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Ano 1 edição 0, de quarta, 23 de fevereiro de 2012 Distribuição online e gratuita. Melhor que isso só pala- vra-cruzada da Coquetel da vovó U M V E Í C U L O M A I S C O M P L E T O QU E E S T E , S Ó S E T I V E S S E NO T Í C I A S Fator Gênese , cap. 2........P. 6 Avarítia , cap. 2 .............P. 6 Os Olhos ........P. 20 Cristal Negro , cap. 1........P. 6 Expediente .............P. 4

Geração Geek - Edição 0 (2)

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Geração Geek - Edição 0 (2)

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Ano 1 edição 0, de quarta, 23 de fevereiro de 2012 Distribuiçãoonline egratuita.Melhor que isso só pala-vra-cruzada da Coquetel da vovó

UM

VEÍC

ULO

MAIS

COMPLETO QUE ESTE, SÓ SE TIVESSE

NO

TÍC

IAS

Fator Gênese, cap. 2........P. 6

Avarítia, cap. 2 .............P. 6

Os Olhos........P. 20

Cristal Negro,cap. 1........P. 6

Expediente.............P. 4

2 GERAÇÃOGEEK.COM.BR

EDITORIAL

EDITORIAL

É uma grande responsabili-dade escrever o editorial

a cada no va edição. Tá bom, não é - respon-sabilidade é es-crever textos para cada

uma, ilus-trá-los e etc. -, mas vamos fingir que sim. Mas, sabe? Há uma coisa que vem me incomodando há um bom tempo: zumbis. É, dane-se que isto é um editorial, vamos falar de zumbis e pronto, tendo ou não relação com as histórias. Pô, na minha época zumbi era um negócio respeitável! Era um bicho que levava quatro, cinco tiros de uma pistola Beret-ta para morrer, e você não podia ficar matando todos. Pô, os pro-tagonistas não eram ferradões porque matavam muito, eram ferradões porque conseguiam sobreviver a uns bichos nervo-

sos! O Chris e o Leon eram de-mais porque eles sabiam so-breviver, não porque eles saiam por ai e faziam

scores de 3.000 zumbis abati-

dos com uma raquetinha de tênis. A sociedade está ficando muito hedo-

nista. Mal sabemos mais o prazer de ter-

minar um bom jogo para masoquistas, como os de out-rora... Pô, como serão as crian-ças de amanhã sem medo de zumbis?! Tsc-tsc... Por outro lado, acho que era o que os velhos também falaram de Ghostbusters sobre fantasmas não poderem ser en-graçados... É, deve ser natural que de-sejemos rir de nossos medos. Uma lição muito relevante!... (vamos fingir que sim)

Rafael P. Moreno - Chefinal

Ou: A opinião aqui contida reflete a do jornal, mas não necessaria-mente a de quem trabalha nele...

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EDITORIAL

ria Ar

Nome do(a) ilustrador(a)

Nome da imagem

Nome da imagem

Breve descrição ou co-mentário (se quiser, se não

quiser também não tem problema)

4 GERAÇÃOGEEK.COM.BR

Bruno “Aruki” Iovance

???@???.com

E ae, Aruki, vai mandar uma foto e um texto para colocar aqui ou quer que eu faça o mesmo que eu fiz com o vagaba do Lil’Pro? kkkkk

Luciane Rangel

lucianerangel.com

Luciane Rangel faz parte da geração que conheceu e se en-cantou com a cultura japonesa, que até hoje vem se espalhando por to-dos os continentes. Aprendeu com a criatividade oriental a desenvolver histórias originais, cativantes e bem estruturadas que logo repercutiram pelos fóruns e sites de relacionamen-to da web.

Tem 28 anos, cursou Magistério no Ensino Médio, formou-se em Direito, hoje é professora e tem três livros publicados.

No final de 2010, lançou seu primeiro livro Guardians – Volume 1 pela Edi-tora Lexia.

Arthur “Lil’Pro” Marchetto

?????@?????.com

Como o Lil’Pro ficou vacilando para mandar o textinho de apresentação da edição, eu mesmo (Rafael) faço por ele:

O Lil’Pro parece ser o mais jovem do grupo, mas na verdade ele tem dois mil e quin-hentos anos e foi quem ensinou o mestre do mestre do grão-mestre do Bruce Lee. É sabido também que Arthur Conan Doyle se chama Arthur por causa do Lil’Pro, em uma esperança de que ele fosse um escritor tão bom quanto. Mas Conan Doyle morreu na amargura por nunca ter conseguido alcançar o brilhantismo de Lil’Pro em seus textos.

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(Os mitos da vez - abriremos ou-tra página de expediente quando

os ilustradores aparecerem)

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Gustavo Perandré

??????@?????.com

O mesmo do Aruki. Aproveitem enquanto é edição teste, porque depois vai levar um texto cômico feito por mim sem dó nem pie-dade! Sigam o exem-plo da Luciane, por favor: uma imagem, um breve texto (podia ser um pouquinho mais curto que aquele, mas tudo bem também, não tem problema. Só que a letra fica menor)

RafaelPeccioli Moreno

[email protected]

Nosso querido Chefinal (a.k.a. “editor-chefe”) do Geração Geek em uma foto rara onde ele aparece vestido de forma razoavelmente apresentável e com o cabelo cortado.

Apesar de já possuir 7 livros escritos, só agora conseguiu lançar seu primeiro, pela Editora 24 Horas. Passe lá no blog de sua série, Contos de Ulthima, para ver se ele já criou vergonha na cara e atualizou o conteúdo se você gosta de ficção e fantasia medieval.

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Foto 1: Nome So-brenome

Foto 2: Nome So-brenome

Foto 3: Nome So-brenome

Foto 4: Nome So-brenome

Foto 5: Nome So-brenome

Créditos

(PS: Nos contentamos com “mitos” só porque aqui a

gente é humilde...)

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6 GERAÇÃOGEEK.COM.BR

Ilustração por: NOME SOBRENOME

Retrospectiva

Como este é o primeiro capítulo, a gente nã tem nada para rever. Por isso vamos tacar Loreem Ipsum aqui. Te vejo na próxima edição. To maximus

doluptassit re essuntium cus maioriatem aut aut eum, Cea aut vidi.

Escrito por: BRUNO “ARUKI” IOVANCE

CAPÍTULO II - Mae marwolaeth gobaith

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Na floresta Celta a princ-esa ainda cavalgava, agora lentamente e pa-

recendo estar sem direção. Na direção oposta, Arie buscava em seu interior coragem para deixar sua amada. Após algum tempo Liriis faz seu cavalo diminuir os pas-sos até parar, desce rapida- mente de suas costas e aponta para frente. Ao ver o sinal seu cavalo volta a cavalgar rapida-mente. Com uma tensa expressão em seu rosto começa a olhar para todas as direções. – Estão perdendo seu tempo, o cheiro fétido de suas almas já impreg-nou a floresta! Sem conseguir enxergar nada além das árvores, sen-timentos de angustia e medo tomam conta da jovem princ-esa que começa a se afogar em pensamentos aflitos. “Preparei-me para este momento e agora não sei como agir, por mais que eu tenha conhecimento de poderosas magias nunca precisei lutar, ainda mais sozinha...” Seus pensamentos são interrompi-

dos quando quatro guerreiros vestindo apenas um sobretudo preto com capuz e três vesti-dos de armaduras negras que cobriam todo o corpo surgem. -Matem o cavalo e me tragam sua cabeça! – Ime-diatamente os quatro guer-reiros vestidos com o sobre-tudo sacam suas armas, longas espadas curvas que ainda es-tavam manchadas de sangue, e começam a correr atrás do cavalo. -Planhigion Carchardai! – Ao proferir tais palavras a jovem princesa lança sua tiara de flores na direção dos guer-reiros. Em meio ao ar a tiara se desfaz e as flores começam a crescer até alcançar os guer-reiros. Os quatro são sur-preendidos e se debatem con-tra as plantas que parecem não parar de crescer até imobilizar os alvos. Um dos guerreiros de ar-madura caminha na direção de Liriis. -Interessante, veremos se consegue mais do que isso... – Era a mesma voz que deu a ordem aos guerreiros. Sua armadura era mais detalhada

