Perspetiva Ecologica e Humanista

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    Introduo

    Atribui-se ao Romantismo a descobertada criana e Rousseau

    (1985) apela necessidade de encarar a criana na sua infncia,

    contrariando os tericos que a medem e a avaliam pela bitola da sua

    prpria configurao de adultos (Torrado, 2002, p. 54). nossa

    preocupao, aqui, na 1 infncia, mais concretamente entender como a

    criana aprende e se desenvolve. Face a esta preocupao o nosso

    intento no explanar os pressupostos dos vrios tericos do

    desenvolvimento humano, mas, sobretudo, tomar abordagens mais

    gerais sobre o prprio processo do desenvolvimento, os contextos e as

    interaces humanas em que ocorre, se potencializa ou inibe.Neste sentido, optmos por abordar (1) a importncia dos

    contextos do desenvolvimento humano atravs dos contributos da

    perspectiva ecolgica e (2) o sentido global desse desenvolvimento

    atravs dos contributos da perspectiva humanista. Ambas as teorias,

    estando atentas s caractersticas individuais do ser humano,

    contextualizam o seu desenvolvimento num sistema psicossocial de

    influncias. O ser humano estudado como um todo em interaco comos diversos subsistemas, sendo o seu centro da ateno a experincia

    subjectiva de cada pessoa.

    Num primeiro momento, expomos uma sntese da perspectiva

    ecolgica que apresenta o ser humano contextualizado numa rede de

    influncias capazes de afectar o seu prprio desenvolvimento, quer seja

    ao nvel individual, englobando a forma como cada um sente e vive o

    contexto em que est inserido (microssistema), quer ao nvel dasinteraces entre os diferentes contextos em que se move

    (mesossistema). Esta perspectiva configura, ainda, dois outros nveis de

    influncias que, sendo mais abrangentes, constituem sistemas em que

    cada ser humano no participa activamente mas que o afectam o

    exossistemae o macrossistema. Reportando-nos creche, este captulo

    descreve o desenvolvimento das crianas segundo uma perspectiva de

    baixo para cima da creche (microssistema), uma perspectiva exterior-interna que focaliza as relaes famlia/creche (mesossistema), uma

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    perspectiva interior centrada nos condicionalismos laborais dos

    educadores (exossistema), bem como todas as determinantes sociais,

    econmicas, culturais e/ou polticas da comunidade e tambm dos

    responsveis pelas instituies que, na perspectiva exterior, afectam aorganizao e funcionamento das creches (macrossistema).

    Um segundo momento aborda a perspectiva humanista que

    considera que o ser humano se desenvolve em trs grandes dimenses:

    auto-conceito, relao com o outroe viso de mundo. A interdependncia

    entre estas dimenses prefigura o desenvolvimento do ser humano

    como produto e produtor, entrecruzado numa rede de influncias

    mais prximas e mais longnquas, tal como na perspectiva ecolgica,mas determinantes na configurao da sua personalidade.

    No incio da vida, a formao do auto-conceito est relacionada

    com a sensao de confiana bsica desenvolvida atravs das

    interaces precoces me/pai-filho. Todavia, ao longo de toda a vida, vai

    sendo modificado pelas variadas experincias, incluindo experincias de

    sucesso ou insucesso vividas. O emprego das mes, e a consequente

    colocao da criana em contextos de creche em idades muito precoces,veio alterar em muito a dinmica das interaces precoces com outros

    significativos. As relaes estveis e seguras com outros significativos

    relao com o outro sodeterminantes na formao do sentimento de

    confiana bsica e, consequentemente, da personalidade. A

    compreenso do desenvolvimento baseada na centralidade das relaes

    enfatiza a ampla abrangncia da rede de relaes, que no apenas as de

    pais-criana, mas englobando tambm todas as interaces com osoutros, nomeadamente educadores e grupo de pares. Importa, ento,

    analisar o que a investigao nos diz sobre a influncia do outro no

    desenvolvimento social e emocional da criana que frequenta a creche.

    O processo de socializao da criana comea na famlia, mas a

    sua entrada para outras instituies educativas amplia o seu contexto

    social e a sua viso de mundo. Ancorada numa teia de relaes

    afectivas e sociais estveis, o alargamento desta viso de mundodepender das propostas que o contexto fsico, cultural e social

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    facultar, capazes de promoverem o desenvolvimento de competncias

    cada vez mais amplas e complexas. Ou seja, integra-se neste mbito a

    importncia das experincias cognitivas e sensoriais na infncia, entre

    outras, como processos activos e dinmicos na construo da viso demundo mais alargada.

    1.1. Desenvolvimento em contexto: contributo da

    perspectiva ecolgica

    A perspectiva ecolgica do desenvolvimento humano, preconizada

    por Bronfenbrenner (1987), considera que o indivduo se desenvolve

    num sistema complexo afectado por mltiplos factores do meio

    ambiente. Ou seja, relaciona o desenvolvimento e a educao do

    indivduo, ao longo do seu ciclo de vida, com as influncias do contexto

    a que est vinculado e identificado, qualquer que seja a idade, o gnero

    ou a cultura. Nesta perspectiva, o desenvolvimento concebido como

    um fenmeno contextualizado e contnuo que, actuando num tempo e

    num espao, pressupe a integrao das propriedades particulares da

    pessoa e a estrutura dos cenrios ambientais, elementos dos processos

    prximos(Bronfenbrenner & Morris, 1999).

    As condies em que cada ser humano vive e cresce condicionam

    o seu prprio processo de desenvolvimento, pelo que este ter de ser

    entendido em funo dos cenrios mais prximos e imediatos e,

    simultaneamente, em interdependncia com os mais amplos, em que os

    primeiros se inserem, dada a ligao natural entre os diferentescontextos. Para Tietze (Tietze & Rossbach, 1984; Tietze, 1986), cenrio

    uma estrutura social relativamente estvel, associada especificidade

    do lugar, e onde ocorrem padres de aco relativamente estveis,

    inseridos num contexto mais amplo (organizacional, legal, econmico).

    Cada cenrio proporciona ao ser humano alguma actividade capaz de

    favorecer uma conduta progressiva que possui um momento prprio e

    que tem um significado ou inteno para os que participam no contexto(Bronfenbrenner, 1987, p. 65). Como tal, o cenrio susceptvel de ser

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    operacionalizado em: i) variveis de estrutura, que incluem as

    caractersticas fsicas, ambientais ou humanas e; ii) as variveis de

    processo, que se referem dinmica das interaces da criana com os

    outros indivduos. Nesta perspectiva, o meio deixa de ser visto comouma entidade exterior e esttica que afecta os seres humanos em

    desenvolvimento, passando tambm a ser entendido como uma fora

    dinmica, interactiva e em constante mudana, ou seja, passa a ser

    equacionado como uma rede de relaes que configura a estrutura do

    significado (Rogoff, 1993, p. 53). Este contexto em que os processos

    prximos acontecem, considerando o que neles e entre eles decorre,

    deve ser, consequentemente, analisado como um conjunto de unidadessistmicas e interdependentes (Bronfenbrenner, 1987).

    Para Bronfenbrenner e Morris (1999), o desenvolvimento humano

    pressupe no s estabilidade, mas tambm mudanas relevantes nas

    caractersticas da pessoa, tomando como referncia a dimenso tempo:

    micro, meso e macro. Este cronossistema ou dimenso temporal

    considera que o desenvolvimento depende da continuidade/

    descontinuidade (micro-tempo) e da periodicidade (meso-tempo) dosprocessos iniciados e ocorridos ao longo do ciclo de vida, mas tambm

    das mudanas dentro e ao longo das diferentes geraes (macro-tempo).

    O percurso da vida de cada ser humano entendido como um processo

    determinado num momento histrico, multidireccional e

    multidimensional, dinmico e plstico, na medida em que

    influenciado pelas relaes entre os sistemas ecolgicos em que est

    inserido e que promovem ou dificultam o seu crescimento(Bronfenbrenner, 1986, 1987, 1994; Bronfenbrenner & Morris, 1998).

    Atravs de processos de interaces recprocas, progressivamente

    mais complexas, regulares, e ao longo de extensos perodos de tempo,

    entre o organismo bio-psicolgico humano e o contexto colectivo social,

    objectos e smbolos do meio exterior, o ser humano envolve-se

    activamente no seu prprio desenvolvimento pessoal (Bronfenbrenner &

    Morris, 1999). A criana , assim, entendida como um agente activo edinmico na construo de si prpria e do mundo, segundo uma

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    agendacontextualizada numa praxis social e histrica, entendendo-se,

    por conseguinte, que a educao d-se e adquire-se; o mesmo acontece

    natureza (Wartofsky, 1984, citado por Rogoff, 1993, p. 51).

    As mudanas no meio influenciam, em funo do impacto quepossam ter nos indivduos, o seu prprio desenvolvimento. A influncia

    do contexto, actuante e eficaz, pressupe a possibilidade de os factores

    externos ao indivduo imprimirem mudanas no seu desenvolvimento.

    Se a aco do meio for intencional, coerente e sistemtica, o

    desenvolvimento pode ser concebido, simultaneamente, como produto

    e produtor, formando-se uma rede de efeitos interdependentes.

    Apesar da sua capacidade de produzir mudanas, a influncia domeio reveste-se sempre de um carcter subjectivo, pois cada ser

    humano, directa ou indirectamente, o constri, o experimenta, o

    vivencia e o percebe (Bronfenbrenner, 1987), de forma particular e

    nica, revestido de um significado pessoal, porque revestido de suas

    caractersticas, disposies, recursos, capacidades e curiosidade

    (Bronfenbrenner & Morris, 1999).

    Esta plasticidade do prprio desenvolvimento est, por isso,associada aos perodos crticos e aos perodos sensveis, entendidos

    como perodos de tempo ptimos para que certas competncias surjam

    e durante os quais o ser humano especialmente receptivo s

    influncias do meio. Ou seja, o organismo est mais sensvel e receptivo

    a estimulao externa durante um perodo crtico do que noutros

    momentos do desenvolvimento (Prez Pereira, 1995, Mendoza, 1999).

