Geografia Humanista Percepção e Representação Espacial

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Este artigo tem por objetivo explanar a questão da representação espacial nos estudos da Geografia Humanista confluindo para o processo de mapeamento mental coletivo. Para tanto, foi realizada uma investigação bibliográfica de autores relacionados ao tema como Maurice Merleau-Ponty, YiFu Tuan e Salete Kozel. A investigação indica a necessidade por parte dos estudos humanistas geográficos de materialização das representações sociais, o que pode ocorrer por meio de mapas mentais coletivos. Tais mapas são compostos por signos que, após serem interpretados, revelam valores, identidades e aspirações de grupos de pessoas que caracterizam os lugares.

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    Revista Geogrfica de Amrica Central. N 52ISSN 1011-48X, enero-junio 2014

    pp. 29-50

    GEOGRAFIA HUMANISTA: PERCEPO E REPRESENTAO ESPACIAL

    HUMANISTIC GEOGRAPHY: PERCEPTION AND SPATIAL REPRESENTATION

    GEOGRAFA HUMANSTA: PERCEPCIN Y REPRESENTACIN ESPACIAL

    Lawrence Mayer Malanski1

    RESUMOEste artigo tem por objetivo explanar a questo da representao espacial nos estudos da Geografia Humanista confluindo para o processo de mapeamento mental coletivo. Para tanto, foi realizada uma investigao bibliogrfica de autores relacionados ao tema como Maurice Merleau-Ponty, Yi-Fu Tuan e Salete Kozel. A investigao indica a necessidade por parte dos estudos humanistas geogrficos de materializao das representaes sociais, o que pode ocorrer por meio de mapas mentais coletivos. Tais mapas so compostos por signos que, aps serem interpretados, revelam valores, identidades e aspiraes de grupos de pessoas que caracterizam os lugares.

    Palavras chaves: Geografia Humanista, representao espacial, mapa mental coletivo, lugar.

    ABSTRACTThis article aims to explain the issue of spatial representation in the study of Humanist Geography converging into the process of collective mental mapping. Therefore, we have done a literary search of the authors Maurice Merleau-Ponty, Yi-Fu Tuan and Salete Kozel related to the subject. The research indicates the need for social materialization representation on the part of humanistic geographical

    1 Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paran, Brasil. Professor do Parque da Cincia Newton Freire Maia, Pinhais, Paran, Brasil. E-mail: [email protected]

    Fecha de recepcin: 8 de agosto de 2013Fecha de aceptacin: 22 de octubre de 2013

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    studies, which can occur through collective mental maps. Such maps are composed of signs which, after being interpreted, reveal values, identities and aspirations in order to characterize places.

    Keywords: Humanist geography, spatial representation, collective mental map.

    RESUMENEste artculo tiene por objetivo explanar la cuestin de la representacin espacial en los estudios de la Geografa Humanista convergiendo en el proceso de cartografa mental colectiva. Para tanto, fue realizada una investigacin bibliogrfica, de autores relacionados al tema, como Maurice Merleu-Ponty, Yi-Fu Tuan y Salete Kozel. La investigacin indica la necesidad por parte de los estudios hu-manistas geogrficos de materializacin de la representacin personal, que pude ocurrir por medio de mapas mentales. Estos mapas son compuestos por signos que, despus de interpretados, revelan valores, identidades y aspiraciones personales de modo a caracterizar lugares.

    Palabras clave: Geografa Humanista, representacin espacial, mapa mental colectivo, lugar.

    IntroduoAtualmente, os estudos da Geografia Humanista vm ganhando des-

    taque no ambiente acadmico por proporcionarem cincia geogrfica a valorizao da relao entre espaos, pessoas e grupos. Em momentos de globalizao, uniformizao cultural e massificao popular, considerar valores e aspiraes locais pode ser til para a compreenso das contra-dies envolvendo sociedades e na apropriao e uso do meio ambiente.

    Por tratar de assuntos subjetivos como sentimentos, percepo e re-presentao espacial, uma questo fundamental para a Geografia Huma-nista o modo como abordar tais subjetividades pessoais sem incorrer em relativismos impostos pelo pesquisador. Para tanto, os mapas mentais ganham destaque como aporte metodolgico adequado a tal finalidade, pois so capazes de materializar tais subjetividades. Ainda, passveis de interpretao, os mapas mentais expem mundos pessoais e apresentam problemas comuns, enfim, representam aspectos do lugar.

    Sendo assim, este artigo tem por objetivo explanar, a partir de inves-tigao bibliogrfica, a questo da representao espacial nos estudos da Geografia Humanista. Nesta questo destaca-se o processo de mapeamen-to mental coletivo de lugares como um recurso importante e que valoriza o desenvolvimento dialgico das representaes espaciais. Nesse contexto, utilizou-se como base os estudos de autores como do fenomenlogo exis-tencialista Maurice Merleau-Ponty e sua obra Fenomenologia da Percep-o, do gegrafo Yi-Fu Tuan e suas obras Topofilia: ambiente um estudo da percepo, atitudes e valores do meio e Espao e lugar: a perspectiva

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    da experincia, e os trabalhos envolvendo mapas mentais dos gegrafos Salete Kozel e Jrn Seemann.

