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PreviNE Boletim Informativo de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Região Nordeste Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos prevenção, iNvestIGAÇÃO, Cuidar da Aviação é a nossa obrigação!!! 1 SERIPA II ano 5 - Edição nº 25 de 2017 junho Figuras 1 e 2 – Evolução da complexidade das aeronaves Gerenciamento do Erro O ser humano é provido de características físicas e psíquicas, receptores sensoriais, mecanismos de atenção e de percepção, sistema de memória, central de tomada de decisões e uma capacidade limitada de trabalho (competências cognitivas). Sendo assim, seu mecanismo emocional influi no processamento de informações do ambiente onde realiza suas atividades. Este “design” de ser humano atual é praticamente o mesmo do que dispunha o homem das cavernas, no entanto, seu meio tem mudado de modo vertiginoso. Conforme Mariño, Daniel et all. (1995), ao realizar uma comparação entre os aviões dos primórdios da aviação e as aeronaves atuais, percebe-se que, embora as modificações sofridas pelas máquinas tenham sido de uma grandeza e complexidade significativas, os indivíduos que as operam são os mesmos. Embora mais aparelhados do ponto de vista dos seus conhecimentos, os seres humanos ainda possuem, fundamentalmente, as mesmas características psicológicas, mentais e físicas dos tempos remotos. Percebe-se que o sistema aeronáutico exige do indivíduo não só a interação com sistemas tecnológicos complexos, mas também a atuação em um meio para o qual não foi desenhado. Tal avanço da tecnologia levou Reason (2002) a concluir, em sua obra Human Error, que a moderna tecnologia alcançou um ponto onde o melhoramento da segurança somente pode ser obtido através do melhor entendimento dos mecanismos do erro humano.

Gerenciamento do Erro · 2017-06-14 · recursos de mitigação efetiva para erros recorrentes é a implantação do gerenciamento dos erros no sistema e do acompanhamento das atividades

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prevenção, iNvestIGAÇÃO, Cuidar da Aviação é a nossa obrigação!!!1SERIPA II

ano 5 - Edição nº 25 de 2017junho

Figuras 1 e 2 – Evolução da complexidade das aeronaves

Gerenciamento do Erro

O ser humano é provido de características físicas e psíquicas, receptores sensoriais, mecanismos de atenção e de percepção, sistema de memória, central de tomada de decisões e uma capacidade limitada de trabalho (competências cognitivas). Sendo assim, seu mecanismo emocional influi no processamento de informações do ambiente onde realiza suas atividades.

Este “design” de ser humano atual é praticamente o mesmo do que dispunha o homem das cavernas, no entanto, seu meio tem mudado de modo vertiginoso.

Conforme Mariño, Daniel et all. (1995), ao realizar uma comparação entre os aviões dos primórdios da aviação e as aeronaves atuais, percebe-se que, embora as modificações sofridas pelas máquinas tenham sido de uma grandeza e complexidade significativas, os indivíduos que as operam são os mesmos. Embora mais aparelhados do ponto de vista dos seus conhecimentos, os seres humanos ainda possuem, fundamentalmente, as mesmas características psicológicas, mentais e físicas dos tempos remotos. Percebe-se que o sistema aeronáutico exige do indivíduo não só a interação com sistemas tecnológicos complexos, mas também a atuação em um meio para o qual não foi desenhado.

Tal avanço da tecnologia levou Reason (2002) a concluir, em sua obra Human Error, que a moderna tecnologia alcançou um ponto onde o melhoramento da segurança somente pode ser obtido através do melhor entendimento dos mecanismos do erro humano.

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Princípios do Gerenciamento do Erro Humano

De acordo com Reason (2003), existem possibilidades a serem adotadas como medidas específicas para limitar tanto a ocorrência quanto as consequências adversas que os erros podem induzir, compreendendo as condições ativas e latentes nos processos em que o erro se configura nas operações.

Reason apresenta 12 princípios de gestão de erro:

1. O erro humano é ao mesmo tempo universal e inevitável, devendo ser tratado como consequência e não causa dos acidentes aeronáuticos.

Este princípio reforça a célebre frase “Errar é Humano”, considerando que a falibilidade humana pode ser moderada, porém nunca ela sera eliminada.

