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Geometria Simplética - Notas de Aula Ivo Terek * 6 de julho de 2018 Notas de aula baseadas na disciplina MAT6654 - Geometria Simplética ministrada no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, no primeiro semestre de 2018. Sumário 1 Equações de Hamilton e Álgebra Linear Simplética (13/03) 3 1.1 Equações de Hamilton ...................... 3 1.2 Álgebra Linear Simplética .................... 5 2 Bases simpléticas e redução linear (15/03) 7 2.1 Bases simpléticas ......................... 7 2.2 Redução linear ........................... 12 Exercícios 12 3 Variedades simpléticas (20/03) 19 4 Fibrados cotangentes e uma revisão do Cálculo de Cartan (22/03) 22 4.1 A 1-forma tautológica ....................... 22 4.2 Cálculo de Cartan ......................... 23 5 Campos Hamiltoneanos e colchete de Poisson (27/03) 25 6 Aspectos locais da Geometria Simplética (03/04) 30 6.1 Teorema de Darboux-Weinstein ................. 30 6.2 Truque de Moser ......................... 32 * [email protected] 1

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Geometria Simplética - Notas de Aula

Ivo Terek*

6 de julho de 2018

Notas de aula baseadas na disciplina MAT6654 - Geometria Simpléticaministrada no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade deSão Paulo, no primeiro semestre de 2018.

Sumário

1 Equações de Hamilton e Álgebra Linear Simplética (13/03) 31.1 Equações de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2 Álgebra Linear Simplética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2 Bases simpléticas e redução linear (15/03) 72.1 Bases simpléticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72.2 Redução linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

† Exercícios 12

3 Variedades simpléticas (20/03) 19

4 Fibrados cotangentes e uma revisão do Cálculo de Cartan (22/03) 224.1 A 1-forma tautológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224.2 Cálculo de Cartan . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

5 Campos Hamiltoneanos e colchete de Poisson (27/03) 25

6 Aspectos locais da Geometria Simplética (03/04) 306.1 Teorema de Darboux-Weinstein . . . . . . . . . . . . . . . . . 306.2 Truque de Moser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

*[email protected]

1

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† Exercícios 35

7 Subvariedades (24/04) 42

8 Fibrados vetoriais simpléticos (26/04) 46

9 Vizinhanças de subvariedades Lagrangeanas e pontos fixos desimplectomorfismos (05/03) 49

† Exercícios 52

10 Estruturas complexas (08/04) 5410.1 Caso linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5410.2 O caso suave . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

11 Formas diferenciais em variedades complexas (10/05 e 15/05) 60

12 Variedades de Kähler (17/05) 68

13 Potenciais de Kähler (22/05) 74

† Exercícios 79

† Exercícios - Faixas bônus 85

14 Revisando grupos de Lie (24/05) 9114.1 Ações de grupos de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9114.2 Representações e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

15 Fibrados vetoriais equivariantes 99

16 Ações Hamiltoneanas 104

17 Mais propriedades da aplicação momento 114

18 Redução simplética 116

† Exercícios 121

2

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1 Equações de Hamilton e Álgebra Linear Sim-plética (13/03)

1.1 Equações de Hamilton

Motivação: Geometria Simplética é o modo formal de estudar espaços defase na Mecânica Clássica.

Sejam F = −∇U um campo de forças conservativo, onde U : R3 → R

é suave, e q(t) = (q1(t), q2(t), q3(t)) uma curva descrevendo o movimentode uma partícula de massa m = 1 sob a ação de F.

R3

q(t)

Figura 1: Trajetória de uma partícula de massa m = 1.

O movimento da partícula é governado pela bem conhecida SegundaLei de Newton F = ma. No nosso caso, temos a equação diferencial desegunda ordem q(t) = ∇U(q(t)) em R3.

Definindo pi.= qi, temos então coordenadas (q, p) em R6 e um sistema

de equações qi(t) = pi(t)

pi(t) = −∂U∂qi (q(t)),

(†)

que é uma equação diferencial de primeira ordem no espaço de posiçõese momentos R6, que é então chamado o espaço de fase do sistema. A evo-lução temporal do sistema é determinada por uma única função de seisvariáveis: defina o Hamiltoneano do sistema, H : R6 → R, por

H(q, p) .=

12

3

∑i=1

p2i + U(q).

3

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É fácil ver que

∂H∂qi (q, p) =

∂U∂qi (q) e

∂H∂pi

(q, p) = pi,

donde (†) pode ser reescrito na seguinte forma:qi(t) =

∂H∂pi

(q(t), p(t))

pi(t) = −∂H∂qi (q(t), p(t)),

(††)

Tais equações são chamadas as equações de Hamilton.

Observação. Para cada (q, p) ∈ R6, temos

∇H(q, p) =(

∂H∂qi

(q, p),∂H∂pi

(q, p))∈ R6.

Defina então um campo de vetores X H por

X H(q, p) .=

(∂H∂pi

(q, p),−∂H∂qi

(q, p))∈ R6.

Note que

X H(q, p) =

0 Id3

−Id3 0

∇H(q, p)

Agora, as equações de Hamilton lêem-se como

α(t) = X H(α(t)),

onde α(t) = (q(t), p(t)) ∈ R6. Ou seja, as soluções das equações de Ha-milton são dadas por curvas integrais do campo de vetores X H.

Observação. Curvas integrais de X H estão contidas em superfícies de ní-vel do Hamiltoneano H : R6 → R, conforme a figura a seguir:

R

(q, p)

c

Figura 2: Conservação de energia.

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Objetivo: escrever α(t) = X H(α(t)) de um modo “geométrico”. Paratanto, observamos que

J .=

0 Id3

−Id3 0

é anti-simétrica. Em particular, J corresponde à forma bilinear anti-simétricaem R6, Ω : R6 ×R6 → R dada por

Ω(x, y) = 〈x, Jy〉,

onde 〈·, ·〉 é o produto interno Euclideano usual em R6. Mas além disto,det J 6= 0. Isto significa que Ω é não-degenerada1. Agora, observamos queX H é caracterizado pela relação

DH(Y) = Ω(X H, Y), para todo campo de vetores Y em R6,

ou seja, X H é o “gradiente simplético” de H (ou então, um Ω-gradiente).

Conclusão: A equação α(t) = X H(α(t)) faz sentido em qualquer espaçovetorial munido de uma forma bilinear anti-simétrica e não-degenerada.

Observação (Sobre a convenção de Einstein). Forças são objetos que po-dem ser integrados ao longo de um caminho, a fim de produzir um nú-mero (o trabalho). Portanto, em um contexto mais geral forças seriam me-lhor representadas por 1-formas ao invés de campos de vetores.

Isto de certo modo explica a falha do balanceamento de índices quandodefinimos pi com o índice i embaixo, ao passo em que a coordenada qi

possui o índice em cima. Com efeito, se (q1, . . . , qn) são coordenadas locaisem uma variedade M, então (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) são coordenadas locaisno fibrado cotangente T∗M.

Estamos utilizando a métrica canônica de R3 para identificar camposde vetores com 1-formas, então poderíamos ter escrito pi .

= ∑3j=1 δij pj, de

modo a obeceder a convenção da soma de Einstein (os valores numéricosde pi e pi são, obviamente, iguais).

1.2 Álgebra Linear Simplética

Observação. Todos os nossos espaços vetoriais serão reais e de dimensãofinita.

1Ou seja, se Ω(x, y) = 0 para todo y, então x = 0. Equivalentemente, a aplicaçãoΩ[ : R6 → (R6)∗ dada por Ω[(x)(y) .

= Ω(x, y) é um isomorfismo.

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Definição 1.1. Um espaço vetorial simplético é um par (V, Ω), onde V é umespaço vetorial e Ω : V × V → R é uma forma bilinear, anti-simétrica enão-degenerada.

Observação. Um espaço vetorial simplético possui dimensão par. Comefeito, seja A = (aij)

ni,j=1 a matriz associada a Ω, com respeito a uma dada

base de V. Então:

• A> = −A, pois Ω é anti-simétrica.

• det A 6= 0, pois Ω é não-degenerada.

Isto implica que

det A = det A> = det(−A) = (−1)n det A

e segue disto que (−1)n = 1 (donde n é par).

Exemplo 1.2.

(1) (R2n, Ω2n), onde Ω2n(x, y) = 〈x, Jy〉, com

J .=

0 Idn

−Idn 0

e 〈·, ·〉 é o produto interno usual em R2n.

(2) Seja V qualquer espaço vetorial, e considere o produto V ×V∗. Então aforma bilinear

Ω((x, ξ), (y, η)

) .= η(x)− ξ(y)

em V ×V∗ é simplética.

(3) Para generalizar os itens anteriores, utilizamos o seguinte conceito: seV e W são espaços vetoriais, uma aplicação bilinear B : V ×W → R éum pareamento perfeito se as aplicações V → W∗ e W → V∗ induzidaspor B são isomorfismos. A forma bilinear

ΩB((x, u), (y, v)

) .= B(x, v)− B(y, u)

em V ×W é simplética. Note que nas condições dadas temos a igual-dade dim V = dim W (de modo que dim(V ×W) é par).

Para o item (1), veja que o produto interno usual 〈·, ·〉 de Rn é umpareamento perfeito de Rn com si mesmo, e temos Ω2n = Ω〈·,·〉. Jáaplicação B : V × V∗ → R dada por B(v, f ) .

= f (v) é um pareamentoperfeito entre V e V∗, que fornece o item (2).

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Pergunta: Se (V, Ω) é um espaço vetorial simplético e W ⊆ V é um subes-paço, é verdade que Ω|W é uma forma bilinear simplética?Resposta: em geral não, apesar de Ω|W sempre continuar sendo anti-simétrica. No exemplo (2) acima, para W = V ⊕ 0 temos Ω|W = 0.E para qualquer espaço vetorial simplético, se dim W = 1 temos Ω|W = 0.

Definição 1.3. Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético e W ⊆ V umsubespaço vetorial. O ortogonal simplético de W é

WΩ .= x ∈ V | Ω(x, y) = 0 para todo y ∈W.

Diremos que W é

(i) isotrópico se W ⊆WΩ (ou seja, Ω|W = 0).

(ii) coisotrópico se WΩ ⊆W.

(iii) Lagrangeano se W = WΩ.

(iv) simplético se W ∩WΩ = 0 (ou seja, se Ω|W é simplética).

Observação. Segue da definição que se W1 ⊆W2, então WΩ2 ⊆WΩ

1 . Alémdisto, W é simplético se e somente se WΩ o for.

2 Bases simpléticas e redução linear (15/03)

2.1 Bases simpléticas

Proposição 2.1. Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético e W ⊆ V um su-bespaço vetorial. Então

(i) dim W + dim WΩ = dim V;

(ii) (WΩ)Ω = W.

(iii) W é isotrópico se e somente se WΩ é coisotrópico.

(iv) • se W é isotrópico, então 2 dim W ≤ dim V;

• se W é coisotrópico, então 2 dim W ≥ dim V;

• se W é Lagrangeano, então 2 dim W = dim V.

(v) W é simplético se e somente se W ⊕WΩ = V.

Demonstração:

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(i) A aplicação linear V 3 x 7→ Ω(x, ·)|W ∈ W∗ é sobrejetora e tem WΩ

como núcleo. Pelo Teorema do Núcleo e Imagem segue que

dim V = dim WΩ + dim W∗ = dim W + dim WΩ.

(ii) Seja x ∈W. Para mostrar que x ∈ (WΩ)Ω, devemos ver que Ω(x, y) =0 para todo y ∈WΩ. Mas isto é óbvio, e concluímos que W ⊆ (WΩ)Ω.Do item (i) também sabemos que dim W = dim(WΩ)Ω. Portantovale a igualdade W = (WΩ)Ω.

(iii) Temos:

W é isotrópico ⇐⇒ W ⊆WΩ

⇐⇒ (WΩ)Ω ⊆WΩ

⇐⇒ WΩ é coisotrópico.

(iv) Segue de (i).

(v) Pelo item (i), temos

dim(W + WΩ) + dim(W ∩WΩ) = dim W + dim WΩ = dim V,

donde W + WΩ = V se e somente se W ∩WΩ = 0.

Teorema 2.2. Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético com dimensão dim V =2n. Então existe uma base B= (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) de V com

Ω(ei, ej) = Ω( fi, f j) = 0 e Ω(ei, f j) = δij,

para todos i, j = 1, . . . , n. Diremos que B é uma base simplética para V.

Demonstração: Vamos provar o teorema por indução em n.Para n = 1, tome e1 ∈ V não-nulo. Como Ω é não-degenerada, existe

v1 ∈ V \ 0 com Ω(e1, v1) 6= 0. Então se f1.= v1/Ω(e1, f1), temos que

(e1, f1) é uma base2 simplética de V.Agora façamos o passo indutivo: o mesmo argumento nos dá e1, f1 ∈

V \ 0 com Ω(e1, f1) = 1. Então W .= span(e1, f1) é simplético, e assim

V = W ⊕WΩ, com dim WΩ = 2n − 2. Pela hipótese de indução, existeuma base simplética (e2, . . . , en, f2, . . . , fn) para WΩ. Então

(e1, . . . , en, f1, . . . , fn)

é uma base simplética para V.2Com efeito, se ae1 + b f1 = 0, aplicar Ω(e1, ·) nos dá b = 0, enquanto Ω( f1, ·) nos dá

que a = 0. Assim (e1, f1) é linearmente independente.

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Observação. Não utilizamos que a dimensão de V é par nesta demonstra-ção. Então isto na verdade é uma consequência do teorema acima.

Definição 2.3. Uma aplicação linear ϕ : (V1, Ω1)→ (V2, Ω2) entre espaçosvetoriais simpléticos é dita simplética se

Ω1(x, y) = Ω2(ϕ(x), ϕ(y)),

para todos x, y ∈ V. Um isomorfismo linear simplético é chamado umsimplectomorfismo.

Observação. Como Ω1 é não-degenerada, toda aplicação linear simpléticaé automaticamente injetora. Mas não é sobrejetora em geral, como mostraa inclusão de um subespaço simplético W ⊆ V.

Proposição 2.4. Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. O conjunto

Sp(V, Ω) = ϕ ∈ GL(V) | ϕ é um simplectomorfismo

possui uma estrutura de grupo com a operação de composição. Chamamos Sp(V, Ω)o grupo simplético de (V, Ω).

Exemplo 2.5.

(1) Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético e (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) umabase simplética para V. Então a aplicação linear ϕ : V → V definidapor ϕ(ei) = fi e ϕ( fi) = −ei, para todo i = 1, . . . , n, é um simplector-morfismo.

(2) Sejam V um espaço vetorial qualquer, (e1, . . . , en) uma base para V e(e1, . . . , en) a correspondente base dual de V∗. Para a forma simpléticaΩ((x, ξ), (y, η)

)= η(x)− ξ(y) em V × V∗ que vimos anteriormente,

temos que ((e1, 0), . . . , (en, 0), (0, e1), . . . , (0, en)

)é uma base simplética. De fato, vale

Ω((ei, 0), (0, ej)

)= ej(ei) = δ

ji.

Um exemplo simples de simplectomorfismo deste espaço é o seguinte:se T : V → V é um isomorfismo linear e T∗ : V∗ → V∗ é a aplicaçãodual3, então T× (T∗)−1 : V ×V∗ → V ×V∗ é um simplectomorfismo.

3Dada por T∗( f ) .= f T.

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De fato:

Ω((T(x), (T∗)−1(ξ)),(T(y), (T∗)−1(η))

)=

= (T∗)−1(η)(T(x))− (T∗)−1(T(y))

= T∗ (T∗)−1(η)(x)− T∗ (T∗)−1(ξ)(y)= η(x)− ξ(y)

= Ω((x, ξ), (y, η)

),

como desejado. Vamos ver no Exercício 2.4 que este é essencialmente oúnico modo de um produto de operadores ser um simplectormofismo.

(3) Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético e (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) umabase simplética para V. Então se A ∈ GL(n, R) é não-singular, a apli-cação linear ϕ : V → V definida por

ϕ(ej) =n

∑i=1

(A>)ijei e ϕ( f j) =

n

∑i=1

(A−1)ij fi

é um simplectomorfismo. Com efeito:

Ω(ϕ(ei), ϕ(ej)) = Ω

(n

∑k=1

(A>)kiei, ∑

`=1(A−1)`j f`

)

=n

∑k,`=1

(A>)ki(A−1)`jΩ(ek, f`)

=n

∑k,`=1

(A>)ki(A−1)`jδk`

=n

∑k=1

(A>)ki(A−1)k

j = δij,

como queríamos. Que Ω(ϕ(ei), ϕ(ej)) = 0 e Ω(ϕ( fi), ϕ( f j)) = 0 paratodas as escolhas de i e j é claro. Veremos no Exercício 2.8 que na ver-dade todo simplectomorfismo que deixa os subespaços gerados pelas“metades” de uma base simplética invariantes é dessa forma.

(4) Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Para todo isomorfismo li-near ϕ ∈ GL(V), a aplicação

(ϕ∗Ω) : V ×V → R

(x, y) 7→ Ω(ϕ(x), ϕ(y))

é uma forma simplética, que torna ϕ um simplectomorfismo entre(V, Ω) e (V, ϕ∗Ω).

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Da existência de bases simpléticas, temos o seguinte:

Corolário 2.6. Se (V, Ω) é um espaço vetorial simplético com dim V = 2n,então (V, Ω) é simplectomorfo à (R2n, Ω2n), onde Ω2n(x, y) = 〈x, Jy〉, com〈·, ·〉 o produto interno Euclideano usual em R2n e

J =

0 Idn

−Idn 0

.

Demonstração: Tome uma base simplética (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) de V, edefina

ϕ : R2n → V

(x, y) 7→n

∑i=1

xiei + yi fi.

Note que a base canônica de (R2n, Ω2n) é simplética - e um isomorfismolinear que leva uma base simplética em outra é trivialmente um simplec-tomorfismo. Em particular

Ω2n((x, y), (u, v)) =n

∑i=1

∣∣∣∣xi yi

ui vi

∣∣∣∣ .

Observação.

• Se (V, Ω) é um espaço vetorial simplético e é dada uma base simplé-tica (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) de V, então a matriz de Ω relativa à tal baseé justamente a matriz J dada acima.

• Além disto, se (e1, . . . , en, f 1, . . . , f n) é a correspondente base dualde V∗, então Ω pode ser descrita em termos de produtos exteriores,como

Ω = e1 ∧ f 1 + · · ·+ en ∧ f n.

• Chame

Ω(V).= Ω : V ×V → R | Ω é uma forma simplética.

O grupo GL(V) age em Ω(V) por pull-back: ϕ · Ω .= ϕ∗Ω. É uma

consequência do corolário acima que esta ação é transitiva, visto quesempre existe um simplectomorfismo entre quaisquer duas formassimpléticas em V. E claramente o estabilizador de Ω ∈ Ω(V) éSp(V, Ω). Portanto concluímos que Ω(V) ∼= GL(V)/Sp(V, Ω).

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2.2 Redução linear

Pergunta: se (V, Ω) é um espaço vetorial simplético e W é um subespaçode V, o que acontece com o quociente V/W?

Em geral, o quociente não é simplético. Por exemplo, se dim W = 1,então a dimensão de V/W é ímpar, e assim não existirá uma estruturasimplética. Este mesmo exemplo mostra que se W é isotrópico, o quoci-ente V/W não é, em geral, simplético. Por dualidade, se W é coisotrópicotambém não temos nada.

Já se W é simplético, então V/W é isomorfo à WΩ, que é simplético.Assim podemos transferir a estrutura simplética de WΩ para V/W.

Para analisar quocientes de subespaços de V, temos a:

Proposição 2.7 (Redução linear). Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético eW ⊆ V um subespaço coisotrópico. Então o quociente (W/WΩ, Ω) é um espaçovetorial simplético, onde Ω : W/WΩ ×W/WΩ → R é definida por Ω(x, y) .

=Ω(x, y).

Demonstração: Como W é coisotrópico, o quociente W/WΩ faz sentido.Vejamos inicialmente que Ω está bem definida, ou seja, que se x = x′ ey = y′ em W/WΩ, então Ω(x, y) = Ω(x′, y′). Com efeito, se x− x′, y− y′ ∈WΩ, vale que Ω(x, w) = Ω(x′, w) e Ω(y, w) = Ω(y′, w), qualquer que sejaw ∈W. Fazendo boas escolhas, vemos que

Ω(x, y) = Ω(x′, y) = −Ω(y, x′) = −Ω(y′, x′) = Ω(x′, y′),

como queríamos. Portanto Ω está bem definida.Bilinearidade e anti-simetria de Ω são herdadas de Ω. Agora suponha

que Ω(x, y) = 0 para todo y ∈ W/WΩ. Devemos mostrar que x = 0. Paratanto, fixe um representante x ∈W. Mas Ω(x, y) = 0 para todo y ∈W nosdiz que x ∈WΩ, donde x = 0.

Exercícios

Exercício 2.1. Mostre a Proposição 2.4 (p. 9).

Exercício 2.2. Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético, e W1, W2 ⊆ Vdois subespaços vetoriais quaisquer. Mostre que:

(a) (W1 + W2)Ω = WΩ

1 ∩WΩ2 ;

(b) (W1 ∩W2)Ω = WΩ

1 + WΩ2 .

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Dica. O item (b) segue de (a), trocando os subespaços por seus ortogonaissimpléticos.

Exercício 2.3. Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético e W ⊆ V umsubespaço vetorial. Mostre que:

(a) se W é isotrópico, então W está contido em algum subespaço Lagran-geano de V;

(b) se W é coisotrópico, então W contém algum subespaço Lagrangeanode V.

Dica. Para (a), aplique o Lema de Zorn para a coleção

C= Z | Z é um subespaço isotrópico de V conténdo W,

obtenha um elemento maximal L, e argumente que L deve ser Lagrange-ano. O item (b) segue de (a).

Exercício 2.4. Sejam V e W espaços vetoriais. Lembre que uma aplicaçãobilinear B : V×W → R é um pareamento perfeito se as aplicações induzidasV →W∗ e W → V∗ são isomorfismos.

Vamos ver detalhes do item (3) do Exemplo 1.2 (p. 6), e concluir coisassobre o item (2) do Exemplo 2.5 (p. 9).

(a) Verifique que de fato a aplicação

ΩB : (V ×W)× (V ×W)→ R((x, u), (y, v)

)7→ B(x, v)− B(y, u)

é uma forma simplética em V ×W.

(b) Seja T : V →W linear. Mostre que gr(T) é um subespaço Lagrangeanode (V ×W, ΩB) se e somente se o seguinte diagrama comuta:

W∗

VT

T∗V∗

W

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(c) Use o item (b) e mostre que para a estrutura simplética canônica emV ×V∗, o gráfico gr(T) de uma aplicação linear T : V → V∗ é Lagran-geano se e somente se a forma bilinear induzida por T é simétrica, ouseja, vale T(x)(y) = T(y)(x) para todos x, y ∈ V.

(d) Sejam ϕV : V → V e ϕW : W → W operadores lineares. Mostre queϕV × ϕW : V ×W → V ×W é um simplectomorfismo se e somente seo seguinte diagrama comuta:

W∗

VϕV

V

W∗(ϕW)∗

(e) Sejam ϕV : V → V e ϕW : W → W operadores lineares. Mostre queϕV × ϕW : V ×W → V ×W é um simplectomorfismo se e somentedadas bases B e Cde V e W, vale a relação

B = [ϕV ]>B B [ϕW ]C,

onde também denotamos por B a matriz de Gram de B relativa às ba-ses B e C.

(f) Use o item anterior e mostre que para a estrutura simplética canônicade V × V∗, se são dados ϕV : V → V e ϕV∗ : V∗ → V∗ lineares, entãoo produto ϕV × ϕV∗ : V ×V∗ → V ×V∗ é um simplectomorfismo se esomente se ϕV∗ = ((ϕV)

∗)−1.

Dica. Uma implicação já foi feita no item (2) do Exemplo 2.5 (p. 9).

Exercício 2.5. Sejam (V1, Ω1) e (V2, Ω2) espaços vetoriais simpléticos. Noproduto V1 ×V2, definimos as seguintes aplicações:

Ω1 ⊕Ω2 : (V1 ×V2)× (V1 ×V2)→ R((x, u), (y, v)

)7→ Ω1(x, y) + Ω2(u, v)

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e

Ω1 Ω2 : (V1 ×V2)× (V1 ×V2)→ R((x, u), (y, v)

)7→ Ω1(x, y)−Ω2(u, v).

(a) Mostre que Ω1 ⊕Ω2 e Ω1 Ω2 são formas simpléticas em V1 ×V2.

(b) Sejam W1 ⊆ V1 e W2 ⊆W2 subespaços vetoriais. Mostre que

(W1 ×W2)Ω1⊕Ω2 = WΩ1

1 ×WΩ22 = (W1 ×W2)

Ω1Ω2 .

(c) Conclua que se W1 ⊆ V1 e W2 ⊆ V2 são ambos subespaços isotrópicos,coisotrópicos, Lagrangeanos ou simpléticos, então W1 ×W2 tambémo é (seja qual for a estrutura Ω1 ⊕ Ω2 ou Ω1 Ω2 considerada emV1 ×V2).

Exercício 2.6. Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Notando que Ωé um pareamento perfeito de V com si mesmo, a construção do Exercício2.4 acima nos dá uma estrutura simplética ΩΩ em V ×V, muito similar àforma simplética ΩΩ vista no exercício anterior.

Sabemos pelo Corolário 2.6 (p. 11) que existe um simplectomorfismo(V × V, ΩΩ) → (V × V, ΩΩ), mas seria natural nos perguntarmos seexiste um simplectomorfismo que não depende de nenhuma escolha debase de V.

A resposta é sim: mostre que

ϕ : V ×V → V ×V

(x, u) 7→(

x + u√2

,x− u√

2

)funciona.

Exercício 2.7. Considere a estrutura simplética usual no produto Rn ×(Rn)∗, e o protótipo canônico (R2n, Ω2n).

(a) Exiba um simplectomorfismo entre esses espaços.

(b) Mostre que se V é um espaço vetorial com dim V = n, uma escolhade base de V induz um simplectomorfismo V × V → Rn × (Rn)∗.Conclua que V ×V∗ é simplectomorfo à (R2n, Ω2n).

Dica. O produto interno de Rn induz um isomorfismo [ : Rn → (Rn)∗.

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Exercício 2.8. Este exercício estabelece um tipo de recíproca para o que vi-mos no item (3) do Exemplo 2.5 (p. 9). Sejam (V, Ω) um espaço simpléticoe (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) uma base simplética para V. Defina os subespaçosE .= span(e1, . . . , en) e F .

= span( f1, . . . , fn).

(a) Mostre que E e F são Lagrangeanos.

(b) Sejam ϕ ∈ Sp(V, Ω) um simplectomorfismo que deixa E e F invarian-tes, e considere as matrizes B = (bi

j)ni,j=1 e C = (ci

j)ni,j=1 ∈ Mat(n, R)

satisfazendo

ϕ(ej) =n

∑i=1

bijei e ϕ( f j) =

n

∑i=1

cij fi.

Mostre que existe uma matriz A ∈ GL(n, R) com B = A> e C = A−1.

Exercício 2.9. Sejam (V, Ω) um espaço simplético, B = (v1, . . . , v2n) umabase de V, e ϕ : V → V linear. Se J = (Ω(vi, vj))

2ni,j=1 é a matriz de Gram

de Ω relativa à B, mostre que ϕ ∈ Sp(V, Ω) se e somente se vale a relação

J = [ϕ]>B J [ϕ]B.

Conclua que, em caso afirmativo, det ϕ = 1 ou −1.

Observação.

• Na verdade é possível mostrar que det ϕ = 1, com um pouco mais detrabalho. Pelo menos para a classe de simplectomorfismos estudadano Exercício 2.8 acima, isso é óbvio. Veja o Exercício 2.12 adiante.

• Motivados pela expressão deste exercício, diremos que uma matrizS ∈ Mat(2n, R) é simplética se satisfaz a relação J = S> JS, onde

J =

0 Idn

−Idn 0

,

como de praxe. Denotamos por Sp(2n, R) o grupo das matrizes sim-pléticas. Para a estrutura simplética canônica em (R2n, Ω2n), vistano item (1) do Exemplo 1.2 (p. 6), temos um isomorfismo natu-ral Sp(R2n, Ω2n) ∼= Sp(2n, R), de modo análogo aos isomorfismosGL(Rn) ∼= GL(n, R), O(Rn, 〈·, ·〉) ∼= O(n, R), etc..

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Exercício 2.10. Seja

S =

A BC D

∈ Mat(2n, R)

uma matriz qualquer, dividida em blocos de ordem n.

(a) Mostre que se S ∈ Sp(2n, R), então S> ∈ Sp(2n, R), usando a defini-ção de matriz simplética.

(b) Mostre que S ∈ Sp(2n, R) se e somente se valem as relações de LuneburgA>C e B>D são simétricas, eA>D− C>B = Idn.

(c) Conclua que se S ∈ Sp(2n, R), então

S−1 =

D> −B>

−C> A>

.

Dica. Em (c), use as relações de Luneburg para S>.

Exercício 2.11. Sejam (V, Ω) um espaço vetorial simplético, e ϕ ∈ Sp(V, Ω)um simplectomorfismo.

(a) Mostre que ϕ preserva Ω-ortogonalidade no seguinte sentido: paratodo subespaço vetorial W ⊆ V, vale que ϕ[WΩ] = ϕ[W]Ω.

(b) Mostre que se W ⊆ V é um subespaço isotrópico, coisotrópico ou La-grangeano, então ϕ(W) também o é.

(c) Mostre que dois autovetores de ϕ associados à autovalores cujo pro-duto não seja 1 são necessariamente Ω-ortogonais.

(d) Mostre que um subespaço vetorial W ⊆ V é ϕ-invariante se e somentese WΩ também o for.

Observação. O item (a) vale para simplectomorfismos entre espaços veto-riais simpléticos (V1, Ω1) e (V2, Ω2) possivelmente distintos, com a mesmademonstração: ϕ[WΩ1 ] = ϕ[W]Ω2 .

