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Geografia da população em situação de rua: mudanças na distribuição espacial na cidade de São Paulo nos anos 2009 - 2014 Géographie des SDF: changements de la distribution spatiale dans la ville de Sao Paulo pendant les années 2009-2014 Tatiana Sanson Albuquerque, Universidade Federal do ABC, [email protected]

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Geografiadapopulaçãoemsituaçãoderua:mudançasnadistribuiçãoespacialnacidadedeSãoPaulonosanos2009-2014

GéographiedesSDF:changementsdeladistributionspatialedanslavilledeSaoPaulopendantlesannées2009-2014

TatianaSansonAlbuquerque,UniversidadeFederaldoABC,[email protected]

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SESSÃO TEMÁT ICA 8 : TÉCNICAS E MÉTODOS PARA ANÁLISE URBANAE REGIONAL

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

A população em situação de rua é um fenômeno mundial em constante crescimento, cujapresençanosespaçospúblicoseosconflitosdecorrentesdesuaocupaçãotêmsidoalvodoapelomidiático nomunicípio de São Paulo nos últimos anos, constituindo um grande desafio para osplanejadoresurbanos.Umadaspautasrecorrenteséosurgimentodenovasáreasocupadasporestecontingente.Opresentetrabalhopretendeanalisarsuadistribuiçãoespacialcomointuitodeinvestigaremquemedidaocorremmudançasnospadrõesedequemodoelasereconfiguranoespaço nos últimos anos, mais especificamente entre 2009 e 2014. Para isso, foram utilizadastécnicas de análise espacial, como estimador de intensidade de Kernel, a partir dos dadosgeorreferenciadosdasabordagenssociaisaestapopulaçãoduranteosanosacimacitados.Tendoem vista o contexto do problema, foram feitas análises considerando o total das pessoas emsituação de rua abordadas e também aquelas identificadas usuárias de álcool, drogas e comtranstornos mentais. Os resultados revelaram o surgimento de novos pontos de média e altaconcentração,aintensificaçãodaconcentraçãoempontosjáexistentes,assimcomoaampliaçãodo contorno da distribuição espacial da população de rua nomunicípio.No entanto, ainda queocorraumadispersãodospontosdeconcentração,o“núcleoduro”formadonocentrodacapitalpaulistapermanecesemgrandesalterações.

PalavrasChave:populaçãoemsituaçãoderua,distribuiçãoespacial,território.

RESUME

Lapopulationvivantdanslesrues,lesditssdf,estenpermanentecroissance.Saprésencedanslesespacespublicsetlesconflitsdécoulantdesonoccupationconstituent,pourlavilledeSãoPaulo,unecibleavecunfortappelmédiatique.Celareprésenteungranddéfipour lesresponsablesdel´aménagementduterritoireurbain.Undesthèmesrecourantsestl´apparitiondenouvelleszonesoccupées par ce contingent. Ce travail cherche à analyser sa distribution spatiale dans le butd´étudier dans quellemesure les changements demodèles ont lieu et de quellemanière cettedistribution s´est reconfigurée au cours des dernières années, plus précisément entre 2009 et2014. Pour ce faire, des techniques spatiales d´analyse ont été utilisées, telles que l´estimateurd´intensité de Kernel à partir des données géoreférancées des approches sociales envers cettepopulationpendantlesannéesci-hautcitées.Comptetenuducontexteduproblèmeévoqué,desanalyses ont été faites tout en considérant le nombre total de personnes sans domicilie fixeabordées et également celles qui ont été identifiées comme usagères d´alcool, de drogues etsouffrant de troubles mentaux. Les résultats ont révélé l´émergence de nouveaux points demoyenneetdehauteconcentration,l´intensificationdelaconcentrationdansdespointsexistantdéjà auparavant, et également l´amplification des contours de la distribution spatiale de lapopulation vivant dans les rues de la ville. Cependant, malgré le constat d´une dispersion despoints de concentration, le “noyau dur” formé dans le centre-ville de la capital pauliste neprésentepasdemodificationssignificatives.

Mots-clés:sans-domicile-fixe,distributionspatiale,territoire.

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INTRODUÇÃO

OúltimoCensodaPopulaçãoemSituaçãodeRuanacidadedeSãoPaulorealizadoem2015pelaFIPE contabilizou 15.905 pessoas utilizando ruas, praças, calçadas,marquises, jardins, baixos deviadutos, mocós, terrenos baldios e áreas externas de imóveis, bem como centros de acolhidacomo lugar de pernoite. As pessoas em situação de rua estão presentes em todas as grandescidades.Constituemumfenômenomundialemconstantecrescimento,queenvolveasdiferentesdimensõesdaaçãopúblicanascidades.SegundoJulesDamon:

(...) a população sem domicílio fixo é um sujeito urbano, na interseção dosproblemas urbanos e sociais, que condensa problemáticas urbanas, comohabitação,planejamentoesegurança,esociaiscomoassistênciasocial,saúde,educação,integração,trabalhoetransferênciaderenda.(DAMON,2010)

Destemodo,suaexistênciaestáassociadaainúmerosproblemasurbanosesociais,dentreelesafalta de moradia, o aumento da criminalidade, questões específicas de saúde (tratamento dedependência química, transtornos mentais e doenças decorrentes da exposição a intempéries,etc.),baixaescolaridade,qualificaçãoprofissional,desemprego,entreoutros.