2. Erros não são intrinsecamente algo ruim.Da situação de uma adversidade provocada por um erro, extraem-se aprendizados que podem

servir para evitar ou mesmo mitigar condições que gerenciem erros semelhantes no futuro.

3. Não podemos mudar a condição humana, mas podemos mudar as condições em que os seres humanos trabalham.

Reason (2003) dá bastante enfoque aos fatores organizacionais. Há uma tendência a pensar o erro de forma isolada. Reason ressalta que os erros são mais consequências do que causas, tendo suas origens na natureza humana numa intercessão com fatores sistêmicos dentro das organizações.

4. As melhores pessoas podem fazer os piores erros: Ninguém está imune. Desta forma, o ser humano precisa reconhecer esse limite, que em suas capacidades naturais

de atuação, é possível que apareça, ao menos ocasionalmente, algum tipo de situação que o levará ao “Erro”.

5. As pessoas não podem simplesmente evitar as ações que não tinham a intenção de cometer.Em uma operação de voo, desde que não ocorra violação deliberada pelo ser humano ou

descumprimento de regras específicas, de fato, ninguém deseja cometer um erro.

Hoje, o erro é reconhecido como inevitável no desempenho humano. Desta forma, é necessário adotar ideias que tenham a perspectiva da segurança com a gestão do erro, considerando as questões da confiabilidade humana e sua complexidade.

A definição de erro importa em um termo genérico que açambarca todas as ocasiões em que uma sequência planejada de atividades físicas ou mentais falha em alcançar o resultado pretendido, desde que essas falhas não possam ser atribuídas à intervenção de terceiros. Reason (1990, p.9)

O que é o Erro?

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7. Muitos erros podem cair em padrões recorrentes.A observação contínua das operações de rotina seguido do processamento de dados retirados

dessas observações será a defesa específica para fazer uma segmentação dos erros recorrentes. É possível tratá-los sistematicamente dentro das organizações e minimizá-los. Uma forma de implantar recursos de mitigação efetiva para erros recorrentes é a implantação do gerenciamento dos erros no sistema e do acompanhamento das atividades de rotina.

8. Erros significativos podem ocorrer em todos os níveis do sistema. Os sistemas precisam ser entendidos como únicos. Assim sendo, erros em um determinado

nível, incidirão no sistema como um todo. Se forem mais expressivos em determinado segmento, influenciará mais diretamente nas consequências futuras desses erros em todos os níveis.

9. Gestão de erro é o gerenciamento daquilo que pode ser gerenciável. Se o sistema gerencial nos processos organizacionais consegue identificar na rotina de suas

atividades o que está errado, o importante é tratar dentro dos processos e promover possibilidades de mudanças, para que não se façam ações inexpressivas que não sejam beneficiadoras ao sistema como um todo.

10. A Gestão do erro imprime tornar as pessoas no seu melhor nível de desempenho. No contexto organizacional, algumas medidas podem ser utilizadas visando à melhoria do

desempenho, tais como: seleção, treinamento, licença e certificação, “checks” de habilidades, monitoramento e auditoria da qualidade, auditórias técnicas de segurança, sistemas de gerenciamento de risco, regras e regulamentos entre outros. Essas ações mitigadoras e preventivas são antídoto para a condição do erro.

11. Não há uma maneira melhor, ou uma maneira única.Este princípio aplica-se de duas formas: a primeira em função de que não há uma melhor

técnica para o gerenciamento do erro. Diferentes tipos de problemas no fator humano estão presentes em niveis diferentes da organização e requerem diferentes técnicas de gerenciamento. Erros e violações, por exemplo, apresentam mecanismos que não são iguais. Erros são subjacentes, principalmente, a problemas de processamento de informações, enquanto as violações apresentam um grande componente social e motivacional.

A gestão eficaz do erro precisa ser abrangente e envolve diferentes contramedidas em diferentes partes da empresa diante de: pessoal, equipe, tarefas, local de trabalho e a organização como um todo. A segunda forma é que não há melhor pacote de medidas de gerenciamento de erro. Diferentes culturas na organização exigem a mistura e combinações de diferentes técnicas de gerenciamento. Cada empresa deve encontrar seu próprio caminho compreendendo o que pode dá certo ou errado.

