunha debandidos estou tomando em consideracao toda a historia pregressa da Igrejacatolica. Nenhum homem honesto, bem intencionado “e consciente” fariaparte de uma tal instituicao (retrograda, como o sao as religioes).

2.4.1 Jesus, um mestre iluminado?

Existe um pensador audaz que afirmou que Jesus nao foi um mestreiluminado. A princıpio achei este pensador um tanto quanto audacioso, en-tretanto dispuz-me a ponderar seus argumentos. Confrontando o que elediz com a conjuntura religiosa “circunjacente” fui forcado a admitir que oreferido pensador nao e de todo louco, ele afirma:

Ja foi dito que o caminho da iluminacao e comparavel a um passarovoando no ceu: ele nao deixa pegadas atras de si; ninguem pode seguir aspegadas de um passaro. Cada passaro tera de deixar as proprias pegadas,embora elas desaparecam imediatamente a medida que o passaro continuaa voar. A situacao e semelhante e, por isso, nao existe a possibilidadede um lıder e um seguidor. E por isso que eu digo que pessoas comoJesus, Moises, Maome e Krishna − que afirmam: “Apenas creiam e mesigam” − nada sabem sobre a iluminacao.

Se eles soubessem, entao essa afirmacao seria impossıvel. Qualquerpessoa que tenha se iluminado sabe que nao deixou pegada alguma atrasde si; e dizer aos outros “venham e sigam-me” e simplesmente absurdo.

(Osho/Autobiografia de um Mıstico Espiritualmente Incorreto/Cultrix)

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Eu ja ponderei sobre estas afirmacoes por diversos angulos, diversas pers-pectivas e “o pior” e que nao consigo refuta-las; logo, o mıstico tem a minhacompleta adesao.

Isto tudo esta em harmonia com o que dissemos sobre a singularidade decada ser humano; isto e, que cada ser humano deveria ser unico; as religioesse colocam contra a propria Natureza no momento em que nivelam todoscomo ovelhas ou como gado.

Porque gado a gente marca

Tange, ferra, engorda e mata

Mas com gente e diferente. . .

Nesse contexto podemos compreender por que Deus deixou de atender(nao deu ouvidos) a oracao de Jesus:

Para que todos sejam um, como tu, o Pai, o es mim, e eu, em ti;que tambem eles sejam um em nos, para que o mundo creia que tu meenviaste. (Jo 17 : 21)

A proposito, uma outra afirmacao de Jesus que, pelo ao menos a mim,mostra que ele nao era tao iluminado quanto querem nos fazer cre e aseguinte:

Quem nao e comigo, e contra mim; e quem comigo nao ajunta es-palha. (Mt 12 : 30)

Veja bem, em minhas (sinceras) buscas espirituais me deparei com umaoutra via∗ para me relacionar com Deus, nao entendo por que Deus naorespeitaria minha escolha (livre arbıtrio), nao entendo por que se eu nao mejuntar a Jesus estou espalhando, nao apenas eu como bilhoes de outros sereshumanos ao redor deste planeta.

Creio que assim como Deus me deu uma impressao digital que e unica,so minha, tambem Ele me deu um caminho unico, so meu. Me deu ou eutenho que construir com meu esforco − isto me parece mais razoavel.

Cada passaro tera de deixar as proprias pegadas, embora elas desa-parecam imediatamente a medida que o passaro continua a voar.

Creio que Jesus foi um ser especial (um mestre) que encarnou neste planopara cumprir uma missao; entretanto, nasceu em um determinado tempo elugar, sofreu influencias do ambiente cultural e religioso de sua epoca − foi“mimetizado culturalmente”− nao poderia ter sido diferente.

Em minhas pesquisas conheci outras culturas e formas de se relacionarcom o divino, Jesus herdou toda uma carga cultural e religiosa oriundasdo judaısmo; sinceramente nao creio que a cosmologia judaica seja a mais

∗Meditacao, Reflexao, Deducao, Introspecao.

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inteligente das que existem sobre a terra e, portanto, decidi nao “juntar”com Jesus e, nao obstante, nao creio que por isso esteja espalhando como eleafirma.

Veja bem, ate mesmo o “quadro” Deus pode ser visto sob perspectivasdistintas, sob “verdades” distintas. Jesus era judeu, herdou do judaısmouma concepcao antropomorfica de Deus (Deus e pessoal), se essa concepcaoera apropriada a seu tempo nao creio que ainda o seja para o nosso. A minhaformacao e a de matematico, assim como um peixe definha e morre fora daagua de igual modo um matematico sente-se asfixiado em um “sistema”que envolva contradicoes, e um Deus pessoal contradiz, choca-se frontal-mente com a realidade que observamos − como estaremos mostrando.

Ha uma qualidade de extase que nao e prazer; sovem esse extase quando existe em nos mesmos aquelaordem matematica, que e absoluta. (Krishnamurti)

Eu vejo, mas nao acredito!

Acredito que o matematico desen-

volve um “sentido” irredutıvel a visao, a

audicao e ao tato, que lhe permite perce-

ber uma realidade tao palpavel quanto,

mas bem mais estavel que a realidade

fısica, pois nao localizada no espaco-

tempo. (Alain Connes)

A matematica e a fısica∗ sao prodigas em exemplos de que a nossa pobre“logica linear ” naufraga frente ao infinito.

O matematico alemao Georg Cantor se dedicou por muito tempo aoestudo do infinito. Em seus estudos concluiu que existem varias especies deinfinito − obteve uma hierarquia de infinitos −. Para ele havia um nıvel deinfinito inatingıvel, definitivo, o Absoluto, que ele identificava com o proprioDeus.

Em suas pesquisas a respeito do infinito ele obteve alguns resultados “ab-surdos” (paradoxais) dos quais ele proprio chegava a duvidar; inseguro es-creveu a um outro matematico para que verificasse se de fato seus “calculos”estavam corretos. Cantor exclamou: “Eu vejo, mas nao acredito!”.

∗Teoria da relatividade e mecanica quantica, notadamente.

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Um destes resultados que Cantor chegou a duvidar foi o de que em umsegmento de reta unitario existem “tantos pontos quanto num quadrado delado unitario”.

0

1

s s

0 1

1 Tudo isso, que a primeiravista parece excesso de irrazao,na verdade e o efeito da finura eda extensao do espırito humanoe o metodo para encontrar ver-dades ate entao desconhecidas.

(Voltaire, 17 a Carta)

De um outro modo: Cantor consegue transferir todos os pontos do seg-mento a esquerda para o quadrado a direita de modo a preencher toda asuperfıcie do quadrado. Cada ponto do intervalo ocupa uma unica posicaono quadrado.

Aonde eu estou querendo chegar? Estou querendo afirmar que o nosso“pobre bom senso” quando se aplica ao infinito (Absoluto, Deus) fica com-pletamente desnorteado. Nos dois proximos capıtulos estaremos provandoque o “bom senso” de padres e pastores a esse respeito nao e muito superioraos dos primitivos que cultuam um crocodilo como Deus.

Por exemplo, em minhas pesquisas dois resultados surpreendentes a quecheguei e o de que Deus nao raciocina e, por conseguinte, nao e inteligente. . . Eu vejo, mas nao acredito!

Com efeito, pensando bem, o raciocınio e uma limitacao, alguem raciocinaporque precisa “atingir algo”, nao e o caso de Deus, No qual tudo e si-multaneo. O leitor, por acaso, saberia me dar um exemplo de uma situacaona qual Deus precisaria raciocinar?

Felizmente me deparei com dois pensadores que apontam nesta mesmadirecao, veja:

A hipotese ingenua segundo a qual “o creatormundi” [o Criador do mundo] e uma entidade cons-ciente deve ser vista como um preconceito de graves con-sequencias, por ter dado ocasiao, posteriormente, a dis-torsoes logicas as mais incrıveis. Por isso parece-me quenao haveria a necessidade do absurdo da “privatio boni”,se nao fosse preciso admitir que a natureza consciente

de um deus bom e incapaz de praticar acoes mas. A natureza inconscientee irreflexa de Deus permite, pelo contrario, adotar um ponto de vista quesubtrai o agir de Deus ao julgamento moral e impede que surja um conflitoentre a sua bondade e seu carater temıvel.

(Carl Gustav Jung/Resposta a Jo, p. 25)

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De uma outra fonte independente:

Portanto, Deus nao e transcendente

ao universo, nem pode ter personalidade,

providencia, livre vontade e propositos.

Entao, mesmo o homem bom, apesar de

que ame a Deus, nao pode esperar que

Deus o ame em retorno. (Espinoza)

O problema todo e que o Deus pessoal hoje em dia aprisiona − e sufi-ciente observar as igrejas − e um Deus nao pessoal libertaria, creio assim.

Volto a enfatizar, todos os que se encontram dentro das igrejas, sob ojugo de padres e pastores, sao escravos, essa e a minha perspectiva, a minhaverdade.

Nao tenho duvidas − e a realidade comprova − que todo Deus e umaconstrucao humana; digo, toda concepcao divina e produto do homem. ODeus pessoal, que ainda hoje vigora nas igrejas, resultou no desastre que aıesta: embuste e alienacao. E um Deus que em maos de mercadores escravi-za. Esse Deus precisa urgentemente ser substituido. A questao pela qualmuitos nao se dao conta desta urgencia, do estrago causado pelas religioes, eque vivem num nıvel de consciencia de sonambulos, vivem em uma penum-bra (pouca luz). Permitam-me projetar uma cena frente a seus olhos com ointuito de me fazer melhor compreender:

Apalpamos as paredes como cegos; sim, como os que nao tem olhosandamos apalpando; tropecamos ao meio dia como no crepusculo, e en-tre os vivos somos como os mortos. (Is 55 : 8)

E precisamente esta a realidade das ovelhas confinadas nos apriscos re-ligiosos. Se esta era a realidade nos tempos do profeta, continua sendo a dehoje. E preciso situar-se num nıvel de consciencia mais elevado para ver quee mesmo assim.

Os budas tem uma definicao diferente. A definicao deles consistena consciencia. Eles nao dizem que voce esta vivo porque pode respirar,nao dizem que voce esta vivo porque seu sangue esta circulando; dizemque esta vivo se voce esta desperto. Portanto, com excecao dos que des-pertaram, ninguem realmente esta vivo. Voce e um corpo − andando,falando, fazendo coisas − voce e um robo. (Osho/Consciencia)

Retomando um argumento anterior. Por outro lado, e nao menos impor-tante, se as igrejas tem o monopolio sobre Jesus, sobre Deus, como eles afir-mam, eu lamentaria profundamente ter um padre ou pastor como mestre −

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como disse, tive contato com outras “cosmologias” frente as quais a judaico-crista esta na mesma proporcao que o ensino fundamental (primario) estapara a pos-graduacao.

Daqui e lıcito concluir que quando Jesus afirma: “quem comigo naoajunta espalha” e o mesmo que proibir alguem de prosseguir seus estudos anıvel de pos-graduacao. E certo isto?

Jesus referindo-se aos guias cegos de sua epoca setenciou:

“Deixai-os; sao condutores cegos; ora, se um cego guiar outro cego, am-bos cairao na cova. ” (Mt 15 : 14)

Os padres e pastores atuais sao os guias cegos de hoje, sao os “fosseisvivos ” dos antigos fariseus hipocritas. Alguem duvida? Observe:

E preciso nao se deixar induzir em erro: “Nao julgueis!”, dizem eles,mas mandam para o inferno tudo o que fica em seu caminho. Ao fazeremDeus julgar, julgam eles proprios; ao glorificarem a Deus, glorificam asi proprios [. . .] (Nietzsche)

2.4.2 Entendo que ninguem e “especial” aos olhos de Deus

A questao principal e: “O que e Deus?”. Se buscarmos uma respostaentre os povos nos surpreenderemos pela diversidade de opinioes − muitasate contraditorias. Assim como nao existe uma resposta fechada para o queseja a verdade, tao pouco existe para o que seja Deus. O que existe sao“construcoes mentais” ou, em muitos casos, “masturbacoes mentais”.

Esse auto-hipnotismo (bolhas de ilusao) faz com que os crentes considerem-se “especiais” aos olhos de Deus. Da ate a impressao de que Deus e seusempregado. Tudo o que eles conquistam foi Deus que lhes deu. Se um pastoradquire um carro novo, uma mansao, as cegas ovelhas dizem que foi Deusque lhe deu. E a tudo isso o que denomino de masturbacao mental.

Porem nao vos tem dado o Senhor um coracao para entender, nemolhos para ver, nem ouvidos para ouvir, ate o dia de hoje. (Dt. 29 : 4)

Veja, se existem milhares de criancas morrendo de fome ao redor domundo, se existem milhares de criancas morando nas ruas, passando fome,por que Deus estaria preocupado em dar um carro novo ou uma casa novapara um pastor? para um crente? Que Deus seria este?

Ora, um Deus engendrado em suas mentes por padres e pastores, umDeus totalmente fictıcio (“Ilusao de otica”) : . . . bebedos estao, mas nao devinho, andam cambaleando, mas nao de bebida forte.

Essa foi a especie mais fatal de mania de grandeza que ate agoraexistiu sobre a terra: uns pequenos abortos de carolas e mentirososcomecam a reinvidicar para si os conceitos de “Deus”, “verdade”, “luz”,

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“espırito”, “amor”, “sabedoria”, “vida”, como se fossem sinonimos desi, para com isso delimitar o “mundo” contra si [. . .] (Nietzsche)

Em uma outra traducao, para o leitor escolher:

Esta e a mais perigosa loucura de grandezas, que “nunca” exis-tiu sobre a terra; abortos de santarroes e de embusteiros comecaram aacambarcar as ideias de “Deus”, de “verdade”, de “luz”, de “espırito”,de “amor”, de “sabedoria”, de “vida”, como se estas ideias fossem decerto modo o sinonimo do seu proprio ser, para estabelecer a separacaoentre ele e o “mundo”; raquıticos judaicos, em grau superlativo madurospara toda a especie de manicomios: valorizaram as coisas conforme o seucriterio, como se o cristao fosse o sentido, o sol, a medida e o “ultimoJuızo” de tudo o mais . . . (Nietzsche/O Anticristo)

Um crente me afirmou certa feita que ele, ao dirigir-se a sua igreja − emseu transporte −, estava sob a protecao de Deus.

Contra-argumentei: nao por isto, ja vi teto de igreja desabando na cabecados fieis.

A proposito, lembrei-me daquela distinta Senhora, Zilda Arns, engajadaem causas sociais, que militava em favor dos pobres − pelo ao menos 100vezes mais do que muitos crentes e pastores que ficam apenas na retorica− ela estava rezando, com outros fieis, em uma igreja no Haiti quando, emfuncao do terromoto, foram soterrados, o teto da igreja desabou sobre suascabecas e os matou.

Sera que todos os crentes que se julgam protegidos pelo “sangue de Jesus”sao mais especiais aos olhos de Deus do que o foi aquela distinta senhora?

Veja bem, assim como quando estamos dormindo o cerebro cria atravesdos sonhos as “realidades” mais absurdas, de igual modo acontece quandoestamos acordados − desta vez atraves dos pensamentos.

Assim como existem as ilusoes de otica − como as da pagina 42 − naotenho duvidas de que existem as “ilusoes de pensamento”, de cognicao.

Claro, compreendo que essas bolhas de ilusoes tem proporcionado “feli-cidades” a muitos, tem auxiliado muitos a transporem obstaculos . . . tudobem.

No entanto, o problema e que estas ilusoes se estendem pela vida inteira,ninguem se esforca por livrar-se de suas muletas, permanecem aleijados parao resto da vida. Como disse, e volto a insistir, uma masturbacao apenasporque proporciona um “orgasmo verdadeiro” nao significa que por isto es-teja justificada “para todo o sempre”; devemos ir em busca de satisfacoesverdadeiras, digo, mais elevadas, consistentes. Ao que me parece, nao e issoo que as igrejas andam vendendo aos incautos fieis.

Tenho percebido que uma das razoes pelas quais as pessoas caem vıtimasde ilusionistas e prestidigitadores de todo genero (a exemplo de padres,

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pastores, “mestres” e “gurus”) e que elas sentem a necessidade de algopara acreditar, estao sempre buscando muletas para se apoiarem. Nestascondicoes creio que os ateus estao melhor protegidos − blindados.

Certa feita tive o seguinte insight: “Seria muito bom se Deus nao exis-tisse!”. Em seguida refletindo sobre este “raio” que riscou em minha mente,nao e que faz sentido?

Com efeito, entre um Deus que escraviza e um “Nao-Deus” (como e ocaso do budismo) nao tenho duvidas que e melhor o “Vazio”.

Um oportuno esclarecimento: Nao sou ateu, apenas nao creio no Deuspregado (engendrado) pelas religioes; a minha concepcao de Deus e bemdiferente. Nao cabe aqui no momento eu me estender nesta direcao − estee um assunto para os proximos capıtulos −, no entanto e suficiente pontuarque o meu Deus nao e meu “Senhor”, nao sou seu servo, tenho-o como meuAmigo, nao devo teme-lo e nem Ele me ve como um pecador. Ademais,minha confianca Nele e tamanha que nao ha espaco para oracoes.

Eu nao disse que tudo se resume a construcoes mentais? Como merelacionar com o meu Deus e uma decisao minha, onde estaria o problema?

Apenas observo o seguinte, embora meu Deus seja uma construcao minha,esta construcao nao e totalmente arbitraria posto que existe toda uma fun-damentacao teorica que a sustenta. Nao e um sonho particular, uma vezque sou capaz ate de fundamenta-lo matematicamente, se preciso for.

Sendo assim, em que um Deus pode ser melhor que outro? O problemae que os Deuses das religioes foram engendrados com interesses subreptıcios,maquiavelicos, polıticos e aı resultou no desastre que pode ser constatadoao longo da historia e a nossa volta, lembre-se:

Deformamos o real porque o apreendemos espontaneamente atravesde nossas impressoes sensıveis, de nossos desejos, nossas paixoes, nossosinteresses, nossos habitos, [. . .] (Simone Manon/Platao)

A minha contribuicao − se se quiser ver assim − e deixar claro, e chamara atencao, e conscientizar de que o homem tem responsabilidade, por sinaluma mega responsabilidade, na construcao do seu proprio Deus.

O Deus que aı esta, o das religioes, ja deu o que tinha que da: embuste,alienacao e cegueira: “Porem nao vos tem dado o Senhor um coracao paraentender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, ate o dia de hoje.”

Volto a sublinhar para que nenhuma duvida paire no ar. Vejo muitasmanifestacoes religiosas como naturais e adequadas ao nıvel de desenvolvi-mento de cada povo, ou de cada indivıduo. Agora, no momento em queestas manifestacoes conduzem a exclusao e ao fanatismo, como acontececom os cristaos de modo geral, aı passo a ver essas praticas como doentias,deturpadas. As minhas crıticas (diatribes) se dirigem preferencialmente aspraticas que alienam e cegam.

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Por exemplo, no mais das vezes quando vejo pastores e padres se mani-festarem sobre assuntos espirituais percebo que eles o fazem com tamanhaempafia que me da a impressao de que possuem as chaves do ceu e do inferno,considero estas almas enfermas, sem luz.

Veja ainda: a religiao crista, ou qualquer uma de suas variantes − ouqualquer outra pratica religiosa − nao e indispensavel a humanidade, tantoe assim que bilhoes de seres humanos viveram, vivem e viverao sem umapratica especıfica. O que e indispensavel mesmo e o ar que respiramos,nao o “acaraje de Jesus”. Lembre-se “tudo o que e particular” pertencenecessariamente ao mundo dos sonhos − ou ao mundo das masturbacoes,como se preferir.

O mundo da ignorancia, a caverna, e portanto o mundo da crenca,de todos esses conhecimentos que podem ser agrupados sob o nome de“opiniao”. Sao todas essas ideias que nao podemos explicar racional-mente, mas as quais aderimos por razoes completamente diferente darazao. O acaso pode fazer com que uma opiniao seja verdadeira, masnem por isso ela deixa de ser uma opiniao, isto e, uma crenca e nao umsaber [· · · ] (Simone Manon/Platao, [9])

∗ ∗ ∗

Desgarrar muitos do rebanho − foi para isso que eu vim. Devem vo-ciferar contra mim povo e rebanho: rapinante quer chamar-se Zaratustrapara os pastores.

Pastores digo eu, mas eles se denominam bons e justos. Pastoresdigo eu: mas eles se denominam os crentes da verdadeira crenca.

Vedes os bons e justos! Quem eles odeiam mais? Aquele que quebrasuas tabuas de valores, o quebrador, o infrator: − mas este e o criador.

Vedes os crentes de toda crenca! Quem eles odeiam mais? Aqueleque quebra suas tabuas de valores, o quebrador, o infrator: − mas estee o criador. [. . .]

Mutacao dos valores − essa e a mutacao daqueles que criam. Sempreaniquila, quem quer ser um criador.

Vigiai e escutai, o solitarios! Do futuro chegam ventos com miste-riosas batidas de asa; e para ouvidos finos ha boa notıcia.

Vos solitarios de hoje, vos que vos apartais, havereis um dia de serum povo: de vos, que vos elegestes a vos proprios, ha de crescer um povoeleito: − e dele o alem-do-homem. (Nietzsche/Assim Falou Zaratustra)

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2.5 Engenharia Teologica

No lugar da verdade ou da realidade, temos uni-camente o limitado discurso humano, os sistemas decrenca e os atos de interpretacao que cada um de nosfaz na prisao da linguagem ou da cultura. Desafiar es-sas pretensas “verdades”, desconstruir as suposicoesnas quais elas se apoiam, e a tarefa da nossa epoca.

(Danah Zohar, fısica e filosofa/[8], p. 172)

Na pagina 17 afirmei, com base em Ap 12 : 7 − 9, que os demonios aoaportarem em nosso orbe foram celeres em criar as religioes para escravizaremos homens.

Nesta secao estaremos juntando mais alguns fatos em apoio a nossa tese.O que denomino de “engenharia teologica”, ou satanica, sao alguns artifıcios− reconhecidamente diabolicos − engendrados por teologos, doutores e “san-tos” da Igreja para manter o povo ignorante cativo de seus ardis e ciladas.

Encontrei em um site catolico∗ um artigo por tıtulo Tratado da Ver-dadeira Devocao a Virgem Maria (resumido) do Prof. EdmundoVegini, Segundo o metodo da Verdadeira Devocao a Nossa Senhora de SaoLuiz Maria de Grignion de Monfort.

E um longo artigo farei alguns comentarios sobre alguns pontos do mesmo.

2.5.1 Astutos ate a santidade

A primeira astucia satanica que decodifiquei foi a seguinte: uma megaexaltacao a Virgem Maria, colocando-a no lugar do proprio Cristo, e porque isto? Ora, como Jesus deixou de ser monopolio da Igreja Catolica,i.e., viu-se obrigada a dividı-lo com as mirıades de igrejas evangelicas, entaoastutamente colocaram o culto a Maria como condicao da salvacao porqueapenas eles detem o monopolio sobre a Virgem; resumindo: quem quiser sersalvo deve tornar-se catolico, fui claro?

Fiquei estarrecido, embasbacado, por um lado com tantas afirmacoes in-sanas e por outro, com a profundidade da cegueira a que o homem podesubmergir, refiro-me as cegas ovelhas que nao conseguem decodificar ardissatanicos tao explıcitos, tais como:

25. Deus Espırito Santo comunicou a Maria, Sua Fiel Esposa, Seusdons inefaveis, escolhendo-A para dispensadora de tudo que Ele possui.Deste modo Ela distribui Seus dons e Suas gracas a quem quer, quantoquer, como quer e quando quer, e dom nenhum e concedido aos homens,que nao passe por suas maos viginais. Tal e a vontade de Deus, que

∗www.salvaialmas.com.br

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tudo tenhamos por Maria e assim sera enriquecida, elevada e honradapelo Altıssimo, Aquela que, em toda a vida, quis ser pobre, humilde eescondida ate ao nada. Eis a opiniao da Igreja e dos Santos Padres.

E a isto que chamo de engenharia teologica, ou satanica. Chega a ser taohilario que, para expressar minha indignacao (repulsa) so posso transforma-la em piada, com efeito: Segundo a propria Bıblia, a Virgem nao foi taofiel quanto afirmam pois que cumulou o Espırito Santo de chifres, com Jose,uma vez que Jesus teve irmaos − a menos que estes tenham sido tambemgerados pelo Espırito Santo, se for este o caso retiro minha acusacao.

Vejam se nao e engenharia satanica: afirmam que o proprio Deus e sub-misso a Virgem Maria . . . Pasmem! O leitor, por acaso, acha que tenhonecessidade de mentir? Veja com seus proprios olhos:

76. “Ao poder de Deus tudo e submisso, ate a Virgem; ao poder daVirgem tudo e submisso, ate Deus ”.

Estamos falando de uma nova modalidade de engenharia:

28. No ceu, Maria da ordens aos Anjos e aos Bem-aventurados. Paracompensar sua profunda humildade, Deus lhe deu o poder e a missao depovoar de santos os tronos vazios, que os anjos apostatas abandonaram eperderam por orgulho. E a vontade do Altıssimo, que exalta os humildes(Lc 1, 52), e que o ceu, a terra e o inferno se curvem, de bom ou maugrado, as ordens da humilde Maria, pois, Ele A fez Soberana do ceu e daterra, General de Seus exercitos, Tesoureira de Suas riquezas, Dispen-sadora de Suas gracas, Artıfice de Suas grandes maravilhas, Reparadorado genero humano, Mediadora para os homens, Exterminadora dos ini-migos de Deus e Fiel Companheira de Suas grandezas e de Seus triunfos.

Pelo visto Deus se esqueceu de acrescentar no Decalogo entregue a Moises:

“Nao teras outros deuses diante de mim, exceto Maria, minha Esposa”.

Aqui nao tenho como nao citar o visionario Nietzsche:

Mas a pose grandiosa desses espıritos doentes, desses epileticosdas ideias, age sobre as grandes massas − os fanaticos sao pitorescos,a humanidade prefere ver gesticulacoes antes que ouvir a verdade.

(Nietzsche/Grifo nosso)

Como disse, e nao canso de clamar, o demonio se utiliza das religioescomo meio de escravizar os homens, esta afirmacao e uma das que acheimais faceis de provar, veja:

Uma das consagracoes que considero mais completas, profunda ecompromissada e a Consagracao como Escravo de Maria Santıssima,segundo o metodo de Sao Luiz Maria Grignion de Monfort.

(Prof. Edmundo Vegini)

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Segundo o texto de Sao Luiz ha uma diferenca entre servo e escravo, osque deverao servir a Igreja, atraves de Maria, sao escravos, de ambos o maisinferior, vejam:

71. A diferenca entre um servo e um escravo e total: 1o - um servonao da a seu patrao tudo o que e, tudo o que possui ou pode adquirirpor outrem ou por si mesmo; mas um escravo se da integralmente a seusenhor, com tudo o que possui ou possa adquirir, sem nenhuma excecao.2o - o servo exige salarios pelo servico que presta a seu patrao; o escravo,porem, nada pode exigir, seja qual for a assiduidade, a habilidade, a forcaque empregue no trabalho. 3o - o servo pode deixar o patrao quandoquiser, ou ao menos quando expirar o tempo de servico, mas o escravonao tem esse direito [. . .]

Em seguida:

72. So a escravidao, entre os homens, poe uma pessoa na posse edependencia completa de outra. Nada ha, do mesmo modo, que mais ab-solutamente nos faca pertencer a Jesus Cristo e a Sua Mae Santıssimado que a escravidao voluntaria, conforme o exemplo do proprio JesusCristo, que, por nosso amor, tomou a forma de escravo (Filip 2, 7) e daSantıssima Virgem, que se declarou Escrava do Senhor. (Lc 1, 38) [. . .]

E a isto que chamo de construcoes mentais, masturbacao mental; eleschegam propositadamente, ou melhor satanicamente, a distorcer, a engen-drar, para direcionarem a seu bel-prazer. Estive consultando as duas pas-sagens acima e, pelo ao menos na minha Bıblia, nao consta a palavra escravo,mas sim servo; o que, segundo o autor, nao sao a mesma coisa.

Como disse, o artigo e longo, permeado de sandices, de manobras espurias,enfim, de engenharia satanica; nao pretendo me estender em demasia, ape-nas mais duas citacoes:

86. Tudo isto e tirado de Sao Bernardo e de Sao Boaventura. Deacordo com suas palavras, temos tres degraus a subir para chegar a Deus:o primeiro, mais proximo de nos e mais conforme a nossa capacidade,e Maria; o segundo e Jesus Cristo; e o terceiro e Deus Pai. Para ir aJesus e preciso ir a Maria, pois Ela e a Medianeira de intercessao. Parachegar ao Pai Eterno e preciso ir a Jesus, que e nosso Medianeiro deRedencao. Ora, pela observacao que preconizo, mais adiante, e esta aordem perfeitamente observada.

Apenas observo que estes santos estao indo alem da Bıblia que em partealguma menciona estes degraus, pelo contrario, Jesus afirma: “Ninguem vemao Pai senao por mim”, sem fazer nenhuma mencao a Maria.

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Gentil 63

E se de fato estes santos afirmaram isto, serei forcado a concluir quedentre a classe dos santos tambem podemos encontrar idiotas.

Depois a Igreja reclama que cresce o numero de ateus no mundo, e deseus detratores, como poderia ser diferente?

158. Ainda que me apresentem um caminho novo para ir a JesusCristo, e que esse caminho seja pavimentado com todos os merecimentosdos bem aventurados, ornado de todas as suas virtudes heroicas, ilumi-nado e decorado de todas as luzes e beleza dos anjos, e que todos os anjose santos la estejam para conduzir, defender e amparar aqueles e aquelasque o quiserem palmilhar; em verdade, em verdade, digo ousadamente,e digo a verdade, eu havia de preferir a este, tao perfeito, o caminhoimaculado de Maria, [. . .]

Estive refletindo sobre esta construcao mental e me pergunto se estadevocao cega nao se deve ao fato de Maria ser virgem; nao se sabe ao certoqual o sexo dos anjos, logo, mais vale um passaro na mao do que dois voando.Neste particular creio que os mulcumanos sao mais afortunados que os san-tos cristaos; com efeito, os primeiros sao capazes de atos insanos em trocade nada mais nada menos que “setenta virgens ” no paraıso, enquanto oscristaos em troca de apenas uma . . . e que os catolicos nao venham tentarme convencer de que a Virgem Maria vale por setenta virgens mulcumanasque eu nao acredito, vou logo avisando!

Os considerados santos de certas religioes quasenunca sao criadores. Sao simples virtuosos ou alu-cinados, aos quais o interesse do culto e a polıticaeclesiastica atribuıram uma santidade nominal.

(Jose Ingenieros)

A multidao e sempre de ovelhas, e todo o esforco do passado temsido o de converter cada indivıduo numa peca de engrenagem, em umaparte morta de uma multidao morta. Quanto mais inconsciente ele e, equanto mais o seu comportamento e dominado pela coletividade, menosperigoso ele se torna. Na verdade, ele se torna quase inofensivo. Elenao pode destruir nem mesmo sua propria escravidao.

Pelo contrario, ele comeca a glorificar sua propria escravidao − suareligiao, sua nacao, sua raca, sua cor. Essas sao as suas escravidoes,mas ele comeca a glorifica-las. [. . .] (p. 74)

O rebelde tera uma nova moralidade − nao de acordo com algummandamento, mas de acordo com sua consciencia. Ele tera uma novareligiosidade; ele nao pertencera a religiao alguma, porque isso e absolu-tamente estupido. A religiosidade e um fenomeno privado e pessoal.

(Osho/O Rebelde, p. 15)

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Oportunamente faremos algumas referencias a fısica quantica, entao:

O que e fısica quantica?

A fısica quantica (tambem conhecida como mecanica quantica e teoriaquantica) e principalmente o estudo do mundo microscopio. Nesse mundomuitas grandezas fısicas sao encontradas apenas em multiplos inteiros deuma quantidade elementar; quando uma grandeza apresenta essa propriedade,dizemos que e quantizada. A quantidade elementar associada a grandeza echamada quantum da grandeza (o plural e quanta).

Uma grandeza quantizada que esta presente no nosso dia-a-dia e o din-heiro. O dinheiro no Brasil e quantizado, ja que a moeda de menor valor e ade um centavo (R$ 0, 01), e os valores de todas as outras moedas e notas saoobrigatoriamente multiplos inteiros do centavo. Em outras palavras, o quan-tum de dinheiro em especie e R$ 0, 01, e todas as quantias maiores sao daforma n× (R$ 0, 01), onde n e um numero inteiro. Nao e possıvel, por exem-plo, pagar com dinheiro vivo uma quantia de R$ 0, 755 = 75, 5 × (R$ 0, 01).

Em 1905 Einstein propos que a radiacao eletromagnetica (ou, simples-mente, a luz) era quantizada; a quantidade elementar de luz e hoje chamadade foton. [. . . ]

O conceito de quantum de luz, ou foton, e muito mais sutil e miste-rioso do que Einstein imaginava. Na verdade, ate hoje nao e compreendidoperfeitamente.

Segundo Einstein, um quantum de luz de frequencia f tem uma energiadada por

E = hf (energia do foton)

onde h e a chamada constante de Planck, que tem o valor

h = 6, 63 × 10−34 J · s

(Extraıdo de Halliday&Resnick/Vol. 4)

Capada

referencia[4]

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Capıtulo 3O CAXIRI DO PADRE

Pasmai e maravilhai-vos; cegai-vos e

ficai cegos; bebedos estao, mas nao de

vinho; andam cambaleando, mas nao de

bebida forte. (Is 29 : 9)

3.1 Introducao

Se me perguntassem o que eu destacaria como o principal diferencial entreo artista genuıno e o homem comum eu diria: sensibilidade.

Com efeito, diante de uma cena comum do dia a dia − digamos, umpolıtico mentindo ou um pastor tosquiando uma ovelha − para a qual ohomem comum e surdo (insensıvel), um musico recebe dali inspiracao paracompor uma musica, um pintor podera pintar uma tela, um poeta escreverum inspirado poema, um jornalista escrever uma reportagem ımpar, umescritor escrever um ensaio, e assim por diante.

Ja nao conto mais o numero de artigos que escrevi e, mais recentemente,um espesso livro; tenho tido a oportunidade de constatar em varias opor-tunidades o que disse acima. A minha caracterıstica basica para escreverse da atraves de estımulos que recebo do “ambiente em volta”. Por exem-plo, escrevi o capıtulo anterior em funcao de uma reportagem que assistina televisao; ja o presente capıtulo nasceu de dois estımulos que recebi; oprimeiro me veio durante um dialogo com um amigo que me falava de umaconversa que tivera com um tuchaua de uma maloca aqui do Estado (RR)que na ocasiao (o tuchaua) se lamentava pelo fato de que os caboclos de suamaloca estavam se recusando a tomar o caxiri ∗ e dancar o parixara† , istotudo sob a funesta influencia dos padres.

∗bebida de baixo teor alcoolico preparada por meio da fermentacao da mandioca eutilizada nas malocas em comemoracoes.

†Uma danca indıgena que visa a celebracao da colheita.

65

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66

O segundo estımulo me veio por conta de um livro que me emprestaramcom o tıtulo “Como Evangelizar com Parabolas ” (da Canc~ao Nova).

Ora, vi a ingerencia dos padres nas malocas como pura e simples des-truicao de uma cultura, lembrei-me de que esta modalidade de “estupro”sempre aconteceu na historia da Igreja − muitas vezes a destruicao se deuatraves de mortes e torturas −, no pouco que li do livro da Cancao Novapercebi que tratava-se de puro proselitismo, amealhar ovelhas em outrosapriscos, isto tudo, em contato com minha sensibilidade, me provocou umacerta indignacao da qual nasceu o presente capıtulo. Uma outra carac-terısticas dos meus escritos e que sei como e por que devo comeca-los masnao conheco o meio (desenvolvimento) e como terminara a obra. Por exem-plo, o livro que escrevi “O Tao da Matematica” (com 500 p.) a princıpio,pelo meus planos, seria apenas um artigo de aproximadamente 20 paginas.

Para finalizar essa introducao advirto ao leitor que em todos os meusescritos na area da espiritualidade − escrevo tambem sobre matematica −existe o que eu poderia chamar de uma “indignacao de fundo ” ou “residual ”em funcao do comercio no qual se transformaram as religioes; por oportuno,minha sensibilidade me permite ver que os bandidos trocaram o revolver pelaBıblia e assim podem assaltar tranquilamente sob as barbas das autoridades(in)competentes, ou coniventes, mas nao e so isto . . .

Qual caxiri embriaga mais?

Caro leitor, examine o seguinte texto e, apos, levantarei uma questao:

Os valdenses

Estes devem seu nome a Pierre Valdo (ou Valdense), rico mercador de Lyon,que abriu mao de seus bens, doando-os aos necessitados, e, em 1176, reuniuum grupo de pauperrimos pregadores errantes.

Os valdenses atacavam a corrupcao na Igreja romana atribuıam o sa-cerdorcio a todos os fieis, homens ou mulheres.

Para eles, o homicıdio e a mentira, qualquer que fosse, eram pecadosmortais, portanto, eram pecadores tambem os promotores das Cruzadas.

Os pastores valdenses se consagravam ao celibato e a pobreza e se dedi-cavam aos sermoes. Gracas ao zelo missionario, sua crenca se espalhou porvarios paıses da Europa Ocidental. Seu sucesso preocupou os vertices daIgreja, que passaram da tolerancia relativa a repressao. O proprio Valdo foiexcomungado em 1184.

O papa Inocencio III percebeu a popularidade dos “Pobres de Lyon” e,em 1208, tentou cruzar seu caminho, instituindo os “Pobres catolicos”, que,sob o controle da Igreja, tinham permissao para observar todas as praticasvaldenses julgadas ortodoxas.

A conduta dos valdenses era irrepreensıvel: eram trabalhadores operariose humildes, vestiam-se de forma simples, esquivavam-se dos ataques de raiva

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e evitavam as formas de prazer terreno, como a danca ou a reuniao em taber-nas. Mas sua vida pacıfica e popularidade nao conseguiram salva-los. Al-guns acabaram na fogueira em Estrasburgo, em 1212. O Concılio de Latraoos condenou definitivamente em 1215, e em seguida tiveram de enfrentartambem os ataque da Inquisicao, que prendeu centenas deles. Em 1393,foram queimados na fogueira 150 valdenses em um unico dia. Dizimados,refugiaram-se nos Alpes, entre a Franca e a Savoia. [. . .] (∗)

A pergunta que nao quer calar: o que embriaga mais, o caxiri que o cabo-clo bebe para dancar o parixara ou o “vinho” que os padres bebem paraassassinar e estuprar?

Observe como o vinho do padre tambem embriaga:

Pasmai, e maravilhai-vos; cegai-vos e ficai cegos; bebedos estao, masnao de vinho, andam cambaleando, mas nao de bebida forte. (Is 29 : 9)

Nota: Quando digo “vinho do padre” me refiro a teologia da Igrejae os metodos utilizados para impor sua ideologia; inclusive dizimando e es-tuprando culturas, como a historia registra; veja, por exemplo, “As Cruzadas”e a “Santa Inquisicao” − No ano de 1600 o cientista Giordano Bruno foiqueimado vivo em uma fogueira; Joana D’arc tambem foi queimada viva emuma fogueira, compreenderam de que vinho estamos falando?

Reitero: O que seria mais abominavel aos olhos de Deus: O caxiri que ocaboclo bebe para festejar sua colheita ou o “caxiri” que o padre bebe paramatar, roubar, mentir e estuprar?

3.2 Uma proposta de ecumenismo universal

Ha poucos dias assisti uma entrevista de um padre, (Mario) pela CancaoNova, sobre o tema do ecumenismo; muitos falam sobre a uniao dos cristaos,entretanto esta uniao deve acontecer sob “a minha bandeira”, ninguem estadisposto a ceder em suas crencas.

Por outro lado, temos visto padres e pastores se pronunciarem a respeitode Deus, e eles o fazem com tamanha empafia (estardalhaco) que nos causama impressao de que sabem do que estao falando.

Sao por demais ingenuos, obtusos, em acreditarem que suas pobres con-cepcoes sobre o divino represente toda a realidade.

Em meus escritos tenho enfatizado: tudo o que se fala sobre Deus saomeras concepcoes humanas; toda “evangelizacao” parte da falsa premissade que “eu tenho o Deus verdadeiro” e portanto devo converter (catequizar)o proximo.

∗Fonte: O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes em nome de Deus.Fo Jacopo, 1955 - Rio de janeiro: Ediouro, 2007

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Um mestre diz que aquele que falar de Deus atraves de qualquersemelhanca, fala de modo simplorio Dele. Mas falar de Deus atravesdo ‘Nada’; e falar dele corretamente. Quando a alma unificada entra natotal auto-abnegacao, encontra Deus como um Nada. (Zen budismo)

Sobre a superfıcie da Terra existem centenas de religioes, numa rapidapesquisa constatei as seguintes:

Deus

Bahai

Hinduısmo

Budismo

Jainismo

Confucionismo

Sufismo

Taoısmo

Xintoısmo

Tenrikyo

Judaısmo

Islamismo

Cristianismo

Hare Krishna

Com certeza essa lista ainda poderia ser ampliada significativamente,por exemplo, deixamos de fora dezenas de religioes africanas.

E interessante observar que mais de uma das religioes acima reivindicater o unico Deus verdadeiro, criador dos ceus e da terra.