Na cidade de São Paulo, quase diariamente amídia veicula notícias relacionando áreas de altadensidade de pessoas vivendo nas ruas à criminalidade,materializada no tráfico e consumo dedrogas,assaltos,faltadesegurança,alémdadegradaçãodoentornoedescasodopoderpúblico.Há também uma inquietação relacionada ao surgimento das chamadas “mini-cracolândias”,fenômeno decorrente de uma suposta dispersão da população em situação de rua usuária dedrogas da região central para centralidades secundárias após intervenção policial na região doProjetoNovaLuz,emjaneirode2012.

Masemquemedidaocorreestadispersãoespacial? Este trabalhopretende verificar sede fatoocorremtaismodificaçõesespaciaisnadistribuiçãoespacialdapopulaçãoemsituaçãoderuanacidadenotranscorrerdosanosecomoestegruposocialsereconfiguranoespaço.

Para isso, foram utilizadas técnicas de análise espacial, mais especificamente estimador deintensidadedeKernel,quepermiteidentificarospontosdemaiorconcentração.Foramutilizadosos dados georreferenciados das abordagens sociais à população em situação de rua realizadaspelos Serviços Especializados de Abordagem Social1(SEAS) referente aos anos de 2009 e 2014,obtidos no SISRUA, Sistema de Atendimento ao Cidadão em Situação de Rua, da Secretaria deAssistência e Desenvolvimento Social. As análises foram realizadas considerando o total dasabordagenseapenasaquelasemqueapessoaabordadaestavasobefeitodedrogas,álcooloucom transtornos mentais, como forma de identificar os pontos de concentração deste perfilespecífico,tendoemvistaocontextodoproblemainicialmenteapresentado.

1ServiçoreferenciadoaoCentrodeReferênciaEspecializadodaAssistênciaSocial–CREAScomafinalidadedeassegurarotrabalho social de busca ativa e abordagem nas ruas, identificando nos territórios a incidência de trabalho infantil,violência, abuso eexploração sexual de crianças e adolescentes, pessoas em situação de rua e outras. Deverão serconsiderados todos os logradouros públicos onde severifica a incidência de indivíduos nas condições acima, tais comopraças, locais de comércio, viadutos, terminais de ônibus, trens, metrô entreoutros. O serviço deve também ofereceratendimento às solicitações de munícipes. Tem como principal objetivo desencadear o processo de saída das ruas epromover o retorno familiar e comunitário, além do acesso à rede de serviçossocioassistenciais e às demais políticaspúblicas.(PORTARIAN°46/2010/SMADS)

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A representação cartográfica dos territórios ocupados pela população em situaçãode rua é umdosprodutosdasanálisesespaciais.Contudo,elanãoéum fimemsimesmo.A localizaçãodosterritórios por si só não permite conhecer suas condições; ela sozinha, sem clarificações ouanálises,podeinclusivereduziracomplexidadedofenômeno,servirparareforçarrepresentaçõesnegativassobrecertosbairroseaté legitimar intervenções“higienistas”(ZENEIDI-HENRY,2002b).Estudarageografiadapopulaçãoemsituaçãoderuavaialémdesuarepresentaçãocartográfica.Trata-se de compreender sua relação com o espaço. Neste sentido, as técnicas de estatísticaespacial associadas ao conhecimento já revelado sobre esta população, por meio de revisãobibliográfica,podemsereficazesparaampliaroentendimentoacercadestepúblico.

Deste modo, em um primeiro momento, serão discutidas algumas definições conceituais dofenômeno, tomando a noção da ONU e as discussões no Brasil, França e Estados Unidos. Emseguida, será trabalhada a relação entre população em situação de rua e território.Posteriormente,serãoapresentadasastécnicasutilizadas.Porfim,àluzdasdiscussõesrealizadas,serãoapresentadososresultadosdoprocessodeanáliseespacialdosdados.

1POPULAÇÃOEMSITUAÇÃODERUA:DOQUESETRATA?

Conheceraspessoasquevivememsituaçãoderuanãoé tarefasimples.Aquemseaplicaessaclassificação? Para esta questão não há uma única resposta. A variedade de definições estárelacionadaàdificuldadeemconceituaroproblema.Alémdasvariaçõesconceituaisdeumpaísparaooutro,quelevamemcontasuasespecificidadeshistóricas,hátambémosdebatesinternos,os quais serão brevemente explanados a seguir tomando a definição da ONU e os casos dosEstadosUnidos,FrançaeBrasil2.

