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GERONTOLOGIA v. 10 – n. 2 São Paulo dez., 2007

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GERONTOLOGIA

v. 10 – n. 2

São Paulodez., 2007

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GERONTOLOGIA

v. 10 – n. 2

revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 1-267

ISSN 1516-2567

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri/PUC-SP“Revista Kairós : gerontologia / Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento. Programa de Estudos

Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SP. Ano 1, n. 1 (1998) – São Paulo : EDUC, 1998-

Anual até 2000Semestral a partir de 2001 (v. 4, n. 1)Cadernos Temáticos: Estética e envelhecimento (2002); Psicogerontologia: contribuições da psicanálise ao envelhecimento (2002); Memória Viva-Cidadania Ativa (2005).ISSN 1516-2567

1. Gerontologia – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE). Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia.

CDD 618.97005

Publicação do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SPIndexada no Index Psi Periódicos (www.bvs-psi.org.br); na base de dados LILACS – Literatura Latino- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde/BIREME e na base de dados em Ciências Sociais e Humani-dades CLASE (UNAM – México).

Editoras ResponsáveisBeltrina Côrte e Suzana A. Rocha Medeiros

Editora AssistenteVera T. Brandão

SecretáriaMaria Bernadete Maciel Correia

ConselhoAlexandre Kalache (Ageing and Life Course Noncommunicable Diseases Prevention and Health Promotion (NPH) World Health Organization, Geneva), Andre Chevance (Université de Picardie Jules Verne/Faculté de Philosophie Sciences Humaines et Sociales), Anita Liberalesso Neri (Unicamp), Diana Singer (Universi-dad Maimónides/Argentina), Ecléa Bosi (USP), Edvaldo Souza Couto (UFBA), Jack Messy (Université Paris 12/França), José Ferreira-Alves (Universidade do Minho/Portugal), Maria de Lurdes Quaresma (Gerontologia Social do ISSSL/Portugal), Marília Smith (Unifesp/EPM), Nara Costa Rodrigues (ANG), Sára Nigri Goldman (UFRJ), Sergio Antonio Carlos (UFRS), Teresinha da Silva (Harvard University), Vani Moreira Kenski (USP), Verónica Montes de Oca (Instituto de Investigaciones Sociales/México)

PareceristasAdriana Frohlich Mercadante (UF do Paraná), Amparo Caridade (Unicap/PE), Ana Maria Ramos Sanchez Varella (Unip/SP), Ângela Machado (USP/SP), Célia Pereira Caldas (UnATI/RJ), Delia Catullo Goldfarb (Cogeae/SP), Deusivania Vieira da Silva Falcão (USP/SP), Edvaldo Souza Couto (UFBA/BA), Elisabeth F. Mercadante (PUC/SP), Eucenir Fredini Rocha (USP/SP), Jacy Marcondes Duarte (UNISA/SP), Leila Marrach Basto de Albuquerque (Unesp/Rio Claro), Liliana Souza (UA/Portugal), Marcia Pontes Mendonça (UFSC/SP), Maria das Graças Leal (Sedes Sapientiae/SP), Maria Helena Villas Boas Concone (PUC/SP), Marisa Pereira Gonçalves (UnB/DF), Nadia Dumara Ruiz Silveira (PUC/SP), Otávio de Tolêdo Nóbrega (UCB/DF), Pedro Celso Campos (Unesp/Bauru), Ricardo Iacub (Universidade de Buenos Aires/Argentina), Rosa Helena Porto Gusmão (FEMB/PA), Rosa Maria da Exaltação Coutrim (UFOP/PE), Rosana Soares Lima (USP/SP), Roseli Vasconcelos (Uniban/SP), Ruth G. da Costa Lopes (PUC/SP), Sergio Antonio Carlos (UFRGS/RS), Silvana Tótora (PUC/SP), Suzana A. Rocha Medeiros (PUC/SP), Tomiko Born (SBGG), Ursula Karsch (PUC/SP), Vânia Gico (UFRN/RN), Vera Lúcia dos Santos Alves (Santa Casa/SP), Vicente Faleiros (UCB/DF), Virginia Viguera (FHCE-UNLP/Argentina), Vitória Kachar (IMES/ABC), Wania Regina Lima (UFP/Portugal), Wilson Madeira Filho (UFF/RJ)