Avarítia

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que as outras. Vários espinhos saem das ombreiras, braços, pernas e elmo. “Este guerreiro conse-guiria me matar a qualquer momento, antes mesmo de eu me separar de meu cavalo. E ainda tem mais dois deles. Sim, sou mais útil viva...”-Rhy-felwyr y Goedwig! – A linda princesa junta as mãos e sus-surra as palavras. Então varias árvores que os rodeavam ma-nipulam seus galhos e raízes em suas direções. Os outros dois guerreiros de armaduras conseguem cortar facilmente as investidas, com duas espa-das serrilhadas cada um, e ata-cam os galhos com muita fac-ilidade. -Pensou mesmo que cairíamos no mesmo golpe, sua inútil? – o guerreiro dos espin-hos voltou a caminhar na di-reção de Liriis. Ela, que estava com medo em seu olhar, deu alguns passos curtos para trás e um leve sorriso tomou conta de seu rosto... -Não foi a mesma magia, seu tolo. – Assim que termina a frase vários humanóides fei-

tos de madeira e recobertos por plantas saem das arvores, ficando entre os guerreiros e a princesa. Uma longa troca de gol-pes entre os dois guerreiros e os humanóides foi travada. Os golpes dos homens-madeira ramificavam nos locais atingi-dos enquanto os guerreiros os retalhavam incontáveis vezes. Porém, seus golpes eram inú-teis, pois os humanóides se regeneravam. Neste momento o portador da armadura de es-pinhos esticou seu braço para frente, com a palma da mão aberta. Todos os humanóides ficaram imóveis e levitaram acima de sua cabeça. -Unicujejo! – O cavaleiro fecha a mão e solta um estron-doso grito. Os humanóides começaram a se retorcer e seus galhos se desfiaram até restar apenas estilhaços e madeira. – Não conseguirei fugir de vocês... - A jovem princesa faz um movimento com a mão es-querda parecendo segurar algo no ar e, fechando a mão dire-ita, faz um movimento como se puxasse algo.

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O ar ao redor das mãos de Liriis começou a se con-densar, formando um arco e flecha de cristais de gelo. -Rhew stormydd! – Liriis disparou várias flechas deixando um rastro de ar congelado pelo caminho. Os dois guerreiros apenas ob-servaram, incrédulos com a velocidade das flechas. Era inevitável ser atingido. Ape-nas o possuidor da armadura de espinhos conseguia se desviar e se defender dos inúmeros ataques. Quando os dois já estavam muito feridos, Liriis desfez o arco e juntou as mãos cer-rando uma na outra com muita força fazendo com que os cristais de gelo moves-sem em espiral, similar a um tornado. Os olhos da linda princesa estavam fixos, ob-servando aquilo que agora já havia se transformado em uma tempestade espalhando gelo por toda a parte. Liriis parou com seu golpe vendo o ar congelado desaparecer, suspirou com um leve sorriso e, ao fechar

os olhos, escuta o som do gelo se quebrar. O mais forte entre os três cavaleiros começou a andar com passos fortes na direção da princesa e, a cada passo que dava, sua armadura se quebrava parte a parte, até ficar próximo a ela e desferir um agressivo golpe em seu abdômen. -Antes de terminar meu serviço, me diga: comparado a você, o quanto mais forte é seu pai? -O suficiente para con-tinuar sendo o rei... – A princesa responde com a boca cheia de sangue. O úni-co golpe que recebeu parecia ter destruído todo o seu cor-po por dentro. -Interessante! Antes de Liriis cair, o guerreiro, que agora contava com duas ou três partes de sua armadura e alguns de seus espinhos trincados, se-gurou seu cabelo suspenden-do-a do chão e deu-lhe vários golpes em todo o seu corpo, lançando-a contra as árvores. Mesmo caída, a princesa começou mover a mão, mas é

Avarítia

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esmagada pelo cavaleiro. -Não posso deixar você usar outra de suas magias elementais! – Um feroz golpe na cabeça faz com que Liriis perca consciência. O homem a coloca sobre o ombro e

caminha para fora da floresta com seu troféu.

No Reino dos Romanos.

Um velho Celta com longa barba cinza e grande cabelo estava a cavalgar por entre as

inúmeras casas. Havia varias pessoas transitando por ali, todas muito bem trajadas com mantos e vestidos. Pequenos veículos com rodas chamavam a atenção do velho combatente assim como enormes prédios

até o momento em que é abor-dado por centuriões, cavaleiros Romanos fortemente armados. -O que um velho celta faz aqui em Roma? – Todos os Guerreiros apontam suas ar-mas na direção do velho. -Eu estou aqui a pedido de

Legenda violentíssima da imagem e talz

Ava

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Legenda violentíssima da imagem e talz

meu rei. Tenho que falar com seu senhor! – Diz o Celta. -Apenas os homens fortes têm a honra de conversar com o imperador, mostre-nos que és forte – uma leve pausa em sua frase – ...ou morrerá!

-Não entendo por que que-rem lutar se estou dizendo que vim por ordem de meu rei. – Incomodado com a situação ele desceu de seu cavalo, enquan-to os guerreiros Romanos se moveram formando um cerco em volta do Celta. –Será derra-

mado sangue desnecessário. Todas as pessoas que caminhavam se afastaram dei- xando aquele local isolado. –Acha mesmo que um velho Celta consegue enfrentar dez centuriões? Por acaso não tem

medo de morrer? – Incrédu-los com a ousadia do Celta eles começam a gargalhar. -Meu rei diz que não existe morte pior que o fim da esper-ança.

Avarítia

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Ilustração por: NOME SOBRENOME

Escrito por: LUCIANE RANGEL

PRÓLOGO

JapãoAno: 1812 D.C.

Os nomes dos companhei-ros mortos na batalha ressoa-vam em sua mente.

“Aki, Hana, Umi, Mai... Nat-su...”“…Natsu…”

Os olhos castanhos en-contravam-se mergulhados desafiadoramente no inimigo a sua frente: Hiroshi – líder do ataque e o mais poderoso dentre os oponentes. Por todo o Japão, dizia-se que ele era invencível e que, após obter para si os poderes dos cristais, dominaria todo o mundo. Para muitos, aquela era uma am-bição inalcançável; contudo, os que tiveram a chance de con-hecer aquele homem (e sorte para sobreviverem a isso),

acreditavam que ele, de fato, seria capaz de realizar tal feito. Talvez uma das quali-dades que mais contribuísse para a força de Hiroshi era a

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autoconfiança excessiva. En-contrava-se numa condição em que qualquer guerreiro estaria desesperado: todos os seus aliados estavam mortos e, ele, ferido e cansado. Ja-

mais imaginaria que aquele grupo de crianças que ele tan-to menosprezara poderia ser forte o suficiente para acabar com o seu exército. Contudo,

sua confiança era inabalável. Estava certo de sua vitória. Para isso, precisava apenas derrotar Yuurei. Um moleque, apenas. -Natsu... – Murmurou o rapaz. O nome de sua irmã caçula era o que ecoava com mais força em sua mente. Apesar da dor da perda de seus amigos, apesar de seus ferimentos e da der-rota quase certa, Yuurei não se deixava abater. En-quanto continuasse a respi-rar e lhe restasse alguém a proteger, não desistiria. Sabia da importância de sua missão para o futuro da humanidade, embora já nem pensasse muito sobre isso: o que mais lhe impor-tava naquele momento era salvar sua amada. E iria salvá-la. A qual-quer custo. Logo que Hiroshi colo-cou-se em posição de ataque, ele repetiu o gesto. Tinha coragem, mas não muita con-fiança; afinal, sabia que seu oponente era exímio espa-dachim, enquanto a sua ha-

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bilidade com espadas era pouca ou quase nenhuma. O ataque mútuo teria começado, se uma voz feminina e aflita não tivesse ecoado por aquele campo: -PAREM! Yuurei sentiu seu sangue gelar ao re-conhecer aquela voz. Voltou-se lentamente para a direção de onde ela vinha, pedindo aos deuses para que ele estivesse enganado. Ela não podia estar ali, de forma alguma!