    Nesta perspectiva, Bailey (2002) prope a utilizao do termo perodocrtico como uma oportunidade de experincias indispensveis a um

    saudvel crescimento de todas as crianas, em funo do

    desenvolvimento, necessidades e predisposies na aprendizagem de

    uma competncia ou conceito. Por outro lado, osperodos sensveisno

    se referem apenas aos primeiros anos. Algumas dimenses, por

    exemplo, a linguagem e a alfabetizao, tm a sua possibilidade de

    optimizao numa fase posterior 1 ou, at, 2 infncia.

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    Tambm Sameroff e Fiese (1990) referem a necessidade de

    ocorrerem modificaes no meio, com vista a potencializar as melhores

    condies para o desenvolvimento adequado e desejado, ou anular a

    influncia de possveis variveis negativas. Esta perspectivatransaccionalconsidera que o desenvolvimento, submerso num sistema

    regulador, um produto de interaces contnuas e dinmicas,

    consubstanciado pelas transaces recprocas entre determinado

    organismo e o meio. Segundo estes autores, assim como h uma

    organizao biolgica o gentipo que desempenha um papel crucial

    na regulao das expresses fenotpicas, existe tambm uma

    organizao social o mestipo que regula o modo como a pessoa seintegra na sociedade e se forma para responder aos desafios de tal

    integrao. Esta organizao, operando essencialmente atravs dos

    padres familiares e culturais de socializao, define a matriz luz da

    qual so criados os ambientes para proteger, tratar e educar as

    crianas.

    Sendo o desenvolvimento um processo estruturado pelas

    directrizes contidas no mestipo, o momento em que se produz algumamudana no meio influencia esse mesmo desenvolvimento. As

    regulaes do desenvolvimento acontecem em padres automticos de

    interaces momentneas (microrregulaes), em interaces ocorridas

    ao longo de actividades comuns e/ou dirias (minirregulaes), bem

    como em mudanas surgidas nas experincias e que permanecem

    durante um longo perodo de tempo (macrorregulaes). Por

    conseguinte, o desenvolvimento da criana depende do uso que ela faz,na terminologia de Bruner e Haste (1990), da caixa de ferramentasque

    o mundo lhe facilita atravs dos sistemas de macro, mini e

    microrregulao (Sameroff & Fiese, 1990), especialmente

    operacionalizados na preparao de ambientes estimulantes e em

    interaces ricas e diversificadas.

    Os sistemas reguladores podem incluir os indivduos, a famlia e

    a comunidade, cada um com os seus prprios cdigos reguladores queincorporam diferentes aspectos do desenvolvimento e,

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    consequentemente, com diversas estratgias de interveno. Esta

    bidireccionalidade entre os factores biolgicos e sociais (Shonkoff &

    Meisels, 1990) pressupe que a relao ambiente/contexto/pessoa no

    influencia de igual forma todo o ser humano (Sameroff & Fiese, 1990).Supe-se que as alteraes que a criana sofre influenciam o seu

    ambiente envolvente, provocando-lhe mudanas que, por sua vez,

    acabam por afectar a prpria criana. A forma como as crianas

    interagem com o ambiente (por exemplo, com os seus educadores)

    altera esse ambiente e provoca determinadas respostas no ambiente (ou

    nos educadores). Este ambiente modificado, por sua vez, repercute-se

    de novo sobre as crianas, afectando o seu desenvolvimento.Pondera-se, assim, a necessidade de se considerar a

    interdependncia entre os diferentes tipos de cenrios e contextos, e de

    se atenderem s caractersticas individuais, aos comportamentos, aos

    processos e s actividades especficas que neles decorrem. A criana

    no existe no vazio (Eisold, 2001), desenquadrada de um contexto

    humanizado. O seu processo de se tornar pessoa ir depender das

    oportunidades fornecidas pelos seres humanos que a rodeiam,nomeadamente pais, professores/educadores e pares. Ou seja, no

    possvel separar a construo pessoal da realidade circundante, dado

    que no existem nem situaes livres de contexto nem competncias

    descontextualizadas (Rogoff, 1993, p. 53).

    Ao nvel individual, o desenvolvimento pressupe mudanas

    qualitativas e quantitativas (Rogoff, 1993) e uma consequente

    reorganizao ao nvel de percepo/ concepo e de aco/actividade.Piaget (1963, 1966) ilustrou este processo ao referir que o pensamento

    foi primeiro aco intencional e esta se institui tendo por base os

    reflexos e actividades motoras ligadas subsistncia do indivduo. Esta

    reorganizao permite ao ser humano em diferentes contextos e em

    diferentes momentos responder e resolver, de forma eficaz, as

    situaes do quotidiano, atravs do recurso e apoio dos outros. Estes

    outros aparecem particularmente valorizados na teoria dodesenvolvimento cognitivo proposto por Vygotsky (1978).

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    Nas sociedades actuais e mais industrializadas, a creche emerge

    como instituio relevante no desenvolvimento das crianas. Com efeito,

    a creche constitui, actualmente, um contexto onde muitas crianas

    crescem e se desenvolvem, em interaco com os diferentes sistemasque integram os seus contextos de desenvolvimento. Como referimos,

    Bronfenbrenner (1987) define o contexto em quatro nveis de sistemas

    concntricos e gradualmente mais abrangentes (micro, meso, exo e

    macrossistema), numa organizao semelhante s bonecas russas.

    Tomaremos esta perspectiva na anlise do potencial de aprendizagem e

    de desenvolvimento na 1 Infncia, em contexto de creche: as crianas

    (microssistema), os profissionais e as famlias (mesossistema), asinstituies (exossistema), e o Estado (macrossistema).

    1.1.1. Microssistema

    O microssistema abrange os cenrios de participao imediata da

    criana, configurados por caractersticas prprias, inerentes

    diversidade de padres de actividade e de experincias, bem como ao

    desempenho de papis que favorece. A famlia e a creche so exemplos

    de microssistemas particularmente relevantes na 1 infncia.

    Na sociedade contempornea, as crianas iniciam a frequncia de

    instituies educativas desde tenra idade, sendo colocadas num novo

    microssistema a creche que, pelas suas caractersticas, ir facilitar

    ou inibir o seu desenvolvimento. Sabe-se que as creches propem uma

    configurao em tudo diferente da famlia, j que, em vez de ser um

    beb a receber a ateno por parte de dois ou mais adultos, encontram-

    se muitos bebs de uma mesma idade a receber cuidados de poucos

    adultos.

    Por outro lado, os educadores nas creches desenvolvem as suas

    prticas educacionais, baseando-se no conhecimento adquirido e

    acumulado sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem na 1

    infncia, conhecimento influenciado e mediado pelos seus valores

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    culturais bem como pelo conhecimento dos prprios contextos

    educativos das famlias (Bergen et al., 2001).

    A participao directa da criana no contexto creche

    influenciada pelas caractersticas prprias e pela forma como cada umaexperimenta e vivencia o grupoespecfico(Harms & Clifford, 2002) num

    dado cenrio face-to-face com caractersticas fsicas, sociais e

    simblicas capazes de promoverem ou inibirem interaces

    progressivamente mais complexas com o meio imediato

    (Bronfenbrenner & Morris, 1999).

    Como se pode verificar na Figura 1, existe uma inter-relao e

    inter-dependncia entre diferentes aspectos (estruturais e processuais)que constituem o microssistema creche e que afectam o

    desenvolvimento da criana em funo da forma como cada uma o

    experimenta.

    Figura 1

    Elementos do microssistemado desenvolvimento da criana na creche

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    A estrutura (variveis estruturais) e os processos-interaces

    (variveis processuais) so aspectos-base do desenvolvimento da

    criana no microssistema educativo creche que, muitas vezes, sesobrepem (Harms & Clifford, 2002), mas que so igualmente

    importantes (Goelman & Pence, 1987a, 1987b). As variveis estruturais

    referem-se aos aspectos estveis do contexto, nomeadamente a

    organizao do espao fsico, equipamentos e materiais, proporo

    adulto-criana, etc. As variveis de processo correspondem s

    interaces entre educador-criana, entre os adultos (quer educador-

    educador, quer educador-pais) e crianas entre si, bem como o grau deenvolvimento das crianas nas actividades educativas intencionais que

    so proporcionadas (Bertram & Pascal, 1997; Dahlberg et al., 1999;

    Harms & Clifford, 2002).

    J os trabalhos de Skeels e Dye (1939), Spitz (1945) e Dennis

    (1960) sobre a maleabilidade do desenvolvimento das crianas, os

    autores evidenciam as alteraes deste desenvolvimento em funo de

    caractersticas especficas do meio envolvente (Shonkoff & Meisels,1990). Porm, a importncia no reside apenas, e s, nas

    caractersticas do ambiente proporcionado s crianas pequenas, mas

    tambm nas potencialidades do ambiente no qual o organismo funciona

    (Kagan & Klein, citado em Goldhaber, 1980).

    Globalmente, a estrutura do meio fsico, os espaos e os materiais

    so susceptveis de originarem diferentes padres de comportamento,

    como resposta especificidade do cenrio em que a criana participa(Bronfenbrenner, 1987; Lamb et al., 1979; Portugal, 1998). Tambm

    nas creches, esta organizao do espao educativo regula as

    oportunidades de interaco entre companheiros e adultos, tornando-se

    crucial para o desenvolvimento e aprendizagem de cada indivduo.

    Os aspectos do ambiente e as potencialidades criadas na

    interaco operacionalizam um outro tipo de relao com o material.

    De forma natural e espontnea, a criana escolhe a actividade, com oque quer brincar incluindo a escolha de material (acessibilidade e

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    quantidade) e o contedo (diversidade e qualidade) e onde quer

    brincar o local (privacidade, amplitude ou local de interaces).

    Simultaneamente, a prpria organizao da sala permite criana

    escolher com quem quer brincar, favorecendo situaes/materiais deinteraco em pequenos grupos numa tarefa, a seleco dos seus pares

    de jogo e as decises de iniciar, continuar ou terminar as prprias

    actividades (Haddad, 1993).