EDUC – Editora da PUC-SPDireçãoMiguel ChaiaCoordenação EditorialSonia MontoneRevisão de Textos em PortuguêsSonia RangelRevisão de Textos em InglêsCarolina Siqueira M. Ventura

Editoração EletrônicaWaldir Antonio AlvesWilliam MartinsCapaSara RosaSecretárioRonaldo Decicino

Rua Monte Alegre, 971 – sala 38CA05014-001 – São Paulo – SPTel./Fax: (11) 3670-8085E-mail: [email protected]: www.pucsp.br/educ

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A revista Kairós, surgida em 1998, é o resultado da dedicação e do empenho de um grupo de pesquisadores ligados ao Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe) e ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, da PUC-SP, com o objetivo de publicar estudos relacionados ao tema envelhecimento.

Ela funda-se na interdisciplinaridade, pretendendo romper com concepções estereotipadas e fragmentadas. Seu propósito primordial concentra-se na busca de uma visão de síntese, considerando a velhice como totalidade.

Pretende ser um veículo de divulgação de um novo saber relativo ao processo de envelhecimento e da velhice e está aberta à participação de todos os estudiosos que, com suas reflexões, ajudem a superar a carga pejorativa que tem acompanhado essa etapa da vida humana.

O nome dado à revista é uma homenagem ao professor Joel Martins, que demons-trou com sua vida que o ser humano pode sempre se desenvolver. Que não somos apenas Cronos, um tempo determinado, mas Kairós, energia acumulada pelas experiências vividas.

Em 2001, a revista, que era anual, passa a ser semestral e, a partir de então, toda edição lançada em junho ganha uma apresentação editorial diferenciada, uma vez que sempre será a socialização dos resultados obtidos, sistematizados e impressos das Semanas de Gerontologia, eventos realizados anualmente pelo próprio Programa e que fazem parte de um novo método de trabalho acadêmico, a partir da troca de idéias e a permanência da crítica intelectual ante os desafios que nos impõe a longevidade.

Portanto, um dos números, sempre o ímpar (n. 1), da revista, que tem a intenção de resgatar e atualizar o papel da teoria a partir de debates, mesas-redondas, depoi-mentos, histórias de vida, etc., em uma perspectiva interdisciplinar, terá um formato editorial diferente, não diferindo, contudo, no plano da preocupação teórico-intelectual das revistas científicas em Ciências Humanas, que incluem artigos, pesquisas, resenhas, como se enquadra a edição número par da Revista Kairós.

Revista Kairós

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Caderno Kairós

O Caderno Temático da revista Kairós é mais uma modalidade de apresentação dos trabalhos desenvolvidos no Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, da PUC-SP. Ele nasce com a intenção de ser um veículo de fácil circulação, ágil e de leituras temáticas, buscando refletir sobre as múltiplas dimensões do envelhecimento e da velhice vivida.

Longe de representar qualquer solução de continuidade ante o perfil já consagrado da revista, o lançamento de edições centradas na análise e reflexão de temas específicos é uma resposta, do Programa, às demandas explicitadas, em várias ocasiões, por alunos, professores e por muitos dos que participam das atividades promovidas pelo Nepe.

Dentre os objetivos dos números temáticos, ocupa lugar central a socialização dos exercícios interdisciplinares realizados por diversas atividades do Programa, alicerçados em três dimensões da existência humana – Família, Comunidade e Estado. Espaços especialmente ricos, criativos e estimulantes que buscam a edificação de um novo saber sobre a velhice e o processo de envelhecimento. Exercícios que vêm perseguindo, ao longo do tempo, a difícil tarefa de promover a superação das tradicionais fronteiras que separam e isolam os saberes específicos.