Pergunto: Dentre dezenas de religioes o que faz uma delas se julgar su-perior em relacao as demais? − como acontece com os cristaos.

Respondo: cegueira e fanatismo, o filosofo se revela mais contundente que eu:

Essa foi a especie mais fatal de mania de grandeza que ate agoraexistiu sobre a terra: uns pequenos abortos de carolas e mentirososcomecam a reinvidicar para si os conceitos de “Deus”, “verdade”, “luz”,“espırito”, “amor”, “sabedoria”, “vida”, como se fossem sinonimos desi, para com isso delimitar o “mundo” contra si [. . .] (Nietzsche)

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Por outro lado, ha de se notar que varias das religioes citadas por suavez subdividem-se em outras dissidencias, por exemplo, o cristianismo:

Cristianismo

Igreja Catolica Romana

Igreja Ortodoxa

Luterana

Anglicana

Metodista

Batista

Pentecostais

Presbiterianos

Mormons

Adventistas

Espıritas

E essa listagem seguramente esta incompleta. A bem da verdade existemmais de duas mil denominacoes cristas.

A questao e: Como construir um ecumenismo universal? Como construiruma confraternizacao entre os povos? − no que diz respeito as religioes.

Desejamos sugerir uma contribuicao neste sentido. Penso que o primeiropasso e que cada religiao, cada indivıduo, tome consciencia de que nao edona(o) da verdade. Reitero: nenhuma religiao e detentora da verdade, nomaximo de fragmentos da verdade.

Se alguem lhe afirma que possui a verdade, com certeza voce encontra-sefrente a um cego, surdo e mudo.

A “evangelizacao” surge desta perspectiva erronea de que a verdade emonopolio de algum grupo. A estupidez chega a tal ponto que a discrimi-nacao se da ate mesmo dentro de um mesmo grupo. Por exemplo, dentro doproprio catolicismo um grupo discrimina o outro, e o que acontece tambemcom os evangelicos; isto beira a estupidez ou e impressao minha?

Segundo, sinceramente nao creio que a uniao desejada entre os povos∗

possa vir atraves de alguma das religioes hoje existentes.

A bem da verdade, defendo que as formas de se relacionar com Deusdeveriam ser unicas, individuais; digo, assim como cada ser humano possuiuma impressao digital que e unica, somente sua e de mais ninguem, deigual modo cada ser humano deveria construir uma maneira propria de serelacionar com o divino.

∗Me refiro ao universo religioso.

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Nao obstante essa perspectiva, devo admitir que tambem acho validas asformas coletivas (ou em grupo) de cultos, mas, todavia, com uma ressalvaimportantıssima: Nenhuma delas pode se pretender dona da verdade, comosempre acontece; vejo estas manifestacoes como folcloricas. Enfatizo: vejoa maioria das manifestacoes religiosas como meramente folcloricas − nestamaioria incluo o judaısmo e sua derivacao o cristianismo.

Onde reside “o problema” com as religioes? O problema reside precisa-mente na concepcao que elas tem de Deus.

Quando padres e pastores nos falam sobre Deus a impressao que temos eque os coitados sabem do que estao falando. E como uma mentira repetidamil vezes torna-se uma verdade todos tornam-se vıtimas desta grande men-tira pregada pelas religioes − inclusive os proprios lıderes.

Veja como e simples de compreender, pergunto: o homem conhece tudosobre a ciencia ou vai descobrindo paulatinamente a medida que os seculosse sucedem?

Uma segunda pergunta: Deus esta acima ou abaixo da ciencia?

Creio que acima. Logo, assim como o homem nao detem todo os con-hecimentos cientıficos seria logico esperar que ele conhecesse Deus?

Se a ciencia vai se autoconstruindo ao longo dos seculos nao seria logicoesperar que o mesmo deveria da-se com respeito a teologia?

A evolucao do conhecimento

Nos estudos regulares a hierarquia do aprendizado da-se assim:

Ensino

Fundamental

Ensino

MedioGraduacao Mestrado Doutorado

Ou ainda, na forma de uma escadinha:

E.F.

E.M.

Grad.

Mest.

Dout.

Defendo a tese que o “mesmo” esforco deveria ocorrer na evolucao doconhecimento espiritual. Tenho amiude observado que uma maioria dealunos ao adentrar a universidade rapidamente se convence de que sabemuito pouco sobre matematica, fısica, quımica, etc; ou ainda, que a bagagem

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com que chegam a universidade e quase nula relativamente ao que ainda restaa aprender. O que me surpreende no entanto e que todos eles estao conven-cidos de que o que sabem sobre Deus, sobre teologia, sobre espiritualidade jae o bastante. Pelo que tenho estudado, meditado, refletido, pesquisado, soulevado a concluir que no universo da espiritualidade as concepcoes catolica eprotestante, por exemplo, situam-se a nıvel de ensino fundamental em nossaanalogia. Isto e, suas concepcoes sobre Deus estao no primeiro degrau daescadinha anterior, e eles nem se dao conta, nem desconfiam deste fato.

Um eminente filosofo e cientista assinalou com bastante propriedade:

Quando o espırito se apresenta a cul-

tura cientıfica, nunca e jovem. Alias e

bem velho, porque tem a idade de seus

preconceitos. Aceder a ciencia e reju-

venescer espiritualmente, e aceitar uma

brusca mutacao que contradiz o passado.

(Gaston Bachelard)

Se tudo isto vale para a ciencia − em particular para a matematica,como ja assinalamos (p. 38) − de igual modo vale para o campo espiritual.Ou aceita-se, no ambito da espiritualidade, uma brusca mutacao que con-tradiz o passado ou se estagna (se mumifica), como amiude temos observadono que diz respeito aos que estao sob a orientacao de padres e pastores.

A evolucao dos modelos atomicos

Ja por volta do seculo V, antes de Cristo, o homem procurava com-preender o que aconteceria com um pedaco de materia se este fosse divididosucessivamente. A tentativa de explicar a constituicao da materia era rea-lizada pelos filosofos da antiguidade a exemplo de Leucipo e seu discıpuloDemocrito, que defendiam que a materia em sua essencia era formada porminusculas partıculas indivisıveis − denominadas de atomos∗.

Cerca de 2200 anos apos essa concepcao inicial cientistas comecaram afazer experiencias no sentido de elucidar a natureza da materia, assim eque em 1.808 o quımico ingles John Dalton propos o seu modelo atomico:o atomo e uma partıcula (esfera) macica, indestrutıvel, impenetravel e in-divisıvel. A principal diferenca entre o modelo de Dalton e o dos filosofosda antiguidade e que o de Dalton foi baseado em resultados experimentais,sendo, portanto, considerado um modelo cientıfico. O modelo de Daltonesteve em voga ate o final do seculo XIX.

Nao pretendemos aqui discorrer sobre os diversos modelos atomicos erigi-dos pela ciencia, a seguir exibimos um resumo deles:

∗A=nao; tomo=parte, implicando: atomo=nao+divisıvel.

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0), 1) 2) 3) 4) 5)

0) Modelo de Leucipo e Democrito (400 a.C)

1) Modelo de Dalton ((1808)esferas macicas e indivisıveis/Bola de bilhar)

2) Modelo de Thomson (Pudim de Passas/1897)

3) Modelo de Rutherford (modelo planetario/1911)

4) Modelo de Bohr-Sommerfeld (modelo quantum/1913, 1920)

5) Modelo de Scrodinger (modelo orbital/mecanica quantica)

≈ 2200 anos

Omodelo atualmente aceito esta fundamentado em aquisicoes da mecani-ca quantica. O que me interessa aqui e tirar um aprendizado para a plataformaespiritual. Primeiro: o homem pode se equivocar por mais de 3.000 anos −com respeito aos conhecimentos cientıficos − sem que com isto Deus estejapreocupado em ensinanar-lhe o que e o certo, o que e a verdade. O mesmoacontece no que diz respeito ao universo da espiritualidade − ao que sejaDeus, por exemplo. Para se convencer do que afirmo e suficiente uma ligeiraespiadela no passado historico das diversas civilizacoes − a historia e umcemiterio de deuses; isto e, de “modelos divinos”.

Segundo: estaremos mostrando oportunamente que os modelos divinosque atribuem a Deus caracteristicas humanas − como o judaico-cristao, porexemplo − equivalem, em nossa analogia, ao modelo atomico de Leucipo eDemocrito (sao bastante primitivos).

Deus judaico-cristao

(Jeova)

. . .

Deus quantico

Assim como o modelo atomico aceito atualmente fundamenta-se na fısicaquantica de igual modo defendemos que o modelo divino que deve prevalecer

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Gentil 73

no futuro∗ tambem devera estar alicercado em aquisicoes desta disciplina −como estaremos mostrando (justificando, provando) ao longo deste livro −e o que podemos chamar de Deus quantico.

Em suas fases primitivas o homem

nao podia adorar senao a um Deus feito

a sua imagem e semelhanca, porque nao

sabia conceber algo melhor. Atualmente,

o Deus cosmico, que a ciencia nos deixa

entrever, ja nao cabe dentro das velhas

concepcoes religiosas.

O meu pensamento quis aproximar-se

dos problemas do espırito pela via de uma

diversa experimentacao de carater ab-

strato, especulativo, resultante das con-

clusoes de processos logicos da mais mod-

erna fısico-matematica.

(Pietro Ubaldi)

3.3 A mente e a verdadeira natureza das coisas

Todo homem que for dotado de um espırito filosofico ha de ter opressentimento de que, atras da realidade em que existimos e vivemos,se esconde outra muito diferente e que, por consequencia, a primeira naopassa de uma aparicao da segunda. (Nietzsche, F. Origem da tragedia.)

Tenho conversado com alguns crentes (evangelicos, notadamente) e pudeconstatar que sao muito arraigados, inflexıveis no que acreditam, nao deixamespaco para concepcoes alternativas. Sao obstinadamente fieis as suas “im-pressoes sensıveis ”, nao admitindo quaisquer outras perspectivas. Para elesuma pedra e uma pedra e ponto final!

Uma das frases mais densas, mais prenhe de significados, com que ja medeparei ao longo da vida e a seguinte:

A mente e a verdadeira natureza das coisas.

Isto significa que tudo, inclusive Deus, e um resultado da mente. Digo,como o homem ve Deus e um produto da sua mente, nao diz respeito ao“Deus em si ” (Absoluto).

Uma outra fonte independente confirma a afirmativa anterior:

De fato, tudo esta na mente: o

mundo, o conhecimento, a ignorancia, o

sofrimento, a dor e o prazer e, num certo

sentido, o proprio universo.

(Marcelo Malheiros, [4])

No que diz respeito as religioes o problema resulta de que cada uma tomaa sua “experiencia mental ” como sendo a propria verdade.

∗Nao muito distante, e ja presente para alguns.

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74

3.3.1 A visao dos animais

Vamos tentar convencer o leitor de que nem sempre uma pedra e umapedra. De fato, ha muito tempo os cientistas se deram conta de que osanimais compartilhando um mesmo espaco ambiente que os humanos naoraro “decodificam” (vem, ouvem, etc.) este espaco de modo distinto. Istose deve a que possuem um “hardware” (cerebro) distinto do humano. (p. 84)

Olho de um inseto

3.3.2 A visao dos microscopios

Fica mais facil exemplificarmos como a “realidade” resume-se a umameraquestao de zoom se apelarmos para a visao de um microscopio. Vejamos,atraves de uns poucos exemplos, como a nossa realidade se modifica quandovista sob as lentes (“visao”) de um microscopio:

Formiga

Piolho

Ponta da lıngua de uma borboleta

E precisamente dentro deste contexto que o eminente pensador faz-secoberto de razao ao afirmar:

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Gentil 75

Os fenomenos sao organizados pelo

nosso aparelho perceptivo e cognitivo,

sendo assim em parte dependentes do su-

jeito. (Immanuel Kant)

E o que tudo isto tem a ver com Deus? Observe que uma pedra − comose nos apresenta − nao e a verdadeira natureza de uma pedra. De igualmodo, como os homens tem nos representado Deus ao longo das eras, naoe a verdadeira natureza de Deus, posto que os fenomenos sao organizadosnao apenas pelo nosso aparelho perceptivo (orgaos sensoriais) como tambempelo cognitivo∗. Assim como o sentido da visao pode aplicar diversos zoom’ssobre a observacao de uma dada realidade, de igual modo a consciencia podeaplicar zoom’s sucessivos a compreensao de uma dada realidade − Deus, porexemplo.

E por isto que a visao de Deus de um Espinoza, de um Einstein oude um Buda, nao pode ser a mesma de um padre ou de um pastor. Seusaparelhos cognitivos tem potencias diferentes− diferem na mesma proporcaoque uma visao normal difere da de um microscopio. Nao e por nada, e quepadres e pastores encontram-se enclausurados em uma gaiola, lembramosque Espinoza recusou uma pensao oferecida pelos sacerdotes para que naotivesse sua liberdade de pesquisa comprometida − nao permitiu que lhecolocassem antolhos, como ainda hoje acontece nos seminarios de teologia.

3.3.3 Deus visto sob as lentes de um potente “microscopio”

Voltando a um tema anterior. Como podemos entender a relacao exis-tente entre Deus e os deuses manifestos pelas mais diversas religioes?

Esta relacao exponho-a atraves de uma analogia. Existe uma experienciana fısica na qual um prisma ao receber a Luz branca a decompoe em umespectro de frequencias, “as sete cores do arco-ıris ” , assim:

(Prisma)�Luz Branca

VermelhoAlaranjadoAmarelo

Verde

AzulAnil

Violeta

∗Cognicao: Conhecimento, percepcao, compreensao.

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Como a experiencia do prisma esta distante de muitos leitores vejamosuma outra experiencia mais proxima. Se o leitor pegar um CD-ROM ecoloca-lo sob uma lampada fluorescente vai observar que a luz branca se de-compoe em varias cores (as do arco-ıris), pois bem, podemos dizer que todasestas cores encontram-se “escondidas” dentro da luz branca, no entanto sopodem ser observadas − manifestas − na presenca de um anteparo, no casoo CD-ROM.

Em minha analogia esta luz branca e Deus, o prisma e a mente do homem.Quando esta luz branca (consciencia divina) incide na mente do homementao ela se decompoe em varias cores que sao as diversas religioes, assim:

(Mente)

Deus

...

HinduısmoBudismoConfucionismo

Taoısmo

JudaısmoIslamismo

Cristianismo

Se quisermos podemos dizer que cada religiao manifesta uma das coresda divindade e que, portanto, nenhuma delas apresenta Deus em toda a suainteireza (o Deus verdadeiro) − e nem poderia!

O problema e que os mıopes de todas as religioes tomam uma destas“cores” − a sua − como sendo o proprio Deus, puro e imaculado. O re-sultado e o fanatismo e a intolerancia voltados aos cegos das religioes ad-versarias, e o querer evangelizar a todos.

E claro para Tua eminencia que todas as variacoes queo peregrino, nas etapas da sua viagem, percebe nos reinosda existencia procedem da sua propria visao. Daremos umexemplo disso, para que seu significado se torne inteiramenteclaro. Considera tu o sol visıvel; embora brilhe com o mesmoesplendor sobre todas as coisas, e, a mando do Rei da Mani-festacao, conceda luz a toda a criacao, ele, no entanto, em cada lugar semanifesta e dispensa suas gracas segundo as potencialidades desse lugar.Num espelho, por exemplo, reflete seu disco e formato, sendo assim em con-sequencia da sensibilidade do espelho; num cristal, faz aparecer fogo, e, emoutras coisas, mostra apenas o efeito da sua irradiacao, mas nao seu discointeiro. [. . . ] ( Baha’ u’ llah )

Outrossim, as cores tornam-se visıveis em cada objeto segundo a naturezadeste objeto. Num globo amarelo, por exemplo, reluzem raios amarelos; numbranco, sao brancos os raios, e num vermelho, raios vermelhos se manifes-tam. Essas variacoes sao, pois, do objeto e nao da luz irradiante.

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3.3.4 A diversidade de Deuses

Com o objetivo de quebrar o monopolio sobre Deus, apresentado pelasreligioes − inclusive por uma das mais fanaticas, o cristianismo −, e queapresento uma nova perspectiva de se relacionar com o divino:

“E o Deus antes do prisma”

Veja de que Deus estamos falando:

(Mente)

Deus

...

HinduısmoBudismoConfucionismo

Taoısmo

JudaısmoIslamismo

Cristianismo

Deus antes do Prisma

Este e o Deus “virgem”, isto e, o Deus antes de ser processado porqualquer mente humana, portanto nao exclusivo de nenhuma religiao.

Assim como a ciencia nao pertence a nenhum povo sobre a face do plane-ta, de igual modo o “Deus antes do Prisma” nao e monopolio de nenhumpovo ou religiao − por suas proprias “caracterısticas”. Estaremos nos apro-fundando mais sobre este Deus no contexto do proximo capıtulo.

Creio que somente esse Deus pode promover a uniao (ecumenismo) entreos povos. Amiude tenho defendido que

“Deus nao e alguem, Deus e algo”

Poderia-se questionar: E por que Deus nao poderia ser alguem, como en-sinam as religioes, mas tem que ser Algo? A resposta e que o Deus alguem(personalidade) conduz a contradicoes, e contrario a razao, como estaremosmostrando no proximo capıtulo.

O Deus alguem e aquele “apos o prisma”, veja:

(Mente)

Deus

...

ZoroastrismoMormonsXintoısmo

Tenrikio

JudaısmoIslamismo

Cristianismo

Deus como Algo

DeusPessoal(Alguem)

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Reitero: E o homem atraves de seus desejos, anseios, medos e aspiracoesque faz de Deus alguem − deseja um “Pai”, deseja um “Salvador”.

E qual o problema com o Deus pessoal das religioes? O problema estaaı as vistas de quem tem olhos de ver: engodo, alienacao, escravidao, fa-natismo, dissensao, divisao, etc. − convido o leitor a voltar-se um poucopara a historia das religioes.

E qual a vantagem do Deus antes do Prisma? Para comecar este Deusnao pertence a nenhuma religiao em particular e, por conta disto, estariamosa salvo dos problemas mencionados anteriormente. Por outro lado, e naomenos importante, e o Deus que se harmoniza com a ciencia atual. E oDeus que esta sendo construido pela ciencia, podemos afirmar isto. Dentredezenas de livros que dao testemunho a esse respeito cito apenas dois deles:

− A Potencia do Nada: o vazio incondicionado e a infinitude do ser.(v. [4])

− Deus nao esta morto: evidencias cientıficas da existencia divina. (v. [7])

O Nada, berco de todos os possıveis

O Deus antes do prisma (Luz Branca) e o que identifico com o “Vazio”,com o “Nada”, que e o mesmo Deus intuido por um sabio chines ha milenios:

Nas profundezas do Insondavel

Jaz o Ser.

Antes que ceu e terra existissem,

Ja era o Ser

Imovel, sem forma,

O Vacuo, o Nada, berco de todos os Possıveis.

Para alem de palavra e pensamento

Esta Tao, origem sem nome nem forma,

A Grandeza, a Fonte eternamente borbulhante,

O ciclo do Ser e do Existir. (Lao Tse/Tao Te Ching)

Observe a concordancia (harmonia) entre o sabio e o filosofo:

Somente o Absoluto e unico. Desse Absoluto nada podemos dizer,a nao ser que constitui a totalidade das possibilidades de existencia; umpuro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser. [. . .] Nao e uma pessoa,mas o proprio infinito [. . .] (Marcelo Malheiros/[4], p. 178)

Reforcando este importante aspecto:

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Ja foi dito que a ideia de que o vazio seja tomado como origemou fundamento de tudo (“aquilo que mais tarde se manifestaria estavaimerso no vazio”), em muito se aproxima da fısica quantica. Se o Nadaou o Vazio e incondicionado, porque nele nao ha nenhuma condicao,determinacao ou limitacao, entao e certo que dele tudo pode decorrer,porque nao existe nada que restrinja qualquer expressao. (ibid., p. 184)

Na Super Interessante de fevereiro de 2011 saiu uma reportagemcom tıtulo:

E possıvel criar materia a partir do nada. Cientistas descobremcomo extrair partıculas do vazio − sem depender de nenhuma materia-primada natureza.

Nada se cria, tudo se transforma. Essa lei da fısica pode estar sendoultrapassada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Michi-gan, que diz ter descoberto um meio de gerar materia a partir do vacuo −popularmente conhecido como “nada”. Isso seria possıvel porque, na ver-dade, o que nos chamamos de nada nao e um vazio absoluto. Esta cheiode partıculas de materia e antimateria, que se anulam mutuamente. Anovidade e que os pesquisadores descobriram um jeito de separa-las [. . .]

Harmonia entre o mıstico, o filosofo e o cientista

O Vacuo, o Nada, berco de todos os possıveis.(Lao Tse/Mıstico/604-531AC)

O Absoluto . . . um puro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser.[. . .] Nao e uma pessoa, mas o proprio infinito [. . .]

(Marcelo Malheiros/Filosofo)

Tomemos entao um espaco sem materia, “vazio”. A fısica quanticamostra que, mesmo neste caso, flutuacoes de energia existem. O nada temuma energia associada. Sendo assim, partıculas podem surgir dessas flu-tuacoes, materia brotando do nada.

Em 1948, H. Casimir, um fısico holandes, propos que as flutuacoes dovacuo provocariam uma forca atrativa entre duas placas metalicas. O efeitofoi confirmado: por incrıvel que pareca, a energia do nada foi medida re-centemente no laboratorio. E sempre bom lembrar que o vazio esta cheio deenergia. (grifo nosso) (Marcelo Gleiser/Fısico)

Penso que toda esta harmonia satisfaz ao criterio do filosofo-cientista:

Nao vamos pois hesitar em considerar como erro - ou como inutili-dade espiritual, o que e mais ou menos a mesma coisa - toda verdadeque nao faca parte de um sistema geral. (Gaston Bachelard)

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Volto a enfatizar:

(M.F.)

Deus

...

HinduısmoBudismoConfucionismo

Taoısmo

JudaısmoIslamismo

Cristianismo

Deus antes do Prisma(O NADA (VAZIO)/ABSOLUTO

)

Deus ao “penetrar” no Mundo Fenomenico − i.e., em nossa dimensao− pulveriza-se em mirıades de existencias (possibilidades, combinacoes),em particular nas diversas religioes; entretanto, nenhuma delas possui omonopolio (conhecimento) sobre o Deus Absoluto.

Em nosso “modelo do universo” ha espaco ate mesmo para os ateus.Com efeito, os ateus afirmam que Deus nao existe e eles estao certos porconta de que a nao existencia e um dos “atributos” de Deus. Ou melhor:sendo Deus uma criacao da mente, eles optaram por nao criarem a figura deDeus em suas mentes; enquanto milhares de seres humanos nao conseguiriam“viver sem Deus” eles conseguem, e devem ser admirados por isto, assimcreio.

Reitero: O Deus antes do prisma − o Vazio, o Nada − nao existe,considerando que “a mente e a verdadeira natureza das coisas ”, esse e ogrande paradoxo. Tudo pode ser visto como uma questao de perspectiva.

Ou ainda: quando Deus “entra na existencia” (atravessa o prisma/mente)torna-se um Deus “adulterado”, antes da mente Ele nao existe (ou melhor,e como se nao existisse), e o Vazio, o Nada.

Se quisermos procurar “Deus” na fısica, o vacuo e o melhor lugaronde faze-lo. Enquanto estado basico subjacente de tudo que existe, ovacuo tem todas as caracterısticas do Deus imanente ou da divindade deque falam os mısticos, o Deus interior, o Deus que cria e descobre a Simesmo por meio da existencia em desdobramento de Sua criacao.

(Danah Zohar/[8], p. 286)

Com o proposito de contribuir com o entendimento do paradoxal binomioExistencia-Nao Existencia e que transcreveremos − comentaremos e ilus-traremos − um pequeno trecho de um dialogo ocorrido entre dois eminentespensadores.

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3.3.5 Dialogo entre Einstein e Tagore

Na tarde de 14 de julho de 1930, o cientista Albert Einstein recebia emsua residencia, em Caputh, Alemanha − durante a Segunda Guerra Mundial− Rabindranath Tagore∗, para um dialogo informal o qual ficou registradonos apontamentos de Tagore que, posteriormente, publicou-o com o tıtulo“A Natureza da Realidade”.

Iniciamos o dialogo com uma pergunta de Einstein − o leitor que seinteressar pelo dialogo completo podera encontra-lo na internet.

Apenas para situar: Einstein acredita que a verdade e a beleza sao in-dependentes do homem, Tagore, ao contrario, diz que nao.

×

T: Assim o creio.

E: Estou de acordo com sua concepcao de beleza,

mas nao com a que sustenta acerca da verdade.

T: Por que nao? A verdade realiza-se mediante o

homem. Apolo

E: De modo que a verdade ou a beleza nao sao, segundo isso, indepen-dentes do homem?

T: Nao.

E: Se se extinguisse a especie humana, deixaria, pois, de ser belo o Apolode Belvedere?

Comentario: Observe que Tagore e laconico, conciso, em suas respostas.Einstein, a princıpio acreditando ser a beleza e a verdade independentes dohomem, e celere em tentar se recompor do equıvoco cometido no que diz re-speito a beleza, no entanto no que diz respeito a verdade continua teimandosem entender. Ademais, observe que Tagore corrobora nossa afirmativa,reiteradas tantas vezes, de que a verdade resume-se a meras construcoesmentais. O que tambem concorda com Nietzsche (p. 40).

∗Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861 na cidade de Calcuta, a antigacapital da India. Poeta, dramaturgo, filosofo, pintor, musico e coreografo. A edicaoinglesa, traduzida e comentada por ele proprio, de uma obra sua em Bengali, o Gitanjali(“Cancao de oferendas” ou “Oferenda Lırica”, 1912) fez com que Tagore ganhasse o PremioNobel de Literatura de 1913, pela primeira vez atribuido a um nao-ocidental.

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Vejamos, atraves de ilustracoes, por que se se extinguisse a especie hu-mana a beleza concomitantemente deixaria de existir∗. Suponhamos que naterra restassem apenas robos com a visao de microscopios:

Lıngua humana Cılios

� � �

Observem como eles veriam o cabelo da Jimena Navarrete! a lıngua daIrina Antonenko!, os cılios da Irina, entao! . . . horrıveis!

Continuemos a aula, digo, o dialogo.

E: Nao posso comprovar cientificamente que a verdade deva conceber-secomo uma verdade de valor, com independencia da humanidade; mas creio-o assim firmemente.

T: Segundo a filosofia indiana, existe Brama, a verdade absoluta, que naopode ser concebida pela inteligencia humana isolada, nem tampouco descritacom palavras, [. . . ]

Porem, tal verdade nao pode pertencer a ciencia. A natureza da verdadeque tratamos e uma aparencia; quer dizer; aquilo que aparece como verdadea inteligencia humana, e e, portanto, humano, podendo-se-lhe chamar maiaou ilusao.

E: [. . .] Por exemplo, se nao estivesse ninguem nesta casa, nem por issodeixaria de estar aqui esta mesa.

∗A beleza relativa a nos seres humanos, bem entendido. Nos somos o referencial.

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T: A ciencia demonstrou que a mesa, como objeto solido, e uma aparencia,e, por conseguinte, isso que a mente humana percebe como tal mesa naoexistiria se nao existisse a mente humana. Deve reconhecer-se, ao mesmotempo, que o fato de que a ultima realidade fısica da mesa nao seja outracoisa que uma multidao de centros isolados de forcas eletricas em revolucao,pertence tambem a mente humana. (Grifo nosso)

Comentario: Achei magistral o argu-mento de Tagore em resposta a ingenuaalegacao de Einstein. Suponhamos que so-bre a mesa de Einstein estivesse um fiode cabelo humano. Observe como esse fioapareceria aos olhos de um robo (com avisao de um microscopio, por suposto). Deigual modo o robo nao veria a mesa da mesma forma que Einstein.

Conclusao: Uma mesa − como se apresenta a nos − e uma construcao denossa propria mente. Alias, poderiamos ter chegado a esta mesma conclusaolembrando do que afirmou o eminente filosofo:

Os fenomenos sao organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo,sendo assim em parte dependentes do sujeito. (Immanuel Kant)

O importante aqui, digo, em nosso contexto, e percebermos que assimcomo a mente constroi a realidade de uma mesa (que tocamos e apalpamos)com maior razao constroi as supostas verdades, em particular as das re-ligioes. Em resumo: nao devemos levar muito a serio o “aparelho perceptivoe cognitivo”∗ de padres e pastores.

Uma observacao pertinente e a de que a mesa nao e uma criacao damente a partir de nada, existe algo que a mente decodifica como sendo amesa que vemos; entretanto esse algo, em sua essencia, nao sabemos o que e:

A realidade, tal como ela e, em sua essencia (noumeno) eincognoscıvel, ou seja, nao podemos conhece-la.

Portanto, jamais conhecemos as coisas em si (noumeno), mas so-mente tal como elas nos aparecem (fenomenos).

(Immanuel Kant/Crıtica da Razao Pura)

Voltemos a palavra ao mestre Tagore:

T: [. . . ] Existe a realidade do papel, totalmente distinta da realidade daliteratura. Pois a classe de inteligencia que possui a traca que engole essaliteratura de papel e, em absoluto, inexistente, e, sem embargo, para a in-teligencia do homem possui a literatura um valor de verdade maior que oproprio papel. De modo analogo, se alguma verdade existe que nao guardenenhuma relacao sensitiva ou racional com a inteligencia humana, sera iguala zero, enquanto formos nos seres humanos. (Grifo nosso)

∗Aquele que constroi − engendra − as supostas verdades.

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Comentario: No meu entendimento os argumentos do poeta foram bemmais consistentes e admiravelmente sintonizados com o encaminhamentoatual da fısica quantica que os de Einstein. Diz ele:

T: “Pois todo o Universo se acha entrelacado a nos de um modo seme-lhante; e um Universo humano”.

Um fısico atual da inteira razao ao mıstico-poeta e nao a Einstein, fısico:

Ainda que disponha de instrumentos poderosos deinvestigacao e medicao, a fısica contemporanea e frutoda mente humana e, portanto, limitada a nossa capaci-dade de ver e interpretar a realidade. Pode-se afirmarque, se a beleza esta nos olhos de quem a ve, a cienciaesta na mente de quem a faz. (Marcelo Gleiser/Fısico)

Tagore ainda afirma: “Por que nao? A verdade realiza-se mediante ohomem”. O que esta admiravelmente de acordo com um biologo moderno:

“Na verdade” nao e um termo que devemos usarcom confianca. [. . .]

“Na verdade”, para um animal, e aquilo que seucerebro precisa que seja, para ajuda-lo a sobreviver. E,como especies diferentes vivem em mundos tao dife-

rentes, havera uma variedade perturbadora de “na verdade”.O que vemos do mundo real nao e o mundo real intocado, mas um modelo

do mundo real, regulado e ajustado por dados sensoriais − um modelo que econstruıdo para que seja util para lidar com o mundo real. A natureza dessemodelo depende do tipo de animal que somos. Um animal que voa precisa deum modelo de mundo diferente do de um animal que anda, que escala ou quenada. Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas, emboraseus mundos necessariamente se sobreponham. O cerebro de um macaco pre-cisa ter uma programacao capaz de simular um labirinto tridimensional degalhos e troncos. O cerebro de um notonectıdeo nao precisa de um programaem 3D, ja que mora na superfıcie de um lago na Fatland de Edwin abbott.O software para construir modelos do mundo de uma toupeira e adaptadopara uso subterraneo. Os ratos-toupeiras pelados provavelmente tem um pro-grama de representacao do mundo parecido com o de uma toupeira. Mas umesquilo, embora roedor como o rato-toupeira, provavelmente tem um softwarede construcao do mundo muito mais proximo do do macaco.

(Richard Dawkins/Deus, um delırio, p. 471)

Observe, “Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas,embora seus mundos necessariamente se sobreponham.”

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Gentil 85

A proposito, quando li pela primeira vez as afirmacoes deste biologo naotive como nao exultar em funcao de que eu as compreendi (senti) perfeita-mente por conta de um sonho que eu havia tido poucos dias antes.

No sonho eu me encontrava no centro comercial de minha cidade natale fui levado a ingerir uma droga em forma de cristais granulados (como osdo acucar, so que em tamanhos um pouco maiores). Quase de imediatotoda a realidade circundante comecou a alterar-se, inclusive as nuvens noceu tornaram-se de um colorido intenso†, os predios no centro da cidade per-mutaram todos para o estilo de construcao gotica − as pessoas, transeuntes,continuaram as mesmas −; nao havia nada em comum com o centro antigo;o que me impressionou e que eu tinha consciencia∗ que, por efeito da droga,eu vivia uma realidade totalmente distinta da realidade dos outros transe-untes, embora nossos universos fossem sobrepostos. Devo dizer tambem quea “textura da realidade” resultava diferente da de um sonho comum; ouseja, a droga produziu realmente seu efeito.

A conclusao que cheguei e que, de fato, minha mente passou por uma pro-gramacao em funcao de uma quımica diferente produzida por meu cerebro.Reitero: embora a droga tenha sido ingerida em sonho, entretanto produziuseus efeitos.‡

Nao foi a primeira e nem a ultima vez que sonhei, o que me da subsıdiospara afirmar que este foi um sonho “sem paralelos”.

Na ocasiao lembrei-me de um mıstico que escreveu um opusculo: “Facilviagem a outros planetas ”; imagino que atraves da meditacao ele consigaalterar a quımica de seu cerebro (isto e, autoprogramar-se) e de fato realizaa “viagem”. ∗ ∗ ∗AC: A nossa discussao gira em torno da definicao da palavra “realidade”.Para mim, a realidade se define pela coincidencia e permanencia das per-cepcoes, seja de um mesmo indivıduo, seja de varios indivıduos no interiorde um grupo.

JPC: Essa percepcao coletiva e necessaria. Mas nao suficiente. Ela incluitanto as ilusoes opticas quanto as alucinacoes coletivas. . .

Os ındios Huichol,¶ por ocasiao da peregrinacao anual, durante a qualeles consomem peiote, sao todos tomados pelo sentimento de realmente teralcancado o paraıso. A “coincidencia de percepcoes”, portanto, nao bastapara definir uma realidade objetiva!

(Do livro: Materia e Pensamento/Jean-Pierre Changeux e Alain Connes, p. 44/Ed. Unesp)

†Observo que nao se tratava de um mero sonho, tratava-se de um: sonho + droga.∗Esclarecendo melhor: eu nao tinha consciencia de que estava sonhado; entretanto,

dentro do sonho, sob o efeito da droga, eu tinha consciencia de por que me encontravanaquele estado.

‡E como alguem que chega a um orgasmo em sonhos, o efeito e o mesmo! Digo, ejaculado mesmo jeito.

¶ Indios do Mexico, conhecidos pelo culto do Sol e pelo uso do peiote, tipo de cactoalucinogeno. (N.T.)

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3.4 A equacao divina

O Deus dos dois milenios anteriores

veio pelo coracao de um profeta, o Deus

dos proximos milenios vira pelo cerebro

de um matematico. (Gentil)

Com o proposito de estabelecer o que chamaremos de “a equacao divina”e que teremos de fazer uma distincao entre o Deus Absoluto e o Deus mani-festo − Ou o Deus antes e depois do prisma.

Para estabelecer a equacao divina vou me utilizar da seguinte notacao:

Deus = Deus Absoluto

Deus = Deus manifesto

Em nossa analogia do prisma fica assim∗:

(homem)

Deus

Deus-Parens (Tenrikyo)Brahman (Hinduısmo)

Vazio (Budismo)Ceu (Confucionismo)

Tao (Taoısmo)

Jeova (Judaısmo)Ala (Islamismo)

Pai (Cristianismo)Kami (Xintoısmo)

Luz Branca

Deus + Homem = Deus

Nota: Confucio acreditava que um ser sobrenatural o inspirava: “O Ceudeu a luz a virtude dentro de mim”. So que o Ceu para ele nao era umDeus pessoal. Ainda que este lhe desse inspiracao e direcao, Confucio naofundamentou sua etica em mandamentos transmitidos por Deus.

(Jostein Gaarder, et. all/“O Livro das Religioes”, p. 79)

De fato, achei assaz interessante − surpreendente ate − essa visao deConfucio de que o fenomeno inspirativo nao precisa ter origem em um Deuspessoal.

Resumindo, esta e a equacao divina:

∗Ou, se preferirmos, Deus= Deus transcendente e Deus = Deus imanente.

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Deus + Homem = DeusSe o leitor eventualmente desejar realizar um experimento para “visua-

lizar” a equacao divina, e facil: tome um CD-ROM e coloque-o sob umalampada fluorescente: vai constatar que a luz branca se decompoe em variascores (as do arco-ıris), entao, em nossa analogia fica assim:

Deus + Homem = Deus

Luz Branca

CD-ROM

Cores (“trevas”)

E esta e a mensagem que dele ouvi-

mos e vos anunciamos: que Deus e luz, e

nao ha nele trevas nenhumas. (1 Jo 1 : 5)

Observe alguns casos especiais desta equacao:

Deus + Krishna = Vishnu

Deus + Buda = Vazio

Deus + Confucio = Ceu

Deus + Lao Tse = Tao

Deus + Moises = Jeova

Deus + Maome = Ala

Deus + Jesus = O Pai

Deus + Miki = Deus-Parens

Deus + Homem = Deus

Todo o problema consiste em que os fanaticos de todas as religioes −“instruidos” por mestres nao menos cegos − anulam a “interface” homem,no que resulta em uma equacao adulterada, veja:

Deus + Homem = Deus0

⇒ Deus = Deus (falsa equacao)

A mente e a verdadeira natureza das

coisas. (Zen Budismo)

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E precisamente por essa razao − ignorar a participacao do homem nacomposicao de suas Bıblias − que os fanaticos de todas as religioes achamque somente o seu Deus e verdadeiro, que somente a sua Bıblia e perfeita.

Ainda com o intuito de reforcar este importante ponto vejamos maisuma analogia: O leitor distribua para cada um de dez artistas uma telaem branco e um pincel (os apetrechos necessarios) e peca a cada um delesque “pinte” um retrato de Deus; digo, que cada um pinte sua concepcao deDeus, observe:

Deus + Homem = Deus

O Absoluto O Artista O Retrato

E quase certo que ao final tenhamos dez imagens diferentes de Deus. Oque afirmo e que nestes retratos de Deus − que na verdade e o que todoschamamos de Deus − nao devemos depositar neles uma fe cega, que e pre-cisamente o que os cegos de todas as religioes tem feito durante todos estesmilenios, sem esquecer o fanatismo e a intolerancia voltados aos cegos dasreligioes adversarias. O Deus absoluto e aquele do qual se diz:

Nao podera ver a minha face, porquanto homem nenhum vera a minhaface e vivera. (Ex 33 : 20)

Ora, se homem nenhum pode ver a face de Deus e obvio que nenhumartista podera pintar um retrato confiavel de Deus. Ou ainda, nenhum “pin-tor” (profeta) podera reproduzir Deus com fidelidade. Daqui e facil concluirque o retrato de Deus pintado na Bıblia mulcumana (Corao) nao reproduzDeus com fidelidade, o Deus pintado na Bıblia dos hindus (Vedas) nao econfiavel, da mesma forma o Deus pintado na Bıblia judaico-crista e apenasuma caricatura (charge) de Deus ; em nenhuma destas telas voce encontrarao verdadeiro Deus, apenas retratos pintados com maior ou menor fidelidade− a depender da acribia do artista.

Deus + Homem = Deus

Luz Irradiante

Peregrino

Objeto (Variacoes)

E claro para Tua eminencia que todas

as variacoes que o peregrino, nas eta-

pas da sua viagem, percebe nos reinos da

existencia procedem da sua propria visao.

Essas variacoes sao, pois, do objeto e nao

da luz irradiante. ( Baha’ u’ llah )

Page 90: Gentil Lopes - Exumação e Jugamento de Deus

Gentil 89

3.5 Deus e o homem

Durante todas as suas vidas lhes foi

dito que Deus os criou. Agora Eu lhes

digo que voces estao criando Deus.

(Neale D.W., CCD, v. III, p. 182)

Podemos dizer que a humanidade (pelo ao menos em parte) vem evoluindoao longo dos seculos; em linguagem matematica dizemos que o homem e umafuncao do tempo, ou ainda: o homem e uma variavel − a bem da verdade ohomem e uma funcao do tempo e do espaco (localizacao geografica). Sendoassim, da equacao divina:

Deus = Homem + Deus

concluimos que o proprio Deus tambem e uma funcao do tempo (e do espaco)− Deus nao e imutavel. De outro modo: Deus∗ evolui de “maos dadas” como homem. Encontrei um autor que compartilha desta minha tese, diz ele:

Podemos dizer, portanto, que Deus ou o Demiurgo cria o Universopara ser a um so tempo ator e espectador do drama da Criacao, e assimevoluir atraves do tempo. [. . .] Deus evolui por nosso intermedio.

(Marcelo Malheiros/[4], p. 50)

Hierarquia entrelacada

Sendo assim, me questionei: como poderia da-se esta evolucao conjuntaentre o homem e Deus?

Tenho uma conjectura (tese) de como isto possa acontecer. Existe nafısica moderna o conceito de “hierarquia entrelacada”, que, didaticamente,pode ser exposta com o auxılio da conhecida gravura “Desenhando-se” doartista holandes Maurits Escher (1898 − 1972):

Deus

HomemDeus+homem=Deus

Essa e uma hierarquia entrelacada porque a mao esquerda desenha amao direita e vice-versa.