    Compreender aspectos referentes percepo e representao espa-cial necessita abordar temas comuns aos estudos da Geografia Humanista. Para tanto, este artigo est organizado de modo a apresentar, primeira-mente, um breve relato a respeito do desenvolvimento dessa corrente do pensamento geogrfico para, em seguida, abordar a questo da percepo e representao espacial. Por fim, prope-se o desenvolvimento de mapas mentais coletivos como um recurso metodolgico capaz de materializar representaes de carter subjetivo dos lugares.

    A apreciao humanista do espaoA Geografia Humanista se desenvolveu a partir da dcada de 1960

    com contribuio da antropologia, histria, filosofia e psicologia apoio para o pensar geogrfico. Assim, ela aproxima estudos de filsofos fenomeno-lgicos existencialistas, como Maurice Merleau-Ponty, que propem uma filosofia que revela o ser humano como ser-no-mundo, ou seja, o ser ativo na conformao do espao (Merleau-Ponty, 1999). Merleau-Ponty foi o mais importante fenomenlogo francs e suas obras A Estrutura do Compor-tamento publicada em 1942 e Fenomenologia da Percepo de 1945, foram aplicaes significativas da fenomenologia produzidas na Frana.

    A fenomenologia est vinculada aos estudos do filsofo alemo Ed-mund Husserl, considerado o iniciador dessa corrente cientfica que tem por objetivo descrever como as coisas e os objetos se apresentam cons-cincia (essncias eidticas). Husserl prope, para tanto, a realizao do processo de reduo fenomenolgica (epoch) para se obter a essncia do fenmeno. A reduo fenomenolgica remete s experincias e ao mun-do originais, sem considerar as teorias que lhe foram acrescentadas pelas cincias, o que interessa Geografia na conformao do mundo e a dis-tino entre cincia positivista e fenomenolgica. Desse modo, a fenome-nologia se ope filosofia mecanicista e ao cogito racionalista cartesiano (Holzer, 1997). Destacam-se, ainda, outros pensadores fenomenolgicos, como Martin Heidegger e seus estudos sobre a estrutura do cotidiano, Max Scheler e seu trabalho a respeito de problemas do valor e da obrigao e Jean-Paul Sartre, seguidor fiel dos pensamentos de Husserl, utilizando-se de seu conceito de intencionalidade.

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    De acordo com Amorim (1992) destacam-se no perodo entre 1940 e 1970 os trabalhos com aporte fenomenolgico dos seguintes gegrafos: a) John K. Wright, que props o termo Geosofia como sendo o estudo da imaginao geogrfica; b) Willian Kirk e David Lowenthal que, pautados no behaviorismo, lanam ideias para uma Geografia Comportamental que valoriza a experincia vivida e a imaginao na atividade e no pensamen-to geogrfico; c) Anne Buttimer valoriza, tambm, a experincia vivida - contudo, a partir da fenomenologia existencialista de Heidegger - a neces-sidade da linguagem e de um conjunto de categorias para a compreenso e comunicao do mundo vivido; d) Yi-Fu Tuan, que desde os anos de 1970 contribui com conceitos-chave para a compreenso dos espaos e da rela-o dos seres humanos com estes, como topofilia. Outro pesquisador im-portante que contribuiu de modo significativo com trabalhos geogrficos foi o arquiteto Kevin Lynch, sendo sua obra principal o livro A imagem da cidade, de 1960, um estudo a respeito da percepo e orientao das pessoas em espaos urbanos.

    No Brasil, a Geografia Humanista passou a se desenvolver em um momento de crise paradigmtica da cincia geogrfica durante a dcada de 1980. Nessa poca, a Professora da Universidade do Estado de So Paulo (UNESP) de Rio Claro, Lvia de Oliveira, traduziu os livros Topofilia e Espao e Lugar de Yi-Fu Tuan, dando uma importante contribuio para os estudos culturais e humanistas na Geografia brasileira. Atualmente, os estudos da Geografia Humanista no Brasil se desenvolvem, principalmen-te, em ncleos de pesquisadores, como o Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Espao e Cultura (NEPEC) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), criado em 1993 e o Ncleo de Estudos em Espao e Re-presentaes (NEER), criado na Universidade Federal do Paran (UFPR) em 2006, e que atualmente constitui uma rede que articula projetos e gru-pos de pesquisa de dezenove universidades brasileiras.

    Percepo e representao espacialO breve histrico apresentado anteriormente, apresenta a preocupa-

    o dos estudos da Geografia Humanista com as relaes subjetivas entre pessoas e grupos com o espao a fim de compreender seus valores, com-portamentos e aspiraes. Para tanto, perpassam comumente pelo entendi-mento do que so pessoas e como ocorre tais relaes.

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    Conforme Tuan (1980, p. 284), uma pessoa um organismo biol-gico, um ser social e um indivduo nico; percepo, atitude e valor refle-tem os trs nveis do ser. Nota-se ento, que no universo fenomenolgico, pessoas formam uma realidade complexa com diferentes manifestaes, como o corpo, o conhecimento, a vontade, a linguagem, a sociabilidade, a cultura, o trabalho, o jogo e a religio.