    Os espaos, equipamentos e materiais especficos em cada sala,

    seleccionados com base em objectivos educativos, so tambm espelho

    das opes pedaggicas e das caractersticas de cada educador

    (Cataldo, 1983; Oliveira & Rossetti Ferreira, 1986; Carvalho, 1997;Portugal, 1998). Estes espaos, equipamentos e materiais reflectem o

    valor e as funes que se lhes atribuem, podendo servir de imagem ou

    ilustrar aquilo que se espera do desenvolvimento das crianas mais ou

    menos limitados, mais ou menos condicionados (Marcho, 2003).

    agindo e interagindo com os outros e com os objectos que a

    criana constri o seu conhecimento, inclusivamente sobre si mesma, e

    as bases para estruturar a sua personalidade. Estas interaces com omeio fsico e social, resultantes da prpria aco da criana sobre o

    meio, constituem experincias de carcter fsico, cognitivo, social ou

    afectivo que contribuem, de forma integrada, para o seu

    desenvolvimento (Piaget, 1966). No podemos esquecer que Piaget

    caracterizou a primeira fase da vida do ser humano como o perodo

    sensrio-motor querendo com isto dizer que a criana recolhe

    informao sobre o mundo atravs dos seus sentidos (sensrio) econstri o seu conhecimento atravs de uma abordagem directa e fsica

    com esse mesmo mundo (motor).

    As variveis processuais, tal como atrs referimos, que tm como

    uma das unidades bsicas as relaes didicas, englobam as conexes

    entre as pessoas que esto presentes no meio, a natureza destes

    vnculos e a sua influncia indirecta sobre a pessoa em

    desenvolvimento, atravs do efeito que produzem naquelas que serelacionam com ela directamente. A este respeito, Bronfenbrenner

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    (1987) refere as limitaes de alguns estudos, nomeadamente: i)

    centrarem-se mais no processoda interaco e no no seu contedo; ii)

    analisarem o indivduo separadamente e no a unidade didica da

    interaco; iii) conceberem o contexto em termos puramentecondutivistas (p. 69), esquecendo o contexto social mais prximo e o

    mais amplo e; iv) no analisarem a actividade molar da criana, sua

    complexidade e contedo como elementos que reflectem o seu

    desenvolvimento. Actividade molar definida pelo autor como uma

    conduta progressiva que tem um momento prprio e um significado

    para os que participam no meio. Ou seja, um processo contnuo e no

    momentneo que, ocorrendo num momento prprio, contribui para asua persistncia no tempo bem como para a sua resistncia

    interrupo at que a actividade esteja completa. Bronfenbrenner

    (1987) considera que as actividades molares variam em funo do grau

    e da complexidade dosobjectivos que as motivam, seguindo parmetros

    no s da perspectiva temporale meta estruturada, mas tambm esto

    relacionadas com capacidade de invocarem outros elementos no

    presentes no contexto imediato. Assim, as actividades molecularesdiferenciam-se das molares, porque nem todas as condutas tm o

    mesmo significado como manifestao de desenvolvimento ou como

    factores que o influenciam, ou seja, no so duradouras, e/ou podendo

    carecer de significado para a pessoa em desenvolvimento ou para as

    pessoas que participam no contexto. Um sorriso ou uma pergunta,

    enquanto actos isolados, constituem actos moleculares enquanto que

    manter uma conversa, construir uma torre com blocos ou participar emactividades educativas intencionais da creche so exemplos de

    actividades molares.

    Em suma, a primeira esfera do conjunto dos sistemas inter-

    relacionados no desenvolvimento da criana o microssistema

    constituda pela actividade e pelo ponto de vista da criana,

    correspondente perspectiva orientada de baixo para cima(Katz, 1995,1998), esquematicamente representada na figura 2. Ou seja,abarca o

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    bem-estar da criana no contexto educativo (Doherty, 1991), como ela

    vive e sente as qualidades desse contexto, as experincias de

    aprendizagem gratificantes que tem oportunidade de vivenciar; a

    ateno, o respeito e a compreenso, a interaco social e grupo depertena; a empatia, bem-estar e segurana emocional.

    Figura 2

    Perspectiva orientada de baixo para cimada creche

    A frequncia da creche percebida de forma subjectiva pelas

    diferentes crianas e poder, tal como Katz (1998) refere, ser

    equacionada em perguntas, tais como: normalmente sinto que sou bem

    recebido?, sinto que tenho aqui um lugar s meu?, sinto que sou

    aceite, compreendido e protegido pelos adultos?, sou aceite por

    alguns dos meus pares?, falam comigo de forma sria e

    respeitosa? (p. 20). Relativamente s propostas que so facilitadas na

    creche, a criana poder tambm questionar a forma como as sente e

    experimenta, por exemplo, se so actividades regularmente

    estimulantes, atraentes e prendem a ateno, interessantes e

    relevantes, ou se as suas experincias face a essas propostas so

    satisfatrias. Em suma, normalmente gosto de estar aqui, ou, pelo

    contrrio, no quero vir e s penso em ir-me embora? (Katz, 1998, p. 20).

    Crianas

    Porque vouara a creche

    Questesfamiliares

    Questespedaggicas

    Questessociais

    O que faonacreche

    Satisfao dasnecessidades

    Desenvolvercompetncias

    Aprender"coisas"

    CRESCERnacreche

    Os adultosOs "outros"

    Os materiaisO espao

    As actividadesOs desafios

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    14

    1.1.2. Mesossistema

    A partir das grandes transformaes na organizao familiar

    decorrentes ou associadas revoluo industrial, a creche tornou-se

    uma instituio social e assistencial que apoia as famlias. A instituio

    creche passa a desempenhar um papel educativo que, at ento, era

    essencialmente destinado famlia nuclear ou ampliada, partilhando

    com os pais a educao dos seus filhos, sem os substituir. Todavia,

    como nos refere Torrado (2002), o educador familiar no tem de

    transferir atribuies, ao fazer chegar o seu filho at s mos do

    educador profissional, como se lhe dissesse: Aqui lhe deixo a

    encomendinha. Avenha-se voc agora com ela . E acrescenta Ei-la

    transformada em pesada herana, sempre que cada chefe de estao

    do novo acesso responsabiliza o chefe de estao anterior pelos atrasos

    do transvia (p. 58).

    Ao ser analisado o meio educativo como mais um contexto de que

    a criana parte integrante, no devero ser esquecidos os diversosentornos sociais e culturais de que est dependente, e com os quais

    compartilha normas e valores. Quando tal partilha no feita nas

    sociedades contemporneas, a famlia, o mundo do trabalho ou a

    escola, tendem a tornar-se, muitas vezes, cenrios alienados(Alvarez &

    Del Rio, 1993) ou justapostos dadas as rupturas entre os diferentes

    contextos em que a criana est inserida.

    Na Figura 3, ilustramos os elementos do mesossistema, dandoparticular destaque s relaes recprocas entre as famlias e os

    educadores, ou s interfaces representadas pelos valores e prticas

    familiares. Estas relaes e percepes familiares so elementos

    importantes nas tomadas de deciso sobre o projecto educativo da

    criana e o currculo adoptado. Por tudo isto, so, logicamente,

    elementos do mesossistema (Bergen et al., 2001, p. 144).

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    Figura 3

    Elementos do mesossistemado desenvolvimento da criana na creche

    A dimenso interpessoal das creches inclui, assim, a teia de

    relaes entre as famlias e as instituies (creches). O nmero e a

    qualidade de tais relaes servem, alis, de indicador da qualidade

    destes mesmos contextos educativos (Brickman & Taylor, s/d).

    A necessidade de ter de confiar um filho ao cuidado de pessoas

    (ou instituies) que no tm para com a criana qualquer grau deparentesco ou lao emocional mais profundo torna-se fonte de

    insegurana para muitos pais. Mas, mesmo com preocupaes,

    ansiedades, medos, angstias, sentimentos de culpa resultantes da

    separao dos seus filhos e da partilha deste amor com algum externo

    estrutura familiar, as opes tm de ser feitas, tm de ser

    estabelecidos critrios de deciso e tm de ser resolvidos os problemas.

    Para Bergen e seus colaboradores (2001), as famlias consideramtrs aspectos quando procuram cuidados no-parentais,

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    nomeadamente: i) a satisfao das necessidades bsicas de

    manuteno; ii) as experincias coerentes com os valores da famlia e;

    iii) as metas de desenvolvimento e educao includas no curriculum (p.

    146). Porm, outros chamam especial ateno para as caractersticasgerais dos ambientesenriquecidos (Diamont & Hopson, 2000, p. 102) e

    o conhecimento dos marcos do desenvolvimento da criana nos dois

    primeiros anos de vida com vista a potencializar experincias capazes e

    imprescindveis para sustentar e ampliar esse crescimento.

    Hoje em dia, por razes de vria ordem, parece verificar-se uma

    certa tendncia para a famlia se alhear de algumas das suas funeseducativas tradicionais, o que se traduz, por exemplo, no

    prolongamento da estadia diria da criana na creche. Tal facto torna o

    profissional de educao um incontornvel modelo de referncia

    (Estrela, 1999, p. 28) de aprendizagem social e, como pessoa, o

    educador deve oferecer-se como modelo de relao a diferentes nveis

    (Strecht, 1996, p. 34). Por outras palavras, o educador, antes de mais,

    pessoa. Algum que tem valores; valores que pesam na sua vida social,pessoal e profissional. Enfim, valores que influenciam a sua viso de

    mundo (Gonalves, 1999, p. 37).