∗Ou as concepcoes que se tem de Deus, para ser mais preciso.

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De acordo com Doug Hofstadter, Fısico e pesquisador de inteligenciaartificial, em uma hierarquia entrelacada o nıvel superior (causa) gera einflui sobre o nıvel inferior (efeito) por meio de uma “descontinuidade”(um processo semelhante ao salto quantico, que nao pode ser explicadoem termos de mecanismos logicos). Outro ponto importante neste tipode hierarquia e a existencia de fluxos e refluxos de influencias e in-formacoes. Ou seja, em certa medida, o nıvel inferior tambem alimentao nıvel superior.†

Estive a procura de um exemplo mais didatico de hierarquia entrelacada,encontrei este: Os vıcios (bebida, fumo, etc.), veja:

O nıvel superior (indivıduo) gera (o vıcio) e influi sobre o nıvel in-ferior (ego) por meio de uma “descontinuidade” (um processo que naopode ser explicado em termos de mecanismos logicos, e totalmente irra-cional). Outro ponto importante neste tipo de hierarquia e a existenciade fluxos e refluxos de influencias e informacoes. Ou seja, em certamedida, o nıvel inferior (ego/vıcio) tambem alimenta (escraviza) o nıvelsuperior (indivıduo/vıtima). (Parafrase)

Um outro exemplo de hierarquia entrelacada e o livro que o leitor tem emmaos. Com efeito, esta e a segunda versao deste livro, com a primeira versaoem maos decidi elaborar uns slides para uma palestra; durante a elaboracaodos slides surgiram varias ideias e novas concatenacoes, uma vez pronto osslides me sentir motivado a escrever esta segunda versao − inclusive colorida,tal como os slides −. Veja,

Livro Slides Livro

Do exposto, digo, dentro do presente contexto, atente para a incomen-suravel responsabilidade do homem na criacao de seus deuses. Apenas paracontextualizar, observe no que os mulcumanos transformaram o Deus Ala(e vice-versa), observe no que os cristaos transformaram o Deus Jeova (evice-versa) − Aos que desconhecem o passado (negro) da Igreja sugiro queleiam a obra “O livro negro do cristianismo: dois mil anos de crimes emnome de Deus ”.

Enfatizamos este importante aspecto: O homem e inspirado a criar seusDeuses; assim como nas demais areas em que e inspirado (musica, literatura,cinema, etc.) o homem pode produzir tanto obras (Deuses) admiraveisquanto lastimaveis.

A citacao a seguir e de um cientista (fısico), veja como tudo converge aum ponto: “a mente e a verdadeira natureza das coisas ” :

†Fısica E Consciencia No Pensamento De Mokiti Okada/Publicacao Eletronica.

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A nocao de que uma realidade objetiva existe independentemente dapresenca de um observador, parte fundamental da descricao classica daNatureza, tem de ser abandonada. De certo modo, a realidade fısica ob-servada (e apenas essa!), ao menos dentro do mundo do muito pequeno,e resultado de nossa escolha. (Marcelo Gleiser/A Danca do Universo, p. 229)

Vou me permitir parafrasear o cientista para dentro do nosso contexto:

A nocao de que um Deus existe independentemente da presenca de umobservador (mente), parte fundamental da descricao da teologia classica,tem de ser abandonada. De certo modo, os deuses observados em todasas religioes, sao resultados de nossa escolha, sao construcoes nossas.

Espırito Santo?

Gostaria, an passant, de opinar sobre um outro ponto. Alguns fenomenosocorridos no contexto das igrejas sao atribuıdos ao Espırito Santo. Por exem-plo, se um cristao recebe uma dada inspiracao ele atribui ao Espırito Santo.Se um pastor adquire um carro novo, ou uma casa nova, ele atribui a umadadiva do Espırito Santo. Ou ainda: os pastores dizem: “Se o Espırito Santotocar em seu coracao, doe sem medidas, sem restricoes”!

E assim a tres pessoas da “trindade”: Deus Pai, Deus Filho e DeusEspırito Santo, tem sido fontes de recursos das igrejas ao longo dos seculos− e de escravizacao de consciencias.

O fenomeno da inspiracao, em todos os sentidos, pode receber uma inter-pretacao diversa: E uma simbiose (hierarquia entrelacada) entre o humanoe o divino. No meu entendimento, o mesmo “Espırito Santo” que inspiraum crente, inspira um cientista, inspira um escritor, inspira um musico, etc.

Acontece que de todos estes processos de inspiracao o unico que contacom um intermediario entre Deus e o homem e o das igrejas, e por isso queas tolas ovelhas devem pagar aos padres e pastores. Ouso mais um pouco:O “Espırito Santo” inspira ate bandidos, a exemplo do que acontece commuitos pastores e alguns padres − nao excetuando-se os pedofilos.

Ainda a proposito do tema inspiracao, ja escrevi muitos artigos e al-guns livros, se eu fosse um crente poderia atribuir esta copiosa producao aoEspırito Santo. Penso que a perspectiva de atribuı-la a uma simbiose (co-laboracao) com o divino e a mais correta − digo, nao vejo a necessidade depostular a existencia de um “Espırito Santo”. Por sinal, atente para o fatode que esta figura nao encontra-se presente em algumas outras importantesreligioes do mundo.

Resumindo: O fato existe, agora a interpretacao que se decida da e ques-tionavel − digo, o fenomeno inspirativo comporta mais que uma explicacao.Dentre estas multiplas interpretacoes estao em jogo os multiplos interesses;logo, as igrejas interpretam como querem interpretar, como e convenientea seus interesses, que e multiplicar as ovelhas, o que significa multiplicar aarrecadacao.

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3.6 O Universo esta em expansao exceto . . .

Uma consequencia das equacoes de Einstein e que o Universo encontra-seem expansao, e isto ja foi comprovado experimentalmente; daqui podemosdeduzir que nada no Universo e estatico, ou quase nada, excecao feita amente dos religiosos, que muito pouco evoluem.

Durante a composicao do presente capıtulo adquiri o livro “Manual deTeologia Sistematica” do autor Pr. Zacarias de Aguiar Severa; numa rapidaleitura alguns pontos esparsos me chamaram a atencao, farei alguns co-mentarios. No inıcio do prefacio lemos:

Durante dezesseis anos tive o privilegio de ensinar Teologia Sis-tematica no curso de bacharelado em Teologia no Seminario TeologicoBatista do Parana, onde fui tambem Reitor durante quase trezeanos.

Zacarias e Bacharel e Mestre em Teologia (concentracao em TeologiaSistematica). Lecionou nas seguintes cadeiras: Teologia Sistematica, Teolo-gia Contemporanea, Teologia do Novo Testamento, Eclisiologia, Homiletica,Introducao a Filosofia, Romanos, Hebreus, Epıstolas Pastorais, Apocalipse.

A primeira coisa que me chamou a atencao, ainda no prefacio do livro,foi a confissao:

“Nao ha nada de original neste livro. Como professor, nao tive por ob-jetivo fazer teologia, mas estudar e ensinar o que ja estava pronto.”

Naturalmente fui levado a questionar: Por que sera que eu, um profes-sor de matematica − que nunca colocou os pes numa faculdade de teologia−, consegue fazer teologia e apresentar algo de original enquanto o autordo livro, bacharel, Mestre e professor nao se propoe a fazer teologia e nemapresentar nada de original em seu livro? − um Manual com 504 paginas.

Dentre algumas possıveis respostas gostaria de por em evidencia tres:

1 a ) E que o pastor encontra-se enclausurado em uma gaiola (cristianismo),para ele a Bıblia e a Palavra perfeita e infalıvel de Deus; portanto ele jaencontrou a verdade, nao tem mais o que se preocupar com isto.

Eu, do meu lado, nao estou enclausurado em nenhuma gaiola, desconfiode todo e qualquer livro religioso (inclusive da idolatrada Bıblia) e sou umbuscador da verdade − ou um construtor de verdades, como se preferir.

Este meu livro pode ser considerado “Um pequeno manual de teologiaassistematica”.

Esse e o grande problema das religioes: sao donas da verdade, as ovelhasnao apenas tem a verdade como, ademais, ja estao “salvas” e daı decorreque tudo no universo evolui, exceto os religiosos; inclusive eles tem ate ojeri-za a palavra evolucao.

Um eminente mıstico fez a seguinte profecia:

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Em suas fases primitivas o homem nao podia adorar senao a umDeus feito a sua imagem e semelhanca, porque nao sabia conceber algomelhor. Atualmente, o Deus cosmico, que a ciencia nos deixa entrever,ja nao cabe dentro das velhas concepcoes religiosas. [. . .] A religiao deamanha se unira a ciencia e devera se basear em postulados racional-mente demonstrados, se quiser ser aceita. (Pietro Ubaldi)

Eu acreditei integralmente nesta profecia ate ontem, antes de ler “OManual de Teologia Sistematica”. Hoje discordo em uma unica afirmacao:a de que a “religiao de amanha se unira a ciencia”. No meu entendimentonao se unira, a religiao de amanha emergira da ciencia − a revelia dasreligioes − ou apesar das religioes.

Creio piamente que a teologia de amanha estara sendo, paradoxalmente,construida por cientistas e nao por teologos.

2 a ) Suponhamos que o pastor decidisse fazer teologia e apresentar algode original em seu Manual − ser um autentico pesquisador. O que pode-ria acontecer? Se ele fizesse qualquer descoberta que fosse de encontro ao“catecismo oficial” de sua Igreja, inicialmente seria convidado a rever seuponto de vista, acomoda-lo no que a Igreja ja determinou como sendo a ver-dade. Caso ele se mantivesse irredutıvel em sua descoberta, seria convidadoa se retirar (expulso) da faculdade de teologia, nao serviria para ensinar, es-taria “corrompendo a juventude”. Ja vimos este filme tantas e tantas vezes. . . Espinoza, ainda como membro da sinagoga judaica, tentou fazer teolo-gia, inicialmente ofereceram-lhe uma pensao para que ele renunciasse suasdescobertas, nao aceita, expulsaram-no e, nao satisfeitos, o amaldicoaram; ocientista, teologo e jesuıta Teilhard de Chardin tentou fazer teologia em seutempo foi perseguido e exilado diversas vezes pela “Santa Igreja”, morreuem 1955 em Nova York, seu ultimo exılio, o seu enterro nao foi acompa-nhado por mais de dez pessoas. Um contemporaneo nosso, Frei LeonardoBoff, ousou fazer uma “nova teologia (da libertacao)”, foi “convidado” a seretirar da Igreja.

Tenho dito e repito: Podemos ate encontrar pessoas cultas e inteligentessentadas em um banco de igreja aprendendo da boca de uma padre ou pastor;todavia, jamais encontraremos um sabio nestas condicoes.

E muito simples de entender: todo aquele que, por livre e espontaneavontade, se enclausura em uma gaiola − e qualquer religiao e uma gaiola −nao esta em plena posse de suas faculdades mentais, e, por isto, nao podeser um sabio − por definicao.

Ninguem tem a livre-escolha de se

fazer cristao; uma pessoa nao se converte

ao cristianismo, e necessario estar sufi-

cientemente enfermo para isso . . .

(Nietzsche/O Anticristo)

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3 a ) O pastor fez muito investimento para chegar na posicao em quechegou, e um “respeitado professor e Reitor de uma faculdade de teolo-gia”, para que fazer pesquisas, correndo o risco de abandonar esta con-fortavel e “invejavel” posicao? − e uma questao inclusive de ego. Sendoum pesquisador honesto e sincero ele estara correndo o risco de se depararcom uma outra verdade − em desacordo com a que acalentou durante todaa sua vida − e perder o investimento de toda uma vida, como um avestruzele prefere enterrar a cabeca em um buraco e fingir que ja possui a verdade.E o que podemos chamar de uma atitude covarde diante da vida.

Este risco e real e ninguem o desconhece, foi o que aconteceu com umoutro pastor (tambem autor) que foi bem mais longe que Zacarias − naTeologia − e teve que renunciar as suas ilusoes nas quais acreditara pormuito tempo:

[. . .] Acho que o que posso dizer e que se (SE!) Deus existe, ele nao eo tipo de ser em que eu acreditava quando era evangelico: uma divindadepessoal que tem o poder final sobre este mundo e interfere nos assuntoshumanos de modo a impor sua vontade a nos. Esta alem da minha com-preensao o fato de que pode haver um ser como esse − em boa parteporque, francamente, eu nao acredito que haja intervencoes. Se Deuspode curar o cancer, entao por que milhoes de pessoas morrem dessadoenca? Se a resposta e que isso e um misterio (“Deus escreve certo porlinhas tortas”), e o mesmo que dizer que nao sabemos o que Deus fazou como ele e. Entao, por que fingir que sabemos? Se Deus alimenta osfamintos, por que ha pessoas com fome? Se Deus cuida de seus filhos,por que ha milhares de pessoas destruıdas por catastrofes naturais todoano? [. . .] (Bart D. Ehrman/[5], p. 113)

Bart D. Ehrman chefia o Departamento de Estudos Religiosos da Uni-versidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, Estados Unidos, cidadeonde vive. Autor de varios livros, uma autoridade nos estudos das origensdo Cristianismo e da vida de Jesus Cristo, ele e presenca constante em pro-gramas de radio e televisao − abandonou a fe crista e hoje considera-seagnostico.

3.6.1 Fosseis vivos

A Paleontologia se utiliza da expressao “fosseis vivos ” para designaralguns animais e plantas encontrados ainda hoje e que sao parecidos comseus ancestrais; isto e, com os organismos que viveram na Terra ha milharesou milhoes de anos e deram origem a eles.

Agora estou utilizando pela primeira vez, assim creio, a expressao fossilvivo para designar a maioria dos religiosos − a exemplo de padres, pastorese “ocultistas” de modo geral − no sentido de que em nada diferem de seus“ancestrais” vividos ha milhares de anos.

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Uma das vantagens desta minha descoberta e que, por exemplo, podemosestudar como se comportavam os antigos “fariseus hipocritas” − aos quaisJesus dirigia suas reprimendas − apenas observando o comportamento dospadres e pastores atuais; digo, os fosseis vivos daqueles fariseus.

Uma outra vantagem dessa associacao e que nao podemos duvidar deque homens primitivos (hebreus) adoravam a um Deus primitivo (Jeova)por conta de que ainda hoje encontramos milhares de fosseis vivos que ado-ram esse mesmo Deus: que se ira, que castiga, que faz acepcao de pessoas,que lanca suas criaturas para queimarem eternamente em um inferno defogo e enxofre, etc; nao, nao podemos duvidar de que um dia, ha milharesde anos passados, essa tenha sido a forma humana de se adorar a Deus,vejam com seus proprios olhos as igrejas atuais . . . lotadas de fosseis vivos!

Vamos colocar em destaque mais alguns pontos esparsos do referido livro:

a ) “A religiao crista esta acima de qualquer outra religiao do mundo”,porque nela encontra-se a ideia mais esclarecida, desenvolvida e correta acer-ca de Deus e suas relacoes com o mundo e do meio de se cultivar uma relacaoefetiva com o sobrenatural [. . .] (p. 3)

Observe leitor o currıculo deste homem . . . quem o autorizou a proferirtantas tolices em um espaco tao curto?

“a ideia mais esclarecida, desenvolvida e correta” segundo o entendi-mento (alienado) dele.

Como ja disse, considero a cosmologia crista como uma das mais infantis.

Observe que ele sendo professor de uma faculdade de teologia estaraformando milhares de outros fanaticos e intolerantes − a sua imagem esemelhanca, como se diz: cego guiando (formando) outros cegos.

Por oportuno, durante muito tempo fui ingenuo em acreditar que a sub-sistencia do cristianismo clerical se havia dado pelo “poder do EspıritoSanto”, nao, deu-se pelo poder da forca, da astucia e da espada:

As controversias dos primeiros seculos foram em parte sanadas pelacentralizacao do poder na Igreja Romana. Alguns grupos permaneceramarredios, e novas controversias surgiram internamente no seio da Igreja,demandando confabulacoes e decisoes em Concılios numa tentativa demanter a unidade da doutrina oficial. Apesar do constante esforco paramanter a unidade da crenca, dissidencias continuaram a aparecer aolongo dos seculos, sendo geralmente debeladas pela forca. Dentre essesmovimentos, os mais importantes que ameacaram arranhar a supremaciapapal foram o movimento dos cataros no sul da Franca, reprimido brutal-mente no seculo XIII, bem como a violenta cisao com a Igreja Ortodoxaoriental e, mais tarde, a Reforma Protestante no seculo XVI.

(Raul Branco/Rodape p. 44)

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Sobre os cataros veja p. 48. Afirmo com a maior tranquilidade que asforcas do mal (satanicas) tem se utilizado com frequencia das religioes paramanterem domınio sobre os homens.

Vanini num momento de inspiracao afirmou:

O homem esta repleto de tantas e tao grandes miserias que, senao fosse incompatıvel com a religiao crista, ousaria dizer: se existemdemonios, eles proprios expiam as penas do crime, transmigrando paraos corpos dos homens. (Vanini)

Nao senhor Vanini, nao e incompatıvel com a religiao crista, e vou umpouco mais alem: Ouso dizer que a Igreja Catolica foi um grande celeiro dedemonios, e o Papa sendo o Demonio mor. (ver por ex., Ap 12 : 9)

Podemos fazer uma distincao entre Jesus e Cristo

Vou me permitir transcrever aqui um excerto do meu livro “O TAO”([10]) e, apos, estarei fazendo uma complementacao, pois bem:

Ademais, a teologia primaria teria muito a ganhar se fizesse uma diferencaentre Jesus e Cristo. Visando a uma maior tolerancia entre os povos, pode-mos fazer uma dintincao: Cristo e o espırito do qual Joao fala “No princıpio,era o verbo, ”. . . “o verbo se fez carne ”, quando este Espırito encarnou re-cebeu o nome de Jesus, e por isso que Ele disse:

Em verdade, em verdade vos digo que, antes que Abraao existisse, eusou. Entao pegaram em pedras para lhe atirarem; (Jo 8 : 58)

Eu sou se refere ao Cristo, nao a Jesus. Ja li a interpretacao de um sabioindiano dando conta de que o Espırito Cristo tambem encarnou no Orientecomo Krishna, acho esta uma visao bastante razoavel, crıvel, e que promovea tolerancia, dissipa as densas nuvens do fanatismo.

Entao, tive a grata surpresa de me deparar com um outro autor que com-partilha este mesmo ponto de vista, ele afirma:

O mesmo Cristo que tomou forma e corpo em Jesus de Nazare podetomar corpo sob outros nomes ainda: Rama, Krishna, Purusha, Ta-thgata, etc. Jesus tem lugar em uma serie de incorporacoes do mesmoCristo. “Jesus e o Cristo, mas o Cristo nao e somente Jesus”.

(Raul Branco, p. 11/Rodape p. 44)

Um profeta persa fez duas afirmativas que tem minha total adesao:

Existe dentro do homem, em

virtude de sua constituicao, um

ego, um eu inferior − um Satanas,

bem como um anjo. (Baha’u’llah)

[. . .] Por mais intricado e difıcil

que isso pareca, a tarefa ainda maior, a

de converter forca satanica em poder ce-

lestial, cabe a Nos, e fomos habilitados a

desempenha-la. (Baha’ u’ llah)

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Estou de acordo em identificar O Cristo com o anjo que existe dentro detodo homem, em razao de sua constituicao. Todavia, “a tarefa ainda maior,a de converter forca satanica em poder celestial, cabe a cada um de nos ”, ea isto o que chamo de Salvacao. Dentro deste preciso contexto revejo minhaposicao anterior:

Jesus Aprisiona, Cristo liberta!

Jesus Aprisiona, Cristo liberta!

Jesus Aprisiona, Cristo liberta!

Querendo com isto afirmar que todo aquele que joga a responsabilidadede sua propria evolucao (autoconstrucao, “salvacao” ) nos ombros de Jesusesta preso desta ilusao, enquanto que aquele que apela para o seu Cristointerno (anjo) se liberta: “Por mais intricado e difıcil que isso pareca . . . ”

A responsabilidade e sua e de mais ninguem. (ver p. 14, Richard Falk)

Neste ponto divirjo de Nietzsche: nao sou “Anticristo” sou “Anticristia-nismo” o que significa “Antireligiao” organizada − Estas aprisionam.

Retomando, alguns cientistas de vanguarda ja estao falando (e escrevendo)abertamente sobre Deus, tenho observado que as concepcoes dignas de seremtomadas em consideracao sao as que se estribam nas aquisicoes da fısicaquantica; digo, do seio desta nova conjuntura emerge uma nova concepcaode Deus; me perguntei, ademais, se o Deus oriundo desta nova conjunturacientıfica se harmoniza com alguma das concepcoes propostas pelas religioes,a conclusao que cheguei e a de que o Deus concebido pelo sabio Lao Tse,exposta no taoısmo, o Deus Tao e o Deus que melhor se harmoniza com aciencia atual. Um cientista, fısico, escreveu:

Em seu significado cosmico original, o Tao e a realidade ultima eindefinıvel como tal, e o equivalente do Brahman hinduısta e do Dhar-makaya budista. Difere, no entanto, desses dois conceitos indianos emrazao de sua qualidade intrinsecamente dinamica que constitui, na visaochinesa, a essencia do universo. O Tao e o processo cosmico no qualse acham envolvidas todas as coisas; o mundo e visto como um fluxocontınuo, uma mudanca contınua. (Fritjof Capra)

Apenas a tıtulo de mais informacoes ao leitor a respeito desta concepcaodivina transcrevo o seguinte:

TAO

Tao e outro nome para Deus, muito mais belo do que Deus, poisa palavra “Deus” foi explorada demais pelos sacerdotes. Em nome deDeus, eles exploraram por tanto tempo que ate a palavra ficou contami-nada. Qualquer pessoa de inteligencia inevitavelmente a evitara, pois ela

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o faz lembrar todas as tolices que aconteceram atraves dos tempos sobre aterra em nome de Deus e da religiao. Mais danos aconteceram em nomede Deus do que em nome de qualquer outra coisa.

Nesse sentido, o Tao e imensamente belo. Voce nao pode venerar oTao porque ele nao lhe da nenhuma ideia de uma pessoa. Ele e sim-plesmente um princıpio e nao uma pessoa. Nao se pode venerar umprincıpio, nao se pode rezar para o Tao. Rezar para um princıpio pare-ceria ridıculo; seria completamente absurdo. Voce nao reza para a lei dagravidade ou para a teoria da relatividade.

Tao simplesmemte significa o princıpio supremo que une toda a exis-tencia. A existencia nao e um caos, isso e certo. Ela e um cosmos; nelaexiste uma imensa ordem, uma ordem intrınseca, e o nome dessa ordeme Tao.

Tao significa simplesmente a harmonia do todo. Nenhum templo foiconstruido para o Tao, nenhuma estatua, nenhuma prece, nenhum sacer-dote, nenhum ritual; essa e a sua beleza. Daı ele nao pode ser chamadode doutrina ou de religiao; ele e puro lampejo. Voce pode chama-lo deDarma; essa e a palavra de Buda para o Tao. Na nossa lıngua, a palavraque chega mais proxima de Tao e Natureza, com N maiusculo.

(Osho/Tao, p. 122)

Voltando ao intolerante Pr Zacarias, existe um proverbio chines que reza:

Aquele que nao sabe e nao sabe que nao sabe e tolo, evita-o;

Aquele que nao sabe e sabe que nao sabe e simples, ensina-o;

Aquele que sabe e sabe que sabe e sabio, segue-o.

Em minhas “andancas” encontrei rarıssimos sabios desta ultima cate-goria, fiquei imaginando em qual delas eu poderia incluir padres e pastores;cheguei a conclusao de que nao se enquadram em nenhuma delas, razaoporque sentir a necessidade de acrescentar uma nova categoria ao proverbiochines:

Aquele que nao sabe e pensa que sabe e estupido, despreza-o

Leio em um livro: (ver rodape p. 106)

Montesquieu disse-o com razao: “pegai homens inteligentes, colocaio-os juntos, reuni-os; e, por um fenomeno singular, inexplicavel, esseshomens inteligentes tornam-se brutos e imbecis tao logo sao agrupados.”

Nao sou eu quem diz isso, e Montesquieu que faz essa observacaoprofunda e muito exata. (p. 59)

Essa observacao profunda e muito exata e, alem disso, um primorosoachado, que se aplica a muitos contextos, em particular ao religioso, veja:

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Pegai homens inteligentes, colocaio-os juntos, reuni-os sob uma re-ligiao; e, por um fenomeno singular, inexplicavel, esses homens in-teligentes tornam-se brutos e imbecis tao logo sao agrupados sob umabandeira religiosa. (Parafrase)

Esse foi precisamente o caso de varios genios da ciencia e filosofia taiscomo: Pascal, Newton, Leibniz, Kepler e Santo Agostinho.

Agostinho defendeu uma serie de crencas estritas e rigorosas. Elepensava, por exemplo, que criancas que morressem sem terem sido ba-tizadas nao entrariam no ceu, e que sofreriam a eterna condenacao noinferno. (Dr. Jeremy Stangroom)

Quanto ao genial Pascal, lemos:

O cristianismo viciou ate mesmo a razao das naturezas mais fortes noespırito, ensinando a classificar os valores mais elevados da intelectua-lidade como pecaminosos, como enganosos, como tentacoes. O exemplomais lamentavel: o corrompimento de Pascal, o qual acreditava na cor-rupcao de sua razao pelo pecado original, quando na realidade nao estavacorrompida senao por seu cristianismo! (Nietzsche/O Anticristo)

Leibniz, depois de muito raciocınio chegou a conclusao de que dentre asmuitas possibilidades que Deus teria para criar um mundo criou este, “omelhor dos mundos possıveis ”. Fico me perguntando se Leibniz estivesseprisioneiro de um campo de concentracao, ou ameacado pelas torturas efogueiras da Santa Inquisicao ainda assim manteria sua “brilhante” tese.

Giordano Bruno e Joana D’arc dificilmente compartilhariam da tese deLeibniz.

Newton, por sua vez, perdeu muito de seu precioso tempo efetuando“calculos profeticos ”, em um destes calculos previu que a segunda vinda deCristo a Terra ocorreria em 1948.

Ele nao atentou para o simples detalhe de que ate mesmo Jesus fracassouna previsao da sua volta.

Em verdade vos digo que alguns ha,

dos que aqui estao, que nao provarao

a morte ate que vejam vir o Filho do

homem no seu reino. (Mt 16 : 28)

Em verdade vos digo que alguns dos

que estao aqui nao morrerao sem terem

visto o reino de Deus vir com poder!

(Mc 9 : 1)

Veja, estou afirmando− e provando! − que as religioes tem o inexplicavelpoder de transformar homens inteligentes em bestas quadradas. Como senao bastassem os exemplos ja vistos arregimentarei mais um em defesa deminha tese − tudo bem, divido-a com Montesquieu.

Tenho em maos o livro “A Igreja & O Criacionismo”, vejamos as creden-ciais do autor:

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Adauto J. B. Lourenco e formado em fısica pela Bob Jones Univer-sity (EUA) e possui mestrado em fısica pela Clemson University (EUA).Tambem formou-se em teologia e musica sacra pelo Seminario BıblicoPalavra da Vida (Brasil). Mais de 250.000 pessoas ja participaram dosseminarios sobre Criacao & Evolucao, apresentados para instituicoes deensino, igrejas, congressos e simposios, tanto no Brasil como no exte-rior. Ele e autor do livro “Como Tudo Comecou” premiado em 2008 naXX Bienal Internacional do Livro (Premio Arete).

Ao ler esse pequeno livro de apenas 44 paginas fiquei estarrecido dequanto um indivıduo pode diminuir seu cerebro para que possa acomoda-loem uma gaiola. Vou citar apenas duas afirmativas do autor, a primeira:

Ao estabelecer a Igreja, o Senhor Jesus a preparou para funcoes es-pecıficas.

Ele a preparou para ser a coluna e o fundamento da verdade. “praque, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus,que e a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade.” (I Tm 3 : 15)

Portanto, e funcao da Igreja estabelecer a verdade nesse mundo enessa sociedade. Estabelecer a verdade em todas as areas, ate mesmo naciencia. Fomos deixados aqui com essa funcao. (p. 42)

Observe, neste ultimo paragrafo, a sandice! Ele esqueceu que a Igrejafoi uma das maiores inimigas da verdade e do progresso, ate hoje existemresquıcios desta postura retrograda das Igrejas.

Observe mais uma tentativa insana de tentar acomodar a ciencia dentrode uma gaiola:

Se evolucao ocorreu, entao formas de vidas teriam mudado ao longodo tempo. Das mais simples as mais complexas. As que estavam menosadaptadas teriam dado lugar as que estariam melhor adaptadas. Ate quefinalmente, depois de um longo perıodo de tempo, o ser humano surgiriabuscando racionalmente respostas sobre sua origem. Nesse lento processode aprimoramento e adaptacao, a vida, sem duvida, teria experimentadoa morte ao longo de toda a trajetoria.

Como explicar a entrada da morte no mundo antes do pecado deAdao?

Paulo afirmou em Romanos 6 : 23 que “. . . o salario do pecado e amorte. . . ”. Mas se a morte ja fazia parte da historia, antes do pecadode Adao, entao a morte nao poderia ser o salario do pecado.

E se a morte nao for o salario do pecado, o que Cristo veio fazerentao? [. . .]. (A Igreja & O Criacionismo/p. 41)

Li essa passagem pelo ao menos umas tres vezes, porque nao acreditei,talvez eu estivesse interpretando errado. E ainda nao consigo acreditar quee isso mesmo!? − Confiram para mim, por favor!

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Caro leitor, releia o currıculo desse homem e veja o que uma gaiola podefazer com uma alma humana! Estou falando . . . e nao querem me acreditar!

Uma certa especie de imparcialidade

cientıfica e qualidade muito importante,

sendo qualidade que dificilmente pode

existir num homem que imagina haver

coisas nas quais e seu dever acreditar.

(Bertrand Russel)

Continuando com os desvarios do pastor (Zacarias):

b ) A revelacao bıblica e sem igual pelo seu conteudo, caracterısticase proposito. Por isto, todas as nacoes precisam ouvir sua mensagem desalvacao por meio de Cristo (Mt 28 : 19 − 20) [. . .] Nenhuma outra revelacao enecessaria hoje para a humanidade acerca de Deus e dos seus planos. Nadamais a acrescentar ao registro bıblico. (p. 23)

Ninguem tem o direito de ser tao obtuso a este ponto. Reitero: a religiaocrista incentiva a intolerancia religiosa entre os povos. Este professor e amaior prova do quanto uma religiao pode aleijar um ser humano.

Sera que ele conhece a Bıblia de todas as outras religioes? − para seoutorgar o direito de proferir tantas baboseiras.

Eu ja estudei e ponderei sobre outras Escrituras∗ e afirmo que ele estatotalmente equivocado em seu fanatismo.

Mesmo que ele, em sua faculdade de teologia, tenha estudado as Es-crituras de outras religioes o problema e que ja encontrava-se cego (condi-cionado) pela “inerrancia” da Bıblia.

Assim como esse pobre pastor esta convicto de que sua religiao salvarao mundo outras tambem pensam da mesma forma. Por exemplo, nas Escri-turas da Tenrikyo lemos:

A senhora Miki Nakaiama foi estabelecida como Sacrario de Deus-Parens e, com a introducao do espırito de Deus, expos a vontade divinae iniciou o derradeiro ensinamento para a salvacao do mundo.

(Vida de Oyassama, p. 7)

Nao e nenhum dos deuses tradicionais das preces, exorcismos eevocacoes. Porem, e o Deus verdadeiro, que criou o homem e o mundo.

(Doutrina de Tenrikyo, p. 11)

Assim como estes pobres cegos imaginam que sua doutrina “salvara a hu-manidade”, de igual modo os cristaos: “Por isto, todas as nacoes precisamouvir sua mensagem de salvacao por meio de Cristo ”, diz o cego pastor.

∗Por exemplo, Bhagavad Gita, A Revelacao Bahai, Budista e Ofudessaki (Tenrikyo).

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E precisamente por isto que tenho dito: inteligencia e cultura e uma coisa,outra bem distinta e sabedoria e discernimento; nem sempre convergem emum mesmo sujeito . . . Aı esta prova!

c ) A luz da ciencia do criticismo textual, podemos ter grande confiancade que a Bıblia que possuımos e extraordinariamente exata. (p. 43)

Tenho um livro† em maos que diz precisamente o contrario.

A estas alturas, o leitor que nao for tolo ja tera concluido que cada umenxerga o que quer enxergar.

Por oportuno, lembrei-me de que ha poucos dias atras vinha retornandodo sıtio e duas sobrinhas minhas (na faixa etaria dos seis anos), sentadas nobanco traseiro, tagarelavam sem parar: uma olhava para as nuvens e dizia:olha ali uma girafa! a outra: olha um jacare sem rabo! . . . e assim elasdurante o trajeto conseguiram “montar um zoologico no ceu”; eu, por maisque me esforcasse, so enxergava nuvens.

A mente infantil e por demais fertil: ve o que ela quer ve. Todo oproblema reside em que a mente de muitos “adultos” e infantil no queconcerne ao universo religioso − mesmo que este “adulto” seja um professorou estudante de uma faculdade de teologia.

A proposito, meu pai contou-me que quando ele era crianca minha avoensinava-lhes que na lua se poderia enxergar a figura de Sao Jorge montadoem seu cavalo matando um dragao; perguntei-lhe se de fato eles conseguiamver isto, ele me respondeu que depois de algum esforco sim.

Muitos adultos comportam-se desta forma, vem o que seus condiciona-mentos querem que eles vejam.

Este exemplo ilustra com perfeicao o que ocorre pelo lado religioso: desdepequenos os “adultos” (igrejas, religioes) condicionam as “criancas” a acre-ditarem que na Bıblia podemos enxergar a palavra imaculada de Deus − aBıblia e extraordinariamente exata, dizem eles.

A inspiracao divina atinge todas as partes da Bıblia, sem eleicao nemdistincao alguma, e e impossıvel que o mınimo erro se tenha insinuadono texto sagrado inspirado.

(Papa Bento XV/Encıclica Spiritus Paraclitus, 1920)

Eu nao entendo como e que um homem ocupando um cargo desta enver-gadura nao se acanha de mentir na maior cara de pau − Depois dizem queos mentirosos mais descarados sao os polıticos! . . . pois sim!

O que acontece com uma mentira repetida mil vezes? . . . Torna-se umaverdade! Sao como aquelas ilusoes de otica engendradas para iludir a visao.

Existem aqueles que na mente continuam sendo uma crianca pela vidainteira, continuam acreditando na mentira dos adultos de que na Bıblia “po-dem enxergar Sao Jorge montado em seu cavalo pelejando contra o dragao”.

†O QUE JESUS DISSE? O QUE JESUS NAO DISSE? (Bart D. Ehrman), Ehrman euma das maiores autoridades mundiais em Bıblia (ver [6]).

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Gentil 103

No livro ja referido o autor (Ehrman, [6]) mostra varias inconsistenciasna Bıblia que nao deixam nenhuma margem de duvidas de que o universoreligioso nao esta muito distante do universo da polıtica com todo o “marde lama” que conhecemos.

Mediante o “Elogio da Loucura” Erasmo [de Rotterdam] denunciavaa corrupcao dos valores autenticos do sadio humanismo mesmo no in-terior da Igreja Catolica Romana cujo chefe supremo, o Papa Julio IInao passava de um polıtico ambicioso e aventureiro. (Col. Pensamento & vida)

Da equacao divina podemos derivar uma outra equacao, assim:

Deus + Homem = Deus

Bıblia + Homem = Bıblia

Esta e a “equacao bıblica ”:

Bıblia + Homem = Bıblia

Podemos concordar em que a “Bıblia extraordinariamente exata” a queo pobre pastor se refere, de fato existe, todavia, apenas na “mente de Deus”.A Bıblia usual (lado direito da equacao) tem a mao do homem − nao pode-ria ser diferente; veja atraves de uma figurinha como se da o processo:

Deus

HomemBıblia + Homem = Bıblia

Se alguma verdade existe que nao guarde nenhuma relacao sensitiva ouracional com a inteligencia humana, sera igual a zero. (Tagore)

Observe alguns casos especiais da equacao bıblica:

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104

(homem)

Deus

Analects (Confucionismo)Vedas (Hinduısmo)

Revelac~ao (Bahai)Gita (Hare Krisna)

Tao Te King (Taoısmo)

A.T. (Judaısmo)Alcor~ao (Islamismo)

Bıblia (Cristianismo)Ofudessaki (Tenrikyo)

Luz Branca

Bıblia + Homem = BıbliaNo entanto, as igrejas acreditam na “equacao bıblica adulterada” :

Bıblia + Homem = Bıblia0

⇒ Bıblia = Bıblia (falsa equacao)

A mente e a verdadeira natureza das

coisas. (Zen Budismo)

“Inerrancia bıblica”, e um dos palavroes mais feios que eu ja ouvi emtoda minha vida− pior que os proferidos pela saudosa atriz Dercy Goncalves,nem se comparam em termos de consequencias funestas.

So existem duas explicacoes para alguem acreditar nesta falsa equacao:∗

Ou e tolo ou e espertoEu particularmente creio que dentre padres e pastores tanto existem os

simplorios quanto os espertos. Agora dentre as pobres ovelhas . . . .

Em particular, como eu disse desde o princıpio, comecei a ver oNovo Testamento como um livro demasiadamente humano. Eu sabiaque o Novo Testamento, na forma que dispomos atualmente, era produtode maos humanas, as maos dos copistas que o transmitiram. Depois,comecei a ver que nao era so o texto copiado pelos escribas que era de-masiadamente humano, mas o proprio texto original. (Bart D. Ehrman)

E o proprio homem que cria os

valores em que acredita − e que depois

ve neles algo de transcendente, eterno e

verdadeiro. Os valores, no entanto, nada

mais sao do que algo “humano, demasia-

do humano”. (Nietzsche)

Os fenomenos sao organizados

pelo nosso aparelho perceptivo e cogni-

tivo, sendo assim em parte dependentes

do sujeito. (Immanuel Kant)

∗Isto e, numa Bıblia livre de influencias humanas. Numa Bıblia sem o dedo humano.

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Gentil 105

Outra fonte independente confirma isto:

[. . .] Dentre esses estudiosos estava Orıgenes, profundo conhecedor datradicao crista, respeitado por todos que conheciam suas obras. Como senao bastasse a condenacao de seus escritos, Orıgenes foi entao exco-mungado quase tres seculos apos sua morte.

Uma razao adicional para que Orıgenes fosse condenado e o fato deleter feito inimigos dentro da hierarquia clerical ao criticar as alteracoesefetuadas nas Escrituras. Ele indicou que ocorreram serios desvios tex-tuais nas copias das Escrituras, pelo descuido de alguns escribas, pelaaudacia perversa de certos exegetas e ate mesmo por adicoes ou su-pressoes arbitrarias. (Raul Branco, p. 62/Rodape p. 44)

Desprezo

Assim como na pagina 29 prestei meu tributo a um homem audaz, desejodeixar consignado aqui meu desprezo por todos os pastores e padres − vas-salos − que cursaram uma faculdade de teologia e, ao tomar conhecimentodas diversas “manobras ” praticadas pelo “alto clero”, optaram pela covar-dia e subserviencia a cupula das igrejas.

A mae Natureza, que deu ao touro os

cornos, e ao leao as presas, para que me

deu a mim a ponta dos pes? [. . .] Para

espezinhar os caldeiroes podres.

(Nietzsche/A Genealogia da Moral)

Tenho insistido em que nao se pode ver a inspiracao bıblica desconectadado meio (caldo) cultural que lhe deu origem; e burrice (cegueira) descon-siderar essa variavel. Dentre inumeros possıveis exemplos da falsidade daequacao: Bıblia = Bıblia, vou citar apenas dois:

1 o ) “Desse modo, as mulheres devem ficar em casa e cultivar as virtudesproprias a seu sexo, criar filhos para seus maridos e preservar a modestia.Como afirma literalmente a passagem”: (Bart D. Ehrman/[6], p. 192)

A mulher deve guardar silencio com toda submissao. Nao permitoa mulher ensinar ou ter autoridade sobre um homem. Que ela se man-tenha em silencio. Com efeito, Adao foi formado por primeiro. DepoisEva. E Adao nao foi seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu natransgressao. Todavia, ela sera salva por sua maternidade, contanto quepersevere na fe, no amor e na santidade, com modestia. (1 Tm, 2 : 11− 15)

Medite sobre a passagem bıblica acima, no que concerne aos argumentosenvolvendo Adao e Eva, ela me parece tola, obtusa.

Atente para o raciocınio “inspirado por Deus” : Adao foi formado antesde Eva, logo, toda mulher deve ficar calada na igreja e com toda submissao.

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106

Nao entendi o que uma coisa tem a ver com a outra, o leitor entendeu?