Mas estava. Akemi tinha a mesma idade de Yuurei – dezoito anos –, e não era o que se poderia classificar como uma beldade. Era bonita, mas de uma beleza comum, sem maiores atrativos. Seus longos cabelos castanho-escuros pos-suíam uma leve ondulação devido ao costume que a jovem tinha, desde cri-ança, de mantê-los constantemente presos. Nessa ocasião, excepcional-

mente, as madeixas encontravam-se soltas. Os olhos puxados, da mesma cor dos cabe-los, faziam transparecer nela uma aparên-cia frágil. Não se parecia em nada com uma guerreira. E, de fato, não era. Próximo ao seu peito, pendurado por um colar, relu-zia um pequeno cristal negro. Os olhos de Hiroshi brilharam à visão daquela pedra. -Akemi? – Yuurei a chamou, ainda assustado – O que você está... A frase não foi concluída, pois a garota

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interrompeu o noivo, dirigindo-se a Hiroshi com um olhar seguro: -Eu me entrego. Hiroshi gargalhou, sarcasticamente. Yuurei, por sua vez, completamente confuso arregalou os olhos em direção à garota. -Akemi... Você enlouqueceu? Nenhuma resposta foi obtida. Akemi se aproximou e parou ao lado do noivo, voltada em direção ao oponente de ambos. Repetiu, determi-nada: -Eu me entrego. Agora pare com tudo isso. Sorrindo, Hiroshi abaixou sua katana. Akemi ameaçou dar o primeiro passo em direção a ele, mas Yuurei a deteve, segurando-a pelo pulso. -O que você acha que está fazendo? – Ele indagou, com uma agressividade que não lhe era comum no trato com mulheres. Principalmente em relação à noiva. A jovem respondeu com a voz baixa, evitando olhá-lo: -Vou acabar logo com isso. -Acabar? – Yuurei repetiu, com revolta – É exatamente o que vai acontecer se você se en-tregar. Sabe o que esse louco pode fazer se obtiver os poderes de seu cristal, não sabe? -Eu me mato antes disso. – Ela respondeu-lhe num sussurro, de forma que Hiroshi não pudesse ouvi-la. Yuurei, indignado, puxou-a energicamente pelo pulso, obrigando-a a olhá-lo nos olhos. -Nossos amigos estão mortos; minha irmã está morta; sua mãe está morta! Responda-me:

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interrompeu o noivo, dirigindo-se a Hiroshi com um olhar seguro: -Eu me entrego. Hiroshi gargalhou, sarcasticamente. Yuurei, por sua vez, completamente confuso arregalou os olhos em direção à garota. -Akemi... Você enlouqueceu? Nenhuma resposta foi obtida. Akemi se aproximou e parou ao lado do noivo, voltada em direção ao oponente de ambos. Repetiu, determi-nada: -Eu me entrego. Agora pare com tudo isso. Sorrindo, Hiroshi abaixou sua katana. Akemi ameaçou dar o primeiro passo em direção a ele, mas Yuurei a deteve, segurando-a pelo pulso. -O que você acha que está fazendo? – Ele indagou, com uma agressividade que não lhe era comum no trato com mulheres. Principalmente em relação à noiva. A jovem respondeu com a voz baixa, evitando olhá-lo: -Vou acabar logo com isso. -Acabar? – Yuurei repetiu, com revolta – É exatamente o que vai acontecer se você se en-tregar. Sabe o que esse louco pode fazer se obtiver os poderes de seu cristal, não sabe? -Eu me mato antes disso. – Ela respondeu-lhe num sussurro, de forma que Hiroshi não pudesse ouvi-la. Yuurei, indignado, puxou-a energicamente pelo pulso, obrigando-a a olhá-lo nos olhos. -Nossos amigos estão mortos; minha irmã está morta; sua mãe está morta! Responda-me:

pra quê, Akemi? Em vão? Para chegarmos tão longe e você simplesmente se entregar? Para você resolver terminar com tudo sim-plesmente acabando com a própria vida? Eles morreram, mas morreram lutando, e não fugindo, como você está querendo fazer. Abaixando a cabeça, Akemi sentiu as lágrimas começarem a transbordar de seus olhos. Levou alguns segundos até conseguir pronunciar algo, quase que num sussurro: -Eu não quero que você morra também. Com isso, foi a vez de Yuurei sen-tir um nó na garganta. Ia dizer alguma coisa, mas Hiroshi o interrompeu: -O amor é comovente, mas eu não tenho a noite inteira. Se quiser mesmo acabar com isso, mocinha, é melhor se entregar agora. Ela virou-se para ir em direção ao inimigo. Porém, Yuurei a impediu, puxando-a novamente pelo pulso e jogando-a para trás de si. Encarando o oponente, ele colocou-se mais uma vez em posição de ataque e anunciou: -Terá que me matar antes.

----------*****---------- Ele levantou-se com esforço, acompan-hando com os olhos a rápida aproximação de Hiroshi. Olhou para sua katana, caída ao longe, e gritou para que Akemi fugisse. Aquele seria o seu fim e ele sabia que não teria mais o que fazer para evitar isso.

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As ações eram rápidas, mas ele tinha a ligeira impressão de que tudo ocorria em câmera lenta. No exato instante em que a katana do inimigo aproximava-se de seu peito, avistou Akemi “surgindo” diante de si. Apenas teve tempo para segurá-la quando ela começou a cair, pelo efeito letal da lâmi-na do inimigo que se cravara em suas costas. Nesse momento, o cristal que ela trazia preso ao pescoço começou a brilhar, emitin-do uma forte luz negra, para, em seguida,

despedaçar-se, desintegrando-se no ar. Yuurei gritou, em desespero: -AKEMI! Que brincadeira de mau gosto se-ria aquela? O que aquela doida tinha na cabeça para tomar uma atitude daquelas? Ele pediu para que ela se afastasse... Sua missão era protegê-la. Mais do que isso: o único sentido de sua vida estava em protegê-la. E, agora,

tudo se invertera e fora ela que tentara pro-tegê-lo... Com a própria vida. Yuurei sim-plesmente não sabia se chorava ou gritava, xingando-a de estúpida, idiota, insensata. Mas, por hora, ele não fez nada disso. Com as mãos trêmulas, deitou-a cuidadosa-mente no chão. Então, levantou o rosto e olhou, com ódio, para Hiroshi, que, enquan-to recuava lentamente, observava perplexo o corpo da jovem, constatando que, com a destruição do cristal negro, também se desintegravam suas ambições nutridas du-