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Exercício 2.12. Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Considere umabase simplética (e1, . . . , en, f1, . . . , fn) de V, e (e1, . . . , en, f 1, . . . , f n) a cor-respondente base dual de V∗.

(a) Mostre que Ω = e1 ∧ f 1 + · · ·+ en ∧ f n, como afirmado na Observaçãoda página 11;

(b) Mostre que para todo 1 ≤ k ≤ n, vale

Ω∧k

k!= ∑

1≤i1<···<ik≤nei1 ∧ f i1 ∧ · · · ∧ eik ∧ f ik ,

onde Ω∧k .= Ω ∧ · · · ∧Ω (k vezes). Em particular, conclua que

Ω∧n

n!= e1 ∧ f 1 ∧ · · · ∧ en ∧ f n

é uma n-forma em V que nunca se anula, valendo 1 quando avaliadana base simplética considerada.

(c) Conclua que se ϕ ∈ Sp(V, Ω), então det ϕ = 1.

Dica.

• Lembre que se V é um espaço vetorial e ξ, η ∈ V∗, então o produtoexterior de ξ e η é a aplicação bilinear ξ ∧ η : V ×V → R dada por

(ξ ∧ η)(x, y) .=

∣∣∣∣ξ(x) ξ(y)η(x) η(y)

∣∣∣∣ = ξ(x)η(y)− ξ(y)η(x).

• Faça o item (b) por indução.

• No item (c), note que como Ω∧n/n! é uma forma de volume em V,vale a igualdade

ϕ∗(

Ω∧n

n!

)= (det ϕ)

Ω∧n

n!.

Por outro lado, ϕ∗Ω = Ω, pois ϕ é um simplectomorfismo. Logo...

Exercício 2.13. Sejam V um espaço vetorial e Ω : V × V → R uma formabilinear anti-simétrica, mas não necessariamente simplética. Mostre queexiste uma base

(u1, . . . , uk, e1, . . . , en, f1, . . . , fn)

de V tal que

Ω(ui, v) = Ω(ei, ej) = Ω( fi, f j) = 0 e Ω(ei, f j) = δij,

para todas as possibilidades de i e j, e para todo v ∈ V.

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Observação. Note que dim V = k + 2n, n é um invariante do par (V, Ω),e que Ω é representada nessa base pela matriz

0 0 00 0 Idn

0 −Idn 0

.

Dica. Chame

rad(Ω) ≡ VΩ .= u ∈ V | Ω(u, v) = 0 para todo v ∈ V,

e considere qualquer subespaço W complementar a rad(Ω) satisfazendoV = rad(Ω)⊕W. Tome uma base qualquer (u1, . . . , uk) de rad(Ω), mostreque a restrição Ω|W é simplética, e aplique o Teorema 2.2 (p. 8).

Exercício 2.14. Vimos na Proposição 2.7 (p. 12) que se (V, Ω) é um es-paço vetorial simplético e W ⊆ V é um subespaço coisotrópico, então(W/WΩ, Ω) é um espaço vetorial simplético, onde Ω é induzida natural-mente por Ω.

Nestas condições, suponha que L seja um subespaço Lagrangeano deV, e mostre que

L′ .=

(L ∩W) + WΩ

é um subespaço Lagrangeano de W/WΩ.

Dica. Mostre que L′ é isotrópico, e calcule dim L′.

3 Variedades simpléticas (20/03)

Ideia:variedade diferenciável

de dimensão nmodelo linear (local) espaço vetorial Rn

variedade simpléticade dimensão 2n

modelo linear (local) espaço simplético(R2n, Ω2n)

Observação. Se (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn) são coordenadas em R2n ∼= T∗Rn,então

ω2n =n

∑i=1

dxi ∧ dyi = d

(n

∑i=1

xidyi

)é uma 2-forma exata. Então, poderíamos considerar uma variedade dife-renciável M equipada com uma 2-forma ω ∈ Ω2(M) satisfazendo

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(i) ωp : TpM× TpM→ R é não degenerada, para cada p ∈ M, e;

(ii) ω = dα é exata.

Esta não é uma boa noção de “ser simplética”, no contexto de variedadessem bordo!

Para justificar a observação acima, temos a:

Proposição 3.1. Sejam M uma variedade diferenciável (sem bordo) e ω ∈ Ω2(M)uma 2-forma não-degenerada e exata. Então M não é compacta.

Demonstração: Pelo que vimos de Álgebra Linear anteriormente, neces-sariamente temos que a dimensão de M é par, dim M = 2n. Já que ω énão-degenerada, a 2n-forma

ω∧n .= ω ∧ · · · ∧ω (n vezes)

é uma forma de volume em M (por exemplo, pelo Exercício 2.12, p. 18).Assuma que ω = dα com α ∈ Ω1(M). Se M é compacta, então usando oTeorema de Stokes juntamente com o fato de ω ser fechada obtemos

0 6=∫

Mω∧n =

∫M

d(α ∧ω∧(n−1)) =∫

∂Mα ∧ω∧(n−1) = 0,

o que é uma contradição.

Então a ideia inicial proposta de variedade simplética acaba por excluirtodas as variedades compactas. Visto que a condição de que ω seja exataé restritiva demais, gostaríamos de considerar ω apenas localmente exata.Pelo Lema de Poincaré, isto é equivalente a ω ser fechada. Isto motiva a:

Definição 3.2. Uma variedade simplética é um par (M, ω), onde M é umavariedade diferenciável e ω ∈ Ω2(M) é uma 2-forma não-degenerada efechada.

Observação.

• Veremos adiante que a toda função suave H : M→ R pode ser asso-ciado um campo X H ∈ X(M), chamado o campo Hamiltoneano de H,cujo fluxo preserva ω e, portanto, é conservativo. Isto ocorre justa-mente em vista da condição dω = 0 imposta na definição acima.

• Do ponto de vista da Física, variedades simpléticas são variedadeslocalmente modeladas pelos espaços de fase da Mecânica Clássica.

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• Obstruções para a existência de estruturas simpléticas: seja (M, ω)uma variedade simplética. Então:

(i) dim M = 2n é par;

(ii) ω∧n ∈ Ω2n(M) é uma forma de volume em M. Em particular,M é orientável;

(iii) Se M é compacta, então ω não é exata ou, em outras palavras, aclasse [ω] ∈ H2

dR(M) é não-nula e H2dR(M) é não-trivial.

Exemplo 3.3. Exemplos e não-exemplos de variedades simpléticas:

(1) Qualquer espaço vetorial simplético.

(2) Qualquer superfície orientável Σ, com estrutura simplética dada justa-mente por sua forma de área.

(3) Para todo n, o espaço projetivo real RPn nunca é uma variedade sim-plética. Analisamos em casos:

• Se n é ímpar, então não pode existir uma estrutura simplética;

• Se n é par, RPn não é orientável, e portanto não pode existir umaestrutura simplética.

Para compensar, veremos mais adiante que CPn sempre admite umaestrutura simplética. Na verdade, CPn é um exemplo de uma variedadede Kähler. Veremos (na Seção 12) que, essencialmente:

geometriade Kähler

=geometriasimplética +

geometriaRiemanniana

+geometriacomplexa

(4) Se (M1, ω1) e (M2, ω2) são variedades simpléticas, então (M1×M2, ω±)é uma variedade simplética, onde a forma simplética é

ω±.= pr∗1ω1 ± pr∗2ω2

e pri : M1 ×M2 → Mi são as projeções. Outras notações comuns sãoM1 ×M2 = (M1 ×M2, ω−) e ω− = ω1 ⊕ (−ω2).

(5) Fibrados cotangentes: sejam N uma variedade diferenciável e T∗No seu fibrado cotangente. Há uma estrutura simplética canônica emT∗N.

Para isso, utilizaremos a 1-forma tautológica α ∈ Ω1(T∗N) (forma deLiouville), construída do seguinte modo: se ξ ∈ T∗N e Xξ ∈ Tξ(T∗N)

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é um vetor tangente, então queremos definir um certo funcional linearαξ : Tξ(T∗N) → R. Mas ξ ∈ (Tπ(ξ)N)∗, onde π : T∗N → N é a proje-ção. Observando que dπξ(Xξ) ∈ Tπ(ξ)N, a coisa natural a se fazer écolocar

αξ(Xξ).= ξ(dπξ(Xξ)).

Veremos que ωcan.= −dα ∈ Ω2(M) é uma forma simplética em T∗N.

Observe que quando (V, Ω) é um espaço vetorial simplético visto comovariedade, esta construção nos dá (talvez a menos de sinal) a estruturasimplética canônica em T∗V ∼= V ⊕V∗ que vimos anteriormente.

4 Fibrados cotangentes e uma revisão do Cálculode Cartan (22/03)

4.1 A 1-forma tautológica

Considere uma variedade diferenciável N e π : T∗N → N o seu fibradocotangente. Como discutimos anteriormente, definimos α ∈ Ω1(T∗N) por

αξ(Xξ).= ξ(dπξ(Xξ)),

para ξ ∈ T∗N e Xξ ∈ Tξ(T∗N).Queremos descrever α em coordenadas. Para tal, começamos com co-

ordenadas locais (U, (x1, . . . , xn)) em N. Isto determina um referenciallocal de campos e, portanto, um co-referencial de 1-formas ao longo de U:

∂x1 , . . . ,∂

∂xndualizando−−−−−−→ dx1, . . . , dxn.

Se ξ ∈ Ω1(U), podemos escrever

ξ =n

∑i=1

yi dxi, com yi = ξ

(∂

∂xi

),

e assim obtemos coordenadas locais (T∗U, (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn)) em T∗N,e um referencial local

∂x1 , . . . ,∂

∂xn ,∂

∂y1, . . . ,

∂yn.

Nestas coordenadas, podemos escrever a 1-forma tautológica como

α =n

∑i=1

aidxi + bidyi.

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Por um lado, temos

α

(∂

∂xj

)=

n

∑i=1

aidxi(

∂xj

)+ bi dyi

(∂

∂xj

)=

n

∑i=1

aiδij + bi · 0 = aj, e

αξ

(∂

∂xj

)= ξ

(dπξ

(∂

∂xj

))= ξ

(∂

∂xj

)= yj,

donde aj = yj. Analogamente

α

(∂

∂yj

)= bj e αξ

(∂

∂yj

)= ξ

(dπξ

(∂

∂yj

))= ξ(0) = 0,

de modo que a expressão local para α é

α =n

∑i=1

yi dxi.,

o que em particular justifica o nome de forma “tautológica”.

Definição 4.1. Seja N uma variedade diferenciável. A estrutura simplé-tica canônica ωcan ∈ Ω2(T∗N) no fibrado cotangente de N é definida porωcan

.= −dα.

Observação. Claramente dωcan = 0, e a não-degenerabilidade de ωcansegue da expressão local ωcan = ∑n

i=1 dxi ∧ dyi.

Pergunta: Vimos que T∗N possui uma estrutura simplética. Será que ofibrado tangente TN também tem?Resposta: Sim! Tome uma métrica Riemanniana em N, identifique TNcom T∗N via os isomorfismos musicais, e puxe a estrutura de T∗N paraTN.

4.2 Cálculo de Cartan

Sejam M uma variedade diferenciável e C∞(M) a álgebra associativade funções suaves em M. Temos que (Der(C∞(M)), [·, ·]) é a álgebra deLie das derivações de C∞(M), onde [·, ·] denota o comutador de derivações.Temos um isomorfismo4

X(M)→ Der(C∞(M))

X 7→ DX : C∞(M)→ C∞(M)

f 7→ d f (X)

4Tomamos como definição que um vetor tangente a M em um ponto p ∈ M é umaderivação na álgebra Fp dos germes de funções suaves em p.

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Em particular, usamos este isomorfismo para definir um colchete de Lieem X(M) do seguinte modo: se X, Y ∈ X(M), o campo [X, Y ] é o únicosatisfazendo a relação D[X,Y ] = DX DY − DY DX .

Observação. Recordamos que todo campo de vetores X ∈ X(M) deter-mina um fluxo local: existem um domínio de fluxo D ⊆ R× M aberto talque para cada x ∈ D o conjunto Dx

.= t ∈ R | (t, x) ∈ D é um intervalo

aberto contendo 0, e uma aplicação suave

ΦX : D→ M(t, x) 7→ ΦX(t, x),

satisfazendo ΦX(0, x) = x para todo x ∈ M e

ΦX(t, ΦX(s, x)) = ΦX(t + s, x)

para todos x ∈ M e t ∈ Dx e s ∈ DΦX (t,x) tais que t + s ∈ Dx.Pode-se ainda mostrar que cx,X : Dx → M dada por cx,X(t)

.= ΦX(t, x)

é a única curva integral maximal de X que começa em x, ou seja, é a únicasolução maximal do problema de valor inicial

α′(t) = Xα(t)

α(0) = x.

O campo X é então chamado o gerador infinitesimal do fluxo ΦX , e aindavalem as seguintes propriedades:

(i) Se t ∈ Dx, então DΦX (t,x) = Dx − t;

(ii) Para cada t ∈ R, o conjunto Mt.= x ∈ M | (t, x) ∈ D é aberto em

M e Φt,X : Mt → M−t dada por Φt,X(x) .= ΦX(t, x) é um difeomor-

fismo, com inversa Φ−1t,X = Φ−t,X .

(iii) Para cada (t, x) ∈ D, vale d(Φt,X)x(Xx) = XΦt,X (x), ou seja, o geradorinfinitesimal X é Φt,X-relacionado a si mesmo para cada t possível.

Um campo de vetores X ∈ X(M) determina duas operações:

• A contração

ιX : Ωk(M)→ Ωk−1(M)

θ 7→ θ(X, ·, · · · , ·);

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• A derivada de Lie

LX : Ωk(M)→ Ωk(M)

θ 7→ LXθ =ddt

∣∣∣∣t=0

(Φt,X)∗θ.

Estas operações estão relacionadas pela Fórmula Mágica de Cartan:

LXθ = dιXθ + ιXdθ

que, em particular, nos diz que cada LX comuta com a derivada exterior.

5 Campos Hamiltoneanos e colchete de Poisson(27/03)

Seja (M, ω) uma variedade simplética. Como ω é não-degenerada, te-mos que a aplicação

ω[ : TM→ T∗M(p, v) 7→ (p, ωp(v, ·))

é um isomorfismo de fibrados vetoriais. Em particular, obtemos tambémum isomorfismo a nível de seções5:

ω[ : X(M)→ Ω1(M)

X 7→ ω(X, ·)

Definição 5.1. Sejam (M, ω) uma variedade simplética e f ∈ C∞(M) umafunção suave. O campo vetorial Hamiltoneano de f é o campo X f ∈ X(M)definido pela relação d f = ιX f ω.

Observação.

• Note que como f é suave, de fato X f também o é, em vista da ex-pressão X f = (ω[)

−1(d f ).

• O campo Hamiltoneano é também chamado o gradiente simplético def , satisfazendo a expressão d f (Y) = ω(X f , Y) para todo Y ∈ X(M).Compare com o gradiente clássico de uma função suave definida emuma variedade Riemanniana.

5Recorde que X(M) = Γ(TM) e Ω1(M) = Γ(T∗M).

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• É comum pela literatura definir o campo Hamiltoneano satisfazendoa relação d f = −ιX f ω, com o sinal trocado. Nossa escolha faz comque as equações de Hamilton em um fibrado cotangente (mais geral-mente, em coordenadas de Darboux, que veremos em breve) tomema forma apresentada na Seção 1.

Exemplo 5.2. Seja Mn uma variedade diferenciável, e considere o seu fi-brado cotangente com a estrutura simplética canônica, (T∗M, ωcan).

Suponha que (q1, . . . , qn) sejam coordenadas locais em M, induzindocoordenadas locais canônicas (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) em T∗M. Se é dadaH : T∗M→ R suave, podemos considerar o seu campo Hamiltoneano X He expressá-lo nestas coordenadas. Ou seja, escrever

X H =n

∑i=1

ai ∂

∂qi + bi∂

∂pi,

para certos coeficientes suaves ai e bi, 1 ≤ i ≤ n. Por dualidade temos

ai = dqi(X H) = ωcan(Xqi , X H) = −ωcan(X H, Xqi) = −dH(Xqi)

e, analogamente, bi = −dH(X pi). No Exercício 6.2 pedimos que vocêverifique que

Xqi = −∂

∂pie X pi =

∂qi ,

para 1 ≤ i ≤ n. Assim, concluímos que

X H =n

∑i=1

(∂H∂pi

∂qi −∂H∂qi

∂pi

).

Em particular, note que se α : I → T∗M é uma curva integral de X H, valeque

α′(t) =n

∑i=1

(dqi

dt(t)

∂qi

∣∣∣∣α(t)

+dpi

dt(t)

∂pi

∣∣∣∣α(t)

)para todo t ∈ I, e recuperamos as equações de Hamilton:

dqi

dt(t) =

∂H∂pi

(α(t))

dpi

dt(t) = −∂H

∂qi (α(t)).

Prosseguimos:

26

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Definição 5.3. Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) variedades simpléticas. Um sim-plectomorfismo é um difeomorfismo ϕ : M1 → M2 satisfazendo ϕ∗ω2 = ω1.

Justamente como fizemos quando discutimos álgebra linear simplética,podemos considerar o grupo de simplectomorfismos de uma variedade sim-plética (M, ω):

Sp(M, ω).= ϕ : M→ M | ϕ é um simplectomorfismo.

Veremos que em vários casos, este grupo é bem grande:

Proposição 5.4. Sejam (M, ω) uma variedade simplética compacta e f ∈ C∞(M).Então para todo t ∈ R, o fluxo Φt,X f : M → M do campo Hamiltoneano de fé um simplectomorfismo. Ou seja, Φt,X f ∈ Sp(M, ω), para todo t ∈ R e, emparticular, Sp(M, ω) é infinito.

Demonstração: Note que como M é compacta, o campo X f é completo, eassim a situação descrita no enunciado faz sentido para todos os valoresreais de t. Por definição de fluxo, vale que

ddt

Φt,X f (p) = X f (Φt,X f (p)),

para todos t ∈ R e p ∈ M. E devemos mostrar que Φ∗t,X fω = ω para todo

t ∈ R. Para tanto, basta mostrar que

ddt

Φ∗t,X fω = 0,

donde concluiremos que Φ∗t,X fω = Φ∗0,X f

ω = Id∗Mω = ω, como desejado.Vamos utilizar a Fórmula Mágica de Cartan, o fato de ω ser fechada, e

d2 = 0. Temos:

ddt

Φ∗t,X fω

(∗)= Φ∗t,X f

(LX f ω)

= Φ∗t,X f

(d(ιX f ω) + ιX f (dω)

)= Φ∗t,X f

(d(d f ) + ιX f (dω)

)= Φ∗t,X f

(0 + 0

)= 0.

Pedimos que você explique o passo indicado com (∗) no Exercício 6.4.

Outro resultado desta vez tomando o ponto de vista de curvas integraisé a:

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Proposição 5.5. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, f ∈ C∞(M), e con-sidere α : I → M uma curva integral do campo Hamiltoneano de f . Então f éconstante ao longo de α.

Demonstração: Diretamente:

ddt

f (α(t)) = d fα(t)(α′(t))

= ωα(t)(X f (α(t)), α′(t))

= ωα(t)(X f (α(t)), X f (α(t))) = 0.

Em geral, se M é uma variedade diferenciável e X ∈ X(M) é um campode vetores ao longo de M, uma função g : M → R é chamada uma inte-gral primeira de X se g for constante ao longo das curvas integrais de X.Então, no caso simplético, a proposição acima nos diz que toda funçãof ∈ C∞(M) é uma integral primeira do seu campo Hamiltoneano. Ouseja, f é uma quantidade conservada, ou uma constante de movimento.

Claro que buscamos descobrir mais quantidades conservadas. Paraentender a situação, note que g ∈ C∞(M) é uma integral primeira de X fse e somente se dg(X f ) = 0, o que é equivalente à ω(X f , Xg) = 0. Istomotiva a:

Definição 5.6. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e f , g ∈ C∞(M)funções suaves. O colchete de Poisson de f e g é a função suave definida por

f , gω.= ω(X f , Xg).

Então, com essa nova nomenclatura, temos que uma função é cons-tante ao longo das curvas integrais do campo Hamiltoneano da outra se esomente se elas Poisson-comutam.

Exemplo 5.7. Sejam Mn uma variedade diferenciável, (T∗M, ωcan) o seufibrado cotangente munido da estrutura simplética canônica, (q1, . . . , qn)coordenadas locais em M e as coordenadas (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) indu-zidas em T∗M. Vamos achar uma expressão para o colchete de Poisson·, ·ωcan .

Se f , g ∈ C∞(T∗M), sabemos que

X f =n

∑i=1

(∂ f∂pi

∂qi −∂ f∂qi

∂pi

)e Xg =

n

∑j=1

(∂g∂pj

∂qj −∂g∂qj

∂pj

),

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donde segue do Exercício 6.2 que

f , gωcan = ωcan(X f , Xg)

= ωcan

(n

∑i=1

(∂ f∂pi

∂qi −∂ f∂qi

∂pi

),

n

∑j=1

(∂g∂pj

∂qj −∂g∂qj

∂pj

))

=n

∑i,j=1− ∂ f

∂pi

∂g∂qj ωcan

(∂

∂qi ,∂

∂pj

)− ∂ f

∂qi∂g∂pj

ωcan

(∂

∂pi,

∂qj

)

=n

∑i,j=1− ∂ f

∂pi

∂g∂qj δ

ji −

∂ f∂qi

∂g∂pj

(−δ ij )

=n

∑i=1

∂ f∂qi

∂g∂pi− ∂ f

∂pi

∂g∂qi .

Aproveitamos para registrar algumas propriedades do colchete de Pois-son:

Proposição 5.8. Sejam (M, ω) uma variedade simplética e

·, ·ω : C∞(M)× C∞(M)→ C∞(M)

o colchete de Poisson associado à ω. Então ·, ·ω:

(i) é R-bilinear;

(ii) é anti-simétrico;

(iii) satisfaz a seguinte regra de Leibniz:

f , ghω = f , gωh + g f , hω;

(iv) satisfaz a identidade de Jacobi:

f , g, hωω + g, h, f ωω + h, f , gωω = 0.

Observação. A regra de Leibniz do item (iii) diz que f , ·ω é uma deri-vação em C∞(M).

Uma das utilidades do colchete de Poisson é caracterizar a forma sim-plética, no seguinte sentido:

Proposição 5.9. Sejam M uma variedade diferenciável e ω1, ω2 ∈ Ω2(M) for-mas simpléticas tais que ·, ·ω1 = ·, ·ω2 . Então ω1 = ω2.

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Pedimos que você mostre isto no Exercício 6.12. A consequência maisimportante deste fato é o:

Teorema 5.10. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e ϕ : M→ M um dife-omorfismo. Então M é um simplectomorfismo se e somente se

f ϕ, g ϕω = f , gω ϕ

para quaisquer f , g ∈ C∞(M).

Demonstração: Inicialmente, note que a relação acima é válida para ϕ see somente se o for para ϕ−1.

Suponha que ϕ∗ω = ω. Dado p ∈ M, temos

f , gω(ϕ−1(p)) = ωϕ−1(p)(X f (ϕ−1(p)), Xg(ϕ−1(p)))

= ωp(dϕp(X f (ϕ−1(p))), dϕp(Xg(ϕ−1(p)))

)(∗)= ωp(X f ϕ−1(p), Xgϕ−1(p))

= f ϕ−1, g ϕ−1ω(p),

onde em (∗) utilizamos o resultado do item (a) do Exercício 6.5.Reciprocamente, suponha que ϕ−1 preserva os colchetes de Poisson.

Em vista da proposição anterior e do fato de ϕ∗ω ser uma forma simplé-tica, é suficiente mostrar que ·, ·ϕ∗ω = ·, ·ω. Dadas f , g ∈ C∞(M) ep ∈ M, temos

f , gϕ∗ω(p) = (ϕ∗ω)p(X ϕ∗ωf (p), X ϕ∗ω

g (p))

= ωϕ(p)(dϕp(X ϕ∗ω

f (p)), dϕp(X ϕ∗ωg (p))

)= ωϕ(p)(Xω

f ϕ−1(ϕ(p)), Xωgϕ−1(ϕ(p)))

= f ϕ−1, g ϕ−1ω(ϕ(p))= f , gω(p),

como queríamos.

6 Aspectos locais da Geometria Simplética (03/04)

6.1 Teorema de Darboux-Weinstein

Nosso objetivo aqui é provar o seguinte:

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Teorema 6.1 (Darboux-Weinstein). Sejam (M2n, ω) uma variedade simpléticae x ∈ M. Então existe uma carta (U, ϕ) centrada em x tal que

ω|U = ϕ∗(ω2n|ϕ(U)),

onde ω2n é a estrutura simplética canônica em R2n.

Observação.

• Em outras palavras, toda variedade simplética é localmente simplec-tomorfa à R2n ou, ainda, em torno de qualquer ponto existem coor-denadas (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) para as quais a forma simplética seexpressa como

ω =n

∑i=1

dqi ∧ dpi.

• Este resultado nos diz que em Geometria Simplética, não existeminvariantes locais. Isto não ocorre, por exemplo, em Geometria Rie-manniana (por causa da curvatura):

ϕ

(M1, 〈·, ·〉1) (M2, 〈·, ·〉2)ϕ∗〈·, ·〉2 = 〈·, ·〉1K1(p) = K2(ϕ(p))

Figura 3: Isometrias locais preservam curvatura Riemanniana.

Ou seja, qualquer invariante deve ser global, e não há um análogopara a curvatura no nosso contexto.

• Sabemos que toda variedade admite uma métrica Riemanniana, uti-lizando o argumento padrão com partições da unidade. Tal argu-mento não funciona para formas simpléticas: a “colagem” não pode-ria funcionar, pois a soma de duas formas simpléticas em um abertode M pode degenerar-se.

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6.2 Truque de Moser

Proposição 6.2. Sejam M uma variedade compacta e

ωt ∈ Ω2(M) | t ∈ [0, 1]

uma família de formas simpléticas em M que seja exata, no sentido de que

ddt

ωt = dαt,

para certas 1-formas αt ∈ Ω1(M). Então existe uma família de difeomorfismosϕt : M→ M | t ∈ [0, 1] tal que ϕ0 = IdM e ϕ∗t ωt = ω0 para todo t ∈ [0, 1].

Antes dar a ideia desta proposição, introduzamos um pouco de termi-nologia:

Definição 6.3. Seja M uma variedade diferenciável. Uma isotopia em M éuma família de difeomorfismos ϕt : M→ M | t ∈ [0, 1] tal que

[0, 1]×M→ M(t, x) 7→ ϕt(x)

é suave, e ϕ0 = IdM. Associado à isotopia ϕt, temos um campo de vetoresdependente do tempo X t ∈ X(M), caracterizado por

ddt

ϕt = X t ϕt.

Se M é compacta, podemos “integrar” campos vetoriais dependentes dotempo para isotopias.

Ideia: Utilizar um certo campo de vetores dependente do tempo cons-truído a partir das hipóteses, e integrá-lo para uma isotopia. Para provar-mos que ϕ∗t ωt = ω0, bastará mostrar que

ddt

ϕ∗t ωt = 0,

de modo que ϕ∗t ωt = ϕ∗0ω0 = Id∗Mω0 = ω0. Mas pelo Exercício 6.8, tere-mos

0 =ddt

ϕ∗t ωt

= ϕ∗t

(LX t ωt +

ddt

ωt

)= ϕ∗t (dιX t ωt + ιX t(dωt) + dαt)

= ϕ∗t (d(ιX t ωt + αt)).

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Assim, se X t for uma solução de ιX t ωt + αt = 0, a isotopia gerada por X testá nas condições que queremos. Mas tal solução sempre existe, visto quecada ωt é não-degenerada! Com efeito, ponha X t = ((ωt)[)

−1(αt).

Recordemos a existência de vizinhanças tubulares: se M é uma varie-dade diferenciável e Q ⊆ M é uma subvariedade, o fibrado normal de Q éo fibrado vetorial NQ → Q cujo espaço total é NQ = TM/TQ, ou seja,NqQ = TqM/TqQ para todo q ∈ Q. Se é dada uma métrica Riemannianaem M, o fibrado normal de Q pode ser identificado com o complementoortogonal de TQ: NQ ∼= TQ⊥. Da Geometria Riemanniana, sabemos quea aplicação exponencial normal exp⊥ é um difeomorfismo local em algumavizinhança V da seção nula em NQ:

0NQ ∼= Q

Vexp⊥

M

UQ

Figura 4: Construindo uma vizinhança tubular de Q.

Se Q é compacta, a vizinhança tubular U pode ter um “diâmetro” uni-forme.

Com isto, podemos enunciar e provar o:

Lema 6.4 (Poincaré). Sejam M uma variedade diferenciável, Q ⊆ M uma sub-variedade, e α ∈ Ωk(M) uma k-forma fechada com i∗α = 0, onde i é a inclusão deQ em M. Então existem uma vizinhança tubular N0 ⊆ M de Q e uma (k− 1)-forma β ∈ Ωk−1(N0) tal que α = dβ e β|Q = 0.

Demonstração: Pela discussão acima, podemos considerar a situação des-crita na Figura 4 e demonstrar o lema no modelo local “linear” V, que po-demos ainda supor que possui que é convexo, ou seja, possui a seguintepropriedade: se (q, v) ∈ V, então (q, tv) ∈ V para todo t ∈ [0, 1].

Com isto, conseguimos uma família de difeomorfismos

ϕt : V → V(q, v) 7→ (q, tv),

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para t ∈ ]0, 1], enquanto ϕ0(q, v) = (q, 0) é uma submersão. Definimos ooperador de homotopia H : Ωk(V)→ Ωk−1(V) por

Hθ.=∫ 1

0ϕ∗t (ιX t θ)dt,

onde X t é o campo de vetores dependente do tempo tal que

ddt

ϕt = X t ϕt.

Tal H satisfazϕ∗1 − ϕ∗0 = d H + H d.