2 o ) Aconselho as mulheres cristas a nao ficarem pesarosas (ou depressi-vas) “apenas por isto” . . . poderia ter sido bem pior. Com efeito, na Bıbliamulcumana (Corao) os maridos tem o direito de espancar suas esposas∗

Os homens tem autoridades sobre as mulheres porque Deus os fezsuperiores a elas. (Corao, 4 : 31)

Ou ainda:

Quanto aquelas de quem temes desobediencia, deves admoesta-la,envia-las a uma cama separada e bater nelas. (Corao, capıtulo 4)

O Deus de judeus e cristaos determina que se mate ate parentes:

Quando te incitar teu irmao, filho da tua mae, ou teu filho, ou tuafilha, ou a mulher do teu seio, ou teu amigo, que te e como a tua alma,dizendo-te em segredo: Vamos e sirvamos a outros deuses que nao co-nheceste [. . .] Nao consentiras com ele, nem o ouviras; nem o teu olho opoupara, nem teras piedade dele, nem o esconderas, mas certamente omataras [. . .] (Dt 13 : 6− 10, 15)

Com todas estas evidencias e de admirar que os fanaticos e cegos naoenxerguem o dedo humano na composicao de suas Bıblias . . . e de estarrecer!“A Bıblia e extraordinariamente exata! ” . . . Pois sim!

Uma aberracao que desafia a propria ciencia

Conhecendo, como conheco, o passado da Igreja Catolica; observando,como observo, as praticas atuais das igrejas evangelicas, os escandalos de-nunciados na mıdia (televisao, revistas e internet) fico impressionado, em-basbacado de como, em pleno seculo XXI − ja atravessamos o seculo dastrevas, o seculo das luzes − estas igrejas ainda conseguem amealhar ovelhasque se deixam tosquiar. Um pensador sensıvel observou: “Vivemos em umaera na qual a estupidez triunfou”; e isto e verdade em particular no universodas religioes. Ha muito tempo tenho buscado palavras para expressar estaminha “zonzeira” (fico zonzo so de pensar nisto), entretanto nao conseguiinspiracao suficiente. Recentemente chegou em minhas maos um livro† noqual o autor, tratando de polıtica, expressa um sentimento de indignacao emrelacao ao eleitor‡ muito semelhante ao que sinto em relacao as ovelhas. Naovejo muita diferenca entre os universos da polıtica e da religiao, ao contrario

∗No isla a mulher so pode ter um marido, enquanto que os homens podem ter atequatro esposas.

†Eleitor, Escuta!/A Podrid~ao Parlamentar/ Sebastien Faure/IEL.‡O autor − em sua conjuntura, ideologica inclusive − defende a abstencao do voto.

Muito antes de ler o referido texto eu proprio ja nao votava em ninguem, anulo o meu voto.Considero-o tao sagrado (importante) que nao desejo converte-lo em merda depositando-oem um pinico qualquer.

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Gentil 107

sao bastante similares, razao por que decidir transcrever o referido texto elogo apos farei uma parafrase “trocando eleitor por ovelha”, basicamente.Ei-lo:

Uma coisa que me surpreende prodigiosamente − ousarei dizer queela estupefica-me − e que, no momento cientıfico em que escrevo, apos asinumeraveis experiencias, apos os escandalos cotidianos, ainda possa exis-tir em nossa cara Franca (como eles dizem na Comissao do orcamento)um eleitor, um unico eleitor, esse animal irracional, inorganico, aluci-nante, que consente atrapalhar seus negocios, seus sonhos ou seus pra-zeres para votar em favor de alguem ou algo. Quando refletimos por uminstante, esse surpreendente fenomeno nao e feito para desconcertar asfilosofias mais sutis e confundir a razao? Onde esta o Balzac que nosdara a fisiologia do eleitor moderno? E o Charcot que nos explicara aanatomia e as mentalidades desse incuravel demente? Nos o aguardamos.

Compreendo que um escroque encontre sempre acionistas, a Censurados defensores, a Opera-Comica dos dilletanti; compreendo o sr. Chan-tavoine obstinando-se a encontrar rimas; compreendo tudo. Mas que umdeputado, ou um senador, ou um presidente da Republica, ou qualquerum, entre todos os estranhos farsantes que reinvidicam uma funcao ele-tiva, qualquer que seja, encontre um eleitor, quer dizer o ser inimaginado,o martir improvavel, que vos nutre com seu pao, veste-vos com sua la,engorda-vos com sua carne, enriquece-vos com seu dinheiro, com a unicaperspectiva de receber, em troca dessas prodigalidades, golpes de cas-setetes na nuca, pontapes no traseiro, quando nao sao tiros de fuzil nopeito; na verdade, isso ultrapassa as avaliacoes ja bastante pessimistasque eu havia feito ate aqui da estupidez humana.

E evidente que falo aqui do eleitor advertido, convicto, do eleitorteorico, daquele que imagina, pobre diabo, agir como cidadao livre, exibirsua soberania, exprimir suas opinioes, impor − o loucura admiravel edesconcertante − programas polıticos e reinvidicacoes sociais, e nao doeleitor “que a conhece” e que zomba disso.

Falo dos serios, dos austeros, do povo soberano, esses que sentem umaembriaguez apoderar-se deles quando se olham e se dizem: “Sou eleitor!Tudo se faz por mim. Sou a base da sociedade moderna.” Como aindaha gente dessa natureza? Como, por mais cabecudos, por mais orgu-lhosos, por mais paradoxais que sejam, nao se sentiram, desde ha muito,desencorajados e envergonhados por sua obra? Como pode acontecerque se encontre algures, mesmo nos longınquos espacos perdidos da Bre-tanha, mesmo nas inacessıveis cavernas das Cevenas e dos Pirineus, umsimplorio assaz estupido, assaz despropositado, bastante cego ao que seve, bastante surdo ao que se fala, para votar azul, branco ou vermelho,sem que nada o obrigue a isso, sem que se lhe paguem ou sem que oembriaguem?

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108

A que sentimento barroco, a que misteriosa sugestao pode obedeceresse bıpede pensante, dotado de uma vontade, ao que se diz, e que se vai,orgulhoso de seu direito, certo de que cumpre um dever, colocar numaurna eleitoral qualquer uma cedula qualquer, pouco importa o nome queesteja nela escrito?. . . o que ele deve dizer para si mesmo que justifiqueou apenas explique seu ato extravagante? o que espera? Pois, enfim,para consentir em se dar amos avidos que o espoliam e o golpeiam, epreciso que ele se diga e que espere algo de extraordinario que nos naoimaginamos. E preciso que, por poderosos desvios cerebrais, as ideias dedeputado correspondam nele a ideias de ciencia, justica, devotamento,trabalho e probidade. E e isso que e verdadeiramente pavoroso. Nadalhe serve de licao, nem as comedias mais burlescas, nem as mais sinistrastragedias.

O que lhe importa que seja Pedro ou Joao que lhe peca seu dinheiroe que lhe tome a vida, visto que ele e obrigado a despojar-se de um edar a outros? Pois bem! Nao. Entre seus ladroes e seus algozes, eletem preferencias, e vota nos mais rapaces e mais ferozes. Votou ontem,votara amanha, votara sempre. Os carneiros vao ao matadouro. Nadadizem, nada esperam. Mas eles ao menos nao votam no acougueiroque os matara, e no burgues que os comera. Mais besta que as bestas,mais ovino que os ovinos, o eleitor nomeia seu acougueiro e escolhe seuburgues. Ele fez revolucoes para conquistar esse direito.

Parafrase para a plataforma religiosa

Uma coisa que me surpreende prodigiosamente − ousarei dizer queela estupefica-me − e que, no momento cientıfico em que escrevo, aposas inumeraveis experiencias, apos os escandalos cotidianos, ainda possaexistir em nosso Paıs uma ovelha, uma unica ovelha, esse animal irra-cional, inorganico, alucinante, que consente atrapalhar seus negocios,seus sonhos ou seus prazeres para sentar-se em um banco de igreja.Quando refletimos por um instante, esse surpreendente fenomeno naoe feito para desconcertar as filosofias mais sutis e confundir a razao?Onde esta o Balzac que nos dara a fisiologia da ovelha moderna? E oCharcot que nos explicara a anatomia e as mentalidades dessa incuraveldemente? Nos o aguardamos.

Compreendo que um escroque encontre sempre acionistas, a Censurados defensores, a Opera-Comica dos dilletanti; compreendo o sr. Chan-tavoine obstinando-se a encontrar rimas; compreendo tudo. Mas queum pastor, ou um padre, ou ate mesmo o Papa, ou qualquer um, entretodos os estranhos farsantes que reinvidicam falarem em nome de Deus,qualquer que seja, encontre uma ovelha, quer dizer o ser inimaginado,o martir improvavel, que vos nutre com seu pao, veste-vos com sua la,

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engorda-vos com sua carne, enriquece-vos com seu dinheiro, com a unicaperspectiva de receber, em troca dessas prodigalidades, um lugarzinhono ceu; na verdade, isso ultrapassa as avaliacoes ja bastante pessimistasque eu havia feito ate aqui da estupidez humana.

E evidente que falo aqui da ovelha advertida, convicta, da ovelhateorica, daquela que imagina, pobre diabo, agir como cidada livre, exibirsua soberania, exprimir suas opinioes, impor − o loucura admiravel edesconcertante − programas religiosos e reinvidicacoes sociais, e nao daovelha “que a conhece” e que zomba disso.

Falo das serias, das austeras, das ovelhas carolas, dessas que sentemuma embriaguez apoderar-se delas quando se olham e se dizem: “Soude Jesus! Estou salva. Sou a base da Nova Jerusalem.” Como aindaha gente dessa natureza? Como, por mais cabecudas, por mais orgu-lhosas, por mais paradoxais que sejam, nao se sentiram, desde ha muito,desencorajadas e envergonhadas por sua estupidez? Como pode aconte-cer que se encontre algures, mesmo nos longınquos espacos perdidos daBretanha, mesmo nas inacessıveis cavernas das Cevenas e dos Pirineus,um simplorio carneiro assaz estupido, assaz despropositado, bastantecego ao que se ve, bastante surdo ao que se fala, para sentir-se cristao,mulcumano ou hindu, sem que nada o obrigue a isso, sem que se lhepaguem ou sem que o embriaguem?

A que sentimento barroco, a que misteriosa sugestao pode obedeceresse bıpede supostamente pensante, dotado de uma vontade, ao que sediz, e que se vai, orgulhoso de seu direito, certo de que cumpre um dever,colocar num envelope qualquer uma cedula qualquer, pouco importa adenominacao que esteja nele escrito?. . . o que ele deve dizer para si mesmoque justifique ou apenas explique seu ato extravagante? o que espera?Pois, enfim, para consentir em se dar pastores avidos que o espoliam eo golpeiam, e preciso que ele se diga e que espere algo de extraordinarioque nos nao imaginamos. E preciso que, por poderosos desvios cerebrais,as ideias de pastor correspondam nele a ideias de honestidade, decencia,devotamento, trabalho e probidade. E e isso que e verdadeiramentepavoroso. Nada lhe serve de licao, nem as comedias mais burlescas, nemas mais sinistras tragedias.

O que lhe importa que seja Edir Macedo ou Valdemiro que lhe pecaseu dinheiro e que lhe tome a vida, visto que ele e obrigado a despojar-se de um e dar ao outro? Pois bem! Nao. Entre seus ladroes e seusalgozes, ele tem preferencias, e escolhe os mais rapaces e mais ferozes.Escolheu ontem, escolhera amanha, escolhera sempre. Os carneiros vaoao matadouro. Nada dizem, nada esperam. Mas eles ao menos naoescolhem o acougueiro que os tosquiara, e o burgues que os comera.Mais besta que as bestas, mais ovino que os ovinos, o religioso escolheseu papa assassino e escolhe seu lobo devorador em pele de cordeiro. Eleesta “protegido” pela Constituicao Federal e exige esse direito.

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Conclusao

A mente possui uma propensao natural a interpretar, a engendrarsignificados, a construir “sentido” para os eventos . . . esta e uma pro-priedade da mente. (Gentil)

O leitor tera captado a essencia deste capıtulo se entender que todoDeus − i.e., toda concepcao divina − e uma construcao humana, veja nova-mente:

(Mente)

Deus

...

ConfucionismoHinduısmoBudismo

Taoısmo

JudaısmoIslamismo

Cristianismo

Deus antes do Prisma(O NADA (VAZIO)/ABSOLUTO

)

Todas estas

concepc~oes

da divindade

passaram pela

mente de algum

homem

Quando digo que todo Deus e uma construcao humana quero tambemdizer que Deus se manifesta conforme a epoca e lugar (Espaco-tempo) e,portanto, de acordo com uma dada cultura; por exemplo, o Deus cristaoe um Deus pessoal por conta de que Jesus era judeu, digo, recebeu estacicatriz da cultura judaica.

Sendo assim, padres e pastores nao devem ter o monopolio sobre Deus,nao tem o direito de serem tao estupidos ao ponto de acharem que suaspobres concepcoes do divino sejam superiores a todas as outras.

Nao devemos esquecer de que “tudo esta na mente ”, o que tem comoconsequencia que Deus “esta na mente ”. Veja bem, muito do que coloco emmeus escritos e resultado de vivencia, de experimentos, posso afirmar isto.Me tomo como um “campo experimental”, e vou realizando meus “experi-mentos”, precisamente dentro deste contexto, veja que interessante:

Ao acordar para si e manter-se em tal estado, este consolida os fun-damentos da liberdade e, portanto, da possibilidade de ser e construir suaessencia. Por isso Sartre, nesse ponto, acertou, ainda que exagerando,ao dizer que o homem e pura liberdade, o que constitui um gigantescodesafio; o desafio de construir e consolidar progressivamente sua indivi-dualidade, sua pessoa, de forma determinante e aberta, a partir do vazioindeterminado da consciencia. O homem e, de fato, uma “obra” aberta(que se faz a si mesma, autocriadora), essencialmente inacabada, ilimi-tada, destinada ao infinito, sempre por se fazer, para cada vez Ser mais(ou “existir” cada vez com mais intensidade e amplidao).

(Marcelo Malheiros/[4], p. 147)

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Gentil 111

Tenho experimentado o que o autor afirma acima. No que diz respeito aomeu caso particular esta liberdade de autocriacao envolve ate mesmo Deus;isto mesmo, sinto que dentro de mim (em minha mente) esta sendo gestado −com minha participacao − um novo Deus, e o que decorre da equacao divina.Isto tudo como decorrencia de minha insatisfacao com o Deus oferecido pelasreligioes. Ademais, e evidente que o “meu Deus”, ao qual me refiro, nao euma construcao meramente arbitraria, mas sim fundamentado em pesquisas,reflexoes e experimentos − meditacao, por exemplo.

Ate o presente momento acho que posso resumir “meu Deus” , comodecorrencia (corolario) da equacao divina, do seguinte modo:

(Gentil)

DeusTao

Vazio

Luz Branca

Deus + Gentil = Tao⊕Vazio

O sımbolo “⊕”, em nosso contexto, representa uma “adicao”, denomi-nada “ou exclusivo”, dada assim:

a ⊕ b = a ou b, mas nao ambos.

O que significa que essa adicao pode resultar em uma de duas possibilidades“a depender da escolha do experimentador ”.

Um exemplo onde ocorre essa adicao e na conhecida ilusao de otica:

na qual podemos enxergar uma jovem (digamos, a) ou uma bruxa (digamos,b), a depender da escolha do observador. E esse o significado da equacaodivina:

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Deus + Gentil = Tao ⊕ Vazio

Ou seja, posso ver Deus tanto como Tao (p. 97) como quanto o “Vazio”,a depender de minha escolha (decisao).

Nota: Estou fazendo uma distincao entre o Vazio e o Vazio. O primeirorefere-se a “O Vacuo, o Nada, berco de todos os Possıveis ” (p. 78, p. 79), osegundo refere-se a um estado de “mente vazia” − uma Consciencia pura-mente contemplativa (completa ausencia de pensamentos) − que se alcancaatraves da meditacao, por exemplo.

Adendo: Depois de escrever a nota acima me deparei com o seguinte texto(que nao constava em uma versao anterior deste capıtulo) que corrobora demodo admiravel minha tese:

Na verdade, a mesma fonte (o Nada, o Vazio, o Abismo sem fim)que e o fundamento do Universo existe igualmente dentro do indivıduo,com a mesma potencialidade, pois ha um so vazio, um so Absoluto∗. Ovazio no homem e o mesmo vazio em Deus. (A Potencia do Nada, p. 186)

De uma outra fonte independente:

Assim, o vacuo tem a mesma estrutura fısica da consciencia humana,caso tambem esta surja de um condensado de Bose-Einstein.

(Danah Zohar/[8], p. 285)

Nota: Os estados da materia mais conhecidos sao: solido, lıquido e gasoso;existem outros alem destes, o condensado de Bose-Einstein e um deles.

Introduzirei a seguinte simplificacao em minha equacao divina:

Deus + Gentil = Tao ⊕ Vazio︸ ︷︷ ︸

DG (Deus Gentil)

Entao:

Deus + Gentil = DG

Em funcao da hierarquia entrelacada (p. 89) sou eu quem determina aforma, ou modo, de me relacionar com meu Deus. Por exemplo, decidi naote-lo como meu “Senhor ”, nao sou seu servo, sou seu Amigo e colaborador ;

∗E interessante observar que os conceitos de Samadhi, iluminacao, Satori referem-se aestados de consciencia − ou estados de Ser − que se ajustam perfeitamente a nocao devazio e, ao mesmo tempo, de plenitude. Na vacuidade − ou na consciencia (esvaziamentoda mente) do vazio − esta a plenitude do absoluto, que e silencio total e completa perfeicaoe beatitude.

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Gentil 113

decidi nao da-lhe 10% do meu salario (dızimo), DG nao necessita de din-heiro, nem mesmo para a construcao de templos uma vez que ele, sendoo Vazio, nao possui ego, nao necessita ser adorado. Nao existe “evange-lizacao”.

DG nao se ira, nao se vinga, nao castiga. As igrejas dizem que pecadoe uma ofensa cometida contra Deus e que deve ser reparada de algumaforma, inclusive doacoes aos padres e pastores. Nesta perspectiva nao souum pecador uma vez que DG nao e um ego; digo, mesmo que eu queira naoconsigo ofende-lo. Nao preciso me humilhar para ser perdoado.

Tenho meus erros, no entanto, como DG nao tem ego, estes nao seconfiguram como pecados, posso ve-los como oportunidades de crescimento,de aprendizado. Um pai nao tem os erros de um filho como pecados.

Nao preciso me ajoelhar e rezar a DG, como disse, minha relacao comEle e a de Amigo . . .

Resumindo: Deus e uma construcao mental, sua ou de autoridades (Pa-pas, pastores, Escrituras, etc.) . . . Cada um tem o Deus que merece.

Adendo: Apos varios dias da conclusao deste capıtulo, ja na finalizacaodo livro, me deparei com uma preciosa joia que vem confirmar de modoadmiravel meu pensamento exposto acima, afirma ela:

Todo ser humano tem o potencial de ser um deus − porque ele pode setornar iluminado, pode se tornar pura consciencia. E isso que um deusvai significar no futuro. No passado, Deus era o criador. No futuro,Deus sera a criacao da consciencia humana. Ele sera o mais alto picoda celebracao humana, da luminosidade humana, da luz humana.

(Osho/O Rebelde, p. 64/Editora Gente)

Coloco em destaque − em harmonia com o contexto de minha equacao:

“No passado, Deus era o criador. No futuro, Deus sera a criacao daconsciencia humana.”

Na verdade Deus sempre foi uma criacao da mente humana, o homem eque nao havia se dado conta disto. No futuro mais pessoas estarao cons-cientes desta assertiva.

O Deus de judeus e cristaos, Jeova, foi uma construcao (simbiose, hierar-quia entrelacada) de um contexto cultural, de uma epoca, este Deus deixoude existir ha milenios, ja Jesus trouxe (gestou) um novo Deus, O Pai; epossıvel que Ele nao tenha se dado conta disto.

Jeova ainda existe apenas na mente de padres, pastores e ovelhas − osfosseis vivos. Para os fas de Elvis, “Elvis nao morreu”, o mesmo se passacom os “fas de Jeova”, a exemplo das proprias Testemunhas de Jeova.

A loucura dos papas: Neles a sabedoria eclipsou-se de vez. Agora,sob meu influxo, vivem como prıncipes em meio ao poder absoluto. Den-tro da riqueza, dizem que representam Cristo, que era pobre.

(Erasmo de Rotterdam/Elogio da Loucura/Col. Pensamento & vida)

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Esta pagina ficaria em branco (ociosa), decidi aproveita-la para justificara afirmativa que fiz na p. 39 de que na fısica de Einstein 1 + 1 6= 2.

Suponhamos um observador O fixo em relacao ao solo, e um vagaomovendo-se com velocidade v em relacao ao solo. Dentro do vagao ha umabola que se move com velocidade u.

∼≀

qO

· ·v

u

Sendo assim, Galileu nos diz que: V = v + u.Onde, V : velocidade da bola para o observador no solo.Einstein, respaldado em seu segundo postulado∗, corrigiu a adicao de

Galileu da seguinte forma:

V =v + u

1 +v · uc2

Onde c = 3 · 108 (m/s) e a velocidade da luz. Tomando u = v = 1 teremosque para Galileu 1 + 1 = 2, ja para Einstein 1 + 1 6= 2. De fato,

V =1 + 1

1 +1 · 1

(3 · 108)26= 2 (3.1)

Claro, os fısicos argumentariam que “para todos os fins praticos” 10−16 =0 e aı as duas adicoes coincidem. Primeiro que arredondamento e sempreuma opcao, nunca uma obrigacao. Segundo, nao trata-se de arredonda-mento, e uma questao conceitual. Por exemplo, “para todos os fins praticos”π = 3, 14159265359, entretanto conceitualmente o numero da esquerda e ir-racional e o da direita racional.

A fısica de Newton-Galileu nao e um caso particular da de Einstein.So existe uma maneira de obter 1 + 1 = 2 na fısica de Einstein, devemos

fazer 10−16 = 0, o que implicaria 1 = 0 (multiplicando por 1016). Logo,estabelecemos (na fısica de Einstein):

Se 1 + 1 = 2 entao 1 = 0. Mas isto equivale a: Se 1 6= 0 entao 1 + 1 6= 2.

An passant, gostaria de deixar aqui um questionamento aos fısicos. Amatematica nos diz que a adicao de vetores obedece a regra do paralelogramo,dada por | ~V |2 = | ~u |2 + |~v |2 + 2 | ~u | · |~v | · cos θ. Esta equacao para θ = 0o

torna-se | ~V | = | ~u |+ |~v |. Tomando u = v = 1 teremos | ~V | = | 1 |+ | 1 | = 2,contrariando (3.1)!

Entao velocidade nao e um vetor na fısica de Einstein?∗A velocidade da luz no vacuo tem o mesmo valor c em qualquer referencial inercial,

independentemente da velocidade da fonte de luz.

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Capıtulo 4O TEOREMA DE RUSSEL

Apenas Ele que e O Senhor dos ceus

sabe. Apenas Ele sabe, ou talvez nem

Ele saiba! (Rig Veda, X)

4.1 Introducao

Inicio essa introducao com uma pergunta: por que existem ateus e agnosti-cos? Ou ainda, por que cresce o numero de ateus e agnosticos no mundo?Dentre algumas possıveis respostas gostaria de destacar uma: porque exis-tem pessoas que raciocinam, que vao alem do trivial. E notorio que a ca-pacidade de raciocınio humana se expande ao longo dos seculos, veja-se porexemplo as ciencias. Logo, as religioes (concepcoes divinas) que serviram aohomem do passado − e ainda servem a muitos que “vivem no passado” −ja nao servem aqueles que evoluiram em capacidade de raciocınio.

Volto a colocar em destaque uma observacao da filosofia que tem, amiude,me despertado um grande fascınio por sua densidade e riqueza de corolarios:

Deformamos o real porque o apreendemos espontaneamente atravesde nossas impressoes sensıveis, de nossos desejos, nossas paixoes, nos-sos interesses, nossos habitos, em suma, atraves de tudo aquilo que nosconfina nesse reino de ilusoes em que, impotentes para ver os objetoscujas sombras nao passam de sombras, ignoramos que elas sao sombrase as tomamos por realidade. (Simone Manon,[9])

Seguirei apenas um veio desta profunda observacao. Inicialmente a deque o real inclui ate mesmo Deus. Aqui encontra-se a explicacao para amultiplicidade de Deuses construidos pelo homem: “impressoes sensıveis ”,desejos, paixoes, interesses, habitos, etc., em suma ego.

Isto e bastante visıvel na historia de todas as religioes.

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Uma gota d’agua e uma gota d’agua?

Uma gota d’agua e uma gota d’aguaquando vista a “olho nu”, quando vista sobas lentes de um potente microscopio . . . umaoutra realidade torna-se manifesta − Por e-xemplo, na figura ao lado vemos uma gotad’agua hospedando dois protozoarios.

Neste capıtulo estaremos examinando Deus sob o “zoom” de uma lentebem mais potente que o de uma lente comum (“olho nu”).

Uma caracterıstica bem acentuada dentro das religioes, a comecar pe-los lıderes, e a apropriacao imediata da realidade por suas “impressoessensıveis ”. Por um lado de fato eles tem razao: uma gota d’agua e taosomente uma gota d’agua (ou uma pedra e tao somente uma pedra). Poroutro pecam pelo fato de que suas parcas capacidade de analise (miopia)nao lhes permitem ver que dentro de uma gota d’agua um outro universo sedesdobra. Pois bem, esse “nıvel de interacao” com a realidade, esta espon-taneidade toda, e precisamente a mesma com que padres, pastores e ovelhaslidam com a realidade, em particular com o universo da espiritualidade; ecom esse grau de miopia que eles se acercam da Bıblia e de tudo o mais.

Todo homem que for dotado de um espırito filosofico ha de ter opressentimento de que, atras da realidade em que existimos e vivemos,se esconde outra muito diferente e que, por consequencia, a primeira naopassa de uma aparicao da segunda. (Nietzsche)

A historia, da ciencia em particular, registra com sobejos exemplos quea evolucao da humanidade deve seus melhores frutos nao aos satisfeitos,aos adormecidos − como os que se encontram dentro das religioes − masao contrario, aos insatisfeitos, aos crıticos dos sistemas, nao obstante asperseguicoes e excomunhoes sofridas por estes.

E neste contexto que afirmo que os ateus e agnosticos, com suas crıticasnao raro pertinentes, tem dado uma maior contribuicao a “causa de Deus”que os proprios religiosos, no sentido de que forcam aos homens de boa von-tade − a exemplo de Nietzsche, Espinoza e Russel − a purificarem o conceitode Deus de todas as escorias e incrustacoes inseridas pelas religioes infantise primitivas − Um exemplo disto foi o Iluminismo, com a contribuicao deVoltaire (1694− 1778), resgatando o homem do Perıodo das Trevas, fomen-tado pela “Igreja de Deus ”.

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Por exemplo, Bertrand Russel, um agnostico, afirmou:

O mundo em que vivemos pode ser compreen-dido como resultado de uma trapalhada e de um aci-dente; mas, se resultou de um proposito deliberado,tal proposito deve ter partido de um demonio. Deminha parte, acho o acidente uma hipotese menospenosa e mais plausıvel. ([1], p. 58)

Claro, para os religiosos esta declaracao e motivo de escandalo, de blasfe-mia, entretanto foi o que enfatizei no primeiro capıtulo, as religioes tentamconvencer seus adeptos de que “tudo no mundo de Deus e belo”, enfatizamapenas uma das faces da ilusao de otica, veja:

(Religi~oes)(Russel)

Porque Deus amou o mundo

de tal maneira que deu o seu

Filho unigenito, para que todo

aquele que nele cre nao pereca,

mas tenha a vida eterna.

E comeras o fruto do teu ven-

tre, a carne de teus filhos e de

tuas filhas, que te der o Sen-

hor, teu Deus, no cerco e no

aperto como que os teus inimigos

te apertarao. (Dt 28 : 53)

Russel focaliza a outra face, a da velha bruxa. Ao inves de uma rejeicaoimediata e intempestiva a sua afirmacao; ou envia-lo a fogueira como seria dodesejo de muitos religiosos∗, vamos analisar mais detidamente sua propostatendo em vista que nao creio que um eminente cientista, e honesto ao que meparece, seja capaz de uma afirmacao leviana e irresponsavel, como poderiaparecer numa “apreensao sensıvel ” − emocional.

Do enunciado acima podemos destacar o seguinte teorema matematico.

Teorema 1 (Bertrand Russel). Se o mundo resultou de um proposito de-liberado, entao o criador e um demonio.

Prova: O mundo, segundo nos dizem, foi criado por um Deus nao sobom, como onipotente. Antes de ele haver criado o mundo, previu toda dor etoda miseria que o mesmo iria conter. E ele, pois, responsavel por tudo isso.E inutil argumentar-se que o sofrimento, no mundo, e devido ao pecado.

Em primeiro lugar, isso nao e verdade: nao e o pecado que faz com queos rios transbordem ou que os vulcoes entrem em erupcao. Mas, mesmoque fosse verdade, isso nao faria diferenca. Se eu fosse gerar uma criancasabendo que essa crianca iria ser um homicida manıaco, eu seria responsavelpelos seus crimes. Se Deus sabia de antemao os pecados de que cada homemseria culpado, Ele foi claramente responsavel por todas as consequencias detais pecados, ao resolver criar o homem. (ibid., p. 22-23) �

∗Russel foi nomeado professor de filosofia do City College, Nova York, em 1940; os reli-giosos da cidade, a frente o Bispo Manning, da Igreja Episcopal Protestante, orquestraramuma sordida campanha contra sua nomeacao que acabou nao se efetivando.

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Um pequeno complemento de uma outra fonte independente:

Se Deus nos fez (assumindo por um momento o ponto de vista teısta),entao supostamente nossa nocao de certo e errado vem dele. Se este eo caso, nao ha outra nocao de certo e errado que nao a dele. Se ele fazalgo errado, entao e culpado pelos proprios princıpios de julgamento queele nos deu como seres humanos conscientes. E assassinar bebes, matarmultidoes de fome e permitir − ou causar − genocıdios e errado.

(Bart D. Ehrman/[5], p. 241)

E o que eu disse: ninguem tem culpa de raciocinar. E por que pas-tores, padres, os “doutores teologos” de modo geral, nao vao alem de seuscatecismos infantis estudados em suas faculdades de teologia?

Sao muitos os interesses em jogo, a exemplo dos que apontei a respeitodo pastor Zacarias (p. 92).

E que as religioes anestesiam o cerebro de suas ovelhas mostrando-lhesapenas o “lado belo da vida”, o lado “amoroso” da criacao de Deus − digo,do que eles entendem por Deus.

Uma cantiga de ninar com que eles adoram embalar o sono das ovelhase aquela: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que . . . ”

Russel, que se utiliza da “visao” de um potente microscopio, nos faz verque nao e bem assim. Um animal se alimentar de um outro animal que tipode amor esta em jogo?

Teorema (Russel): Se o mundo resultou de um proposito deliberado, entao o criador e um demonio.

Refletindo um pouco sobre as cenas a seguir∗

Teorema (Russel): Se o mundo resultou de um proposito deliberado, entao o criador e um demonio.∗Na figura da esquerda um abutre esta apenas esperando a crianca morrer − ou nem

tanto − para se alimentar.

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fica difıcil de acreditar em um “Deus de amor ” como o que as igrejas uti-lizam para escalpelar as incautas ovelhas.

Veja, tu que te encontras confinado em uma das gaiolas cristas, setentares justificar as imagens acima − quaisquer que sejam teus argumentos− atenta para o fato de que estas apenas “deformando o real por conta deteus desejos, de teus interesses e de teus condicionamentos religiosos ”, se-ria uma atitude insana, tresloucada, tentar salvar o “Pai de amor” pregadopelas religioes infantis.

Por outro lado, reflitamos sobre o seguinte: se um engenheiro entregaum edifıcio para que seus moradores o ocupem e o mesmo desaba sobre suascabecas, a quem devemos culpar?

De modo similar, se um “designer inteligente” entrega um “pequenoasteroide chamado terra” as suas amadas criaturas e este desaba sobre suascabecas, haveremos de concluir que este designer de fato e inteligente? queama suas criaturas incondicionalmente?

− Corpos mutilados e empilhados em terremoto no Haiti (12.01.2010)

Teorema (Russel): Se o mundo resultou de um proposito deliberado, entao o criador e um demonio.

ASSIM, os ceus, e a terra, e todo o

seu exercito foram acabados. E havendo

Deus acabado no dia setimo a sua obra,

que tinha feito, descansou no setimo dia

de toda a sua obra, que tinha feito.

E disse ele: Eu sairei e serei um

espırito de mentira na boca de todos os

seus profetas. E ele [Deus] disse: Tu o

induziras e ainda prevaleceras; sai e faze

assim. (1 Rs 22 : 22)

Se a Bıblia foi inspirada por Deus, como nos dizem os cristaos, deveremosconcluir que tambem neste caso Deus utilizou-se de um espırito mentirosopara atingir seus propositos?

Deus deveria esta cansado e deu a sua obra por acabada antes do tempo.

Diante destas imagens fica facil de entender a seguinte contradicao entreos “atributos” de Deus: Se Deus e todo-poderoso, ele nao pode ser bom, ese ele e bom, entao nao pode ser todo-poderoso.

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4.2 O Teorema de Russel visto da perspectiva bıblica

Observe que a tese do teorema de Russel, demonstrada utilizando-se ape-nas o raciocınio, recebe um forte apoio da propria Bıblia, senao vejamos:

1o ) Jeova atraves do seu sacerdote Arao sacrifica animais:

E degolaras o novilho perante o Senhor, a porta da tenda da con-gregacao. Depois tomaras do sangue do novilho, e o poras com o teudedo sobre as pontas do altar, e todo o sangue restante derramaras abase do altar. (Ex 29 : 11− 12)

Os cristaos dizem-nos que o sacrifıcio de cordeiros apontava para o sa-crifıcio de Jesus: “Eis o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”;digamos que sim, mas e o sacrifıcio de bodes e novilhos?

2o ) Jeova se agrada do aroma dos animais sacrificados a Ele:

Entao oferecereis ao Senhor por holocausto, em cheiro suave, doisbezerros, um carneiro e sete cordeiros de um ano. (Nm 28 : 27)

3o ) Como nos terreiros, nas oferendas a Jeova tambem havia a presenca debebidas alcoolicas

E a sua libacao sera a quarta parte de um him para um cordeiro; nosantuario, ofereceras a libacao de bebida forte ao Senhor. (Nm 28 : 7)

Ou ainda: As tuas primıcias e os teus licores nao retardaras; o pri-mogenito de teus filhos me daras. Assim faras dos teus bois e das tuasovelhas; sete dias estarao com sua mae, e ao oitavo dia mos daras.

(Ex 22 : 29, 30)

4o ) Da sanha assassina de Jeova nao escapa nada, inclusive idosos, criancase animais:

Entao certamente feriras ao fio da espada os moradores daquelacidade, destruindo ao fio da espada a ela e a tudo que nela houver, ateos animais. (Dt 13 : 15)

5o ) Jeova conta com espıritos mentirosos dentre sua “equipe de trabalho”.

E disse o Senhor: Quem induzira a Acabe a que suba e caia emRamote-Gileade?

Entao saiu um espırito, e se apresentou diante do Senhor, e disse:Eu o induzirei. E o Senhor lhe disse: Com que?

E disse ele: Eu sairei e serei um espırito de mentira na boca de todosos seus profetas. E ele disse: Tu o induziras e ainda prevaleceras; sai efaze assim. (1 Rs 22 : 20− 22)

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6o ) Jeova aceita sacrifıcio humano. Pelo ao menos uma virgem foi sacrifi-cada a Jeova. O livro de Juızes, capıtulo 11, relata que um guerreiro, Jefte,faz um pacto com Jeova e, ao final, tem que sacrificar a propria filha.

E sucedeu que, ao fim de dois meses, tornou ela para seu pai, o qualcumpriu nela o seu voto que tinha feito; e ela nao conheceu varao.

(Jz 11 : 39)

Observe que sacrificar seres humanos aentidades malignas em troca de favores naopertence ao passado remoto da humanidade.Com efeito, ainda hoje − em nossos dias,enfatizo − em paıses africanos como Ugandae Quenia criancas sao sacrificadas em rituaisdirigidos a entidades malignas, os favores pedidos aos feiticeiros vao desdeenriquecimento facil a eleicoes de polıticos inescrupulosos.

Sacrifıcios humanos aplacam a ira de Jeova:

Disse o Senhor a Moises: Toma todos os cabecas do povo e enforca-osao Senhor diante do sol, e o ardor da ira do Senhor se retirara de Israel.

(Nm 25 : 4)

Por oportuno, a estas alturas, a passagem do Exodo citada acima (Ex

22 : 29, 30) nos faz desconfiar de que primogenitos eram sacrificados junta-mente com bois e ovelhas, seria isto mesmo?

E o que tenho dito: pastores, padres, e os doutores teologos sao covardes,tem medo de seguirem as “trilhas da razao”, tremem so de pensar onde elaspoderao levar-lhes; estao plenamente satisfeitos com um “Deus Bom”, umDeus que veio derramar seu sangue em remissao de seus pecados (que naosao poucos, lembramos) − alem de que o Deus Jeova tem se mostrado assazconveniente para fundamentar todas estas estruturas parasitarias. Nunca edemais lembrarmos Nietzsche:

Enganar-se-ia uma pessoa meio a meio, se se presumisse uma faltade inteligencia nos chefes do movimento cristao: − Ah! sao astutos atea santidade os senhores padres da Igreja! o que lhes falta e outra coisamuito distinta. A natureza descuidou-se, esqueceu-se de os dotar, aomenos modestamente, de instintos convenientes e “limpos. . . ”

Seja dito entre nos, nao sao nem sequer homens. . .

A proposito, existe um problema teologico − portanto da alcada dospusilanimes que vestem batina e paleto − que desafia “todos os doutoresteologos ” ha pelo ao menos 2.500 anos, proposto por um dos grandes filosofosda Grecia antiga, Epicuro:

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Deus quer impedir o mal, mas nao consegue? Entao ele e impotente.

Ele e capaz, mas nao quer? Entao ele e malevolo.

Ele e capaz e quer? Donde, entao, o mal?

E precismente esta a razao do crescente numero de ateus e agnosticosno mundo: a medida que os seculos transcorrem o raciocınio aumenta e aconcepcao de Deus permanece a mesma de ha seis mil anos atras, ha umadefasagem muito grande. E em funcao da expansao do raciocınio as con-tradicoes de ha muito tornaram-se manifestas, e neste contexto que afirmoque “o Deus das religioes esta morto para os vivos e vivo para os mortos! ”.

Apalpamos as paredes como cegos;

sim, como os que nao tem olhos andamos

apalpando; tropecamos ao meio dia como

no crepusculo, e entre os vivos somos

como os mortos. (Profeta Isaıas 55 : 8)

Essa descricao (termometro) da espiritualidade do “povo de Deus” naepoca do profeta continua tao atual quanto antes.

Assim como um peixe definha e morre fora da agua de igual modo ummatematico sente-se asfixiar-se dentro de qualquer sistema que envolva umresquıcio de contradicao − e a maiorias das concepcoes divinas, incluindo acrista envolve contradicoes −, se ele for um cientista honesto, audaz, aindanao contaminado com os dogmas eclesiasticos, so tera duas opcoes: ou aban-donara o sistema ou tentara remover as contradicoes.

Ai, meus irmaos, esse deus, que eu criei, era obra humana e delıriohumano, igual a todos os deuses!

Homem era ele, e apenas um pobre pedaco de homem e de eu: deminha propria cinza e brasa ele veio a mim, esse espectro, e − em ver-dade! Nao me veio do alem!

O que aconteceu, meus irmaos? Eu me superei, a mim sofredor, eulevei minha propria cinza a montanha, uma chama mais clara inventeipara mim. E vede! O espectro se afastou de mim!

(Nietzsche/Assim Falou Zaratustra)

Esclareco ademais que, devido aos meus longos anos de treinamento emmatematica − em demonstracoes notadamente − meu esquema de pensa-mento se resume quase que na demonstracao de um teorema.

Devo arregimentar “tudo” o que possa contribuir para a demonstracaode minha tese. No “tudo” esta incluido o que eu achar pertinente e relevanteao contexto.

Feito este preambulo devo surfar apenas nas ondas da logica sem temera que porto elas me conduzirao; se, dos meus argumentos, resultar que Deuse o Diabo sao a mesma entidade, entao sao!

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4.3 Limpando Deus das incrustacoes parasitarias

Uma chama mais clara inventei para

mim. E vede! O espectro se afastou de

mim!

Ao longo da historia foram dadas varias “provas ” da existencia de Deus,inclusive por alguns dos doutores teologos da Igreja. Estas provas, tambemao longo da historia, foram sendo refutadas uma a uma, inclusive por logicose matematicos. Por exemplo, Russel em seu livro ja referido, refuta as provasprincipais. Entendo que nenhuma prova pode iniciar-se sem que antes hajaum consenso sobre o que e Deus, novamente a quest~ao fundamental.

No geral as provas de existencia do Deus cristao − um Deus de amorque enviou seu Filho para “salvar a humanidade” − podem ser refutadasconfrontando-as com a realidade “circunjacente”. (por ex., veja fotos p. 118, 119)

Apenas a tıtulo de ilustracao reproduzirei aqui em meu livro uma destas“provas” e respectiva refutacao.

