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Geração Ite Estou sempre doente. Passa inverno, passa verão e cada vez a lista de doenças aumenta. Faringite, laringite, amigdalite, sinusite. É só dizer uma ite que provavelmente eu já tive. Alguns me chamam de hipocondríaca, talvez até seja um pouco. Há meses a base da minha alimentação não é o arroz e feijão, mas os pequenos grãos coloridos que vêm em embalagens plásticas. Antibiótico já virou banal. Analgésicos? São meus melhores amigos! Nem me deixe começar a falar sobre os descongestionantes nasais. Minha relação com eles é tão íntima que poderia escrever mil cartas de amor. Eu não a única nesse loop eterno de doenças. Meus amigos também compartilham de meu sofrimento. Cada dia é uma reclamação: Ai que dor nas costa, minha garganta está me matando, acho que minha cabeça vai explodir. Quem lê essas reclamações pensa que essas conversas só podem vir de um asilo. Pois está bem enganado, meu amigo. Os autores dessas frases estão todos no auge dos seus vinte e poucos anos. Uma tristeza, de fato. A velha história da carinha de vinte e corpinho de oitenta. Como será que chegamos nesse ponto? Talvez tenha sido as loucuras do dia-a-dia, a exigência da faculdade, do estágio, da academia, dos cursinhos de inglês. Vivemos tanto que acabamos envelhecendo mais rápido. Se já estamos assim agora, não quero nem pensar o que restará de nós quando de fato chegarmos à melhor idade. De repente até vai ser melhor. Aposentada, andando de graça no ônibus e pagando meia-entrada nos cinemas e teatros. Pensando bem, acho que é na velhice que vou conseguir aproveitar a vida. Nos dias de hoje, ser jovem é que é cansativo. A vida boa mesmo só começa depois dos sessenta e cinco.

Geração Ite

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Crônica "Geração Ite", por Luísa Dal Mas

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Page 1: Geração Ite

Geração Ite

Estou sempre doente. Passa inverno, passa verão e cada vez a lista de

doenças aumenta. Faringite, laringite, amigdalite, sinusite. É só dizer uma ite

que provavelmente eu já tive. Alguns me chamam de hipocondríaca, talvez até

seja um pouco.

Há meses a base da minha alimentação não é o arroz e feijão, mas os

pequenos grãos coloridos que vêm em embalagens plásticas. Antibiótico já

virou banal. Analgésicos? São meus melhores amigos! Nem me deixe começar

a falar sobre os descongestionantes nasais. Minha relação com eles é tão

íntima que poderia escrever mil cartas de amor.

Eu não a única nesse loop eterno de doenças. Meus amigos também

compartilham de meu sofrimento. Cada dia é uma reclamação: Ai que dor nas

costa, minha garganta está me matando, acho que minha cabeça vai explodir.

Quem lê essas reclamações pensa que essas conversas só podem vir de um

asilo. Pois está bem enganado, meu amigo. Os autores dessas frases estão

todos no auge dos seus vinte e poucos anos. Uma tristeza, de fato. A velha

história da carinha de vinte e corpinho de oitenta.

Como será que chegamos nesse ponto? Talvez tenha sido as loucuras

do dia-a-dia, a exigência da faculdade, do estágio, da academia, dos cursinhos

de inglês. Vivemos tanto que acabamos envelhecendo mais rápido. Se já

estamos assim agora, não quero nem pensar o que restará de nós quando de

fato chegarmos à melhor idade. De repente até vai ser melhor. Aposentada,

andando de graça no ônibus e pagando meia-entrada nos cinemas e teatros.

Pensando bem, acho que é na velhice que vou conseguir aproveitar a vida.

Nos dias de hoje, ser jovem é que é cansativo. A vida boa mesmo só começa

depois dos sessenta e cinco.