Notando que ϕ∗0α = (i π)∗α = π∗(i∗α) = π∗0 = 0, ϕ1 = IdV e quedα = 0, concluímos pela expressão acima que α = d(Hα).

Finalmente, como cada ϕt restrito à Q é a identidade, temos que X t énulo ao longo de Q, donde β|Q = 0.

Dadas estas ideias, a chave para a demonstração do Teorema 6.1 (p. 31)é a seguinte:

Proposição 6.5 (Moser relativo). Sejam dadas M uma variedade diferenciávele Q ⊆ M uma subvariedade compacta. Suponha que ω0, ω1 ∈ Ω2(M) sejamformas simpléticas tais que

ω0∣∣Q = ω1

∣∣Q,

no sentido de que para todo q ∈ Q, as aplicações bilineares

(ω0)q, (ω1)q : TqM× TqM→ R

coincidem.Então, existem vizinhanças N0 e N1 de Q e um difeomorfismo ϕ : N0 → N1

tal que ϕ|Q = IdQ e ϕ∗ω1 = ω0.

Observação. No caso especial em que Q reduz-se a um ponto, esta propo-sição nos dá o Teorema de Darboux 6.1!

Demonstração: A ideia é tomar ϕ como sendo o difeomorfismo em tempo1 de uma certa isotopia, e imitar o truque de Moser.

Como ω0|Q = ω1|Q, temos que i∗(ω1 − ω0) = 0, onde i : Q → M é ainclusão. Assim, notando que ω1 −ω0 é fechada, o Lema de Poincaré nosfornece uma vizinhança tubular N0 ⊆ M de Q e uma 1-forma β ∈ Ω1(N0)com ω1 −ω0 = dβ.

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Agora, para cada t ∈ [0, 1], defina ωt ∈ Ω2(M) por

ωt.= ω0 + t(ω1 −ω0) = ω0 + t dβ.

Reduzindo se necessário, podemos supor que todas as ωt são simpléti-cas em N0.

Com efeito, pela definição das ωt vemos que a não-degenerabilidade écontínua conjuntamente nas variáveis q e t. Deste modo, dado qualquer(q, t) ∈ Q × [0, 1], existe um retângulo Ut,q × It,q 3 (q, t) tal que (ωs)pé não-degenerada para todos (p, s) ∈ Ut,q × It,q. Daí It,qt∈[0,1] é umacobertura aberta do compacto [0, 1], e extraímos uma subcobertura finitaIt1(q),q, . . . , Itnq (q),q. Troca-se então:

N0 −→ N0 ∩⋃

q∈Q

nq⋂i=1

Uti(q),q.

Finalmente, que dωt = 0 é claro, e ainda temos

ddt

ωt = dβ,

donde imitar o truque de Moser nos fornece uma isotopia ϕt : N0 → N0,com t ∈ [0, 1], satisfazendo ϕ0 = IdN0 e ϕ∗t ωt = ω0, para todos os t ∈ [0, 1].Coloque ϕ

.= ϕ1 e N1

.= ϕ(N0).

Exercícios

Exercício 6.1. Sejam Mn uma variedade diferenciável e T∗M o seu fibradocotangente. Sejam (q1, . . . , qn) e (q1, . . . , qn) coordenadas locais em M, in-duzindo coordenadas locais

(q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) e (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn)

em T∗M. Mostre que:

(a)∂

∂qj =n

∑i=1

∂qi

∂qj∂

∂qi ;

(b) dqj =n

∑i=1

∂qj

∂qi dqi;

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(c) pj =n

∑i=1

∂qi

∂qj pi;

(d)∂

∂ pj=

n

∑i=1

∂pi

∂ pj

∂pi, e;

(e) dpj =n

∑i=1

∂ pj

∂pidpi.

Observação. Enquanto os itens (a) e (b) são bem conhecidos e o (c) seguesem dificuldades, os itens (d) e (e) nos diz como deve ser o balanceamentocorreto de índices segundo a convenção de Einstein: consideramos o ín-

dice i nas expressões∂

∂qi e dpi inferior, mas nas expressões∂

∂pie dqi como

superior.

Exercício 6.2. Sejam Mn uma variedade diferenciável, (T∗M, ωcan) o seufibrado cotangente munido da estrutura canônica simplética, (q1, . . . , qn)coordenadas locais em M e (q1, . . . , qn, p1, . . . , pn) as coordenadas locaisinduzidas em T∗M.

(a) Mostre que

Xqi = −∂

∂pie X pi =

∂qi ,

para 1 ≤ i ≤ n.

(b) Mostre que o referencial coordenado é simplético, no seguinte sentido:

ωcan

(∂

∂qi ,∂

∂qj

)= ωcan

(∂

∂pi,

∂pj

)= 0 e ωcan

(∂

∂qi ,∂

∂pj

)= δ

ji ,

quaisquer que sejam 1 ≤ i, j ≤ n.

Dica. Use que nestas coordenadas vale a expressão ωcan =n

∑k=1

dqk ∧ dpk.

Observação. Continuando com os comentários sobre o balanceamento deíndices da convenção de Einstein, o item (a) acima nos diz que o índice iem Xqi deve ser visto como superior, e em X pi como inferior, de fato.

Exercício 6.3. Vimos que se (M2n, ω) é uma variedade simplética com-pacta, então o segundo grupo de cohomologia de de Rham de M é nãotrivial: H2

dR(M) 6= 0. Mostre que na verdade vale H2kdR(M) 6= 0, para

todos 1 ≤ k ≤ n.

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Dica. Use o Teorema de Stokes de novo.

Exercício 6.4. Sejam M uma variedade diferenciável, θ ∈ Ωk(M) uma k-forma diferencial e X ∈ X(M) um campo de vetores quaisquer. Mostreque

ddt

(Φ∗t,Xθ) = Φ∗t,X(LXθ),

onde Φt,X denota o fluxo de X (onde definido, claro).

Dica. Utilize diretamente a definição de derivada, que a operação de pull-back satisfaz ( f g)∗ = g∗ f ∗ para quaisquer f , g ∈ C∞(M), e as propri-edades da definição de fluxo.

Exercício 6.5. Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) variedades simpléticas, e consi-dere ϕ : M1 → M2 um simplectomorfismo.

(a) Mostre que dϕp(Xω1f (p)) = Xω2

f ϕ−1(ϕ(p)) para todo ponto p ∈ M1,usando a não-degenerabilidade de ω2.

(b) Mostre que se f ∈ C∞(M1) e α : I → M1 é uma curva integral de Xω1f ,

então ϕ α é uma curva integral de Xω2f ϕ−1 .

M1

M2

R

f ϕ

Figura 5: Transferindo curvas integrais via ϕ.

Observação. Em termos de fluxos, o item (b) nos diz que vale a igualdadeΦX f (t, p) = ΦX f ϕ−1 (t, ϕ(p)), onde fizer sentido.

Exercício 6.6. Mostre que a forma bilinear

ω.=

i2

n

∑j=1

dzj ∧ dzj

define uma estrutura simplética em Cn (visto como R-espaço vetorial).Nos encontraremos de novo com esta ω na Seção 12.

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Exercício 6.7 (Brincando com S2). Sejam 〈·, ·〉 o produto interno usual e ×o produto vetorial em R3. Na esfera

S2 .= p ∈ R3 | 〈p, p〉 = 1,

defina ω ∈ Ω2(S2) por ωp(v, w).= 〈p, v×w〉.

S2

vw

p

Figura 6: Estrutura simplética canônica em S2.

(a) Mostre que ω é uma forma simplética em S2 (em particular, mostre di-retamente que cada ωp é não-degenerada). Note que ω é precisamentea forma de área de S2 (vide Exemplo 3.3, p. 21).

(b) Mostre que SO(3, R) ⊆ Sp(S2, ω). A inclusão contrária não vale, ape-sar disto.

(c) Para cada z ∈ R3, defina a função altura relativa à z, como hz : S2 → R

dada por hz(p) .= 〈p, z〉. Mostre que hz ∈ C∞(S2) e que o campo

Hamiltoneano de hz é dado por Xhz(p) = z× p.

(d) Descreva as curvas integrais de Xhz .

(e) Sejam z1, z2 ∈ R3. Mostre que hz1 , hz2ω(p) = 〈p, z1 × z2〉 para todop ∈ S2 e conclua que hz1 e hz2 Poisson-comutam se e somente se z1 ez2 são proporcionais.

Dica.

• No item (a) você pode usar coordenadas cilíndricas x =√

1− z2 cos θ

e y =√

1− z2 sen θ, e verificar que ω = dθ ∧ dz. Mas dá para fazersem coordenadas e é ainda mais fácil. Descubra como!

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• Lembre que dados u, v, w ∈ R3, o triplo produto vetorial é dado pelaexpressão u× (v×w) = 〈u, w〉v− 〈u, v〉w.

Exercício 6.8. Seja M uma variedade diferenciável, e suponha dados

• uma isotopia ϕt : M→ M | t ∈ [0, 1] em M;

• o campo vetorial (dependente do tempo) X t ∈ X(M) associado àisotopia, e;

• uma família de k-formas diferenciais αt ∈ Ωk(M) | t ∈ [0, 1].

Mostre queddt

(ϕ∗t αt) = ϕ∗t

(LX t αt +

ddt

αt

).

Dica. Não é tão simples como no Exercício 6.4 (p. 37). Verifique o resul-tado para funções, e que se vale para duas formas, vale para o seu produtoexterior.

Exercício 6.9. Preencha os detalhes da demonstração do Lema 6.4 (p. 33)

Exercício 6.10. Sejam (M, ω) uma variedade simplética.

(a) Mostre que dadas f , g ∈ C∞(M) e λ ∈ R, valem

X f+λg = X f + λXg, X f g = f Xg + gX f e X f ,gω= −[X f , Xg].

(b) Mostre que dadas f , g, h ∈ C∞(M), valem

X f (g, hω) = g, hω, f ω e ω([X f , Xg], Xh) = g, f ω, hω.

(c) Usando os itens anteriores, conclua a Proposição 5.8 (p. 29).

Dica.

• Para mostrar que X f ,gω= −[X f , Xg], utilize a fórmula mágica de

Cartan juntamente com a identidade LXg ω = 0, ou então apele paracoordenadas de Darboux e as expressões locais vistas no Exemplo5.7 (p. 28).

• Para mostrar a identidade de Jacobi para ·, ·ω, abra a expressãodω(X f , Xg, Xh) = 0.

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Observação. Essencialmente, este exercício nos diz que a aplicação

(C∞(M), ·, ·ω)→ (X(M), [·, ·])f 7→ X f

é um anti-morfismo de álgebras de Lie. Dependendo das convenções desinais adotadas, esta aplicação torna-se de fato um morfismo de álgebrasde Lie.

Exercício 6.11. Seja (M, ω) uma variedade simplética. Um campo vetorialX ∈ X(M) é dito

• Hamiltoneano se existe f ∈ C∞(M) com X = X f , e

• simplético se LXω = 0 (ou equivalentemente, se ιXω é fechada, porexemplo).

Denotamos os conjuntos dos campos Hamiltoneanos e simpléticos porXHam(M, ω) e XSp(M, ω), respectivamente. Mostre que:

(a) X ∈ X(M) é simplético se e somente se é localmente Hamiltoneano.

(b) XSp(M, ω) equipado com o colchete de Lie [·, ·] torna-se uma álgebrade Lie, tendo XHam(M, ω) como subálgebra.

Exercício 6.12. Vejamos um roteiro para mostrar a Proposição 5.9 (p. 29).Sejam M uma variedade diferenciável e ω1, ω2 ∈ Ω2(M) formas simpléti-cas. Suponha que ·, ·ω1 = ·, ·ω2 .

(a) Mostre que se f ∈ C∞(M), então Xω1f = Xω2

f . Em particular, veja queXHam(M, ω1) = XHam(M, ω2).

(b) Conclua que ω1 = ω2.

Exercício 6.13. Sejam M uma variedade diferenciável e T∗M o seu fibradocotangente. Mostre que a 1-forma tautológica α ∈ Ω1(M) fica caracteri-zada pela propriedade

σ∗α = σ, para toda σ ∈ Ω1(M).

Dica. Suponha que σ∗β = σ para toda σ ∈ Ω1(M) = Γ(T∗M). Paraprovar que β = α, tome ξ ∈ T∗M e Xξ ∈ Tξ(T∗M) quaisquer, e avalieambos os lados de σ∗β = σ para uma σ conveniente escolhida em termosde ξ e Xξ .

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Exercício 6.14. Sejam M e N variedades diferenciáveis e f : M → N umdifeomorfismo. Defina o levantamento cotangente de f como

f : T∗M→ T∗N

ξ 7→ f (ξ) .=((d fπ(ξ))

−1)∗(ξ) = ξ (d fπ(ξ))−1.

(a) Se (q1, . . . , qn) são coordenadas locais em M e é dado um ponto x ∈ M,mostre que f (dqi

∣∣x) = d(qi f−1)

∣∣f (x).

(b) Mostre que f é um simplectomorfismo entre as estruturas canônicasde T∗M e T∗N.

(c) Mostre que IdM = IdT∗M.

(d) Mostre que se P é outra variedade diferenciável e g : N → P é umdifeomorfismo, então g f = g f .

Dica. Se Xξ ∈ Tξ(T∗M), você não precisa perder tempo calculando d fξ(Xξ).

Observação.

• Seria natural se perguntar sobre uma recíproca do item (b): quandoque um simplectomorfismo T∗M → T∗N é o levantamento cotan-gente de um difeomorfismo M → N. Pode-se mostrar que istoocorre precisamente quando o simplectomorfismo preserva tambémas 1-formas tautológicas (em princípio, preserva apenas as derivadasexteriores). Veja [5] para mais detalhes.

• Os itens (c) e (d) nos dizem que as associações

M 7→ T∗M e f 7→ f

definem um funtor covariante do núcleo6 (core) da categoria Man emsi mesmo.

Exercício 6.15. Sejam M uma variedade diferenciável, (T∗M, ωcan) o seufibrado cotangente munido da estrutura simplética canônica, e considereπ : T∗M→ M a projeção.

(a) Dada σ ∈ Ω1(M), defina φσ : T∗M → T∗M pondo φσ(ξ).= ξ + σπ(ξ).

Encontre uma condição sobre σ que garanta que φσ preserve ωcan.

6A coleção de objetos é a mesma, Obj(core(C)) .= Obj(C), enquanto os morfismos são

Homcore(C)(A, B) .= f ∈ HomC(A, B) | f é um isomorfismo. Ou seja, esquecemos os

morfismos “ruins”.

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(b) Dada B ∈ Ω2(M), defina ωB.= ωcan + π∗B ∈ Ω2(T∗M). Mostre que

ωB é uma forma simplética em T∗M se e somente se dB = 0.

(c) Se f : M → M é um difeomorfismo, encontre uma condição em f quegaranta que o levantamento cotangente f : T∗M→ T∗M preserve ωB.

Dica. Lembre que o pullback induzido por qualquer submersão sobreje-tora é um homomorfismo injetor de álgebras. Para o item (b), use coorde-nadas de Darboux.

Exercício 6.16. Sejam M uma variedade diferenciável, X ∈ X(M) umcampo completo, e Φt,X : M→ M o seu fluxo, para cada t ∈ R.

(a) Mostre que existe um campo completo X ∈ X(T∗M) tal que o seufluxo em T∗M seja justamente o levantamento cotangente do fluxo deX, ou seja, Φt,X = Φt,X para cada t ∈ R.

(b) Mostre que considerando a estrutura simplética canônica em T∗M, ocampo X é Hamiltoneano. Exiba uma Hamiltoneana H : T∗M → R

para X.

Dica. Tem uma solução mágica...

7 Subvariedades (24/04)

Do mesmo modo que subespaços de um espaço vetorial simplético po-dem ser classificados, como na Definição 1.3 (p. 7), temos a:

Definição 7.1. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e Q ⊆ M umasubvariedade. Diremos que Q é uma subvariedade

(i) isotrópica se cada TqQ é um subespaço isotrópico de TqM.

(ii) coisotrópica se cada TqQ é um subespaço coisotrópico de TqM.

(iii) Lagrangeana se cada TqQ é um subespaço Lagrangeano de TqM.

(iv) simplética se cada TqQ é um subespaço simplético de TqM.

Focaremos em subvariedades Lagrangeanas.

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Exemplo 7.2. Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) variedades simpléticas, e consi-dere uma aplicação suave ϕ : M1 → M2. O gráfico de ϕ é a subvariedade

Γϕ.= (x, ϕ(x)) | x ∈ M1

do produto M1 × M2. Vimos no item (4) do Exemplo 3.3 (p. 21) que sepri : M1 ×M2 → Mi, i = 1, 2, são as projeções, então ω−

.= pr∗1ω1 − pr∗2ω2

é uma forma simplética no produto M1 × M2, que é então denotado porM1 ×M2.

Se (X, dϕ(X)) e (Y , dϕ(Y)) são campos tangentes à Γϕ, podemos cal-cular

ω−((X, dϕ(X)), (Y , dϕ(Y))) = ω1(X, Y)−ω2(dϕ(X), dϕ(Y))= ω1(X, Y)− (ϕ∗ω2)(X, Y)= (ω1 − ϕ∗ω2)(X, Y),

e assim vemos que Γϕ é uma subvariedade isotrópica de M1 × M2 se esomente se ϕ∗ω2 = ω1. Ainda mais, notando que dim Γϕ = dim M1,temos que

dim Γϕ =12

dim(M1 ×M2)

se e só se dim M1 = dim M2, o que acontece se ϕ for um difeomorfismo,por exemplo. Então concluímos que se ϕ é um simplectomorfismo, entãoΓϕ é uma subvariedade Lagrangeana de M1 ×M2.

Observação. Motivado por problemas de quantização geométrica, Weins-tein sugeriu que deveríamos considerar a categoria simplética como a ca-tegoria cujos objetos são variedades simpléticas, e seus morfismos são asaplicações suaves M1 → M2 que produzem subvariedades Lagrangeanasde M1 ×M2, como discutido no exemplo anterior.

Outra situação muito importante a ser considerada é quando M é umavariedade diferenciável, e o ambiente é o seu fibrado cotangente (T∗M, ωcan),munido da estrutura simplética canônica.

Exemplo 7.3.

(1) Identificando M com a seção nula, podemos ver M como uma subva-riedade de T∗M. Por definição da 1-forma tautológica α, é claro queM é isotrópica. Como 2 dim M = dim T∗M, temos que na verdade Mé Lagrangeana.

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(2) Fixado x ∈ M, a fibra T∗x M ⊆ T∗M também é uma subvariedadede T∗M, com 2 dim T∗x M = dim T∗M. Como a projeção T∗M → Mé constante ao longo de T∗x M, segue que α se anula em T∗x M, e pelomesmo argumento dado em (1) temos que T∗x M é Lagrangeano.

0T∗M ∼= M

T∗x M

Figura 7: Identificando M com a seção nula, e destacando uma fibra.

Os exemplos acima são casos particulares de situações mais gerais:

(1) se Q ⊆ T∗M é uma subvariedade transversal às fibras (por exemplo,Q = M);

(2) se Q ⊆ T∗M é uma subvariedade dada pela união de fibras (por exem-plo, Q = T∗x M).

Figura 8: As situações mais gerais.

Vamos estudar a situação (1) primeiro. Uma maneira natural de cons-truir subvariedades de T∗M transversais às fibras é considerando seçõesσ : M → T∗M, ou seja, 1-formas σ ∈ Ω1(M). Cada uma de suas ima-gens Mσ

.= Im σ ⊆ T∗M é uma subvariedade imersa que, em cada ponto

σx ∈ Mσ é transversal à fibra T∗x M.

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Proposição 7.4. Sejam M uma variedade diferenciável e σ ∈ Ω1(M). Então Mσ

é uma subvariedade Lagrangeana de (T∗M, ωcan) se e somente se σ é fechada.

Demonstração: É claro que temos 2 dim Mσ = dim T∗M, e como a inclu-são Mσ → T∗M se identifica com a própria σ, segue que Mσ é Lagrange-ana se e somente se σ∗ωcan = 0. Então dados x ∈ M e X ∈ Tx M, ana-lisamos primeiro a 1-forma tautológica α. Se π : T∗M → M é a projeção,temos

(σ∗α)x(X) = ασx(dσx(X))

= σx(dπσx dσx(X)

)= σx(d(π σ)x(X))

= σx(X),

e assim7 σ∗α = σ. O resultado segue observando que

σ∗ωcan = σ∗(−dα) = −d(σ∗α) = −dσ.

Vimos anteriormente o que é o fibrado normal de uma subvariedade.O nosso próximo exemplo depende de uma definição parecida:

Definição 7.5. Sejam M uma variedade diferenciável e P ⊆ M uma subva-riedade. O fibrado conormal de P é o fibrado vetorial N∗P → P cujas fibrassão

N∗p P .= ξ ∈ T∗p M | ξ

∣∣TpP = 0,

ou seja, cada espaço conormal N∗p P é o aniquilador Ann(TpP) ⊆ T∗p M.

Proposição 7.6. Sejam M uma variedade diferenciável, e P ⊆ M uma sub-variedade. Então o fibrado conormal N∗P é uma subvariedade Lagrangeana de(T∗M, ωcan).

Demonstração: Primeiramente, note que dim N∗p P = dim M−dim P, donde

dim N∗P = dim P + (dim M− dim P) = dim M =12

dim T∗M,

de modo que basta verificar que se ι : N∗P → T∗M é a inclusão, entãoι∗ωcan = 0. Como antes, é mais fácil verificar que ι∗α = 0 e assim

ι∗ωcan = ι∗(−dα) = −d(ι∗α) = −d(0) = 0.

7Essencialmente, resolvemos metade do Exercício 6.13 (p. 40).

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Com efeito, sejam ξ ∈ N∗P e X ∈ Tξ(N∗P). Temos

(ι∗α)ξ(X) = αι(ξ)(dιξ(X)) = αξ(X) = ξ(dπξ(X)) = 0,

pois ξ ∈ N∗π(ξ)P e dπξ(X) ∈ Tπ(ξ)P.

8 Fibrados vetoriais simpléticos (26/04)

Sejam M uma variedade diferenciável e Q uma subvariedade de M.Recordamos que a construção de vizinhanças tubulares de Q usando umamétrica Riemanniana em M (vista na Subseção 6.2) tem uma certa propri-edade funtorial, no seguinte sentido: se M0 e M1 são variedades diferen-ciáveis e Q0 ⊆ M0 e Q1 ⊆ M1 são subvariedades, F : M0 → M1 é suavee induz f : Q0 → Q1, então a derivada global TF : TM0 → TM1 induzum morfismo de fibrados NF : NQ0 → NQ1, por NF([X]) = [TF(X)],cobrindo f . E se F e f são difeomorfismos, então NF é um isomorfismo defibrados vetoriais.

Isto que discutimos acima acaba por ser verdade, pelo menos local-mente:

Proposição 8.1. Sejam M0, M1 variedades diferenciáveis, e Q0, Q1 subvarieda-des de M0 e M1. Sejam Φ : NQ0 → NQ1 um isomorfismo de fibrados vetoriaiscobrindo f : Qo → Q1. Então existem vizinhanças U0 e U1 de Q0 e Q1 e umdifeomorfismo F : U0 → U1 tal que F

∣∣Q0

= f e TF induz Φ nos fibrados normais.

Se 〈·, ·〉0 e 〈·, ·〉1 são métricas Riemannianas em M0 e M1, a ideia dademonstração fica resumida no seguinte diagrama:

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Q0

NQ0

exp⊥0

exp⊥1Q1

NQ1

Φ F

Figura 9: Construindo um difeomorfismo entre vizinhanças tubulares.

Queremos agora entender esta situação no contexto simplético. Come-çamos com a:

Definição 8.2. Um fibrado vetorial simplético é um fibrado vetorial E → Mequipado com uma seção ω de∧2

(E∗) tal que para todo p ∈ M, a aplica-ção bilinear

ωp : Ep × Ep → R

é simplética.

Esta definição não impõe restrições na dimensão de E, mas apenas noposto do fibrado em questão.

Exemplo 8.3.

(1) Todo espaço vetorial simplético é um fibrado vetorial simplético sobreum ponto.

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(2) Se (M, ω) é uma variedade simplética, então TM é um fibrado vetorialsimplético, com a própria forma simplética ω.

(3) Se A → M é um fibrado vetorial qualquer, então E = A⊕ A∗ → M éum fibrado vetorial simplético, com

ωp((a1, ξ1), (a2, ξ2)) = ξ2(a1)− ξ1(a2).

(4) Se (M, ω) é uma variedade simplética e Q é uma subvariedade sim-plética, temos TM

∣∣Q = TQ ⊕ TQω e, em particular, (TqQ)ω ∼= NqQ

para todo q ∈ Q. Assim, NQ é um fibrado vetorial simplético sobre Q.

Teorema 8.4 (Weinstein). Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) variedades simpléticas,Q0 e Q1 subvariedades simpléticas de M0 e M1, e Φ : NQ0 → NQ1 umisomorfismo de fibrados vetoriais simpléticos, cobrindo um simplectomorfismof : Q0 → Q1. Então existem vizinhanças U0 e U1 de Q0 e Q1, e um difeo-morfismo F : U0 → U1 tal que F

∣∣Q0

= f , TF induz Φ nos fibrados normais, eF∗ω1 = ω0.

Demonstração: Considere as vizinhanças tubulares e o difeomorfismo F(satisfazendo as duas primeiras condições), fornecidos pela proposição an-terior:

Q0

NQ0

exp⊥0

exp⊥1Q1

NQ1

Φ F

Figura 10: Obtendo um difeomorfismo auxiliar F.

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Afirmamos que F∗ω1 = ω0 ao longo de Q0. Sejam q ∈ Q0 e X, Y ∈TqM0. Temos três possibilidades:

1. se X, Y ∈ TqQ0, temos

(F∗ω1)q(X, Y) = (ω1)F(q)

(dFq(X), dFq(Y)

)= (ω1) f (q)

(d fq(X), d fq(Y)

)= ( f ∗ω1)q(X, Y)= (ω0)q(X, Y).

2. se X, Y ∈ NqQ0, temos

(F∗ω1)q(X, Y) = (ω1)F(q)

(dFq(X), dFq(Y)

)= (ω1) f (q)(Φ(X), Φ(Y))

= (ω0)q(X, Y).

3. se X ∈ TqQ0 e Y ∈ NqQ0, como a estrutura simplética em NQ0 é trans-ferida de TQω

0 , temos (ω0)q(X, Y) = 0, e por outro lado

(F∗ω1)q(X, Y) = (ω1) f (q)(d fq(X), Φ(Y)) = 0.

Assim, F∗ω1 = ω0 ao longo de Q0 e o truque de Moser nos dá (eventual-mente reduzindo U0) um difeomorfismo ψ : U0 → U0 tal que ψ∗(F∗ω1) =ω0 e ψ

∣∣Q0

= IdQ0 . Da construção de ψ, segue que Tψ induz a identidade

nos fibrados normais. Assim, F = F ψ está nas condições pedidas.

9 Vizinhanças de subvariedades Lagrangeanas epontos fixos de simplectomorfismos (05/03)

Sejam (M, ω) uma variedade simplética e Q ⊆ M uma subvariedadeLagrangeana. Queremos descrever vizinhanças de Q e, baseados no feitoanteriormente, voltamos nossa atenção para o fibrado normal NQ. Te-mos que para cada q ∈ Q, TqQ = (TqQ)ω, de modo que o isomorfismo(ω[)q : TqM → T∗q M induz um isomorfismo entre (TqQ)ω e o aniquiladorAnn(TqQ). Dualizando, temos NqQ ∼= T∗q Q, para todo q ∈ Q. Assim,temos um isomorfismo de fibrados vetoriais NQ ∼= T∗Q.

Com isto em mente, enunciamos o:

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Teorema 9.1 (Weinstein). Sejam (M, ω) uma variedade simplética e Q ⊆ Muma subvariedade Lagrangeana. Então existem vizinhanças U de Q e U0 daseção nula em T∗Q, e um difeomorfismo F : U0 → U tal que F(0q) = q para todoq ∈ Q e F∗(ω|U) = ωcan ∈ Ω2(U0).

Para uma demonstração, veja [2].

Exemplo 9.2. Sejam (M, ω) uma variedade simplética. Então a diagonal∆ ⊆ M × M é uma subvariedade Lagrangeana, simplectomorfa à pró-pria M vista como a seção nula de (T∗M, ωcan). De fato, dados um ponto(x, x) ∈ ∆ e vetores tangentes (X, X), (Y , Y) ∈ T(x,x)∆, temos

(ω⊕ (−ω))(x,x)((X, X), (Y , Y)) = ωx(X, Y)−ωx(X, Y) = 0,

donde ∆ é isotrópica. Assim, 2 dim ∆ = dim(M × M) nos diz que ∆ éLagrangeana. E que a aplicação F : ∆ → M dada por F(x, x) = x é umsimplectomorfismo segue da observação dF(x,x)(X, X) = X. Note quepelo teorema anterior, temos F definida em vizinhanças de ∆ e M.

M∆

F

MM

T∗M

Figura 11: Ilustrando o simplectomorfismo F.

Seja ϕ ∈ Sp(M, ω). Vimos que o gráfico

Γϕ = (x, ϕ(x)) | x ∈ M

é uma subvariedade Lagrangeana de M×M. Supondo que ϕ é C1-próximada identidade IdM : M → M, temos que L .

= F(Γϕ) ⊆ T∗M é Lagrange-ana. Veja o seguinte esquema:

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M∆

F

MM

T∗M

Γϕ

L

Figura 12: Transferindo um gráfico Γϕ próximo de ∆ = ΓIdM para T∗M.

Nestas hipóteses, pode-se mostrar que L = Im σ para alguma 1-formaσ ∈ Ω1(M), próxima da 1-forma nula, que é automaticamente fechada8

pela Proposição 7.4 (p. 45).Em particular, concluímos que a quantidade de pontos fixos de ϕ é a

mesma quantidade de zeros de σ.

Este exemplo nos leva à:

Proposição 9.3. Seja (M, ω) uma variedade simplética compacta, com primeiracohomologia trivial: H1

dR(M) = 0. Então todo simplectomorfismo ϕ ∈ Sp(M, ω)

C1-próximo da identidade tem pelo menos dois pontos fixos.