O Argumento da causa primeira (Russel)

Talvez o mais simples e o mais facil de compreender-se seja o argumentoda Causa Primeira. (Afirma-se que tudo o que vemos neste mundo tem umacausa e que, se retrocedermos cada vez mais na cadeia de causas, acabaremospor chegar a uma Causa Primeira, e que a essa Causa Primeira se da o nomede Deus). Esse argumento, creio eu, nao tem muito peso hoje em dia, emprimeiro lugar porque causa ja nao e bem o que costumava ser. Os filosofose os homens de ciencia tem martelado muito a questao de causa, e ela naopossui hoje nada que se assemelhe a vitalidade que tinha antes; mas, a partetal fato, pode-se ver que o argumento de que deve haver uma Causa Primeirae um argumento que nao pode ter qualquer validade. [. . .] Se tudo tem deter uma causa, entao Deus deve ter uma causa. Se pode haver algumacoisa sem uma causa, pode muito bem ser tanto o mundo como Deus, demodo que nao pode haver qualquer validade em tal argumento. Este, eexatamente da mesma natureza que o ponto de vista hindu, de que o mundose apoiava sobre um elefante e o elefante sobre uma tartaruga, e quandoalguem perguntava: “E a tartaruga?” , o indiano respondia: “Que tal semudassemos de assunto?”. O argumento, na verdade, nao e melhor que este.Nao ha razao pela qual o mundo nao pudesse vir a ser sem uma causa; poroutro lado, tampouco ha qualquer razao pela qual o mesmo nao devesse tersempre existido. Nao ha razao, de modo algum, para se supor que o mundoteve um comeco. A ideia de que as coisas devem ter um comeco e devido,realmente, a pobreza de nossa imaginacao. Por conseguinte, eu talvez naoprecise desperdicar mais tempo com o argumento da Causa Primeira.

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Farei algumas observacoes a respeito do argumento do filosofo. Inicial-mente a de que sua afirmativa quanto a possibilidade de que o mundo sejaeterno encontra eco numa religiao indiana, por nome Jainismo, que ensinaque o universo e eterno e nao possui um criador.

Segundo, ele tem razao ao mencionar que o conceito de causa hoje emdia e debil − nao confiavel. Por exemplo, lemos em um livro moderno deum cientista (fısico quantico):

A propria ideia de causalidade torna-se mesmo suspeita. Uma vezque o comportamento de objetos quanticos e probabilıstico, torna-se im-possıvel uma descricao rigorosa de causa e efeito do comportamento deum objeto isolado. (Amit Goswami/O universo autoconsciente, p. 69)

Mas a frente Russel afirma que todo conceito de causa se deriva denossa observacao de coisas particulares, e completa: nao vejo razao algumapara supor que o total tenha qualquer causa. Ou seja, um numero finitode observacoes em um dado universo nao nos autoriza a generalizar estasobservacoes ao Todo. Como ele mesmo argumenta: “Todo homem que existetem mae, mas, obviamente, a raca humana nao tem mae. . . e eis aı umaesfera logica diferente.”

4.3.1 Analise do teorema de Russel

Um teorema matematico consta de duas partes: a primeira chamada dehipotese a segunda de tese, esquematicamente temos:

Se . . . Entao . . .H T

O enunciado que vem apos o “Se” e a hipotese, o que vem apos o “Entao”e a tese do teorema.

No caso particular do teorema 1 (p. 117), de Russel, temos:

H: O mundo resultou de um proposito deliberado,

T: O criador e um demonio.

Um teorema matematico uma vez demonstrado, demonstrado para sem-pre, nao cabe apelacao − todos sao obrigados, pelas leis da razao, a aceita-lo,sem mais nem menos.

Isto implica, em nosso caso particular, que todos os que admitem que omundo resultou de um proposito deliberado, de um “arquiteto inteligente”,terao forcosamente que admitir que este arquiteto e um demonio, e isto oque nos diz o teorema de Russel.

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4.3.2 Uno, o Deus de Plotino

Creio que nem tudo esta perdido. Ha um unico modo de escaparmos aovaticınio de um teorema matematico: discordando da hipotese do teorema.Uma vez que voce nao concorda com a hipotese de um teorema nao e obri-gado a concordar com a tese do mesmo. No caso em analise isto significaque os que nao crem que o mundo tenha sido planejado estao dispensados daconclusao de que o mundo foi criado por um demonio. “Esta e uma hipotesemenos penosa e mais plausıvel ”, diz Russel.

No que me diz respeito, recuso-me a aceitar a tese do teorema, razaoporque terei que abrir mao da hipotese do mesmo. Isto e, o raciocınio meforca a desistir da ideia de que o universo e obra de um “arquiteto in-teligente”, i.e., que tenha sido planejado.

Estive pesquisando como equacionar esse problema todo (imbroglio).Dentre algumas possibilidades a mais plausıvel, dentro do presente contexto,fui encontrar em um pensador neoplatonico: Plotino.

Segundo Plotino∗, Deus nao cria o Universo . . . Este emana de Deus.Na verdade o Deus de Plotino e chamado de Uno, portanto o Uno gera oUniverso, mas nao o cria. Uma mae gera seu filho, mas nao o “cria”, e nistovai uma grande diferenca. Uma semente gera uma planta, nao a cria.

A este respeito, nos livros do Professor Huberto Rohden lemos a seguinte:

ADVERTENCIAA substituicao da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moder-

no criar e aceitavel em nıvel de cultura primaria, porque favorece a alfabe-tizacao e dispensa esforco mental − mas nao e aceitavel em nıvel de culturasuperior, porque deturpa o pensamento.

Crear e a manifestacao da Essencia em forma de existencia − criar e atransicao de uma existencia para outra existencia.

O Poder Infinito e o creador do Universo − um fazendeiro e criador degado.

Ha entre os homens genios creadores, embora nao sejam talvez criadores.

O Uno de Plotino gera necessariamente, em virtude de sua propria na-tureza, todos os seres do Universo. Todo o Universo emana de Deus.

Na criacao emanatista plotiniana, que, por sua vez, teria sua ins-piracao na ideia emanatista de criacao de Filon de Alexandria, “tudobrota do Uno, nao por um processo deliberativo nem um ato de cons-

∗Filosofo neoplatonico nasceu em Licopolis, no Alto Egito, e, aos 28 anos, dirigiu-separa Alexandria onde foi discıpulo de Amonio Sacas.

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ciencia. Brota em razao de sua superabundacia [. . . ]. a criacao e, pois,consequencia da suprema superabundacia do Uno e de sua capacidade deengendrar. E isso se diferencia profundamente do Deus cristao. [. . . ]Nao ha ato de amor na criacao plotiniana, “ha sim, um amor (eros) doIntelecto e da Alma para com o Uno, mas nao no sentido inverso (comoocorre no cristianismo)”.

Plotino entende que o Uno nao pensa, nem o exterior, porque pensare sempre pensar algo fora, e fora dele nao existe nada; nem mesmo podepensar a si mesmo, porque, se Ele pensasse a si mesmo, introduziria umaimagem de si em si. (Revista SymposiuM)

Compare com Espinoza: “Portanto, Deus nao e transcendente ao uni-verso, nem pode ter personalidade, providencia, livre vontade e propositos.Entao, mesmo o homem bom, apesar de que ame a Deus, nao pode esperarque Deus o ame em retorno.”

A filosofia (cosmologia) de Plotino exerceu forte influencia nos filosofosNietzsche, Santo Agostinho (um dos doutores da Igreja), Heidegger e Berg-son, dentre outros. Foi organizada por seu discıpulo Porfirio de Ly em algunstratados reunidos sob o nome de Eneadas.

Observe que, de passagem, conseguimos debelar o problema que desafiaos doutores teologos das igrejas ha 2500 anos:

Deus quer impedir o mal, mas nao consegue? Entao ele e impotente.

Ele e capaz, mas nao quer? Entao ele e malevolo.

Ele e capaz e quer? Donde, entao, o mal?

Segundo Plotino e Espinoza Deus “nao quer”, uma vez que Ele nao temquerer, digo, nao e uma personalidade.

Deus, diz Einstein, e a Lei. A Lei funciona au-tomaticamente; quem se opoe a Lei Cosmica, se maldiz,se aniquila a si mesmo.

Isto nada tem que ver com um Deus pessoal, com umDeus emocional, que se possa irritar.

Na Lei nao ha amor nem odio, no sentido humano; aLei e essencialmente neutra. A creatura que harmonizacom a Lei, goza; a creatura que se opoe a Lei sofre. (Huberto Rohden/[2])

Um dos conceitos mais difıceis com que os matematicos lidaram duranteseculos − e ate em nossos dias − por incrıvel que pareca foi o de numero.Por exemplo, dentro do ja avancado seculo XIX os matematicos inglesesainda protestavam contra a existencia dos numeros negativos. (Boyer, p. 420)

Pude constatar que o obstaculo principal no entendimento do que seja umnumero e a nao compreensao de que numero e uma entidade essencialmenteabstrata e que nao existe na Natureza, independentemente do homem.

O mesmo acontece no que diz respeito a compreensao do que seja Deus.

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Gentil 127

4.4 Uma Concepcao Cientıfica de Deus

Tudo deve ser baseado em uma ideia

simples. Depois de a descobrirmos ela

sera tao irresistıvel, tao bela, que co-

mentaremos entre nos, sim, nao poderia

ser diferente. (John Wheeler, fısico)

Anteriormente vimos Deus por uma otica filosofica, nesta secao O vere-mos de uma perspectiva mais cientıfica, por assim dizer.

Atualmente eu poderia resumir minha concepcao de Deus na seguinteformula:

DEUS E O “NADA-TUDO”

Bem, so nos resta tentar dirimir esta paradoxal afirmativa. Para tanto eupoderia invocar analogias tanto na fısica quanto na matematica, entretantoreceio que muitos poderiam nao compreender os exemplos dados, razao porque insistirei na analogia do prisma (ou CD-ROM, tanto faz). A Luz Brancae composta de varias cores∗ que se adicionam e produzem uma resultantenula, essa resultante (luz branca) e o que estamos chamando de “Nada” emnossa analogia, veja:

(M.C. )

VermelhoAlaranjadoAmarelo

Verde

AzulAnil

Violeta

Luz Branca

“NADA”

“TUDO”

Deus (Nada, Luz Branca) ao incidir no “Mundo Concreto” resulta no“TUDO”. “NADA-TUDO” significa “o Nada que se transforma (espraia)em Tudo”. Neste contexto podemos entender por mundo concreto toda“materia”, inclusive a consciencia, por conta de que um cientista certa feitaafirmou:

A consciencia e a base de toda a existencia, inclusive da materia edo cerebro, e a ciencia deve ser fundamentada nessa metafısica, e naona metafısica materialista tradicional. (Amit Goswami)

∗Estas cores se traduzem em frequencias de ondas eletromagneticas associadas.

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Assim como a luz ao encontrar um anteparo se desdobra em suas “compo-nentes” (cores), de igual modo o Nada ao entrar (ou tornar-se) na existenciase espraia em tudo que vemos, ate os pensamentos.

Metaforicamente, como eu sugeri, podemos pen-sar o vacuo como um vasto mar; e tudo quanto existe− as estrelas, a Terra, as arvores, nos e as partıculasde que somos feitos −, como ondas nesse mar. Osfısicos denominam tais “ondas” − nos e tudo quantoexiste − “excitacoes” ou “flutuacoes” do vacuo.

(Danah Zohar/[8], p. 284)

E continua:

Nos somos estados excitados do vacuo: Agrandes distancias, o vacuo se mostra placido e liso −como o oceano que parece tranquilo e uniforme quandoo sobrevoamos em um aviao a jato. Porem, em suasuperfıcie, junto dele num pequeno barco, o mar pode ser alto e flutuantecom ondas enormes. De modo semelhante, o vacuo flutua com a criacao ea destruicao dos quanta se o olharmos de perto (. . . ) “O vacuo e tudo nafısica”. (Danah Zohar/[8], p. 284)

Fiz questao de continuar a citacao acima porque achei muita harmo-nia com a descricao sobre a “textura da realidade” feita pelo eminentematematico William Clifford (veja p. 145).

Nota: As duas imagens acima nao constam no original, eu as acrescentei.

Ademais, observe a harmonia entre a descricao da cientista e a intuicaodo mıstico:

(Universo)

0 0 0 = { }

1 0 00 1 0

1 1 0

0 0 1

1 0 1

0 1 11 1 1

+Vacuo

Excitacoes

ou

flutuacoes

do

Vacuo

Assim como um dia a explosao aconteceu e milhoes de coisas nasce-ram a partir do nada, da mesma maneira, quando a implosao acontece,formas e nomes desaparecem, e novamente o nada nasce daı. O cırculoesta completo. (Osho(1931-1990)/Buda, p. 112)

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Gentil 129

Neste contexto volto a lembrar a materia da Super Interessante

exibida na pagina 79, e tambem o efeito Casimir, p. 79.

Podemos ainda afirmar, de uma outra perspectiva, que Deus e o “con-junto de todas as possibilidades” (ou Combinacoes) do Universo e resumimosisto na seguinte formula compacta:

DEUS = { 0, 1 }∞= UNO

Nota: Para maiores detalhes sobre a construcao deste sımbolo veja p. 150.

E aqui reaparece o Uno de Plotino. O sımbolo { 0, 1 }∞ reprenta “o con-junto de todas as possibilidades do Universo” (combinacoes). E o conjuntodas sequencias binaria infinitas, veja:

{0, 1}∞1 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0...

1 10 0

1 10 0

1 10 0

...

0 1 1 1 0 1 0 0 1 1 0 1...1 1 0

1 0 00 0 1

0 1 0...

1 1 0 0 1 1 0 0 1 1 0 0...

1 1 0 0 1 1 0 0 11 0 0...

Plotino entende que

o Uno nao pensa, nem o

exterior, porque pensar e

sempre pensar algo fora, e

fora dele nao existe nada.

As coisas existem pela ne-

cessidade da natureza divina,

sem que Deus faca nenhuma

escolha.

Deus nao e determinado

por sua bondade e perfeicao,

mas pela necessidade de sua

natureza. (Espinoza)

[. . .] cada todo − cada partıcula, cada campo de forca, ate mesmoo proprio continuo espaco-temporal − deriva inteiramente suas funcoes,seu significado, sua propria existencia −, mesmo que, em determinadoscontextos, isto ocorra de forma indireta −, das [. . .] respostas a questoes“sim” ou “nao”, das escolhas binarias, dos bits.

(John Archibald Weeler/fısico)

Se eu tivesse que sintetizar a essencia do Universo, o faria em umapalavra: COMBINACOES. (Ou possibilidades)

As leis da natureza adquirem, entao, um significado novo: nao tratammais de certezas morais, mas sim de possibilidades.

(Ilya Prigogine/O fim das certezas, p. 159)

A proposito, toda a materia constante no universo resulta de combinacoesde alguns elementos quımicos (atomos), estes, por sua vez, sao combinacoesde apenas tres cargas eletricas (protons, eletrons e neutros), etc.

As moleculas de DNA sao combinacoes de quatro bases: A, T, C e G.

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130

Todo o universo da informatica (computacao) deve-se a combinacoes deapenas dois sımbolos: 0 e 1. (ex., A=01000001, Z=01011010)

Deus, o “Nada-Tudo”, o Absoluto, e pura abstracao, para Ele tornar-semanifesto necessita entrar em contato com a “materia-Consciencia”, umavez que:

O tempo linear de nossa dimensao, e de nossa consciencia, constituio mundo onde essas possibilidades ainda nao existentes terao condicaode “existir”, de ser (ser aqui tem o significado“ser um objeto para umaconsciencia”, ser um “outro” que nao essa mesma consciencia, enfim,a alteridade). (A Potencia do Nada, p. 163)

O Deus das religioes contradiz a ciencia

Daqui podemos inferir, como um corolario, que Deus “em si mesmo”(i.e., antes do prisma) nao possui nenhum dos atributos humanos, taiscomo: amor, misericordia, bondade, inteligencia, sabedoria, etc. Todos estesatributos surgem do contato de Deus com o homem; ou ainda, emanam deDeus, contudo, para “existirem” necessitam do homem, veja na analogia doprisma:

(Homem)

Deus

�Deus

AmorMisericordiaBondade

Inteligencia

SabedoriaIra

Depressao

Na realidade o Universo seria

incompleto sem o homem.

(Huberto Rohden)

Certa feita um amigo me confidenciou que “Deus e amor incondicional ”,amor absoluto. Respondi-lhe que nao consigo conceber Deus com algumaespecie de sentimento. O problema com esta tese e que ela nao encontrarespaldo na realidade que observamos ao nosso redor: catastrofes naturais,criancas esqualidas e moribundas em varias partes do mundo. A tese deum Deus de amor incondicional nao se sustenta frente a realidade dos fatos,como ja argumentamos de sobejo.

Ele me argumentou que amor incondicional e aquele que tudo da e nadapede em troca e que so pertence a Deus, nao tem a ver com sentimentos e,por outro lado, “varios autores defendem esta tese”.

Se varios autores defendem essa tese, e possıvel que estes varios autoresestejam equivocados.

Com efeito, creio que Deus tudo dar, sem nada pedir em troca (Deuscrea), nao por Ele ser amor, mas porque e proprio de sua natureza crear.

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Gentil 131

Uma macieira fornece macas aos humanos, nao por ela se derramar deamores pelos homens, mas porque e proprio de sua natureza produzir macas,tanto e que se ela estiver em uma ilha totalmente desabitada, continuariaproduzindo seus frutos do mesmo modo. Uma rosa exala seu perfume, sempedir nada em troca, nao por ela possuir amor incondicional pelos humanos,mas por que e de sua natureza intrınseca exalar perfume, mesmo se nao hou-ver nenhum homem para aprecia-lo.

4.5 Conclusao

[. . . ] Serei eu, talvez, ciumento em

relacao a Stendhal? Ele me tirou a me-

lhor piada de ateu que precisamente eu

poderia ter feito: “A unica desculpa de

Deus e que ele nao existe”.

(Nietzsche/Ecce Homo)

Um esclarecimento: Russel chegou a sua inaudita conclusao apenas seutilizando da faculdade do raciocınio − sinceramente nao creio que muitostenham essa faculdade suficientemente desenvolvida, a exemplo dos que sedeixam tosquiar pelos lobos vestidos em pele de cordeiro, como advertiu oproprio Jesus.

Minhas conclusoes a respeito do Deus Jeova tambem sao frutos de re-flexao e raciocınio; lembro que nao tenho vınculo com nenhuma religiao, souprofessor de matematica e esta e a minha atividade ordinaria. Acontece quetenho afinidades com o domınio da espiritualidade e, desde algum tempo,tenho suspeitado da legitimidade do Deus em questao. E, como a maio-ria tambem nasci catolico, dos 22 aos 26 anos pertenci a uma denominacaoevangelica, de sorte que este foi o Deus que me foi apresentado atraves daBıblia. Sei o quao difıcil e nos limparmos de uma tatuagem que nos im-pingem∗ desde crianca; publiquei em 2011 o livro “O Tao da Matematica:Uma Construcao Matematica de Deus”, no qual desenvolvo uma outra pers-pectiva para a compreensao do Deus Jeova. Ate entao, eu nao contava como “Deus modelo” (Deus-Parens), como disse, este Deus me abriu a mentepara que eu visse Jeova de uma perspectiva radicalmente diferente, em re-sumo: como um Espırito embusteiro, no mınimo. O meu veredicto e queassim como Deus-Parens escraviza uma parte da humanidade, Jeova escravi-za outra.

Pelo que comeco a suspeitar uma das caracterısticas de um espırito em-busteiro e a sua “prontidao em salvar a humanidade”, veja, por exemplo,Deus-Parens:

∗Pode-se ler “lavagem cerebral ”, sem problemas.

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Eu sou o Deus original, o Deus verdadeiro. Nesta casa ha uma predes-tinacao. Desta vez, revelei-me neste mundo para salvar a humanidade.

Um criterio razoavel para se legitimar uma afirmacao e o seu grau deconcordancia com a realidade observada.

Todos os redentores criaram tipos diferentes de escravidoes. Na ver-dade, ninguem pode redimir outra pessoa. A pessoa pode redimir a simesma, mas fingir que “Sou o redentor, simplesmente acredite em mime o salvarei; sou o salvador, o unico verdadeiro salvador”, tem criadoaprisionamento. (Osho)/Veja tambem p. 14

Para os que ainda nao compreenderam o obvio, vejamos uma analogia:e algo semelhante aos vıcios (drogas lıcitas ou ilıcitas), Deus nao ira “sal-var” um dependente se ele nao quiser (vemos muito disto); o que se observa,amiude, e que a determinacao individual e imprescindıvel. Do mesmo modoacontece com a “outra salvacao”.

Quanto ao tıtulo do nosso livro, “Exumacao e julgamento de Deus ”,naturalmente estamos nos referindo ao Deus Ocidental, Deus de Israel,Jeova. Nao ao Deus absoluto (Uno) que e o “Nada”, como poderiamosjulgar o Nada, o Vazio (nao-personalidade)?, nao faria o menor sentido.

A bem da verdade, segundo um professor† de logica-matematica o Vazioe a unica coisa perfeita no universo, lemos em seu livro:

Curiosidade: A perfeicao do Conjunto Vazio

Sobre sua curiosa natureza, dizem que o conjunto vazio e a unicacoisa perfeita no universo.

E o autor prova sua assertiva, assim:

De fato, para ele deixar de ser perfeito, deveria conter alguma im-perfeicao, ou algo nele que fosse imperfeito, mas ele nada contem!

Contraditorio? A nova ciencia ex-

plica: a base da existencia e, ao mesmo

tempo, plena de possibilidades, sim, mas

as possibilidades nao sao “coisas”, e por

isso tambem podem ser chamadas de

nada. (Amit Goswami/[7], p. 83)

Observe que a prova de que o Vazio e a unica coisa perfeita no Uni-verso nos foi dada por um matemamatico − Encontra-se em um livro dematematica. A seguir utilizaremos este importante resultado na teologia,para obter um outro importante resultado.

†Daniel Cordeiro de Morais Filho/“Um Convite a Matematica”.

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4.5.1 A concepcao divina de Jesus e o Vazio

Eu gostaria de aproveitar o presente contexto para fazer uma (nova) exe-gese sobre a seguinte citacao de Jesus:

E, a hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Deus meu,Deus meu, por que me desamparaste? (Mc 15 : 34)

Antes de mais nada devemos admitir que uma passagem bıblica podecomportar “n” interpretacoes distintas, isto nao e necessariamente ruim∗.Segundo, se um pastor, ou um padre, se outorga o direito de reinterpretarum versıculo muitas vezes para escalpelar as incautas ovelhas − como eu javi, e e facil ver, basta ligar a televisao − me concedo o direito de interpretaro versıculo acima de um ponto de vista logico-matematico, para enquadra-loem um “harmonioso mosaico”.

Pois bem, padres e pastores diriam que Jesus foi abandonado por Deuspor conta de que naquele momento todos os pecados da humanidade recaiamsobre seus ombros. Obviamente que essa interpretacao deriva do que elesentendem por Deus e por pecado.

Minha interpretacao vai em outra direcao: O fato de Jesus sentir-seabandonado pelo Pai a mim e prova suficiente de que sua concepcao deDeus estava errada − ou nao suficientemente desenvolvida, como se queira.

Com efeito, so um Deus imperfeito pode abandonar alguem; ao contrario,apenas um Deus perfeito nao abandonaria um filho seu. Como a unica coisaperfeita no Universo e o Vazio deveremos concluir que se quisermos queDeus seja perfeito teremos que identifica-lo com o Vazio. Ademais, observenovamente:

Se quisermos procurar “Deus” na fısica, o vacuo e o melhor lugaronde faze-lo. Enquanto estado basico subjacente de tudo que existe, ovacuo tem todas as caracterısticas do Deus imanente ou da divindade deque falam os mısticos, o Deus interior, o Deus que cria e descobre a Simesmo por meio da existencia em desdobramento de Sua criacao.

(Danah Zohar/[8], p. 286)

A tıtulo de ilustracao, nao creio que Buda, em qualquer circunstancia,viesse a sentir-se abandonado pelo seu Deus, ou por seu “Pai”, veja:

Ele [Buda] chamou o supremo de nada, de vazio, suniata, zero. Ora,como o ego pode fazer do “zero” um objetivo? Deus pode ser transfor-mado num objetivo, mas nao o zero. Quem quer ser um zero? Pois eexatamente isso que tememos ser; todo mundo esta evitando todas aspossibilidades de se tornar um zero, e Buda fez dele uma expressao parao supremo! (Osho/Buda, p. 138/Cultrix)

∗Excecao feita as distorsoes praticadas pelos lobos para tosquiar ovelhas indefesas.

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A estas alturas o leitor poderia esta perguntando: como o Vazio naoabandonaria ninguem?

Tendo em conta que, segundo a fısica quantica, o Vazio e o fundamentode toda a realidade†, e subjacente a toda a realidade, e, tendo em conta queo Vazio ja encontra-se em todo indivıduo (ver p. 112) logo concluiremos que ohomem e quem pode abandonar “O Pai (Vazio)” e nao o contrario. Observeem que sentido me refiro:

Sua mente e lixo e confusao. Limpe-a! Torne-a uma tela em branco.A mente vazia e a melhor mente. E as pessoas que lhe tem dito que amente vazia e a porta de acesso ao demonio sao os proprios agentes dodiabo. A mente vazia esta mais proxima de Deus do que qualquer outracoisa. A mente vazia nao e a oficina do diabo. Ele nao pode agir ondenao ha pensamentos. Com o vazio, o diabo nao pode fazer absolutamentenada. Ele nao tem acesso ao vazio.

(Osho/Criatividade, p. 198/Cultrix)

Conclusao: Jesus, na cruz abandonou o Vazio (digo, o estado de mentevazia), “abriu a retaguarda” aos pensamentos; seu “Pai” (sua concepcao deDeus, antropomorfica) o abandonou na hora em que ele mais necessitava.

Retomando: Uma questao pertinente e: como fazer a passagem do con-junto de “todas as possibilidades ” para o Vazio? Ou ainda, como relacionara equacao

DEUS = { 0, 1 }∞= UNOcom Deus, o Vazio∗? Para tanto vamos nos estribar na seguinte afirmativa:

Quando todas as possibilidades estao incluidas, nao ha qualidade enao ha nada para processar, motivo pelo qual os budistas chamam esseestado de consciencia o Grande Vazio, e os hindus o chamam de nir-guna, sem atributos. (Amit Goswami/[7], p. 229)

Ou ainda, de uma outra fonte independente:

No Nada as possibilidades contra-

ditorias sao simultaneas, e por isso se

anulam reciprocamente. O Nada e, as-

sim, a totalidade simultanea das possi-

bilidades contraditorias.

(Marcelo Malheiros/[4], p. 43)

†Lembramos: “O vacuo e tudo na fısica”, (veja p. 128).∗O Vazio no Universo (Deus) e o mesmo no homem (no homem pode ser sentido como

Deus). Veja p. 112.

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Vamos traduzir isto para o nosso contexto da seguinte forma:

DEUS = { 0, 1 }∞ ⇒ + { 0, 1 }∞ = { } = Deus

A soma de todas as sequencias e a sequencia nula que estamos identifi-cando com o vazio, assim:

+ { 0, 1 }∞ = 000 0 . . . = { } = Deus

Ou seja, do conjunto de todas as possibilidades uma destas possibili-dades e Deus, o Vazio.

Para um exemplo particular desta equacao veja a figura da pagina 128.

A natureza inconsciente e irreflexa

de Deus permite, pelo contrario, adotar

um ponto de vista que subtrai o agir de

Deus ao julgamento moral.

(C.G.Jung/Resposta a Jo, p. 25)

O que e Deus e uma questao de perspectiva, de definicao; atualmentevejo-O como uma “Consciencia meramente perceptiva” que preenche todoo Universo − se amalgama a este.

Uma analogia: um “grande” espelho “percebe” (registra) tudo o queesta a sua volta, mas nao toma consciencia disto, e isto o que chamo de“consciencia meramente perceptiva†” (“ver sem consciencia de ver”). Estaconsciencia e acessıvel atraves da meditacao. Neste estado nao ha dualidade,nao existem pensamentos, nao existe mente (cognicao).

Uma outra analogia: e como se fosse uma tela de cinema na qual se de-senrolam todos os “dramas”, a tela registra, mas nao tem consciencia disto.Observe que sem este “anteparo” (a tela) nao haveria cinema (projecao).So existe Esta unica Consciencia, as demais sao individualizacoes desta.

Esta Consciencia foi engendrada pelo Uno; ou ainda: e uma das con-figuracoes (possibilidades, combinacoes) no conjunto { 0, 1 }∞.

4.5.2 Deus, um decalque no Absoluto

Em Minha forma mais pura, sou o Absoluto. A partir dessa formaverdadeiramente pura, Eu sou como voce me faz. (Neale, CCD, v. II, p. 302)

Tenho consciencia de que a questao Deus nao e tao simples, nao e detodo trivial. Eu mesmo tenho percebido uma nıtida evolucao na minhaforma de entendimento desta questao. Ate ha pouco tempo atras (cercade dois anos) eu me considerava um teısta convicto − escrevi alguns artigos

†Perceptiva mas nao “sensitiva”, i.e., esta Consciencia nao experimenta sensacoes, naosente, nao julga; em suma, e um imenso “Vazio”.

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combatendo o ateısmo − todavia, em funcao de minhas pesquisas alicercadasem muita reflexao e liberdade de pensamento (isto e importante) fui aospoucos cedendo (cambiando) em minhas conviccoes.

Hoje, vejo o ateısmo com afeicao, simpatia e solidariedade; o ateu naoaceita Deus construido (ou adorado) por nenhuma religiao, nisto nos iden-tificamos, esta e uma opcao perfeitamente valida, legıtima e que deve serrespeitada. Digo, ninguem e obrigado a aceitar um Deus construido emuma conjuntura primitiva como a dos antigos hebreus. A Igreja esposouesse Deus porque lhe e conveniente, serve para explorar as massas com apromessa da “salvacao” e vida eterna no paraıso.

Hoje posso dizer que me encontro em uma situacao esdruxula, nao creioem Deus, porem nao me considero ateu. Caso ainda nao exista um “ısmo”que contemple minha situacao, terao que inventa-lo. Explico: o ateu “naocre em nada”, o que nao e o meu caso posto que creio no Absoluto (emDeus). Ah! . . . lembrei-me de que o budismo tambem nao cultua um Deus.

Conversando certa feita com um amigo ele me disse que eu estava apenastrocando os nomes: Deus por Absoluto.

Nada mais longe da verdade, continuo afirmando: Deus, qualquer queseja ele, e uma criacao (construcao) da mente humana, o Absoluto nao, e acoisa em si (noumeno), Deus e o fenomeno. (p. 83)

Veja a diferenca entre ambos na propria equacao divina. (figura p. 86)

Por ser um professor de matematica e que adquiri o habito de tentariluminar algumas questoes abstratas de varias perspectivas, inclusive com ouso exaustivo de figuras − se o aluno nao entende de uma forma, poderaentender de outra − e este habito carrego para os meus escritos, como e ocaso do presente livro (por isto este livro tem bastante figuras, para facilitaro entendimento destas questoes sutis e abstratas). Assim e que tentareimostrar o contexto de minha presente argumentacao − diferenca entre Deuse o Absoluto − de uma outra perspectiva, perdoem-me a insistencia, talvezate a redundancia. Entao, com o auxılio do quadro a seguir∗

∗Deixo consignado aqui meus agradecimentos ao artista Robson Bisesar (Bio) por terdado forma a este meu insight.

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pretendo explicar a diferenca entre Deus e o Absoluto. Nesta imagem vemosuma mao retirando agua do Oceano com uma caneca. Quando a agua entrana caneca e imediatamente congelada no mesmo formato da caneca (esta euma especie de molde).

Pois bem, o Oceano representa o Absoluto, a caneca representa a mente.A mente ao mergulhar no Absoluto† congela-o segundo seu proprio molde− em um determinado modelo de Deus. Observe a correspondencia:

Oceano Absoluto

Caneca Mente

Gelo Deus

Observe que o “modelo de Deus” ja encontra-se a priori “impresso” nacaneca (mente). Se o leitor desejar se certificar de que a mente de fato tema propriedade de congelar a realidade basta olhar para a palma de tua mao.Ela nao parece estatica (“congelada”)? Pois e, se a olhasses atraves daslentes de um potente microscopio verias uma outra realidade (dinamica). Abem da verdade, nada no universo e estatico.

De igual modo, se a mente afirma algo sobre Deus ela esta “congelando”(adulterando) um aspecto do Absoluto.

†A bem da verdade tudo encontra-se “mergulhado” no Absoluto − caso contrario naoseria Absoluto.

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Observe esta mesma concepcao de uma outra perspectiva:

(mente)

Deus

JeovaAlaPai

Zeus

TaoApolo

Parens

Luz Branca

Absoluto + Mente = Deus(Oceano) (Caneca) (Gelo)

Seus deuses nao podem ser diferentes de voce. Quem os cria? Quemlhes determina o tamanho, a forma e a cor? Voce os cria, voce os esculpe;eles tem olhos como voce, tem nariz como voce − e tem uma mente, talcomo voce! O Deus do Antigo Testamento diz: − Eu sou um Deus cheiode ira! Se nao seguir meus mandamentos, eu destruirei voce. Voce serajogado no fogo do inferno pela eternidade. E como eu sou ciumento −Deus fala − nao va prestar culto a mais ninguem. Nao vou tolerar isso.− Quem criou um Deus assim? So pode ter sido a partir do seu propriociume, da sua propria ira, que voce criou essa imagem. Ela e projecaosua, uma sombra sua. E um eco seu e de mais ninguem. E o mesmoacontece com todos os deuses de todas as religioes.

(Osho/Consciencia, p. 8/Cultrix)

Um esclarecimento se faz necessario: Nao estamos dizendo que a menteengendra seus Deuses a partir do nada, nao; por exemplo, creio que Jeovafoi uma entidade que realmente existiu e que foi um Deus para aquele povo,nao para todos os povos existentes na terra aquela altura. A proposito naoconheco na historia humana nenhum Deus que o tenha sido de todos ospovos na Terra − uma unanimidade, por assim dizer.

Pois bem, uma analogia: o papa e papa para milhoes de seres humanos,nao para todos. Por exemplo, ele nao e o meu papa, nao necessito de umpapa. E a necessidade das massas que cria e da sustentacao a todos estesıdolos. A maioria de padres e pastores poderia dizer:

“Tu precisas de um pastor e eu preciso do teu dinheiro . . . eis-me aqui,toma-me como teu pastor! ”.

De igual modo, Parens, Jeova e ate o Deus crocodilo poderiam afirmar:

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Gentil 139

“Tu precisas de um Deus e eu preciso ser adorado como tal . . . eis-me aquitoma-me como teu Deus!”

Uma outra diferenca marcante entre Deus e o Absoluto e que as religioesso podem falar sobre Deus (“construcoes”) nao sobre o Absoluto.

Somente o Absoluto e unico. Desse Absoluto nada podemos dizer,a nao ser que constitui a totalidade das possibilidades de existencia; umpuro Nada e, por isso, fundamento de todo o Ser. [. . .] Nao e uma pessoa,mas o proprio infinito [. . .] (Marcelo Malheiros/[4], p. 178)

De uma outra fonte independente: “O Tao que pode ser descrito nao eo Tao real ” (Lao Tse)

Ainda uma terceira fonte:

Se, em vez de nos contentarmos em descreveras manifestac~oes (ou as aparencias na “superfıcie”)da realidade subjacente, tentarmos descrever a propriarealidade subjacente, o que nos aguarda e o fracasso.A nossa fısica sempre entra em colapso a caminho doAbsoluto. De modo que tambem os fısicos sao obriga-dos a contentar-se com a verdade parcial.

(Danah Zohar, fısica e filosofa/[8], p. 162)

E o que Tagore ja havia afirmado (p. 82). As afirmacoes da fısica,em sua maioria, fundamentam-se em experimentos, simulacoes computa-cionais, equipamentos de bilhoes de dolares, os mais modernos microscopios,telescopios, etc., etc; com tudo isto os cientistas ainda se mostram humildesem reconhecer que nao sao detentores da verdade absoluta . . . o que medeixa estupefato, embasbacado, e que as religioes, alicercadas apenas emsentimentos meramente subjetivos − e numa Escritura em grande parte de-sacreditada pela ciencia −, se coloquem como guardias (donas) da verdadeabsoluta! Nao e estranho?

E que, via de regra, os lıderes religiosos nao tem o menor pudor em mentir.Ora, se isto pode da-se com um papa (p. 102) em quem mais devemos confiar?

Daı os fanaticos o impressionarem tanto. Eles podemnao ter nada a dizer, mas batem tanto na mesa e fazemum tamanho estardalhaco que o proprio estardalhaco lheda a impressao de que eles devem saber; do contrario,como poderiam estar tao seguros? As testemunhas de

Jeova e pessoas assim. . . pessoas estupidas, mas tao dogmaticas em suasafirmacoes que criam uma impressao de certeza, e pessoas confusas pre-cisam de certeza. (Osho/Buda, p. 130)

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4.5.3 Deuses piratas

Vejamos mais uma analogia no sentido de compreender como o Abso-luto se desdobra no universo manifesto, e, ademais como somos vıtimas dosembustes dos sacerdotes. Na figura a seguir

(hardware)

Deus

ImagemMusicaArquivos

Luz

CalorVento

Gelo

Luz Branca

Eletricidade Hardware

(Absoluto) (Cerebro)

observamos que uma “unica eletricidade” e decodificada de “n” modos dis-tintos, a depender do hardware em que ela atua: em uma televisao se mani-festa como imagem, em um aparelho de radio como musica, em uma lampadacomo luz, etc.

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Gentil 141

De igual modo, cremos que no Universo tudo − desde as minusculaspartıculas subatomicas ate o cerebro humano − funciona como uma especiede hardware a decodificar o Absoluto de um modo especıfico, proprio, parti-cular. O Absoluto e um software a se desenvolver (manifestar) na existencia.Observe que e um software sem programador uma vez que e o TUDO − Oconjunto de todas as possibilidades (combinacoes) nao necessitou de serprogramado uma vez que e TUDO∗

Agora veja, se perguntarmos a um cientista o que e essa tal de eletri-cidade que “a tudo movimenta” ele nao sabera nos dizer − dira: e umacorrente de eletrons. Mas o que e um eletron? A fisıca quantica dispoe deum modelo para o eletron que, nao obstante, nao e a “coisa em si”.

Aonde eu pretendo chegar? Ora, um eletron e uma manifestacao do Ab-soluto, se nao sabemos o que e um eletron − ou um foton† − haveremos desaber o que e o Absoluto?

Ora, mas este Absoluto e o que padres e pastores vem nos vendendocomo sendo Deus ha muitos seculos.

Assim como existem os aparelhos piratas, vendidos no Paraguai, tambemexistem os “modelos piratas de Deus” vendidos nas religioes. Tudo bem queos produtos piratas tambem funcionam e muitas vezes satisfazem nossasnecessidades, sao mais baratos, exigem menos investimentos . . . as vezes nosdecepcionam, nos causam desilusoes . . .

So discordo de uma coisa: que padres e pastores − os epileticos dasideias, no dizer de Nietzsche − vendam suas falsificacoes como se se tratassedo original, ludibriando os incautos.

Quando eles se manifestam sobre Deus o fazem com tamanha empafia eestardalhaco que nos causam a impressao de que sabem do que estao falando.

De fato, eles sabem do que estao falando: do Deus Jeova que eles con-hecem muito bem. Agora os coitados so nao sabem que o Deus deles eapenas um modelo congelado por suas parcas mentes. Apenas um modelodentre tantos outros existentes e possıveis . . . um pobre modelo.

4.6 Da Unicidade do Vazio-Absoluto

Outro dia eu estava conversando com uma irma evangelica e explicava-lheque existem varios Deuses: o cristao (Jeova), o mulcumano (Ala), o hindu(Brahman), . . . ela me interrompeu e sentenciou: Deus e um so! existe umunico Deus, agora o homem e que faz de Deus varios . . .

Aqui cabem duas observacoes: Primeira, intuitivamente quase todos oscrentes sabem que Deus e apenas um, todavia nao tem consciencia disto(nao sabem o que isto significa), caso contrario saberiam respeitar o Deus

∗Lembramos: Quando todas as possibilidades estao incluidas, nao ha qualidade e naoha nada para processar, . . . (Amit Goswami), p. 134.

†O conceito de quantum de luz, ou foton, e muito mais sutil e misterioso do que Einsteinimaginava. Na verdade, ate hoje nao e compreendido perfeitamente. (cf. p. 64)

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142

de outras religioes, nao e o que se ve na pratica com respeito aos cristaos −como ja foi assinalado esta intolerancia remonta ao Velho Testamento e seoriginou com o proprio Deus Jeova que dizia-se unico e punia com pena demorte a adoracao a outros Deuses.

Segunda, quando intuitivamente os crentes dizem que existe um unicoDeus eles estao confundindo o Absoluto com Deus. Com efeito, que existemvarios Deuses isto nao pode ser negado, e o que a pratica demonstra, eisuma pequena (infıma) listagem:

(homem)

Deus

Deus-Parens (Tenrikyo)Brahman (Hinduısmo)

Vazio (Budismo)Ceu (Confucionismo)

Tao (Taoısmo)

Jeova (Judaısmo)Ala (Islamismo)

Pai (Cristianismo)Kami (Xintoısmo)

Luz Branca

Absoluto + Homem = Deus

Que existe um unico Vazio e um unico Absoluto (ou Uno, segundoPlotino) − e como eles se identificam − e o que iremos provar agora.

Antes, lembramos ao leigo que um teorema matematico e uma proposicaoda forma H ⇒ T , onde H e a hipotese e T e a tese do teorema. Usando ahipotese devemos demonstrar a tese. Na verdade um teorema pode ter maisque uma hipotese, como veremos a seguir.