    Simultaneamente atravs dos cinco sentidos e da mente, pessoas per-cebem o espao a sua volta e interagem com ele tornando-se conscientes do mesmo. A percepo se desenvolve como resposta desses sentidos aos estmulos externos e fornece pessoa conhecimentos imediatos a respeito do que a cerca (Tuan, 1980). A apreenso sensvel, imediata do espao, refere-se ao sentido, mas para que este se tome um significado ou conceito preciso reincidncia de uma srie de experincias regulares e retroati-vas (Lima, 2007). Conforme Merleau-Ponty (1999) o algo percebido no um simples amontoado de sensaes e memrias. Quando se assume o fenmeno, descobre-se um todo que se projeta com um significado prprio e assim constitui o fundamento da experincia.

    A partir desta reflexo, pode-se afirmar que atravs da percepo que se constri o conhecimento do espao adjacente e organiza outro, individu-alizado. Ou seja, a percepo um dos processos necessrios para a estrutu-rao do mundo para a pessoa. Contudo, privilegiar a experincia sensvel em prejuzo ao pensamento seria ratificar o empirismo, pois a realizao do corpo pressupe a indissociabilidade entre capacidades sensveis e intelectu-ais a conscincia humana (Lima, 2007). Ainda, Pallasmaa (2011) afirma que os sentidos, mais do que mediar informaes para julgamento do intelecto, disparam a imaginao e articulam o pensamento sensorial.

    Por possurem rgos sensitivos similares, os seres humanos com-partilham percepes comuns. Assim, como membros da mesma espcie, esto limitados a perceber as coisas de uma determinada maneira. Contu-do, sabe-se que a forma como o espao percebido varia entre pessoas, culturas e condies sociais (Tuan, 1980). Tuan afirma que A cultura e o meio ambiente determinam em grande parte quais os sentidos so privi-legiados (Tuan, 1980, p. 284). O ser humano moderno predominante-mente visual e negligencia, muitas vezes, seus demais sentidos em sua ex-perincia espacial. Nos ltimos trinta anos se vive, sobretudo nos grandes centros urbanos, uma sobrecarga de imagens e as sociedades modernas se

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    tornaram imagticas. Na atualidade, aproximadamente 90% das percep-es humanas so adquiridas visualmente e grande parte das restantes se adquire atravs do tato e do ouvido (Gaspar, 2001). No entanto, reduzir a percepo espacial a um nico sentido, o visual, demonstra um desperd-cio do potencial humano. Pallasmaa (2011, p. 24) expe que [...] a viso nos separa do mundo, enquanto os outros sentidos nos unem a ele. Deste modo, o observador se desvincula de uma relao prxima com o espao pela supresso dos outros sentidos.

    A Geografia , tradicionalmente, a cincia responsvel por estudar o espao, contudo importante definir qual esse espao. Assim, ao se propor um estudo geogrfico do espao a partir do vis fenomenolgico, considera-o como espao vivido2, essencialmente antropocntrico e que vai alm de um simples amontoado de dados, pois envolve a anlise da experincia centrada numa pessoa. Todavia, essa variedade espacial su-pe a prpria pessoa se engajando e vivenciando um fragmento do espao por meio da interao emocional construda a partir dos sentidos (Schmid, 2005). Portanto, o espao vivido se constri primeiramente do contato di-reto da pessoa com os objetos atravs dos sentidos.

    A explorao do espao se inicia com o nascimento, sendo que atra-vs das experincias corporais (ao) a criana constri sua noo espa-cial. A conscientizao do espao pelo prprio corpo ocorre atravs de es-quemas corporais e a lateralizao. Estes, em conjunto, renem as funes motoras, a percepo do espao imediato e a conscincia de seu domnio lateral (direita e esquerda). Gradativamente a pessoa toma conscincia de seu corpo e ento passa a projetar para os objetos e outras pessoas o que comprovou em si mesma. Atravs da ao em seu espao vivido e da re-flexo sobre ele a pessoa chega abstrao reflexiva ou a concepo do espao e sua organizao (Almeida & Passini, 1989).

    Conforme Kozel (2007, p. 117), o espao no somente percebido, sentido ou representado, mas tambm vivido. As imagens que as pesso-as constroem esto impregnadas de recordaes, significados e experin-cias. De modo a complementar, Merleau-Ponty (1999) indica que no existe objeto (espao) sem sujeito (pessoa) e toda experincia espacial se

    2 O termo espao vivido foi utilizado primeiramente pelo gegrafo francs Armand Frmont em sua obra La rgion, espace vcu de 1976. Refere-se possibilidade de compreender como os indivduos percebem e constroem a realidade a partir de suas aspiraes, crenas e representaes. Frmont, A. (1980). A regio, espao vivido. Coimbra, Portugal: Livraria Almedinha.

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    d a partir de um referencial, uma vez que este uma tentativa das pessoas de compreenderem os espaos que as cercam. Nota-se que o filsofo pro-pe um espao como meio da existncia humana, apreendido por meio da experincia perceptvel. Assim, o espao vivido demarcado pelo prprio corpo um campo perceptivo e no possui delimitaes rgidas e precisas.