Demonstração: A ideia é muito simples: nas hipóteses dadas podemostrabalhar no modelo linear do exemplo anterior, e assim basta contar oszeros de uma certa 1-forma fechada σ ∈ Ω1(M). Como H1

dR(M) = 0, σ éexata. Como M é compacta, o potencial de σ assume um valor máximo eum valor mínimo em M, nos dando pelo menos dois pontos críticos, quecorrespondem à pontos fixos de ϕ.

Ainda da discussão do exemplo anterior, vemos que uma vizinhançade IdM ∈ Sp(M, ω) está em bijeção com uma vizinhança da seção nula emZ1(M)

.= σ ∈ Ω1(M) | dσ = 0, e que a álgebra de Lie de Sp(M, ω) é

precisamente Z1(M).Só faltaria dizermos explicitamente qual é colchete de Lie em Z1(M).

Mais geralmente, podemos definir um colchete em Ω1(M), descrito por[d f , dg] .

= d f , gω, para f , g ∈ C∞(M), sujeito à R-bilinearidade, anti-simetria, e à regra de Leibniz

[h1 d f , h2 dg] = h1h2[d f , dg] + h1X f (h2)dg− h2Xg(h1)d f ,

8Note que como ϕ é um simplectomorfismo, Γϕ é Lagrangeano, e como F também éum simplectomorfismo, temos que L também é Lagrangeano.

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para todas f , g, h1, h2 ∈ C∞(M).Para verificar a identidade de Jacobi para este colchete, começamos

aplicando d na identidade de Jacobi para ·, ·ω (vista na Proposição 5.8,p. 29), obtendo diretamente

[d f , [dg, dh]] + [dg, [dh, d f ]] + [dh, [d f , dg]] = 0

para todas f , g, h ∈ C∞(M). A identidade desejada segue então por forçabruta. Uma estratégia alternativa é transferir a identidade de Jacobi do col-chete usual de campos para Ω1(M) via o isomorfismo dado no Exercício9.7.

Exercícios

Exercício 9.1. Seja M uma variedade diferenciável de dimensão 2n. Umatlas simplético em M é um atlas A tal que dadas cartas (U, ϕ), (V, ψ) ∈ Acom U ∩ V 6= ∅, tem-se que ψ ϕ−1 : ϕ(U ∩ V) → ψ(U ∩ V) preserva aestrutura simplética canônica de R2n. Mostre que:

(a) toda variedade simplética admite um atlas simplético.

(b) todo atlas simplético induz uma estrutura simplética.

Exercício 9.2. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e Q ⊆ M uma sub-variedade. Defina o ideal aniquilador de Q por

C∞(M)Q.= f ∈ C∞(M) | f

∣∣Q = 0.

Mostre que são equivalentes:

(i) Q é coisotrópica.

(ii) C∞(M)Q é fechado para o colchete de Poisson.

(iii) para toda f ∈ C∞(M)Q, o campo Hamiltoneano X f é tangente à Qao longo de seus pontos.

Exercício 9.3. Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e F : M→ Rk umasubmersão. Escreva F = ( f 1, . . . , f k) e suponha que as funções coordena-das estejam em involução, ou seja, que f i, f jω = 0 para todos 1 ≤ i, j ≤ k.Mostre que as fibras de F definem subvariedades coisotrópicas de M.

Dica. Veja que para cada c ∈ Rk e q ∈ F−1(c), os campos HamiltoneanosX f i(q) formam uma base “ortogonal” de (TqF−1(c))ω.

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Observação. Em particular, se 2k = dim M, temos que M é folheada porsubvariedades Lagrangeanas. Este é o contexto geométrico para o estudode sistemas integráveis.

Exercício 9.4. Sejam (M, ω) uma variedade simplética e Q ⊆ M uma sub-variedade isotrópica. Moste que Q é localmente dada pela fibra em zerode uma submersão com funções coordenadas em involução. Ou seja, quese Q tem codimensão k, então para cada q ∈ Q existem U ⊆ M aberto con-tendo q e uma submersão F = ( f 1, . . . , f k) : U → Rk com F−1(0) = U ∩Qe f i, f jω = 0 para todas as possibilidades de i e j.

Dica. Indução em k, usando o exercício anterior. Veja a Proposição 3.24em [3].

Exercício 9.5. Dê um contra-exemplo para a Proposição 9.3 (p. 51) quandoH1

dR(M) 6= 0.

Dica. Lembre que simplectomorfismos entre superfícies (orientáveis) sãoprecisamente as aplicações que preservam área e orientação. Procure emR3.

Exercício 9.6. Sejam M uma variedade diferenciável, f : M → R suave,e (T∗M, ωcan) o seu fibrado cotangente. Se π : T∗M → M é a projeção,temos a função pull-back π∗ f : T∗M→ R. Mostre que o tempo 1 do fluxodo campo Hamiltoneano Xπ∗ f ∈ X(T∗M) leva a seção nula de T∗M nográfico de −d f .

Dica. Trabalhe com coordenadas. Comece verificando que Xπ∗ f é vertical,e portanto não possui componentes nas direções ∂/∂qi. Para x ∈ M, é pos-sível escrever o fluxo Φt,Xπ∗ f (0x) explicitamente: você só precisa controlara velocidade com a qual o fluxo “sobe”.

Observação. Se mudar a convenção de sinal na definição de campo Ha-miltoneano, a seção nula vai no gráfico de d f ao invés de −d f .

Exercício 9.7. Seja (M, ω) uma variedade simplética. Mostre que a aplica-ção

X(M)→ Ω1(M)

X 7→ ιXω,

induzida por ω[ : TM→ T∗M é um isomorfismo de álgebras de Lie, ondeo colchete de Lie em X(M) é o usual e em Ω1(M) é o descrito após aProposição 9.3 (p. 51).

53

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Dica. O cerne do problema é mostrar que ι[X,Y ]ω = [ιXω, ιY ω] para todosX, Y ∈ X(M). Um jeito é trabalhar localmente usando coordenadas deDarboux, para as quais o Exemplo 5.7 (p. 28) e o Exercício 6.2 (p. 36) seaplicam. Comece verificando que

[dqi, dqj] = [dqi, dpj] = [dpi, dpj] = 0

para todas as possibilidades de i e j.

Observação. Temos o seguinte diagrama de morfismos de álgebras de Lie,onde as setas horizontais são inclusões:

Z1(M) Ω1(M)B1(M)

X(M)XHam(M, ω) XSp(M, ω)

ω[ ω[ω[

Figura 13: Isomorfismos induzidos por ω[.

Aqui, lembramos que B1(M) = d f | f ∈ C∞(M). Em particular,concluímos que

XSp(M, ω)

XHam(M, ω)∼=

Z1(M)

B1(M)= H1

dR(M).

10 Estruturas complexas (08/04)

10.1 Caso linear

Definição 10.1. Seja V um espaço vetorial real. Uma estrutura complexa emV é um isomorfismo J : V → V tal que J2 = −IdV .

Observação. Nas condições acima, tomar determinantes nos diz que sedimR V = n, então (−1)n = det(−IdV) = det(J2) = det(J)2 > 0, donde né par e det J é 1 ou −1.

Exemplo 10.2.

(1) A matriz

J =

0 −Idn

Idn 0

54

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determina uma estrutura complexa em R2n. Note que identificandoR2n com Cn via (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn) ∼= (x1 + iy1, . . . , xn + iyn), estamatriz J corresponde à multiplicação por i:

(x1, . . . , xn, y1, . . . , yn) 7→ (−y1, . . . ,−yn, x1, . . . , xn).

(2) Como uma versão mais abstrata do exemplo anterior, se V é um espaçovetorial real qualquer, então

J : V ×V → V ×V(x, y) 7→ (−y, x)

é uma estrutura complexa em V ×V.

(3) Se V é um espaço vetorial real e J : V → V é uma estrutura complexa,então a aplicação dual J∗ : V∗ → V∗ é uma estrutura complexa em V∗.

Note que se J é uma estrutura complexa em um espaço vetorial real V,então pode-se definir uma estrutura de espaço vetorial complexo em V,por

(a + ib) · v .= av + bJ(v).

Para continuar, precisamos de mais uma definição:

Definição 10.3. Seja V um espaço vetorial. A complexificação de V é o es-paço vetorial VC

.= C⊗R V.

Exemplo 10.4.

(1) (Rn)C = C⊗R Rn ∼= (C⊗R R)n ∼= Cn, como esperado.

(2) Mat(n, R)C = C⊗R Mat(n, R) ∼= C⊗R Rn2 ∼= Cn2 ∼= Mat(n, C), peloitem acima.

(3) Pn(R)C = C⊗R Pn(R) ∼= C⊗R Rn+1 ∼= Cn+1 ∼= Pn(C).

(4) (V∗)C = C⊗R V∗ ∼= (C⊗R V)∗ = (VC)∗. Tal isomorfismo é natural e

nos fornece outras identificações interessantes. Veja mais detalhes noExercício 13.5.

Observação. Elementos de VC podem ser descritos na forma u + iv, comu, v ∈ V. Veja o Exercício 13.2.

55

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Note que toda estrutura complexa J em V tem uma única extensãoC-linear9 para VC, também denotada por J, com auto-espaços V+ e V−associados aos autovalores i e −i. Pedimos que você mostre no Exercício13.3 que VC = V+ ⊕V−, com

V+ = u− i J(u) | u ∈ V e V− = u + i J(u) | u ∈ V.

Vale observar que também fica definida uma aplicação de conjugação emVC, dada por u + iv .

= u− iv, que induz um isomorfismo entre V+ e V−,em vista da relação V− = V+.

10.2 O caso suave

Definição 10.5. Seja M uma variedade diferenciável. Uma estrutura quase-complexa em M é um isomorfismo de fibrados vetoriais J : TM → TMcobrindo IdM tal que J2 = −IdM.

Observação. Dado p ∈ M, Jp : TpM→ TpM é uma estrutura complexa noespaço vetorial TpM.

Exemplo 10.6. Considere a esfera unitária

S2 = (x, y, z) ∈ R3 | x2 + y2 + z2 = 1.

S2

TpS2

u

Jp(u)p

Figura 14: Estrutura complexa canônica em S2.

Para cada p ∈ S2, definimos

Jp : TpS2 → TpS2

u 7→ p× u,

9Satisfazendo J(u + iv) = J(u) + i J(v) para todos u, v ∈ V.

56

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onde× denota o produto vetorial em R3. Isto define uma estrutura quase-complexa J : TS2 → TS2. Com efeito:

Jp(Jp(u)) = p× Jp(u)= p× (p× u)= 〈p, u〉p− 〈p, p〉u= −u,

como queríamos. Esta mesma construção funciona para superfícies orien-táveis S ⊆ R3, trocando p por um vetor normal N(p) à S em p.

Observação. Apenas as esferas S2 e S6 podem suportar estruturas quase-complexas.

Definição 10.7. Uma variedade complexa de dimensão n é um espaço topoló-gico M, Hausdorff e com base enumerável, com um atlas (maximal) A decartas complexas10 ϕ : U → ϕ(U) ⊆ Cn, tal que dadas (U, ϕ), (V, ψ) ∈ Atem-se que a mudança de coordenadas ψ ϕ−1 : ϕ(U ∩V) → ψ(U ∩V) éum biholomorfismo11 entre abertos de Cn.

ϕ ψ

Cn

Cn

M

ψ ϕ−1

Figura 15: Definição de variedade complexa.

Definição 10.8. Se n = 1, M é dita uma superfície de Riemann.

Vamos revisar rapidamente holomorfia em várias variáveis, começandocom o:

10Homeomorfismos entre abertos de M e de Cn.11Bijeção holomorfa com inversa holomorfa.

57

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Exemplo 10.9 (Caso 1-dimensional). Se U ⊆ C é aberto e f : U → C

escreve-se como f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), então f é holomorfa see somente se suas componentes u e v satisfazem as equações de Cauchy-Riemann

∂u∂x

=∂v∂v

e∂u∂v

= −∂v∂y

.

Definindo os operadores diferenciais complexos

∂z.=

12

(∂

∂x− i

∂y

)e

∂z.=

12

(∂

∂x+ i

∂y

),

podemos expressar as equações de Cauchy-Riemann de forma mais con-cisa: temos f satisfaz as equações de Cauchy-Riemann se e somente se fnão depende de z, ou seja, ∂ f /∂z = 0.

Ainda outra caracterização de holomorfia é obtida por meio da iden-tificação C ∼= R2: f é holomorfa se e só se dados (x, y) ∈ R2, a derivadatotal D f (x, y) (que é em princípio R-linear) é na verdade C-linear.

Em dimensões maiores, definimos:

Definição 10.10. Sejam U ⊆ Cn aberto e f : U → C uma função. Diremosque f é holomorfa se

∂ f∂zk = 0 para k = 1, . . . , n,

onde definimos

∂zk.=

12

(∂

∂xk − i∂

∂yk

)e

∂zk.=

12

(∂

∂xk + i∂

∂yk

), k = 1, . . . , n.

Com isto, diremos que uma função U ⊆ Cn → Cm é holomorfa se todas assuas componentes o forem, no sentido acima.

Observação. Veja no Exercício 13.10 como caracterizar a holomorfia deuma função f : U ⊆ Cn → Cn em termos da matriz J que define a estruturacomplexa canônica de R2n.

Com estes ingredientes, temos a:

Proposição 10.11. Toda variedade complexa Mn herda uma estrutura quase-complexa J de Cn. Ou em outras palavras:

“complexa =⇒ quase-complexa”.

Em vista disto, denotaremos variedades complexas como o par (M, J).

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Observação. A “recíproca” depende de uma certa condição técnica, dadano Teorema de Newlander-Nirenberg (p. 68 adiante).

Demonstração: Vamos definir a estrutura quase-complexa J localmente.Identificando Cn ∼= R2n como sempre, tomamos em M uma carta real(U, (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn)). Em U, definimos

J(

∂xj

)=

∂yj e J(

∂yj

)= − ∂

∂xj , 1 ≤ j ≤ n,

e estendemos linearmente. Claramente J é suave ao longo de U. Entãopara legitimar o que estamos fazendo, basta mostrar que se tomamos outracarta real (V, (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn)) em M com U ∩ V 6= ∅, ao longo deU ∩V vale

J(

∂xj

)=

∂yj e J(

∂yj

)= − ∂

∂xj , 1 ≤ j ≤ n.

Inicialmente, sabemos que as duas coleções de campos coordenados serelacionam via

∂xj =n

∑i=1

∂xi

∂xj∂

∂xi +∂yi

∂xj∂

∂yi e∂

∂yj =n

∑i=1

∂xi

∂yj∂

∂xi +∂yi

∂yj∂

∂yi ,

para todos 1 ≤ j ≤ n. Mas a mudança entre as cartas é holomorfa, entãovalem as equações de Cauchy-Riemann

∂xi

∂xj =∂yi

∂yj e∂xi

∂yj = −∂yi

∂xj , 1 ≤ i, j ≤ n.

Assim, podemos calcular

J(

∂xj

)=

n

∑i=1

∂xi

∂xj J(

∂xi

)+

∂yi

∂xj J(

∂yi

)=

n

∑i=1

∂xi

∂xj∂

∂yi −∂yi

∂xj∂

∂xi

(CR)=

n

∑i=1

∂yi

∂yj∂

∂yi +∂xi

∂yj∂

∂xi

=∂

∂yj

59

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e também

J(

∂yj

)=

n

∑i=1

∂xi

∂yj J(

∂xi

)+

∂yi

∂yj J(

∂yi

)=

n

∑i=1

∂xi

∂yj∂

∂yi −∂yi

∂yj∂

∂xi

(CR)=

n

∑i=1− ∂yi

∂xj∂

∂yi −∂xi

∂xj∂

∂xi

= − ∂

∂xj ,

como queríamos.

11 Formas diferenciais em variedades complexas(10/05 e 15/05)

Sejam M uma variedade diferenciável, p ∈ M, e J : TM → TM umaestrutura quase-complexa em M. Aplicando o que vimos anteriormenteponto a ponto, temos uma decomposição

(TpM)C = T1,0Mp ⊕ T0,1Mp,

onde

T1,0Mp.= (TpM)+ = v− i Jv | v ∈ TpM e

T0,1Mp.= (TpM)− = v + i Jv | v ∈ TpM

são, respectivamente, os auto-espaços da extensão de J para (TpM)C asso-ciados à i e−i. Obtemos também uma decomposição em soma de Whitneyda complexificação do fibrado tangente TMC = T1,0M⊕ T0,1M.

Observação. As distribuições T1,0M e T0,1M são involutivas precisamentequando a estrutura J é integrável, no sentido do Teorema de Newlander-Nirenberg.

Dualizando, temos uma estrutura quase-complexa J∗ : T∗M → T∗Mno fibrado cotangente T∗M, e assim

(T∗p M)C = T1,0Mp ⊕ T0,1Mp,

60

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onde

T1,0Mp.= (T∗p M)+ = α− i(α J) | α ∈ T∗p M e

T0,1Mp.= (T∗p M)− = α + i(α J) | α ∈ T∗p M.

De modo análogo, temos (T∗M)C = T1,0M⊕ T0,1M. Ficam então defini-das projeções:

(π1,0, π0,1) : TMC → T1,0M⊕ T0,1M

v 7→ 12(v− i J(v), v + i J(v))

e

(π1,0, π0,1) : (T∗M)C → T1,0M⊕ T0,1M

α 7→ 12(α− i(α J), α + i(α J)),

que como no caso linear, satisfazem as quatro relações

π1,0 J = iπ1,0, π0,1 J = −iπ0,1,

π1,0 J∗ = iπ1,0 e π0,1 J∗ = −iπ0,1,

motivando a:

Definição 11.1. Sejam M uma variedade diferenciável e J : TM → TMuma estrutura quase-complexa.

(i) Elementos de T1,0M (resp., T0,1M) são chamados vetores J-holomorfos(resp., J-anti-holomorfos).

(ii) Elementos de T1,0M (resp., T0,1M) são chamados covetores C-lineares(resp., C-anti-lineares).

Definição 11.2. Seja M uma variedade diferenciável. Uma forma diferenciala valores complexos em M é uma seção da potência exterior ∧k(

(T∗M)C

).

Denotaremos o conjunto de tais formas por Ωk(M, C).

Observação. Ωk(M, C) = C⊗R Ωk(M).

Podemos entender a estrutura de Ωk(M, C) decompondo-o em espaçosmenores. Para motivar o que vem a seguir, analisemos o caso k = 1:

61

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Exemplo 11.3.

(1) Sejam U ⊆ C um aberto e f : U → C uma função diferenciável (nosentido real, identificando C com R2 como sempre), escrita como f =u + iv, onde u, v : R2 → R. Definimos a derivada exterior de f como

d f .= du + i dv,

onde du e dv são as derivadas exteriores usuais (reais) de u e v, ou seja:

du =∂u∂x

dx +∂u∂y

dy e dv =∂v∂x

dx +∂v∂y

dy.

Em particular, como z = x + iy e z = x− iy, temos que

dz = dx + i dy e dz = dx− i dy,

dondedx =

12(dz + dz) e dy =

12i(dz− dz).

Isto nos permite escrever d f de outro modo. Note que:

du =∂u∂x

dx +∂u∂y

dy

=12

∂u∂x

dz +12

∂u∂x

dz +12i

∂u∂y

dz− 12i

∂u∂y

dz

=

(12

∂u∂x

+12i

∂u∂y

)dz +

(12

∂u∂x− 1

2i∂u∂y

)dz

=∂u∂z

dz +∂u∂z

dz,

onde ∂/∂z e ∂/∂z são os operadores dados na Definição 10.10 (p. 58),e analogamente para v. Deste modo, temos

d f =

(∂u∂z

+ i∂v∂z

)dz +

(∂u∂z

+ i∂v∂z

)dz

=∂ f∂z

dz +∂ f∂z

dz.

Concluímos que f é holomorfa se e somente se ∂ f /∂z = 0 ou, equiva-lentemente, se d f não possui componente na direção de dz.

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(2) Em geral, se (M, J) é uma variedade complexa e f : M → C é suave,o mesmo cálculo feito acima nos mostra que a diferencial pode serdecomposta localmente em uma carta complexa (U, (z1, . . . , zn)) como

d f =n

∑k=1

∂ f∂zk dzk +

n

∑k=1

∂ f∂zk dzk.

Isto sugere que para formas de grau superior, aparecerão produtos ex-teriores da forma dzj ∧ dzk, tendo um segundo tipo de grau, contandoquantos fatores dzk conjugados aparecem.

Vejamos como isto ocorre. Se definimos

∧`,m(M)

.=(∧`T1,0M

)∧(∧mT0,1M

),

temos da Álgebra Linear que

∧k((T∗M)C

)=

⊕`+m=k

((∧`T1,0M

)∧(∧mT0,1M

))=

⊕`+m=k

∧`,mM.

Em particular, sempre que `+ m = k obtemos uma projeção

π`,m : ∧k((T∗M)C

)→ ∧`,m

(M),

generalizando as projeções π1,0 e π0,1 que vimos anteriormente. Passandotudo para o nível de seções, temos a:

Definição 11.4. Sejam M uma variedade diferenciável e J uma estruturaquase-complexa. Uma forma diferencial de bigrau (`, m) é uma seção de∧`,m

(M). Denotamos o conjunto de tais formas por Ω`,m(M), e temos

Ωk(M, C) =⊕

`+m=k

Ω`,m(M).

Observação. O bigrau de uma forma diferencial a valores complexos tam-bém é chamado o seu tipo de Dolbeaut.

Vamos descrever estes objetos em coordenadas. Suponha que (M, J) éuma variedade complexa. Sejam (U, (z1, . . . , zn)) uma carta complexa, econsidere também a carta real (U, (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn)) associada. Sabe-mos que para cada p ∈ U, temos

(TpM)C = spanC

(∂

∂x1

∣∣∣∣p, . . . ,

∂xn

∣∣∣∣p,

∂y1

∣∣∣∣p, . . . ,

∂yn

∣∣∣∣p

),

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e das expressões

∂zk.=

12

(∂

∂xk − i∂

∂yk

)e

∂zk.=

12

(∂

∂xk + i∂

∂yk

),

vemos que

J(

∂zk

)= i

∂zk e J(

∂zk

)= −i

∂zk ,

donde

T1,0Mp = spanC

(∂

∂z1

∣∣∣∣p, . . . ,

∂zn

∣∣∣∣p

)e T0,1Mp = spanC

(∂

∂z1

∣∣∣∣p, . . . ,

∂zn

∣∣∣∣p

).

Dualizando, também obtemos que

T1,0Mp = spanC(dz1|p, . . . , dzn|p) e T0,1Mp = spanC(dz1|p, . . . , dzn|p),

e assim podemos descrever qualquer forma diferencial a valores comple-xos usando produtos exteriores. Note que isto não vale para estruturasquase-complexas. Veja o:

Exemplo 11.5. Sejam (M, J) uma variedade complexa e ω ∈ Ω2(M, C)uma 2-forma a valores complexos. Podemos escrever ω localmente como

ω = ∑1≤j1<j2≤n

aj1 j2dzj1 ∧dzj2 +n

∑j1,j2=1

bj1 j2dzj1 ∧dzj2 + ∑1≤j1<j2≤n

cj1 j2dzj1 ∧dzj2 .

As parcelas nesta soma tem bigraus (2, 0), (1, 1) e (0, 2), respectivamente,que contam a quantidade de dz’s e dz’s presentes (como comentamos apóso Exemplo 11.3). Por exemplo, temos

π1,1(ω) =n

∑j1,j2=1

bj1 j2dzj1 ∧ dzj2 .

Naturalmente, a derivada exterior pode ser estendida para formas avalores complexos, e em particular temos outras cohomologias de de RhamHk

dR(M, C) = HkdR(M)⊗R C. Tal extensão de d induz dois operadores

∂.= π`,m+1 d: Ω`,m(M)→ Ω`,m+1(M) e

∂.= π`+1,m d: Ω`,m(M)→ Ω`+1,m(M),

chamados os operadores de Dolbeaut de M, que nos darão novas cohomo-logias para uma variedade complexa. Vejamos nos seguintes resultadoscomo isto ocorre. Note também como ∂ e ∂ aumentam os graus holomorfoe anti-holomorfo de uma forma, respectivamente.

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Exemplo 11.6. Sejam (M, J) uma variedade complexa, e f : M → C umafunção suave. Seguindo o item (2) do Exemplo 11.3 (p. 62), temos queΩ0,0(M) = C∞(M, C) e assim os operadores

∂ : C∞(M, C)→ Ω1,0(M) e ∂ : C∞(M, C)→ Ω0,1(M)

são dados por

∂ f =n

∑k=1

∂ f∂zk dzk e ∂ f =

n

∑k=1

∂ f∂zk dzk.

O exemplo acima motiva uma definição geral:

Definição 11.7. Sejam M uma variedade diferenciável, p ∈ M, J uma es-trutura quase-complexa, e f : M → C suave. Diremos que f é J-holomorfa(resp., J-anti-holomorfa) em p se d fp Jp = i d fp (resp., d fp Jp = −i d fp).

Exemplo 11.8. Segue do exemplo anterior que:

(1) f é J-holomorfa se e somente se ∂ f = 0 (ou, em outras palavras, se f é∂-fechada).

(2) f é J-anti-holomorfa se e somente se ∂ f = 0 (ou, em outras palavras,se f é ∂-fechada).

(3) f é J-holomorfa (resp., J-anti-holomorfa) se e somente f é J-anti-holomorfa(resp., J-holomorfa).

Note que no caso de funções, obtivemos d = ∂ + ∂, mas isto não é ver-dade em geral para uma variedade quase-complexa, pois se α ∈ Ω`,m(M)com k = `+ m, temos

dα = ∑r+s=k+1

πr,s(dα) = ∂α + ∂α + outros termos,

dos quais não sabemos nada, em princípio.O próximo resultado ilustra mais ainda a importância da integrabili-

dade de uma estrutura quase-complexa:

Proposição 11.9. Seja (M, J) uma variedade complexa. Então d = ∂ + ∂ paratodas as formas a valores complexos em M.

65

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Demonstração: Seja α ∈ Ωk(M, C). Vamos utilizar a notação de multi-índices, pondo

A : 1 ≤ a1 < · · · < a` ≤ n, |A| = `

B : 1 ≤ b1 < · · · < bm ≤ n, |B| = m.

Podemos escrever

α = ∑`+m=k

∑|A|=`,|B|=m

αAB dzA ∧ dzB

,

onde αAB são funções suaves, dzA = dza1 ∧ · · · ∧dza` e analogamente paraB. Note que um elemento qualquer de Ω`,m(M) tem a forma da expres-são entre parênteses acima. Calculando dα, usando que d = ∂ + ∂ parafunções, temos:

dα = ∑`+m=k

∑|A|=`,|B|=m

dαAB ∧ dzA ∧ dzB

= ∑

`+m=k

∑|A|=`,|B|=m

∂αAB ∧ dzA ∧ dzB + ∂αAB ∧ dzA ∧ dzB

= ∑

`+m=k∑

|A|=`,|B|=m∂αAB ∧ dzA ∧ dzB

︸ ︷︷ ︸∈Ω`+1,m(M)

+ ∑`+m=k

∑|A|=`,|B|=m

∂αAB ∧ dzA ∧ dzB

︸ ︷︷ ︸∈Ω`,m+1(M)

= ∂α + ∂α,

por definição das projeções.

Corolário 11.10. Sejam (M, J) uma variedade complexa. Então valem as trêsrelações:

(i) ∂2 = 0.

(ii) ∂2= 0.

(iii) ∂ ∂ + ∂ ∂ = 0.

Demonstração: Basta usarmos que d2 = 0. Seja α ∈ Ωk(M, C) qualquer.Temos

0 = d2α = (∂ + ∂)(∂α + ∂α) = ∂2α + (∂∂ + ∂∂)α + ∂2α.

As três parcelas em destaque tem bigraus distintos, e portanto todas seanulam.

66

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Em particular, este Corolário 11.10 nos permite escrever a:

Definição 11.11. Seja (M, J) uma variedade complexa. O complexo de Dol-beaut de M é

· · · ∂−−−→ Ω`,m−1(M)∂−−−→ Ω`,m(M)

∂−−−→ Ω`,m+1(M)∂−−−→ · · · ,

e suas cohomologias de Dolbeaut são definidas por

H`,mDolbeaut(M)

.=

ker (Ω`,m(M)→ Ω`,m+1(M))

Im(Ω`,m−1(M)→ Ω`,m(M))

Observação.

• É natural considerar este complexo ao invés de

· · · ∂−−−→ Ω`−1,m(M)∂−−−→ Ω`,m(M)

∂−−−→ Ω`+1,m(M)∂−−−→ · · ·

pelos seguinte motivos: como vimos antes, ∂ mede o quanto coi-sas deixam de ser holomorfas, ao passo que ∂ mede desvio de anti-holomorfia. Além disto, a conjugação de formas induz um isomor-fismo H`,m

∂ (M) ∼= Hm,`∂

(M). Finalmente, pode-se desenvolver umateoria de cohomologia para fibrados vetoriais holomorfos utilizando-se apenas ∂, pois ∂ fica dependente de escolha de trivializações (eportanto pode não ser um objeto globalmente definido).

• Do mesmo modo que os números de Betti de uma variedade M sãoexpressos por bk(M) = dimR Hk

dR(M), os números de Hodge são de-finidos por h`,m(M) = dimC H`,m

Dolbeaut(M) (que aparecerão no Teo-rema 13.3, p. 77).

O operador ∂ tem uma certa semelhança com d, e do mesmo modoque os grupos de de Rham são localmente triviais, os grupos de Dolbeauttambém o são:

Lema 11.12 (Dolbeaut). Sejam (M, J) uma variedade complexa. Se α ∈ Ω`,m(M),com m > 0, é ∂-fechada, então α é localmente ∂-exata.