O teorema que desejamos demonstrar e o seguinte:

Teorema 2 (Existe um unico Vazio). Existe um unico Conjunto Vazio.

Prova: Vamos reformular o teorema para a seguinte forma equivalente:

H :

H1: V e Vazio

H2: V ′ e Vazio.

⇒ T : V = V ′

A hipotese, H, se subdivide em duas sub-hipoteses. Traduzindo: estamosadmitindo, como hipotese, que existem dois Vazios (V e V ′ ) e vamos provarque eles sao iguais, portanto so existe um.

Existem varias tecnicas para se provar teoremas, a que nos vamos utilizarse resume em:

H1∧ T ⇒ H

2

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Gentil 143

O que significa que juntando a hipotese H1a negacao da tese devemos

mostrar a negacao da hipotese H2.

Pois bem, suponhamos que V e Vazio e que V 6= V ′ (esta e a negacaoda tese). Entao existe algum elemento em V ′ que nao existe em V , porconseguinte V ′ nao e Vazio, o que contraria H

2. �

Nota: Para melhor nos situar chamaremos de Absoluto o conjunto de tudoo que existe − o Conjunto Universo.

Teorema 3 (Existe um unico Absoluto). Existe um unico Conjunto Abso-luto.

Prova: Vamos reformular o teorema para a seguinte forma equivalente:

H :

H1: U e Absoluto

H2: U ′ e Absoluto.

⇒ T : U = U ′

A hipotese, H, se subdivide em duas sub-hipoteses. Traduzindo: estamosadmitindo, como hipotese, que existem dois Absolutos (U e U ′ ) e vamosprovar que eles sao iguais, portanto so existe um.

Pois bem, suponhamos que U e Absoluto e que U 6= U ′. Entao existealgum elemento em U que nao existe em U ′, por conseguinte U ′ nao e Ab-soluto, o que contraria H

2. �

4.6.1 Identificando o Vazio com o Absoluto

O mundo e construido como uma es-

trutura matematica, e nao material.

(Werner Heisenberg)

Como podemos identificar o Vazio com o Absoluto? E que, a bem daverdade, o Vazio e o Absoluto sao um pouco mais que meros conjuntos, saoestruturas. Uma estrutura matematica e um conjunto munido de uma oumais operacoes. Deixamos esta identificacao para um apendice. (p. 150)

Retomando, como professor e pesquisador de matematica ja fiz algumasdescobertas interessantes e relevantes, entretanto creio que nenhuma delasse compara em importancia‡ a que fiz sobre a impostura de Jeova, foi comoum trabalho de detetive, ao final, fiquei estupefato.

Obviamente que se poderia levantar a questao de que nem Jesus e nemos apostolos viram, ou citaram, Jeova como um falso Deus.

‡Dada a magnitude do problema e possıveis repercussoes (corolarios).

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144

A minha explicacao para tal fato e simples e objetiva: Todos eles foramprodutos de uma epoca e conjuntura, foram condicionados, hipnotizadoscomo qualquer outro. Jesus era judeu e, naturalmente, foi ensinado por seuspais a acreditar no Deus Jeova, como ocorre ate hoje com os que nascemfilhos de judeus e cristaos.

Deu-se aqui precisamente o mesmo que se deu com os velhos sabios hin-dus que tambem foram subservientes a um Deus e a uma sociedade que, talcomo Jeova, aceitava sacrifıcios humanos (p. 22). Foram sabios, entretantonao iluminados, a diferenca entre ambos e a mesma que existe entre a terrailuminada pela lua (luar) e a terra iluminada pelo sol, analogia.

Uma afirmacao obvia, mas nao para todos, e que se Jesus tivesse nascidono Japao ou na India certamente teria sido ensinado a adorar um outro Deus,que nao Jeova.

A proposito, cada indivıduo, cada povo, cada sociedade tem o Deus(ou deuses) que merece, e este precisamente o caso de judeus, catolicos eevangelicos com respeito ao Deus Jeova: um guerreiro que castiga, vingativo,ciumento e que se deleita com sacrifıcios humanos.

Pergunto se o Deus crocodilo (africano) obrigaria seus suditos a comerema carne de seus proprios filhos, filhas, pais e amigos.

E comeras o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuasfilhas, que te der o Senhor, teu Deus, no cerco e no aperto com que osteus inimigos te apertarao. (Dt 28 : 53)/(Lv 26 : 29/Jr 19 : 9/ Ez 5 : 8− 10)

A proposito, lembro do deputado que em nossos dias aprovou uma leipermitindo o sacrifıcio (e tortura) de animais em rituais religiosos; no meuentendimento estas sem duvida sao religioes primitivas, creio que do “outrolado” existam espıritos inferiores que se beneficiam com tais praticas abomi-naveis, estes espıritos se associam apenas com aqueles seres humanos comos quais encontram ressonancia, obviamente. De igual modo ocorre numamacroescala com respeito a povos e respectivos Deuses.

A estas pessoas que reinvidicam que seus direitos a tais praticas sejamrespeitadas sugiro que troquem de religiao, ou entao que se mude a Consti-tuicao brasileira neste particular.

Como ja disse, toda religiao e uma gaiola, porque condiciona. Eu jamaisteria escrito este livro se fosse prisioneiro de alguma gaiola, isto e obvio.

Conviccoes sao prisoes, um espırito

que queira realizar belas obras, que

tambem queira os meios necessarios, tem

de ser cetico. Estar livre de toda forma

de crenca pertence a forca, ao poder de

ver sem algemas. (Nietzsche)

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Gentil 145

Uma outra questao a ser levantada e quanto ao poder de Jeova pararealizar milagres. Ao que tudo indica uma coisa nao tem nada a ver com aoutra. Como ja mostramos Deus-Parens tambem realizava milagres; a bemda verdade, os homens de ciencia em nossos dias tem realizado fantasticosmilagres, assim entendo. Milagres na manipulacao da materia enfatizo, e, aeste respeito, lembro a citacao do filosofo e educador Bachelard. (p. 21)

ր

Que o meu pensamento quis

aproximar-se dos problemas do espırito

pela via de uma diversa experimentacao

de carater abstrato, especulativo, resul-

tante das conclusoes de processos logicos

da mais moderna fısico-matematica.

(Pietro Ubaldi/Ascensoes Humanas)

Se quisermos procurar “Deus” na

fısica, o vacuo e o melhor lugar onde faze-

lo. Enquanto estado basico subjacente

de tudo que existe, o vacuo tem todas as

caracterısticas do Deus imanente ou da

divindade de que falam os mısticos.

(Danah Zohar/[8], p. 286)

Este restante de pagina ficaria ocioso (em branco) decidi aproveita-lopara fazer um registro. Na pagina 375 do meu livro citado na referencia [10]em determinado contexto escrevi o seguinte:

“Estribados em nosso teorema conjecturamos que se no mundo subato-mico da fısica quantica um objeto pode estar em varios lugares simultanea-mente e, ademais, pode transitar em varias regioes − disjuntas − sem passarpor pontos intermedios, so pode ser em razao de que o microcosmo tal comoo macrocosmo (da teoria da gravitacao de Einstein) e curvo!

Ou ainda: a geometria do submundo quantico nao e euclidiana (plana)mas sim curva, tal como a geometria de Einstein. [. . .]”

Para minha agradavel surpresa em 30.01.2012 me deparei com a seguinteconfirmacao∗: (p. 157)

No dia 21 de fevereiro de 1870, William Kingdon Clifford apresentou umartigo para a Cambridge Philosophical Society (Sociedade Filofica de Cam-bridge), intitulado “Sobre a Teoria Espacial da Materia”. No seu artigo,Clifford proclamou ousadamente:

Na verdade, eu mantenho que: (1) as pequenas porcoes do espaco saode uma natureza analoga aos pequenos montes numa superfıcie que e, namedia, plana, (2) a propriedade de ser curvo ou distorcido e transmitidacontinuamente de uma porcao de espaco para outra como uma onda; (3)esta variacao da curvatura do espaco e realmente o que acontece naquelefenomeno que chamamos de movimento da materia. . .

∗Extraıda da referencia: Mlodinow, Leonard. A Janela de Euclides. Traducao deEnezio de Almeida. Sao Paulo: Geracao Editorial, 2008.

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146

Apendice: Jose Saramago

Este livro ja encontrava-se na editora quando tivea oportunidade de travar conhecimento com o pensa-mento do escritor portugues Jose Saramago∗, acheique valeria a pena pedir permissao aos editores paraincluir este adendo, no que fui prontamente aten-dido.

Nao por Saramago ser um ateu convicto mas porsuas crıticas as religioes terem se mostrado assazlegıtimas e por terem encontrado uma forte ressonancia em meu espırito.

Uma afirmacao do escritor que de imediato me impressionou, por secoadunar com o que enfatizei a exaustao neste livro, foi a seguinte:

“Deus nao existe fora da cabeca das pessoas”

E acrescenta: O cerebro humano e um grande criador de absurdos. E Deuse o maior deles.

Sendo assim, nao posso deixar de reconhecer uma extrema perspicaciana observacao de Saramago, o que me levou a concluir que “Saramago, umateu, entende mais de Deus que o proprio Papa ”.

O problema todo, como ja deixei claro, nao esta em Deus mas sim emDeus. A proposito, lembramos de uma outra observacao perspicaz: VejaUbaldi, p. 93.

Apenas para efeitos de registro, o Deus cosmico (ou religiao cosmica)tambem e exaltado por Einstein no seu livro “Como Vejo o Mundo ”.

Pois bem, quando lemos na referida citacao de Ubaldi “Em suas fasesprimitivas o homem . . . ”, nos vem a mente que Ubaldi se refere aos primi-tivos “homens das cavernas”. Nao necessariamente, em nossos dias um talprimitivo pode muito bem esta trajando paleto e gravata ou vestindo umabatina de seda purpura. Estamos nos referindo a concepcoes primitivas deDeus, e a concepcao de evangelicos e catolicos, o Deus Jeova, um Deus quese ira, que se vinga e que preparou um inferno para algumas de suas criat-uras por toda a eternidade e uma concepcao assaz primitiva. E o que tenhodito: No universo tudo se transforma, exceto a mente tacanha desta classede religiosos mumificada. Dentro deste contexto nao podemos deixar deconcordar com o pensador quando afirma:

O cerebro humano e um grande criador de absurdos. E Deus e o maiordeles. (Jose Saramago)

∗Jose Saramago (1922 − 2010): Escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, con-tista, romancista, teatrologo, ensaısta e poeta. Recebeu o Nobel de Literatura de 1998.Tambem ganhou, em 1995, o Premio Camoes, o mais importante premio literario da lınguaportuguesa.

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Gentil 147

Se o Deus Jeova serviu a uma conjuntura composta por homens primitivose obtusos, ja nao serve mais ao homem evoluido, a mentalidade moderna.

Vejamos agora um paralelo (similitude) entre dois perıodos historicos:

O feudo, unidade de producao agraria, pertencia a uma camada desenhores feudais, que poderiam ser membros do alto clero ou nobres guer-reiros. [. . .] O trabalho na sociedade feudal estava fundado na servidao,relacao que mantinham os trabalhadores presos a terra subordinados auma serie de obrigacoes em impostos e servicos. ([10])

Pois bem, os feudos continuam existindo em nossos dias, sao precisa-mente as religioes. Veja, a relacao servil e a mesma posto que essas religioesmantem o povo cativo trabalhando para sustentar uma corja de parasitas −notadamente, pastores evangelicos e hierarquia catolica. Ao mesmo tempoque, em troca, as ovelhas sao dados apenas Feno (palha) para ruminarem −o que para um bom entendedor significa a morte espiritual.

Entao, para que a humanidade atual comute para um novo nıvel deConsciencia necessario se faz que esses feudos sejam, a exemplo dos da IdadeMedia, destruidos . . . Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir . . .

As religioes organizadas deveriam desaparecer desse mundo, deve-riam abandonar essa mascara de religiosidade. Os chamados “religiosos”sao simplesmente polıticos, lobos ocultos em peles de ovelhas; deveriamse mostrar nas suas verdadeiras cores, deveriam ser polıticos − nao hanenhum mal nisso. E eles sao polıticos o tempo todo, mas estao fazendoo jogo usando o nome de religiao. As religioes organizadas nao temnenhum futuro. (Osho)

Ha mais alguem que partilha do pensamento do mıstico, embora maispessimista: (Veja tambem Danah Zohar, p. 60)

Ao longo da Historia, as religioes, todas elas, sem excecao, fizeram ahumanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas nao extraımos daıa conclusao obvia: acabar com elas. Nao sera possıvel, mas ao menostentemo-lo. Pela analise, pela crıtica implacavel. A liberdade do serhumano assim o exige. (Jose Saramago)

A proposito, li pela internet resenhas de alguns trabalhos de Samaragobem como comentarios de alguns leitores. Um aspecto que me chamouatencao foi, por um lado, a sinceridade com que o escritor conduz seusargumentos contra as religioes parasitarias e, por outro, o desrespeito noscomentarios de alguns religiosos.

Eu mesmo, ja sofri hostilidades por tentar abrir os olhos dos mıopesencarcerados nas religioes. Tentando compreender este enigma humano meveio a mente a imagem de uma reportagem que assisti pela televisao: Umacerta area iria ser inundada, para a construcao de uma hidroeletrica, os

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148

biologos estavam a cata de animais para salva-los da “catastrofe” iminente,em dado momento um deles estendeu a mao para salvar uma vıbora e foimordido por ela . . . Este fenomeno nao e novo e nem e privilegio de ninguem:Socrates (cicuta), Jesus, Mahatma Ghandi, etc.

O FACTOR DEUS

Por JOSE SARAMAGO

[. . .] De algo sempre haveremos de morrer, mas ja se perdeu a contados seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foramcapazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a quemais ofende a simples razao, e aquela que, desde o princıpio dos tempos edas civilizacoes, tem mandado matar em nome de Deus. Ja foi dito queas religioes, todas elas, sem excepcao, nunca serviram para aproximar econgracar os homens, que, pelo contrario, foram e continuam a ser causa desofrimentos inenarraveis, de morticınios, de monstruosas violencias fısicas eespirituais que constituem um dos mais tenebrosos capıtulos da miseravelhistoria humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deverıamos tera coragem de proclamar em todas as circunstancias esta verdade evidente edemonstravel, mas a maioria dos crentes de qualquer religiao nao so fingemignora-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles paraquem Deus nao e mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que,por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo parauma humanizacao real. Em troca prometeram-nos paraısos e ameacaram-nos com infernos, tao falsos uns como os outros, insultos descarados a umainteligencia e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar.

Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus nao existisse, e eurespondo que precisamente por causa e em nome de Deus e que se tempermitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o maishorrendo e cruel. Durante seculos a Inquisicao foi, ela tambem, como hojeos taliban, uma organizacao terrorista que se dedicou a interpretar perversa-mente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles diziacrer, um monstruoso conubio pactado entre a Religiao e o Estado contra aliberdade de consciencia e contra o mais humano dos direitos: o direito adizer nao, o direito a heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso soa palavra heresia significa. E, contudo, Deus esta inocente. Inocente comoalgo que nao existe, que nao existiu nem existira nunca, inocente de havercriado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer osmaiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que sao celebracoes doseu poder e da sua gloria, enquanto os mortos se vao acumulando, estes dastorres gemeas de Nova Iorque, e todos os outros que, em nome de um Deustornado assassino pela vontade e pela accao dos homens, cobriram e teimamem cobrir de terror e sangue as paginas da Historia. Os deuses, acho eu,so existem no cerebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo

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Gentil 149

universo que os inventou, mas o “factor Deus”, esse, esta presente na vidacomo se efectivamente fosse o dono e o senhor dela. Nao e um deus, maso “factor Deus” o que se exibe nas notas de dolar e se mostra nos cartazesque pedem para a America (a dos Estados Unidos, nao a outra...) a bencaodivina. E foi o “factor Deus” em que o deus islamico se transformou queatirou contra as torres do World Trade Center os avioes da revolta contraos desprezos e da vinganca contra as humilhacoes. Dir-se-a que um deusandou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades.E possıvel, e mesmo certo. Mas nao foram eles, pobres deuses sem culpa, foio “factor Deus”, esse que e terrivelmente igual em todos os seres humanosonde quer que estejam e seja qual for a religiao que professem, esse que temintoxicado o pensamento e aberto as portas as intolerancias mais sordidas,esse que nao respeita senao aquilo em que manda crer, esse que depois depresumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem umabesta. Ao leitor crente (de qualquer crenca...) que tenha conseguido supor-tar a repugnancia que estas palavras provavelmente lhe inspiram, nao pecoque se passe ao ateısmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo quecompreenda, pelo sentimento se nao puder ser pela razao, que, se ha Deus,ha so um Deus, e que, na sua relacao com ele, o que menos importa e o nomeque lhe ensinaram a dar. E que desconfie do “factor Deus”. Nao faltam aoespırito humano inimigos, mas esse e um dos mais pertinazes e corrosivos.Como ficou demonstrado e desgracadamente continuara a demonstrar- se.

∗ ∗ ∗Um pequeno texto para reflexao

Ha no mundo muitos pensamentos falsos, muitas su-persticoes insensatas, e ninguem que estiver escravizadopor eles podera fazer progresso. Portanto, nao deves aco-lher um pensamento simplesmente porque muitas outraspessoas o acolhem, nem porque se tenha acreditado nelepor seculos, nem porque esteja escrito em algum livro queos homens julguem ser sagrado; tu tens de pensar sobre aquestao por ti mesmo, e julgar por ti mesmo se ela e razoavel. Lembra-teque, embora um milhar de homens concorde sobre um assunto, se eles naosouberem nada sobre aquele assunto a sua opiniao nao tem valor. Aqueleque quiser trilhar a Senda tem de aprender a pensar por si mesmo, porque asupersticao e um dos maiores males do mundo, um dos grilhoes dos quais,por ti proprio, deves te libertar completamente.

(Krishnamurti/Aos Pes do Mestre)

Page 151: Gentil Lopes - Exumação e Jugamento de Deus

150

Apendice: Identificando o Vazio com o Absoluto

Neste apendice faremos a transicao do Absoluto para o Vazio, e reci-procamente (p. 143). Inicialmente vamos apresentar ao leitor a “celula dadualidade”, veja:

0 1 Z = { 0, 1 } (yin-yang)

Desta celula derivamos o seguinte conjunto:

Z2 = { 00, 10, 01, 11 }

Vamos dispor os elementos desse conjunto em uma matriz (tabela) pararessaltarmos uma importante propriedade:

0 0

1 0

0 1

1 1

Observe que cada sequencia tem sua dual, assim:

0 0

1 0

0 1

1 1

Dada uma sequencia para obtermos a sua dual basta trocarmos 1 por 0e 0 por 1 (0 ↔ 1). A soma de cada sequencia com sua dual nos fornece:

1 0

0 1

+ : 1 1

0 0

1 1

+ : 1 1

Somando os dois ultimos resultados, obtemos:

1 1

1 1

+ : 0 0

Page 152: Gentil Lopes - Exumação e Jugamento de Deus

Gentil 151

Uma explicacao se faz necessaria nesse momento, em nossa adicao temos

1 + 1 = 0

Nao, nao trata-se de um erro de digitacao caro leitor. Essa e mais umade tantas “dicotomias matematicas”. Ouca o que os mais velhos tem a nosensinar:

Quando o espırito se apresenta a cultura cientıfica, nunca e jovem.Alias e bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder aciencia e rejuvenescer espiritualmente, e aceitar uma brusca mutacaoque contradiz o passado. (Gaston Bachelard)

Ou ainda, de uma outra perspectiva:

A isto se acrescenta que todo sımbolo e ambivalente e ate mesmopolivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de rea-lidades diversas e mesmo contraditorias. (Leon Bonaventure)

Ou ainda∗:

Nao ha mais [. . .] verdade separada e, por assim dizer, atomica: suaverdade e apenas sua integracao no sistema; e e por isso que resultadosincompatıveis entre si podem ser igualmente verdadeiros, contanto queos relacionemos com sistemas diferentes. (Denis H./Andre V.)

De fato, nao estamos “inventando” nada, essa adicao − que evidente-mente nao e a usual − e conhecida como “adicao modulo 2”, a qual e muitocomum na matematica universitaria e, ademais, possui larga aplicacao nainformatica. Ela se da segundo a tabua a seguir

+ 0 1

0

1

0 1

1 0

0 + 0 = 0

0 + 1 = 1

1 + 0 = 1

1 + 1 = 0

Por sinal, o leitor ja praticou muito esse tipo de adicao, apenas que emum contexto ligeiramente diferente. Com efeito, quem ainda nao realizou −por exemplo − o seguinte tipo de operacao:

18 + 6 = 24 ⇒ 18 + 6 = 0 (adicao de horas)

quando trata-se de horas em um relogio?

∗Lembramos que na adicao de Einstein 1 + 1 6= 2. (p. 39)

Page 153: Gentil Lopes - Exumação e Jugamento de Deus

152

A adicao (modulo 2) obedece ao mesmo princıpio da adicao de horas emum relogio. Ela se da onde temos fenomenos cıclicos ou “recorrentes”.

Apenas para assinalar, alguns cientistas aventaram a hipotese de quenosso Universo e “cıclico ”. Se isso for verdade, podemos tambem conjec-turar que Deus, ao “construir” seu Universo, optou pela adicao modulo 2,como e corroborado pelo Modelo que estamos construindo.

Pois bem, a soma de todas as sequencias no produto

Z2 = { 00, 10, 01, 11 }

e a sequencia nula, ou ainda: a resultante da adicao e nula.

Da celula da dualidade vamos obter a terceira potencia de Z:

Z3 = { 000, 100, 010, 110, 001, 101, 011, 111 }

Tabuas como as a seguir

0 0 0

1 0 0...

...

0 1 0

1 1 0

0 0 1

1 0 1

0 1 1

1 1 1

No Nada as possibilidades contraditorias

sao simultaneas, e por isso se anulam reci-

procamente. O Nada e, assim, a totalidade

simultanea das possibilidades contraditorias.

(Marcelo Malheiros/[4], p. 43)

sao conhecidas como Tabelas de Combinacoes (possibilidades), ja que elasnos fornecem todas as combinacoes possıveis para os elementos de um dadoconjunto.

Por exemplo, seja o conjunto {>, ∗, ⋆ } com tres elementos. Segundo amatematica existem 23 = 8 possibilidades de combinarmos seus elementos,como na matriz a seguir:

{>, ∗, ⋆ }0 0 0

1 0 0

0 1 0

1 1 0

0 0 1

1 0 1

0 1 1

1 1 1

→ { }→ {> }→ {∗ }→ {>, ∗ }→ { ⋆ }→ {>, ⋆ }→ {∗, ⋆ }→ {>, ∗, ⋆ }

Page 154: Gentil Lopes - Exumação e Jugamento de Deus

Gentil 153

Onde convencionamos que quando ocorre 1 na sequencia o respectivoelemento (na coluna) participa da combinacao, onde ocorre 0 nao participa.

Pois bem, a exemplo da tabua para Z2, a soma (modulo 2) de todas ascombinacoes possıveis (possibilidades) desta tabela e nula.

(Universo)

0 0 0 = { }

1 0 00 1 0

1 1 0

0 0 1

1 0 1

0 1 11 1 1

+

Assim como um dia a explosao aconteceu e milhoes de coisas nasce-ram a partir do nada, da mesma maneira, quando a implosao acontece,formas e nomes desaparecem, e novamente o nada nasce daı. O cırculoesta completo. (Osho/Buda, p. 112)

O raciocınio anterior pode ser estendido a qualquer dimensao, inclusiveinfinita.

Veja bem, nao estou dizendo que esse Modelo corresponde exatamentea “Realidade”. Aos cepticos fazemos uma importante observacao: O nossoe apenas um modelo que contempla Todo o Universo Manifesto, se e as-sim mesmo que acontece na “realidade” isto e irrelevante, posto que, comomuito bem acentuou o cientista Stephen Hawking:

Nao ha, porem, como discernir o que e real no universosem uma teoria. Assumo por isso o ponto de vista, ja quali-ficado de simplorio ou ingenuo, de que uma teoria da fısicae nada mais nada menos que um modelo matematico queusamos para expressar os resultados de observacoes. Umateoria [verdade] e boa se for um modelo elegante, se descre-ver uma ampla classe de observacoes, e se previr o resul-tado de novas observacoes. Nao faz sentido ir alem disso, perguntando seela corresponde a realidade, porque, independentemente de uma teoria, naosabemos o que e realidade.

Complementando, Sir Arthur Stanley Eddington escreveu em seu livroThe Nature of the Physical World:

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154

A percepcao clara de que a ciencia fısica investiga ummundo de sombras representa um progresso dos mais significa-tivos. No mundo da fısica vemos uma projecao de episodiosda vida familiar. A imagem do meu cotovelo repousa sobrea imagem da mesa enquanto a imagem da tinta flui sobre aimagem do papel. Tudo e simbolico e permanece como um

sımbolo para o fısico. Chega entao a mente alquimista que transmuta ossımbolos. . . Conclui-se, indo direto ao assunto, que o mundo material e con-stituido de substancia mental. A realidade da materia e dos campos deforca da antiga teoria fısica passa a ser inteiramente irrelevante, exceto pelofato de que e a substancia mental que tece essas imagens. . .Dessa forma, omundo exterior transformou-se num mundo de sombras. Ao nos livrarmosdas ilusoes, libertamo-nos da substancia, pois constatamos que a substanciae a maior de todas as ilusoes.

Ja demonstrei muitas formulas na matematica. Uma formula que medeu muita satisfacao em te-la deduzido e demonstrado foi a seguinte:

xij=

1, se⌊

i−1

2j−1

⌋e ımpar;

0, se⌊

i−1

2j−1

⌋e par.

Onde: ⌊ f ⌋ significa a parte inteira de f , por exemplo: ⌊ 2, 5 ⌋ = 2.Esta formula nos permite − dentre outras aplicacoes − gerar as potenciasda celula da dualidade.

Onde: xij

e o j−esimo bit da sequencia i de Zn. Fixado n fazemos

i = 1, 2, . . . , 2n e j = 1, 2, . . . , n.

Por exemplo, para n = 2, fazemos i = 1, 2, 3, 4 e j = 1, 2; obtendo

Z2 = { 00︸︷︷︸

i=1

, 10︸︷︷︸

i=2

, 01︸︷︷︸

i=3

, 11︸︷︷︸

i=4

}

E por essa, e por outras, que entendo perfeitamente o que Krishnamurtiquer dizer ao afirmar:

Ha uma qualidade de extase que nao e prazer; so vem esse extase quandoexiste em nos mesmos aquela ordem matematica, que e absoluta.

Nota: O capıtulo seguinte foi extraido do meu livro “O TAO”, apenasacrescentei um adendo na pagina 174.

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Capıtulo 5IMPOSTURAS ESPIRITUAIS

Para abrir os olhos dos cegos, para

tirar da prisao os presos, e do carcere, os

que jazem em trevas. (Is 42 : 7)

Fui programado para detectar fissura

nas estruturas. (Gentil)

Introducao:

Durante a elaboracao deste livro em momento algum planejei escrevero presente capıtulo. Explico: eu ja havia dado o livro por encerrado − amenos de uma revisao − quando cai em minhas maos “O Livro Amarelo”do mestre gnostico Samael Aun Weor.

O conteudo do livro de Samael se revelou um excelente modelo do queestamos denunciando, a exaustao, neste livro: o engodo, a farsa, a prisaoque sao as religioes.

5.1 Imposturas Intelectuais

Ha cerca de 10 anos atras li um livro que nunca mais esqueci “Imposturasintelectuais”∗ cujo objetivo principal era denunciar a desonestidade inte-lectual de muitos cientistas, notadamente nas Ciencias Sociais. Os autorescitam e comentam no livro varios artigos “cientıficos ” eivados de absurdose ilogismos flagrantes. Lembro que alguns cientistas da area de psicologia epsiquiatria ao tentarem amalgamar seus trabalhos com a alta matematicatornaram-se simplesmente ridıculos ao proferirem um sem-numero de fla-grantes tolices, e a isto o que os autores chamaram de Imposturas Intelec-tuais.

∗Sokal, Alan, Bricmont, Jean. Imposturas intelectuais. Rio de Janeiro: Record, 1999.Publicado originalmente em frances sob o tıtulo Impostures intellectuelles, em 1997.

155

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Anos depois eu mesmo tive a oportunidade de constatar, aqui no Brasil,estas praticas desonestas ao ler dois artigos pseudo-cientıficos: “Aplicacaodo modelo de psicologia vetorial a teoria do equilıbrio de Heider ”, e o se-gundo com o tıtulo “Analise espacial: conceito, metodo e aplicabilidade” dosautores Adriana Giavoni∗ e Alvaro Tamayo†.

Pois bem, vetores e um assunto da matematica abstrata; por oportuno,atualmente estou escrevendo um livro sobre este assunto e ensinando-o ameus alunos na universidade. Me chamou a atencao a possibilidade dosvetores serem aplicados a psicologia, li os artigos e, na ocasiao, cheguei a co-mentar a impressao que tive. Meus comentarios anexei a um outro trabalhomeu por nome “Carta-Denuncia (Tomaram a Universidade de Assalto!)”,disponıvel em minha homepage.

Gostaria de dizer ao leitor que os autores, ao tentarem misturar Psi-cologia com os vetores da matematica − assunto no qual eles se revelaramdescaradamente ignorantes − foram bastante infelizes, entretanto o termoinfeliz nao mostraria a verdadeira dimensao da tragedia, razao porque pedi-rei licenca para usar um termo bem mais apropriado ao resultado: ao tentaramalgamar vetores com psicologia o resultado deu em merda! . . .mas muitamerda mesmo! − sem nenhum exagero de minha parte.

E a isto o que chamamos de imposturas intelectuais.

5.2 Imposturas Espirituais

Porque esta escrito:Destruirei a sabedoria dos sabios

E aniquilarei a inteligencia dos in-

teligentes. (1 Co 1 : 19)

Se na “Ciencia manifesta ”, onde se presume que a desonestidade sejamais difıcil de passar pelo crivo dos especialistas, acontece destas coisas, oque dizer entao das “Ciencias Ocultas”?

Na verdade e este ponto que me interessa tratar no presente capıtulo.Ja tentei algumas vezes ler alguns livros de cunho ocultista, como por

exemplo os da Gnose, e confesso que nao consigo passar da terceira pagina.A razao e que sao livros hermeticos, escritos apenas para os “iniciados”e minha mente, treinada durante anos nas demonstracoes matematicas, emuito inquisitiva, quero, amiudo, saber o porque daquilo que os autoresafirmam.

Tenho um “orgao psıquico” muito delicado, sensıvel; alguns “alimentos”me fazem mal, me causam nauseas, naturalmente sao regurgitados.

∗Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasılia (UnB) e professora do Programade Pos-graduacao em Educacao Fısica da Universidade Catolica de Brasılia (UCB)

†Doutor pela Universidade de Louvain e Professor no Instituto de psicologia da Uni-versidade de Brasılia. E consultor do CNPq.

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Gentil 157

Encontrei em um livro sobre meditacao∗ de um autor bem mais ex-periente do que eu, nesta area, a preciosa advertencia de que muitos livrosocultistas sao meros plagios uns dos outros, veja:

[. . .] Portanto, comecando a navegar num pequeno riacho, chegamosa um rio mais largo e amplo para a nossa consciencia navegar. Esperoque meus leitores me perdoem por meus exemplos e comparacoes sim-ples, pois ainda acho que sao os melhores. E facil compilar sentencascomplicadas, por tras das quais se pode esconder a falta de experienciapessoal. Sei de muitos (muitos mesmo, infelizmente!) escritores delivros espiritualistas e ocultistas que comecam e terminam seus trabalhoscom uma pesquisa “conscienciosa”. Vamos ver como essa “pesquisa” efeita. Um senhor vai as grandes e pequenas livrarias e procura tıtulosde livros afins; entao examina-os, para ver o que seus autores pensama respeito disto ou daquilo. Anota as opinioes de que gosta, enumerasuas fontes e usa-as como uma estrutura para os principais capıtulosde seu futuro livro. O elemento de uniao sera dado por suas propriassuposicoes e interpretacoes das “fontes”. E, no final, o trabalho pare-cera muito erudito, mas, infelizmente, sera inutil para qualquer coisaalem da simples leitura: nao pode servir de base para o estudo pratico deninguem. A ciencia observa sutilmente o carater dos trabalhos de cunhoocultista e iniciatorio (entre aspas) e logicamente, com total razao, osdeprecia como nao-cientıficos e problematicos. Por esse motivo, mentesevoluıdas tambem os veem como algo leviano e, consequentemente, des-denham qualquer tipo de literatura sobre ocultismo e sabedoria espiri-tual. Acrescentem-se ainda os inumeros charlataes que pregam para osingenuos avidos por “milagres” e poder-se-a ter o quadro quase com-pleto. Portanto precisamos aprender a separar o joio do trigo, o quenao e de modo algum uma tarefa facil. E muito maior a chance de seencontrar falsidade e ignorancia, frequentemente revestidas de armadi-lhas esplendidas, do que uma fonte verdadeiramente pratica e sincera deelevado conhecimento.

Pois bem, estarei aqui me detendo em uma destas areas do ocultismo −A Gnose −, entretanto minhas consideracoes serao extensivas a todas elas.

Ha cerca de um ano atras um discıpulo me empresta um livro do fundadordo Movimento Gnostico Samael Aun Weor†, li o pequeno livro e assinaleialguns pontos no mesmo. Quando, numa outra oportunidade, o discıpuloquis saber sobre a minha opiniao a respeito do livro, respondi:

Das duas uma: ou este Samael e, de fato, um grande mestre iluminadoou e um grande farsante!

∗Meditacao (Sumario para um estudo pratico)/Mouni Sadhu/Cırculo do Livro/p. 48.†Mais precisamente, foi o criador da Igreja Gnostica Crista Universal, na decada de 70,

no Mexico, hoje com ramos e derivacoes em diversos paıses.

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158

E lhe justifiquei minha conclusao. Ate esqueci o livro que me fora em-prestado. Acontece que tempos depois, durante a feitura do presente livro− melhor dizendo, o livro ja havia sido concluido − cai em minhas maos umoutro livro de Samael “O Livro Amarelo” o qual veio reforcar a segundadas opcoes acima, ou seja, a de que este venerado mestre seja na realidadeum grande, um mega farsante, como estarei provando no presente capıtulo.

Acontece que nestes livros os autores costumam discorrer sobre temas eexperiencias que estao distantes da realidade dos “pobres mortais”, como eu.Por exemplo, muitos deles ja foram projetados astralmente nas “dimensoessuperiores”, e aı ficamos sem poder comprovar a veracidade do muito queeles afirmam − nao temos outra alternativa a nao ser nos resignarmos “ anossa insignificancia”.

Reitero: Nao obstante ter lido muito pouco de Samael, o pouco que lija me foi suficiente para levantar a suspeita de que se tratava de um mestrefarsante, entretanto como eu nao sou versado em ocultismo me resignei aminha insignificancia, digo, fiquei apenas na suspeita.

Acontece que, para minha grata surpresa, Samael decide − em seuLivro Amarelo (Manual pratico para formar Arhats e Budhas) − mistu-rar matematica com ocultismo; como matematica e uma area que me dizrespeito, decidi examinar com um pouco mais de atencao as afirmacoes do“Avatar da Era de Aquario ”. O penultimo capıtulo do livro − CapıtuloXIX - Estado de Jinas − inicia assim:

• O Hiperespaco pode ser demonstrado matematicamente pela hipergeo-metria. A Ciencia Jinas pertence ao hiperespaco e a hipergeometria.

Meus comentarios estarao precedidos de um hıfen, as afirmativas do autorestarao precedidas de uma bolinha. Entao:

− Minha primeira observacao e a de que o autor nao define, nao diz o queele entende por hiperespaco e por hipergeometria.

• Se conhecemos o volume, temos de aceitar tambem o hipervolume comobase fundamental do volume. Se aceitarmos a esfera geometrica, devemosaceitar tambem a hiperesfera.

− Durante meu mestrado em matematica estudei Teoria da Medida, umadisciplina na qual, inclusive, tratamos de volumes; entretanto, nao entendi oque o avatar quiz dizer com: “temos de aceitar tambem o hipervolume comobase fundamental do volume”. Tudo bem que pode ter sido uma deficienciana minha formacao, admito, no entanto creio que todo aquele que se propoea ensinar, que se propoe a ser mestre, tem por obrigacao buscar se expressarcom clareza, mesmo em se tratando de ciencias ocultas, nao e verdade?

E compreensıvel que algum gnostico acorra em defesa de seu veneradomestre e argumente que este tipo de conhecimento e obtido por vias nao con-vencionais, tais como: projecao astral, ativacao do terceiro olho, despertarda kundalini, etc.

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Gentil 159

Tudo bem, nao vou negar a possibilidade destas via de recepcao, aconteceque aquele que se propoe a escrever um livro deve pelo ao menos tentartraduzi-lo numa linguagem mais acessıvel aos leigos, nao e o caso de Samaelque, na maioria das vezes, apenas atira na cara do leitor suas afirmacoesestapafurdias − afirmacoes gratuitas.

O princıpio da autoridade, segundo o qual o “mestre” fala e o discıpulose limita a aceitar, ja foi banido da ciencia ha muito tempo, o ultimo dosditadores foi Aristoteles − via Igreja.

Claro, poderia-se arguir: e que estas revelacoes sao feitas apenas aos“iniciados ”. Discordo, quando um autor ocultista lanca um livro ele estafazendo proselitismo e visa arrebanhar ovelhas em todos os apriscos.

Que ele, o mestre, tenha seus segredos ocultos e um direito dele, masuma vez que ele se propoe a escrever um livro destinado ao publico, entao,no que se propoe a revelar, tem por obrigacao, como ja dissemos, ser claroe objetivo, nao hermetico; caso contrario posso ser levado a desconfiar quetrata-se de verborragia, tergiversacao, impostura.

• O hiperespaco permite aos gnosticos realizar atos extraordinarios. Jesuspode tirar seu corpo do sepulcro aos tres dias, gracas ao Hiperespaco. Desdeentao, o Mestre ressuscitado vive com seu corpo dentro do hiperespaco.

− Nao tenho como nao recordar o autor citado anteriormente:

A ciencia observa sutilmente o carater dos trabalhos de cunhoocultista e iniciatorio (entre aspas) e logicamente, com total razao, osdeprecia como nao-cientıficos e problematicos. Por esse motivo, mentesevoluıdas tambem os veem como algo leviano e, consequentemente, des-denham qualquer tipo de literatura sobre ocultismo e sabedoria espiritual.

(Mouni Sadhu)

• Todo iniciado que receber o Elixir da Longa Vida morre, porem naomorre. Ao terceiro dia escapa do sepulcro, utilizando o hiperespaco. Entao,o sepulcro fica vazio.

O desaparecimento ou aparicao de um corpo no espaco objetivo tridi-mensional, ou a passagem de uma pessoa atraves de um muro, realizam-secom pleno exito quando se utiliza cientificamente o hiperespaco.

Os cientistas Gnosticos colocam seu corpo fısico em “Estado de Jinas”e movem-se conscientemente no hiperespaco.

− E a isto a que me refiro: como nos, pobres mortais, que sabemos apenasraciocinar, digo, nao temos fe suficiente, temos condicoes efetivas de saber seo “Avatar da Era de Aquario ” esta falando a verdade ou apenas blefando?

Felizmente, o avatar se arrisca (ousa) “tangenciar” a matematica.

• A antiga Geometria fundamenta-se na hipotese absurda de que, por umponto, num plano, pode-se com seguranca completa tracar uma paralela ouuma reta, porem, somente uma, falando no sentido essencial.

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− Aqui o “veneravel mestre” comete, no mınimo, dois deslizes. Primeiro quenao trata-se de “hipotese ” mas sim de “postulado”− sao termos tecnicosda geometria que o avatar nao domina.

Segundo, ele nao soube enunciar corretamente o 5o postulado de Eu-clides, conhecido como “o postulado das paralelas ”, o qual reza:

“Por um ponto p exterior a uma reta r, considerados em um mesmoplano,

sp

r

existe uma unica reta paralela a reta r ”:

sp

r

Pois bem, nestes mais de dois mil anos de geometria euclidiana (“Aantiga Geometria”, a qual o autor se refere) nenhum matematico jamaisousou negar o postulado das paralelas e, nao obstante, o “Avatar da Era deAquario ” ousa nega-lo! . . . Pasmem!

Mais que isto: chama-o de hipotese absurda! Perguntamos: o que hade absurdo no postulado enunciado acima? Pelo contrario, e por demaisevidente!

• O Movimento Gnostico rechaca o ponto de vista Euclidiano das tresdimensoes conhecidas, por estar ja totalmente antiquada para a era atomica.

− Esse e um exemplo de Impostura Espiritual, para ludibriar e impressionarsuas tolas e cegas ovelhas. Em um outro contexto, Samael afirma que a 4a

dimensao e o tempo e a 5a e a eternidade. Quanto sua afirmativa de quea 4a dimensao e o tempo isto nada mais e que um plagio de Einstein queja afirmara a mesma coisa em 1905 na sua Teoria da Relatividade restrita.Quanto a quinta dimensao, pergunto: por que a 5a dimensao e a eternidade?So porque ele quer que seja? Qual a razao para essa afirmativa gratuita?