Asdiscussõesemtornodestaproblemática trazemdefiniçõesquepodemserclassificadascomo“restritivas”ou“inclusivas”.AdefiniçãorestritivaclássicaformuladaporWodon(1999)considera“homeless3”quemvivenasruasouemalbergues,seguindoaclassificaçãode“homelessliteral”,quevivenasruase“homelessabrigado”,queviveemabrigos.(RUKMANA,2006)

Um exemplo de definição “inclusiva” é a adotada pela ONU, que considera “homeless” nãosomente os indivíduos e famílias que vivem nas ruas ou abrigos, mas aqueles sem acesso àhabitaçãoseguindoocritériode“padrãodevidaadequado”(ocupaçãosegura,proteçãocontraomautempo,segurançapessoal,acessoainstalaçõessanitáriaseáguapotável,educação,trabalhoe serviços de saúde). Sua definição leva em consideração as dinâmicas da “homelessness” namedidaemqueidentificanasituaçãodehabitaçãoinadequadaoriscoparatornar-se“homeless”.A ONU também classifica temporalmente esta situação de vida, que pode ser temporária (semalojamentoporperíodorelativamentecurto,porexemplo,perdadaresidênciadevidoadesastrenatural, separação, perda de emprego), periódica (perda da residência por prisão, internação,situaçãodeviolência–mulheres,criançaseadolescentes)oupermanente(usodedrogas,álcool,problemasdesaúdemental).

NocasodosEstadosUnidos,oDepartmentofHousingandUrbanDevelopment(HUD),inclui,alémdas situações mencionadas por Wodon, pessoas vivendo em hotéis de bem-estar e pessoasinstitucionalizadas, indicando tanto critérios de habitação não-apropriada como critérios

2AescolhadeEstadosUnidoseFrançasedeupelodestaquenaproduçãoteóricaeaprofundamentosobreotemadesdeadécadade1980.NocasodoBrasil,aescolhasedeupormotivosóbvios.3Optou-sepormanterostermosemidiomaoriginalportrazeremconsigoahistóriadoconceito.

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temporaisparaconsideraralguém“homeless”.Estanoçãopodeserclassificadacomo“inclusiva”ao passo que abarca outras possibilidades de “homelessness”. O grau de detalhamento queveremos a seguir se deve ao seu caráter prático: definir quem está apto a participar dosprogramassociaisvoltadosparaestepúblico.AHUDconsideraquatrotiposde“homeless”:

1- Indivíduo ou família sem moradia fixa, regular, noturna e adequada,dormindo em lugares públicos ou privados não designados para uso regularhumano,incluindocarro,parque, imóveisabandonados,estaçõesdetremouônibus, aeroporto ou camping; indivíduo ou família vivendo em alberguespúblicosouparticularesdesignadosparaproverabrigotemporário(incluindoabrigos, lares transicionais e hotéis pagos por organizações de caridade oupelos programas governamentais para pessoas de baixa-renda); indivíduovivendoeminstituições(saúde,saúdemental,prisão)por90diasoumenoseque residiu em abrigo de emergência ou lugar não previsto para habitaçãohumanaimediatamenteantesdeadentrarainstituição;

2- Indivíduooufamíliacujaresidêncianoturnaseráperdidaematé14diasapartirdadatadopedidodeassistênciaparadesabrigadossemaidentificaçãodenovaresidênciaequenãohajarecursosouredesdeapoio(família,amigos,ou outras redes sociais) necessários para obtenção de outra habitaçãopermanente;

3-Jovenssozinhoscommenosde25anos,oufamíliascomcriançase jovenssem rendaouhabitaçãopermanente emqualquermomentonosúltimos60dias anteriores à data do pedido de assistência para abrigamento; cominstabilidadepersistentemedidapordoisoumaismovimentosnosúltimos60dias anteriores à data do pedido de assistência para abrigamento; e comexpectativa de continuar em tal estado por prolongado período de tempodevido a deficiências crônicas; saúde física crônica ou problemas de saúdemental; dependência química; histórias de violência doméstica ou abusoinfantil (incluindo negligência); a presença de uma criança ou jovem comdeficiência;oudoisoumaisobstáculosaoemprego,queincluemafaltadeumdiplomadoensinomédio,oanalfabetismo,abaixaproficiênciaeminglês,umahistória de encarceramento ou detenção da atividade criminosa, e umahistóriadeempregoinstávelou;

4- Indivíduo ou família fugindo ou tentando fugir de violência doméstica,violência no relacionamento, agressão sexual, perseguição ou outrascondiçõesdeperigo,riscodevidarelacionadasàviolênciacontraumindivíduooumembro da família, incluindo criança, que faça com que tenhamedo deretornar para sua residência e não tenha outra residência nem recursos ouredes de apoio como família, amigos e outras redes sociais para obter umanova habitação. (DEPARTMENT OF HOUSING AND URBAN DEVELOPMENT,2011;traduçãonossa,grifonosso)

Adefiniçãoacimacontemplatantosituaçõesemquea“homelessness”jáestáestabelecida(tipos1 e 3) quanto situações em que o indivíduo ou família encontram-se em vias de se tornar“homeless”(2,3e4).Ouseja,nestanoçãoestápresenteocaráterpreventivodafaltademoradia.Tambémcontemplasituaçõesdevulnerabilidadeeriscodevidaquevãoalémdafaltaderecursosmateriais(3e4).Contudo,situaçõesdehabitaçãoprecária,comopessoasoufamíliasvivendonacasa de familiares ou amigos, assim como em imóveis sem registro, deteriorados, sem água ouaquecimentonãosãocontempladas.