    A experincia em grupo do espao pode envolver situaes distintas. sensao de falta de espao (na acepo geomtrica do termo) causa pela presena de outras pessoas Tuan (1983) denomina apinhamento. Api-nhamento caracteriza-se assim pela experincia grupal do espao, na qual se vive a experincia da outra pessoa (Holzer, 2003). De outro modo, a sensao de estar livre no espao (ainda na acepo fsica do termo), de poder se movimentar nele, Tuan (1983) designa de espaciosidade.

    Para Tuan (1983) espao vivido e lugar so sinnimos, pois ambos agregam personalidade e se tornam familiar (convertendo-se em elemen-tos da prpria existncia humana). Assim, para que um espao se torne lugar deve passar pela experincia humana e um processo de apropriao e significao. Lugares so, consequentemente, centros de significados, possuindo muitos smbolos aparentes.

    O modo como as pessoas se relacionam com os lugares varia. Pode haver laos de afeto ou de recusa, pertencimento ou no para com lugares. Avaliar como as pessoas respondem aos seus espaos necessita conhecer os tipos de atividades que ocorrem neles. relao afetiva, esttica, entre pessoas e espaos, por exemplo, Tuan (1980) denominou topofilia e a par-tir dela eles se tornam identitrios. Para a ideia contrria, ou seja, averso ou medo entre pessoas e espaos, o autor adotou o termo topofobia (Tuan, 1983), criado por Gaston Bachelard e divulgado em sua obra A Potica do Espao. Ainda, John Douglas Porteous (1988) sugeriu o termo topo-cdio como a depredao e, at mesmo, a extino de lugares causada pela supresso do significado cultural de uma paisagem por uma sociedade. J Oswaldo Bueno Amorim Filho (1992) empregou o termo topo-reabilita-o, que se refere a processos e aes de resgates, reabilitao ou restaura-o de lugares topofbicos, degradados ou extintos na busca por melhorias da qualidade de vida nesses ambientes.

    Se de um modo lugar o espao familiarizado, de outro, o espao que inibe relaes e identidades especficas pode ser denominado no-lu-gar. Conforme o etnlogo Marc Aug (1994), os no lugares se opem

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    aos lugares por serem espaos no identitrios, relacionais ou histricos. So, portanto, espaos especficos (monofuncionais) e indiferentes, onde todos so tratados com impessoalidade (Mocellim, 2009). As relaes que se estabelecem nos no lugares so previstas antecipadamente, sendo a identidade partilhada pr-concebida e exigida, o que se confunde com a impessoalidade de uma no-identidade. Assim, o comportamento pessoal padronizado por ordens criadas e materializadas em forma de palavras, sinais, imagens etc. (Aug, 1994). Por consequncia, os significados atri-budos pelas pessoas aos no lugares no so apegados a eles (Mocellim, 2009). Aug (1994) define trs funes tpicas dos no lugares: comuni-cao, circulao e consumo. Tal definio se desenvolve a partir do atual estgio da globalizao, que o autor denomina de sobremodernidade, e que se caracteriza pelo intenso movimento de pessoas, de comunicao e de consumo em escala planetria. Assim, shoppings, aeroportos, estradas e bancos podem ser exemplos de no lugares.

    Dotados de informaes perceptivas, sensaes e imaginaes espa-ciais, as pessoas so capazes de representar a partir de imagens mentais o espao percebido ou imaginado. Tal conceito de imagem mental remonta aos estudos de Lynch e sua obra A imagem da cidade (1960). Para tanto, a representao conforme Merleau-Ponty (1999) se configura como uma funo simblica e objetivante dada pela conscincia a partir da vivncia espacial. Assim, a representao responsvel por dar significado ao algo percebido, representando fenmenos naturais e sociais, para a compreen-so de acontecimentos ditos sobrenaturais e, principalmente, para perpetu-ar a conscincia humana de mundo. Portanto, a representao no substitui o algo percebido (objeto), mas seleciona determinados detalhes dele e se faz a partir de uma concepo ou escala de valores que o emissor da repre-sentao tem do objeto representado (Kozel, 2007).

    Em Geografia, conforme Kozel (2004), a representao tida como criao individual ou social de esquemas (imagens) mentais formados a partir da vivncia espacial. Portanto, a natureza da representao geogr-fica subjetiva, dinmica e contextualizada, sendo que todo sistema de representao deve envolver as dimenses espaciais e temporais do es-pao. Uma imagem mental ou representao descontextualizada apenas uma simples recordao. Ainda segundo Kozel (2004), a anlise espacial ampliada quando se resgata o vivido e as subjetividades, permitindo a

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    compreenso das relaes existentes entre as pessoas e suas organizaes espaciais. Nas pesquisas com caractersticas humanistas, contudo, a an-lise das diferentes representaes est vinculada viso de mundo do pesquisador e pode incorrer em apreciaes parciais. Nota-se com isso, a necessidade do uso de metodologias prprias para a leitura e interpretao de representaes de modo a no incorrer em julgamentos preconceituosos ou apaixonados.