Minha conclusao nao poderia ser outra: Samael considera seus propriosdiscıpulos idiotas, sem capacidade de raciocınio ou discernimento.

Um outro flagrante plagio, mais a frente em seu referido livro Samaelafirma: “Nos, os gnosticos, afirmamos que o espaco infinito interplanetarioe curvo.”

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A curvatura do espaco e uma consequencia da Teoria da RelatividadeGeral de Einstein que e de 1915, portanto bem anterior ao livro de Samaelque e de 1959.

Aqui nao tenho como nao lembrar da advertencia de plagio, citada an-teriormente, que caracteriza muitas das obras de cunho ocultista, veja:

[. . .] Um senhor vai as grandes e pequenas livrarias e procura tıtulosde livros afins; entao examina-os, para ver o que seus autores pensama respeito disto ou daquilo. Anota as opinioes de que gosta, enumerasuas fontes e usa-as como uma estrutura para os principais capıtulos deseu futuro livro. O elemento de uniao sera dado por suas proprias su-posicoes e interpretacoes das “fontes”. E, no final, o trabalho pareceramuito erudito, mas, infelizmente, sera inutil para qualquer coisa alem dasimples leitura: nao pode servir de base para o estudo pratico de ninguem.

Observo tambem o seguinte: a “ciencia gnostica revolucionaria” deSamael fala muito em espacos multidimensionais, atomos de hidrogenio,carbono, etc. Pergunto: qual a contribuicao dada a humanidade por estaciencia revolucionaria? Conheco inumeras contribuicoes da “ciencia naorevolucionaria”, no entanto, nao conheco uma unica contribuicao efetiva daciencia gnostica. Pelo contrario, poderia arrolar inumeros males causadospor essa pretensa ciencia; por exemplo, alienacao e engodo, tal como as de-mais gaiolas religiosas que vivem a ludibriar os coitados dos seres humanosainda nao chegados a idade da razao.

• A Paralela Unica de Euclides e um sofisma para enganar gente igno-rante. A Gnosis rechaca essa classe de sofisma.

− Quando alguem faz uma afirmativa, principalmente desta envergadura,o bom senso nos diz que este alguem deve pelo ao menos tentar justificarseu posicionamento − nao e o que acontece com Samael. Ou ele julga seusleitores por demais estupidos? . . . Nem todos vivem apenas da fe, a exemplode seus discıpulos.

Veja, ate hoje, digo, transcorridos mais de 2000 anos, nenhummatematicoconseguiu ver nenhum sofisma na “Paralela Unica de Euclides”, sera que to-dos os matematicos, durante todos estes seculos, foram “gente ignorante”?Sera que apenas o “Avatar da Era de Aquario ” e gente sabia?

• O Movimento Gnostico revolucionario nao pode aceitar o postuladoindemonstravel que diz: “Por um ponto qualquer de nossa mente, pode-setracar uma paralela real; a realidade visıvel e somente uma”.

− Esse cara me parece louco, insano! Pura bravata! Mais uma vez o“Veneravel Mestre” demonstra que e ignorante no que diz respeito a matematica;com efeito, nenhum matematico, em sa consciencia, iria pedir que se demon-stre um postulado. Um postulado e uma assercao (proposicao) de base quese admite sem demonstracao, todos os matematicos sabem disso.

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Por outro lado, quem enunciou o postulado idiota que afirma “Por umponto qualquer de nossa mente . . . ”? Um postulado idiota destes so podeter saido da cabeca do proprio Samael − para ele proprio rechacar. Digo,assim como Jeova, no Antigo Testamento, levantou farao para mostrar seupoder a toda Terra, de igual modo Samael levantou este postulado parademonstrar seu poder a todas as suas simplorias ovelhas.

De fato, pelo que comeco a suspeitar, seus discıpulos sao cegos, sur-dos e mudos, “rechacando” um postulados destes “da matematica” ele seengrandece cada vez mais aos olhos dos incautos.

Engracado, estes “grandes mestres” falam com bastante frequencia so-bre a “eliminacao do ego ” entretanto, com se ve, eles proprios o possuemem grande medida.

Por outro lado, vejo nestas colocacoes sem nexo o mesmo tipo de impos-tura constante no livro Imposturas Intelectuais referido anteriormente.

A esse respeito, minha conclusao e a seguinte: Estas assertivas troni-truantes e estapafurdias tem uma consistencia tenue, pastosa, seus autorestentando dar-lhes uma consistencia mais solida tentam mistura-las com al-guma ciencia seria − como matematica e fısica, por exemplo − o resultadoe desastroso.

Para que o leitor tenha uma real dimensao da tragedia, e como se alguemtentasse misturar uma merda oriunda de uma diarreia com um punhado debarro tentando dar-lhe uma consistencia mais solida . . . infelizmente con-tinua merda do mesmo jeito!

• Os Mestres da Ciencia Jinas podem evadir-se da Terra para viver emoutros planetas com o corpo fısico que tem aqui. Eles podem levar esse corpode carne e osso para outro planeta. Esse e o grande salto. Alguns homensda ciencia Jinas ja deram o grande salto.

− Eu so posso ver estes shows de pirotecnia como falta de respeito do mestrecom os seus proprios discıpulos. De fato, quem raciocina um pouco (nao pre-cisa muito) comeca a se perguntar para que tipo de publico este “veneravelmestre” escreve.

Cara ovelha, tu nao observas o quanto teu mestre desdenha de tua in-teligencia? Observa o quanto teu mestre te considera tolo:

• Deve o devoto dar ordem ao corpo, e o corpo obedece, e se nao obedecebem e porque nao sabe, entao deve o devoto ensinar-lhe.

Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeca sideral do corpo astrale que penetre dentro do devoto por esta porta. O resultado e maravilhoso.O corpo obedece e entra dentro do devoto (no plano astral, nao e o devotoquem deve entrar dentro do corpo. No plano astral as coisas sao diferentes.Ali e o corpo que tem que entrar dentro do devoto).

− E precisamente em sandices deste genero que se cumpre a afirmativa doapostolo:

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Porque esta escrito: Destruirei a sabedoria dos sabios e aniquilarei ainteligencia dos inteligentes.

Porventura nao tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?(1 Co 1 : 19− 20)

Observei, ademais, que neste livro o autor tem bastante cuidado em ad-vertir seus discıpulos a que nao teorizem, nao questione seus ensinamentos,observe:

• O estudante nao deve perder tempo teorizando. E melhor praticar cala-do. Guardar em segredo os triunfos. Deve-se guardar muito silencio porqueesta ciencia e secreta. E melhor calar, pois, assim, evitamos as zombariasdos teoricos inuteis, que nao fazem e nem deixam fazer, sao verdadeirosparasitas sociais.

− Mais a frente o mestre reforca a advertencia.

• O Iniciado deve evitar cuidadosamente toda sorte de discussoes e dis-putas com pessoas incredulas que nao fazem e nem deixam fazer, que queremque o mundo marche de acordo com suas sabichonas afirmacoes, cheias detolices e malıcias da pior especie.

− E facil ver que as afirmacoes: “querem que o mundo marche de acordo comsuas sabichonas afirmacoes, cheias de tolices e malıcias da pior especie” seaplicam ao proprio Samael. E ele prossegue

• A religiao Jinas e muito sagrada. Aqui neste Livro Amarelo temosensinado a ciencia Sagrada dos Jinas para todos os seres humanos, menospara os imbecis. Os imbecis nao creem nela, nem a querem, nem a aceitamporque sao imbecis.

− A estas alturas a pergunta obvia, que salta a vista, e se nao se da exata-mente o contrario, isto e, se a ciencia Sagrada dos Jinas nao foi escrita paraos imbecis.

Finalmente, na conclusao do livro o mestre volta a colocar antolhos emseus discıpulos, que, como e facil ve, ja sao cegos por si mesmos.

• Aqui tendes, amadıssimos, um livro de ocultismo, absolutamentepratico. Pelo amor dos amores, nos, os irmaos do templo, vos aconsel-hamos com infinita humildade nao percam tempo teorizando. O opio dasteorias e mais amargo que a morte.

− E precisamente isto o que significa a expressao “lobos vestidos em pe-les de cordeiros ”: “amadıssimos ”, “Pelo amor dos amores ”, “com infinitahumildade”, etc.

Veja, a nefanda expressao “O opio das teorias e mais amargo que amorte ” e representativa de todas as religioes que, como ja falei mil vezes,nada mais sao do que gaiolas, aqui esta mais uma prova de que elas saozelosas em manter as ovelhas confinadas ao redil.

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No meu entendimento, um verdadeiro mestre − digo, um mestre naofarsante − nao iria aconselhar seus discıpulos a nao teorizar, pelo contrario,lhes diria: investiguem!

Como na ciencia, tambem nas re-

ligioes, a investigacao deveria ser livre,

nao fechada e condenada. (P. Ubaldi)

A teorizacao so nao e vista com bons olhos pelas religioes, por motivosobvios. Ao contrario, a Ciencia deve seu vertiginoso crescimento justamenteas discussoes, ao embate de ideias.

E por estas, e por outras, que as religioes encontram-se na Idade dasTrevas, que sao verdadeiros carceres que mantem aprisionadas milhoes dealmas infelizes.

Por oportuno, considero que o livro que o leitor tem em maos vem con-tribuir “Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisao os presos, e docarcere, os que jazem em trevas.” (Is 42:7)

Todavia, nao desconheco que a alma de muitos que estao confinados den-tro dos carceres religiosos estao tao adulteradas, deformadas, que certamenteassemelham-se aqueles presidiarios que apos cumprirem suas penas por lon-gos anos, rejeitam a liberdade e preferem continuar nos presıdios; perderamas asas e nao podem mais voar, a exemplo da borboleta, resignam-se a raste-jar como lagartas que sao.

Algumas pessoas sao como mariposas. Querem se atirar ao fogo emorrer. Preferem ser ludibriadas e enganadas pelos charlataes do queusar a inteligencia que Deus lhes deu. Nenhuma palavra de advertenciae capaz de dissuadi-las. Espera-se das pessoas que buscam a verdade es-piritual um comportamento diferente, ou seja, que usem a razao e sejamcapazes de realizar bons julgamentos. (Swami Bhaskarananda)

5.3 Uma Exegese de Nossa Odisseia Gnostica

. . . Porque surgirao falsos cristos e fal-

sos profetas, e farao tao grandes sinais

e prodıgios que, se possıvel fora, enga-

nariam ate os escolhidos. (Mt 24 : 24)

As vezes me ponho a elucubrar tentando compreender como e possıvelque tudo isto aconteca. Veja bem, que um homem comum seja desonesto,mentiroso, e facil entender, agora que o “Mestre”, o “Avatar da Era deAquario ” tambem o seja e de admirar; de fato, fiquei estupefato, embasba-cado com “o caso Samael ”.

Um ciclista bebado e uma coisa, outra bem diferente e um piloto de umBoeing drogue. Uma provavel tragedia causada por este ultimo e bem maiscatastrofica que uma causada pelo primeiro.

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Gentil 165

Um pensamento que despertou minha atencao, desde a primeira vez queo li, foi o seguinte: “Aos servos cabe mentir; aos livres, dizer a verdade. ”

(Apolonio)

Sendo assim concluo que a mentira e propria dos servos, dos escravos; logodevo concluir que os polıticos e muitos religiosos (padres, pastores, etc.), aexemplo de Samael, sao escravos. Ora, como e que um escravo pretendelibertar outro escravo? Para mim, tudo isto e meio inconsistente.

Veja bem, em minha analise anterior citei apenas um unico livro deSamael (ele tem varios) e me ative a praticamente um capıtulo do livro.Nao e difıcil concluir, por inducao, que os demais livros devem estar per-meados de obscuridades, de engodos. Eu pergunto: sera que as ovelhasgnosticas sao tao obtusas assim?

Sinceramente, creio que algumas sao cegas mesmo, outras nem tanto.Digo, a umas de fato falta a faculdade do raciocınio, outras, no entanto,sao lobos devoradores tosquiando incautas ovelhas − oportunistas e/ouegolatras.

De outro modo: este redil, como a maioria das religioes, e compostode ovelhas cegas e de “pastores” que enxergam muito bem. Em quasetodas estas religioes hierarquicas os que ocupam cargos na hierarquia saoindivıduos inchados de ego, soberbos por estarem acima dos demais. E olhaque a cantilena deles e justamente que as ovelhas devem se libertar da tiraniado ego.

Observe que dois mil anos foram insuficientes para que a natureza demuitos lıderes religiosos mudassem, digo, eles foram os mesmos ontem, hoje,e continuaram sendo por muito tempo − pelo ao menos enquanto existiremos tolos:

Entao falou Jesus a multidao e aos seus discıpulos,

Dizendo: Na cadeira de Moises, estao assentados os escribas efariseus.

Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas nao procedaisem conformidade com as suas obras, porque dizem e nao praticam.

(Mt 23 : 1− 3)

Enfatizo: isto que foi observado ha dois mil anos atras continua tao atualquanto antes: os lıderes ensinam mas nao praticam.

Gostaria agora de considerar um outro ponto que julgo de alguma relevan-cia. Os praticantes das ciencias ocultas, como os da gnose, se vangloriamfrente aos de outras religioes, que muito do que aprendem resulta de praticasespirituais, tais como “saıda em astral ”, despertar da kundalini, etc., e istoconstitui-se num diferencial, creem elas.

Nao quero aqui discutir o merito destas experiencias, o vies e outro. Eumesmo ja tive varios sonhos nos quais me encontrava perfeitamente cons-ciente, outros em que a “textura da realidade ” era por demais real, e aindative uma experiencia de saida fora do corpo.

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Entretanto, o que eu questiono e o embasamento teorico, ou ainda, asinterpretacoes que sao dadas a estas experiencias.

Veja, o fato de voce ter tido uma experiencia do genero nao implica quea sua interpretacao da sua experiencia seja correta, pode ser que nao.

Para que o leitor compreenda a perspectiva na qual me situo, veja quealguem que tenha um sonho comum, digamos, nem sempre tem a inter-pretacao correta para o seu sonho, isso e facil de entender.

De outra parte, observamos que na propria ciencia dar-se o mesmo. Digo,uma experiencia cientıfica − da fısica quantica, para nos situar − muitasvezes e fotografada, registrada em uma camara de bolhas, analisada emcomputador e, por vezes, os cientistas nao estao seguros de como interpretaresta experiencia. Por exemplo, li no livro Conceitos de Fısica Quantica(Osvaldo Pessoa Junior) que “Existem dezenas de interpretacoes diferentes daTeoria Quantica.”

Daqui se depreende que, na fısica, os experimentos, por vezes, nao saosuficientes para validar uma teoria. Ora, se para interpretar uma experienciacom todo estes aparatos nao existe unanimidade por parte dos fısicos, comoe que os ocultistas − com suas experiencias meramente subjetivas − tem apretensao de terem a interpretacao correta?

O que eu quero destacar aos estudantes de ciencias ocultas e que estu-dem, com igual denodo, tambem as “ciencias manifestas”− que lutem paravencer a preguica. Por que lhes faco esta observacao? E que a ciencia or-dinaria e quem vai muni-los da faculdade do raciocınio, da capacidade deargumentacao, para que nao sejam vıtimas de impostores.

Para aqueles discıpulos de Samael − e congeneres − que se crem pos-suidores da faculdade do raciocınio. . . sinto muito, mas nao parece. Comefeito, depois de tudo o que eu trouxe a baila, a respeito deste pretensomestre, nao concebo que alguem dotado de raciocınio esteja disposto aperder tempo com tantas e flagrantes imposturas!

Uma analogia: um microscopio e um telescopio encontram seu maximode utilizacao (rendimento) nas maos de um biologo e de um astronomo enao nas maos de um leigo.

De outro modo: Se colocamos duas celulas em dois microscopios identicose os damos a um leigo e a um biologo o que sucedera? Ambos tem amesma experiencia: observar uma celula ao microscopio; no entanto, a “in-terpretacao” do biologo sem duvida sera mais confiavel que a do leigo. Arazao e que o biologo possui todo um “aparato mental ” para interpretarsua “experiencia”.

Um leigo imprudente ao colocar os olhos numa celula sob um microscopiopode se valer de embuste (fantasiar, “viajar”) sobre o que observa, de igualmodo sucede a muitos dos que estao envolvidos com praticas experimentais,nao excetuando os proprios pretensos mestres.

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Voltando a um contexto anterior, ja tive uma indubitavel experienciade “projecao”† , no entanto, qualquer seja a minha interpretacao. . . e minhainterpretacao, so isto! Digo, nao vou alca-la a categoria de verdade − creioque estaria sendo ingenuo.

Ora, dentro deste contexto − de que as experiencias de saidas astraispodem comportar mais que uma interpretacao − gostaria de mencionar umaexperiencia do genero relatada no prefacio do Livro Amarelo de Samael.

Esta experiencia deu-se com um discıpulo do proprio Samael que ao sairem astral encontra seu mestre, em um lugar tenebroso, bebendo cerveja comnada mais nada menos que o proprio tinhoso. Veja alguns excertos do relato:

[. . .] pois bem, depois de fazer muitas praticas recordo que uma vez saıem astral e o primeiro que fiz foi procurar o Mestre e entao pedi que melevasse onde estivesse. Recordo que sai a uma velocidade fantastica pormuitas regioes ate que me deparei a uma grande cidade, sentindo o desejode dirigir-me a periferia da cidade sempre no alto ate que descendi emum bairro tenebroso muito escuro, cheio de cantinas e ruas estreitas compessoas de ma ındole; uma vez que estive na terra comecei a observar, abuscar pelas janelas e portas, mas eu nao encontrava senao sujos cabares,cantinas e lugares onde se vendia cerveja e se bebia toda classe delicores embriagantes.

Por uma janela consegui ver meu Mestre e foi-me uma grande sur-presa quando observei que ao lado dele estava um terrıvel demonio quelancava o rabo sobre o ombro e na ponta do rabo tinha uma especie deaguilhao ou unha que a colocava no ombro esquerdo do Mestre; para mimaquilo foi lamentavel porque disse a mim mesmo o seguinte:

“Veja este homem que me proıbe beber cerveja, esta nestes prostıbulose vıcios bebendo nada menos que com um demonio”.

Como seria para mim a desilusao e o susto que recebi que me pareceuum quadro desastroso a tal ponto que de imediato regressei ao corpo.

E o discıpulo continua seu relato. No outro dia vai tomar satisfacao comseu Mestre e este lhe convence de que, naquela ocasiao, estava tentandoconverter o Belzebu. No final − diante dos argumentos de Samael − odiscıpulo se arrepende por ter colocado seu amavel mestre sob suspeicao, econclui que a culpa era dele, discıpulo, por esta com a mente ainda suja.

Pois bem, a minha interpretacao deste passeio astral vai em outra direcao.Primeiro perceba que a cena presenciada pelo discıpulo denota intimidadeentre Samael e Belzebu. Segundo, como ja provei anteriormente, Samaele desonesto, e mentiroso e, segundo Apolonio, o mentiroso e um escravo.Portanto, como e que um escravo esta habilitado a libertar outro escravo?

†Sai do corpo e, flutuando, observava meu corpo na cama. Posteriormente, meu corpolevantou-se da cama (nele nao estava minha consciencia) e decidi interagir com ele − tipoaquelas cenas de televisao nas quais um ator contracena consigo mesmo.

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Sobretudo do porte de Belzebu − como se sabe, um impedernido expulsodo ceu porque os outros Anjos ja nao o aguentavam mais!

Nao foi Jesus que disse que “um cego guiando outro cego ambos cairaono abismo ”?

Portanto, a minha conclusao nao e a de que o Demo fosse mais um dosdiscıpulos de Samael, no meu entendimento − digo, pela cena − eles eramcolegas.

Para finalizar, gostaria de comentar sobre mais um ponto. Como disse,nao consigo ler um livro sobre ocultismo alem da terceira pagina, e muitafantasia para minha mente inquisidora. Eu pergunto, como e que as ovelhasdestes mestres conseguem engolir filigranas tais como − para citar apenasdois exemplos:

• Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeca sideral do corpo astral. . .

• O hiperespaco permite aos gnosticos realizar atos extraordinarios. Jesuspode tirar seu corpo do sepulcro aos tres dias, gracas ao Hiperespaco. Desdeentao, o Mestre ressuscitado vive com seu corpo dentro do hiperespaco.

Para elucidar a questao vou transcrever aqui uma fabula que achei per-feita, digo, que se encaixa muito bem nos “mestres do ocultismo” e suasincautas ovelhas.

As roupas nova do imperador

Ha imperadores que adoram declarar guerra aos tres reinos mais proximostodos os dias.

Outros ha cuja predileccao e construir belos castelos e palacios, cada umdeles maior e melhor que o anterior. Mas o imperador desta historia tinhauma paixao menos comum: adorava roupas novas. Era sabido que o impera-dor passava a maior parte do dia a experimentar uma roupa apos outra, paraassim descobrir qual era que favorecia mais a sua real (e generosa...) figura.

Certo dia, chegou a corte um par de velhacos que mais nao queria doque viver uma vida boa e ganhar algum dinheiro.

Anunciaram-se como teceloes e trataram de fazer saber que nao eramquaisquer uns:

- O tecido que fabricamos – diziam eles – e tao fino e o seu desenho taoraro e delicado que apenas as pessoas mais inteligentes e mais cultas saocapazes de ve-lo.

Nao tardou que a notıcia de vinda destes pretensos teceloes chegasse aosouvidos do imperador.

“Que util”, disse ele para os botoes. “Se eu vestisse uma roupa feita comaquele tecido, poderia em tres tempos saber quais dos meus ministros saodemasiado estupidos e inadequados para desempenhar as suas funcoes.”

Assim, ordenou que os teceloes comparecessem diante de si. Quandochegaram a corte, os dois trapaceiros fizeram uma grande venia.

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- De que modo podemos servir Vossa Alteza Imperial? – apressaram-sea perguntar.

- Gostaria de ter um fato todo feito com o vosso famoso tecido – declarouo imperador. – E quero que esteja pronto ate ao final desta semana!

- Com certeza – retorquiram os teceloes tranquilamente. – Temos apenasde tirar algumas medidas... Mas, meu Deus, Vossa Alteza tem o perfil deum homem de...vinte anos!

Em seguida, os teceloes mandaram vir rolos de fios de seda e de ouro para,segundo diziam, com eles fabricarem o seu famoso tecido. Foram instaladosdois enormes teares num quarto igualmente dotado de todos os confortos.Passavam o dia em frente aos respectivos teares, a fingir que teciam, mas,claro esta, nao havia qualquer fio para tecer.

O imperador estava ansioso por ver o andamento do trabalho no seu fato,mas, apesar de saber que era o homem mais esperto daquelas redondezas,ficou um pouco preocupado com o fato de talvez nao conseguir ver o tecido.

O imperador pensou bastante e durante muito tempo (alias, para ohomem mais esperto das redondezas, e surpreendente o quanto e durantequanto tempo ele pensou), ate que teve uma ideia.

- Chamem o meu primeiro- ministro! – berrou. – Ele ira inteirar-se doandamento do trabalho que os teceloes estao a fazer para mim.

Pois bem, o primeiro-ministro tambem nao conseguia ver nada, mas re-ceou que o imperador o dispensasse se demonstrasse ser um daqueles infelizesdemasiado estupidos para apreciar o tecido.

- E absolutamente perfeito para Vossa Alteza – relatou. – Com toda ahonestidade afirmo que nunca vi nada igual.

A cada dia que passava, os teceloes iam pedindo mais seda e mais fio deouro. Estes iam sendo guardados nas suas malas de viagem, para poderemestar prontos para uma fuga rapida!

Nao tardou que o imperador ficasse novamente impaciente. Enviou o seuchanceler para inspecionar o trabalho, so que o pobre homem nao conseguiaver fosse o que fosse, e a verdade e que tambem ele nao queria perder o seuemprego.

- E de uma beleza incomparavel – declarou. – Vossa Alteza ficara ver-dadeiramente encantado.

Por fim, o imperador ja nao aguentou mais. Apressou-se a ir ao quartoonde trabalhavam os teceloes e abriu as portas de par em par.

Os teceloes, que tinham ouvido o barulho das roupas do rei a arrastarpelo corredor, estavam atarefados de volta dos seus teares. As suas maosandavam para a frente e para tras e seguravam... em absolutamente nada!

O imperador estancou. Parecia um pesadelo! So ele, de toda a sua corte,era demasiado estupido para conseguir ver o maravilhoso tecido. Sentia agarganta seca e a voz ate tremeu quando anunciou:

- O primeiro–ministro e o chanceler foram pouco entusiasticos nos seuselogios. Este tecido e efectivamente lindo de mais para poder ser descrito

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por palavras!

No final da semana iria realizar-se uma grandiosa procissao. Natural-mente, era de esperar que o imperador fosse usar roupas feitas com aquelenovo tecido, de que ja todo o imperio ouvira falar. Os teceloes nao pararamde dia e noite, ocupados a cortar o ar com grandes pares de tesouras, a cosercom fios invisıveis e a fingir ir pregando botoes. Quando se cansaram disso,sorriram um para o outro e disseram:

- Aı esta! Um fato digno de um imperador!

Na manha da procissao, o imperador estava de ceroulas enquanto osteceloes o ajudavam a vestir a roupa nova. Concordou com tudo o que lhedisseram acerca do corte e das caracterısticas do tecido. Depois de andarumas quantas vezes para a frente e para tras, de modo a, segundo os teceloes,poder ver como a cauda do manto assentava bem, quase se convenceu queconseguisse mesmo ver o fato e que estava efectivamente muito bem feito.

E foi assim que o imperador saiu a rua, todo orgulhoso, a comandar oregimento real, vestido apenas com as suas segundas melhores ceroulas.

Comecou por reinar um silencio de espanto por entre a multidao queenchia as ruas, mas como ja todos tinham ouvido falar de que apenas aspessoas inteligentes conseguiam ver aquelas roupas, primeiro um, depoisoutro dos subditos exclamaram, a medida que o imperador ia passando:

- Maravilhoso! Soberbo!

Dali a pouco, ja toda a gente aplaudia e dava vivas. O imperador naocabia em si de contente.

Quanto toda a gente esta a fazer muito barulho, acontece por vezes haverde repente breves momentos de silencio. Um desses momentos deu-se quandoo imperador chegou a praca principal da cidade. No meio desse silencio, avoz de um rapazinho fez-se ouvir claramente em toda a praca.

- Mas, mae – gritou ele -, o imperador nao traz nada vestido!

Naquele momento terrıvel, a multidao caiu em si, vendo que o rapazdissera a verdade e que tinham sido tao palermas como o imperador. Umaapos outra, as pessoas comecaram a rir. Durante alguns segundos, o impera-dor ainda tentou manter a pose digna da sua posicao, mas depois lancou oseu manto imaginario para tras do ombro e desatou a correr de regresso aopalacio, numa atitude muito pouco digna de um monarca.

Diz-se que, depois disso, o imperador deixou de ser tao vaidoso emrelacao as suas roupas e talvez ate devesse agradecer aos malvados teceloes.Aqueles dois patifes tornaram-se tao invisıveis como as famosas roupas doimperador e nunca mais ninguem lhes pos a vista em cima.

In “Contos de Hans Christian Andersen”, adaptados por Cathie Shu-ttleworth, Cırculo de Leitores 1998

Esta fabula classica e de autoria do escritor Hans Christian Andersen(1805-1875) nascido na Dinamarca.

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Pois bem, esta metafora, em nosso contexto, esta por demais evidente,no entanto vou me permitir alguns paralelos (interpretacoes).

Os velhacos correspondem aos mestres e escritores do ocultismo. Os fiosinvisıveis que eles manipulam para ludibriar os incautos sao precisamentesuas “praticas espirituais” e filigranas, tais como:

• Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeca sideral do corpo astral. . .

• O hiperespaco permite aos gnosticos realizar atos extraordinarios. Jesuspode tirar seu corpo do sepulcro aos tres dias, gracas ao Hiperespaco. Desdeentao, o Mestre ressuscitado vive com seu corpo dentro do hiperespaco.

Pergunto, quem e que consegue enxergar fios tao “finos” quanto estes?So mesmo os mais “inteligentes ” da corte, “pobres e obtusos mortais”

nao conseguem enxergar nada! . . . Sniff!

Como os suditos mais “tolos” do reino nao conseguiriam enxergar nada,observe como os velhacos teceloes tem o cuidado para que todos guardemsegredo sobre suas inevitaveis frustracoes (“miopias”):

• O estudante nao deve perder tempo teorizando. E melhor praticar cala-do. Guardar em segredo os triunfos. Deve-se guardar muito silencio porqueesta ciencia e secreta. E melhor calar, pois, assim, evitamos as zombariasdos teoricos inuteis . . . (como eu)

Ainda podemos tirar mais um precioso aprendizado desta preciosa fabula.Observe que assim como o primeiro-ministro e o chanceler tiveram que men-tir ao rei para nao perder seus “cargos ”, dos quais sobreviviam, de igualmodo acontece com muitos dos que estao nas hierarquias de todas as igre-jas, tais como, pastores, padres, bispos, monsenhores, dirigentes gnosticos,etc., etc. Tem que continuar fingindo, mentindo∗ para nao perder seus car-gos nas hierarquias, tanto por uma questao de sobrevivencia quanto poruma questao de ego − posto que gozam de status e da admiracao e sub-serviencia que as cegas ovelhas lhes dispensam. E seu profundo instinto deconservacao que nao lhe permite honrar ou sequer mencionar a verdade sobqualquer ponto de vista.

O que um teologo considera ver-

dadeiro nao pode nao ser falso: nisso

reside praticamente um criterio de ver-

dade. E seu profundo instinto de con-

servacao que nao lhe permite honrar ou

sequer mencionar a verdade sob qualquer

ponto de vista. (Nietzsche)

Mais ai de vos, padres, pastores e

“mestres”, hipocritas! Pois que fechais

aos homens o reino dos ceus; e nem vos

entrais, nem deixais entrar aos que estao

entrando. (Mt 23 : 13/Parafrase)

∗Nao digo todos, dentre estes, existem aqueles que sao ingenuos mesmo para acreditarcegamente em muitas das tolices que ensinam.

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Adendo: Apos eu ter chegado a indubitavel conclusao de que o “Avatarda Era de Aquario ” nao passava de um impostor, fiquei curioso em saberse mais alguem ja havia chegado a essa mesma conclusao.

Digitei no Google “Samael Farsante”, qual nao foi minha surpresaquando descobri que muitos outros, por caminhos diversos, tambem ja haviamconcluido que o avatar e desonesto e, portanto, um mentiroso.

Para citar apenas um exemplo, encontrei o artigo “Por que me fui”de Julio Medina Viscaino, um ex gnostico, que, por sinal, e quem assina oprefacio do Livro Amarelo de Samael; em seu extenso e detalhado artigoMedina afirma, e prova, que Samael plagiou a obra de dois escritores rus-sos, G. I. Gurdjieff (1872?-1949) e P. D. Ouspensky (1878-1947). Isto, paramim, so veio reforcar minha conviccao de que ao “papa” da Gnose se aplicaperfeitamente a advertencia feita no inıcio deste capıtulo por Mouni Sadhu:

E facil compilar sentencas complicadas, por tras das quais se pode es-conder a falta de experiencia pessoal. Sei de muitos (muitos mesmo, in-felizmente!) escritores de livros espiritualistas e ocultistas que comecame terminam seus trabalhos com uma pesquisa “conscienciosa” . . .

Se o grao de trigo nao morrer . . .

Adendo: Tive a oportunidade de conversar com um instrutor da Gnose e lhefalei sobre o conteudo deste capıtulo do meu livro.

Eu esperava do mesmo uma reacao de humildade, compreensao e, pos-sivelvemente ate de agradecimento; pelo contrario, depois de lhe expor osblefes cometidos pelo “Avatar da Era de Aquario ” ele tentou em diversasocasioes esbocar alguns argumentos em defesa do seu mestre − Ademais,me disse que eu estava perdendo meu tempo em escrever este livro (semconhecer o livro, lembro), que tudo ia continuar como esta.

Por exemplo, que seu mestre nao plagiou os dois autores russos ja referi-dos, uma vez que os cita em alguns de seus livros. Lembrei-lhe que seumestre fora desonesto em matematica. Fora desonesto em se apropriar deconclusoes da teoria de Einstein − como por exemplo, o tempo ser a quartadimensao e a curvatura do espaco −, nao vi em momento algum do livro eleda credito ao cientista.

Se um pretenso mestre e desonesto em um ponto (quanto mais emvarios), isto, no meu entendimento, compromete toda a estrutura de suaobra.

Disse-lhe que via muitas das afirmacoes do seu mestre como meramentegratuitas, como por exemplo:

• . . .Deve ordenar ao corpo que salte sobre a cabeca sideral do corpo astrale que penetre dentro do devoto por esta porta. . . .

Ele me perguntou se eu havia compreendido esta passagem. Respondi

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que nossa mente e muito habil, engenhosa em atribuir sentido as situacoes.E a propria mente quem ordena, classifica, procura ver sentido nas coisas.Tudo se passa como naquela brincadeira em que as criancas observam asnuvens e cada uma relata o que ve. Uma ve um elefante, outra ve umagirafa, e assim por diante . . . cada um ve o que quer ve, o que se dispoe aver.

E facil inferir que todo discıpulo ve o que o seu mestre quer que ele veja.Ou ainda, que toda ovelha ve o que o seu pastor ou padre quer que ela veja.

O que muitos nao compreendem e que num mesmo “quadro” podemosenxergar muitas “realidades”, tal como se da nas ilusoes de otica, veja no-vamente:

Cada um escolhe o que quer ve. Como o sabio afirmou:

O mundo de voces e um mundo criado pelo ego; o mundo de voces eum mundo projetado. Voces estao usando o mundo real como uma telae projetando nela as suas proprias ideias. (Osho)

A realidade (Consciencia) e neutra, e uma tela em branco, o ego se en-carrega da pintura − pinta o lhe aprouver, veja:

Em Minha forma mais pura, sou o Absoluto. A partir dessa formaverdadeiramente pura, Eu sou como voce me faz. (Deus/vol. II, p. 302)

Na verdade o que vai definir a qualidade de uma obra e a qualidade doego de quem a executa. E tal como se da, por exemplo, em todas as artes.Existem musicas e lixos, existem literaturas e lixo, existem filmes e lixos −existem religioes e lixos.

Como se diz, ha gosto pra tudo. Mais uma vez vale a pena lembrar:

Eles deformam o real porque o apreendem espontaneamente atravesde suas impressoes sensıveis, de seus desejos, suas paixoes, seus inte-resses, seus habitos, em suma, atraves de tudo aquilo que os confina nessereino de ilusoes em que, impotentes para ver os objetos cujas sombrasnao passam de sombras, ignoram que elas sao sombras e as tomam porrealidade. (Parafrase)

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Por oportuno, ja me perguntaram por que eu nao estudava numerolo-gia ja que trabalhava com matematica. Ja li sobre numerologia e tive aoportunidade de observar que sao conclusoes fantasiosas, engendradas, saoconstrucoes para ludibriar os incautos. Li um artigo do genero no qual tivea oportunidade de discernir com clareza o engodo (“arquitetura”) . . . comodisse, cada um ve o que quer ver!

O ego e muito falaz. Ele vai escutando o que deseja escutar. Elevai interpretando o que quer interpretar; ele nunca ve a realidade. Elejamais permite que a realidade se revele a voce. As pessoas que vivemenvoltas pelo ego vivem atras de cortinas. E essas cortinas nao saoinativas − elas sao cortinas ativas; tudo o que passa por essas cortinas,elas o mudam e transformam.

E as pessoas vao vivendo num mundo criado por elas mesmas. Oego e o centro de seu mundo, de seu falso mundo − chame-o de maya,“ilusao” − e em torno do ego elas vao criando um mundo. . . diferentedo mundo de qualquer outra pessoa. Somente elas vivem nesse mundo.

Quando voce abandona o ego, voce abandona todo um mundo quevoce criou em torno dele. Pela primeira vez, voce se torna capaz de veras coisas como elas sao, e nao como voce gostaria que fossem. E, quandovoce consegue ver a realidade dos fatos da vida, voce se torna capaz deconhecer a verdade. (Osho)

Adendo:

No capıtulo 2 fiz o alerta de que muito do que querem nos vender comosendo a verdade nao passam de estereis construcoes mentais. Encontreiem um livro sobre ocultismo∗ mais um exemplo das imposturas que estamosdenunciando. Esse livro esta recheado de construcoes engendradas, vou citarapenas um exemplo da matematica, ou pseudo matematica.

Soma Teosofica (p. 55)

Ela consiste em conhecer o valor teosofico de um numero pela soma ari-tmetica de todos os algarismos que se seguem a unidade ate o numero que sedeseja conhecer. Exemplo: a soma teosofica de 4 e 10. Assim: 1+2+3+4 =10. Outro exemplo: a soma de 7 e 28. Assim: 1+ 2+3+4+5+6+7 = 28.Ora, 28 se reduz dessa maneira a 2 + 8 = 10. Poderıamos propor a ummatematico, desse modo, a seguinte operacao intrigante para ele:

4 = 10

7 = 10

portanto, 4 = 7.

∗Tratado de Ciencias Ocultas-I, Papus, Editora Tres/ c© 1984.

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Essas operacoes sao faceis de aprender e sao indispensaveis ao conheci-mento dos escritos hermeticos.

O autor nao da nenhuma justificativa da razao desta ultima afirmativa.Ele prossegue com varios malabarismos aritmeticos − dos quais pouparei oleitor. Apenas observo que se o leitor porventura conhece alguma aplicacaocientıfica seria da “soma teosofica” por favor queira me informar.

Mais a frente o autor afirma: (p. 111)

“Pitagoras designava Deus por 1, a materia por 2, e exprimia o universopelo numero 12, que e a reuniao dos dois outros. Esse numero se formavapela multiplicacao de 3 por 4. Assim, esse filosofo concebia o mundo comocomposto de tres mundos particulares que, encadeados um ao outro emmeio a quatro modificacoes elementares, desenvolviam-se em doze esferasconcentricas. [. . . ]”

Entao, aqui apenas observo que o numero 12 tambem “se forma pela mul-tiplicacao de 2 por 6”, . . . o que significa que os 2 bracos de Hercules traba-lhando 6 horas por dia sem parar resultam nos 12 trabalhos de Hercules.

Mais uma vez,

Construcoes Mentais!

Elaboracoes Mentais!

Combinacoes Mentais!

Masturbacoes Mentais!

Para finalizar este adendo farei uma breve citacao de uma festejada obrado ocultismo∗ mundial: (p. 152)

“O numero 7”, diz a Cabala, “e o grande numero dos Misterios Divinos”.O numero 10 e o de todos os conhecimentos humanos (a Decada pitagorica);1.000 e a terceira potencia de 10; e, portanto, o numero 7 e igualmentesimbolico. Na Doutrina Secreta, o numero 4 e o sımbolo masculino apenasno plano mais elevado da abstracao; no plano da materia, o 3 e o masculinoe o 4 o feminino − a linha vertical e a horizontal no quarto grau do sim-bolismo, em que os sımbolos se convertem em signos dos poderes geradoresno plano fısico. [. . . ]

Entao, o coitado do Pitagoras deve esta se revolvendo no tumulo por tan-tos disparates que lhe sao atribuidos. Volto a perguntar: qual a contribuicaodestas “Ciencias Ocultas” a humanidade?

A autora nao justifica por que “o numero 10 e o de todos os conhecimen-tos humanos.”

Uma ultima citacao de A Doutrina Secreta (p. 183). Dentro de um con-

∗A Doutrina Secreta, de Helena Petrovna Blavatsky/vol. I, Cosmogenese.

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texto “hermetico” a autora faz uma citacao da “Medida de um Homem” ede seu valor numerico (cabalıstico), cita ela que no capıtulo IV do Genesis.

E chamada a Medida do “Homem igual a Jehovah”, obtendo-seda seguinte maneira: 113×5 = 565; e o valor de 565 pode ser enunciadosob a forma 56, 5 × 10. Aqui o numero do Homem, 113, se converte emum fator de 56, 5 × 10, e a leitura (cabalıstica) desta ultima expressao eJod, He, Vau, He, ou Jehovah. . .O desdobramento de 565 em 56, 5× 10tem por fim demonstrar como o princıpio masculino (Jod) emanou dofeminino (Eva); ou, por assim dizer, como o elemento masculino nasceude uma fonte imaculada. Em outras palavras: uma imaculada conceicao.

O que fazer com tanta “exuberancia”? pelo visto so nos resta nos reti-rarmos a nossa insignificancia.

E o pior e que existem discıpulos que acabam por se convencer que estessao conhecimentos elevados demais para que possam ser assimilados numaprimeira leitura! . . . Pasmem!

Independente de quaisquer justificativas (desculpas) e o que eu disse:todo autor tem por obrigacao esforcasse para se fazer compreendido, naoe o que constatamos nos autores ocultistas, simplesmente, sem mais nemmenos, atiram suas afirmacoes estapafurdias na cara do leitor; ele, se forinteligente, que se desvie.

A minha tese e a de que todas estas “prestidigitacoes” encontram-sedisseminadas em todas as religioes (inclusive veladas sob os “rituais”); e isto,da sustentacao a toda uma hierarquia parasita, e infla o ego dos lıderes; naoe difıcil ver isto − desde que nao se seja cego, claro. (fecha Adendo)

Retomando: Pois bem, apos o dialogo que tive com o referido instrutorda Gnose me pus a refletir e procurar entender o por que de sua reacaodefensiva a argumentos tao claros como os que lhe expus.