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Ocensodapopulação“homeless”é feitoanualmentenosEstadosUnidospelosmunicípioscompotencial paramaisde50.000pessoasnessas condições,usandometodologia “Point in-Time4”.Seguindo esta última definição, são contadas as pessoas “vivendo nas ruas, em abrigos deemergênciaparaindivíduosoufamílias,emprogramasdeviolênciadoméstica,eminstituiçõesdesaúdementalourecuperaçãodoabusodedrogas,casastransicionaiseprogramasespecializadosparajovens“homeless”eveteranos5.”

NaFrança,MaryseMarpsat(2008)categorizouasdiscussõessobreadefiniçãodaspessoas“sans-domicile”emdoistipos:umadefinição“teórica”,fundadananoçãomultidimensionaldaexclusão(oudasdesigualdades),levandoemconsideraçãoafaltademoradiaeosaspectospsicossociais;eoutra definição “operacional” para o estabelecimento e análise de dados numéricos, fundadaapenasnasituaçãodemoradia.

Dentroda vertente “teórica”, sociólogose antropólogosdesempenharampapel fundamentalnapesquisa desta questão, financiados pelo PlanUrbain6. Suas pesquisas foram importantes paraembasar os trabalhos estatísticos posteriores do Ined7e Insee8. Estes estudos revelaram que,aindaquepossuindootraçocomumdafaltademoradia,haviagrandediversidadeinternaentreossem-domicílio,queiamdesde“clochards9”aegressosdosistemaprisional,jovensemcentrosdeacolhidaereinserçãosocial,homensemtrânsitodeumacidadeparaoutra,etc.Estestrabalhosajudaramaenriqueceroconhecimentosobreacategoria.

Adefinição“operacional” foiconstruídaapartirde1993,dadaademandadedadosestatísticospelos administradores públicos e pela imprensa. Neste ano, o tema ganha especial visibilidadegraças a uma onda de frio que acomete a França (DAMON, 2010). A partir da classificação desituações de alojamento descritas em quatro dimensões que podem ser combinadas ehierarquizadas (tipodehabitação-apartamento,quartodehotel,camaemcentrocoletivo,etc;status da ocupação; qualidade da habitação e seus elementos de conforto - compreendendo oacesso a um ponto de água; estabilidade/ instabilidade no sentido temporal), é elaborada adefiniçãoqueseráutilizadanasestatísticaspublicadaspeloInedepeloInsee:

Umapessoa é entãodita semdomicílio se ela dormeem lugar nãoprevistopara habitação ou se ela recebe apoio de algum organismo que forneçaalojamentogratuitoouàbaixaparticipação.Estesorganismospodemfornecerlugares emestruturas coletivas, quartos emhotel ouapartamentos comuns.Estas acomodações podem ser oferecidas por diferentes períodos: de umanoite a algumas horas, semanas ou meses. (BROUSSE et al., 2006 – ApudMARPSAT,2009:53–traduçãonossa).

Sendoconsideradoslugaresnão-previstosparahabitação:

4Emlinhasgerais,nestametodologiaocampoérealizadonomenornúmeropossíveldediascomaintençãodeproduziruma espécie de registro fotográfico da população, evitando assim a contagem dupla de indivíduos. Equipes depesquisadoresfazemuma“varredura”nosespaçosquecostumamserfrequentadaspelos“homeless”,alémdacontagemnasinstituições.5CityofBostonHomelessCensus,2013-2014.6ServiçodepesquisadoMinistèredel’Équipement,criadoem1984.7InstitutNationald’ÉtudesDémographiques.8InstitutNationaldelaStatistiqueetdesÉtudesÉconomiques.9Apalavra“clochard”vemde“cloche”,quesignifica“pessoa incapaz”.O“clochard”podeserdefinidocomoumafigurafolclóricadascidades,homemoumulherque levaumavidadeociosidadeemendicidade erecusaosconstrangimentossociais.

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(...) porão, estacionamento, sótão, cabana, carro, barco, fábrica, escritório,armazém, partes comuns de um complexo residencial; ruínas, locais deconstrução, caverna, tenda; estação de metro, corredores de centroscomerciais; rua, ponte, parque de estacionamento, jardim público, áreaferroviária.(MARPSAT,2009:53-traduçãonossa)

Paraefeitosdepesquisa,foiacrescentadaadimensãotemporal:

Umapessoaseráconsideradasem-domicílioumdiase,nanoiteanterior,elaseenquadraremalgumadasduas seguintes situações: seela recorreuaumserviçodehospedagem,ousedormiuemumlugarquenãofoiconcebidoparahabitação(rua,abrigoimprovisado).(Idem)

Também em 1993, a sigla SDF (“sans-domicile-fixe”) é adotada pela imprensa para designar ofenômeno. Não se trata de uma nova denominação, dada a existência anterior em arquivosjurídicosparadenominarapopulaçãocigana(ZENEIDI-HENRY,2002b).Elaécitada156vezesemnotícias deste ano, contra 3 no ano anterior (DAMON, 2010). Seu uso também é controverso:algunsautoresaadotamporcontemplartambémamobilidadealémdaausênciadealojamento,outros optam por manter o uso do “sans-domicile” por considerarem-na fruto de um efeitomediatizado.(MARPSAT,2008).