    A interposio entre o que representado e o receptor, a quem se dirige a representao, feita atravs de signos. Este o que enuncia algo a algum, uma unidade portadora de sentido constituda pelo significante (forma) e o significado (contedo). Os signos podem ser alm de cones, sons, msicas, palavras, gestos, objetos, rituais, elementos naturais entre outros que plasmam os lugares, contudo, seu carter prescinde de uma forma de linguagem para ser comunicado. Tuan (1983), afirma que os ob-jetos e lugares so ncleos de valores humanos e que no apenas o espao compartilhado, mas as pessoas tambm so. Assim, destaca-se que os signos resultam do consenso entre pessoas em um processo de interao. Pode-se afirmar com isso a natureza ideolgica dos signos, pois tudo que ideolgico possui significado e remete a algo situado fora de si, exigindo que seja contextualizado para que ganhe significado por pessoas de um grupo socialmente organizado (Bakhtin, 2002). Deste modo, os significa-dos dos diferentes signos so construdos socialmente a partir do dialogis-mo, entendido como a relao, o dilogo, entre pessoas na qual so incor-porados diferentes valores e discursos atravs da recepo/compreenso de enunciados. Sobre isso, ver figura 1, abaixo.

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    Figura 1. Construo dialgica dos significados. A relao dialgica entre pessoas, no qual so incorporados valores e discursos sociais,

    ocorre atravs da recepo e compreenso de enunciados (signos). Os significados dos diferentes signos so construdos a partir dessa relao.

    Dialogismo

    Eu Enunciados Outro

    Valores e discursos

    Significados

    Fonte: Malanski (2013).

    A soma dos comportamentos, dos objetos, dos saberes, das tcnicas, dos conhecimentos e dos valores acumulados por esse grupo (ou grupos) socialmente organizado, do qual pessoas fazem parte, denomina-se cultura (Claval, 2001). Apesar de compreendida como um conjunto de tcnicas e de comportamentos pessoais e coletivos, a cultura um conjunto no fe-chado e mutvel, pois o contato com diferentes culturas (choque cultural), as inovaes e iniciativas oriundas de dentro do prprio grupo constituem fontes de enriquecimento e transformao cultural (Claval, 2001).

    Para Merleau-Ponty (1999) o mundo cultural, composto por objetos e comportamentos, conformado pelo movimento intencional da subje-tividade, que impregna de significados antropolgicos o mundo natural. Para a pessoa, todo objeto primeiramente natural e constitudo de cores, odores, sabores, qualidades sonoras e tteis para que possa, ento, fazer parte de sua vida. Num segundo momento, esse objeto traz implcita a marca da ao humana na sua constituio, de acordo com a experincia

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    pessoal. De modo semelhante, para Tuan (1998), a cultura no s con-duzida pela imaginao como um produto dela. Assim sendo, ela pode ser compreendida como a totalidade dos significados por meio da qual a pessoa escapa do seu estado animal de ser. A partir desta perspectiva, as-sume-se que a dimenso biolgica, responsvel pelas percepes, fornece subsdios para que a dimenso cultural mostre e potencialize a dimenso subjetiva humana.

    Geografia Humanista e representao espacialH muito tempo pessoas delineiam impresses e percepes sub-

    jetivas referentes ao domnio do espao, sendo os mapas tidos como as mais antigas representaes do pensamento geogrfico. Estes adaptam a realidade e proporcionam noes de conjunto dos elementos espaciais. Es-tima-se que os primeiros mapas datam de cerca de seis mil anos antes de Cristo, sendo que a evoluo cartogrfica conta a histria e as mudanas do conhecimento humano de mundo, suas tcnicas, prticas sociocultu-rais e valores. Assim, eles sempre estiveram associados s imagens tanto para registrar e transmitir informaes sobre espaos desvendados, quanto como forma de comunicao e representao do espao fsico ou do espa-o vivido (Kozel, 2007).

    As diferentes abordagens do espao ao longo do tempo proporciona-ram diversas prticas cartogrficas, como os tradicionais mapas temticos impressos, os mapas digitais, a cartografia mental e o mapeamento cola-borativo. No entanto, os mapas tradicionais se configuram como mdias massivas destinadas a receptores que no podem emitir impresses a res-peito das mensagens, representaes, imagens e ideologia espalhada. So, portanto, formas dominantes de representao do espao.

    Conforme Tuan (1983), o gegrafo tende a aceitar como familiar que as pessoas estejam orientadas no espao, ao invs de descrever e tentar compreender o que significa estar no mundo. O fato dos estudos humanis-tas geogrficos envolverem a subjetividade do sentir e pensar das pessoas ou dos grupos com todos os seus valores, atitudes e preferncias, necessita de instrumentos e estratgias para demonstrar estes pensamentos, opinies e sentimentos sobre as realidades percebidas e os mundos imaginados. O maior desafio ao pesquisador consiste em decifrar processos cognitivos e

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    mentais que so de difcil captao e que muitas vezes apenas podem ser compreendidos quando se manifestam de forma concreta.