    A viso do mundo por parte dos educadores pode ser geradora de

    conflitos, na medida em que a creche passa a participar nos cuidados,

    na educao e na vida das crianas que, at ento, era exclusivamente

    da responsabilidade da famlia. Com a frequncia da creche, a educao

    das crianas pequenas, isto , a difcil tarefa de tornar humano um serhumano (Bronfenbrenner, 1995) caber a dois grupos de pessoas (pais

    e profissionais). Esta partilha de responsabilidades pode ser, em si

    mesma, geradora de conflitos. A confuso de papis, que emerge da

    problemtica da creche como substituta da famlia e do papel dos

    profissionais como substitutos dos pais, pode reforar o conflito e a

    rivalidade entre pais e educadores de infncia, pois ambos se colocam

    no mesmo papel, no mesmo terreno (Rosemberg, 1984, p. 90-1). Paraevitar esta confuso de papis, ou mesmo evitar problemas que podem

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    surgir, importante a existncia de bons canais de comunicao entre

    famlia e educadores, que permitam uma maior sensibilidade e

    interaces mais encorajadoras nas interaces me-filho e educador-

    criana (Owen et al., 2000).Ao mesossistema poderemos fazer corresponder a perspectiva

    exterior-internaKatz (1998),que orientada pela forma como as famlias

    analisam a creche (Figura 4). Este olhar sobre a creche estruturado

    atravs de um conjunto de questes ou de informaes recolhidas que

    lhes serve de resposta sabem tratar-me com respeito, ou, pelo contrrio,

    so autoritrios e esto convencidos da sua superioridade, so

    receptivos, abertos e tolerantes, ou, pelo contrrio, preconceituosos,prontos a rejeitar e a culpar?, tm respeito pelas metas e valores com

    que educo os meus filhos?, so abertos aos contactos com os pais e

    promovem-nos com frequncia, ou, pelo contrrio, so distantes e

    contactam raramente com os pais? (p. 23).

    Figura 4Perspectiva exterior-internada creche

    Os profissionais de educao de infncia tornam-se componentes

    vitais do sistema de apoio famlia, desempenhando, na sociedade

    moderna, um papel semelhante ao da famlia alargada de anos atrs. O

    Famlias

    Como resposta ssuas necessidades

    Flexibilidade de horrios

    Adequao dascomparticipaes

    Variedade de propostas

    Como contexto dedesenvolvimentode com etncias

    Fsicas e motoras

    Cognitivas e sensoriais

    Socio-emocionais

    Como instituio escolar

    Instrutiva

    Disciplinadoracorrectiva

    Pedaggicaeducativa

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    profissional de educao , segundo Caldwell (1995), um verdadeiro

    membro da famlia e no um inimigo ou um rival da famlia (p. 473). Por

    sua vez, a complexidade dos contextos educativos para a 1 infncia

    exige ao educador uma relao constante e tridica entre si, o prpriocontexto e as famlias (Marcho, 1999, p. 38).

    O desenvolvimento de relaes positivas e cooperantes entre os

    profissionais de educao e as famlias de estratos scio-culturais muito

    diversificados tambm requer dos educadores um grande

    profissionalismo baseado num misto de experincias, formao,

    educao e valores pessoais (Katz, 1998, p. 26). A sua qualidade

    profissional associa-se sua capacidade para compreender, valorizar erentabilizar os diversos ambientes que fazem parte da vida das

    crianas. As relaes entre a famlia e os educadores, entre pais-

    educadores-escola, elementos do contexto social da criana tornam-se

    de inigualvel influncia (Lally, 1995; Owen et al., 2000). Para Albrecht

    e Miller (2001) estas relaes devem assentar e desenvolver-se numa

    base de confiana idntica que se deseja para as relaes educador-

    criana.

    1.1.3. Exossistema

    O exossistema, tal como foi referido anteriormente, definido

    pelas estruturas sociais que rodeiam e afectam o microssistema.

    Diremos serem estruturas ou realidades interactivas nas quais a

    criana em desenvolvimento no participa directamente.

    Diferentes cenrios integram exossistema, tais como: contexto

    laboral dos pais (lugar, acessibilidade, horrios, vencimentos, etc.),

    contexto de trabalho do educador (vencimento e benefcios, condies

    de trabalho, satisfao profissional) e os recursos educativos e

    assistenciais disponveis na comunidade em que vive, nomeadamente

    escolas, servios de sade, servios sociais ou transportes, entre outros

    (Figura 5). Estes factores da sociedade mais ampla, para alm de

    interferirem directa ou indirectamente no currculo, interferem tambm

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    na forma como afectam os educadores e as famlias no desempenho dos

    seus papis e na assuno das suas responsabilidades (Bergen et al.,

    2001). As interaces pais-profissionais so fortemente condicionadas,

    na forma e na frequncia, por estes factores condicionantes.

    Figura 5

    Elementos do exossistemaque influenciam o desenvolvimento da

    criana na creche

    Neste sentido, estendemos que o exossistema estar relacionado

    com a perspectiva interior (Katz, 1998) relacionada com o contexto de

    trabalho dos educadores, nomeadamente no que se refere s relaes

    entre a equipa de profissionais, s relaes educadores e famlias e s

    relaes com a instituio e seus representantes (Figura 6).

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    Figura 6

    Perspectiva interiorda creche

    Os contextos de trabalho dos educadores, que englobam as

    condies de trabalho, adequao e flexibilidade de horrios, progresso

    na carreira e regalias sociais, so elementos importantes na satisfao

    profissional. Nalguns estudos, afirma-se mesmo que os salrios

    auferidos pelos profissionais constituem o melhor factor de previso de

    qualidade das instituies educativas (Whitebook et al., 1990). No

    entanto, outros autores enfatizam factores diferentes para explicarem a

    qualidade dessas instituies. Olenick (1986), por exemplo, constatou

    que o apoio na formao dos educadores est positivamente

    correlacionado com a qualidade da creche. Para Demo (1998), a

    principal estratgia da educao qualitativa a valorizao do educador

    profissional, j que o professor competente e socialmente satisfeito a

    melhor motivao para a qualidade (p. 56). Katz (1998) refere que

    parece razovel considerar que, em princpio, o modo como os

    educadores e outros profissionais tratam as crianas semelhante ao

    modo como so tratados pela instituio (p.27), ou seus representantes.

    Embora seja possvel a alguns profissionais ultrapassarem, nas

    suas prticas educativas, as suas dificuldades e divergncias com as

    entidades empregadoras, a avaliao da qualidade de um programa

    dever dar a maior ateno ao bem-estar e ao apoio proporcionados pelos

    Instituio - CRECHE

    Contexto de trabalho

    Vencimentos e benefcios

    Condies de trabalho

    Satisfao profissional

    Contexto de formao

    Inicial e contnua

    Especializadae de guarda

    Experimental

    Contexto de interaces

    Com as crianas

    Com as famlias

    Com a equipe de trabalho

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    contextos de trabalho (Katz, 1998, p. 27). O bem-estar e apoio

    proporcionados aos profissionais esto tambm intimamente

    relacionados com o tipo de interaces entre a equipa de trabalho,

    nomeadamente nas relaes de apoio, de cooperao, de aceitao, deconfiana e de respeito (Katz, 1998). Segundo esta autora, em princpio,

    s se pode criar um ambiente de qualidade para as crianas, se os

    ambientes forem tambm favorveis aos adultos que neles trabalham

    (Katz, 1998, p. 25). Ou seja, uma creche de qualidade proporciona

    tambm aos seus profissionais uma qualidade de vida satisfatria e

    interessante (Katz, op. cit., p. 26).

    No obstante todas estas afirmaes, o Estudo Temtico sobre aEducao Pr-escolar e os cuidados para a Infncia em Portugal

    realizado pela OCDE (M.E., 2000) refere que, muito embora se note a

    falta de formao especfica para os que trabalham com as crianas dos

    0 aos 3 anos de idade (p. 196), visvel o calor e a tolerncia que

    marcam as interaces afectivas entre o pessoal e as crianas (p.204).

    Simultaneamente, os educadores que trabalham em creches, logo

    trabalhadores de IPSS ou de instituies particulares tendem a tersalrios inferiores, horrios de trabalho menos favorveis e menos

    oportunidades de formao contnua do que os professores que

    trabalham nos outros sectores (p. 197).

    Howes (2000) coloca tambm ao nvel do exossistemaa influncia

    da cultura e como ela entendida e executada pelo educador da

    criana (p. 93). A forma como cada educador entende, interpreta e

    executa as experincias e os cuidados prestados s crianas soimportantes veculos de aprendizagem sobre a forma como os adultos

    respeitam e valorizam as razes e as caractersticas culturais da criana

    e que, em ltima anlise, influenciam o seu desenvolvimento social.

    O regresso dos pais ao trabalho exige que todo o ambiente afectivo

    e estimulador proporcionado pelos pais em casa se torne apenas uma

    parte importante da experincia da criana (Diamond & Hopson, 2000,p. 101). O tipo de cuidados no-parentais alternativo seleccionado

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    representa a outra parte (ibidem), pelo que o desenvolvimento ser

    determinado pelas condies oferecidas nos dois contextos. Assim

    sendo, caber aos pais uma anlise criteriosa dos servios educativos

    para que possam, assim, optar de forma consciente e criteriosa emrelao oferta educativa para o seu filho.

    Todavia, sabemos que a modalidade de atendimento a que cada

    famlia recorre no , por vezes, a sua preferida, sendo a seleco

    baseada em questes como os custos de atendimento, a sua localizao,

    a conjugao com os horrios dos pais e a existncia de vaga, entre

    outras (Howes & Hamilton, 2002). A acessibilidade e a proximidade do

    lar ou do local de trabalho, os horrios de funcionamento e calendrioescolar, as actividades extra-curriculares que completem os horrios

    escolares so tambm elementos de deciso. A simpatia, o carinho e

    ateno, alegria e boa disposio dos adultos responsveis e as

    referncias de outros pais so, tambm, alguns dos factores apontados

    pelos pais no momento de seleco e tomada de deciso.

    Peyton e seus colaboradores (2001) estudaram as razes que

    levaram um grupo de mes a seleccionar um tipo determinado decuidados para os seus filhos de 3 anos, tendo concludo que estas

    razes se agrupavam em: i) razes de qualidade (informaes de outras

    pessoas acerca dos cuidados prestados); ii) razes de ordem pragmtica

    (custo, horrios, localizao, entre outros) e; iii) razes de opo por um

    tipo especfico de servios (creche, ama ou parente). As mes com

    elevados rendimentos familiares e que trabalham poucas horas por

    semana tendem a seleccionar servios baseados em critrios dequalidade e menos a usar servios prestados por parentes. Assim, as

    mes que seleccionam os servios pelo tipo de servios prestados e

    aquelas que escolhem centros de qualidade tendem a estar mais

    satisfeitas com os cuidados prestados. Por sua vez, as mes que

    seleccionam os cuidados para os seus filhos em funo de aspectos

    pragmticos tendem a estar menos satisfeitas com a qualidade dos

    servios prestados a seus filhos.