Paraidentificaçãodacategoriados“mal-logés”(mal-alojados)ou“sans-abriinvisibles”,queincluipessoasvivendoemhabitaçõesprecáriase/ounacasadeamigos/parentesporfaltaderecursos,não contemplada na definição de “sans-domicile”, foram inclusas questões no questionário depesquisadomiciliar.

NoBrasil,osestudossobreestapopulaçãotambéminiciam-seaofinaldadécadade1970.Nesteprimeiromomento,assimcomonaFrança,sãodeabordagemqualitativa/etnográfica.

Marie-Ghislaine Stoffels (1977) ao fazer uma etnografia sobre os “mendigos na cidade de SãoPaulo” traz relevantes contribuições sobre as relações estabelecidas entre essa população e oespaçopúblico.Apesardautilizaçãodosuperadotermo“mendigo”,suasanálisessãoimportantespara entender o fenômeno até os dias atuais. Segundo ela, população de rua pode sercaracterizadacomo:

[população que] (...) tenta estabelecer território próprio num espaçodeterminado para uso comum, a fim de exercer seu trabalho, pedido ouconvivênciaespecífica.Estatentativaérealizada(...)deváriasmaneiras:1)umsólugar,funcionandocomoúnicolocaldetrabalhoouhabitattotal;2)várioslugares,funcionandocomolocaisdetrabalhomúltiplosouhabitatdividido;3)o território apropriado – em caráter de habitat total ou dividido, ou comoconfiguração única ou parcelada de locais de trabalho – inserido no meioambienteglobal(deusopúblico):utilizaçãodoespaçourbanocomolugardefesta e área de comunicação com outros indivíduos, mendigos ou não (...)(STOFFELS,1977:144)

Stoffelsafirmaque,paraagarantiadesuasobrevivência,algunsgruposdepessoasemsituaçãoderua tendem a circular pelo espaço urbano, enquanto outros ficam restritos a pontos ou áreasespecíficas.Hátambémespaçosdivididosedisputados,comfronteirasestabelecidasentregrupose indivíduos isolados; existem ainda áreas onde as disputas são suprimidas em nome do usocoletivoparamomentosdeconfraternizaçãoougarantiadesegurança.Nestaabordagemnota-seacentralidadedotematerritorialização.

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Em1989,especulava-sesobreaexistênciade10.000pessoasvivendonasruasdeSãoPaulo.Em1991,nocontextodanecessidademundialdecontagemdestecontingente,aentãoSecretariadeBem-EstarSocialdoMunicípiodeSãoPauloorganizouacontagemporobservaçãonospontosdepernoite.Estaação,quepreconizouoscensosdapopulaçãoderuanacidade,contabilizou3.392indivíduos.(FRANGELLA,2004:80).

Em 1994 amesma Secretaria conduziu uma nova pesquisa que envolveu alémda contagemdapopulaçãode rua, umaanálise de suas características socioeconômicas e formasutilizadasparasuasobrevivência.Nesteestudo,foiconsideradopopulaçãoderuaosegmentoque“semtrabalhoesemcasa,utilizaaruacomoespaçodesobrevivênciaemoradia”(VIEIRA,BEZERRA,ROSA,1994).Consistiu em um levantamento exploratório que não contou toda a cidade, mas apenas assubprefeituras(naépoca“regionais”)daSé,Lapa,Pinheiros,Mooca,Penha,Ipiranga,VilaMarianaeSantana,ouseja,ocentroexpandido,ondeessapopulaçãohistoricamentetemseconcentrado.

Apartirdesteestudo,quefoiummarconaproduçãodeconhecimentosobreestepúblico,Vieiraexplicitoutrêsdimensõesquequalificamadiscussãosobreoassunto:ficar,estareserdarua.Osque “ficam” na rua experimentam-na de forma pontual (por exemplo, a perda de ônibus noretorno para casa) ou com possibilidades de continuidade (pessoas que saem de casa pordesavençaou situaçãodeviolência),masmantémrelações sociais fortementevinculadas comafamília ou comunidade original. Os que “estão” na rua transitam entre serviços de acolhida,moradias provisórias de parentes, trabalho ou hotéis e pensões e apresentam laços sociais nãorestritos aos companheirosde rua, transitandoamplamentepeloespaçourbano.Por fim,háosque“são”daruahámaistempo:suasrelaçõeselaçosdeamizadesesolidariedadecompessoasnamesma condição estãomais consolidados e, em geral, vinculados a um local de referência.Observaaterritorializaçãoeconsideraatemporalidade(tempodepermanêncianarua).

Nos censos posteriores, realizados em 2000, 2009, 2011 a população em situação de rua foientendidacomo:

Segmentodebaixíssimarendaque,porcontingênciatemporáriaoudeformapermanente, pernoita nos logradouros da cidade – praças, calçadas,marquises, jardins, baixos de viaduto – ou em locais abandonados, terrenosbaldios, áreas externas de imóveis. São considerados ainda os que, semmoradia,pernoitamemalberguesouabrigos.