    Buscando solucionar este impasse, pesquisadores retomam o mapa como uma forma de representar e tornar visveis pensamentos, atitudes e sentimentos tanto sobre a realidade percebida quanto sobre o mundo da imaginao (Seemann, 2003). Neste contexto, a cartografia, sob o vis humanista, est enraizada na experincia cotidiana e, assim, se ope aos mapas e convenes cartogrficas oficiais. , portanto, conforme Seemann (2010), uma cartografia subversiva, contramapeamento ou, ainda, mapa no convencional, pois se baseia em concepes pessoais do espao e co-mumente funde a linguagem cartogrfica com a expresso artstica.

    Ainda sob a hegemonia neopositivista, Kirk (em 1952), Gold e Whi-te (em 1973) desenvolvem na Geografia estudos a partir do behaviorismo buscando investigar o comportamento humano e seu deslocamento no es-pao. Desses estudos emerge o termo carta mental (Kozel, 2007). No en-tanto, predominaram nesse perodo representaes de fenmenos culturais concretos no espao numa folha de papel, tornando os mapas analogias e modelos que explicavam a realidade (Seemann, 2010).

    Na dcada de 1980, o gegrafo Peter Jackson publica o livro Maps of Meaning, sendo que o titulo se referia ao termo mapa como uso simb-lico e metafrico. O livro de Jackson pode ser considerado a primeira obra de introduo nova Geografia Cultural (Seeemann, 2010). Desde ento, as experincias, ideias e imagens que as pessoas tm do espao podem ser representadas atravs dos mapas mentais. Com isso, a linguagem car-togrfica se torna dispositivo lingustico e uma ferramenta analtica para a interpretao da realidade (Seemann, 2010). O simbolismo dos mapas mentais referencia no s uma construo cognitiva, mas tambm a cultu-ra do grupo que a pessoa pertence, revelando assim um carter sociocul-tural. (Kozel, 2007).

    Neste contexto importante no confundir mapas mentais com ma-pas conceituais. Estes, desenvolvidos a partir do conceito de aprendizagem significativa, referem-se a uma tcnica desenvolvida por Joseph Novak na dcada de 1970 que tem por objetivo relacionar e hierarquizar conceitos. De outro modo, os mapas mentais se desenvolvem livremente, so asso-ciacionistas e no se atm a relaes entre conceitos (Moreira, 2005)

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    Kozel (2007) entende os mapas mentais a partir do dialogismo bakh-tiniano. Para tanto, considera-os como enunciados, elaborados por grupos sociais e que representam suas vises de mundo. A partir desta reflexo, a pesquisadora define mapas mentais como uma representao do mundo real visto atravs do olhar particular de um ser humano, passando pelo aporte cognitivo, pela viso de mundo e pela intencionalidade (Kozel, 2007, p. 121). Assim sendo, os mapas mentais revelam a ideia que as pes-soas tm de mundo e assim vo alm da percepo individual, refletindo uma construo social (Kozel, 2007, p.117).

    Observa-se abaixo (figura 2) uma sntese das abordagens envolvidas com a construo da ideia do mapa mental.

    Figura 2. Sntese do mapa mental. Entende-se o mapa mental como uma construo simblica originada da relao entre a experincia e a imaginao

    com a representao pessoal, influenciada por questes culturais.

    Mapa mental Representao Experincia e imaginao

    Grupo cultural

    Pessoa

    Fonte: Malanski (2013).

    Conforme Nuere (2000), os mapas mentais variam individualmente segundo um ponto de vista pessoal, pois so influenciados pela: idade, destreza manual, agilidade verbal, experincia acerca do espao pelo vo-cabulrio e agilidade verbal, pela experincia acerca do espao e pela dife-rena de pensamento de quem os elabora. No entanto, quem elabora o mapa est inserido em um grupo social, com o qual compartilha experincias,

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    informaes e desejos. Logo, algumas partes dos mapas mentais so co-muns a todos, outras a um subgrupo e outras so nicas de cada pessoa. Afirma-se, portanto, que os mapas mentais so um mescla do geral e do particular, do social e do pessoal.

    No processo de mapeamento mental, o mapeador necessita estabe-lecer um sistema de signos ordenados, ou seja, atribuir um significado ao significante. Cabe lembrar que a funo de mapeador nesse processo pode no ser ocupada pelo gegrafo, mas quaisquer pessoas ou grupos e os ma-pas so elaborados, ento, de pessoas para pessoas (Seemann, 2010). Para tanto, tomada conscincia do espao, o mapeador generaliza, classifica e seleciona as informaes a serem mapeadas. Essa funo simblica torna o mapa mental uma representao grfica de uma ideia ou objeto e o espa-o vivido est, ento, codificado (Almeida & Passini, 1989).

    Seemann (2003) aponta que os mapas mentais no so representa-es espaciais sujeitas s regras cartogrficas de projeo, escala ou preci-so, mas representaes oriundas da mente humana, que precisam ser lidas como processos e no como produtos estticos. Assim, eles necessitam ser compreendidos alm do rigor cientfico deixando, portanto, margem para a imaginao humana. Ainda, os Mapas no consistem exclusivamente de pontos, linhas e polgonos, mas tambm contm textos, no apenas na forma de legenda e ttulos, mas tambm como nomes de lugares e outros atributos ao espao (Seemann, 2010, p. 123).