Cheguei a algumas conclusoes. Por exemplo, essas pessoas dedicam anose anos de suas vidas (10, 20, 30, etc.) a acreditarem e ensinarem sobredeterminados dogmas; pregam a seus filhos, conjuges, vizinhos e amigos,etc − sem falar que muitos tiram daı o proprio sustento e de suas famılias.Ademais, existe em grande medida a questao do ego, sao lıderes, pastores,padres, instrutores, etc. o que lhes confere status e admiracao por parte desuas simplorias ovelhas − sao inflados de ego.

De repente, se deparam com a dura realidade de que passaram anos eanos se alimentando de fantasias, seus castelos de sonhos foram construidossobre a areia; muitos, por uma questao de sobrevivencia do proprio ego,escolhem continuar vivendo as fantasias em que sempre acreditaram − elasja fazem parte do seu proprio ser. Foi o que conseguiram pintar em suastelas (consciencia), com seus pinceis, durante anos e anos.

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Eles estao repetindo a mesma atitude de alguns “sabios” con-temporaneos de Galileu que simplesmente se recusaram a olharos ceus pelo telescopio para nao verem seus castelos de ilusoesdesmoronarem.

Um buscador esta sempre pronto a

mudar, mas um seguidor e teimoso, in-

flexıvel. Diante da luz, preferira cerrar

os olhos em vez de ve-la, pois ele investiu

muito. (Osho)

Minha tese e a de que muitos dos

praticantes destas “ciencias esotericas”

(ciencias ocultas) podem ser enquadra-

dos na categoria de fosseis vivos.

No que me toca, e apos detidas reflexoes, tomei como lema sempre des-confiar das “ciencias ocultas” ou esotericas − a bem da verdade foi assim queme programei para detectar fissura nas estruturas −, penso que o que e bom,o que e verdadeiro, deve ser compartilhado com todos, sem escamotecoes,sem engodos; de maneira clara e objetiva.

Os cultores destas “ciencias” estao para os alquimistas da Idade Mediacomo estes estao para os quımicos de nossos dias − sao verdadeiros fosseisvivos. Para contextualizar, ha nao muito tempo atras assisti a uma palestragnostica na qual o palestrante afirmou que quando dormimos a alma sai docorpo mas ligada por um cordao de prata e que se eventualmente um onibusatropelar o cordao nao ha nenhum problema posto que o mesmo e muitoflexıvel. Raciocinei: Ora, sendo assim o “lado de la” esta mais atrasadoque o “lado de ca” − tecnologicamente falando −, deste lado os objetos saoligados inclusive atraves de ondas eletromagneticas, e o que ocorre quandovoce se conecta a sua televisao com o auxılio de um controle remoto.

Um artista tem consciencia de que sua arte (literatura, musica, pintura,escultura, etc.) − em muitos casos − e ficcional, e um produto de suamente; como uma construcao artıstica nao vejo problema nenhum, uma vezque o artista tem consciencia disto e nao tenta enganar as pessoas dizendotratar-se da realidade tal como ela e. O problema esta em que as religioes,notadamente as deste genero, vendem os seus desvarios como sendo a purarealidade . . . nao posso assistir a tudo de bracos cruzados.

O dirigente gnostico me disse (insinuou) que eu deveria empregar meutempo em algo mais produtivo do que perde-lo em escrever este livro − poisque tudo iria continuar como esta, e me citou o exemplo do Edir Macedoque foi denunciado (abracando dolares) em Rede Nacional e suas igrejascontinuam lotadas.

Em parte ele tem razao, infelizmente a cegueira espiritual se alastra emtodos os quadrantes da sociedade, principalmente entre os que se encontramnestas religioes. No meu entendimento, a pior das molestias nao e a leprafısica, esta Jesus curava em seu tempo e a ciencia cura hoje, e a cegueiraespiritual, esta nem Jesus curou em seu tempo e nem a ciencia hoje em dia.

Entretanto creio firmemente no que o sabio profetizou:

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A religiao de amanha se unira a ciencia e devera se basear em pos-tulados racionalmente demonstrados, se quiser ser aceita. (Pietro Ubaldi)

Observo que este amanha ja chegou, ele vem sendo preparado desde Es-pinosa com sua obra prima “Etica Demonstrada pelo metodo geometrico”∗

passando pela fısca quantica (ver [7]) e posso tambem incluir este meu tra-balho como uma contribuicao neste sentido.

Creio ademais, na sabia observacao que diz “Quando o discıpulo estapronto, o mestre aparece ”, e o mestre pode aparecer de varias formas, in-clusive na forma de um livro. Mas, somente aos que “estao prontos ”, umindivıduo que vira as costas a qualquer ensinamento, sem examina-lo comisencao, e porque ainda nao esta pronto, para estes o mestre nao aparece.

O valor de uma nossa aquisicao e proporcional ao esforco despendido nasua conquista†. Me parece ser esta uma lei da natureza. Os que nao se es-forcam por adquirir autonomia espiritual − os indolentes que tem preguicade raciocinar e transferem este ofıcio a outrem − recebem como castigo umaeterna dependencia de seus respectivos algozes (lobos tosquiadores), e o quese observa em igrejas e templos, nao tenho duvidas que a estes se aplica:

Porem nao vos tem dado o Senhor um coracao para entender, nemolhos para ver, nem ouvidos para ouvir, ate o dia de hoje. (Dt. 29 : 4)

Voltando a um ponto anterior (“ma vontade” do gnostico para enxergaro obvio, o sol) lembrei da parabola do jovem rico:

E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre,que bem farei, para conseguir a vida eterna? [. . .]

Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens,da-o aos pobres, e teras um tesouro no ceu; e vem e segue-me.

E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuıamuitos bens. (Mt 19 : 16, 21− 22)

De igual modo sucede com os que se encontram dentro destas religioes:sao possuidores de muitos “bens ”, e, assim como o jovem “rico” da parabolaquando a realidade bate as suas portas, quando seus barcos ameacam socobrar,ao inves de se desfazerem de suas tralhas e cacareus para salvarem suas vidas. . . batem tristes em retirada.

Na verdade, na verdade vos digo que,

se o grao de trigo, caindo na terra, nao

morrer, fica ele so; mas, se morrer, da

muito fruto. (Jo 12 : 24)

Na verdade, na verdade vos digo que,

se o ego, encarnando na terra, nao mor-

rer, fica ele so; mas, se morrer, da muito

fruto. (Parafrase)

∗O Livro Etica demonstrada pelo metodo geometrico tem uma estrutura baseada nomodelo geometrico do matematico Euclides.

†Excecao feita a algumas conquistas “amorosas”.

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Acredito que o matematico desenvolva um “sentido” irredutıvel avisao, a audicao e ao tato, que lhe permite perceber uma realidade taopalpavel quanto, mas bem mais estavel que a realidade fısica, pois naolocalizada no espaco-tempo. (Alain Connes)

∗ ∗ ∗Um texto para reflexao

O episodio descrito a seguir − bom para reflexao − revela a situacaopusilanime de muitos religiosos de periferia tais como: padres, pastores,ovelhas, “mestres”, etc.

Um monge jaina me procurou. Disse que fora um monge jaina du-rante trinta anos. “Hoje eu sei que escolhi um caminho que nao me serve,mas agora nao posso abandona-lo porque, se o abandonar, o que farei?Nao tenho instrucao. Fui iniciado no mosteiro quando ainda era umacrianca. Estes trinta anos de vida monastica tornaram-me totalmentedependente dos outros. Nao posso fazer nada; nao posso fazer nenhumtrabalho fısico. Eu sou tao respeitado! Ate mesmo pessoas importantesvem ate mim e curvam suas cabecas. Se eu deixar de ser monge − e seique agora isso nao me serve − essas mesmas pessoas que hoje tocam osmeus pes, nao me empregarao nem mesmo como criado. Assim, o queposso fazer?”

Ha muito investimento. Todo o prestıgio, respeito, honra, estao agoraem jogo. Entao eu lhe disse: “Se voce e realmente um buscador, joguetudo isso fora. Seja um mendigo ou um louco, mas nao seja falso. Sevoce sabe que esse caminho nao lhe serve, entao abandone tudo aquiloque obteve atraves dele. Nao seja falso, nao seja inautentico.”

Ele disse: “Pensarei a respeito. Mas acho difıcil.”Ha tres anos ele vem pensando a respeito. Nao me procurou mais.

Nao me procurara. Ele e um seguidor, nao um buscador. Um buscadorabandona tudo no instante em que percebe que algo nao lhe serve. Naoha hesitacao. [. . .] Seja um buscador, nao um crente.

(Osho/A Nova Alquimia, p. 47/Cultrix)

Observe que muitos dos “crentes” sao bem mais covardes que o mongejaina do nosso texto. Com efeito, o pobre monge foi iludido ainda crianca enao adquiriu instrucao para tornar-se independente, ao contrario de muitos“crentes” que, mesmo com outras alternativas de sobrevivencia, nao tem acoragem de deixarem suas tralhas e cacareus para tras. E bem verdade que,em certos casos, o que falta nao e coragem, o que lhes impede e o excesso devaidade, sao inchados de ego: “Eu sou tao respeitado! Ate mesmo pessoasimportantes vem ate mim e curvam suas cabecas.”

Pelo ao menos em um ponto o pobre monge foi mais inteligente que os deoutras religioes: ainda vivo se deu conta de que fora iludido desde crianca.

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5.4 O Alquimista

O genero literario do consagrado escritor Paulo Coelho e esoterismo(ocultismo), o que evidentemente tem a ver com o tema por nos abordado.Em toda minha vida pregressa li, ha muitos anos, um unico livro do referidoautor.

Ha poucos dias um amigo me traz a notıcia sobre o ultimo livro do PauloCoelho: O ALEPH. Me dizia esse amigo que tinha a ver com matematica e,de fato, na matematica a letra aleph (ℵ), do alfabeto hebraico, denota umaespecie de infinito.

Fiquei curioso e pedi o livro emprestado para ler. O livro e o relato deuma viagem de trem que o autor fez pela ferrovia Transiberiana partindo deMoscou ate Vladivostok (9.288 km).

De inıcio percebi que o Aleph de Paulo nada tem a ver com o damatematica. O Aleph do autor “e um ponto que contem todo o Universo”;ou ainda, em suas proprias palavras: “Estou no Aleph, o ponto onde tudoesta no mesmo lugar ao mesmo tempo”.

Pelo que entendi − se e que entendi − este era um ponto dentro dotrem e que tinha a propriedade de transportar Paulo Coelho a outras vidaspassadas.

Vou me permitir uma analise de alguns poucos pontos que me chamarama atencao no referido livro − deveras me surpreenderam. A primeira coisaque me chamou a atencao no livro foi o fato de que ate hoje o consagradoautor ainda nao tenha encontrado seu proprio caminho − nao obstante suasinumeras peregrinacoes ao redor do mundo. Na orelha de seu livro lemos:

Em 2006, com profundas duvidas em relacao a sua fe e sentindo-se infeliz, Paulo coelho busca a orientacao espiritual de seu mestre eouve o seguinte conselho: “Esta na hora de sair daqui, reconquistar seureino.”

Pra comecar nao entendo como um infeliz “tem sua obra publicada emmais de 150 paıses e traduzida em 71 idiomas.” Estaria a humanidadedoente?

Veja um trecho do dialogo entre Paulo e seu mestre J.:

− Vou lhe dizer o que voce sente − continua J. − Que tudo o que aprendeunao lancou raızes, que e capaz de mergulhar no universo magico, mas naoconsegue ficar submerso nele. Que talvez tudo isso nao passe de uma grandefantasia que o ser humano cria para afastar seu medo da morte.

Paulo responde:

As minhas questoes sao mais profundas: sao duvidas de fe. Tenho umaunica certeza: existe um universo paralelo, espiritual, que interfere nestemundo em que vivemos. Fora isso, todo o resto − livros sagrados, reve-lacoes, guias, manuais, cerimonias −, tudo isso me parece absurdo. E, oque e pior, sem efeitos duradouros. (p. 15)

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Estou de acordo com o mestre de Paulo, ou melhor, tenho a certeza doque ele duvida, de fato “tudo isso nao passa de uma grande fantasia”. Reflitacaro leitor sobre as palavras de Paulo: Tudo isso que lhe parece absurdo esem efeitos duradouros e precisamente o que ele tem vendido em seus livros.A prova e que para ele proprio seus devaneios nao servem de nada, veja:“Em 2006, com profundas duvidas em relacao a sua fe e sentindo-se infeliz,Paulo coelho busca a orientacao espiritual. . . ”.

Em dado momento do dialogo o mestre J. retruca a Paulo: (p. 16)

− Nao diga bobagens, por favor. Nao me faca acreditar que realmente temrazao e que nao aprendeu nada durante esses 24 anos que passamos juntos.

Um outro ponto que muito me chamou a atencao no livro e que os ensi-namentos de Paulo resumem-se a velhos chavoes desbotados, por exemplo:

− Apenas duas coisas podem revelar os grandes segredos da vida: o sofri-mento e o amor.

Um dos grandes segredos da vida − equivalencia entre massa e energia− nos foi revelado por Einstein: E = mc2. Nunca ouvi dizer que para adeducao desta formula tenha sido necessario o cientista sofrer ou amar. Naosao condicoes nem necessarias e nem suficientes. Veja um outro chavao:

− Se buscamos alguma coisa, essa coisa tambem esta nos buscando.

A dar credito a essa “perola de sabedoria” de Paulo Coelho: estou bus-cando a miss Brasil, sera que a miss Brasil tambem esta me buscando?

Nao observei densidade em seus ensinamentos, sao triviais e superficiais.

Uma outra surpresa que tive ao ler o Aleph e que Paulo Coelho aindahoje e dependente do fumo e do alcool, por exemplo:

− Fumei alguns cigarros junto com o grupo de pessoas para atravessar aestreita porta que leva ao proximo vagao. (p. 229)

Nessa viagem de Paulo tres leitores de seus livros o acompanhavam comoconvidados, em dado momento um dos discıpulos torna-se conselheiro domestre (ou ıdolo), veja:

Pedimos que tragam bebidas. Um dos leitores nos recomenda cautela,aquilo e uma mistura de vodca da Mongolia e da Siberia e no dia seguinteteremos que aguentar as consequencias. Mas todos estao precisando be-ber para aliviar a tensao. Viramos o primeiro copo, o segundo, e antesque a comida chegue ja pedimos outra garrafa. Finalmente, o leitor quenos alertou sobre a vodca decide que nao ira ficar sobrio sozinho e en-torna tres doses seguidas, enquanto todos nos aplaudimos. (p. 188)

O resultado nao poderia ser mais desastroso, no dia seguinte o autorse lamenta: “Sinto uma insurportavel dor de cabeca por causa da vodcamongol-siberiana, apesar de todos os comprimidos e antiacidos ”.

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Talvez isso ajude a explicar por que o mestre de Paulo lamenta: “Naome faca acreditar que realmente tem razao e que nao aprendeu nada duranteesses 24 anos que passamos juntos.”

O que esta em perfeita sintonia com o que assevera um outro mestre es-piritual:

Como pode alguem que esteja escravizado aos sentidos apreciar omundo? Enquanto rasteja na lama primordial, as nuancas sutis da vidapermanecem fora do seu alcance. O homem afeito as paixoes primitivasperde o refinado senso de discernimento. (Yogananda)

Espiritualidade primitiva

Paulo Coelho relata em seu livro um ritual que fez em uma igreja, jun-tamente com uma sua companheira de viagem:

Eu a levo pela mao ate o interior. Nao e a primeira vez que entro emuma igreja ortodoxa. Nunca aprendi direito o que devia fazer, alem deacender finas velas de cera e rezar para os santos e anjos me protegerem.[. . .]

Vou ate uma senhora sentada em um canto, compro quatro velas,acendo tres diante da imagem que me parece ser a de Sao Jorge e pecopor mim, pela minha famılia, pelos meus leitores e pelo meu trabalho.[. . .] (p. 147)

Devo presumir que nos outros livros de Paulo constam outros rituais dogenero. Quando um neofito le estes relatos e induzido a concluir que o magodeve ser alguem de elevada espiritualidade − pelo ao menos e isso o que eletenta demonstrar.

Na minha leitura o mago Coelho e um charlatao da espiritualidade. Issomesmo, estes seus rituais a mim provam exatamente o oposto do que elegostaria de transmitir aos incautos: trata-se de um frustrado no universoespiritual. Nao e difıcil provar isso. A religiao de Paulo e a descrita a p. ??.

Nao apenas por ele ser catolico − devoto de santos − sua pratica dar-sea nıvel de ensino fundamental. Podemos considera-lo um fossil vivo.

Veja, ele mesmo assevera: “Fora isso, todo o resto − livros sagrados,revelacoes, guias, manuais, cerimonias −, tudo isso me parece absurdo. E,o que e pior, sem efeitos duradouros. (p. 15)

Em seu livro consta que Paulo Coelho sofre de depressao e “Em 2006,com profundas duvidas em relacao a sua fe e sentindo-se infeliz. . . ”

Com 59 anos de idade (Paulo nasceu em 1947) penso que ja era hora doautor ter se encontrado em suas buscas espirituais. Se ele fosse inteligente,ou sincero, ja deveria ter desconfiado do caminho que escolheu.

Ja disse, e volto a repetir, a verdadeira religiosidade ja foi preconizadapor Jesus a milenios em Jo 4 : 23− 24.

O homem, quando chega a certa altura de sua evolucao espiritual nao

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precisa se apegar a nenhum santo, nao precisa ser um pedinte, um indigente.Sua relacao e direta com Deus: “porque o Pai procura a tais que assim oadorem.” (veja Jo 4 : 23− 24)

Tenho percebido − e nao e difıcil qualquer um perceber − que aquelesque praticam uma religiao de mendicancia, de pedir favores a santos, vivemnum eterno estado de dependencia; que e o caso do proprio Paulo Coelho,como se deduz de inumeras passagens de seu livro.

Com 59 anos de idade ele ainda ouve de seu mestre: “Nao diga bobagens,por favor. Nao me faca acreditar que realmente tem razao e que nao apren-deu nada durante esses 24 anos que passamos juntos.”

Ademais, ainda nem sequer conseguiu se libertar das algemas do fumo edo alcool − que e o be-a-ba da espiritualidade −, como um escravo pretendelibertar outros escravos?

Don Juan sexagenario

Um outro ıtem que muito me chamou a atencao no livro do mago Pauloe que ele tenha decidido compartilhar com seus leitores suas experienciasde conquistador, no vagao em que viajava. Veja, no que vou transcrever aseguir nao acho que esteja invadindo a privacidade do escritor uma vez quefoi ele mesmo que decidiu escrever em seu livro − minha fonte.

Juntamente com Paulo Coelho, na saıda de Moscou, embarcou uma turcade 21 anos para acompanha-lo na viagem − uma exımia violinista, por nomeHilal, leitora de Paulo.

Paulo, em dado momento da viagem, encontra-se com Hilal exatamenteno “ponto Aleph” − que encontra-se no trem − e nesse ponto tem a visaode que numa vida passada Hilal fora apaixonada por ele.

O mago descreve algumas cenas “calientes” em seu livro com o intuito deprender a atencao do leitor se ele faria ou nao sexo com sua acompanhante,por exemplo:

− Hilal esta do lado de fora, de camiseta vermelha e calcas de pijama. Semdizer nada, entra em meu quarto e deita-se na cama.

Deito-me ao seu lado. Ela chega perto, e eu a abraco.

− Onde voce esteve? − pergunta.

“Onde voce esteve” e mais que uma frase. Quem pergunta isso tambemesta dizendo “senti sua falta”, “Gostaria de estar com voce ”, “Voce precisame dar satisfacao de seus passos ”.

Eu nao respondo, apenas acaricio seus cabelos. [. . .]

Quando meus olhos se acostumam com a claridade, eu posso ve-la com-pletamente nua, os bracos abertos, com o violino e o arco nas maos. [. . .]

[. . .] Comento que aquela menina tinha pelos pubicos e a que esta agoradiante de mim raspou os seus − algo que considero abominavel, como setodos os homens buscassem sempre uma crianca para ter relacoes sexuais.Peco que nunca mais faca isso, ela promete que jamais tornara a raspa-los.

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Numa certa estacao a companheira de Paulo parece se interessar por umjovem de sua idade, ele escreve:

O rapaz e Hilal estao segurando um no outro, a um passo de um beijo.Mesmo que nao estejam perto, sei que meus companheiros de viagem estaopreocupados com aquilo − talvez eu nao esteja gostando.

Paulo se aproxima e o rapaz pergunta se a moca e namorada dele, aoque o escritor responde: Sou apaixonado por ela ha pelo ao menos 500 anos.Mas a resposta e nao: ela esta livre e solta como um passarinho. . .

Hilal parece nao ter gostado:

Que bobagem e essa que voce esta dizendo? Acha que preciso de alguempara arranjar um homem para mim?

O rapaz confirma que tem um jantar com a famılia, agradece e vai em-bora. [. . .]

Nesse momento o interprete de Paulo (Yao) aproxima-se e da uma licaode moral no escritor.

− Permita-me comentar uma coisa − diz Yao enquanto cruzamos a rua.− Voce agiu errado com ela, com o rapaz e com voce mesmo. Com ela,porque nao respeitou o amor que sente por voce. Com o rapaz, porque eseu leitor e sentiu-se manipulado. E com voce mesmo, porque foi motivadoapenas pelo orgulho de querer mostrar que e mais importante. Se fosse porciume, estaria desculpado, mas nao foi. Tudo o que quis foi mostrar aosseus amigos e a mim que nao esta dando o menor valor para nada, o quenao e verdade.

Paulo continua sua narrativa:

Eu concordo com a cabeca. Nem sempre o progresso espiritual vem acom-panhado de sabedoria humana.

Permita-me um aparte. Discordo do pobre mago, penso que o verdadeiroprogresso espiritual sempre vem acompanhado de sabedoria. O que acon-tece e que talvez o progresso dele nao tenha sido tanto quanto ele supoe. Epossıvel que seu mestre J. tenha razao ao proferir: “Nao me faca acreditarque realmente tem razao e que nao aprendeu nada durante esses 24 anos quepassamos juntos.”

Como disse, Paulo mantem suspense do inicio ao fim do seu livro sobrese fara ou nao amor com Hilal − nao obstante as inumeras investidas porparte da ninfeta. Ele sempre se safa dizendo-lhe que e casado e que ama suaesposa. Ao final lemos: (p. 224)

Ela se levanta e comeca a tocar. O ceu escuta a musica, os anjosdescem para assistir junto comigo aquela mulher nua que as vezes ficaparada, as vezes balanca seu corpo acompanhando o instrumento. Eu adesejei e fiz amor com ela, sem toca-la e sem ter orgasmo. Nao porqueeu fosse o homem mais fiel do mundo, mas porque essa era a maneirade nossos corpos se encontrarem − com os anjos assistindo a tudo.

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Fiquei sem entender direito. Fazer amor sem tocar deve ser tipo aquelaexperiencia dos jovens conhecida como ejaculacao precoce, nao?

Paulo Coelho deveria ter advertido seus milhares de leitores: Nao tentefazer isso em casa: ignore os anjos.

Ora, mas sendo o Aleph “um ponto que contem todo o Universo”, naopoderia faltar o reverso da medalha. Na hora da despedida o mago imaginavaque sairia ileso:

− Volte para a sua mulher! Volte para aquela que sempre esteve ao seulado nos momentos faceis e difıceis! Ela e generosa, meiga, tolerante, e eusou tudo aquilo que voce detesta: complicada, agressiva, obsessiva, capaz detudo!

− Nao fale assim de minha mulher!

De novo estou perdendo o controle da situacao.

− Falo o que quiser! Voce nunca teve controle sobre mim e nunca tera !

[. . .]

− Alegre-se porque ninguem tem controle sobre voce. Celebre o fato deque teve coragem, arriscou sua carreira, partiu em busca de aventura e aencontrou. Lembre-se do que eu disse no barco: alguem acendera o fogosagrado para voce. Hoje ja nao sao mais suas maos que tocam o violino,os anjos estao ajudando. Permita que Deus use suas maos. A amarguradesaparecera cedo ou tarde, alguem que o destino colocou no seu caminhoira finalmente chegar com um ramo de felicidade nas maos e tudo correrabem. Sera assim, mesmo que neste momento voce se sinta desesperada eache que estou mentindo.

Tarde demais.

Falei as frases erradas, que podiam ser resumidas em uma so: “Crescamenina.” De todas as mulheres que conheci, nenhuma delas aceitaria aqueladesculpa idiota.

Hilal pega um pesado abajur de metal, arranca-o da tomada e parte emminha direcao. Eu consigo agarra-lo antes que me atinja a face, mas elaagora me espanca com toda forca e furia. Jogo o abajur a uma distanciasegura e tento segurar seus bracos, mas nao consigo. Um soco atinge meunariz, o sangue espirra por todos os lados.

Eu e ela estamos cobertos de meu sangue.

[. . .]

Em um outro contexto da despedida Hilal responde a Paulo:

− Voce nao entende o que estou sentindo. Voce e um egoısta, achandoque o mundo lhe deve muita coisa. Eu me entreguei por completo e maisuma vez sou abandonada no meio do caminho. (p. 240)

− Nao adianta discutir, mas sei que aquilo que disse terminara acontecendo.Tenho 59 anos; ela 21.

Em alguns momentos nao acreditei no que lia e me questionei se muitas

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das narrativas do autor nao eram ficcoes . . . nao eram, ele escreve em umaNota:

Durante o processo de escrita deste livro, Hilal me enviou dois e-mailsdizendo que havia sonhado que eu contava a nossa historia.

O sabio tem inteira razao ao afirmar: “O homem afeito as paixoes primi-tivas perde o refinado senso de discernimento”.

Observe, se tudo isso fizesse parte de um romance e se o o autor fosseNelson Rodrigues eu entenderia por que esse foi o genero que ele escolheu,entretanto, ate entao eu supunha que o genero de Paulo fosse espiritualidade,pelo ao menos e com esse rotulo que ele se apresenta; no meu entendimentoha uma incompatibilidade, caso ele assuma trocar de genero, esta perfeito− retiro tudo que disse.

Tenho dito, fui programado para detectar fissura nas estruturas, e estakilometrica fissura atravessa 150 paıses − nao tenho duvidas de que a hu-manidade encontra-se doente.

Assim como existem musicas e lixos − artes e lixos em geral −, tambemexistem literaturas e lixos. E quando esse tipo de literatura chega a seimortalizar na Academia Brasileira de Letras so temos a lamentar e nosenvergonhar por isto.

Em Paulo Coelho temos um perfeito modelo daquilo que venho denun-ciando a exaustao nesse livro: Esse e o resultado de uma espiritualidade dementirinha, de faz de conta. Reitero as palavras do mestre de Paulo: “Naome faca acreditar que realmente tem razao e que nao aprendeu nada duranteesses 24 anos que passamos juntos.”

Essas palavras nao sao minhas, mas sim de quem conviveu com Paulopor decadas, conhece-o melhor do que ninguem, sabe do que esta falando.

Ha uma passagem na trajetoria de Jesus que tenho visto se repetir todosos dias entre os homens de ma vontade, diz ela:

Novamente o Diabo o levou a um monte muito alto; e mostrou-lhetodos os reinos do mundo, e a gloria deles; e disse-lhe: Tudo isto tedarei, se, prostrado, me adorares. (Mt 4 : 8− 9)

Esse Diabo nada mais e que o ego que todo homem tras dentro de si.Se o mestre Jesus nao se prostrou e adorou a “antiga Serpente”, no entantoobservo isto acontecer todos os dias frente a meus olhos, notadamente en-tre: polıticos, pastores, padres e “ocultistas” de modo geral − a exemplode Samael e Paulo Coelho.

Estes sao verdadeiros alquimistas! . . . conseguiram transformar “argila”em ouro! (Ap 3 : 17− 18)

Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta, enao sabes que es um desgracado, e miseravel, e pobre, e cego, e nu,Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te en-

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riquecas, e vestidos brancos, para que te vistas, e nao apareca a vergonhada tua nudez; e que unjas os teus olhos com colırio, para que vejas.

“Em 2006, com profundas duvidas em relacao a sua fe e sentindo-seinfeliz, Paulo Coelho busca orientacao espiritual. . . ”

Uma mentira repetida 1000 vezes torna-se uma verdade

Tive a oportunidade de confirmar − ao vivo e a cores − esse ditadopopular muito recentemente. Conheci um praticante de Cabala e Tarotque esteve me falando sobre um tal de “mapa cabalıstico” e sobre algumascartas de Tarot. Ao ouvı-lo atentamente cheguei a indubitavel conclusao:Tudo fantasia! Tudo criacao da mente, conclusoes engendradas por mentesenfermas para iludir os incautos.

Ao ler Paulo Coelho e Samael, e aqui podemos incluir em um mesmopacote as fantasias de padres e pastores evangelicos, temos um exemplovıvido do que significa: Uma mentira repetida mil vezes adquire status deverdade.

Como se diz de outra parte, “o feitico vira-se contra o proprio feiticeiro”,pois de tanto repetir suas mentiras aos incautos eles proprios passam aacreditar nelas! Qual padre ou pastor nao acredita em um tal de pecadooriginal? Qual padre ou pastor nao acredita em que o homem deve se salvarda ira de um Deus vingativo? Qual padre ou pastor nao acredita em umDeus que preparou um inferno para queimar eternamente algumas de suascriaturas? − menos eles, claro.

E nesse sentido que eles proprios tornam-se vıtimas de suas mentirasapregoadas por seculos. E o que chamo de verdadeiros fosseis vivos!

Eles proprios caem na arapuca que armaram pois, como disse, passam aacreditar em suas mentiras. A prova do que digo esta estampada em suasproprias faces: sao dissimuladores, sao hipocritas e infelizes.

Os pastores distorcem descaradamente a Bıblia para roubarem, istoprova que a religiao deles, pelo ao menos para eles proprios nao serviu denada. Os padres, embora menos desonestos, muitos sao tolos em acredi-tar nas mentiras que ouviram desde os tempos de seminario, perderam acapacidade do raciocınio, de analise.

Paulo Coelho chega aos 59 anos de idade “com profundas duvidas emrelacao a sua fe e sentindo-se infeliz ”, Samael da gnose entra para a historiacomo um dos maiores farsantes e mentirosos que ja passaram por este plane-ta. Assim como o tempo se encarregou de varrer as estruturas imperiais dahistoria, de igual modo sucede a toda fantasia.

Este e o saldo da mentira que de tanto pregarem aos outros acabaramacreditando nela. De todos eles, considero Paulo Coelho como o mais in-teligente haja vista que, ainda vivo, comecou a duvidar de sua fe.

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Finalizando, desejo exprimir a esperanca deque . . . a matematica possa servir agora como modelopara a solucao de muitos problemas de nossa epoca:revelar um objetivo religioso supremo e avaliar o sig-nificado da atividade espiritual da humanidade.

(I.R. Shafarevich)

Nota: Com este livro pretendemos ter dado uma pequena contribuicao paraa realizaceo do sonho do matematico Igor Shafarevich.

O poeta inicia sua prece

Ponteando em cordas e lamentos

Escrevendo seus novos mandamentos

Na fronteira de um mundo alucinado

Cavalgando em martelo agalopado

E viajando com loucos pensamentos

(Cancao Agalopada/Ze Ramalho)

Eu agradeco os primores que eu re-

cebo eu agradeco e so posso agradecer. . .

(Mario/D. Deolinda)

Um ser divino transformado em

lıquido vem acordar o nosso espırito.

(Odemir Raulino)

Nota: A citacao de Weeler na pagina 129 a retirei do livro Mentes In-terligadas, p. 149, de Dean Radin − Editora Aleph.

∗ ∗ ∗

Desejo deixar registrado aqui minha incomensuravel gratidao a minhamestra planta e planta mestra, ayahuasca, por esse trabalho conjunto− um exemplo de hierarquia entrelacada.

PabloAmaringo

PabloAmaringo

Nao sem algum denodo, e ate deleite,tenho tentado cultivar em meu espırito umapequena nesga de iconoclastia.

(Gentil, o Iconoclasta)

Boa Vista-RR/19.01.2012 a 17.03.2012//22.05.2012 a 11.06.2012

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Referencias Bibliograficas

[1] Russel, Bertrand. Porque Nao Sou Cristao. c©1957.Publicacao Eletronica. Traducao: Brenno Silveira. Livraria Exposicaodo Livro c©1972.

[2] Rohden, Huberto. O HOMEM (sua natureza, sua origem e suaevolucao). Ed. Alvorada, 1983.

[3] Osho. Sarcedotes e polıticos: a mafia da alma. Traducao de Osho Com-mune International. Sao Paulo: Icone, 1993.

[4] Galvez, Marcelo Malheiros A Potencia do Nada: O Vazio Incondicionadoe a Infinitude do Ser. Brasılia: Editora Teosofica, 1999.

[5] Ehrman, Bart D.O problema com Deus. Traducao de Alexandre Martins.Rio de Janeiro: Agir, 2008.

[6] Ehrman, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus nao disse? : quemmudou a Bıblia e por que. Traducao de Marcos Marcionilo. Sao Paulo:Prestıgio, 2006.

[7] Goswami, Amit. Deus nao esta morto: evidencias cientıficas da exis-tencia divina. Traducao Marcello Borges. Sao Paulo: Aleph, 2008.

[8] Zohar, Danah Sociedade quantica: a promessa revolucionaria de umaliberdade verdadeira. Traducao de Luiz A. de Araujo. Rio de Janeiro:BestSeller, 2006.

[9] Simone Manon. PLATAO. Traducao Flavia Cristina. Sao Paulo: MartinsFontes, 1992. (Universidade hoje).

[10] O taumaturgo, Gentil. O Tao da Matematica: Uma ConstrucaoMatematica de Deus. Rio de Janeiro: LetraCapital Editora, 2011.

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Indice Remissivo

A equacao divina, 86A Potencia do Nada

O homem uma obra aberta, 110O Vazio no indivıduo, 112Possibilidades contraditorias, 134Tempo linear, 130Tudo esta na mente, 73Um puro Nada, 78Vazio, origem de Tudo, 78

Aberracao, 106Alain Connes, 53Amit Goswami

A consciencia e a base, 127Causalidade, 124Chamadas de nada, 132Nada para processar, 134

Baha’ u’ llahE como um remedio, 23Converter forca satanica, 96Existe dentro do homem, 96Num globo amarelo, 76

Bart D. Ehrman, 94, 104, 105, 118Bertrand Russel

Pessoas que se curvam, 34Argumento da causa primeira, 123Imparcialidade, 101Intolerancia pelo mundo, 34Menosprezar a si proprias, 29Mundo, trapalhada, 117Pouca oposicao, 28Questoes morais, 37Se comparardes Jesus, 43

Segundo advento, 37Teorema de, 117

Bio (quadro), 136

C.G.Jung, 54, 135Celula da dualidade, 150Condensado de Bose-Einstein, 112Confucio, 86Corao, 106Criacao emanatista, 125

Danah ZoharE tarefa de nossa epoca, 60A caminho do Absoluto, 139Clifford, 128Deus na fısica, 80Pietro Ubaldi, 145Vacuo e Consciencia, 112Vacuo≡Mar, 128

DeusAmor incondicional, 130Antes do Prisma, 77Concepcao Cientıfica, 127de Plotino, 125Eu sou como voce me faz, 135Na fısica, 80, 133O Retrato, 88

Deus-Parens, 9Chamou um golfinho, 19Nao e o das preces, 101Nao sobre nem o po, 12Um mar de lama, 18

Einstein × Tagore, 81

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Eneadas, 126Epicuro, 121Equacao Bıblica, 103Espinoza

Etica, 178

Deus nao ama, 55

Fısica quantica, 64Fosseis vivos, 94, 177Fritjof Capra, O Tao, 97

Gaston Bachelard

A reforma de uma ilusao, 41Nao vamos pois hesitar, 79Nunca e jovem. . . , 38, 71O real se cristaliza, 21

GentilA mente possui. . . , 110Coracao de um profeta, 86Equacao divina, 111Espaco curvo, 145

Formula, 154Fissura, 155Foto, 86Iconoclastia, 188

Georg Cantor, 53

Hammed, 36Heisenberg, 143Helena Blavatsky, 175Hierarquia entrelacada, 89Huberto Rohden

Crear e Criar, 125Deus como Lei, 126Incompleto sem o homem, 130

Ilusao de otica, 17, 20, 42, 117Ilya Prigogine, 129

Irmaos Karamazov, 47Isaıas

Como os mortos, 55, 122Pasmai, e maravilhai-vos, 25

JeovaAroma, 120

Bebidas alcoolicas, 120E crio as trevas, 12Espıritos mentirosos, 120Estaria mentindo?, 11Sacrifıcio humano, 121Sacrifica Animais, 120Sanha assassina, 120Suspeito, 11

Jesus Aprisiona, Cristo liberta, 97Jesus e Cristo, 96Jimena e Irina, 82John Wheeler, 129, 188

Ideias simples, 127Jose Ingenieros

Considerados santos, 46, 63

KantAparelho perceptivo, 104

Krishnamurti, 53, 149

Leon Bonaventure, 38, 42Lao Tse, 78

Marcelo GleiserA fısica e fruto da mente, 84Tem de ser abandonada, 90

Masturbacao, 26, 36, 56Materia a partir do nada, 79Maurits Escher, 89Mestre Eckhart, 15Miki Nakaiama, 10, 101Modelos atomicos, 71Montesquieu, 98Mouni Sadhu, 157

Nem vos entrais. . . , 30Nietzsche

Conviccoes sao prisoes, 7Da mordida da vıbora, 43Desculpa de Deus, 131Epileticos das ideias, 61Homem que cria os valores, 104Humano, demasiado., 104Indecente ser crente, 33Mania de grandeza, 56, 68

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Meio a meio, 26Nao julgueis, 56

Ninguem tem a livre-escolha, 93

O espectro se afastou, 122O que e a verdade?, 40

Pascal, 99

Perspectivas, 50

Ponta dos pes, 105Processos de bruxaria, 14

Rapinante, 59

Se nos demonstrassem, 40Uma chama mais clara, 123

Noumeno e fenomeno, 83

O Pai × O Vazio, 133

O que e a Verdade?, 38

Ofudessaki, 10Osho

Ninguem realmente esta vivo, 55

Buda hesitante, 41

Buda: vazio, suniata, zero, 133Deus, criacao individual, 113

Glorifica a escravidao, 63

Implosao acontece, 128, 153Mundo criado pelo ego, 50

Nao sao so as drogas, 25

Nossa gente ja esta la, 17

O Deus Jeova, 138O ego e muito falaz, 174

O Tao, 97

Oficina do diabo, 134Os sonhos sao particulares, 40

Por falta de inteligencia, 33, 39

Prefere cerrar os olhos, 177

Redentores escravidoes, 28Religioes. . . desaparecer, 147

Sacrifıcio humano, 22

Testemunhas de Jeova, 139Um monge jaina, 179

Um passaro voando, 51

Papa Bento XV, 102

Papa Inocencio III, 66

Para reflexao, 179

Pastor vendeu o sangue de Jesus, 47Paulo Coelho, 180Pedagogia, palmatoria, 14Peiote e Realidade, 85Perfeicao do Conjunto Vazio, 132Pietro Ubaldi

Danah Zohar, 145Em suas fases primitivas, 92Que o meu pensamento, 73Tem que arrostar, 32

Plotino, 125Pr Zacarias, 92Primeira Eucaristia, 15Proverbio chines, 98

Raul Branco, 95, 96, 105Richard Dawkins, 84Rig Veda, 115

Samael Aun WeorAntolhos nos discıpulos, 163Cabeca sideral corpo astral, 162

Schopenhauer, 16, 49Simone Manon, 58, 59

Deformamos o real, 45, 115Sir Arthur Eddington, 154Soffia e Erica, 102

Tela em branco, 173Tenrikyo, 9, 11Teorema de Russel, 117Trilogia

Em Minha forma mais pura, 135Eu sou como voce me faz, 135lhes foi dito. . . , 89

Unidade dos cristaos, 35Uno, o Deus de Plotino, 125

Vanini, 96Voltaire, 54

Zen budismoDeus como um Nada, 67Quem te acorrentou?, 19

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Nietzsche (1844 - 1900) decretou a morte de Deus. O apóstolo Paulo certa feita afirmou em uma de suas epístolas que os homens haveriam de julgar os próprios anjos, neste livro vamos um pouco além do apóstolo e defendemos a tese de que já chegou a hora do homem julgar o próprio Deus!... Pasmém! Com efeito, se em nossos dias alguém pode ser condenado por maus tratos a animais, o que dizer de um Deus que promove o sacrifício de animais em rituais religiosos? O que dizer de um Deus cuja sanha assassina chega a exterminar “idosos, mulheres, crianças e animais”? E, finalmente, o que dizer de um Deus que aceita sacrifício humano? Estamos falando de um Deus? ... Sim senhor! Estamos falando do temível Deus de judeus e cristãos, o guerreiro Jeová. Se é verdade que cada povo tem o governo que merece não é menos verdade que cada povo tem o Deus que merece. Se nos 'demonstrassem' esse Deus dos cristãos, ainda acreditaríamos menos nele (Nietzsche).

Gentil, o iconoclasta. Nasceu em Boa Vista-RR, em 1960; é graduado em engenharia eletrônica (UFPA/1986) e é mestre em matemática (UFSC/1997). Atualmente é professor do departamento de Matemática da Universidade Federal de Roraima (UFRR).

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