EmPortoAlegre:

Conjuntonãohomogêneodeindivíduosqueutilizamasruas,praçaseoutrosespaços públicos para sua existência ou habitação de forma permanente,eventualouintermitentee/oufazemusodeabrigosealberguesdestinadosaoseuacolhimento,mesmoqueeventualmente.

Nas duas capitais, as situações de pernoite nas ruas ou em serviços de acolhimento estãopresentes.

OMinistériodoDesenvolvimentoSocialeCombateaFome,conformeDecretoNº7.053de23deDezembrode2009,queinstituiaPolíticaNacionalparaaPopulaçãoemSituaçãodeRua,tambémconsidera a heterogeneidade de perfis, a condição de pobreza extrema e, principalmente, afragilização de vínculos, não prevista nas concepções gaúcha e paulista. As relações com oterritórioeoperíododevivênciaestãoimplícitasquandoutilizadootermo“emsituaçãode”,poiscompreendeatemporalidadeeapossibilidadedesuperaçãooumudançadecondição:

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(...) considera-se população em situação de rua o grupo populacionalheterogêneoquepossuiemcomumapobrezaextrema,osvínculosfamiliaresinterrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencionalregular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas comoespaçodemoradiaedesustento,deformatemporáriaoupermanente,bemcomoasunidadesdeacolhimentoparapernoitetemporáriooucomomoradiaprovisória.

Ametodologiaadotadaapartirde2000nos censosparaa cidadedeSãoPaulo seassemelhaànorte-americananamedidaemquebuscafazerumretratofotográficodapopulação,evitandoaduplacontagem.

Conformevisto,nocasobrasileiroutiliza-seoconceito“restrito”,ouseja,considera-seapenasassituaçõesemquearuaeoalberguejásãorealidade,enãoasemqueapessoaestáemviasdeirparaa ruacomonocasoamericano,ou situaçõesdehabitaçãoprecária, comonocaso francês.Caso esta última fosse considerada, teríamos pelo menos quatro milhões de “sem-domicílio”(pessoasvivendoemcortiçosefavelas)nolugarde15.905.

2POPULAÇÃOEMSITUAÇÃODERUAETERRITÓRIO

Apopulaçãoquevivenasedasruasencontranoespaçopúblicosuaúltimapossibilidadedesobrevivência.Aruasecolocacomooúltimoespaçopossívelparaoúltimoestágiodapobreza.Pornãopertenceraninguém,oespaçopúblicosepermiteapropriar.Contudo,issonãoocorresemquestionamentos.Suapresençageratensõeseconflitos;suaapropriaçãopassaporrelaçõesdepoder.Forçasimpedemapermanênciadestasrealidadessocioterritoriais:comerciantesalegamadiminuiçãodomovimentoeoEstadoagedemodoviolentocompolíticas“higienistas”deordenamentoterritorialurbano(ZENEIDI-HENRY,2002b;ROBAINA,2010).

Apopulaçãoemsituaçãoderuaressignificaasconfiguraçõessocioespaciaisdoespaçourbano,criandoterritorialidades.Transformaoespaçopúblico,precário,vulneráveleinstávelemlar;reconfiguralocaisdepassagememabrigo.Suarelaçãocomoespaçourbanoémarcadapela“interferênciarecíprocaentreambos”.Aomesmotempoemquesofreinfluênciadoespaçourbanonaformacomoseaglomeraecomoobtémsuasubsistência,imprimesuasmarcasnacidade.Pormeiodaapropriaçãodedeterminadosterritórios,compõeapaisagemurbana,dissolvendoasfronteirasestabelecidasentreopúblicoeoprivado.Pelaemergênciadeseusterritóriosobserva-seaexternalizaçãodoprivadoeainternalizaçãodopúblico(ROBAINA,2010;LUCENA,2013;ZENEIDI-HENRY,2002b).

Elaéumatorestruturantedoterritórionamedidaemque,nesteprocessodeapropriaçãoprivadadoespaçopúblico,geradescontinuidadesespaciais.Osterritóriosocupadospassamaserevitados,resultandoemumaoutraexpressãodafragmentaçãourbanaque,paraalémdaconfiguraçãodosdomicílios,tomaocorpocomoinstrumentoconstituintedoespaço(ZENEIDI-HENRY,2002).

Comogrupomarginalizado,viveem“territórioselásticos”emconstanteexpansãoecontraçãoconformeasperseguiçõeseriscosiminentes.Algunssãopontospermanentes,partedapaisagem

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urbanahámaistempo,enquantooutrossãomaisrecentes.Osterritóriosocupadosporestapopulaçãopodemtambémserchamados“emmovimento”ou“flexíveis”,ouainda“efêmeros”(MATOSeRIBEIRO,2005;ZENEIDI-HENRY,2002b).

Ascentralidadesaparentamserumelementodeatraçãoparaaocupaçãoporestepúblico.Ocentrodacidadeéolocaltradicionalmenteinvestidoporestapopulação,sejaemSãoPaulo,NovaIorque,Paris,Bordeaux,MontrealouTóquio.Aconcentraçãodeatividadescomerciaisfavorecearotinadosmoradoresderuaaopassoque,atraindoconsumidores,possibilitaseucontatocomindivíduosdediferentessegmentossociais.Aomesmotempo,dadoobaixofluxodepessoasnoperíodonoturno,garanteasegurançanopernoite.NocasodeSãoPaulo,aregiãocentraltambémsemostraatrativadevidoàamplaofertadematerialparareciclagem,fontederendadepartedestapopulação(ZENEIDI-HENRY,2002b;LUCENA,2013;SCHOR,ARTESeBOMFIM,2003).