Por isso, os artigos reunidos em cada número do Caderno Temático da revista Kairós devem ser pensados como parte de um movimento que, estreitamente afinado às diretrizes que norteiam o Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, orienta-se na e pela construção de um pensamento complexo. De um pensamento que, em nome da recomposição do todo, sabe, como bem salientou Edgar Morin, que não é nem onisciente, nem completo, nem certo; que é sempre local, situado que está em um tempo e um lugar.

As opiniões emitidas não expressam necessariamente a posição da revista/caderno. Reprodução permitida desde que citada a fonte.

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Política editorial

A revista Kairós tem se consolidado como um veículo de divulgação de um novo saber relativo ao processo de envelhecimento, promovendo uma outra percepção da velhice, a qual procura entender o sentido dessa etapa da vida humana muito além das fronteiras da biologia, da genética e da fisiologia.

A proposta editorial da revista/caderno temático Kairós funda-se, portanto, na interdisciplinaridade a partir da troca de idéias e do exercício da crítica intelectual ante os desafios que nos impõe a velhice como totalidade e a longevidade, concentrando-se na busca de uma visão de síntese, uma vez que se orienta na e pela construção de um pensamento complexo.

A publicação periódica de artigos que trazem o universo novo de co-nhecimento gestado pela Gerontologia e que fazem uma reflexão sobre essas etapas da existência humana tem resgatado e atualizado o papel da teoria a partir de debates, mesas-redondas, depoimentos, histórias de vida, relatos, além de artigos, pesquisas e resenhas.

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Editorial 9

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Sumário

Editorial ......................................................................................13

Artigos (Articles)

Medo de envelhecer ou de parecer? ...............................................19(Fear of growing old or of looking old?) Maria Helena Villas Bôas Concone

Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos ...........................................................45(A brief essay on the acceptance of beauty in the ephemeralness of the bodies) Marilda Silveira Lopes, Rodrigo Caetano Arantes e

Ruth Gelehrter da Costa Lopes

Verdejar-envelhecer: que combinação é essa? ................................63(Turning green – aging: what combination is this?) Adriana Barin de Azevedo e Ricardo Niquetti

Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico ...........................................................75(Movie images of old age: a gerontological approach) Denise Mendonça de Melo, Fabiana Regina Chinaglia de Freitas Di Nucci e Paula Casalini Domingues

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A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais da pessoa idosa em Fernando de Noronha – Nordeste do Brasil .......................................................................91(The invisibility of the social demands of the elderly in Fernando de Noronha – Northeast of Brazil) Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva, Eduardo Maia Freese

de Carvalho e Carlos Feitosa Luna

Conselhos de Representação: espaços para os idosos se organizarem na defesa de seus direitos ....................................107(Representation Councils: spaces for the social organization of the elderly in the defense of their rights) Márcia Aparecida Fraga Bernardes

Educação permanente na atenção à saúde de idosos ....................123(Permanent education in the care of aged patients) Maria Cristina Pedro Biz e José Antonio Maia

Formador de formador: características educacionais e profissionais de acadêmicos que ensinam na formação continuada stricto sensu em Gerontologia no Brasil ......................135(Teacher of educators: The educational and professional characteristics of academics teaching post-graduate courses on gerontology in Brazil) Tereza Lins

O impacto da informática na vida do idoso ................................153(The impact of information technology on the life of the elderly) Rosana Alfinito Kreis, Vicente Paulo Alves,

Carmen Jansen Cárdenas e Margô Gomes de Oliveira Karnikowski

Lazer e tempo livre na “terceira idade”: potencialidades e limites no trabalho social com idosos .......................................169(Leisure and free time in “third age”: potentialities and limits in the social work with aged people) Solange Maria Teixeira