    No processo de mapeamento mental, cabe ao gegrafo comumente a funo de ler e interpretar as representaes. Ler mapas um processo que envolve etapas metodolgicas que precisam ser respeitadas para que a leitura seja eficaz (Almeida & Passini, 1989). A leitura do material car-togrfico envolve o processo inverso de sua construo, pois com ela se busca a decodificao dos contedos de forma expressiva. Simielli (1999) considera quatro aspectos principais para a compreenso de mapas tra-dicionais, mas que podem ser utilizados tambm para a leitura de mapas mentais, sendo eles: a localizao, a anlise, a correlao e a sintetizao dos elementos mapeados. Salete Kozel (2007) elaborou uma metodologia denominada Metodologia Kozel. De acordo com tal metodologia, os ma-pas mentais podem ser considerados enunciados (textos) e so passveis de leituras e interpretaes, pois so formados por signos (iconogrficos).

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    A leitura dos mapas mentais atravs da metodologia Kozel se funda-menta no estabelecimento de relaes entre os significantes e os significa-dos dos signos e a reflexo a respeito de suas distribuies e organizaes pelo material cartogrfico. Buscam-se com isso generalizaes a respeito de um determinado espao sem perder, no entanto, informaes impor-tantes e especficas a seu respeito. Kozel estabelece quatro fases para a anlise de mapas mentais: 1) Interpretao quanto forma de representa-o dos elementos na imagem; 2) Interpretao quanto distribuio dos elementos na imagem; 3) Interpretao quanto especificidade dos cones; e 4) Apresentao de outros aspectos ou particularidades.

    Ao relacionar os aspectos indicados por Simielli (1999) s quatro fases da Metodologia proposta por Kozel (2007) assume-se, ento, que um mapa mental pode ser lido e interpretado a partir das seguintes etapas:

    Forma de representao e distribuio dos elementos mapeados: for-ma de representao dos elementos em cones, linhas, polgonos, le-tras, palavras, nmeros etc. e distribuio desses elementos em qua-dros, com ou sem perspectiva, isolados, na horizontal ou vertical, na parte superior ou inferior no mapa.

    Anlise dos elementos mapeados: especificidade dos elementos (re-presentao dos elementos da paisagem natural, da paisagem cons-truda, elementos mveis e humanos etc.) e outros aspectos ou parti-cularidade representados no mapa.

    Correlao dos elementos mapeados: estabelece a codificao das mensagens veiculadas ao mapa a partir da anlise das representaes e do referencial terico.

    Sintetizao dos elementos mapeados: a partir da correlao estabe-lecida, sintetizam-se as informaes obtidas de modo a resumir as mensagens mapeadas.

    Mapas mentais coletivosComumente, um mapa mental elaborado individualmente, tendo

    o pesquisador ao final de sua pesquisa uma srie de mapas a serem inter-pretados. No entanto, possvel produzir mapas mentais de modo coletivo a partir de processos nos quais participam grupos abertos de pessoas com o propsito de elaborar um nico produto cartogrfico (ver figura 3). A

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    fundamentao terica referente aos mapas mentais coletivos ainda carece de bibliografia e parte dela foi desenvolvida pelo autor deste artigo em sua pesquisa de mestrado. Para tanto, foi utilizando como fundamento o referencial terico que envolve os mapas mentais tradicionais, sendo que mesclou-se a ele aspectos interessantes dos mapas colaborativos da Inter-net e da cartografia social (Malanski, 2013).

    Figura 3. Mapeamento mental coletivo. Desenvolvido em um colgio pblico da cidade de Curitiba - PR. Nota-se a participao de seis

    pessoas em um nico mapa mental. Como o grupo no foi pr-definido pelo pesquisador, houve rotatividade de participantes no processo.

    Fonte: Malanski (2013).

    A caracterstica de composio aberta dos mapas colaborativos da Internet permite que qualquer pessoa interessada contribua indivi-dualmente para sua composio, mesmo que no possua conhecimentos cartogrficos (Ribeiro & Lima, 2011). Contudo, utilizam bases carto-grficas rgidas, perdendo-se, assim concepes pessoais dos espaos e

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    suas subjetividades. So, portanto mapas de anexao de informaes de carter funcional.

    A cartografia social, por sua vez, se caracteriza por dar poder a co-munidades tradicionais em posio de risco, como povos indgenas e qui-lombolas. O processo de cartografia social comunitrio e, portanto, de-senvolve-se de forma coletiva (Chambrers & Guijt, 1995).

    O processo de cartografia social ocorre comumente a partir de refle-xes orientadas pelo pesquisador com um grupo formado por representantes da comunidade a respeito da situao da mesma. Geralmente este modelo cartogrfico utilizado em conjunto com outras tcnicas e recursos que tem por metas o desenvolvimento de planos de aes comunitrios, como entre-vistas, diagramas e travessias. Alm disso, na cartografia social a base carto-grfica comumente criada pela prpria comunidade a partir de referncias pessoais ou coletivas, o que permite a representao de imagens mentais que podem ir alm da frieza das convenes cartogrficas tradicionais.