6. Os erros são consequências e não causas.Identificar um erro é meramente o inicio de um estudo e não o seu fim.

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ano 5 - Edição nº 25 junho de 2017

Segundo Reason (2003), o sistema aeronáutico deve atuar proativamente, mitigando o risco nas operações. Os acidentes onde a presença do erro humano se configura podem ser evitados com investimentos efetivos nos Fatores Humanos dentro dos sistemas, por mais complexos que eles sejam!

Figura 3 – Apontar culpados não evita a ocorrência de novos erros

12 - Gerenciamento eficaz de erros visa à reforma contínua não correções locais.Há sempre uma forte tentação de se concentrar sobre os últimos incidentes/acidentes para

tentar se certificar de que estes, pelo menos, não acontecerão de novo. Essa tendência é ainda reforçada pela inclinação natural dos engenheiros de sistemas para resolver problemas concretos e específicos. Segundo Reason, “tentar evitar a repetição de erros individuais é como golpear mosquito.Você mata um os demais continuam vindo para mordê-lo”. A reforma do sistema como um todo deve ser pensada e executada em um processo contínuo cujo objetivo é reduzir e conter grupos inteiros de erros ao invés de erros individuais.

Figura 4 – Pouso sem trem

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ano 5 - Edição nº 25 junho de 2017

Um caso que pode ilustrar a expressão do erro humano por falta do gerenciamento segundo os princípios propostos por Reason, foi um pouso sem trem ocorrido em 2011.

Na análise do acidente, o piloto reconheceu que havia se esquecido de comandar o abaixamento o trem de pouso e que não havia percebido qualquer anormalidade no comportamento da aeronave nos instantes que antecederam o seu toque com o solo.

Verificou-se que o piloto possuía muita experiência profissional, bem como na operação e no tipo da aeronave acidentada. Entretanto, deixou de cumprir algumas das normas operacionais previstas ao não efetuar os cheques para aproximação e pouso, de acordo com o checklist da aeronave.

Apesar das jornadas de trabalho nos dias anteriores atenderem aos regulamentos, o piloto as considerou desgastantes uma vez que, no dia do acidente, havia realizado sete decolagens.

O aspecto médico considerou a possibilidade de o desempenho do piloto ter sido influenciado pela fadiga, diminuindo a sua capacidade cognitiva, a ponto de interferir na realização de um procedimento básico. É possível que o esquecimento do piloto tenha sido resultante do acúmulo de estímulos estressantes, neste caso, caracterizado pela realização de vários voos de curta duração no mesmo dia.

O aspecto psicológico, dentro das informações individuais, apontou que a memória e a percepção do piloto estavam prejudicadas. Considerando os contextos organizacionais, onde a rotina de trabalho era caracterizada pela concentração dos voos em curto período, estes podem ter influenciado negativamente no desempenho do piloto e o levado ao esquecimento de baixar o trem.

A gestão eficaz de erro precisa ser abrangente e envolve diferentes contramedidas em diferentes níveis da organização e se esses principios não forem considerados, a ocorrência de erros será iminente.

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ano 5 - Edição nº 25 junho de 2017

Bibliografia:REASON, James. Human Error. 11ª Ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. ISBN 978-0521314190.REASON, James. Managing de risks of organizational accidents. 1ª Ed. Aldershot: Ashgate Publishing Limited, 1997. ISBN 978-1840141054.GOETERS, . Aviation Psychology: A Science and a Profession. Hardcover: Ashgate Publishing Limited, 1998. ISBN 978-1840143256.MAURINO, Daniel E.; REASON, James; JOHNSTON, Neil; LEE, Rob B. Beyond Aviation Human Factor - Safety in High Technology System. 1ª Ed. Aldershot: Ashgate Publishing Limited, 1995. ISBN 978-1840149487.

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Klaus-Martin

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https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2016/04/26/com-replica-do-14bis-museu-do-amanha-inaugura-mostra-sobre-santos-dumont.htm

http://www.poskyarchive.com/airbus/a330-300/a330-300-base-packages-new-vc-version/