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    1.1.4. Macrossistema

    O Macrossistema constitudo por todas as instituies

    abrangidas pelos sistemas econmicos, sociais, educativos, jurdicos e

    polticos implcitos no micro, meso e exossistema, representantes de

    uma determinada cultura ou sub-cultura da sociedade mais alargada,

    em que a criana e a famlia esto inseridas. Nesta perspectiva

    macrossistmica, englobam-se os pontos de vista dos seus responsveis

    na direco ou coordenao designadamente no que concerne aos

    factores de contexto (Doherty, 1991). Tais pontos de vista enrazam-se

    em princpios e filosofias subjacentes, tais como iniciativa privada ou

    pblica, regulamentos e projecto educativo, implicao dos pais nastomadas de decises, tutela, fundos e financiamentos, entre outros

    (Doherty, 1991; Katz, 1995).

    Do ponto de vista dos princpios e filosofias subjacentes, as

    creches portuguesas, enquanto instituies particulares (com ou sem

    fins lucrativos), parecem apresentar, pelo menos, duas formas de

    desenvolverem e responderem s exigncias das caractersticas da

    Educao da 1 Infncia. Em primeiro lugar, parece haver uma relaodialctica entre a educao e economia, ou seja, entre a instituio

    creche e sua vertente econmico-financeira. A forma de organizao e

    de estruturao baseada em fundamentos empresariais so

    caracterizados, globalmente, por uma lgica economicista para poder

    satisfazer a sua tarefa. As reduzidas propores adulto/criana, os

    materiais de qualidade e em quantidade suficiente, a alimentao

    adequada e seleccionada, o nmero de pessoal necessrio e competentee com formao especializada, entre outros, tornam mais caro o servio

    de uma creche pautada pela boa qualidade e, consequentemente,

    incompatvel com lgicas economicistas. Para Kagan e colaboradores

    (2002), necessrio traar no apenas critrios econmicos que, por si

    s, sendo necessrios no so determinantes, mas definir e assumir

    uma perspectiva pedaggica-desenvolvimental sobre os programas e as

    prticas educativas para a 1 infncia.

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    Em segundo lugar, reflicta-se acerca da perspectiva que enfatiza a

    funo social e assistencial. Nesta perspectiva, a organizao atende,

    essencialmente, necessidade de guarda e segurana das crianas

    pequenas, enquanto pais e mes esto ocupados com as tarefaslaborais. Estes centros para a infncia parecem mais preocupados com

    a satisfao das necessidades das famlias, seguindo uma lgica

    organizacional de acessibilidade (quaisquer que sejam as necessidades

    familiares) e criando, para tal, uma estrutura de guarda das crianas e

    basicamente orientadas para o alargamento e flexibilizao de horrios

    de funcionamento.

    As decises acerca da locao de recursos, prioridades de sade eeducao, prticas comerciais que afectam o emprego e os salrios,

    bem como os planos estratgicos propostos pelas polticas

    governamentais (Bergen et al., 2001) so exemplos de elementos do

    macrossistema. Enquadrada no macrossistema estar a perspectiva

    exterior, apresentada por Katz (1998). Em sua opinio, todas as

    instituies educativas, embora determinadas explicita ou

    implicitamente por polticas, leis e regulamentos, deveriam responder auma srie de consideraes, tais como,

    Tenho a certeza de que os recursos da comunidade so adequadamente

    atribudos proteco, assistncia e educao das crianas?

    Estou seguro de que aqueles que tomam decises em nome da

    comunidade adoptam polticas, leis e regulamentaes que no pem em

    perigo mas, pelo contrrio, favorecem as experincias das crianas em

    programas de educao pr-escolar?

    Estou seguro de que os recursos disponveis para os programas de

    educao pr-escolar na comunidade so suficientes para garantir

    benefcios a curto e a longo prazo s crianas e s suas famlias?

    Os programas de alta qualidade so compatveis com os recursos

    financeiros das famlias que necessitam desses servios?

    As condies de trabalho (salrio, benefcios, seguros, etc.) dos

    programas que existem na comunidade so suficientemente boas de

    modo a garantir uma baixa taxa demobilidade dos profissionais e assimpermitir o desenvolvimento de relaes estveis entre adultos e crianas

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    e educadores e pais, e permitir tambm uma formao efectiva e rentvel

    dos profissionais envolvidos?

    Os profissionais possuem formao e qualificaes adequadas e so

    responsabilizados pelo seu trabalho? (pp. 29-30).

    Figura 7

    Perspectiva exteriorda creche

    Assistimos, nestes ltimos anos, a inmeras metamorfoses

    sociais, econmicas e polticas. Tais mudanas influenciaram o

    alargamento e a implementao de respostas e alternativas de

    acolhimento para a 1 infncia fora do contexto familiar. Muito embora

    a diversidade de terminologias associadas educao da primeira

    infncia (creches, infantrios, amas, etc.) esteja tambm intimamente

    relacionada com opes tericas e metodolgicas sobre o

    desenvolvimento da criana, as responsabilidades institucionais

    (sociais, paroquiais, recreativas, desportivas, etc.) e o papel ou

    estatuto atribudo aos profissionais envolvidos na aco pedaggica

    so elementos demarcados pelas polticas sociais e culturais vigentes

    em cada sociedade. Na Figura 8, ilustramos alguns elementos do

    Instituio - CRECHE

    Perspectiva econmica

    Organizao do ambiente

    Equipe de profissionais

    Rciosadulto/criana

    Perspectiva social

    Objectivos educacionaise pedaggicos

    Objectivos sociaise de guarda

    Objectivos de ensinoe aprendizagem

    Perspectiva legislativa

    Legislao em geral

    Projecto Educativo

    Regulamentos

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    macrossistema que influenciam o desenvolvimento das crianas na

    creche.

    Figura 8Elementos do macrossistemado desenvolvimento da criana na creche

    A tutela e enquadramento legal dos servios para a infncia so,

    consequentemente, determinados em funo dos objectivos e

    abrangncia atribudos pelas prprias filosofias polticas e

    governamentais de cada sociedade. Tal como Carvalho (1997) refere:Os Direitos do Homem, formalizando os direitos educao,

    so muitas vezes ceifados nos seus prprios ideais pela

    subjectividade das entidades polticas e governamentais

    responsveis pelo desenvolvimento e implementao da educao.

    Assim se esquece ou se desvaloriza a globalidade e a diversidade

    dos valores presentes em cada momento e em cada cultura.

    Estado e legislao nem sempre sensveis a estas

    particularidades que caracterizam os seus prprios cidados,

    legitimam processos e instituies fundamentados em ideologias

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    polticas margem dos conhecimentos cientficos e de uma

    filosofia baseada nos valores, cultura e especificidades nacionais

    (pp. 22-23).

    Nos EUA, a educao e o cuidado para a infncia reflectem,

    segundo Rosemberg (1998), uma soluo de compromisso entre o novo e

    o velho (p. 21). O novo refere-se necessidade de ampliao destes

    servios gerada pelas novas aspiraes da famlia, designadamente as

    novas concepes e necessidades da infncia. O velho evidenciado

    pela relutncia das foras tradicionais em aceitar que esta tarefa,

    tradicionalmente atribuda famlia, seja agora assumida de forma

    simultnea e complementar pela sociedade como um todo e pelo Estado

    em particular (ibidem).

    A importncia que dada aos contextos de educao da 1

    infncia, ao nvel da poltica educativa em Portugal, apresenta-se

    realisticamente diferente daquela que entendemos como ideal e

    necessria (Marcho, 2003, p. 14). Os discursos das polticas nacionais

    centram-se na oferta de servios infncia, assumindo que para a

    maioria das pessoas, a questo continua a centrar-se, no na educao,

    mas nos cuidados e nos aspectos prticos relacionados com a oferta de

    servios (M.E., 2000, p. 202). A necessidade, para no dizer o direito,

    de proporcionar as condies necessrias ao seu desenvolvimento

    integral, criando verdadeiros caminhos de igualdade, tem sido, em

    nosso entender, sub-valorizada. Alis, j em 2000, a Equipa da OCDE

    considerava que, em Portugal:

    A promoo de cuidados e iniciativas educativas destinadas

    infncia considerada, em primeiro lugar, uma questo que diz

    respeito s mulheres e em segundo lugar, uma questo econmica

    para os que esto interessados em abrir os estabelecimentos. No

    entanto, no considerada uma questo social e muito menos, um

    direito das crianas promoverem o seu prprio desenvolvimento

    (p. 205).

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    Neste mesmo sentido, apontam-se, ainda, questes relacionadas

    com as representaes sociais sobre a infncia e a famlia

    designadamente a viso romntica e idlicada infncia e o tnue ou

    inexistente reconhecimento das crianas enquanto actores sociais deabsolutos direitos (M.E., 2000; Folque, 2000). Esta viso romntica e

    idlicada infncia interpenetra a relao estabelecida entre o Estado e

    as famlias, desresponsabilizando ou inibindo o prprio Estado na

    implementao de estratgias de apoio.

    O Estudo Temtico realizado pela equipa da OCDE (M.E., 2000)

    tece uma srie de comentrios sobre o papel do Estado e a educao da

    1 infncia, sendo alguns dos aspectos versados de especial relevncia,dada a imagem que traduz desta realidade, nomeadamente:

    O Estado parece ter relutncia em intervir em apoio de pais com

    crianas pequenas, porque em assuntos relacionados com a

    educao dos filhos, a famlia considerada detentora de

    poderes absolutos (p. 205).

    E acrescenta

    A relutncia do Estado em intervir no domnio da famlia parece

    ser particularmente forte, quando se trata de crianas com

    idades compreendidas entre os 0 e os 3 anos de idades, as

    quais, segundo a opinio de muitos dos nossos interlocutores,

    devem ser criadas pelas mes ou por outros membros da

    famlia. Como assinalmos anteriormente, o Estado no assume

    qualquer papel educativo ou tutelar em relao a este grupo de

    crianas. Contudo, os resultados de investigaes recentes

    confirmam a importncia primordial desta primeira fase dainfncia, na formao de atitudes e comportamentos conscientes

    que se revelam atravs de vrias competncias, tais como a

    auto-organizao, a persistncia, a curiosidade em explorar o

    meio que a rodeia para o compreender e encarar o seu prprio

    espao (Shore, 1997). Estas atitudes e disposies tm

    implicaes no desenvolvimento individual e na capacidade de

    aprendizagem dos indivduos, durante toda a sua vida (p. 206).