Como uma aplicação desta versão ∂ do Lema de Poincaré, temos:

Lema 11.13 (i∂∂ local). Sejam (M, J) uma variedade complexa e ω ∈ Ω1,1(M)uma forma diferencial real. Então ω é fechada se e somente se pode ser expressadalocalmente na forma ω = i∂∂u para alguma função u a valores reais.

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Demonstração: Uma implicação segue do Corolário 11.10:

d(∂∂u) = ∂2∂u + ∂∂∂u = −∂∂2u = 0.

Reciprocamente, suponha que ω é fechada. Pelo Lema de Poincaré existeuma 1-forma α (assumindo valores reais) localmente definida com ω = dα.Escrevendo α = α1,0 + α0,1, α ser real nos diz que α0,1 = α1,0. Com estaexpressão, calculamos

ω = dα = (∂ + ∂)(α1,0 + α0,1) = ∂α1,0 + (∂α0,1 + ∂α1,0) + ∂α0,1.

Comparando bigraus, concluímos que ω = ∂α0,1 + ∂α1,0, ∂α1,0 = 0 e∂α0,1 = 0. Pelo Lema de Dolbeaut, existe uma função f a valores com-plexos localmente definida tal que ∂ f = α0,1 (e, portanto, ∂ f = α1,0). Comisto, obtemos

ω = ∂α0,1 + ∂α1,0 = ∂∂ f + ∂∂ f = ∂∂( f − f ) = 2i∂∂(Im( f )),

e o resultado segue batizando u = Im( f )/2.

12 Variedades de Kähler (17/05)

Até agora, vimos que se M é uma variedade complexa, então existeuma estrutura quase-complexa J : TM → TM, que induz decomposiçõesΩk(M, C) =

⊕`+m=k Ω`,m(M) e, neste contexto, temos operadores ∂ e ∂

satisfazendo d = ∂ + ∂. Seria natural se perguntar se d = ∂ + ∂ em umavariedade munida de uma estrutura quase-complexa implica que tal es-trutura é integrável, completando o ciclo de implicações. A resposta afir-mativa é dada no:

Teorema 12.1 (Newlander-Nirenberg). Sejam M uma variedade diferenciávele J : TM→ TM uma estrutura quase-complexa em M. São equivalentes:

(i) J é induzida por um atlas holomorfo em M (ou seja, J é integrável);

(ii) o tensor de Nijenhuis de J, NJ : X(M)×X(M)→ X(M) definido por

NJ(X, Y) .= [X, Y ] + J[X, JY ] + J[JX, Y ]− [JX, JY ],

é identicamente nulo;

(iii) d = ∂ + ∂;

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(iv) a distribuição T0,1M é (formalmente) integrável, ou seja, involutiva.

Observação.

• Uma das dificuldades é mostrar que NJ = 0 produz uma equaçãodiferencial que força a estrutura da variedade a ser analítica. Istousa ferramentas pesadas de análise. Se a estrutura da variedadeé assumida analítica de partida, a demonstração pode ser simplifi-cada usando o Teorema de Frobenius. Algumas outras implicaçõespossuem demonstrações bem mais simples, indicadas no Exercício13.14.

• Se V é um espaço vetorial e J : V → V satisfaz J2 = −IdV , a estruturaquase-complexa J na variedade V é automaticamente integrável peloTeorema de Newlander-Nirenberg (pois é constante). Por este mo-tivo que estruturas em espaços vetoriais já foram chamadas “com-plexas” ao invés de “quase-complexas” de partida, como na Defini-ção 10.1 (p. 54).

Exemplo 12.2. Sejam M uma variedade diferenciável e J : TM→ TM umaestrutura quase-complexa em M. Então

NJ(X, JX) = [X, JX] +:0

J[X,−X] +:0

J[JX, JX]− [JX,−X] = 0

para todo X ∈ X(M). Em particular, se dimR M = 2, concluímos queNJ = 0 e portanto J é integrável. Ou seja: toda superfície quase-complexaé complexa.

A relação entre estruturas complexas e simpléticas nos remete ao Exem-plo 3.3 (p. 21), motivando a:

Definição 12.3. Sejam M uma variedade diferenciável, ω ∈ Ω2(M) umaforma simplética, e J : TM→ TM uma estrutura complexa. Diremos que ωe J são compatíveis se g(X, Y) .

= ω(X, JY) define uma métrica Riemanni-ana em M. Neste caso, diremos que (M, g, ω, J) é uma variedade de Kähler.

Observação.

• Nestas condições, ω é chamada a forma de Kähler, enquanto g é cha-mada a métrica de Kähler.

• A tripla (g, ω, J) é dita uma tripla compatível quando duas estruturasdeterminam a restante:

– g(X, Y) = Ω(X, JY);

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– Ω(X, Y) = g(JX, Y);

– J = [g ]ω, onde [g(X) = g(X, ·) e ω(α]ω , Y) = α(Y) são osisomorfismos musicais induzidos por g e ω.

Então, uma variedade de Kähler é uma variedade diferenciável mu-nida de uma tripla compatível.

• Há dois outros pontos de vista, que encaram a estrutura Riemanni-ana como um “brinde”: uma variedade de Kähler é uma variedadesimplética com uma estrutura complexa compatível, ou uma varie-dade complexa com uma estrutura simplética compatível.

• Se J não é integrável, diremos que a quádrupla (M, g, ω, J) é quase-Kähler. Tais variedades sempre existem.

No caso linear, temos a:

Proposição 12.4. Seja (V, Ω) um espaço vetorial simplético. Então existe umaestrutura complexa J : V → V que é compatível com Ω, ou seja, 〈u, v〉 .

=Ω(u, Jv) define um produto interno em V.

Demonstração: Tome um produto interno auxiliar (·, ·) em V. Ambasas aplicações (·, ·) e Ω induzem isomorfismos (musicais) entre V e V∗.Isto nos permite definir um isomorfismo linear A : V → V satisfazendoΩ(u, v) = (Au, v), quaisquer que sejam u, v ∈ V. Então, se A† : V → Vdenota o adjunto12 de A relativo à (·, ·), temos:

• A é anti-simétrico:

(Au, v) = Ω(u, v) = −Ω(v, u) = −(Av, u) = (v,−A†u),

e não-degenerabilidade de (·, ·) nos dá A† = −A.

• AA† é um operador (·, ·)-positivo:

(AA†v, v) = (A†v, A†v) ≥ 0

para todo v 6= 0, com a igualdade valendo se e somente se A†v = 0(o que implica v = 0, visto que A é um isomorfismo).

12Preferi denotar o adjunto por A† ao invés de A∗, já que esta última notação já estámuito utilizada nestas notações para pull-backs e aplicações duais.

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Assim, AA† possui autovalores positivos e é diagonalizável, de modo queexiste uma raíz quadrada positiva-definida

√AA† : V → V. Note que A

preserva os auto-espaços de AA† (e, portanto, os de√

AA†): com efeito,se v ∈ V é um vetor não-nulo tal que AA>v = λv, temos

AA†(Av) = A(−A)(−A†)v = A(AA†v) = A(λv) = λAv,

como afirmado. Isto nos diz que A comuta com√

AA†, e assim definimos

J .=√

AA†−1A, que claramente é anti-simétrica e comuta com A e

√AA†.

DaíJ† J = A†

√AA†

−1√AA†

−1A = A†(AA†)−1A = IdV ,

e segue que J2 = −J† J = −IdV . Portanto J é uma estrutura complexaem V, que ainda por cima preserva (·, ·). Resta ver que J é compatívelcom Ω. Pelo Exercício 13.6, basta verificar que J é um simplectomorfismoΩ-domado. Por um lado temos

Ω(v, Jv) = (Av, Jv) = (−JAv, v) = (√

AA†v, v) > 0

se v 6= 0, e por outro

Ω(Ju, Jv) = (AJu, Jv) = (JAu, Jv) = (Au, v) = Ω(u, v),

como queríamos.

Observação.

• Na demonstração acima, se o produto auxiliar (·, ·) já fosse com-patível com Ω, teríamos AA† = IdV e assim 〈·, ·〉 = (·, ·). Tam-bém vale observar que A =

√AA† J é a decomposição polar de A, e

tendo em mente a analogia desta decomposição com a decomposi-ção z = |z|eiArg(z) de um número complexo, faz sentido esperar queo operador J assim definido faça o serviço esperado.

• O processo acima realizado ponto a ponto em uma variedade sim-plética (M, ω) pode ser feito de maneira suave, nos dando uma es-trutura quase-complexa J : TM→ TM, em geral não-integrável.

• Se (Vt, Ωt) é uma família de espaços vetoriais simpléticos depen-dendo suavemente de um parâmetro real t, o processo acima podeser realizado de forma a obter uma família suave de estruturas com-plexas Jt : Vt → Vt, com Jt e Ωt compatíveis para cada t.

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Numa variedade de Kähler, mesmo assumindo valores reais, podemosver a forma de Kähler como ω ∈ Ω2(M, C) e estudar a sua decomposiçãoem componentes de bigrau (2, 0), (1, 1) e (0, 2) dadas por J. Temos a:

Proposição 12.5. Seja (M, g, ω, J) uma variedade de Kähler. Então a forma deKähler ω possui bigrau (1, 1), e é ∂ e ∂-fechada, definindo uma classe de cohomo-logia de Dolbeaut [ω] ∈ H1,1

Dolbeaut(M).

Demonstração: Note que

ω(JX, JY) = g(JX, Y) = g(Y , JX) = ω(Y , X) = ω(X, Y),

de modo que J∗ω = ω. Note que se (U, (z1, . . . , zn)) é uma carta complexaem M, temos

J∗(dzj) = dzj J = i dzj e J∗(dzk) = dzk J = −i dzk,

de modo que se

ω = ∑1≤j<k≤n

ajk dzj ∧ dzk +n

∑j,k=1

bjk dzj ∧ dzk + ∑1≤j<k≤n

cjk dzj ∧ dzk,

temos

J∗ω = ∑1≤j<k≤n

i2ajk dzj∧dzk +n

∑j,k=1−i2bjk dzj∧dzk + ∑

1≤j<k≤ni2cjk dzj∧dzk,

donde J∗ω = ω nos diz que ajk = cjk = 0 para todas as possibilidades dej e k, enquanto não há restrições nos coeficientes bjk. Portanto, concluímosque ω ∈ Ω1,1(M). Agora, temos que

0 = dω = ∂ω + ∂ω,

com a primeira parcela de bigrau (2, 1) e a segunda de bigrau (1, 2). As-sim, ∂ω = 0 nos diz que ω de fato define uma classe de cohomologia deDolbeaut [ω] ∈ H1,1

Dolbeaut(M).

Corolário 12.6. Seja (M, g, ω, J) uma variedade de Kähler. Então a forma deKähler pode ser expressa em coordendas complexas (z1, . . . , zn) como

ω =i2

n

∑j,k=1

hjk dzj ∧ dzk,

onde em cada ponto a matriz (hjk)nj,k=1 é hermitiana e positiva-definida.

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Demonstração: A expressão em destaque segue da proposição anterior,pondo bjk = ihjk/2, na notação anterior. Assim, temos

ω =i2

n

∑j,k=1

hjk dzj ∧ dzk = − i2

n

∑j,k=1

hjk dzj ∧ dzk =i2

n

∑j,k=1

hjk dzk ∧ dzj,

e renomeando j↔ k na soma acima, temos

ω =i2

n

∑j,k=1

hkj dzj ∧ dzk.

Mas como ω assume valores reais, ω = ω e concluímos que hjk = hkjpara 1 ≤ j, k ≤ n, como queríamos. Isto justifica a presença do fator i naexpressão para ω. O sinal produzido pela conjugação i 7→ −i garante asimetria desejada.

Já a positividade segue da definição da métrica Riemanniana produ-zida por ω e J. Mais precisamente, se

X =n

∑k=1

ak ∂

∂xk + bk ∂

∂yk =n

∑k=1

(ak + ibk)∂

∂zk + (ak − ibk)∂

∂zk

é um campo dado localmente em coordenadas (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn), comcoordenadas complexas associadas (z1, . . . , zn) e coeficientes reais, temos

JX =n

∑k=1−bk ∂

∂xk + ak ∂

∂yk =n

∑k=1

i(ak + ibk)∂

∂zk − i(ai − ibk)∂

∂zk ,

donde X 6= 0 nos dá:

0 < ω(X, JX) =i2

n

∑j,k=1

hjk dzj ∧ dzk(X, JX)

=i2

n

∑j,k=1

hjk

∣∣∣∣dzj(X) dzj(JX)

dzk(X) dzk(JX)

∣∣∣∣ = i2

n

∑j,k=1

hjk

∣∣∣∣ aj + ibj i(aj + ibj)ak − ibk −i(ak − ibk)

∣∣∣∣=

i2

n

∑j,k=1−2ihjk(aj + ibj)(ak − ibk) =

n

∑j,k=1

hjk(aj + ibj)(ak + ibk).

Já esta conta justifica o fator 1/2 na expressão para ω.

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Exemplo 12.7. As estruturas simplética e complexa de R2n ∼= Cn são com-patíveis. Verifiquemos isto utilizando, por exemplo, o Exercício 13.6 adi-ante. É óbvio13 que J é um simplectomorfismo para ωcan. Para ver que éωcan-domado, considere

v =n

∑k=1

ak ∂

∂xk + bk ∂

∂yk e J(v) =n

∑k=1−bk ∂

∂xk + ak ∂

∂yk ,

de modo que

ωcan(v, J(v)) =n

∑k=1

dxk ∧ dyk(v, J(v))

=n

∑k=1

∣∣∣∣dxk(v) dxk(J(v))dyk(v) dyk(J(v))

∣∣∣∣=

n

∑k=1

∣∣∣∣ak −bk

bk ak

∣∣∣∣=

n

∑k=1

(ak)2 + (bk)2 ≥ 0,

e ωcan(v, J(v)) = 0 se e somente se v = 0. E, nas coordenadas canônicasde Cn, temos

ωcan =n

∑k=1

dxk ∧ dyk =n

∑k=1

(dzk + dzk

2

)∧(

dzk − dzk

2i

)

=14i

n

∑k=1

2 dzk ∧ dzk = − 12i

n

∑k=1

dzk ∧ dzk

=i2

n

∑k=1

dzk ∧ dzk ∈ Ω1,1(Cn).

Exemplo 12.8. Toda superfície de Riemann é uma variedade de Kähler.

13 Potenciais de Kähler (22/05)

Sejam (M, J) uma variedade complexa e ϕ : M→ R uma função suave.Como no Lema 11.13 (p. 67), sabemos que ω

.= (i/2)∂∂ϕ é uma forma

de tipo (1, 1) em M que é ∂-fechada e ∂-fechada (e, portanto, fechada),

13Por exemplo, pelo item (b) do Exercício 2.10, p. 17.

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assume valores reais, e que em coordenadas complexas (z1, . . . , zn) é ex-pressa como

ω =i2

n

∑j,k=1

∂2ϕ

∂zj∂zk dzj ∧ dzk.

Concluímos a:

Proposição 13.1. Sejam (M, J) uma variedade complexa e ϕ : M → R umafunção suave tal que para todo p ∈ M e coordenadas (z1, . . . , zn) em torno de ptenha-se que a matriz (

∂2ϕ

∂zj∂zk (p))n

j,k=1

é hermitiana e positiva-definida. Então ω.= (i/2)∂∂ϕ é uma forma de Kähler em

M. Funções ϕ com esta propriedade são ditas pluri-sub-harmônicas, e ϕ é ditaum potencial de Kähler para ω.

Exemplo 13.2.

(1) Considere ϕ : Cn → R dada por

ϕ(z1, . . . , zn) =n

∑k=1|zk|2.

Então

i2

∂∂ϕ =i2

(n

∑k=1

zkdzk

)=

i2

n

∑j,k=1

δjk dzj ∧ dzk =i2

n

∑k=1

dzk ∧ dzk,

e assim recuperamos a estrutura simplética canônica de Cn dada noExemplo 12.7 (p. 74). Note que a “Hessiana complexa” desta ϕ de fatoé a identidade.

(2) Considere o espaço projetivo complexo

CPn = retas complexas em Cn+1 passando pela origem

∼=Cn+1 \ 0∼ ,

onde (z0, . . . zn) ∼ (w0, . . . , wn) se e somente se existe λ ∈ C \ 0 talque zk = λwk para todo k = 0, . . . , n. Denotamos a classe de equi-valência de um elemento (z0, . . . , zn) por [z0 : · · · : zn] (as chamadas

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coordenadas homogêneas de (z0, . . . , zn)), e consideramos em CPn a to-pologia quociente. Para 0 ≤ α ≤ n, colocamos

Uα = [z0 : · · · : zn] ∈ CPn | zα 6= 0,

e definimos φα : Uα → φα(Uα) ⊆ Cn por

φα([z0 : · · · : zn]).=

(z0

zα, . . . ,

zα−1

zα,

zα+1

zα, . . .

zn

).

Então φα : Uα → φα(Uα) | 0 ≤ α ≤ n é um atlas suave para CPn, queé na verdade holomorfo, já que para (sem perder generalidade) α < βtemos a mudança φβ φ−1

α : φα(Uα ∩Uβ)→ φβ(Uα ∩Uβ) dada por

φβ φ−1α (w1, . . . , wn)

.=

=

(w1

wβ, . . . ,

wβ,

1wβ

,wα+1

wβ, . . . ,

wβ−1

wβ,

wβ+1

wβ, . . . ,

wn

)é holomorfa. Portanto CPn é uma variedade complexa.

Vejamos na verdade que CPn é Kähler. No Exercício 13.16, pedimosque você verifique que ϕ : Cn → R dada por

ϕ(w1, . . . , wn) = log

(n

∑k=1|wk|2 + 1

)é um potencial de Kähler, que pela Proposição 13.1 acima nos fornece

ω =i2

n

∑j,k=1

δjk(1 + ‖w‖2)− wjwk

(1 + ‖w‖2)2 dwj ∧ dwk.

Pode-se mostrar que ω é invariante por todas as transições φβ φ−1α ,

de modo que fica bem-definida uma forma de Kähler ωFS ∈ Ω2(CPn),chamada a forma de Fubini-Study em CPn.

Devido à simetria entre índices, bastaria verificar a tal invariância deω para a transição

φ1 φ−10 (w1, . . . , wn) =

(1

w1 ,w2

w1 , . . . ,wn

w1

).

As novas coordenadas

ζ1 =1

w1 , ζ2 =w2

w1 , . . . , ζn =wn

w1

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pode ser expressas de forma concisa14 por

ζ j =wj(1− δ1j) + δ1j

w1 ,

e teríamos que verificar a igualdade

n

∑j,k=1

δjk(1 + ‖ζ‖2)− ζjζk

(1 + ‖ζ‖2)2 dζ j ∧ dζk=

=n

∑j,k=1

δjk(1 + ‖w‖2)− wjwk

(1 + ‖w‖2)2 dwj ∧ dwk.

A conta é desagradável, mas você pode entender o que aconteceria seanalisar o caso n = 2, no Exercício 13.17.

Sabemos que toda variedade de Kähler é, em particular, simplética.Mas é possível que uma variedade complexa seja simplética mas não ad-mita nenhuma forma de Kähler, ou seja, nenhuma forma simplética é com-patível com a estrutura complexa dada à priori. Para entender que tipo deobstrução pode ocorrer, começamos com o:

Teorema 13.3 (Hodge). Seja (M, g, ω, J) uma variedade de Kähler compacta.Então para cada k tem-se

HkdR(M, C) ∼=

⊕`+m=k

H`,mDolbeaut(M),

e também a seguinte igualdade entre os números de Hodge: h`,m(M) = hm,`(M).

Este teorema nos dá uma obstrução topológica para a existência de for-mas de Kähler em variedades complexas e compactas:

Corolário 13.4. Seja (M, g, ω, J) uma variedade de Kähler compacta. Então paratodo k ímpar, o número de Betti bk(M) é um inteiro par.

Exemplo 13.5 (Kodaira-Thurston). Considere R4 com coordenadas globais(x1, x2, y1, y2), e a sua estrutura simplética canônica

ωcan = dx1 ∧ dy1 + dx2 ∧ dy2.

14E admito, artificial...

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As aplicações f1, f2, f3, f4 : R4 → R4 dadas por

f1(x1, x2, y1, y2) = (x1, x2 + 1, y1, y2),

f2(x1, x2, y1, y2) = (x1, x2, y1, y2 + 1),

f3(x1, x2, y1, y2) = (x1 + 1, x2, y1, y2) e

f1(x1, x2, y1, y2) = (x1, x2 + y2, y1, y2)

são simplectomorfismos de (R4, ωcan). Seja Γ ≤ Sp(R4, ωcan) o subgrupodiscreto gerado por f1, f2, f3 e f4, e ponha M .

= R4/Γ (ou seja, M é o espaçode órbitas da ação simplética de Γ em R4). Note que M é compacta, pos-sui uma estrutura complexa (pela classificação de Kodaira), e seu grupofundamental é justamente15 π1(M) = Γ, e assim

H1(M;Z) ∼=Γ

[Γ, Γ]

tem posto 3, donde b1(M) = 3. Portanto M não admite nenhuma formade Kähler.

Exemplo 13.6 (Fernandez-Gotay-Grey). Existem:

• variedades simpléticas que não admitem estruturas complexas.

• variedades complexas (e quase-complexas) que não admitem estru-turas simpléticas.

Exemplo 13.7 (Taubes). A soma conexa CP2#CP2#CP2 é quase-complexa,mas não é complexa16 e não admite nenhuma estrutura simplética. A jus-tificativa deste fato é dada usando geometria de spin e teoria de Seiberg-Witten.

Exemplo 13.8 (Gompf). Se Γ é um grupo descrito por uma quantidadefinita de geradores e relações, então existe uma variedade M compacta esimplética de dimensão 4 tal que π1(M) = Γ. Isto é essencialmente umafábrica de exemplos como o de Kodaira-Thurston.

15Em geral, se M é uma variedade diferenciável e Γ é um grupo de difeomorfismosde M que age de forma própria, descontínua e sem pontos fixos, então existe uma únicaestrutura de variedade no quociente M/Γ que torna a projeção M→ M/Γ uma aplicaçãode recobrimento. Se M é conexa, então vale Γ = Deck(M/Γ) ∼= π1(M/Γ).

16E não está na lista de Kodaira de superfícies complexas e compactas.

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Exercícios

Exercício 13.1. Sejam V um espaço vetorial real e J : V → V uma estruturacomplexa em V. Mostre que

(a) a multiplicação por escalar definida por

(a + bi) · v .= av + bJ(v)

de fato torna V um espaço vetorial complexo.

(b) se v1, . . . , vn é uma R-base do espaço original V, então é uma C-basede V munido da multiplicação definida em (a).

(c) se T : V → V uma transformação R-linear, então T é C-linear se esomente se JT = TJ.

Exercício 13.2. Sejam V um espaço vetorial real e VC = C ⊗R V a suacomplexificação. Mostre que:

(a) a aplicação V 3 u 7→ 1⊗ u ∈ VC é uma transformação linear injetora.

(b) dado w ∈ VC, existem u, v ∈ V tais que w = (1⊗ u) + i(1⊗ v). Esta-mos então justificados em denotar Re(w) = u e Im(w) = v, e escreverw ≡ Re(w) + i Im(w).

Exercício 13.3. Sejam V um espaço vetorial e J : V → V uma estruturacomplexa em V. Sendo V+ e V− os auto-espaços associados à i e −i daextensão C-linear de J para VC, mostre que:

(a) VC = V+ ⊕V−.

(b) V− = V+.

(c) V+ = u− i J(u) | u ∈ V e V− = u + i J(u) | u ∈ V.

Dica. O item (a) de fato pode ser resolvido sem o item (c). Dados u, v ∈ V,escreva u + iv = w+ + w− com w+ ∈ V+ e w− ∈ V−. Aplique i J de ambosos lados e veja o que acontece. Outra solução menos explícita é notar queo polinômio minimal de J satisfaz mJ(x) | x2 + 1 = (x− i)(x + i). Logo...

Exercício 13.4. Sejam V um espaço vetorial real e VC a sua complexifi-cação. Suponha que exista um subespaço vetorial (complexo) W de VC

tal que VC = W ⊕W. Mostre que existe uma única estrutura complexaJ : V → V tal que V+ = W e V− = W.

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Dica. Dado u ∈ V, existem únicos w1 + iw2 ∈ W e z1 + iz2 ∈ W tais queu = w1 + iw2 + z1 + iz2. Mostre que necessariamente z2 = −w2 e quez1 = w1 = u/2. Com o item (c) do exercício anterior em mente, somosobrigados a por J(u) = −2w2. Então verifique que com esta definição, Jé linear e satisfaz J2 = −IdV . A hipótese de que W seja um subespaçocomplexo de VC é muito importante.

Exercício 13.5. Vimos no Exemplo 10.2 (p. 54) que se V é um espaço ve-torial real e J : V → V é uma estrutura complexa, então J∗ : V∗ → V∗ éuma estrutura complexa em V∗. Vejamos agora como estas estruturas serelacionam.

(a) Mostre que se ψ ∈ (VC)∗, existem funcionais lineares ψ1, ψ2 ∈ V∗ tais

que ψ = IdC ⊗ ψ1 + i IdC ⊗ ψ2.

(b) Mostre que existe um único isomorfismo Φ : (V∗)C → (VC)∗ de espa-

ços vetoriais complexos tal que Φ(λ⊗ f )(µ⊗ v) = λµ f (v), quaisquerque sejam λ, µ ∈ C, v ∈ V e f ∈ V∗. Ou seja, de forma mais concisa,temos a relação natural (VC)

∗ ∼= (V∗)C.

(c) Se ϕ = ϕ1 + iϕ2 ∈ (V∗)C e w = w1 + iw2 ∈ VC, tendo o item (b) doExercício 13.2 em mente, mostre que o isomorfismo Φ do item acimana verdade satisfaz

Φ(ϕ)(w) = ϕ1(w1)− ϕ2(w2) + i(

ϕ1(w2) + ϕ2(w1)).

(d) Escrevendo VC = V+ ⊕V− e (V∗)C = (V∗)+ ⊕ (V∗)−, mostre que

Φ((V∗)+) = Ann(V−) e Φ((V∗)−) = Ann(V+).

Observação. Na prática, a ação de Φ manda 1⊗ f em IdC ⊗ f , que sãoentão ambos identificados com o próprio funcional f .

Dica. No item (b) utilize a propriedade universal dos produtos tensoriaispara construir Φ rigorosamente. Mostre que Φ é injetora e sobrejetoradiretamente (o fato de V ter dimensão finita é essencial, e você pode usaruma base de V).

Exercício 13.6. Sejam V um espaço vetorial, J : V → V uma estrutura com-plexa, e Ω : V × V → R uma forma bilinear simplética. Diremos que Jé Ω-domado se v 7→ Ω(v, Jv) é uma forma quadrática positiva-definida.Mostre que são equivalentes:

(i) J é um simplectomorfismo Ω-domado.

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(ii) 〈·, ·〉 : V ×V → R dado por 〈v, w〉 .= Ω(v, Jw) é um produto interno

positivo-definido.

Neste caso, diremos que J e Ω são compatíveis.

Exercício 13.7 (2-out-of-3 property). Sejam A ∈ Mat(2n, R) uma matriz e

J =

0 −Idn

Idn 0

.

Mostre que quaisquer duas das seguintes relações implicam a restante:

(i) A> JA = J (simplética).

(ii) A−1 JA = J (complexa).

(iii) A> = A−1 (ortogonal).

Observação. Isto ilustra que U(n) = O(2n, R) ∩ Sp(2n, R) ∩GL(n, C).

Exercício 13.8. Preencha os detalhes do Exemplo 10.9 (p. 58).

Exercício 13.9. Mostre que a aplicação

L : Cn ×Cn → LinR(Cn, C)

(a, b) 7→ L(a,b) : Cn → C

z 7→ L(a,b)(z).= a1z1 + · · ·+ anzn + b1z1 + · · ·+ bnzn,

onde a = (a1, . . . , an), b = (b1, . . . , bn) e z = (z1, . . . , zn), é um isomor-fismo. Verifique também que L(a,b) é C-linear se e somente se b = 0.

Exercício 13.10. Sejam U ⊆ Cn um aberto e f : U ⊆ Cn → Cn uma funçãoR-diferenciável. Mostre que f é holomorfa se e somente se identificandoCn ∼= R2n, tem-se

D f (x, y) J = J D f (x, y),

onde

J =

0 −Idn

Idn 0

.

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Dica. Se f = ( f 1, . . . , f n) com f k : U → C para cada k = 1, . . . , n, escre-vendo f k = uk + ivk, veja que

D f (x, y) =

Dxu(x, y) Dyu(x, y)

Dxv(x, y) Dyv(x, y)

,

onde u = (u1, . . . , un) e v = (v1, . . . , vn), e faça multiplicações por blocos.

Exercício 13.11. Identificando Rn ∼= Rn × 0 ⊆ Rn+1, denote os polosnorte e sul de Sn por N = (0, 1) e S = (0,−1). A projeção estereográfica viaN é a aplicação que pega um ponto p ∈ Sn e o associa à interseção StN(p)da reta ligando N a p, com o Rn. Analogamente define-se a projeção este-reográfica via S.

Rn

Sn

N

S

p

Figura 16: Projeção estereográfica via o polo norte de Sn.

(a) Mostre que se p ∈ Sn é escrito como p = (p, pn+1), as projeções sãodadas por

StN : Sn \ N → Rn

StN(p) .=

p1− pn+1

eStS : Sn \ S → Rn

StS(p) .=

p1 + pn+1

e suas inversas por

St−1N :Rn → Sn \ N

St−1N (x) .

=

(2x

1 + ‖x‖2 ,−1 + ‖x‖2

1 + ‖x‖2

) eSt−1

S :Rn → Sn \ S

St−1S (x) .

=

(2x

1 + ‖x‖2 ,1− ‖x‖2

1 + ‖x‖2

).

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(b) Em particular, para n = 2, identificamos C ∼= R2 e temos

St−1N (z) =

(2 Re(z)1 + |z|2 ,

2 Im(z)1 + |z|2 ,

−1 + |z|21 + |z|2

)e

St−1S (z) =

(2 Re(z)1 + |z|2 ,

2 Im(z)1 + |z|2 ,

1− |z|21 + |z|2

)

Mostre que a mudança de coordenadas StS St−1N : C \ 0 → C \ 0

é dada por z 7→ 1/z, e portanto não é holomorfa.