J.S.Bordreuil(1992)fazumarelaçãoentrecorposdegradadoseespaçosdegradadosaoanalisaroproblemanosEstadosUnidos.Oabandonodesiéumtraçoquefazpartedatrajetóriadaspessoasemsituaçãoderua,ecorresponderiaaoabandonodacidadeporelamesma.NacidadedeSãoPaulo,estaabordagemfazsentidoprincipalmentequandoobservadaaregiãodaLuz,maisespecificamenteondelocaliza-seachamada“cracolândia”.

3SOBREOSMÉTODOSEOSDADOS

OobjetivodestetrabalhoécompreenderemquemedidaocorremasmudançasnadistribuiçãoespacialdapopulaçãoemsituaçãoderuaanunciadaspelamídianacidadedeSãoPauloedequemodoestegruposereconfiguranoespaço.Comoestratégiaparaalcançá-lo,foramutilizadastécnicasdeanáliseespacial,maisespecificamenteestimadordeintensidadedeKernel.

Ométododeestimadorde intensidadedeKernelconsisteemumatécnicade interpolaçãonão-paramétrica que transforma a distribuição de pontos em uma superfície de densidade para aidentificação visual da ocorrência de concentrações de umevento. Ela indica tanto os locais deaglomeração(clusters),casoexistam,comoaformacomoosdadossedistribuemnaárea.(BAILEY&GATRELL,1995).

Afunçãocontatodosospontosemumraiodeinfluência,ponderando-ospeladistânciadecadaum à localização de interesse. Com isso, gera uma superfície cujo valor é proporcional àintensidadedeeventosporunidadede área. Sendoum interpolador, possibilita a estimaçãodaintensidade do evento em toda a área,mesmo nas regiões onde o processo não tenha geradonenhumaocorrênciareal(CARVALHOECÂMARA,2004).

Eladependededoisparâmetros:raiodeinfluência,quedefineumavizinhançadepontosefunçãode estimação Kernel k, compropriedades de suavização do fenômeno. Hámais de um tipo defunção de interpolação k: normal, uniforme, quártico, triangular e de exponencial negativo. Adiferençaentreeleséaformacomoatribuempesosparaospontosdentrodoraiousadoparaaestimaçãoda intensidadena área.A funçãode tiponormal atribuimaior peso aospontosmaispróximossecomparadosaosmaisafastadosdentrodoraiodeinfluência.Auniformepesatodosos pontos dentro do círculo de forma igual. A quártica atribui maior peso aos pontos maispróximosemenorpesoaospontosmaisdistantes,mascomdecrescimentogradual.Atriangular

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atribui maior peso aos pontos mais próximos e menor aos pontos mais distantes, mas odecrescimentoémaisrápido.Afunçãoexponencialnegativapesaospontospróximosmuitomaisintensamentedoquepontosdistantes(LEVINE,2004).

Neste trabalho, foi utilizado o método de estimador de intensidade de Kernel quártico, comlarguradebanda(raiodeinfluência)de1.000metros.

AtécnicafoiaplicadaaosdadosdasabordagensàpopulaçãoemsituaçãoderuaefetuadaspelosSEAS, cujas informações são diariamente registradas no SISRUA. Nesta pesquisa, foramtrabalhadosapenasosdadosde2009e2014,comointuitodeverificaradiferençaentreosdoisperíodos.Osanosintermediários(2010,2011,2012e2013)nãoforamanalisadosnestemomento.

As informaçõesreferentesàsabordagensocorridasnosanosde2009e2014foramextraídasdoSISRUA, constituindodoisbancosdedadoscontendoas informaçõesdapessoaabordada (sexo,idade, situação de saúde, estado civil, naturalidade e nacionalidade; motivo de estar na rua,aceitação ou recusa de acolhimento,motivo da recusa e endereço da abordagem). A partir doendereço, cada evento foi georreferenciado, ou seja, foram atribuídas coordenadas geográficas(latitudee longitude).Nesteprocesso,utilizou-seabasede logradourosdaregiãometropolitanade São Paulo disponibilizada pelo CEM – Cebrap. Este processo foi realizado no softwareMaptitude.Asdemaisvariáveisforamcodificadasparafinsdeanáliseestatística.Oresultadofoide 73.011 abordagens localizadas em 2009 e 159.852 abordagens localizadas em 2014. Cabesalientarqueaunidadetrabalhadanesteestudoéaabordagem,enãoonúmerodepessoas.Cadapessoapode ser abordadamaisdeumavez. Tendoemvistaqueoobjetivonãoéquantificaronúmero de indivíduos utilizando as ruas como espaço de moradia e sobrevivência, mas simidentificaroslugaresterritorializadosporestapopulação,entende-seque,devidoàcoletadiária,os dados do SISRUA são mais sensíveis à captura da “elasticidade” e “efemeridade” destesterritórios.Assim,foramprivilegiadosemrelaçãoaosdocensodapopulaçãoderua.AssuperfíciesdedensidadeforamconstruídasnosoftwareQgis.