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Editorial 11

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Implicações psicossociais do envelhecimento: o caso da cirurgia de revascularização do miocárdio em mulheres idosas .................189(Psychosocial Implications of Aging: the case of myocardial revascularization surgery on aged women) Patrícia Fonseca Caetano da Silva e Célia Pereira Caldas

Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa de assistência domiciliária no município de São Paulo ....205(Clinical and demographic profile of patients assisted by a homecare program in the city of São Paulo) Carina Corrêa Bastos, Naira Dutra Lemos e Andréia Nóbrega Mello

Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis ..........225(Quality of life in a group of elderly people from Veranópolis) Waleska P. Farenzena, Irani de L. Argimon, Emílio Moriguchi e

Mirna W. Portuguez

A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório para o processo digestivo dos idosos ...........................................245(The importance of the good functioning of the masticatory system for the digestive process of the elderly) Fernando Luiz Brunetti Montenegro, Leonardo Marchini,

Ruy Fonseca Brunetti e Carlos Eduardo Manetta Resenha (Review)

A roda da vida ...........................................................................259(The wheel of life) Lenina Lopes Soares Silva

Normas para publicação ............................................................265

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Editorial 13

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Editorial

Organizar uma edição é sempre tarefa árdua. Primeiro, poucos são os editores científicos (raríssimos) remunerados para executar tal trabalho. Segundo, separar um tempo (e que tempo) para isso, entre orientações, aulas, casa e filhos (especialmente as mulheres), não é fácil. Fins de semana, feriados e muitas noites devoram esse fazer. Tudo por amor à ciência. No caso, à Gerontologia, que tem no Brasil raríssimas publicações. E que devoção! Organizar uma revista científica conta pou-co ou quase nada para a produção individual do pesquisador/editor.

Assumido o trabalho (quase sempre solitário) de edição, o editor fica às voltas com vários artigos. Muitos não entram por problemas de espaço e de prioridade, outros, por questão de qualidade. Todos querem publicar, pois hoje essa produção é muito valorizada no meio acadêmi-co. Apesar das dificuldades esta é uma etapa enriquecedora, quando e-mails vão e voltam entre pareceristas, editores e autores, na tentativa de sempre melhorar o texto, de torná-lo mais compreensível, completo e agradável. Uma vez selecionados os artigos, passa-se à outra fase, organizando-os em uma ordem de leitura. Qual deles colocar em primei-ro lugar? Como traçar um caminho a ser percorrido pelos leitores? Essa é uma empreitada difícil, uma vez que, ao se falar em envelhecimento e velhice, tudo parece ser prioritário. Mas não dá para pensar muito, pois os prazos de gráfica e editora pressionam. Como fazer? Nesta edição, os artigos foram organizados por temas afins.

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É assim que abrem a revista as reflexões de uma antropóloga que envelhece e rejeita cada vez mais as secas reflexões que parecem colocar o ser humano sob um microscópio, como se não fizéssemos parte daquilo que analisamos. Trata-se do artigo intitulado “Medo de envelhecer ou de parecer?” Nele a autora tece considerações sobre o medo do envelhecer apoiadas em experiências, conversas e crônicas, embora não exclusivamente, para depois buscar uma abordagem mais acadêmica, mas que complete, uma vez que mergulho e descolamento são complementares.

Reflexão que, em “Verdejar-envelhecer: que combinação é essa?”, discorre sobre o envelhecimento como acontecimento em cujo contexto a velhice é traçada a partir de uma noção de envelhecer associada à de verdejar, a qual propicia meios de criar saúde na produção de diferentes modos de vida. Como é o caso de “Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos”, texto que identifica a relação entre a beleza corporal e a longevidade por meio dos paradigmas que ligam o culto do corpo e a estética da beleza nas relações sociais. Nessa perspectiva, a opinião dos idosos é essencial para uma compreensão do significado da beleza nesse momento de suas vidas.