(c) Ainda suponha que n = 2. O item acima pede um ajuste. Defina outraprojeção StS : S2 \ S → C por

StS(a, b, c) .=

a− ib1 + c

.

Mostre que StN , StS é um atlas holomorfo para S2. Qual é a estruturacomplexa induzida por este atlas?

Observação. Em geral, se C ∈ Sn, você pode definir a projeção estereográ-fica via C, que acaba dada por

StC : Sn \ C → C⊥ ∼= Rn

StC(p) .= p +

〈p, C〉1− 〈p, C〉 (p− C).

Exercício 13.12. Seja (M, J) uma variedade complexa. Diremos que umcampo real X ∈ X(M) é real-holomorfo se X − i JX é sempre J-holomorfo.Mostre que são equivalentes:

(a) X é real-holomorfo.

(b) LX J = 0.

(c) o fluxo de X em cada tempo t é uma aplicação holomorfa de M em simesma.

Exercício 13.13. Sejam (M, J) uma variedade complexa, α ∈ Ω`,m(M) eβ ∈ Ωp,q(M). Mostre que:

(a) ∂(α ∧ β) = ∂α ∧ β + (−1)`+mα ∧ ∂β.

(b) ∂(α ∧ β) = ∂α ∧ β + (−1)`+mα ∧ ∂β.

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Exercício 13.14. Sejam M uma variedade diferenciável e J : TM → TMuma estrutura quase-complexa. Considere o tensor de Nijenhuis de J,

NJ : X(M)×X(M)→ X(M)

NJ(X, Y) .= [X, Y ] + J[X, JY ] + J[JX, Y ]− [JX, JY ].

(a) Mostre que de fato é C∞(M)-bilinear.

(b) Mostre que NJ é anti-simétrico e satisfaz NJ(JX, JY) = −NJ(X, Y),quaisquer que sejam X, Y ∈ X(M).

(c) Dados X, Y ∈ X(M), ponha Z .= [X + i JX, Y + i JY ]. Mostre que

Z− i JZ = NJ(X, Y)− i JNJ(X, Y)

e conclua a equivalência entre (ii) e (iv) no Teorema 12.1 (p. 68).

(d) Se J é integrável, e (x1, . . . , xn, y1, . . . , yn) são coordenadas reais em M,mostre que

NJ

(∂

∂xi ,∂

∂xj

)= NJ

(∂

∂xi ,∂

∂yj

)= NJ

(∂

∂yi ,∂

∂yj

)= 0

e conclua que NJ = 0.

Exercício 13.15. Sejam (M, J) uma variedade complexa, (U, (z1, . . . , zn))coordenadas complexas, e bjk : U → C funções suaves tais que bjk = bkjpara todas as possibilidades de índices j e k. Mostre que para todo p ∈ U,a matriz (bjk(p))n

j,k=1 é positiva-definida se e somente se a (1, 1)-forma

ω =n

∑j,k=1

bjk dzj ∧ dzk

definida ao longo de U satisfaz ωp(v, v) > 0 para todo vetor J-holomorfonão-nulo v ∈ T1,0Mp.

Exercício 13.16. Mostre que ϕ : Cn → R dada por

ϕ(z1, . . . , zn) = log

(n

∑k=1|zk|2 + 1

)

é um potencial de Kähler.

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Dica. Use o exercício anterior e a desigualdade de Cauchy-Schwarz parao produto Hermiteano usual em Cn.

Exercício 13.17. Faça a verificação pendente do item (2) do Exemplo 13.2(p. 75) para n = 2, ou seja, verifique que a forma de Fubini-Study ωFS estábem definida em CP2.

Exercício 13.18. Sejam (M, J) uma variedade complexa e compacta, e con-sidere ω1, ω2 ∈ Ω2(M) duas formas de Kähler em M. Mostre que se[ω1] = [ω2] ∈ H2

dR(M), então (M, ω1) e (M, ω2) são simplectomorfas.

Dica. Argumente localmente que ωt.= (1− t)ω1 + tω2 é uma forma de

Kähler e use o truque de Moser.

Faixas bônus de um disco de heavy metal

Nos próximos exercícios, vamos generalizar algumas coisas vistas nes-tas últimas seções:

Exercício 13.19 (Bonus track - I). Sejam α, β ∈ R. Defina

Cα,β.= x + uy | x, y ∈ R e u2 = α + uβ ∼=

R[x](x2 − βx− α)

.

(a) Cα,β é um anel comutativo com unidade (com as operações definidasde modo óbvio), e possui uma estrutura natural de R-álgebra. Emparticular, Cα,β é um espaço vetorial real com dimR Cα,β = 2 e base1, u.

(b) Mostre que um elemento a + ub ∈ Cα,β possui inverso multiplicativose e somente se D = a2 + βab − αb2 6= 0. Isto justifica definirmos o(α, β)-conjugado de a + ub como

a + ub .= a + βb− ub,

o que torna D um tipo de “norma ao quadrado” de a+ub. Novamente,a conjugação é um automorfismo involutivo de Cα,β que fixa R.

(c) Seja a + ub ∈ Cα,β não-nulo. Se b 6= 0, então a + ub possui inverso. As-sim, suponha que b 6= 0. Mostre que a equação D/b2 = 0 na variávela/b tem discriminante ∆ .

= β2 + 4α e conclua que

• se ∆ < 0, então Cα,β é um corpo;

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• se ∆ = 0, os divisores de zero em Cα,β são precisamente os ele-mentos a + ub tais que a + βb/2 = 0, e os restantes admitem in-versos;

• se ∆ > 0, os divisores de zero em Cα,β são precisamente os ele-mentos a + ub tais que

a + (β +√

∆)b/2 = 0 ou a + (β−√

∆)b/2 = 0,

e os restantes admitem inversos.

Observação. Note que:

• Os números complexos são um caso particular: C = C−1,0.

• Os números para-complexos são definidos como C′.= C1,0, e nesse

caso chamamos h .= u. Possuem aplicações em relatividade, sendo

um modelo algébrico para o plano de Lorentz-Minkowski L2;

• Por sua vez, os elementos de C0,0 são chamados de números duais, edenotamos ε

.= u. Estão relacionados com números de Grassmann,

transformações de Galileu, e são empregados na técnica de “diferen-ciação automática17”.

Pode-se mostrar que Cα,β é isomorfo a um dos três casos acima, depen-dendo do discriminante ∆. Além disto, o comportamento da forma qua-drática D : Cα,β → R dada no item (b) também é controlado por ∆: D épositiva-definida quando ∆ < 0, degenerada para ∆ = 0, e indefinidapara ∆ > 0. Em outras palavras, polarizando D vemos que Cα,β é ummodelo algébrico para a geometria da forma bilinear simétrica

〈(a, b), (c, d)〉α,β.= ac +

β

2ad +

β

2bc− αbd

em R2.

Registramos a:

Definição 13.9. Sejam V um espaço vetorial real e α, β ∈ R. Uma estrutura(α, β)-metálica em V é um operador linear J : V → V satisfazendo

J2 = αIdV + βJ.17Funções analíticas f : R→ R podem ser estendidas para C0,0, e então mostra-se que

vale f (x + ε) = f (x) + ε f ′(x). Exemplo bobo: (x + ε)2 = x2 + 2xε + ε2 = x2 + 2xε, então(x2)′ = 2x.

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Observação. A motivação para a terminologia usada de estruturas “me-tálicas” vem da análise das raízes do polinômio x2− βx− α, quando α e βsão positivos. Temos duas raízes reais:

σα,β.=

β +√

β2 + 4α

2> 0 e β− σα,β.

Assim, temos:

• o número de ouro σ1,1 = φ = (1 +√

5)/2, razão de dois números deFibonacci consecutivos;

• o número de prata σ1,2 = 1 +√

2, razão de dois números de Pellconsecutivos;

• o número de bronze σ1,3 = (3 +√

13)/2, presente em alguns tópicosde sistemas dinâmicos;

• o número de cobre σ2,1 = 2;

• o número de níquel σ3,1 = (1 +√

13)/2.

Daí, pode-se falar em “espaços vetoriais dourados” e outras coisas assim.Veja [9] para mais detalhes18 (a nível de variedades).

Exercício 13.20 (Bonus track - II). Vejamos o Exemplo 10.2 (p. 54) em gene-ralidade máxima. Mostre que:

(a) A matriz

J =

0 αIdn

Idn βIdn

determina uma estrutura (α, β)-metálica em R2n. Isto corresponde àmultiplicação por u em (Cα,β)

n.

(b) Se V é um espaço vetorial real qualquer, então

J : V ×V → V ×V(x, y) 7→ (αy, x + βy)

é uma estrutura (α, β)-metálica em V ×V.

18Cuidado: lá, o nosso σα,β seria o σβ,α das autoras.

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(c) Se V é um espaço vetorial real e J : V → V é uma estrutura (α, β)-metálica, então J∗ : V∗ → V∗ é uma estrutura (α, β)-metálica em V∗.

Exercício 13.21 (Bonus track - III). Sejam V um espaço vetorial real, α, β ∈R, e J : V → V uma estrutura (α, β)-metálica. Vamos revisitar o Exercício13.1 (p. 79). Mostre que:

(a) J é um isomorfismo se e somente α 6= 0. Neste caso, vale a expressãoJ−1 = (−β/α)IdV + (1/α)J.

(b) a multiplicação por escalar definida por

(a + ub) · v .= av + bJ(v)

torna V um Cα,β-módulo.

(c) se β2 + 4α < 0 (ou seja, Cα,β é um corpo, pelo exercício anterior) ev1, . . . , vn é uma R-base do espaço original V, então é uma Cα,β-basede V munido da multiplicação definida em (a).

(d) se T : V → V uma transformação R-linear, então T é Cα,β-linear se esomente se JT = TJ.

Dica. No item (c), para mostrar que v1, . . . , vn é linearmente indepen-dente sobre Cα,β, aplique J na relação ∑n

k=1 akvk + bk J(vk) = 0 e elimine osJ(vk) do sistema de equações resultante. Quais serão os coeficientes dosvk na expressão resultante?

Observação. Um contra-exemplo para o item (c) quando Cα,β não é umcorpo: o operador

J =(

0 11 0

)define uma estrutura para-complexa em R2. Temos que e1, e2 é linear-mente independente sobre R mas não sobre C′, pois

he1 − e2 = J(e1)− e2 = e2 − e2 = 0.

Divisores de zero são um problema!

Hora de generalizar VC:

Definição 13.10. Sejam V um espaço vetorial real e α, β ∈ R. Definimos a(α, β)-metalificação de V como o Cα,β-módulo VCα,β

.= Cα,β ⊗R V.

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Observação. A possível notação alternativa Vα,β, apesar de mais simples,poderia causar ambiguidades: inicialmente, Cα,β poderia passar a denotarCα,β ⊗R C ∼= z + uw | z, w ∈ C 6∼= Cα,β e, portanto, (Cα,β)

n 6= (Cn)α,β, demodo que Cn

α,β pode ter mais de um significado. Usaremos Cnα,β

.= (Cα,β)

n.

Exercício 13.22 (Bonus track - IV). Sejam V um espaço vetorial real, α, β ∈R, e J : V → V uma estrutura (α, β)-metálica. Mostre que:

(a) (Rn)Cα,β∼= Cn

α,β, Pn(R)Cα,β∼= Pn(Cα,β) e Mat(n, R)Cα,β

∼= Mat(n, Cα,β)

(ou seja, os itens (1), (2) e (3) do Exemplo 10.4 (p. 55) continuam ver-dadeiros).

(b) o resultado do Exercício 13.2 (p. 79) continua verdadeiro, ou seja, po-demos identificar elementos de VCα,β com somas da forma u+ uv, ondeu, v ∈ V. Em particular, a (α, β)-conjugação em Cα,β passa para VCα,β :u + uv = (u + βv)− uv.

Observação. Em (a), o item (4) também permanece verdadeiro. Mas dare-mos atenção especial para isto no Exercício 13.25 adiante.

Exercício 13.23 (Bonus track - V). Sejam V um espaço vetorial real, α, β ∈ R

e J : V → V uma estrutura (α, β)-metálica. A situação dada no Exercí-cio 13.3 (p. 79) torna-se muito mais delicada. Sabemos que o polinômiominimal de J satisfaz mJ(x) | x2 − βx − α. Como anteriormente, ponha∆ .= β2 + 4α. Verifique os casos:

(a) se ∆ > 0, então J é diagonalizável. Descreva brevemente, em V, o queacontece para cada uma das três possibilidades de mJ(x).

(b) se ∆ = 0, então J é um múltiplo da identidade, ou não é diagonalizá-vel. Nesta última situação, nem a extensão Cα,β-linear de J para Vα,β édiagonalizável.

(c) se ∆ < 0, é claro que as duas raízes de x2 − βx − α em Cα,β são pre-cisamente u e u = β− u. Deste modo, os resultados do Exercício 13.3podem ser adaptados sem dificuldades: suponha que Vu e Vβ−u sejamos auto-espaços de J em VCα,β . Temos:

• a soma direta VCα,β = Vu ⊕Vβ−u.

• Vβ−u = Vu

• Vu =

u +u

αJ(u) | u ∈ V

e Vβ−u =

u +

u

α(βu− J(u)) | u ∈ V

.

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• para todo v ∈ V, vale a decomposição

v =(β2 + 2α)v− βJ(v)

β2 + 4α+ u−βv + 2J(v)

β2 + 4α

+2αv + βJ(v)

β2 + 4α+ u

βv− 2J(v)β2 + 4α

,

onde a soma das duas primeiras parcela está em Vu e a soma dasduas últimas em Vβ−u.

Observação. Se ∆ > 0, a equação x2− βx− α = 0 tem quatro soluções emCα,β, a saber: σα,β, β− σα,β, u e β− u. Assim, como Cα,β é comutativo, osquatro “autoespaços” associados à estes autovalores são Cα,β-submódulosde VCα,β , que podem ter interseções não-triviais! Por exemplo, os autoes-paços da extensão da estrutura para-complexa

J =(

0 11 0

)em R2 para (C′)2 associados aos autovalores 1 e h são

E1 = (a + bh, a + bh) | a, b ∈ R e Eh = (a + bh, b + ah) | a, b ∈ R,

que se intersectam ao longo de uma reta, determinada por a = b (e noteque pelo Exercício 13.19, todos os divisores de zero em C′ são múltiplosreais de 1 + h e 1− h).

Exercício 13.24 (Bonus track - VI). Em vista da observação acima, não éclaro que o resultado do Exercício 13.4 (p. 79) continuará válido no casogeral. Vamos registrar neste exercício o que conseguimos: sejam V umespaço vetorial real, α, β ∈ R tais que ∆ = β2 + 4α < 0, e suponha queVCα,β = W ⊕W para algum Cα,β-subespaço de VCα,β . Mostre que existeuma única estrutura (α, β)-metálica J : V → V tal que Vu = W e Vβ−u = W.

Dica. Dado v ∈ V, escreva v = w1 + uw2 + z1 + uz2, com w1 + uw2 ∈ W ez1 + uz2 ∈W. Mostre que necessariamente tem-se

z2 = −w2, w1 =u− βw2

2e z1 =

u + βw2

2.

Pelo item (c) do Exercício 13.23, estamos forçados a definir

J(u) .=

(β2 + 4α)w2 + βu2

.

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Verificar que J é metálica envolve uma conta longa que torna-se menoschata se você fizer uma engenharia reversa, tendo em mente qual o resul-tado que devemos ter.

Exercício 13.25 (Bonus track - VII). Agora, vamos ver o que acontece comos resultados do Exercício 13.5 (p. 80). Sejam V um espaço vetorial real,α, β ∈ R e J : V → V uma estrutura (α, β)-metálica.

(a) Com as identificações do Exercício 13.22 (p. 89), mostre que existe umisomorfismo de Cα,β-módulos Φ : Cα,β ⊗R V∗ → (Cα,β ⊗R V)∗ tal quese ϕ = ϕ1 + uϕ2 ∈ (V∗)Cα,β e w = w1 + uw2 ∈ VCα,β , então

Φ(ϕ)(w) = ϕ1(w1) + αϕ2(w2) + u(

ϕ1(w2) + ϕ2(w1) + βϕ2(w2)).

(b) Assuma α 6= 0. Mostre que

Φ((V∗)u) = Ann(Vβ−u) e Φ((V∗)β−u) = Ann(Vu).

Observação. Cometendo todos os abusos de notação e identificações pos-síveis, note que a fórmula do item (a) é basicamente dada pelo produto(ϕ1 + uϕ2)(w1 + uw2).

Dica. No item (b), as inclusões ⊆ seguem diretamente do item anterior.Já as inclusões contrárias usam a hipótese de que α 6= 0, ao garantir quedado v ∈ V, existirá v′ ∈ V tal que v + uv′ ∈ Vβ−u (ou Vu, conforme anecessidade).

14 Revisando grupos de Lie (24/05)

14.1 Ações de grupos de Lie

Definição 14.1. Sejam G um grupo de Lie e M uma variedade diferenciá-vel. Uma ação (à esquerda) suave de G em M é uma aplicação suave

ϕ : G×M→ M(g, p) 7→ ϕg(p) ≡ g · p

tal que a aplicação

G → Diff(M)

g 7→ ϕg : M→ Mp 7→ g · p

seja um homomorfismo de grupos. Escrevemos simplesmente G M.

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Observação.

• Reformulando, valem as relações usuais (gh) · p = g · (h · p) paratodos g, h ∈ G, e e · p = p, para todo p ∈ M. Note que (ϕg)−1 = ϕg−1 .

• A definição de ação à direita é análoga.

• É também conveniente, para p ∈ M, escrever a outra função “par-cial” de ϕ como ϕp : G → M e ϕp(g) = g · p.

Exemplo 14.2.

(1) Um grupo linear é um grupo de Lie G ≤ GL(n, R), por exemplo, O(n, R),SO(n, R), SL(n, R), etc.. Tais grupos agem canônicamente em Rn. Emparticular, obtemos por restrição ações na esfera: O(n, R) Sn−1 eSO(n, R) Sn−1.

(2) S1 S2 via rotações em torno do eixo z. Vemos elementos de S1 comoângulos:

x

z

y

Figura 17: Ação do círculo na esfera.

(3) Se G é um grupo de Lie, então G G em três modos diferentes:

• Translação à esquerda: g ∈ G age como Lg(h).= gh.

• Translação à direita: g ∈ G age como Rg−1(h).= hg−1. A inversa

é necessária para garantir que de fato obtemos uma ação. Dadosg1, g2 ∈ G, temos

g1 · (g2 · h) = g1 · (hg−12 ) = hg−1

2 g−11 = h(g1g2)

−1 = (g1g2) · h.

Esta mesma conta deixa claro que (g, h) 7→ hg só define uma açãoà esquerda de G sobre si mesmo, se G for abeliano.

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• Ação por conjugação: g ∈ G age combinando as duas ações ante-riores, com Ig(h)

.= Lg(Rg−1(h)) = ghg−1. A notação Ig vem do

fato de automorfismos de G desta forma serem chamados internos(inner automorphisms).

(4) Fixado um parâmetro α ∈ R, definimos uma ação R T2 = R2/Z2

via t · (x, y) .= (x + t, y + αt). Ou seja, fazemos um ponto (x, y) andar

ao longo de uma linha no toro com inclinação α, conforme a figura:

x

y

(x, y)(x, y) + t(1, α)

T2(x, y)

Figura 18: Ação da reta no toro.

Pode-se mostrar que se α é racional, então as órbitas da ação são cur-vas mergulhadas e fechadas no toro, enquanto que se α é irracional,as órbitas são densas no toro e nunca se fecham (neste caso, não sãosubvariedades mergulhadas de T2).

(5) Se G M, então ambos TM e T∗M herdam a ação de G.

• Em TM, fazemos um elemento g ∈ G agir num vetor tangentev ∈ TM via derivada:

g · v .= d(ϕg)p(v),

onde p ∈ M é o ponto base de v. Note que (abusando da notação),o ponto base de g · v é precisamente g · p. É claro que e · v = vpois ϕe = IdM, e a regra da cadeia nos dá

(g1g2) · v = d(ϕg1g2)p(v) = d(ϕg1 ϕg2)p(v)= d(ϕg1)ϕg2 (p) d(ϕg2)p(v) = g1 · (g2 · v),

quaisquer que sejam g1, g2 ∈ G, e assim temos uma ação G TM,como queríamos.

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• Em T∗M, fazemos um elemento g ∈ G agir num covetor ξ ∈ T∗Mvia levantamento cotangente (apresentado no Exercício 6.14, p.41):

g · ξ .= ϕg(ξ) = ξ (d(ϕg)p)

−1 = ξ d(ϕg−1)g·p,

onde p ∈ M é o ponto base de ξ. Na verdade, você já mostrouque isso define uma ação G T∗M nos itens (c) e (d) do exercíciomencionado acima. Note que do mesmo modo que ocorreu parao caso anterior, o ponto base de g · ξ é g · p.

Definição 14.3. Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade diferenciável,G M uma ação, e p ∈ M.

(i) a órbita de p é Op.= g · p | g ∈ G ⊆ M.

(ii) o estabilizador de p é Gp.= g ∈ G | g · p = p ⊆ G.

Observação.

• As órbitas de uma ação G M são precisamente as classes de equi-valência da relação

p ∼ q ⇐⇒ q = g · p para algum g ∈ G

em M. Um dos problemas principais no estudo de ações é entendero espaço de órbitas M/G .

= M/∼.

• Para cada p ∈ M, Gp é um subgrupo fechado de G, e como con-sequência, o quociente G/Gp possui uma estrutura de variedade di-ferenciável (que em geral não tem motivo para possuir uma estru-tura de grupo, visto que Gp não precisa ser normal em G). Por de-finição de estabilizador, segue que a aplicação parcial ϕp : G → Mpassa ao quociente para uma imersão ϕp : G/Gp → M. Portanto, asórbitas da ação G M são subvariedades imersas de M. Mas em ge-ral, não precisam ser mergulhadas (vide o item (4) do Exemplo 14.2acima). Pode-se mostrar, entretanto, que as órbitas são mergulhadas,se G é compacto19.

Se G é um grupo de Lie, M é uma variedade diferenciável, e G M éuma ação suave, então para cada p ∈ M, a aplicação ϕp : G → M satisfazϕp(e) = p, e portanto podemos considerar a derivada

d(ϕp)e : g→ TpM

u 7→ (u#)p.= d(ϕp)e(u).

19Isto segue do fato de que uma imersão injetora e própria é necessariamente um mer-gulho.

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Pedimos no Exercício 18.4 que você mostre que u# ∈ X(M). Este campo échamado o gerador infinitesimal (ou campo fundamental) da ação, associadoao vetor u ∈ g.20

Exemplo 14.4. Vejamos alguns casos, continuando o Exemplo 14.2:

(1) Se G ≤ GL(n, R) é um grupo de Lie linear e G Rn, temos que a açãoϕ(A, p) = Ap é bilinear, e assim temos que

(u#)p = d(ϕp)Idn(u) = up

para todo u ∈ g. Então o gerador infinitesimal associado à u acaba porser o próprio u.

(2) Para a ação S1 S2 dada por rotação, se identificamos S1 com o quo-ciente R/2πZ, temos que a ação é dada por

ϕθ(x, y, z) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ, z),

com ϕ0 = IdS2 e T0S1 ∼= R de forma natural. Então o gerador infinite-simal associado à u ∈ R é dado por

(u#)(x,y,z) = d(ϕ(x,y,z))0(u)

=ddt

∣∣∣∣t=0

(x cos(tu)− y sen(tu), x sen(tu) + y cos(tu), z)

= (−uy, ux, 0),

que reforça nossa intuição geométrica:

x

z

y

Figura 19: Gerador infinitesimal para S1 S2.

20Pode ser relevante notar a diferença entre # e ], não confunda com isomorfismosmusicais.

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(3) Seja G um grupo de Lie, agindo em si mesmo: G G. Dado umelemento u ∈ g, denote por uL e uR as únicas extensões invariantesà esquerda e à direita de u (veja o Exercício 18.1). Fixe h ∈ G e umacurva α : ]−ε, ε[ → G tal que α(0) = e e α′(0) = u. Temos três açõespara analisar:

• Para a ação via translações à esquerda, temos

(u#)h = d(ϕh)e(u) = d(Rh)e(u) = (uR)h.

Ou seja, os geradores infinitesimais para ações via translação àesquerda são campos invariantes à direita.

• Para a ação via translações à direita, você já deve imaginar o quevai acontecer:

(u#)h = d(ϕh)e(u) = d(Lh inv)e(u)

= d(Lh)e(d(inv)e(u)

)= d(Lh)e(−u)

= −(uL)h,

onde usamos que a inversão inv : G → G satisfaz d(inv)e = −Idg

(veja o Exercício 18.2).• Como a ação via conjugação é uma combinação das duas anteri-

ores, um palpite ingênuo seria que o gerador infinitesimal nestecaso é a soma dos dois geradores anteriores. Surpreendentemente,veremos que este é o caso! A igualdade

g−1(ghg−1)g = h

lê-se como m3 (inv, ϕh, IdG) = cte., onde m3 : G × G × G → Gé multiplicação de três elementos de G em ordem. No Exercício18.2, também pedimos que você calcule a derivada de m3. Deri-vando tudo em relação à g na identidade e avaliando em u, temos

d(m3)(e,h,e)(−u, (u#)h, u) = 0,

donde−d(Rh)e(u) + (u#)h + d(Lh)e(u) = 0,

e finalmente(u#)h = (uR)h − (uL)h,

como afirmamos21.21Outro jeito possivelmente mais rápido é calcular diretamente

(u#)h =ddt

∣∣∣∣t=0

α(t)hα(t)−1

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(4) Para a ação R T2 dada via fluxo com parâmetro α ∈ R, temos que 0age como a identidade, e para u ∈ R ∼= T0R vale

(u#)(x,y) = d(ϕ(x,y))0(u) =ddt

∣∣∣∣t=0

(x + tu, y + αtu) = (u, uα),

que corresponde (a menos de dilatação por u) no toro ao vetor tangenteà órbita que o ponto (x, y) percorre:

T2(x, y)

Figura 20: Gerador infinitesimal para R T2.

14.2 Representações e exemplos

Definição 14.5. Sejam G um grupo de Lie e V um espaço vetorial (real, dedimensão finita). Uma representação de G em V é uma ação G V que élinear:

G → GL(V) ⊆ Diff(V)

g 7→ ϕg : V → V.

Também diremos que a representação é fiel se G → GL(V) for injetora.

Observação. Note que GL(V) é também um grupo de Lie, e a represen-tação é um morfismo de grupos de Lie, cuja derivada na identidade nosdá uma representação da álgebra de Lie, g→ gl(V) = TIdV GL(V) = End(V),que é um morfismo de álgebras de Lie. Pode-se mostrar que se G é sim-plesmente conexo, toda representação de g é desta forma.

Exemplo 14.6.

(1) Representação canônica: se G ≤ GL(n, R) é um grupo de Lie linear, ainclusão G → GL(n, R) ∼= GL(Rn) define uma representação fiel de Gem Rn.

usando o truque usual: defina f : ]−ε, ε[2 → G por f (s, t) = α(s)hα(t)−1, note que temos(u#)h = g′(0) onde g : ]ε, ε[ → G é dada por g(t) = f (t, t), e aplique a regra da cadeiacalculando as derivadas parciais de f .

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(2) Representações de Rn: temos as seguintes representações em Rn e Cn:

Rn → GL(n, R) ∼= GL(Rn)

(x1, . . . , xn) 7→ diag(ex1, . . . , exn

)

e

Rn → GL(n, C) ∼= GL(Cn)

(x1, . . . , xn) 7→ diag(e2πix1, . . . , e2πixn

),

mas note que apenas a primeira é fiel, enquanto a segunda possuicomo núcleo Zn.

(3) Representação de S1 em R2: vendo S1 = R/2πZ, temos uma representa-ção

S1 → GL(2, R) ∼= GL(R2)

[θ] 7→(

cos θ − sen θsen θ cos θ

)assumindo valores em SO(2, R).

(4) Representação adjunta G g. Para cada g ∈ G, a conjugação

Ig : G → G

h 7→ ghg−1

é um morfismo de grupos de Lie. Então para cada g temos um isomor-fismo Adg

.= d(Ig)e : g→ g, e acaba definida uma representação

Ad: G → GL(g)g 7→ Adg : g→ g,

chamada a representação adjunta de G em g. Esta representação induzuma representação ad .

= d(Ad)e : g→ gl(g) da álgebra de Lie g. Pode-se mostrar que ad(X)(Y) = [X, Y ], onde [·, ·] denota o colchete de Lieem g.

(5) Representação coadjunta G g∗. É definida a partir da representaçãoadjunta do item anterior, por

Ad∗ : G → GL(g∗)g 7→ (Adg−1)∗ : g∗ → g∗.

Veremos adiante que se ξ ∈ g∗, então a órbita coadjunta Oξ ⊆ g∗ semprepossui uma estrutura simplética.

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(6) Representação normal. Se são dadas uma ação suave G M e um pontop ∈ M, definimos a fibra normal sobre p como Np

.= TpM/Tp(Op). Se

g ∈ Gp, então a derivada d(ϕg)p : TpM → TpM passa ao quocientecomo um isomorfismo

νg : Np → Np

[x] 7→ [d(ϕg)p(x)].

Coletar todos estes isomorfismos numa única aplicação nos dá umarepresentação ν : Gp → GL(Np). Esta representação possui todas asinformações infinitesimais da ação original, em torno das órbitas. Ve-remos adiante como isto acontece.

Se G é compacto (ou mais geralmente, se a ação G M é própria), valea seguinte versão equivariante da existência de vizinhanças tubulares:existem abertos G-invariantes de (G × Np)/Gp e M contendo G/Gpe Op, e um difeomorfismo Φ entre estes abertos que preserva órbitas,cuja restrição à G/Gp é precisamente ϕp:

Op ⊆ M

abertos

Φ

G-invariantes

G× Np

Gp

GGp

ϕp

Figura 21: Vizinhanças tubulares G-invariantes.