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    O conjunto de comentrios e sugestes que a equipa responsvel

    por este estudo apresentou poderiam, se tivesse havido interesse e

    vontade polticas, trazer benefcios acrescidos para a Educao da 1

    Infncia. Mencionemos alguns destes comentrios: Os membros da equipa de estudo pensam constituir pr-

    requisito essencial para o desenvolvimento e bem-estar das

    crianas portuguesas, a longo prazo, a criao de servios

    vocacionados para o grupo etrio dos 0 aos 3 anos de idade. O

    acesso aos servios existentes no promovido numa base de

    igualdade e, na generalidade, falta qualidade aos servios. A

    principal responsabilidade por este grupo etrio recai sobre o

    Ministrio do Trabalho e da Solidariedade Social e sobre o sector

    privado. As Creches e outros estabelecimentos no so

    adequadamente monitorizados e quando so feitas inspeces,

    estas tendem a incidir em questes relacionadas com os

    regulamentos de construo dos edifcios, para alm de

    considerarem as queixas apresentadas pelos pais (M.E., 2000,

    pp. 210-211).

    Se as mulheres esto em nmero crescente a contribuir para

    a extenso da economia atravs do seu trabalho fora de casa e

    se esto a conseguir melhorar os seus nveis de educao,

    justo que o Estado devote parte dos recursos adicionais que

    recolhe do seu trabalho no apoio a medidas que conciliem as

    suas responsabilidades profissionais e as suas

    responsabilidades familiares especialmente, atravs da

    criao de estabelecimentos acessveis e de alta qualidade para

    as crianas dos 0 aos 3 anos de idade. Regista-se uma faltaconsidervel de vagas, para crianas deste grupo etrio e de

    momento existe relutncia em atribuir prioridade resoluo do

    problema (idem, p. 227).

    Muito embora o desenvolvimento na 1 infncia, associado a

    princpios educativos enunciados numa proposta pedaggica explcita e

    clara, seja uma preocupao constante, a legislao portuguesa parece

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    estar distante destas inquietaes cientficas. No mesmo documento

    que temos vindo a citar, ainda referido que:

    Uma oferta adequada para este grupo etrio no se limita a

    servir de reforo criao de igualdade de oportunidades paraas mulheres, sendo fundamentalmente, um meio de garantir o

    desenvolvimento completo do potencial das crianas e, em

    ltima anlise, a valorizao dos recursos humanos da nao

    (p. 211).

    Cremos que estes comentrios reflectem o conhecimento sobre a

    necessidade de uma estimulao adequada faixa etria compreendida

    entre os 0 e os 3 anos. Com efeito, nestas duas ltimas dcadas, os

    Governos tm subvalorizado, ou mesmo rejeitado, a ideia da

    responsabilidade pblica em relao educao a proporcionar s

    crianas mais pequenas. Se, outrora, as entidades governamentais

    declinavam essa responsabilidade, entregando-a s organizaes

    caritativas particulares, hoje colocam manifestamente margem das

    suas prioridades a educao das crianas dos zero a trs anos,

    libertando o Ministrio da Educao dos compromissos referentes 1

    infncia, remetendo-a para a famlia e, em ltima anlise, para o

    Ministrio da Segurana Social, da Famlia e da Criana1. Esta mesma

    equipa da OCDE referia, em 2000

    talvez tenha chegado a altura certa para iniciar e prosseguir

    um debate alargado sobre o papel do Estado, das crianas e

    das famlias na sociedade portuguesa e muito particularmente,

    sobre as necessidades das crianas mais pequenas e sobre o

    papel das mulheres, num estado moderno industrializado. O

    governo poder desejar considerar a oferta existente para as

    crianas dos 0 aos 3 anos de idade e tambm, o papel do

    Ministrio da Educao na monitorizao da qualidade da

    educao e cuidados prestados assim como da qualidade das

    1 Muito embora o Ministrio da Segurana Social, da Famlia e da Criana tenha tido ao longo dosltimos anos diferentes designaes, opta-se neste trabalho por usar sempre a ltima designao.

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    experincias conducentes ao desenvolvimento das crianas (p.

    232).

    Em suma, a Figura 9 sistematiza os diferentes vectoresimplicados no desenvolvimento humano, especialmente referenciado no

    processo educativo na 1 infncia e que considera que dentro de uma

    cultura ou sociedade, o micro, o meso e o exossistema mantm traos e

    organizaes diferentes entre si, mas encontram similaridades

    geralmente veiculadas ao prprio macrossistema. Embora com traos

    similares, os esquemas dos sistemas divergem nos diferentes grupos,

    reflectindo, assim, sistemas de crenas e estilos de vida contrastantes

    que, por sua vez, sustentam e eternizam os ambientes ecolgicos

    especficos de cada grupo (Bronfenbrenner, 1987, pg. 45). No entanto,

    entre sociedades ou contextos histrico-culturais diferentes estes

    padres diferem substancialmente mesmo ao nvel do microssistema.

    Os elementos que constituem o macrossistema de uma determinada

    sociedade, nomeadamente em Portugal, distanciam-se, no raras vezes,

    dos aspectos mais pragmticos e especficos dos sistemas que o

    constitui e a que se destina.

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    Figura 9

    Interfacesdo desenvolvimento humano na creche

    InterfacesOlhares da Educao da 1 Infncia

    Estado Creche

    Funo regulamentadoracom ers ectiva social

    Direco

    Perspectiva econmica

    Perspectiva social

    Profissionais

    Famlias

    Contexto de trabalho

    Contexto de formao

    Perspectiva Educacional

    Contexto de interaces

    Resposta s necessidades

    Contexto dedesenvolvimento

    Instituio escolar

    Crianas

    Como me sinto

    O que fao

    O que aprendo

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    1.2. Sentido do desenvolvimento: contributo da

    perspectiva humanista

    Para Eisold (2001), o desenvolvimento , em si mesmo,

    extraordinrio que, sendo guiado pelas interaces entre o ser

    biolgico individual com o meio, se torna ainda mais eficaz quando o ser

    humano experimentar, de forma segura, riscos adequados e razoveis

    sem medo da perda da sua integridade.

    A perspectiva humanista aqui apresentada, e preconizada por

    Guenther (1980, 1997), no uma teoria nova em psicologia, mas

    apenas uma reorganizao do pensamento (1997, p. 23), j que, nesta

    perspectiva, a psicologia focaliza a sua ateno na essncia da vida e

    do ser humano (op. cit., p. 24). A perspectiva humanista ressalta o

    conceito de ser humano como uma entidade complexa, posicionado em

    relao ao mundo como um ser dualista (op. cit., p. 24), ou seja, o ser

    humano tem uma natureza biolgica e social intimamente relacionado e

    influenciado pelo mundo que o rodeia. O ser humano , assim, um ser

    vivente e vivendo, total, complexo, no-linear, essencialmente diferente de

    todos os outros seres vivos que existem, portador de uma caracterstica

    que sintetiza, revela e traduz essa diferena: a humanidade (op. cit.,

    p. 26).

    Senlle (s/d) refere que um dos conceitos bsicos da psicologia

    humanista faz aluso necessidade de um conhecimento trivalente,

    ou seja, compreende conhecer o meu mundo interior; entender os outros;

    compreender o crculo perceptivo que se interpe entre eu e os outros

    (p.87). Neste sentido, para Guenther (1980, 1997), a

    personalidade/individualidade de cada ser humano constituda por

    trs dimenses auto-conceito, relao com ooutroe viso de mundoe

    caracterizam o seu carcter nico e irrepetvel, porque, para alm de

    abarcarem determinaes genticas, so cunhadas pelas experincias

    vividas no dia a dia nas relaes consigo prprio, com o outro e com o

    mundo. Neste ponto, aproxima-se da abordagem ecolgica, e da a

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    nossa escolha por estas duas abordagens em face da sua proximidade e

    complementaridade.

    O desenvolvimento humano segue direces visveis na orientao

    prximo-distal a partir de seu prprio corpo, fsico, psicolgico e social e transitando da para o ambiente ao redor, em crculos cada vez mais

    amplos e abrangentes. O passar de um nvel a outro impulsionado

    pela resoluo das necessidades, do primeiro grau necessidades bsicas

    de manuteno e em seguida necessidades de crescimento (Maslow,

    1987). Ou seja, as necessidades de manuteno englobam tudo o que a

    pessoa necessita para manter em funcionamento todo o seu organismo

    fsico, psicolgico e social. As necessidades de crescimento abrangemtodas as necessidades do ser humano que se situam acima da simples

    manuteno do organismo, em todas as reas (Guenther, 1980, p. 138)

    Maslow (1987) demonstrou que entre as necessidades naturais

    esto necessidades relacionadas com o carinho, o afecto, o

    reconhecimento, a aprovao, a amizade, mas tambm as de pertencer

    a grupos sociais nos quais se obtenha prazer, apreo, respeito e tambm

    a curiosidade que contm em si mesma a gratificao (Senlle, s/d, p.41). Assim, nas interaces emocionais na famlia ou nas instituies

    educativas, o contexto social da comunidade bem como as expectativas

    da sociedade so aspectos cruciais no desenvolvimento do ser humano

    (Bronfenbrenner, 1987; Shonkoff & Phillips, 2000).

    A contribuio de Maslow revela-se importante para a educao

    por duas razes: em primero lugar, por realar a complexidade das

    necessidades humanas e, em segundo lugar, por sublinhar aimportncia da satisfao das necessidades biolgicas para se poder

    caminhar para as necessidades de ordem superior. Uma criana que

    no tenha satisfeito as suas necessidades bsicas, nomeadamente as

    fisiolgicas, o seu primeiro interesse ser encontrar a forma de as

    satisfazer, no estando, por isso, interessado nas necessidades de amor

    ou de auto-estima.

