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Geração Ponta de Iceberg e Análise de Ciclo de Vida de Produtos *Deborah Munhoz Como citar este artigo: MUNHOZ, D. Geração Ponta de Iceberg e Análise de Ciclo de Vida de Produtos. Revista Ecologia Integral, Ano 11, n. 40, mar 2011, pp 14 Um iceberg pode ser definido como um pedaço de gelo flutuante cuja maior parte encontra-se submersa no mar. O que nossos olhos conseguem ver nada mais é do que uma pequena fração da sua verdadeira existência. Penso que a infinidade de produtos com as quais lidamos todos os dias podem ser comparados a icebergs: carros, computadores, fio dental, jeans, biscoitos, enfeites de natal, perfumes, batons…. Enfim, tudo o que tocamos e/ou usufruímos tem uma história. Nossos olhos captam somente uma infinitésima parte do que realmente cada objeto representa. Essa história a qual me refiro chama-se tecnicamente de ciclo de vida do produto. O ciclo de um produto começa no local de onde foram retiradas suas matérias-primas. Desde a Revolução Industrial, o avanço da tecnologia e do conhecimento científico dentro de um modelo de desenvolvimento linear proporcionou à humanidade uma extrema rapidez na conversão de materiais encontrados na natureza em bens de consumo. E o que significa esse modelo linear? Significa pensar e agir sobre a natureza como se ela fosse uma fonte inesgotável de recursos materiais e energéticos os quais podem ser retirados, processados e descartados infinitamente. Essa é a forma como as indústrias e empresas tradicionalmente operam. Sob essa mesma lógica se assenta o atual modelo econômico. É também o modelo que a maioria de nós adotamos ao fazer compras. Tal forma de pensar desconsidera os chamados ciclos naturais. Com o avanço da tecnologia, da cultura da praticidade, as pessoas foram esquecendo da verdadeira origem das coisas. Já somos muitas gerações pontas de icebergs: pessoas que somente vêem o objeto imediato de consumo necessário para manter determinado estilo de vida. Quando, porém, aprendemos a ver em profundidade, adquirimos a capacidade de enxergar montanhas onde as pessoas vêem somente celulares, petróleo nas calças jeans, água em grãos de soja. Mais profundamente, percebemos os inúmeros sacrifícios de animais, plantas e minerais, assim como de seus ecossistemas. Percebemos também o trabalho das pessoas que movimentam as cadeias produtivas para gerar cada um dos objetos que usamos. Ao ampliarmos nosso nível de consciência, aprendemos também a pensar na forma de manutenção, conservação e destinação final do que compramos: poderá ser consertado? reutilizado? reciclado? Qual a forma correta de descartar? Aprender a observar de onde um produto e para onde ele vai após

Geração Ponta de Iceberg e Análise de Ciclo de Vida de Produtos

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Geração Ponta de Iceberg e Análise de Ciclo de Vida de Produtos

*Deborah Munhoz

Como citar este artigo:

MUNHOZ, D. Geração Ponta de Iceberg e Análise de Ciclo de Vida de Produtos. Revista Ecologia Integral, Ano 11, n. 40, mar 2011, pp 14

Um iceberg pode ser definido como um pedaço de gelo flutuante cuja maior parte encontra-se submersa no mar. O que nossos olhos conseguem ver nada mais é do que uma pequena fração da sua verdadeira existência. Penso que a infinidade de produtos com as quais lidamos todos os dias podem ser comparados a icebergs: carros, computadores, fio dental, jeans, biscoitos, enfeites de natal, perfumes, batons…. Enfim, tudo o que tocamos e/ou usufruímos tem uma história. Nossos olhos captam somente uma infinitésima parte do que realmente cada objeto representa.

Essa história a qual me refiro chama-se tecnicamente de ciclo de vida do produto. O ciclo de um produto começa no local de onde foram retiradas suas matérias-primas. Desde a Revolução Industrial, o avanço da tecnologia e do conhecimento científico dentro de um modelo de desenvolvimento linear proporcionou à humanidade uma extrema rapidez na conversão de materiais encontrados na natureza em bens de consumo. E o que significa esse modelo linear? Significa pensar e agir sobre a natureza como se ela fosse uma fonte inesgotável de recursos materiais e energéticos os quais podem ser retirados, processados e descartados infinitamente. Essa é a forma como as indústrias e empresas tradicionalmente operam. Sob essa mesma lógica se assenta o atual modelo econômico. É também o modelo que a maioria de nós adotamos ao fazer compras. Tal forma de pensar desconsidera os chamados ciclos naturais.

Com o avanço da tecnologia, da cultura da praticidade, as pessoas foram esquecendo da verdadeira origem das coisas. Já somos muitas gerações pontas de icebergs: pessoas que somente vêem o objeto imediato de consumo necessário para manter determinado estilo de vida. Quando, porém, aprendemos a ver em profundidade, adquirimos a capacidade de enxergar montanhas onde as pessoas vêem somente celulares, petróleo nas calças jeans, água em grãos de soja. Mais profundamente, percebemos os inúmeros sacrifícios de animais, plantas e minerais, assim como de seus ecossistemas. Percebemos também o trabalho das pessoas que movimentam as cadeias produtivas para gerar cada um dos objetos que usamos.

Ao ampliarmos nosso nível de consciência, aprendemos também a pensar na forma de manutenção, conservação e destinação final do que compramos: poderá ser consertado? reutilizado? reciclado? Qual a forma correta de descartar? Aprender a observar de onde um produto e para onde ele vai após

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o uso é aprender a fazer um tipo de avaliação chamado de ACV – Análise de Ciclo de Vida. A ACV é uma tendência, uma evolução da responsabilidade ambiental de profissionais, cientistas e das empresas, mas, sobretudo, uma mudança na forma com que a humanidade se relaciona com os materiais.

A ACV já está normatizada através da publicação da série ISO 14040. Embora complexas, já auxiliam profissionais a terem uma atitude preventiva na escolha de materiais, no desenvolvimento de novos produtos e melhoria dos já existentes. Atualmente, o enfoque predominante é o estudo do berço ao túmulo, isto é, da origem das materias-primas até a destinação após o seu uso. Como a Terra é finita, nosso maior desafio ainda será o enfoque “do berço ao berço”: desenvolver produtos que considerem os ciclos biogeoquímicos e que possam ser sempre reciclados. Isso representará mudar o estilo de produção linear para a forma de produção cíclica, evitando retirar quantidades cada vez maiores de materias primas dos ecossistemas. Essa mudança de paradigma abre espaço para uma geração ponta de lança: empreendedores de diversas áreas de conhecimento que trabalharão para o desenvolvimento de novos materiais, tecnologias e cidades harmonizadas com a natureza.

Para saber mais:

http://www.c2cportal.net/ (em inglês)

Siga no Twitter: @deborahmunhoz e @c2cportal

A História das Coisas: http://twixar.com/b2Yj

MUNHOZ, D. O mistério das coisas prontas. Revista Ecologia Integral, Ano 4, n.18, jan/fev 2004, pp 27 – disponível em http://twixar.com/bLh8

*Deborah Munhoz é Palestrante e Consultora em Sustentabilidade e Gestão da Qualidade de Vida - www.deborahmunhoz.wordpress. com