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rante mais de vinte anos. Em total silêncio, Yuurei levantou-se e caminhou até sua espada para apanhá-la. Em seguida, correu em direção a Hiroshi, que, por ainda estar atordoado, olhando fixamente para o corpo da garota, sequer teve reflexo suficiente para desviar-se da lâmina que se cravou profundamente em seu abdome. -Vá direto para o inferno, maldito! – Rosnou Yuurei, enquanto puxava com fúria sua katana, observando o corpo do inimigo que ruía de encontro ao chão, sob esguichos de sangue. -Yuu... Yuurei... – Murmurou, baixa, uma voz feminina. O coração do rapaz disparou ao ouvir aquele balbucio que pronunciava seu nome. Voltou a olhar para Akemi e percebeu, surpreso, que ela ainda respirava. Voltou a ela, correndo, e abaixou-se ao seu lado. A garota abriu um pouco os olhos e tentou dizer alguma coisa, mas engasgou-se com o sangue que lhe subiu pela garganta. -Shiiiu... Calma! – Sussurrou Yuurei, acariciando-lhe os cabelos – Vamos voltar pra casa, tá? Você vai ficar bem. Ela, respirando pesadamente e com os olhos ainda imersos em lágrimas, pediu: -Acabe... Acabe com isso... Por favor... Acabe... Com a dor... Ao ouvir aquilo, ele não mais conseguiu

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conter a emoção. Akemi estava morrendo e lhe pedia para acabar com seu sofrimento. Um golpe de misericórdia, era tudo o que ela implorava. Yuurei não conseguiria imaginar sua vida sem Akemi ao seu lado, mas, ao mesmo tempo, tam-bém não admitia que ela sofresse ainda mais. Com cuidado, levantou-lhe o corpo e o abraçou com força, enquanto conduzia uma das mãos ao cabo da espada cravada nas costas da garota. -Não... Não faça isso. – Ela implorou, ao perceber as in-tenções do rapaz, que, em meio às lágrimas, sorriu de leve. -Jurei te proteger até o fim, lembra? Jurei que seríamos felizes juntos. Não sei o que nos espera depois da morte, mas sei que, seja lá o que for, enfrentaremos juntos. -Yuurei, não... -Eu amo você. -Yuurei, por favor... Ele afundou com força a lâmina da espada, transpassan-do o peito da garota até atingir o seu.

----------*****----------JapãoAno: 2012 D.C

“Sua filha Akemi carrega em si as trevas. Uma força ma-ligna existente no universo, que escolheu o corpo dela para se refugiar. Outros sete jovens também foram escolhidos para guardar em si outras forças; essas, bem menos perigo-sas. Sua missão, Mai Shiawase, é encontrar e unir esses jo-vens e, junto a eles, proteger a portadora das trevas, evitando que essa força que ela transporta seja utilizada de maneira indevida. Cada um deles será portador de um cristal, onde cada qual dessas forças estará concentrada. Mas cuidado! Mesmo não sendo malignas, essas outras energias poderão ter um poder devastador se forem utilizadas em conjunto

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com a energia negra de Akemi”.

Eu estava orando junto ao túmulo de minha filha Kaori, quando recebi essa mensagem dos deuses. É lógico que achei que estivessem blefando! Oras, só porque são deuses não significa que eles não possam tirar uma com nossa cara de vez em quando! Mas... Não era um blefe. Minha Akemi era apenas uma crian-ça quando isso aconteceu. Mas Akemi cresceu... Akemi morreu... Escolheu seu caminho. E isso... Ah, isso já faz mais de duzentos anos. Achei que nossa missão estaria cumprida... Mero engano! Voltei à vida. Voltei à minha missão...

Maaya Shihara andava sozinha pelas ruas já quase deser-tas. A noite estava fria e um vento gelado brincava com seus cabelos avermelhados. Em suas mãos, um pequeno papel com um endereço. Finalmente, ela parou em frente a uma casa de dois an-dares. Olhou o número no muro ao lado do pequeno portão de madeira e tornou a olhar para o papel em suas mãos, a fim de confirmar se era mesmo aquele o local. Tirou os óculos escuros que cobriam seus olhos negros e voltou a fitar a casa. Sor-riu. Era mesmo ali.

Duzentos anos... O que nos espera nesta vida?

Tirou um celular da bolsa e discou um número. Não demorou até ser atendida. -Oi, querido. Já cheguei... É... Encontrei o lugar... Agora falta apenas encontrar as “minhas crianças”...

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Ilustração por: NOME SOBRENOME

Escrito por: GUSTAVO PERANDRÉ

CAPÍTULO II - PONTO DE CONVERGÊNCIA

O deserto pode ser o am-biente mais hostil do mundo, não apenas pelo

sol escaldante e as armadilhas cruéis que as areias escondem, mas pelo sentimento de solidão que ele inflige no coração dos viajantes, devorando suas es-peranças pouco a pouco. Naquele dia especialmente quente, as terras áridas rece-biam alguns visitantes pecu-liares. Caminhando entre as dunas, vinha um enorme lobo cinzento, sua aparência feroz e agigantada desencorajava os predadores locais, fazendo-os manter distância. Entre os volumosos pêlos da possante criatura, montada em seu dor-so, havia uma figura encapu-zada, vestindo panos grossos para proteger-se do calor insu-portável, como é costume no deserto. O volume das vestes podia parecer desconfortável,

mas as peças eram usadas para evitar a perda acelerada de líquidos, o que naquele ambi-ente escaldante poderia signifi-car a morte.

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O calor forte tornava a viagem tortuosa, por mais vigoroso que fosse o viajante, e o lobo começava a de- monstrar sinais de cansaço após tantos dias de camin-

hada que aquela longa viagem demandara, diminuindo a velocidade do avanço gradu-almente. Ao fim daquela tarde,

quando o sol já havia se es-condido e dado lugar à lua cheia e um frio ártico, con-trastando o clima diurno, os viajantes enfim chegaram ao que parecia ser um povoado. O lugar, como logo nota-ram, estava abandonado, não fosse por algumas crianças de aparência esfomeada que se escondiam nos becos e ob-servavam com cautela os recém-chegados, temero-sos pela imponente pre-sença da fera. As velhas casas de taipa ao redor, construídas com madeira e barro, ti-nham um aspecto sujo, as janelas e portas estavam escancaradas e parte das paredes havia secado demais e cedido com o tempo. Um emaranhado de rachaduras profundas feriam o chão seco de areia batida, tornando a visão do lugar ainda mais de-plorável. As duas figuras seguiram pelas ruas, em silêncio, até que o lobo parou em frente ao que parecia ser uma ta- verna, de aspecto tão decrépi-

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to quanto o restante do vilarejo. A casa era feita inteiramente de uma madeira escura e suas janelas estavam todas fechadas por trincos enferrujado. Na fachada, uma placa torta trazia o nome do lugar em letras quase apagadas e o brasão de um cor-vo sobre uma serpente, com o bico aberto envolvendo a cabeça do réptil, como se estivesse pronto para lhe decapitar. As crianças, que os seguiam sorrateiramente, observaram com atenção quando o viajante encapuzado desmontou da fer-ra cinzenta, acariciando-lhe o topo da cabeça como se a agra-decesse, e se assustaram quando a enorme criatura desapare-

ceu no instante seguinte. A figura misteriosa adentrou a taverna, descobrindo um ambiente empoeirado e pouco iluminado, com diversas me-sas espalhadas pelo cubículo, por vezes ocupadas por homens de aparência sombria que conversavam em um tom tão baixo que apenas eles mesmos ouviriam. No fundo do salão, um rapaz folheava seu jornal atrás de uma bancada rústica de madeira, fumando uma erva aromática que impregnava o re-cinto com um cheiro forte. – O que deseja? – ele perguntou ao recém-chegado, quan-

do este se aproximou do balcão. – Procuro o Grande Corvo – respondeu uma voz feminina por baixo dos panos grossos. – E qual é sua oferta? Lentamente, o visitante desenrolou os trapos sujos que lhe cobriam a cabeça, revelando uma garota com pouco mais de vinte e dois anos, os cabelos castanhos caiam-lhe pelos ombros e seus olhos, de mesma coloração, ocultavam o espírito de uma combatente de habilidades ímpares. – Ofereço a espada para decapitar a serpente – respondeu, e o ambiente pareceu ficar tenso por alguns instantes, até que ela sorriu, imitando o balconista – É bom vê-lo novamente,