Não só. O significado da velhice pode ser dado também pela conjugação do conhecimento gerontológico com as influências cultu-rais da produção cinematográfica, articulando as diversas facetas do envelhecimento humano na complexidade de seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais. É o que trata o artigo “Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico”, tendo como referencial as teorias life-span e life-course, com a exposição imagética da velhice, no início do século XXI, por meio do filme Lições para toda vida.

Não devemos falar em velhice, mas em velhices. E é delas que trata o texto “A velhice não contemplada: invisibilidade das deman-das sociais da pessoa idosa em Fernando de Noronha – Nordeste do Brasil”. O artigo apresenta informações epidemiológicas e reflexões sobre os padrões e as desigualdades no processo de envelhecimento com base em uma pesquisa e uma leitura crítica, analisando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a prevalência de déficit cogni-

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tivo, as taxas de envelhecimento e condições de vida encontradas na ilha. Tópicos que reforçam o tom de invisibilidade e negligência das demandas sociais do segmento mais velho da população no conteúdo das políticas públicas do país.

Bases fundamentais para o surgimento de organizações sociais que fortalecerão o segmento, destacando o grande valor dos Conselhos de Representação como espaços de participação e mobilização do idoso na defesa de seus direitos. Por isso, o artigo “Conselhos de Representa-ção: espaços para os idosos se organizarem na defesa de seus direitos” observa as normas jurídicas no Estado Democrático de Direito, que têm, entre outros objetivos, regular o convívio social, estabelecer obrigações e direitos no relacionamento interpessoal e na relação das pessoas com o Estado. Independentemente do seu conteúdo, a aplicação efetiva das normas jurídicas é que vai determinar seu alcance, sua relevância.

Já o artigo “Educação permanente na atenção à saúde de ido-sos” discute a formação de profissionais na atenção à saúde do idoso. Com base na escuta de gestores da saúde e na análise dos dados con-frontados com a literatura, evidenciaram-se dois eixos norteadores: qualidade de vida e competência profissional. A inter-relação dos dois eixos pode constituir uma estratégia operacional de capacitação profissional permanente.

É o que, em certa medida, o artigo “Formador de formador: características educacionais e profissionais de acadêmicos que ensinam na formação continuada stricto sensu em Gerontologia no Brasil” procura analisar. Esse estudo apresenta resultados de pesquisa realizada sobre o perfil do formador de formadores da formação continuada em Geronto-logia no Brasil, com base em dados de acervo documental. Os resultados mostram que os formadores de formadores apresentam muitas caracte-rísticas em comum e que, no Brasil, há indícios de um “perfil-tipo” do formador de profissionais educadores de adultos maiores, que ensinam nos cursos de Gerontologia stricto sensu. Cursos que têm como propó-sito final atingir as pessoas idosas, grupo emergente obrigado a lidar diariamente com a proliferação das tecnologias comunicacionais. Daí o interesse em saber qual é “O impacto da informática na vida do idoso”.

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Esse texto aborda as transformações das tecnologias de comunicação e de informação, uma vez que elas têm despertado um grande interesse entre os idosos quanto ao aprendizado, especialmente da informática, considerando os benefícios que pode oferecer às suas vidas.

Muitas vezes, esse aprendizado se dá na ocupação do tempo livre ou como simples lazer, como abordado no artigo “Lazer e tempo livre na ‘terceira idade’: potencialidades e limites no trabalho social com idosos”, apresenta uma crítica aos programas dirigidos à terceira idade que visam a ocupação do tempo livre com atividades de lazer e recreação com base nas crítica aos fundamentos teóricos e ideológicos que os orientam e de onde emanam as potencialidades no trabalho social com idosos.

A compreensão dos significados e impactos da intervenção cirúr-gica também faz parte desta edição, que procura também identificar as “Implicações psicossociais do envelhecimento: o caso da cirurgia de revascularização do miocárdio em mulheres idosas”. Com base em uma revisão da literatura científica, esse texto contribui para um co-nhecimento que objetiva a promoção de condições para o tratamento de idosas que necessitam realizar essa complexa cirurgia.