RESULTADOS

Considerando o total das abordagens, em2009 (figura 1) é possível identificar 4 concentraçõesprincipais, compreendendo as subprefeituras Sé, Santana, Santo Amaro e Mooca. Observa-setambém pequenos pontos de alta densidade em Pinheiros e Lapa, além de pontos de médiadensidadenocentroexpandido.

Já em2014 (figura 2), alémdas grandes concentrações na Sé, Santana e SantoAmaro, há umaexpansão do hotspot da Lapa. Santo Amaro também passa a ter 3 pontos, um na divisa comPinheiros e outro na divisa com Jabaquara e Cidade Ademar, além do já existente em 2009 naregião do Largo 13, importante ponto comercial da cidade. Surgem também novos hotspotsmenoresnaMooca,naporçãoaonortedeSantanaeemGuaianases,extremolestedeSãoPaulo.Surgemnovospontosdemédia concentraçãoem todasas regiões.Naporção suldomunicípio,estãolocalizadosemCampoLimpo,M’BoiMirim,CapeladoSocorroeCidadeAdemar;naporçãooeste,Butantã;nanorte,Pirituba,FreguesiadoÓ,CasaVerde,Jaçanã,VilaMaria;naleste,Penha,Aricanduva, Itaquera, São Miguel, Itaim Paulista e Vila Prudente. Há também pontos de baixaconcentração em Cidade Tiradentes, Sapopemba e São Mateus. Por outro lado, ocorre umaretraçãonospontosdePinheiros.

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Considerando apenas as abordagens em que as pessoas estavam sob efeito de drogas, 2009contavaapenascomumhotspot,localizadonaSé(regiãoda“cracolândia”).

Em2014háumavisívelampliaçãodoshotspots,queparaalémdaSéaparecememSantanaenadivisaentreJabaquara,VilaMarianaeSantoAmaro.Observa-setambémváriospontosdemédiaebaixaconcentração,principalmentenaLapa,SantoAmaro,CampoLimpoe ItaimPaulista (figura4).

Figura1.DensidadedasAbordagensàPopulaçãoemSituaçãodeRua,2009

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Figura2.DensidadedasAbordagensàPopulaçãoemSituaçãodeRua,2014

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Figura3.DensidadedasAbordagensàPopulaçãoemSituaçãodeRuaperfil“ADM,2009

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Figura4.DensidadedasAbordagensàPopulaçãoemSituaçãodeRuaperfil“ADM,2014

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CONSIDERAÇÕESFINAIS

Como já dito, conhecer a população em situação de rua não é tarefa simples. A variedade deconceitos está relacionada à dificuldade de definir um segmento tão heterogêneo. A falta deconsensoimplicanaimpossibilidadecomparativa,nasubestimaçãodagravidadedoproblemaenaineficáciadepolíticasdesenvolvidasparasuperá-loouamenizá-lo.

Suarelaçãocomoespaçourbanosedápormeiodaapropriaçãoprivadadoespaçopúblico,quenão ocorre sem questionamentos. O surgimento de novos pontos de concentração tempreocupadomoradores,comercianteseplanejadoresurbanos.

Asanálisesespaciaisconduzidaspermitiramidentificarosurgimentodenovasáreasocupadasporesta população, a intensificação de áreas já existentes, bem como a suavização de áreasintensamenteocupadasem2009.

Observa-se uma dispersão concentrada da população em situação de rua, considerandoprincipalmente a região leste da cidade. As novas concentrações se dão próximas a locais depassagem, comoestaçõesde tremedemetrô.Ospontosdemédia concentraçãoemPinheirosdiminuem.Poroutro lado,aconcentraçãonaSé,regiãocentraldotadadeummaiornúmerodeserviçossocioassistenciaisparaestapopulação,alémdeamplocomércioecirculaçãodepessoas,prevalece,configurandoaprincipalaglomeração,tantoem2009comoem2014.

Considerandoapenasaspessoassobefeitodedrogasduranteasabordagens,adispersãotambémsedádeformaacentuada.Seem2009aregiãoda“cracolândia”consistiaumúnicohotspot,em2014observa-seaampliaçãodofenômeno,comaformaçãodeumgrandeclusteremSantanaeagrupamentosdemédioporteemtodasasregiõesdacidade,coincidindocomestaçõesdetrem,metrô,eespacialmenteterminaisdeônibus.

As razões das mudanças na distribuição espacial da população em situação de rua não foramobjetodeinvestigaçãodestetrabalho.Contudo,éimportantecompreendê-laslevandoemcontaaspolíticasqueatingemestegruposocial, sejamaçõesderequalificação,queexpulsamosmaispobres das regiões centrais degradadas, ou ações de acolhimento via serviços socioassistenciaislocalizados não coincidentemente nas regiões periféricas da cidade. As políticas de cunho“higienista”têmsemostradoineficazesnotratamentodestaquestão,ampliandoaexclusãoeoscontornosdoproblemanomunicípioSãoPaulonosúltimosanos,comoobservado.

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