15 Fibrados vetoriais equivariantes

Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade diferenciável, e G Muma ação. Suponha que Q ⊆ M seja uma subvariedade G-invariante, ouseja, que ϕg(Q) ⊆ Q para todo g ∈ G. Então a ação se restringe para Q,ϕg : Q → Q, e para todo p ∈ Q o isomorfismo d(ϕg)p : TpM → Tg·pMdesce ao quociente como um isomorfismo entre os espaços normais:

Φg : NpQ→ NpQ[X] 7→ [d(ϕg)p(X)]

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Ou seja, o fibrado normal NQ herda uma ação de G por automorfismosdo fibrado vetorial cobrindo a ação inicial G M. Esta situação motiva adefinição mais geral:

Definição 15.1. Seja G um grupo de Lie. Um fibrado vetorial G-equivarianteé um fibrado vetorial (E, π, M) equipado com uma ação Φ : G× E→ E deG por automorfismos do fibrado E, cobrindo alguma ação ϕ : G×M→ M.

M

p g · p

Ep Eg·p

ϕg

Φg

Figura 22: G E cobrindo G M.

Já temos exemplos prontos:

Exemplo 15.2. Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade diferenciável,e G M uma ação suave. Então:

(1) TM é um fibrado vetorial G-equivariante, com a ação G TM dadavia derivada.

(2) T∗M é um fibrado vetorial G-equivariante, com a ação G T∗M dadavia levantamento cotangente.

(3) se Q ⊆ M é uma subvariedade G-invariante, vimos que o fibrado nor-mal NQ é G-equivariante, com ação G NQ dada pela passagem dasderivadas da ação original ao quociente. Como caso particular, noteque toda órbita O⊆ M é G-invariante.

O item (3) acima motiva a:

Definição 15.3. Sejam G um grupo de Lie e M uma variedade diferenciá-vel. Diremos que uma ação suave G M é transitiva se dados p, q ∈ M,existir g ∈ G tal que q = g · p.

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Observação. Neste caso temos apenas uma órbita, e o espaço M/G con-siste de apenas um ponto.

Vale registrar o seguinte resultado geral, de caráter algébrico:

Lema 15.4. Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade diferenciável e G Muma ação suave. Então para todo p ∈ M, Op ∼= G/Gp. Em particular, se a açãoé transitiva, temos M ∼= G/Gp.

A bijeção é justamente a aplicação ϕp vista após a Definição 14.3 (p.94). Com este resultado em mente, é natural voltarmos a nossa atençãopara espaços da forma G/Gp.

Definição 15.5. Um espaço homogêneo é uma variedade diferenciável daforma G/H, onde G é um grupo de Lie e H ⊆ G é um subgrupo de Liefechado.

Os comentários anteriores essencialmente nos dão uma correspondên-cia ações

G-transitivas

←→

espaçoshomogêneos G/H

G M←→ G/Gp.

Então, estudaremos fibrados vetoriais G-equivariantes sobre um es-paço homogêneo G/H, com a seguinte “receita”: seja ρ : H → GL(V)uma representação do subgrupo H em um espaço vetorial V, e considereo fibrado vetorial trivial (G × V, pr1, G). Temos uma ação H G dadapor translação à esquerda (como no item (3) do Exemplo 14.2, p. 92), quejuntamente com a representação nos dá uma ação H (G×V), dada por

h · (g, v) .= (gh−1, ρh(v)),

o que torna (G×V, pr1, G) um fibrado H-equivariante (isso acaba por serum caso particular do Exercício 18.7). Vamos registrar os principais pontossobre esta construção na:

Proposição 15.6. No contexto acima:

(i) A ação H (G×V) é livre, ou seja, todos os estabilizadores são triviais.

(ii) A projeção pr1 : G×V → V induz uma projeção

G×H V .=

(G×V)

H−−−→ G

H.

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Demonstração: O item (i) segue olhando o que acontece na primeira com-ponente: se gh−1 = g, então h = e. Portanto h · (g, v) = (g, v) implica queh = e, e como (g, v) ∈ G× V era qualquer, concluímos que a ação é livre.Já para o item (2), basta ver que dados (g, v) ∈ G×V e h ∈ H, temos

pr1(h · (g, v)) = pr1(gh−1, ρh(v)) = gh−1 = Rh−1(g) = Rh−1(pr1(g, v)).

Isto nos diz que dois elementos de G × V na mesma órbita são levadospor pr1 na mesma classe no espaço homogêneo G/H. Logo, pr1 desce aoquociente.

Então, obtivemos um fibrado vetorial G ×H V → G/H, que herdauma ação de G, dada por Φg([(g′, v)]) .

= [(gg′, v)]. Portanto, temos queG×H V → G/H é um fibrado vetorial G-equivariante sobre o espaço ho-mogêneo G/H.

Vejamos um exemplo concreto:

Exemplo 15.7. ConsidereZ2 como um subgrupo do círculo S1. Temos umarepresentação

Z2 → GL(R)

±1 7→ ±IdR,

e que S1/Z2∼= S1 (a aplicação S1 ∈ z 7→ z2 ∈ S1 desce ao quociente para

um difeomorfismo S1/Z2 → S1).O fibrado vetorial S1 ×Z2 R → S1 acaba por ser uma faixa de Möbius

infinita. A ideia é passar a ação S1 (S1 ×R) dada por

1 · (z, v) = (z, v) e (−1) · (z, v) = (−z,−v)

para o quociente e olhar o fibrado sobre S1/Z2 como um fibrado sobreS1, tendo em mente que o difeomorfismo mencionado antes apenas alteraa “velocidade” com que enxergamos as fibras serem torcidas. Vendo S1

como o intervalo [−1, 1] com os extremos identificados, temos que a açãoage identificando as fibras sobre −1 e 1 via (1, v) ∼ (−1,−v):

1

(1, v)

−1

(−1,−v)

Figura 23: Uma faixa de Möbius infinita.

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O próximo resultado nos diz que na verdade todo fibrado vetorial equi-variante sobre um espaço homogêneo é dado por este tipo de construção:

Proposição 15.8. Sejam G/H um espaço homogêneo e (E, π, G/H) um fibradovetorial G-equivariante. Então temos que E ∼= G×H V para alguma representa-ção ρ : H → GL(V).

Demonstração: Seja V = E[e] a fibra de E sobre a identidade de G/H.A ação de G em E induz uma ação linear de H em V, nos fornecendo arepresentação ρ : H → GL(V) procurada, pois [h] = [e] ∈ G/H para todoh ∈ H, de modo que a ação de H preserva V. Com isto, notamos que aaplicação

G×V → E(g, v) 7→ Φg(v)

é linear na variável v, e constante nas órbitas da ação H (G × V). Defato, para todo h ∈ H temos que

(gh−1, ρh(v)) 7→ Φgh−1(ρh(v)) = Φg Φh−1(ρh(v))

= Φg(ρh−1ρh(v))= Φg(v).

A aplicação G ×H V → E induzida no quociente é o isomorfismo procu-rado.

Como consequência deste resultado, se (E, π, M) é um fibrado veto-rial G-equivariante cobrindo uma ação transitiva G M, então E podeser visto como um fibrado vetorial G-equivariante sobre G/Gp, para al-gum p ∈ M. Deste modo, todo elemento g ∈ Gp manda a fibra Ep em simesma, e fica definida uma representação ρ : Gp → GL(Ep), que por suavez determina um isomorfismo de fibrados vetoriais

E ∼= G×Gp Ep

sobre G/Gp, exatamente como feito na demonstração acima.

Exemplo 15.9. Como caso particular da discussão acima, suponha queG M seja uma ação suave, e que Op seja a órbita de um ponto p ∈ M.Então, o fibrado vetorial G-equivariante NOp → Op é isomorfo ao fibrado

G×Gp Np →GGp

construído a partir da representação normal ρ : Gp → GL(Np) vista noitem (6) do Exemplo 14.6 (p. 97).

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Neste ponto, podemos enunciar formalmente a versão G-equivariantede vizinhançass tubulares que mencionamos

Teorema 15.10 (Slice). Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade diferenciá-vel, e G M uma ação própria. Considere um ponto p ∈ M e a sua órbitaOp ⊆ M. Então existem vizinhanças G-invariantes U ⊆ M de Op e V ⊆ Npde 0p ∈ Np, e um difeomorfismo G-equivariante G ×Gp V ∼= U estendendo aaplicação canônica G/Gp ∼= Op.

Op ⊆ M

abertosG-invariantes

GGp

NOp ∼= G×Gp Np

Figura 24: Vizinhanças tubulares G-invariantes.

Observação. Suponha que G M seja uma ação própria. Temos duasconsequências importantes:

• se G M é também livre, então M/G possui uma única estruturade variedade que torna M→ M/G uma submersão sobrejetora.

• se G M é localmente livre (ou seja, todos os estabilizadores da açãosão finitos), então M/G é um orbifold (orbit-manifold).

16 Ações Hamiltoneanas

Definição 16.1. Sejam G um grupo de Lie e (M, ω) uma simplética. Umaação suave

ϕ : G×M→ M(g, p) 7→ ϕg(p)

é dita simplética se para cada g ∈ G, a aplicação ϕg : M → M é um sim-plectomorfismo, ou seja, se ϕ∗gω = ω.

Exemplo 16.2.

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(1) Sejam (M, ω) uma variedade simplética e compacta, e f : M→ R umafunção suave. O campo Hamiltoneano X f ∈ X(M) determina umaação R M via fluxo:

t · p .= Φt,X f (p).

Esta ação é simplética pela Proposição 5.4 (p. 27).

(2) Sejam (M, ω) uma variedade simplética, e f1, . . . , fn : M → R funçõessuaves que Poisson-comutem, ou seja, fi, f jω = 0 para todas as pos-sibilidades de índices i e j. Suponha que os campos X fi ∈ X(M) se-jam completos, para 1 ≤ i ≤ n. Isto determina uma ação simpléticaRn M dada por

(t1, . . . , tn) · p .= Φt1,X f1

· · · Φtn,X fn(p).

Veja isto como uma generalização do item anterior, usando o Exercício18.6.

(3) Identifique Cn e R2n, desta vez com

(x1, y1, . . . , xn, yn) ≡ (x1 + iy1, . . . , xn + iyn).

O círculo S1 = z ∈ C | |z| = 1 age em Cn via

eiθ · (z1, . . . , zn).= (eiθz1, . . . , eiθzn).

Mais geralmente, temos uma ação do toro Tn = S1 × · · · × S1 em Cn,dada por

(eiθ1 , . . . , eiθn) · (z1, . . . , zn).= (eiθ1z1, . . . , eiθn zn),

cuja restrição à diagonal de Tn nos dá a ação anterior. Pensando emtermos reais, a ação é dada por rotação em blocos, ou seja, pela multi-plicação

cos θ1 − sen θ1 · · · 0 0sen θ1 cos θ1 · · · 0 0

...... . . . ...

...0 0 · · · cos θn − sen θn0 0 · · · sen θn cos θn

x1

y1

...xn

yn

,

donde fica claro que a ação é simplética.

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(4) Se G é um grupo de Lie agindo numa variedade diferenciável M, entãoa ação G T∗M induzida via levantamento cotangente é simplética,pelo Exercício 6.14.

Continuamos a investigar quocientes. Considere G é um grupo de Lie,(M, ω) uma variedade simplética, e G M é uma ação simplética. Se aação é livre e própria, o espaço de órbitas M/G possui uma única estruturade variedade diferenciável que torna a projeção M → M/G uma submer-são sobrejetora. Ou seja, a estrutura de variedade passa para o quociente.A próxima pergunta natural é se a estrutura simplética também passa parao quociente. A resposta é simples: não necessariamente, pois

dim(M/G) = dim M− dim G

pode ser ímpar. A última coisa que poderíamos pensar em passar parao quociente, neste contexto, seria o colchete de Poisson ·, ·ω de C∞(M)para C∞(M/G). Mas sem uma estrutura simplética em M/G, precisamosda seguinte abstração:

Definição 16.3. Uma variedade de Poisson é um par (P, ·, ·), onde P é umavariedade diferenciável e ·, · é um colchete de Poisson na álgebra de fun-ções suaves em P, ou seja, é uma aplicação R-bilinear

·, · : C∞(P)× C∞(P)→ C∞(P)

satisfazendo

(i) f , g = −g, f ;

(ii) f , gh = f , gh + g f , h, e;

(iii) f , g, h+ g, h, f + h, f , g = 0 ,

para todas f , g, h ∈ C∞(P).

Observação. Exemplos óbvios: se (M, ω) é uma variedade simplética, en-tão (M, ·, ·ω) é uma variedade de Poisson. E para qualquer variedade,·, · .

= 0 é um colchete de Poisson.

O primeiro exemplo interessante é dado na:

Proposição 16.4. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética,e G M uma ação simplética. Então a álgebra de funções G-invariantes

C∞(M)G .= f ∈ C∞(M) | f (g · p) = f (p), para todos g ∈ G, p ∈ M

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é fechada para o colchete de Poisson ·, ·ω. Em particular, se G M é livre eprópria, então M/G admite uma única estrutura de Poisson ·, ·M/G que tornaa projeção pr : M→ M/G um morfismo de Poisson22.

Demonstração: Como a ação G M é simplética, para cada g ∈ G temosque ϕg : M → M é um simplectomorfismo. Segue do Teorema 5.10 (p. 30)que

f1, f2ω ϕg = f1 ϕg, f2 ϕgω

para quaisquer f1, f2 ∈ C∞(M). Se f1, f2 ∈ C∞(M)G, tal relação se simpli-fica para f1, f2ω ϕg = f1, f2ω, ou seja, temos f1, f2ω ∈ C∞(M)G.

A última parte da proposição segue do fato de que pr : M → M/Ginduz C∞(M/G) ∼= C∞(M)G, via pull-back. De fato:

• se f ∈ C∞(M/G), então f pr ∈ C∞(M)G, pois dados g ∈ G ep ∈ M temos pr(g · p) = pr(p).

• se f1, f2 ∈ C∞(M/G) são tais que f1 pr = f2 pr, então segue quef1 = f2, já que pr é sobrejetora.

• se f ∈ C∞(M)G, então f : M/G → R dada por f (pr(p)) .= f (p)

está bem-definida (pois f é G-invariante) e é suave (pela propriedadeuniversal das submersões).

Exemplo 16.5 (Estruturas lineares).

(1) Seja (g, [·, ·]) uma álgebra de Lie de dimensão finita. O espaço dual g∗

herda uma estrutura de Poisson dada por

f , g(ξ) .= ξ([d fξ , dgξ ]),

quaisquer que sejam f , g ∈ C∞(g∗) e ξ ∈ g∗. Note que d fξ : Tξg∗ → R

é linear, e que Tξg∗ ∼= g∗ de forma natural. Então, ainda de forma na-

tural, temos que d fξ ∈ g∗∗ ∼= g, e portanto a expressão que define ·, ·faz sentido. Esta é chamada a estrutura de Poisson linear determinadapor (g, [·, ·]).

(2) Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita, e V∗ o seu espaço dual.A identificação entre V e o seu bidual V∗∗ (já usada acima) é dada doseguinte modo: cada elemento u ∈ V determina uma aplicação linear

u : V∗ → R

ξ 7→ u(ξ) .= ξ(u).

22Ou seja, o pull-back pr∗ : C∞(M/G)→ C∞(M) preserva os colchetes.

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Em geral, diremos que uma estrutura de Poisson ·, ·V∗ é linear, sedados u, v ∈ V tem-se que u, vV∗ é também linear e suave. Sendoeste o caso, existe um único w ∈ V tal que u, vV∗ = w. Denotandow .= [u, v], temos um colchete de Lie em V, e portanto uma correspon-

dência biunívocaestruturas de Poisson

lineares em V∗←→

estruturas de álgebra

de Lie em V

.

Veja o Exercício 18.10 para mais detalhes.

Agora, voltamos às ações simpléticas:

Proposição 16.6. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética,e G M uma ação simplética. Então a ação infinitesimal

ρ : g→ X(M)

u 7→ u#

é dada por campos simpléticos.

Demonstração: Vejamos apenas que cada u# é um campo simplético. Ouseja, vejamos que a forma ιu#ω é fechada. Pelo item (b) do Exercício 18.4(p. 122), sabemos que o fluxo de u# é dado por Φt,u#(p) = exp(tu) · p, paratodo p ∈ M. Como a ação de G em M é simplética, para cada t temos queϕ∗exp(tu)ω = ω, e segue da fórmula mágica de Cartan que

0 =ddt

∣∣∣∣t=0

ϕ∗exp(tu)ω = Lu#ω = d(ιu#ω

),

como desejado.

Fica então determinado um diagrama de morfismos de álgebras de Lie

(XHam(M, ω), [·, ·]) (XSp(M, ω), [·, ·])

(C∞(M), ·, ·ω) g

ρ

Figura 25: Ação dada por campos simpléticos.

que motiva a:

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Definição 16.7. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplé-tica, e G M uma ação simplética. Diremos que a ação é Hamiltoneana seexiste um morfismo de álgebras de Lie µ : g→ C∞(M) (chamado mapa decomomento) tal que o seguinte diagrama comuta:

(XHam(M, ω), [·, ·]) (XSp(M, ω), [·, ·])

(C∞(M), ·, ·ω) g

ρ

µ

Figura 26: Definição da aplicação comomento.

Observação.

• A rigor, ρ é um anti-morfismo. Veja o Exercício 18.4.

• Não necessariamente existe tal µ. E mesmo existindo, µ pode não serúnico. A existência e a unicidade de µ pode ser estudada em termosda chamada cohomologia de Chevalley de g.

• Para u ∈ g, denotamos a função µ(u) por µu. Por definição, temosque ιu#ω = dµu, ou seja, µu é uma Hamiltoneana para o campou#. Adicionalmente, se v ∈ g é outro vetor, também vale a relaçãoµ[u,v] = µu, µvω.

• Se µ : g→ C∞(M) é linear, podemos definir uma função suave

µ : M→ g∗

p 7→ µ(p) : g→ R

u 7→ µu(p).

Reciprocamente, se µ : M→ g∗ é suave, temos uma função linear

µ : g→ C∞(M)

u 7→ µ(u) : M→ R

p 7→ µ(p)(u),

e assim obtemos uma correspondência Lin(g, C∞(M)) ∼= C∞(M; g),que associa o mapa de comomento µ ao mapa de momento µ. Pode-se ainda mostrar que se µ é o mapa de comomento de alguma açãoHamiltoneana, então µ é um morfismo de Poisson (veja a Proposição16.9, p. 113 adiante).

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Exemplo 16.8.

(1) Vimos que se (M, ω) é uma variedade simplética e f : M→ R é suavee tal que o seu campo Hamiltoneano seja completo, então temos umaação simplética R M dada por t · p .

= Φt,X f (p). Tendo em menteque g ∼= g∗ ∼= R, temos que tal ação é na verdade Hamiltoneana,com aplicação momento dada (em cada ponto) por multiplicação porf , ou seja, µ(p)(a) = a f (p). Para verificar isto, é suficiente ver quea aplicação comomento é µ : R → C∞(M), dada por µa = a f . Comefeito: temos

(a#)p = d(ϕp)0(a) =ddt

∣∣∣∣t=0

Φat,X f (p)

=ddt

∣∣∣∣t=0

cp,X f (at) = aX f (p)

= Xa f (p),

como queríamos, e que µ é um morfismo de Poisson, pois R tem di-mensão 1 (portanto é uma álgebra de Lie abeliana), e dados a, b ∈ R,temos µa, µbω = a f , b f ω = ab f , f ω = 0.

(2) A ação S1 Cn dada por eiθ · (z1, . . . , zn).= (eiθz1, . . . , eiθzn) é Hamil-

toneana. Note que a álgebra de Lie de S1 é isomorfa à iR, conforme afigura abaixo:

S1

iR

Figura 27: A álgebra de Lie de S1.

Se a ∈ R ∼= iR, podemos determinar a ação infinitesimal diretamente:

(a#)(z1,...,zn) =ddt

∣∣∣∣t=0

d(ϕ(z1,...,zn))1(a)

=ddt

∣∣∣∣t=0

(eiatz1, . . . , eiatzn) = (iaz1, . . . , iazn),

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usando que a curva α : R→ S1 dada por α(t) = eiat satisfaz α(0) = 1 eα′(0) = ia. Em termos dos campos coordenados complexos, temos

a# =n

∑k=1

iazk ∂

∂zk − iazk ∂

∂zk .

Afirmamos que esta ação é Hamiltoneana. Para tanto, vamos calculara aplicação momento µ : Cn → R∗ ∼= R. Temos que

ιa#ω = ω(a#, ·) = i2

n

∑k=1

dzk ∧ dzk(a#, ·)

=i2

n

∑k=1

∣∣∣∣ iazk dzk

−iazk dzk

∣∣∣∣ = i2

n

∑k=1

iazk dzk + iazk dzk

= − a2

n

∑k=1

zk dzk + zk dzk = − a2

n

∑k=1

d(|zk|2)

= d

(− a

2

n

∑k=1|zk|2

),

donde concluímos que

µ(z1, . . . , zn) = −12

n

∑k=1|zk|2.

E de fato, µ é um morfismo de Poisson, visto que R tem dimensão 1 (elogo é abeliana), e que dados a, b ∈ R vale que

µa, µbω = ω(Xµa , Xµb) = ω(a#, b#)

=i2

n

∑k=1

dzk ∧ dzk(a#, b#) =i2

n

∑k=1

∣∣∣∣ iazk ibzk

−iazk −iabzk

∣∣∣∣=

i2

n

∑k=1

ab|zk|2 − ab|zk|2 = 0.

Segue também que a aplicação comomento µ : R → C∞(Cn) é dadapor µa = −a‖ · ‖2/2.

(3) Considere a ação diagonal SO(3, R) R6 ∼= R3 × R3, definida porA · (x, y) .

= (Ax, Ay). Recorde que a álgebra de Lie de SO(3, R) é

so(3, R) = X ∈ Mat(3, R) | X> = −X.

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Esta ação é Hamiltoneana, com aplicação de comomento dada por

µ : so(3, R)→ C∞(R6)

X 7→ µX : R3 ×R3 → R

(x, y) 7→ 〈y, Xx〉.

Pedimos que você verifique isto no Exercício 18.14. Observe que dadov = (a, b, c) ∈ R3, podemos encarar o produto vetorial por v como umoperador linear

R3 3 (x, y, z) 7→ v× (x, y, z) ∈ R3,

cuja matriz na base canônica é

Xv.=

0 c −b−c 0 ab −a 0

Agora, se consideramos o produto vetorial em R3 como um colchetede Lie, temos que a aplicação

R3 3 v 7→ Xv ∈ so(3, R)

é um isomorfismo de álgebras de Lie. Via tal aplicação, o produtointerno usual de R3 induz um isomorfismo so(3, R) ∼= so(3, R)∗, eassim vale que

µXv(x, y) = 〈y,Xvx〉 = 〈y, v× x〉 = 〈v, x× y〉.

Portanto, a aplicação de momento é

µ : R3 ×R3 → so(3, R) ∼= so(3, R)∗

(x, y) 7→ Xx×y,

que é interpretada neste contexto como momento angular.

(4) Seja (M, ω) uma variedade simplética, com forma simplética exata:ω = −dα, para alguma α ∈ Ω1(M). Se G é um grupo de Lie e G Mé uma ação preservando α (ou seja, ϕ∗gα = α para todo g ∈ G), entãoa ação é Hamiltoneana. É fácil ver que é simplética, de modo queresta achar uma aplicação comomento. Mas dado u ∈ g, podemosdefinir µu .

= ιu#α = α(u#) ∈ C∞(M). Pelo item (c) do Exercício 18.4, a

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condição de que a ação preserva α pode ser escrita infinitesimalmentecomo

0 = Lu#α = ιu#(dα) + d(ιu#α),

donde dµu = ιu#ω, ou seja, u# é o campo Hamiltoneano de µu. Paraver que µ é um morfismo de álgebras de Lie, consideramos u, v ∈ g enotamos que

u#(α(v#)) = dµv(u#) = ω(Xµv , u#) = −ω(u#, v#),

de modo que

µu, µvω = ω(Xµu , Xµv) = ω(u#, v#) = −dα(u#, v#)

= −(u#(α(v#))− v#(α(u#))− α([u#, v#]))

= α([u#, v#])− u#(α(v#)) + v#(α(u#))

= −α([u, v]#) + ω(u#, v#)−ω(v#, u#)

implica que µu, µvω = α([u, v]#), como desejado. Concluímos tam-bém que a aplicação momento é

µ : M→ g∗

p 7→ µ(p) : g→ R

u 7→ αp((u#)p).

Anteriormente, comentamos que uma aplicação momento é um mor-fismo de Poisson, se vier de uma ação Hamiltoneana. Vejamos isto emdetalhes agora:

Proposição 16.9. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética eG M uma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M→ g∗. Então µ éum morfismo de Poisson.

Observação. Neste enunciado, consideramos g∗ equipado com a estruturade Poisson linear vista no item (1) do Exemplo 16.5 (p. 107).

Demonstração: Como f , gg∗(ξ) = ξ([d fξ , dgξ ]) para todas f , g ∈ C∞(g),via a identificação de g com g∗∗, é suficiente mostrarmos que

u, vg∗ µ = u µ, v µω,

quaisquer que sejam u, v ∈ g. Para tal, usamos que µu = u µ e que aaplicação de comomento µ é um morfismo de Poisson:

u, vg∗ µ = [u, v] µ = µ[u,v] = µu, µvω = u µ, v µω,

como queríamos.

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17 Mais propriedades da aplicação momento

Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética, e G Muma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M → g∗. Vimos quepara cada u ∈ g, o gerador infinitesimal u# é o campo Hamiltoneano dafunção µu : M → R dada por µu(p) = µ(p)(u), ou seja, vale a igualdadedµu(X) = ω(u#, X) para todo campo X ∈ X(M). Usando a identificaçãog ∼= g∗∗, temos também a relação µu = u µ. Como u é linear, derivar estaigualdade em p ∈ M nos dá d(µu)p = u dµp. Isto nos diz que para cadap ∈ M, a derivada dµp : TpM→ g∗ é a aplicação linear dual à

θp : g→ T∗p M

u 7→ (ωp)[((u#)p),

onde (ωp)[ : TpM → T∗p M é o isomorfismo musical usual. Ou seja, θp éessencialmente um dispositivo para trocar a ordem dos argumentos:

θp(u)(X p) = dµp(X p)(u).

Como consequência, temos da Álgebra Linear que Im dµp = Ann(ker θp) ⊆g∗. Já o núcleo ker θp, por sua vez, é descrito do seguinte modo: um ele-mento u ∈ g satisfaz θp(u) = 0 se e somente se ωp((u#)p, ·) = 0, quepela não-degenerabilidade de ωp equivale a (u#)p = 0. Isto mostra queker θp = gp, onde

gp = u ∈ g | (u#)p = 0é a álgebra de Lie de isotropia de p23 (que é exatamente a álgebra de Lie doestabilizador Gp).

Acaba resultando desta discussão a:

Proposição 17.1. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética,e G M uma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M→ g∗. Então µé uma submersão em p ∈ M se e somente se o estabilizador Gp é discreto.

Seria natural agora nos perguntarmos sobre o núcleo ker dµp. Nestecaso a situação é mais simples, e pedimos que você mostre no Exercício18.17 que ker dµp é ωp-ortogonal ao espaço tangente à órbita TpOp.

23Fatos básicos:

(i) Se a ação é livre, então gp = 0 para todo p ∈ M.

(ii) Reciprocamente, se gp = 0, então Gp é discreto.

(iii) A ação é dita localmente livre se gp = 0 para todo p ∈ M.

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O próximo resultado, celebrado na Física, estabelece uma relação entrea aplicação momento e a noção de “quantidade conservada”:

Teorema 17.2 (Noether). Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedadesimplética, e G M uma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M →g∗. Suponha que H ∈ C∞(M) é G-invariante. Então µ é constante ao longo dascurvas integrais do campo Hamiltoneano X H.

Observação. O Teorema de Noether tem como consequência que se H éG-invariante, então X H é sempre tangente às pré-imagens da aplicaçãomomento µ.

Demonstração: Seja α : I → M uma curva integral de X H. Queremosverificar que

ddt

µ(α(t)) = 0.

Para tanto, considere u ∈ g qualquer. Então calculamos

ddt

µ(α(t))(u)(∗)= dµα(t)(α

′(t))(u)

= θα(t)(u)(X H(α(t)))

= ωα(t)

((u#)α(t)), X H(α(t))

)= −dHα(t)((u

#)α(t)) = 0,

pois H é G-invariante, e usamos em (∗) que u é linear.

Observação. Vale a situação mais geral sobre funções G-invariantes: supo-nha que G é um grupo de Lie, M é uma variedade diferenciável qualquer,e G M é uma ação suave qualquer. Se f : M→ R é suave e G-invariante,então f ϕg = f para todo g ∈ G. Então segue que para todo p ∈ M, te-mos f ϕp = f (p). Dado u ∈ g, derivar a última relação em e e avaliar emu nos dá que d fp((u#)p) = 0. A recíproca vale se G é conexo. Vale umasituação análoga para funções equivariantes (Exercício 18.18).

Esta discussão pode ser aplicada para a aplicação momento:

Proposição 17.3. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética,e G M uma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M → g∗. Se G éconexo, então µ é G-equivariante:

µ(g · p) = (Adg−1)∗(µ(p)), para todos g ∈ G, p ∈ M.

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Demonstração: Como G é conexo, podemos fazer a análise no nível infi-nitesimal, ou seja, basta provar que

dµp((u#M)p) = (u#

g∗)µ(p),

para todo u ∈ g, onde u#g∗ é o gerador infinitesimal da ação coadjunta

associado ao vetor u, cuja caracterização é dada no Exercício 18.5. Sejav ∈ g qualquer. Temos:

dµp((u#M)p)(v) = θp(v)((u#

M)p)

= ωp((v#M)p, (u#

M)p)

= µv, µuω(p)

= µ[v,u](p)= µ(p)([v, u]),

como queríamos.