    O educador humanista orienta a sua aco educativa por algunsprincpios-base, assim sistematizados por Guenther (1997):

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    1. O ser humano, em condies normais, tende a crescer, desenvolver-se

    e aperfeioar-se durante toda a sua vida e atravs de todos os seus

    actos;

    2. A tendncia bsica da vida humana, () mover-se em direco a

    uma adequao cada vez maior, ();

    3. Esse movimento impulsionado pela resoluo das necessidades

    bsicas do ser, em ambos os nveis de manuteno e crescimento, e

    travado, distorcido ou impedido quando necessidades bsicas vitais

    no so satisfatoriamente resolvidas;

    4. Para melhor compreenso do dinamismo psquico do ser humano,

    consideram-se trs dimenses bsicas, que so evidenciadas no

    desenvolvimento e no funcionamento da pessoa, tanto como processoexperiencial como produto da prpria experincia: (1) auto-conceito; (2)

    a percepo e inter-relacionamento com o outro; (3) a compreenso e

    viso do mundo;

    5. O papel principal da educao, em qualquer fase da vida, facilitar

    ao ser humano o seu desenvolvimento e aperfeioamento contnuos na

    busca de adequao, como indivduos e como grupos, em nveis cada

    vez mais elevados (p. 26).

    Com estas orientaes, funo do educador possibilitar que

    cada um dos seus educandos possa compreender, conduzir e organizar

    a sua energia individual, seja activo e possa encontrar sistemas de

    interaco, cooperao, relao e capacidade para enfrentar as

    mltiplas situaes, para que se realize a premissa eu, sendo diferente

    dos outros, estou bem como pessoa e os outros, sendo diferentes de mim,

    esto bem como pessoas, e entre todos, companheiros e educadores,

    podemos encontrar solues para a convivncia (Senlle, s/d, p. 44).

    1.2.1. Desenvolvimento do Auto-conceito: O Eu na infncia

    O ser humano , desde o nascimento, um ser social. A sua

    experincia com o seu mundo social, formado por outros significativos,

    d-lhe a percepo de ser aceitvel ou rejeitvel, amvel, bem sucedida

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    ou fracassada, respeitvel ou no, de valor ou sem valor (Guenther,

    1997, p. 104). , pois, no processo interactivo, que cada ser humano

    forma a percepo de si mesmo. Atravs de processos de interaces

    recprocas progressivamente mais complexas, regulares e contnuasentre o sujeito e as pessoas, objectos e smbolos do meio exterior

    (Bronfenbrenner & Morris, 1999). O ser humano envolve-se activamente

    no seu prprio desenvolvimento pessoal.

    O desenvolvimento mediado, entre outras percepes, pelas

    experincias de sucesso ou insucesso que o ser humano experimenta

    consigo mesmo e perante o mundo e as reaces que outras pessoas

    tm para com ele. O sentido de confiana est intimamente relacionadocom trs factores auto-conceito(conscincia de si prprio), auto-estima

    (opinio, positiva ou negativa, de si mesmo) e auto-conhecimento

    (conhecer suas foras e fragilidades) e as experincias na creche

    podem influenciar poderosamente os trs factores (Dowling, 2000).

    Como diz Vaz Serra (1988, citado em Cardoso & Peixoto, 1999) a

    percepo que o indivduo tem de si prprio e o conceito, que devido a

    isso, forma de si (p. 424) constituem as bases do Eu, ou seja, o auto-conceito. Por outras palavras, o auto-conceito construdo sobre uma

    estrutura activa e dinmica que ininterruptamente interpreta e organiza

    aces e experincias relevantes para o self e que, consequentemente,

    medeia e regula os comportamentos e os afectos (ibidem). O

    conhecimento do Eu importante para o ser humano porque, por um

    lado ele processa informaes sobre si prprio e, por outro lado, actua

    com base nas auto-percepes resultantes das representaes que faz.Erikson (1963) ao conceptualizar os estdios de desenvolvimento

    psicossocial na vida do ser humano, considera que, no incio da vida, a

    principal tarefa em termos de desenvolvimento reside no

    estabelecimento de relaes seguras, ou seja, no desenvolvimento de

    uma confiana bsica As investigaes de Harlow (1959, 1962)

    indicam a relevncia para o desenvolvimento emocional, no apenas da

    satisfao das necessidades bsicas de manuteno fsica, mas tambmda existncia de um ambiente estvel, seguro e acolhedor. Neste

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    perodo, as experincias vividas pela criana na satisfao das suas

    necessidades bsicas de manuteno e conforto psicolgico sero bases

    determinantes na construo do sentimento de si prprio como algum

    que merece confiana.Pensar na criana pequena corresponde, com muita frequncia,

    em pensar na mera satisfao das necessidades bsicas de alimento e

    de prestao de cuidados fsicos, menosprezando todas as outras

    componentes emocionais, nomeadamente as necessidades de amor, de

    segurana, ou seja, de se sentir agradavelmente prximo a algum

    (Guenther, 1997, p. 132). E, exactamente este outro prximo que,

    segundo Erikson, digno de confianamas tambm aquele que se tornagerador das primeiras razes de onde crescer a noo geral de todos os

    outros seres humanos, desde o incio da vida (ibidem). Falamos, ento,

    da vinculao segura facultada pelas interaces da me (ou do seu

    substituto) com o beb num modelo dinmico e, em si mesmo, gerador

    de confiana bsica enquanto que a vinculao insegura reflecte

    insegurana e desconfiana.

    A sensao de segurana e de confiana emergem na 1 infnciaquando as crianas tm intimidade, reciprocidade e continuidade nas

    relaes com o adulto (Albercht et al., 2001). A interaco entre o beb e

    as figuras de vinculao depende da capacidade de ambos responderem

    de forma adequada aos sinais relativos aos estados emocionais de cada

    um, capacidade a que Tronick e Gianino (1986) chamam regulao

    mtua. Estas duas componentes segurana e confiana permitem

    que a criana desenvolva o sentimento que o mundo um lugar seguroe aprazvel, conquistando liberdade para se aventurar na explorao

    do meio, arriscando para exploraes mais complexas. As vinculaes

    seguras facilitam o desenvolvimento de percepes de eficcia, ou seja,

    a percepo de que pode fazer acontecer coisas no seu contexto fsico,

    social e emocional, contribuindo decisivamente para a construo de

    um Euprprio e diferenciado do outro.

    Vrios estudos revelam que as mes de bebs com umavinculao segura tendem a ser mais sensveis e responsivas (Isabella,

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    1993; NICHDEarly Child Care Research Network, 1997; De Wolff & van

    Ijzendorm, 1997) e, por sua vez, as crianas que tm figuras parentais

    responsivas tendem a ter uma vinculao segura (Del Carmen et al.,

    1993). Os estudos de Cox e seus colaboradores (1992) referem que ospais que despendem tempo para estar com o seu filho de trs meses de

    idade e que so sensveis s suas necessidades tendem a ter filhos com

    uma vinculao segura aos doze meses.

    De Wolff e van Ijzendorm (1997) consideram que, para alm da

    sensibilidade da me, a vinculao segura engloba a interaco mtua,

    a estimulao, a atitude positiva, o calor humano, a aceitao e apoio

    emocional. Outros factores contextuais, como por exemplo aspectossocio-econmicos (De Wolff & van Ijzendorm, 1997), o emprego materno

    (Stifter et al., 1993) ou ainda a qualidade do relacionamento conjugal

    (Eiden et al., 1995) so tambm aspectos considerados. De um modo

    geral, quanto mais segura for a vinculao da criana mais facilmente

    ela se tornar independente e desenvolver boas relaes com os

    outros, tornando-se mais socivel com os pares e com os adultos por

    comparao com crianas com vinculao insegura (Main, 1983). Ascrianas com relaes seguras tendem, tambm, a tornar-se crianas

    com um sentimento mais positivo do Eue a entenderem as relaes de

    uma forma tambm positiva (Cassidy et al., 1996), apresentando melhor

    auto-regulao emocional (Laible & Thompson, 1998).

    Caldera e Hart (2004), estudando a vinculao entre mes e filhos

    de 12/14 meses, e considerando as variveis da qualidade da relao

    (mes mais e menos sensveis) e a quantidade de exposio a cuidados(s maternos e com diferentes horas por semana de cuidados no-

    maternos), concluem que, quando os seus filhos esto expostos a mais

    horas por semana a cuidados no maternais, as mes menos sensveis

    demonstram scores superiores na vinculao. Os autores consideram

    que estes resultados sugerem que os efeitos de estilo parental de

    vinculao so atenuados pela quantidade de exposio da criana a

    cuidados de outros.

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    O estudo de Stipek e seus colaboradores (1990), com crianas

    com idades compreendidas entre os catorze e os quarenta meses,

    identificou uma sequncia no desenvolvimento do auto-conceito: (i)

    auto-reconhecimento fsico e auto-conscincia, (ii) auto-descrio e auto-avaliao, e (iii) resposta emocional ao comportamento errado.

    O primeiro estdio de auto-reconhecimento fsico e auto-

    conscincia revela-se por volta dos dezoito meses quando as crianas

    manifestam os primeiros sinais de conscincia de si prprias como

    seres fisicamente distintos dos outros e se reconhecem ao espelho ou

    em fotografias. As respostas e as propostas emanadas do meio,

    certamente mediadas pelo adulto, so percebidas como fontes deinformao sobre o seu prprio valor enquanto pessoa ser digno de

    confiana, amor, ateno susceptvel de suscitar respostas

    apropriadas s suas prprias necessidades. Estas percepes sobre si

    mesmo, primeiros elementos da construo do auto-conceito dependem,

    ento, das experincias vividas pelas crianas com o meio fsico e com o

    meio cultural. medida que cresce e se desenvolve em termos fsicos,

    motores, cognitivos e lingusticos a criana adquire novas formas devivenciar, experimentar e portanto perceber o mundo que a rodeia,

    tornando-se menos dependente da mediao do adulto. Comeam a ser

    evidentes as manifestaes de autonomia e independncia. A

    locomoo, a aquisio da linguagem e o controlo esfincteriano so

    marcos fundamentais neste caminho rumo autonomia.