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Liar. – Posso dizer a mesmo, mercenária Blair. Mercenária. Blair era uma guerreira do deserto, versa-da na manipulação de diversas armas de combate. Já havia sido chamada por muitos substantivos, entre eles estavam assassina e animal domesticado, mas talvez mercenária fosse o que melhor a definisse. – Não há necessidade de títulos para meu ofício, me poupe de seus comentários - O homem deu uma garga-lhada, acordando alguns bêbados nas mesas próximas. Ele vestia um colete em frangalho e uma calça em mesmo es-tado, o que lhe conferia uma aparência miserável. Liar era um grande amigo, oponente feroz em bat-alha e de uma mente genial moldada para a guerra. Como dupla de Blair, já havia combatido muitos de inimigos em suas missões, quando ainda era um caçador de recompen-sas. Porém, os tempos haviam mudado. Tirando da prateleira atrás de si uma garrafa em-poeirada, o rapaz serviu dois copos com um líquido cor de bronze. – Faz muito tempo que não tenho a chance de admirar sua beleza, mercenária - disse ele, oferecendo um dos copos à garota. Arremessando o fumo em um canto, levou o con-haque até os lábios e sorveu todo o conteúdo do copo em um único gole. – Porque me chamou aqui? - perguntou ela, tentando ver o que o ele vinha lendo, experimentando o sabor forte da bebida. – Você já deve ter ouvido falar sobre o fechamento do laboratório - respondeu Liar, virando o jornal para que Blair pudesse ler a notícia de capa. A página trazia informações sobre a apreensão recente

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de um grupo de cientistas que, como a garota sabia, pesquisavam uma cura para o câncer, uma terrível doença degenerativa. Para tal, o grupo usava como recurso financeiro uma enorme quantia que conse-guira arrancar do governo, com a promessa de tornar o milagre possível.

Porém, passados três anos, a equipe de pes-quisadores parece não ter demonstrado nenhum avanço significativo, o que levou a crer que es-tavam desviando os fun-dos para outros objeti-vos. Assim, acusados de um crime grave, os mem-

bros do laboratório foram presos sem direito a fiança e o caso foi considerado por muitos como o maior des-perdício de dinheiro públi-co já calculado. – O que acha disso? – De fato, é algo bem estranho – respondeu a ga-rota, sem tirar os olhos do jornal. – Eles não divulga-ram qual foi a real serven-

tia do dinheiro desviado. – Ou talvez a imprensa tenha suprimido essa in-formação - ele devolveu, com um sorriso confidente. – Uma de minhas fontes disse que alguns dos cien-tistas presos foram tortu-rados, mas continuaram de bico calado. Os filhos da mãe são teimosos e o tal grupo de pesquisadores parece mais uma sociedade secreta para mim. – Alguma prova? – Mais do que você gostaria. Mas antes de ex-plicar isso, preciso que veja uma coisa. Liar levantou uma par-te móvel do balcão, abrindo uma passagem, e sinali-zou para que a guerreira o acompanhasse até uma porta no fundo do salão. Sem dizer palavra, sacou um pequeno molho de chaves de metal e abriu a porta com uma delas, reve-lando um corredor escuro. Em silêncio, ele fez sinal para que Blair o acompa-nhasse, fechando a porta

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assim que ambos adentraram o breu, deixando para trás o bar e seus clientes moribundos, obvi-amente uma fachada falsa para ocultar algo muito maior. Quando Blair e Liar começaram a avançar pelo cor-redor, iluminado pela lanterna do rapaz, a guerreira percebeu que não estavam em um lugar comum. Ao seu redor, ela po-dia sentir um fluxo de energia fortíssimo, que circulava por toda parte, dando a impressão

de que a garota estava en-volta pelo mar e seguia caminho por uma correnteza submersa. Blair conhecia aquela sen-sação. Raramente havia realiza-do viagens usando um portal místico, mas o efeito era incon-fundível. Aquele tipo de fenômeno era capaz de ligar dois locais diferente através de uma espé-cie de túnel, que perfurava o espaço, tornando possível per-

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correr distâncias enormes em um instante. Porém, havia algo diferente acontecendo ali. Geral-mente, ao atravessar a entrada de um portal místico, o viajante automaticamente atinge o outro lado do túnel, mas não era isso que acontecera quando Blair e Liar en-traram no corredor. Já haviam se passado mais de dez minutos desde que começaram a caminhar na escuridão e, até então, apenas seguiam avançando, como se o caminho levasse a lugar nenhum. - Não se preocupe - comentou Liar, percebendo a preo-cupação da guerreira -, já estamos quase chegando. - Blair permaneceu em silêncio e apenas continuou deixando-se ser guiada pelo amigo. Após algum tempo, a luz da lanterna lhes revelou uma segunda porta, idêntica à anterior. Quando Liar a abriu, usando outra de suas chaves, Blair teve uma visão inacredi-tável. Ao atravessarem o portal, eles chegaram ao que pare-cia ser uma enorme biblioteca. As estantes altas forma-vam espessas paredes de livros, que descreviam caminhos complexos pelo recinto, iluminado por lustres de vidro que desciam do teto. Pelos flancos, havias duas escadarias de madeira envernizada que levavam aos dois pisos superi-ores, onde funcionavam uma ampla sala de leitura e a área administrativa, além de possuírem mais algumas dezenas de estantes com rolos de pergaminho, mapas e escritos an-tigos. O fluxo de pessoas no lugar era grande e diversos estu-dantes e pesquisadores ocupavam algumas mesas dispos-tas no centro da biblioteca, folheando uma pilha de livros e documentos, realizando anotações e discutindo diversos assuntos em um voz baixa, como mandava a regra do local.

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- Bem-vinda ao meu mun-do - disse Liar, sorrindo e simu-lando uma pequena mesura, convidando-a a atravessar a porta, que ficava localizada no segundo andar da biblioteca, de frente para a sala de leitura. Blair se surpreendeu ao ver que Liar estava vestido de forma diferente. O colete surrado e as calças rasgadas deram lugar a um conjunto de roupas escuras e um pingente pendia de seu pescoço, trazendo um símbolo que a garota não conseguia identificar. - Onde estamos - pergun-tou ela, ainda confusa, enquanto acompanhava Liar e observava aos pessoas ao redor, que pare-ciam não ter dado muita im-portância à chegada da dupla. Sem lhe dar uma resposta, o rapaz a conduziu até uma das mesas de madeira, ofereceu uma das cadeiras à garota e caminhou até uma das estantes ao lado, procurando por um vol-ume específico. - Esta - começou Liar, re-colhendo um livro antigo, muito grande, e o levando até a mesa

vazia - é a Grande Biblioteca. - Onde estamos Liar? – ela questionou novamente, usando um tom sério, exigindo uma res-posta decente. - Acalme-se, Blair - ele riu e abriu o livro com certo esforço, revelando um conjunto de gra-vuras que ocupava as duas pági-nas agigantadas do livro. - Você vem de uma família de nô-mades do deserto, assim como eu, e sei bem que os anciãos já lhe falaram sobre a origem do mun-do. Blair assentiu. Ela possuía uma memória excelente e jamais se es-quecera de quando, ainda criança, viajava com seu povo pelo deserto, dependendo da própria força de vontade para sobreviver. Fora seu pai quem lhe en-sinara a arte do combate, para que pudesse caçar e defender sua família contra os assaltantes das terras áridas. Na pobreza, Blair aprendeu a sobreviver às adversidades, tornando-se forte, e apesar da vida difícil ela sabia