18 Redução simplética

Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplética, e G Muma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M → g∗. Vimos queo quociente M/G não necessariamente é simplético.

Como um exemplo concreto, considere a ação de SO(3, R) em si mesmodada por multiplicação à esquerda. Temos que o levantamento cotangenteSO(3, R) T∗SO(3, R) é uma ação Hamiltoneana, e o quociente usualT∗SO(3, R)/SO(3, R) é isomorfo à so(3, R)∗, que possui dimensão ímpar.

Redução simplética é um modo de obter quocientes simpléticos. Vamosintroduzir/recordar um pouco de terminologia:

Definição 18.1. Sejam M uma variedade diferenciável e ω ∈ Ω2(M) uma2-forma. O radical de ω em p ∈ M é definido como

rad ωp.= X p ∈ TpM | ωp(X p, ·) = 0.

Diremos também que ω tem posto constante se p 7→ dim rad ωp é constante.

Observação. Para uma 2-forma ω de posto constante, fica determinada asua distribuição radical. Mas tal distribuição não é necessariamente involu-tiva: se X, Y ∈ Γ(rad ω), temos que ιXω = ιY ω = 0, donde a fórmula

ι[X,Y ] = LX ιY − ιY LX

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nos dá que

ι[X,Y ]ω = LX(ιY ω)− ιY(LXω)

= −ιY(d(ιXω) + ιXdω)

= −dω(X, Y),

de modo que a involutividade de rad ω é controlada pelo quanto ω deixade ser fechada. Está provada a:

Proposição 18.2. Sejam M uma variedade diferenciável, e ω ∈ Ω2(M) uma2-forma de posto constante. Então a distribuição radical de ω é involutiva se esomente se ω é fechada.

Com este resultado em mente, introduzimos a seguinte terminologia:

Definição 18.3. Sejam M uma variedade diferenciável e ω ∈ Ω2(M) uma2-forma. Diremos que ω é uma forma pré-simplética em M se for fechada ede posto constante.

Observação.

• Uma forma pré-simplética é simplética justamente quando seu posto(constante) é zero (o que é equivalente à não-degenerabilidade).

• A distribuição radical de uma forma pré-simplética é involutiva, epelo Teorema de Frobenius temos que rad ω é tangente à uma folhe-ação Fω de M. Diremos que a folheação é simples se o espaço de folhasM/Fω possuir uma estrutura de variedade diferenciável tornando aprojeção M→ M/Fω uma submersão sobrejetora.

Proposição 18.4. Sejam M uma variedade diferenciável e ω ∈ Ω2(M) umaforma pré-simplética em M. Se a folheação radical Fω é simples, o espaço defolhas M/Fω possui uma única estrutura simplética ω, caracterizada pela relaçãoπ∗ω = ω, onde π : M→ M/Fω é a projeção.

Demonstração: Dado p ∈ M, denote por [p] ∈ M/Fω a folha de Fω

passando por p. Notando que a diferencial dπp : TpM → T[p](M/Fω) ésobrejetora e tem como núcleo ker dπp = Tp[p] = rad ωp, obtemos umisomorfismo

T[p]

(MFω

)∼=

TpMrad ωp

,

117

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e assim podemos definir ω[p]([u], [v]).= ωp(u, v). Vejamos que ωp está

bem definida: suponha que u′ = u + r1 e v′ = v + r2, com r1, r2 ∈ rad ωp.Temos diretamente que

ωp(u′, v′) = ωp(u, v) +:0

ωp(u, r2) +:0

ωp(r1, v) +:

0ωp(r1, r2) = ωp(u, v),

como queríamos.Portanto, fica definida uma 2-forma ω ∈ Ω2(M/Fω), que é não-degenrada

e satisfaz π∗ω = ω por construção. Já o fato de ω ser fechada segue do fatode que como π é uma submersão sobrejetora, o pull-back π∗ : Ω2(M/Fω)→Ω2(M) é injetor, e de

π∗(dω) = d(π∗ω) = dω = 0.

Continuamos então a nossa análise da aplicação momento, focandoagora nas suas imagens inversas. Considere então uma ação Hamiltone-ana G (M, ω) com aplicação momento µ : M→ g∗. Suponha que ξ ∈ g∗

é um valor regular de µ, de modo que a pré-imagem µ−1(ξ) é uma subva-riedade mergulhada de M. Denotamos por iξ : µ−1(ξ) → M a inclusão, eassumimos que µ é G-equivariante. Em particular, o estabilizador Gξ ageem µ−1(ξ). Com efeito, se p ∈ µ−1(ξ) e g ∈ Gξ , temos que ξ Adg−1 = ξ,de modo que a Proposição 17.3 (p. 115) nos dá que

µ(g · p) = µ(p) Adg−1 = ξ Adg−1 = ξ,

e assim g · p ∈ µ−1(ξ). O pull-back (iξ)∗ω é fechado, mas não necessari-

amente é não-degenerado. Mas podemos aplicar o que discutimos anteri-ormente sobre folheações, em vista do seguinte:

Lema 18.5. No contexto do parágrafo anterior, se p ∈ µ−1(ξ), então

rad ((iξ)∗ω)p = Tp(Gξ · p)

é o espaço tangente à orbita de p relativa à ação Gξ µ−1(ξ). Em particular, a di-mensão dim rad ((iξ)

∗ω)p = dim Gξ independe de p, e (iξ)∗ω é pré-simplética.

Demonstração: Por definição de radical e pelo Exercício 18.17, temos

rad ((iξ)∗ω)p = Tp(µ

−1(ξ)) ∩ (Tp(µ−1(ξ)))ω

= ker dµp ∩ ((TpOp)ω)ω

= ker dµp ∩ TpOp.

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Como TpOp é gerado pelo geradores infinitesimais da forma (u#M)p, basta

vermos quando tais elementos estão no núcleo ker dµp. Pela Proposição17.3 (p. 115), µ é G-equivariante, e segue que (u#

M)p ∈ ker dµp se e somentese (u#

g∗)µ(p) = 0. Tal condição, por sua vez, é equivalente a dizer queu ∈ gµ(p) = gξ , onde gξ é a álgebra de Lie de isotropia de ξ relativa àação coadjunta G g∗. Segue então que rad ((iξ)

∗ω)p = Tp(Gξ · p), comoqueríamos.

Teorema 18.6 (Marsden-Weinstein, Meyer). Sejam G um grupo de Lie, (M, ω)uma variedade simplética, e G M uma ação Hamiltoneana com aplicaçãomomento equivariante µ : M → g∗. Suponha que ξ ∈ g∗ seja um valor re-gular de µ e que a ação Gξ µ−1(ξ) seja livre e própria. Então o espaçode órbitas µ−1(ξ)/Gξ possui uma única estrutura simplética ωred caracteri-zada por π∗ωred = (iξ)

∗ω, onde π : µ−1(ξ) → µ−1(ξ)/Gξ é a projeção eiξ : µ−1(ξ)→ M é a inclusão.

Demonstração: Como a ação Gξ µ−1(ξ) é livre e própria, o quoci-ente µ−1(ξ)/Gξ é uma variedade. A 2-forma (iξ)

∗ω ∈ Ω2(µ−1(ξ)) é pré-simplética pelo lema anterior, e sua folheação radical é dada precisamentepelas Gξ-órbitas. O resultado segue então pela Proposição 18.4.

Vejamos alguns casos concretos:

Exemplo 18.7.

(1) Considere a ação S1 Cn+1 ∼= R2n+2 vista nos exemplos 16.2 e 16.8 (p.104 e 110), com aplicação momento µ : Cn+1 → R dada por

µ(z0, . . . , zn) = −12

n

∑k=0|zk|2.

É fácil ver que −1/2 é um valor regular de µ, e µ−1(−1/2) = S2n+1.Ainda, como S1 é abeliano, a ação coadjunta é trivial, e portanto oestabilizador de −1/2 é o próprio S1. Deste modo, temos que

µ−1(−1/2)G−1/2

=S2n+1

S1 = CPn,

e pode-se mostrar que a forma simplética induzida é a forma de Fubini-Study ωFS ∈ Ω2(CPn) vista no Exemplo 13.2 (p. 75).

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(2) Sejam G um grupo de Lie, (M, ω = −dα) uma variedade simpléticaexata, e G M uma ação que preserva α, como visto no item (4) doExemplo 16.8 (p. 110). Suponha que 0 ∈ g∗ seja um valor regular daaplicação momento, e que estejamos nas condições do Teorema 18.6,de modo a obter uma variedade

M//G.=

µ−1(0)G

.

Queremos descrever ωred em termos de alguma redução da primitivaα. Sendo π : µ−1(0) → M//G a projeção canônica e i0 : µ−1(0) → M ainclusão, denote por α0 a 1-forma em µ−1(0) definida por α0

.= (i0)∗α.

Claramente α0 é G-invariante e, adicionalmente, satisfaz α0(X) paratodo campo X satisfazendo dπ(X) = 0. Deste modo, α0 ∈ Ω1(µ−1(0))passa para o quociente e obtemos αred ∈ Ω1(M//G) tal que π∗αred =α0. Segue disto que π∗(−dαred) = (i0)∗ω. Visto que a 2-forma ωred éa única forma com tal propriedade, concluímos que ωred = −dαred.

Ou seja, a redução de Marsden-Weinstein de uma variedade simplé-tica exata (M,−dα) no nível ξ = 0 produz outra variedade simpléticaexata (M//G,−dαred).

(3) Redução de Hamiltoneanos. Sejam G um grupo de Lie compacto,(M, ω) uma variedade simplética, e G M uma ação Hamiltone-ana com aplicação momento µ : M → g∗. Suponha que estejamosnas condições do teorema de redução, e considere um HamiltoneanoH : M → R suave e G-invariante. Por tal invariância, H desce ao quo-ciente e existe uma única função suave Hξ : µ−1(ξ)/Gξ → R tal queπ∗ξ Hξ = H

∣∣µ−1(ξ)

. Pelo Teorema de Noether (p. 115), o campo X H é

tangente ao longo de µ−1(ξ) ao longo de seus pontos, de modo que arestrição X H

∣∣µ−1(ξ)

está bem-definida e é projetada para o campo X Hξ

em µ−1(ξ)/Gξ . Neste contexto, dizemos que Hξ é a redução de H emnível ξ.

Por exemplo, considere no plano R2 o movimento de uma partículasob a ação de um potencial V : R2 → R. Sabemos que o movimentodesta partícula é descrito pelas curvas integrais do Hamiltoneano H : T∗R2 ∼=R4 → R dado por

H(q, p) =‖p‖2

2+ V(q)

Assuma ainda que V possui simetria rotacional (ou seja, que V de-penda apenas de ‖q‖), de modo que seja invariante pela ação S1 R2

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dada por rotações. Sabemos que a ação S1 R4 induzida por levanta-mento cotangente é Hamiltoneana, com aplicação momento

µ : R2 ×R2 → R

(q1, q1, p1, p2) 7→ p2q1 − q2p1

dada pelo momento angular. Com efeito, dada uma 1-forma qualquerβ = p1(β)dq1 + p2(β)dq2 ∈ Ω1(R2), temos que

αβ(1#R4) = β(1#

R2)

= (p1(β)dq1 + p2(β)dq2)

(−q2 ∂

∂q1 + q1 ∂

∂q2

)= p2(β)q1 − q2p1(β),

como afirmado. É fácil ver que todo ξ 6= 0 é um valor regular de µ, eque H também é S1-invariante. Deste modo, podemos reduzir H emtodos os nívels µ−1(ξ) com ξ 6= 0. No Exercício 18.20, pedimos quevocê verifique que em coordenadas polares (r, θ), as expressões paraH e µ são24

H(r, θ, pr, pθ) =12

(p2

r +p2

θ

r2

)+ V(r) e µ(r, θ, pr, pθ) = pθ,

onde pr e pθ são as coordenadas cotangentes associadas à r e θ. Segueque a redução de H em nível ξ é

Hξ(r, pr) =p2

r2

+ Veff(r),

onde Veff(r).= V(r) + ξ2/2r2 é o chamado potencial efetivo.

Exercícios

Exercício 18.1 (Revisando g). Seja G um grupo de Lie. Diremos que umcampo X ∈ X(G) é invariante à esquerda se X é Lg-relacionado com simesmo para todo g ∈ G, ou em outras palavras, se d(Lg)h(Xh) = Xgh

para todos g, h ∈ G. Denotamos o conjunto de tais campos por XL(G).Mostre que:

24Atenção: há um pequeno abuso de notação aqui.

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(a) XL(G) é fechado para o colchete de Lie.

(b) para cada u ∈ TeG, existe um único uL ∈ XL(G) tal que (uL)e = u, econclua que TeG 3 u 7→ uL ∈ XL(G) é um isomorfismo.

Então a álgebra de Lie de G, denotada por g, é definida como TeG ou XL(G).

Observação. Você pode definir o conjunto dos campos invariantes à di-reita, XR(G), e mostrar que g ∼= XR(G).

Exercício 18.2. Seja G um grupo de Lie. Denote por m2 : G × G → G aoperação de multiplicação em G, m3 : G × G × G → G o produto de trêselementos, e por inv : G → G a inversão. Mostre que:

(a) dados g, h ∈ G, v ∈ TgG e w ∈ ThG, vale

d(m2)(g,h)(v, w) = d(Rh)g(v) + d(Lg)h(w),

e conclua que d(inv)e = −Idg.

(b) dados g1, g2, g3 ∈ G e vi ∈ Tgi G, i = 1, 2, 3, vale

d(m3)(g1,g2,g3)(v1, v2, v3) =

= d(Rg2g3)g1(v1) + d(Lg1 Rg3)g2(v2) + d(Lg1g2)g3(v3).

Você consegue dar um palpite para o caso geral mk : Gk → G?

Exercício 18.3. Se M é uma variedade diferenciável, o grupo de difeomor-fismos de M é denotado por Diff(M), e temos uma ação Diff(M) Mdada pela avaliação usual. Em geral, o estudo de Diff(M) pode ser difícil.Mostre que se G é um grupo de Lie, então Diff(G) ∼= G ×Diff(G)e, ondeDiff(G)e é o subgrupo dos difeomorfismos que preservam a identidade(ou seja, é o estabilizador da identidade sob a ação canônica de Diff(G)mencionada acima).

Exercício 18.4. Sejam G um grupo de Lie, M uma variedade diferenciável,e G M uma ação suave. Mostre que:

(a) para cada u ∈ g, a aplicação u# : M → TM é suave (e portanto real-mente temos u# ∈ X(M)).

(b) o fluxo de u# ∈ X(M) é dado por Φt,u#(p) = exp(tu) · p (no domíniocorreto).

(c) a aplicação g 3 u 7→ u# ∈ X(M) é um anti-morfismo de álgebras deLie.

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(d) se G é abeliano então (u#)g·p = d(ϕg)p((u#)p), para todos g ∈ G ep ∈ M.

Observação. Em algumas referências, u# é definido tomando o fluxo comoponto de partida, e pode ser utilizado exp(−tu) ao invés de exp(tu). Nestecaso, a aplicação do item (c) passa a ser um morfismo. Isto também ocorrese mantermos a nossa definição mas considerarmos ações à direita.

Exercício 18.5. Sejam G um grupo de Lie, e considere a ação coadjuntaG g∗, vista no item (5) do Exemplo 14.6 (p. 97). Dado u ∈ g, mostre queo gerador infinitesimal u#

g∗ está caracterizado por

(u#g∗)ξ(v) = ξ([v, u]),

para todos v ∈ g e ξ ∈ g∗.

Exercício 18.6. Sejam G1 e G2 grupos de Lie, e M uma variedade diferen-ciável. Suponha que ϕ1 : G1 × M → M e ϕ2 : G2 × M → M sejam açõessuaves e compatíveis, no sentido de que (ϕ1)g1 (ϕ2)g2 = (ϕ2)g2 (ϕ1)g1 ,para quaisquer dois elementos g1 ∈ G1 e g2 ∈ G2. Chame G .

= G1 × G2, emostre que:

(a) a aplicação ϕ : G ×M → M dada por ϕ(g1,g2)(p) .= (ϕ1)g1((ϕ2)g2(p))

também é uma ação suave.

(b) para todo p ∈ M, tem-se

Op =⋃

g1∈G1

(O2)(ϕ1)g1 (p) =⋃

g2∈G2

(O1)(ϕ2)g2 (p),

onde O, O1 e O2 denotam órbitas relativas à ϕ, ϕ1 e ϕ2.

(c) para todo p ∈ M, tem-se (G1)p × (G2)p ⊆ Gp. Vale sempre a inclusãorestante?

(d) se u = (u1, u2) ∈ g ∼= g1 × g2, então u# = u#1 + u#

2, onde os # sãotomados em relação às ações que fazem sentido.

Exercício 18.7. Sejam G1 e G2 um grupos de Lie, M1 e M2 variedades di-ferenciáveis, e ϕ1 : G1 × M1 → M1 e ϕ2 : G2 × M2 → M2 ações suaves.Mostre que:

(a) A aplicação

ϕ : (G1 × G2)× (M1 ×M2)→ M1 ×M2

ϕ(g1,g2)(p, q) .= ((ϕ1)g1(p), (ϕ2)g2(q))

é uma ação suave.

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(b) dados p ∈ M1 e q ∈ M2, tem-se O(p,q) = (O1)p × (O2)q.

(c) dados p ∈ M1 e q ∈ M2, tem-se (G1 × G2)(p,q) = (G1)p × (G2)q.

(d) se u = (u1, u2) ∈ g ∼= g1 × g2, então (u#)(p,q) = ((u#1)p, (u#

2)q), paratodos p ∈ M1 e q ∈ M2.

Exercício 18.8. Sejam V um espaço vetorial real e Γ ≤ GL(V) um subgrupofinito. Mostre que existe um produto interno em V para o qual todos oselementos de Γ são isometrias.

Dica. Se 〈·, ·〉 é um produto interno qualquer, e Γ = g1, . . . , gk, o queacontece com ∑k

i=1 g∗k 〈·, ·〉?

Observação. Este resultado é na verdade uma versão discreta de uma dasideias utilizadas na demonstração da existência de vizinhanças tubularesG-invariantes, mencionada no item (3) do Exemplo 14.6 (p. 97). Recor-damos que em geral, a construção de uma vizinhança tubular pode serfeita utilizando uma métrica Riemanniana auxiliar e a exponencial normalexp⊥ associada. Gostaríamos de fazer isto com uma métrica Riemannianainvariante pela ação. Tal métrica pode ser construída, se G for compacto,utilizando uma certa integral (relativa à medida de Haar de G) ao invés deuma soma.

Exercício 18.9. Sejam (E1, π1, M) e (E2, π2, M) fibrados vetoriais G1 e G2-equivariantes, respectivamente, sobre uma mesma variedade diferenciá-vel M. Considerando a ação trivial de G1×G2 sobre M, mostre que a somade Whitney E1⊕ E2 é (G1×G2)-equivariante, onde a ação é definida comono item (a) do Exercício 18.7.

Exercício 18.10. Verifique os detalhes do item (2) do Exemplo 16.5 (p. 107):na notação ali dada, mostre que [u, v] .

= w de fato define um colchete deLie em V.

Exercício 18.11. Sejam G um grupo de Lie, e g a sua álgebra de Lie. Mos-tre que g∗, munido da estrutura dada no item (1) do Exemplo 16.5 (p. 107)é difeomorfa (como variedade de Poisson) ao quociente T∗G/G determi-nado pelo levantamento cotangente da ação G G da ação dada por mul-tiplicação à esquerda.

Exercício 18.12. Vimos no item (2) do Exemplo 16.2 (p. 104) que se (M, ω)é uma variedade simplética e f1, . . . , fn ∈ C∞(M) são funções suave quePoisson-comutam, então fica definida uma ação simplética Rn M por

(t1, . . . , tn) · p .= Φt1,X f1

· · · Φtn,X fn(p).

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Tendo em mente que a álgebra de Lie de Rn é novamente Rn, mostre quepara cada a = (a1, . . . , an) ∈ Rn, o gerador infinitesimal correspondente édado por

(a#)p =n

∑i=1

aiX fi(p)

e conclua que a aplicação comomento µ : Rn → C∞(M) é dada por

µa(p) =n

∑i=1

ai fi(p).

Exercício 18.13. Vimos no item (3) do Exemplo 16.2 (p. 104) que há umaação simplética Tn Cn dada por

(eiθ1 , . . . , eiθn) · (z1, . . . , zn).= (eiθ1z1, . . . , eiθn zn).

Tendo em mente que a álgebra de Lie de Tn é naturalmente isomorfa àRn, mostre que para cada a = (a1, . . . , an) ∈ Rn, o gerador infinitesimalcorrespondente é dado por

a# =n

∑k=1

iakzk ∂

∂zk − iakzk ∂

∂zk

e conclua que a aplicação comomento µ : Rn → C∞(Cn) é dada por

µa(z1, . . . , zn) = −12

n

∑i=1

ak|zk|2.

Exercício 18.14. Verifique no item (3) do Exemplo 16.8 (p. 110) que a apli-cação de comomento realmente é dada por

µ : so(3, R)→ C∞(R6)

X 7→ µX : R3 ×R3 → R

(x, y) 7→ 〈y, Xx〉.

Exercício 18.15. Um caso particular do item (4) do Exemplo 16.2 (p. 104)é quando G é um grupo de Lie agindo numa variedade diferenciável M, econsideramos a ação G T∗M obtida por levantamento cotangente. Talação é Hamiltoneana. Mostre que dados u ∈ g e ξ ∈ T∗M tem-se que

dπξ((u#T∗M)ξ) = (u#

M)π(ξ),

onde π : T∗M → M é a projeção, e conclua que a aplicação momento élinear nas fibras, dada por µ(ξ)(u) = ξ((u#

M)π(ξ)).

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Dica. Use que a ação levantada cobre a original.

Exercício 18.16. Sejam G um grupo de Lie, (M1, ω1) e (M2, ω2) varieda-des simpléticas, e G M1 e G M2 ações Hamiltoneanas com aplica-ções momento µi : Mi → g∗, i = 1, 2. Mostre que a ação diagonal de Gno produto (M1×M2, ω1⊕ω2) é Hamiltoneana, com aplicação momentoµ : M1 ×M2 → g∗ dada por µ(p, q) = µ1(p) + µ2(q).

Exercício 18.17. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade simplé-tica, e G M uma ação Hamiltoneana com aplicação momento µ : M →g∗. Mostre que ker dµp e TpOp são ωp-ortogonais.

Exercício 18.18. Sejam G um grupo de Lie, M e N variedades diferenciá-veis, e ações suaves G M e G N. Mostre que se F : M → N é umafunção suave e G-equivariante (ou seja, F(g · p) = g · F(p) para todosg ∈ G e p ∈ M), então vale que

dFp((u#M)p) = (u#

N)F(p),

quaisquer que sejam p ∈ M e u ∈ g. Ainda, vale a recíproca se G é conexo.

Exercício 18.19. Sejam G um grupo de Lie, (M, ω) uma variedade sim-plética, e G M uma ação Hamiltoneana com aplicação momento G-equivariante µ : M → g∗. Mostre que se 0 ∈ g∗ é um valor regular de µ,então µ−1(0) é uma subvariedade coisotrópica de M.

Exercício 18.20. Considere a situação do item (3) do Exemplo 18.7 (p. 119).Mostre que

pr = p1 cos θ + p2 sen θ e pθ = −p1r sen θ + p2r cos θ,

e portanto

p1 = pr cos θ − pθsen θ

re p2 = pr sen θ + pθ

cos θ

r.

Conclua que as expressões para H e µ realmente se tornam

H(r, θ, pr, pθ) =12

(p2

r +p2

θ

r2

)+ V(r) e µ(r, θ, pr, pθ) = pθ.

Dica. Derive as relações q1 = r cos θ e q2 = r sen θ para obter relaçõesenvolvendo dq1, dq2, dr e dθ. Tome uma 1-forma escrita como combina-ção de dq1 e dq2 e reescreva-a como combinação de dr e dθ. Compare oscoeficientes.

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Exercício 18.21. Considere na esfera S2 o movimento de uma partícula soba ação de um potencial V : S2 → R. Tal movimento é descrito pelas curvasintegrais do campo Hamiltoneano de H : T∗S2 → R dado por

H(q, p) =‖p‖2

2+ V(q),

onde escrevemos

T∗S2 ∼= (q, p) ∈ R6 | ‖q‖ = 1 e q1p1 + q2p2 + q3p3 = 0.

Suponha também que V seja S1-invariante, onde a ação S1 S2 é dadapor rotação em torno do eixo q3, como visto no item (2) do Exemplo 14.2(p. 92). Ou seja, suponha que V dependa apenas de q3.

(a) Mostre que a aplicação momento da ação S1 T∗S2 é µ : T∗S2 → R

dada porµ(q1, q2, q3, p1, p2, p3) = p2q1 − q2p1.

Em particular, note que ∇µ = 0 somente nos pontos (0, 0,±1, 0, 0, 0) econclua que todo ξ 6= 0 é um valor regular de µ.

(b) Sendo

q1 = cos θ cos φ, q2 = sen θ cos φ e q3 = sen φ

coordenadas esféricas em S2 (com 0 < θ < 2π, |φ| < π/2, omitindoum meridiano), verifique que

pθ = −p1 sen θ cos θ + p2 cos θ cos φ, epφ = −p1 cos θ sen φ− p2 sen θ sen φ + p3 cos φ.

(c) Utilizando a condição q1p1 + q2p2 + q3p3 = 0, conclua que

p1 = − sen θ

cos φpθ − cos θ sen φpφ,

p2 =cos θ

cos φpθ − sen θ sen φpφ, e

p3 = pφ cos φ.

(d) Verifique agora que nestas coordenadas temos

H(θ, φ, pθ, pφ) =12

(p2

θ

cos2 φ+ p2

φ

)+ V(φ) e µ(θ, φ, pθ, pφ) = pθ.

Observe que pelo Teorema de Noether, o momento angular pθ é nova-mente uma quantidade conservada.

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(e) Conclua que em todo nível ξ 6= 0, temos

Hξ(φ, pφ) =p2

φ

2+ Veff(φ),

onde Veff(φ) = V(φ) +ξ2

2 cos2 φé o potencial efetivo.

Observação. Uma situação concreta é quando a particula move-se sujeitaà ação da gravidade. Neste caso, V é simplesmente uma função altura. Sem é a massa da partícula e g é a aceleração da gravidade, consideramosV(x, y, z) = −mgz, etc..

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Referências

[1] Michele Audin, Torus actions on symplectic manifolds.

[2] Mc Duff, Salamon, Introduction to symplectic topology.

[3] Notas de aula por E. Meinrenken.

[4] Notas de aula por M. de Gosson.

[5] Ana Cannas da Silva, Symplectic Geometry - overview written for theHandbook of Differential Geometry, vol. 2.

[6] Morrow, Kodaira, Complex Manifolds.

[7] Griffiths-Harris, Algebraic Geometry

[8] Huybrechts, Complex Geometry

[9] Hretcanu, E.; Crasmareanu, M.; Metallic Structures on Riemannian Ma-nifolds, Revista de la Unión Matemática Argentina, Vol. 54, n 2, p.15-27, 2013.

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Índice Remissivo

Órbita (de um ponto sob umaação), 94

Ação Hamiltoneana, 109Ação suave (de um grupo de Lie

em uma variedade), 91Atlas

holomorfo, 57simplético, 52

Base simplética, 8Bigrau, 63

CampoJ-anti-holomorfo, 61J-holomorfo, 61fundamental (de uma ação),

veja também geradorinfinitesimal

Hamiltoneano, 20, 25real-holomorfo, 83simplético, 40

Cohomologia de Dolbeaut, 67Colchete

de Lie, 24de Poisson, 28

Complexificação, 55Contração, 24Coordenadas de Darboux, 31

Derivada de Lie, 25

Equações de Cauchy-Riemann,58

Espaçode órbitas (de uma ação), 94homogêneo, 101projetivo complexo, 75vetorial simplético, 6

Estabilizador (de um ponto sobuma ação), 94

Estruturacomplexa (em um espaço

vetorial), 54metálica, 86quase-complexa (em uma

variedade), 56Exponencial

normal, 33

Fórmula Mágica de Cartan, 25Fibrado

conormal, 45cotangente, 22normal, 33vetorial G-equivariante, 100vetorial holomorfo, 67vetorial simplético, 47

Fluxo local, 24Folheação simples, 117Forma

de Fubini-Study, 76de Kähler, 69de Liouville, veja também

forma tautológicapré-simplética, 117simplética, 20tautológica, 21

Função altura, 38Função pluri-sub-harmônica, veja

também potencial deKähler

Gerador infinitesimalde um fluxo, 24de uma ação, 95

Gradiente simplético, veja tambémcampo Hamiltoneano

Grupo simplético, 9

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Ideal aniquilador (de umasubvariedade), 52

Isotopia, 32Isotropia, veja também

estabilizador

Lemai∂∂ local, 67de Dolbeaut, 67de Poincaré, 33

Levantamento cotangente, 41, 94

Mapa de comomento, 109Matriz simplética, 16Morfismo de Poisson, 107

Númerosduais, 86para-complexos, 86

Números de Hodge, 67

Orbifold, 104Ortogonal simplético, 7

Pareamento perfeito, 6Potencial de Kähler, 75Produto interior, veja também

contraçãoProjeção estereográfica, 82

Relações de Luneburg, 17Representação

(de um grupo de Lie), 97

adjunta, 98coadjunta, 98fiel, 97normal, 99

Representação (de uma álgebrade Lie), 97

Simplectomorfismo(entre espaços vetoriais), 9(entre variedades), 27

Subespaçocoisotrópico, 7isotrópico, 7Lagrangeano, 7simplético, 7

Subvariedadecoisotrópica, 42isotrópica, 42Lagrangeana, 42simplética, 42

Superfície de Riemann, 57

Tensor de Nijenhuis, 68Tipo de Dolbeaut, veja também

bigrau

Variedadecomplexa, 57de Kähler, 21, 69de Poisson, 106simplética, 20

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