    O segundo estdio do desenvolvimento do auto-conceitopreconizado por Spiket e colaboradores (1990) a auto-descrio surge

    entre os dezanove e trinta meses, em funo da expanso das suas

    capacidades representacionais e lingusticas, comeando a aplicar

    termos grande ou pequeno, e em termos de auto-avaliaoaplicando

    termos mais ou menos avaliativos bom ou mau, bonito ou feio,

    provavelmente como uma forma de auto-descrio apreendida no

    ambiente. A aquisio da linguagem, enquanto forma de comunicaoprivilegiada entre os seres humanos, permite uma maior proximidade e

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    interaco com o meio fsico ou social, dando ao sujeito uma nova

    dimenso do mundo e de si prprio.

    Na 1 infncia a linguagem primeiramente uma linguagem das

    sensaes, dos sentidos. Na 1 infncia sentir, brincar, jogar soaspectos particularmente significativos para a linguagem

    desenvolvimental da personalidade, do temperamento, das relaes

    emocionais e da inteligncia (Diamond & Hopson, 2000; Rizzo, 2001). A

    linguagem da 1 infncia uma linguagem de emoes e afectos

    expressa na procura de relaes, na conquista e na auto-construo de

    competncias, mediante a prpria actividade investigatria com os

    outros. Para Greenspan (1997) a habilidade inata para usar alinguagem requer um princpio emocional, impregnado de

    reciprocidade, estabilidade e desenvolvimento, capaz de se tornar

    suporte de relaes acrescidas de significado emocional para a

    linguagem respondendo assim a experincias e estimulao dos pais e

    do meio. atravs da palavra que o indivduo chega aos sentidos

    partilhados pelos membros de uma mesma cultura, j que a linguagem

    objectiviza a realidade e possibilita a transmisso do significado ao longodas geraes que compartem conceitos comuns (Bruner & Haste, 1990,

    p. 12).

    Por fim, o terceiro estdio de resposta emocional ao

    comportamento errado (Stipek et al., 1990) surge quando as crianas

    comeam a mostrar a sua tristeza com a desaprovao dos adultos e

    param quando se sentem observados. Neste sentido, a emoo torna-seum mecanismo essencial no desencadear da tomada de conscincia e

    das possibilidades de comunicao imediata dos indivduos entre si, de

    uns com os outros e consigo prprios (Crespo, 1996, p. 10). Este estdio

    surge lentamente e sobrepe-se ao segundo estdio tornando-se a base

    da compreenso moral e do desenvolvimento da conscincia. As

    crianas, com catorze meses de idade, mostram desejo de autonomia ou

    auto-determinao, recusando, contrariando ou resistindo s tentativas

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    de ajuda, nomeadamente no vestir/despir ou no pegar ao colo, por

    exemplo

    O perodo entre os dezoito meses e os trs anos de idade ,

    segundo Erikson, o estdio no desenvolvimento da personalidade autonomia versusdvida e vergonha marcado de forma especial pelo

    incio da mudana do controlo externo para o auto controlo. A 1

    infncia marcada pelo sentido de confiana bsica no seu mundo e

    pelo despertar da auto-conscincia, caminhando para o seu prprio

    julgamento das situaes e substituindo, assim, os julgamentos das

    suas figuras parentais. O controlo esfincteriano um grande passo no

    sentido da procura da autonomia e do auto controlo. A linguagem tambm um elemento-chave na conquista da autonomia, na medida em

    que permite s crianas fazerem compreender os seus desejos,

    tornando-se mais poderosas e independentes.

    Por volta dos dois anos as crianas, aproveitando todas as

    competncias recm-adquiridas (andar, falar, controlo esfincteriano),

    caminham naturalmente para a autonomia, testam constantemente as

    suas capacidades e o seu controlo sobre o mundo. Queremconsequentemente experimentar suas novas ideias, exercitar suas

    preferncias e decidir por si s seus desafios, recorrendo tantas vezes

    aos gritos e ao no!.

    Entre o segundo e o terceiro ano de vida, ou seja, aps terem

    desenvolvido a auto-conscincia que emergem as emoes como a

    empatia, o cime, a vergonha, a culpa ou o orgulho. Esta auto-

    conscincia, a compreenso que as crianas tm de que existem comoentidades separadas das outras pessoas e dos objectos, que emerge por

    volta dos dezoito meses, necessariamente anterior capacidade de

    reflectir nas suas aces e avali-las em funes de regras sociais

    (Kopp, 1982; Stipek et al., 1990).

    A creche tem um papel determinante fase aos desafios que

    proporciona. Se a creche est constantemente a cercear as tentativas

    incessantes de fazer coisas tpicas das crianas nesta faixa etria, setorna pblico todos os seus fracassos, estar a mostrar-lhe que no

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    capaz e, consequentemente, baixar as percepes de auto-estima.

    Muitas vezes os adultos tm dificuldade em ajudar e apoiar as crianas

    no seu caminho da autonomia sem interferir, substituindo-os nas suas

    competncias como, por exemplo, lavar as mos, sentar na cadeira,ajudar a comer ou tirar os sapatos.

    O contexto creche em que a criana cresce e se desenvolve,

    atravs das suas caractersticas, promove mais ou menos interaces

    significativas. As situaes e momentos marcantes das suas

    experincias com o mundo ficam retidos, constituindo pilares da

    construo do Eu. Experincias positivas ou negativas vivenciadas no

    contexto fsico ou com os outros significativos formatam esses pilaresdo Eu em funo da forma como cada criana vivencia esses mesmos

    momentos. A percepo individual de um momento nica e depende

    da forma como cada um experimenta a situao e no apenas a

    situao propriamente dita. Em muitas creches, o controlo esfincteriano

    um exemplo concreto desta afirmao, em que todas as crianas

    vivem esta situao ao mesmo tempo e a determinada hora.

    Na famlia como na creche, a criana experimenta os sentimentos

    de adequao/inadequao ao mundo, e de pertena ou no a um

    grupo. Vrios estudos sobre os efeitos de institucionalizao (Spitz,

    1945; Bowlby, 1969) mostram que as crianas negligenciadas ou

    maltratadas apresentam sentimentos de inadequao face ao mundo,

    alertando para as consequncias dos maus cuidados institucionais pela

    importncia que a relao afectiva tem na sade fsica, emocional,social e intelectual das crianas (Brazelton & Greenspan, 2002). Ao

    mesmo tempo produto e processo, o auto-conceito na criana pequena

    construdo, essencialmente, nas interaces vivenciadas na famlia e

    nas instituies educativas como a creche. O primeiro contexto social

    em que a criana vive , por norma, a famlia, pelo que todas as

    experincias a vividas se tornam relevantes na formao do auto-

    conceito, como tambm nas outras dimenses da personalidade.Embora a denominada licena de parto seja varivel de pas para pas,

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    o seu trmino dita, geralmente a sua colocao em contexto de creche.

    A creche constitui, assim, um novo microssistema, paralelo ao da

    famlia, onde aprendem, entre outros conceitos, o que so e quem so,

    atravs dos processos interactivos a desenvolvidos. A forma como socuidadas e respeitadas suas necessidades, caractersticas e interesses,

    a forma como so encorajados os sucessos e fracassos a forma como a

    creche responde criana e sua individualidade ter efeitos

    significativos para o desenvolvimento.

    Sedimentados em justificativos de socializao so incorporados

    na creche e na sala de actividades elementos que normalizam e

    homogenezam a criana. O educador e auxiliares tornam-seelementos de relevo no processo de formao do auto-conceito. O

    educador, enquanto profissional de ajuda tem como funo

    proporcionar meios adequados e eficazes ao desenvolvimento de

    competncias e habilidades que levem a criana a melhor se conhecer e

    se relacionar com o seu mundo social e fsico.

    A organizao pessoal e nica que cada ser humano d a todo o

    conjunto de situaes e interaces que experiencia no contexto (social,cultural, histrico,...) e que desenvolve a sua personalidade, est,

    assim, intimamente relacionada com alguns factores, designadamente:

    contexto fsico, outros significativos, famlia, experincias marcantes,

    valores culturais, instituies educacionais (Guenther, 1980; 1997).

    Estas interaces com o meio fsico e social, resultantes da prpria

    aco da criana sobre o meio formam experincias de carcter fsico,

    cognitivo, social ou afectivo mas todas contribuem de forma integradapara o seu desenvolvimento.

    1.2.2. Desenvolvimento da relao com o outro

    O sentimento de confiana bsica preconizada por Erikson

    (1963), determinante na construo do auto-conceito da personalidade

    estabelece a noo do outro porque est intimamente determinada pela

    mediao dos outros na resoluo das necessidades da criana.

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    Acredita-se que o ser humano quando nasce, est pr-adaptado para

    iniciar, manter e terminar interaces com outros seres humanos.

    Desde cedo tem tendncia para manter contacto visual, para se

    conservar atento e em estado de alerta face a estmulos visuais eacsticos humanos, mas tambm ambientais.

    O beb nasce com capacidades integrativas, que so

    predisposies magnficas para as complicadas circunstncias dinmicas

    da interaco humana (Emde, 1995, p. 492). Esta relao dialctica

    entre o individual e o social, entre os sistemas e os subsistemas, e entre

    os sistemas e o contexto, impulsiona o desenvolvimento individual e a

    prpria evoluo scio-histrica (Bruner & Haste,1990). No entanto, emfuno da cultura dominante, da qualidade e da maturidade de

    contactos sociais, o ser humano desenvolve maior ou menor nmero de

    oportunidades de interagir com os outros nos seus cenrios envolventes

    de vida (Garton, 1994).

    A entrada precoce das crianas em contexto de creche origina

    uma teia de relaes com crianas da mesma idade, o que no

    acontecer com a permanncia das crianas em contexto familiar(mesmo com uma fratria alargada). Alguns estudos sobre as ligaes

    afectivas na infncia enfatizam, como determinante para o

    desenvolvimento psicolgico da criana, a sua relao com os adultos

    (Freud, 1964; Bowlby, 1969; Ainsworth, 1979), enquanto que outros

    apontam a importncia das interaces entre crian