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que a sorte havia lhe feito com-panhia. Antes de ser adotada pela tribo de nômades, a menina era tratada como uma mer-cadoria. Os escravos eram considerados um bem mate-rial e logo ela seria vendida a um bom preço por seus rap-tores. Da vida que teve antes

de ser capturada, ela não se lembrava de nada, e as pes-soas diziam que a garota supostamente teria perdido a memória graças ao trauma do sequestro. Pouco antes de chegar ao destino final, a comitiva que trazia a menina e vários outros escravos foi tomada de assalto por um grupo de

andarilhos. Brandindo espadas e armas rústicas, o grupo ven-ceu os traficantes de escravos, libertando os presos e convi-dando-os a tornarem-se um deles. Ela lembrava-se nitida-mente de quanto chegou ao acampamento provisório que os nômades haviam levantado. Recebida pelas mulheres da

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tribo, a menina ganhou roupas novas e um nome: Blair. Com o tempo, ela descobriria que mesmo nas tribos de andarilhos o sobrenome não era algo destinado aos ór-fãos. Foi ali que ela aprendeu a ler e recebeu educação quanto à criação do mundo, como Liar comentara, pois o grupo de nômades também contava com sacerdotes e ex-escravos cultos, letrados nas mais diversas áreas, homens que possuíam uma vida de luxos enquanto ser-viam seus senhores, mas que escolheram a liberdade. Liar, assim como ela, fora uma criança órfã ado-tada pela tribo de nômades, mas já vivia com eles ha-via muito mais tempo, além de ser cinco anos mais velho que a garota. Treinados pelo mesmo mestre, ele e Blair alimentavam uma rivalidade fortíssima, que logo evoluiu para o companheirismo. Juntos eles eram imbatíveis, e decidiram seguir um caminho que de-safiasse suas habilidades, deixando para trás a tribo onde cresceram e aprendendo a esquecer o medo que o mundo tentara lhes impor. A caça de recompensas serviu bem ao propósito primário, enquanto lhes garantia o ouro necessário para sobreviverem, moldava a personalidade e lapidava as habilidades dos dois combatentes. Com o ofício, eles conheceram muitas pessoas e lugares ao redor do mun-do, obtendo informações e conhecimentos que alguém comum jamais teria acesso. Com o tempo, Liar declarou se interessar pelo es-tudo da magia, a arte de manipular as forças místicas e inexplicáveis que sustentam o universo, como os sacer-dotes haviam ensinado à Blair, e decidiu que rumaria por um caminho diferente. Ele jurara que encontraria a garota novamente um dia, e ali estavam eles.

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- Conheço bem a história - respondeu ela, saindo de seu devaneio, - se está se referindo à Helyna e aos Quatro Pilares. - Então, será ainda mais fácil que você compreenda e aceite o lugar para onde eu lhe trouxe - disse Liar, e fez um sinal para que Blair observasse a página aberta do grande tomo. As duas folhas desenhadas formavam o que a guer-reira supôs ser o sistema solar, mas logo descartou a ideia. O desenho maior era um anel traçado com maes-tria, trazendo em seu interior diversos aros menores es-

palhados por sua área. A guerreira notou que cada um deles possuía uma linha muito fina, que os ligava a um ponto central da circunferência maior. - Este é um mapa do universo - começou Liar, a garota lhe ouvia com interesse, enquanto ele apontava as gravuras no papel. - O círculo maior representa os limites de algo que chamamos de Universo Verdadeiro. Diferente do cosmo habitado por estrelas e planetas que você conhece, o Universo Verdadeiro abriga todos os “mundos” existentes. - Mundos? Do que você está falando? - Blair parecia

confusa. Para ela, o mundo onde vivia era o único, uma terra concebida por Helyna e dada aos homens para que a povoassem. Talvez Liar houvesse ficado louco com o tem-po, mas a guerreira viera de muito longe e estava disposta a ouvi-lo. - Digamos que o mundo de onde eu e você viemos não passa de uma mera partícula dentro de algo muito maior - ele retomou a explicação, entretido ao ver que poderia ensinar algo à sua antiga rival. - Cada uma dessas pequenas esferas repre-senta um universo diferente. Em um deles existem criaturas marinhas imensas, vagando

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por um oceano que acreditam ser infinito; em outra, um povo habita uma floresta mística e vivem para con-tar lendas fantásticas sobre suas conquistas, crendo serem imortais. Em meio a tantas possibilidades, existe um mundo onde vive uma tribo de nômade do deserto, de onde nós dois viemos. Blair lutava para digerir aquela informação. Era algo, de fato, fantástico, mas ela nunca havia parado para pensar na possibilidade da existência de outros mundos. Apesar disso, a experiência que havia adquiri-do com o tempo lhe ensinara a acreditar no impossível e era plausível que a criação da Deusa não se limitasse ao universo que Blair conhecia. - O que são essas linhas? - perguntou, apontando os diversos traços que levavam até o centro do dese-nho. - Isso é o que chamamos de Linha da Realidade e foi através de uma delas que chegamos até aqui. Note que cada esfera menor possui uma linha dessas e todas conduzem ao centro do Universo Verdadeiro. O ponto mediano, chamado Ponto de Convergência, é respon-sável por alimentar todas as “realidades” ligadas a ele. É deste local - disse ele, apontando a esfera que recebia todas as linhas -, que vem a magia que conhecemos. Nesse momento, Blair notou que nenhum dos mundos possuía uma comunicação direta com os ou-tros, então, se todos eles apontavam para um mesmo conector, o Ponto de Convergência seria um inter-mediário que possibilitava a viagem a outras reali-dades. - Isso é incrível - comentou consigo mesma. - E nós estamos exatamente sobre esse Ponto de Convergência. Aqui é Arsin, a Grande Capital, o cen-

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tro da e-xistência. Foi a par-tir daqui, de onde estamos agora, que a Deusa concebeu toda sua criação e é esse pon-

to que garante que a essência de Helyna exista em todos os outros mundos. Pense em Ar-sin como um oceano. As Linhas da Realidade são as ramifica-ções, rios que alimentam as fontes secundárias. Blair mal conseguia imagi-nar onde estava e uma sensa-ção de inferioridade a abatia quando pensava que tudo o que

conhecia era nada mais que um grão de areia em um extenso deserto. - Então, essa linha que descreve o aro maior seria onde os Quatro Pilares agem, sustentando o Universo Verda-deiro? - arriscou. Liar sorriu e bateu as mãos em sinal de satisfação, era sur-preendente a velocidade como Blair assimilara as coisas. - Exatamente! Se os Pila-res decidissem deixar de man-ter a linha que limita o Univer-

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so, os estudiosos acreditam que toda a existência entraria em colapso. Blair também percebera que havia outro círculo que Liar ainda não lhe explicara, externo ao aro maior. Além disso, notou que não havia uma Linha da Realidade que ligasse aquele mundo ao Ponto de Convergência, o que indicava ser um local inalcançável. Ela gostaria de perguntar muito mais coisas ao amigo, mas per-cebeu, quando ele fechou o liv-

ro e o devolveu à estante, que aquilo era tudo que sabia. - Venha comigo, não te trouxe até aqui apenas para lhe ensinar sobre mundos e divindades. Existe uma tarefa a ser cumprida e creio ser você a pessoa mais indicada para o cargo - concluiu Liar e pediu que Blair o acompanhasse. Eles desceram as escadas e atravessaram o salão de en-trada circular do primeiro piso, passando pelas pessoas que

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estudavam e deixando a biblio-teca para trás. Ao atravessar o portão principal em direção à cidade, Blair pode ver que Arsin era, em vários aspectos, muito diferente de sua terra natal, o que tornava o lugar ainda mais fascinante. A arquitetura própria da cidade mostrava edifícios pla-nos, muito bem construídos.