    Nesse contexto, a ideia de mapeamento mental coletivo advm da conformao das caractersticas destacadas do mapeamento colaborativo virtual e da cartografia social com o mapa mental. Deste modo, define-se um mapa mental coletivo como uma variao do mapa mental tradicional, mas produzido coletivamente atravs da livre participao de qualquer pes-soa, no ficando este processo sob responsabilidade de um grupo fechado de pessoas encaminhado pelo pesquisador (ver figura 4). O processo de mapeamento mental coletivo deve ocorrer, portanto, de modo espontneo. Nesse processo, cabem ao pesquisador as funes de organizar e propor-cionar materiais e situaes adequados para que o processo ocorra, como a escolha de locais favorveis ao desenvolvimento do processo. Ainda, para registrar a evoluo do processo, o pesquisador pode obter imagens fotogrficas a cada perodo de tempo do produto (mapa) em construo.

    Como so considerados variantes dos mapas mentais tradicionais, os mapas mentais coletivos podem ser interpretados fazendo uso da metodo-logia apresentada anteriormente elaborada a partir dos aspectos propostos por Kozel e Simielli. Para facilitar a interpretao do produto cartogrfico, pode-se dividi-lo em conjuntos de signos sobre os quais sero aplicados tal metodologia. Assim como os mapas mentais tradicionais, a anlise dos ma-pas mentais coletivos pode expor subjetividades atribudas por pessoas e grupos aos lugares, como: relaes topoflicas, topofbicas, sensaes de

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    apinhamento ou espaciosidade, ou ainda, a falta de identificao com os espaos caractersticas dos no lugares (ver figura 4) entre outras. Enfim, os mapas mentais coletivos materializam sentimentos referentes experincia espacial de pessoas ou grupos organizados mas no convergem totalmente com a realidade, sendo um modo de aprender e representar o espao.

    As informaes obtidas atravs da interpretao dos mapas mentais co-letivos podem ser teis para pesquisas de educao ambiental, planejamento urbano, arquitetura e para todas as outras que buscam conhecer os lugares a afim de torn-los melhores e mais agradveis para as pessoas que os vivem.

    Figura 4. Exemplo de mapa mental coletivo. Notam-se diferentes formas e conjuntos de signos. No caso, o mapa o resultado de um processo

    desenvolvido em um colgio pblico da cidade de Curitiba e sua interpretao revelou informaes preocupantes quanto qualidade do espao escolar,

    como sentimentos de topofobia e caractersticas de no lugar. Neste sentido, destaca-se a onomatopia BUM!!! e a frase Que tal comear de novo!

    (tudo!!!) que se referem exploso do colgio e sua reconstruo como uma forma de corrigir os diversos problemas representados no mapa

    Fonte: Malanski (2013).

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    Para concluir Os estudos da Geografia Humanista vm se desenvolvendo atual-

    mente e oferecem alternativas que valorizam experincias pessoais do es-pao. Por envolverem as subjetividades do ser, uma questo fundamental para os gegrafos humanistas o modo como abordar tais subjetividades de modo cientfico.

    Para tanto, necessria a compreenso de abordagens humanistas quanto ao espao, percepo e representao espacial, sobretudo. Assim, considera-se o espao como espao vivido, ou seja, essencialmente antro-pocntrico, construdo por meio da interao emocional a partir dos sen-tidos. Esse espao humanizado, por agregar personalidade, torna-se lugar.

    A forma como o espao vivido percebido varia entre pessoas e grupos culturais, mas por possurem rgos similares, sensaes e imagi-naes, as pessoas so capazes de representar esse espao. Desse modo, a representao uma imagem mental que d significado ao espao vivido. A intermediao entre o que representado e o receptor ocorre por meio de signos, que tm origem dialgica e, portanto, em um contexto cultural.

    Nesse contexto, experincias, ideias e imagens pessoais ou coletivas do espao podem se revelar atravs de mapas mentais. Estes tornam visveis e passiveis de interpretao pensamentos, atitudes e sentimentos tanto sobre a realidade percebida quanto sobre mundos imaginados. Assim, a cartografia sob vis humanista est enraizada na experincia espacial e seu simbolismo re-ferencia no s uma construo cognitiva pessoal, mas tambm cultural, reve-lando aspectos socioculturais. Desse modo, os mapas mentais emergem como significativo aporte metodolgico aos propsitos da Geografia Humanista.

    Comumente, o processo de mapeamento mental se desenvolve de modo individual, contudo, pode ocorrer tambm em grupos abertos de pessoas que podem elaborar um nico mapa. Essa forma coletiva busca valorizar a interao entre pessoas e a representao de imagens comuns alusivas ao espao vivido. No entanto, ainda necessrio aprofundar os estudos referentes a essa forma coletiva de mapeamento.

    Nos processos de mapeamento mental tradicional e coletivo, o ma-peador estabelece um sistema de signos passvel de interpretao pelo pes-quisador atravs de metodologias como as propostas por Simielli e Kozel, que busca generalizaes a respeito de um determinado espao sem rele-var informaes importantes e especficas a seu respeito.

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