Os portões de ferro, traba-lhados com elegância, guar-davam as casas familiares de madeira e tijolos verme-lhos, por vezes escurecidas pela fuligem trazida pelos automóveis. Ao atravessarem uma das avenidas principais, Liar apresentou à garota um dos

maiores orgulhos daquela ci-dade, a Ferrovia de Arsin, cujos trilhos passavam sob enormes pontes de concreto, que descre-viam arcos por onde passavam as ruas. O trem à vapor corria em nível acima das casas, pro-porcionando um espetáculo à parte. Nas calçadas, uma comiti-va de transeuntes movimenta-vam o comércio local e alguns

voltavam para suas casas após uma longa jornada de trabalho. O fluxo da cidade era intenso, principalmente àquela hora do dia, ao fim da tarde. Blair acompanhava o ami-go enquanto seguiam caminho calmamente entre um grupo de pessoas apressadas, e Liar lhe falava sobre a cidade. - Faço parte de uma orga-nização que tenta manter a in-tegridade dos outros mundos – revelou Liar. – Nós a chamados de Ordem de Camael e somos responsáveis por investigar eventos sobrenaturais que pos-sam ameaçar as pessoas, como o caso dos cientistas foragidos que comentei com você mais cedo. - De mercenário a bom sa-maritano – ironizou ela –, nem tudo está perdido ainda. Mas você ainda não me explicou o porquê de ter me chamado até o fim do mundo. Antes que Liar pudesse responder, os dois foram abor-dados por uma criança. Tra-java um colete preto sobre uma camisa de linho branca, calças escuras, e usava um pin-

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gente que lembrava o de Liar. A pequenina não disse nada, ape-nas entregou uma carta ao ra-paz antes de fazer uma pequena mesura e se retirar. - Quem era ela? - pergun-tou Blair, enquanto a criança se afastava a passos rápido, desa-parecendo na multidão. - Uma mensageira da Or-dem - respondeu Liar, abrindo a carta e lendo-a em instantes. - Eles dizem que perceberam minha travessia pela Linha da Realidade e querem que eu me pronuncie sobre você. É uma pena, mas as leis de Arsin me impedem de levá-la ao Con-selho por hora. Terá que me esperar aqui enquanto faço sua apresentação formal. - Sem problemas, acho que há muito o que explorar. Ao que parece, vou me divertir um pouco antes do trabalho. - Não se preocupe, voltarei logo - disse ele, afastando-se depressa. Blair observou que haviam parado exatamente ao lado de uma grande catedral. Admirada por sua arquitetura complexa, a garota subiu a escadaria de pe-

dras e chegou até a entrada da majestosa construção. As pare-des do recinto foram construí-das com blocos de um mármore azulado muito escuro, quase negro, que apenas revelava a verdadeira coloração quando os raios de sol tocavam sua super-fície. Na parte interior, havia diversas colunas de pedra gros-sas que sustentavam arcos re-dondos e um grande teto abobadado. Com atenção, a jovem pôde enxergar os desenhos gravados nos vitrais das janelas, que pontilhavam as paredes escuras. Ao fundo do recin-to, Blair notou que um grande número de pes-soas parecia assistir a uma pal-estra, ministrada por um estu-dioso alto e esguio, usando um jaleco branco e óculos de aros redondos. Curiosa, ela se aprox-imou em silêncio e sentou-se na última fileira de bancos, sem saber que estava prestes a ouvir algo que jamais se esqueceria.

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Seu próprio grito era tudo que ouvia, ecoando vagarosamente por entre os cômodos vazios daquela pequena casa. Ficara sentado, ofe-

gando por alguns instantes, recuperando-se. Sen-tia seu coração batendo em sua garganta. Acor-dara agonizado. Maldito pesadelo. Precisava de um tempo para relaxar. Sentia como se tivesse uma alta dosagem de adrenalina em seu sangue. Levantou-se e desceu pelas escadas até a cozinha. Nas mesas da sala, era possível ver os vestígios da reunião de amigos que acontecera há algumas horas. Um copo d’água deveria acalmar seus ânimos. Trêmulo, enchia seu copo. Tomou-o em uma golada rápida. Ficou parado por alguns instantes. Olhos fechados. Massageava suas têm-poras e suspirava. Limparia e arrumaria a sala pela manhã. Mais calmo, voltou para sua cama e deitou-se. Fechou seus olhos, respirou fundo. Relaxou sua mente. Seus olhos se abriram repentinamente. Mo- viam-se rapidamente, fitando todo o ambiente ao redor. Talvez tivesse ouvido algum barulho. E, de repente, sua cabeça ficou repleta de flashs, lembrando-se da história que ouvira há pouco. Sentou-se na cama novamente. Desta vez,

Ilustração por: CAIQUE AZEVEDO (em

tese...)

Escrito por: ARTHUR MARCHETTO

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não estava nervoso, mas sim paranoico. Era como se lembrasse de cada palavra, cada entonação e vivesse na pele tudo aquilo. “Nunca se quer ouvir coisa parecida com isto...”. Eram estas palavras as escolhidas para começar aquele relato perturbador, que lhe trairia agonia e preocupação pelo resto da noite. “... depois de contar tudo, vocês talvez não acred’item em mim, eu talvez não acreditasse também, mas tendo vivido, juro pela roupa que cobre teus corpos, que realmente fora real...” Levantou-se de sua cama. Lembrar daquilo não era algo que desejava fazer agora. Sem saber o que fazer, ficou em pé, andando sem rumo pelo seu quarto. Ouvia o farfalhar de folhas e galhos do lado de fora de sua casa. “... sabe desses barulhos que são ouvidos a noite? Ou até mesmo daqueles vultos e sombras que tomam formas ao serem fitados pela janela de seu quarto? Sempre sente dentro de sua ca-beça que algo está errado quando vive uma situa-ção dessas, não? Mas sempre se consola dizendo que não, e que era apenas um fruto de sua imagi-nação... Bem, talvez não seja dessa forma...” Sentiu que podia descer a adiantar a arruma-ção de amanhã. Poderia arrumar a sala. Manten-do-se distraído, e manteria sua mente ocupada. Poupando esforços do cansaço que provavelmente teria ao acordar, devido à noite mal dormida. As nuvens do lado de fora se moviam rapida-mente, tapando o luar e as estrelas. “... há muito tempo atrás, quando eu era ainda uma criança, eu vivi uma situação um tan-

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to quanto traumatizante. Nunca tinha sido muito popular na es-cola, tive meus primeiros gru-pinhos de amigo já mais velho, e antes disso, enquanto cursava meu 2º ou 3º ano, logo na volta das férias, no começo do ano es-colar, havia um menino. Um me-nino magro, e pequenino, que se sentava sempre na frente da sala, próximo a porta. Sempre sozinho, e sentindo uma leve semelhança comigo, resolvi me aproximar. Descobri que ele já havia passado por algumas outras escolas antes de entrar na minha sala... ” Desceu. Separou o lixo, a louça. Arrumou os móveis. Lim-pou as marcas de copo. Guardou alguns pertences eventualmente esquecidos no local, mantendo assim a sua casa em um estado usual de arrumação. Os vestígios da pequena reunião haviam sumi-do, mas não de sua mente. O barulho que o vento fazia ao passar pelas frestas de suas janelas era assustador. “... conversávamos agora com mais frequência. Eram con-versas nos intervalos das aulas, assim que acabavam as aulas e até mesmo durante as aulas. Pouco a pouco, fomos nos aproxi-mando. Marcávamos eventuais

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encontros fora da escola. Boli-che, festas, filmes, peças, par-tidas de vídeo-game... Eram muitos eventos. Até que chegou o dia em que eu fui oficialmente convidado para visitar e dormir em sua casa, como grandes amigos fazem...” Aquela arrumação ainda não havia sido o suficiente para retirar de sua cabeça aqueles pensamentos. Eles ainda con-tinuavam ali. Navegando, e pas-sando como um filme pela sua cabeça. Cada vez ganhando mais espaço. Talvez a televisão pudesse lhe fornecer distração e tranquilidade. Teria sido as-sim em algumas outras vezes, a fiel amiga televisão. Sentado no meio do sofá, pegara o con-trole remoto, e agora, ela es-tava lá. Ligada. Não havia bons filmes, boas matérias ou bons programas na televisão, não naquela hora. Pensando bem, talvez a televisão não tivesse sido tão fiel assim. Achou um documentário. Falava sobre os dinossauros. Sobre seus hábitos alimentares, sobre seus modos de vida e falava sobre a extin-ção dos mesmos. De como o meteoro os atingiu e os elimi-nou da face da Terra quando

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fora a hora. Definitivamente, ela não era uma amiga fiel. O cheiro que infestava a casa juntamente com a brisa que entrava era fortíssimo, talvez chovesse mais tarde. “... lembro-me bem daquela noite. Ventava um pouco mais do que o usual, assoviando por entre alguns orifícios e cavidades. E devido ao fato de ter sido a primeira noite em que passaria longe de meu abrigo e longe de meus pais, aqueles barulhos se intensificavam. No quarto de meu amigo, brincávamos com seus bonecos e bichinhos, montávamos cidades e zoológicos, criando problemas fictícios. Até que ouvimos algo como uma louça espatifar-se no chão; - Não se preocupe. – Ele havia me dito poucos segun-dos após a queda do objeto – Minha mãe deve ter deixa-do alguma coisa cair. Embora eu pudesse notar em seu rosto a decepção so-bre o que acontecera...” Sem muitas escolhas, parou em frente à janela. Ficara olhando a janela por alguns instantes, olhando e medindo aquela escuridão que havia se formado na sua janela. Apenas pensava. Ape-

nas pensava e recordava. O ambiente externo havia mudado rapidamente, tornan-do-se um breu completo. Era impossível distinguir qualquer forma do lado de fora. “... depois da queda do objeto, sussurros foram se for-mando atrás da porta. E esses sussurros foram se intensifi-cando, transformando-se em uma conversa, em uma dis-

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cussão e enfim, em gritos. Neste ponto, ele já havia larga-do seus brinquedos. Sibilava sozinho algumas frases, como se estivesse conversando. Não conseguia ouvir sua voz, mas era possível ver em seus lábios frases como “Eu sei...”, “Eu lembro...” e “No fim, é sempre igual.”. Ao final de seu monólogo interno e completamente particular, levantou-se e saiu do seu quarto, sem proferir uma palavra. No instante em que abriu a porta, pude identificar as vozes como sendo de sua mãe e de seu pai, e logo após a porta se fechar, os gritos cessaram Confesso que fiquei sem jeito, não sabia como rea-gir quando o garoto voltasse. Fiquei estático, com seus brinquedos na minha mão. E, como se não bastasse a minha incapacidade de não saber reagir, fui surpreendido pelo garoto, que ao voltar, olhara no fundo dos meus ol-hos e perguntou:

- Você vai em-bora, não vai? Assim como todos os ou- tros foram... Não soube o que responder. Não soube o que fazer. Eu fiquei apenas parado, olhando seu rosto. Congelei... “ Agora, talvez soubesse o que de-veria ser feito. Se en-frentasse aquela situ-ação, provavelmente se sentiria bem me-lhor. Se conseguisse vencer seu medo, conseguiria ficar tran-quilo, mas agora,

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tudo que fazia, era permanecer imóvel. “... os barulhos do lado de fora haviam se in-tensificado. As árvores roçavam-se umas nas ou- tras, os assovios se intensificavam. As nuvens ha-viam se dispersado, e se compactado novamente. Toda aquela situação atraiu a atenção do menino até a janela, e, a leves passadas, aproximou-se. Fi-cou observando a rua. -Eu sei que você vai. Se não hoje, outro dia. Ninguém aguenta. – Ficamos mais alguns minutos em silêncio. – Minha mãe me dizia que morremos apenas quando a natureza nos chama. Acho que ela está me chamando. Você também a ouve, não ouve? Seu rosto havia agora virado para mim, in-clinando a sua cabeça um pouco em cima de seu ombro, e sem expressão, tive a impressão de que ele me olhava com olhos completamente brancos...” Havia tomado forças, dirigia-se para frente da porta. Com a mão na maçaneta, abriu-a. Uma leve brisa encheu sua casa, e levantou seus cabelos. Es-tava uma noite deliciosa. “... com seu corpo virado para mim, pude ver aquele objeto prateado que repousava em sua mão. Reluzia na fraca luz da lua, que logo seria coberta novamente. - Acho que realmente devo ir para perto deles, seguir o chamado, aonde serei feliz e tranquilo. Onde me livrarei de tudo isso...” Seus pés agora tocavam a trilha de concreto puro e terra que havia do lado de fora de sua casa. Sentia e aproveitava cada sensação. Cada detalhe. Absorvia. Suspirava. Sentia. “... se não fosse pelo sangue que escorria

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pelo seu corpo, diria que não havia corpo algum ali. Seu corpo parecia dissolver-se, parecia leve. A faca parecia ter cortado o ar. E assim, o corpo do menino caíra. Não lembrava ao certo como fora o encontro da mãe com o filho, ou como eu tinha voltado para a casa, mas suas últimas palavras continuam frescas na minha memória...” Os ventos nos seus cabelos. Os pés na terra. Era tudo que sentia. Absorvendo tudo. Sentia-se mais leve. Enfrentava seu medo. “... Como será quando minha hora chegar? Como identificarei meu chamado para a ‘Natureza’?” E então, mudara de terreno. Sentia que saia da terra e encontrava algo mais compacto e mais ás-pero. Era o asfalto. Enfrentou seu medo. Fora ne-cessário. Sabia disso. Havia sentido isso crescendo dentro dele. Teria sido preciso de qualquer forma. Não teria voltado a dormir. Não poderia ter voltado a se sentir tranquilo. Não se não fizesse aquilo. Finalmente livre de seu pesadelo. Enfrentou toda aquela escuridão. Sentia-se mais leve. Poderia voltar para casa. Mas ali, parado, no asfalto, se localizou e lem-brou-se de seu sonho. O pesadelo. Via um par de luzes se aproximando rapidamente na rua em que estava. Era exatamente assim. Seu destino. Encon-trava-se imóvel. Não conseguia mover nem sequer um músculo. As luzes continuavam a vir em sua direção, talvez até um pouco mais rápido. E então seu corpo adquiria uma sensação de leveza, prati-camente etérea. Não apenas leve, mas livre. Tendo certeza que em seu momento final, seus olhos es-tariam completamente brancos.

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