Procura-se também identificar as características clínicas e demo-gráficas de pacientes inseridos no Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso (PADI), discutido no artigo “Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa de assistência domiciliária no município de São Paulo”, por meio de um estudo transversal descriti-vo feito mediante um questionário baseado no material de avaliação multiprofissional inicial do programa.

São estudos que procuram verificar também o bem-estar do segmento idoso, como é o caso do artigo “Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis”, o qual, por meio do WHOQOL-Bref, avaliou um grupo e seus resultados apontaram ter ele boa qualidade de vida por realizar atividades de lazer, não utilizar medicação diária e estar livre de sintomas depressivos. E, por último, esta edição assi-nala “A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório para o processo digestivo dos idosos”, fazendo uma correlação entre a importância da boa função dentária e sua capacidade na ingestão de

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nutrientes-chave, de vital necessidade para o estado de saúde geral que permitirá ao idoso enfrentar as prováveis vicissitudes da terceira idade.

Encerramos este número com a resenha “A roda da vida”, pois pensar a vida como uma roda é, com certeza, refletir sobre a circularidade dos movimentos das pessoas vivas, em especial daquelas que ficaram vivificadas em nossa memória e, de certa forma, compreender a vida como uma travessia entre o nascimento e a morte, sem que esta última signifique um fim. É nesse sentido que a médica psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross (1926- 2004), suíça radicada nos Estados Unidos traduz sua vida na autobiografia intitulada A roda da vida: memórias do viver e do morrer.

Memórias que, certamente, percorremos cotidianamente e traça-mos no nosso processo de envelhecer. Como cada um de nós a trilhará é outra história, que contaremos no próximo número. Não deixe de ler!

Beltrina CôrteSuzana A. Rocha Medeiros

Vera Brandão

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Medo de envelhecer ou de parecer?Maria Helena Villas Bôas Concone1

RESUMO: com base em reflexões de uma antropóloga que envelhece e rejeita cada vez mais as secas reflexões que parecem nos colocar sob um microscópio, como se não fizéssemos parte daquilo que analisamos, este artigo tece considera-ções sobre o medo do envelhecer apoiadas em experiências, conversas e crônicas, embora não exclusivamente, para depois buscar uma abordagem complementar, mais acadêmica. Momento de mergulho/deslocamento. Palavras-chave: medo; envelhecer; parecer.

ABSTRACT: Based on reflections of an anthropologist who is growing old and rejects the arid reflections that seem to put us under a microscope, as if we were not part of what we analyze, this article discusses the fear of growing old based on experiences, conversations and narratives. Then, it searches for an academic approach that can complete the author’s ideas on the subject, as immersing and distancing oneself are complementary actions.Keywords: fear; to grow old; to look old.

Dividi este artigo em três tópicos. Começo com algumas consi-derações menos comprometidas com referências bibliográficas e mais apoiadas em experiências, conversas e crônicas, embora não exclusiva-mente. No segundo e no terceiro tópicos buscarei uma abordagem mais acadêmica. Mas são partes que se completam, mergulho e descolamento são complementares. Rejeito cada vez mais as reflexões secas que pa-recem nos colocar sob um microscópio, como se não fizéssemos parte

1 Agradeço aos alunos da minha classe do Pós em Gerontologia, de 2007, pelas contribuições ao texto.

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20 Maria Helena Villas Bôas Concone

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daquilo que analisamos. Vejo a antropologia, que enriqueceu minha vida intelectual e pessoal, como ciência, busca de interpretação, disciplina e forma de pensar, instrumento que ajuda a refletir e viver. Se as nossas opções intelectuais ou acadêmicas se mantiverem apenas nesse nível, isoladas do cotidiano, serão opções de superfície, estéreis.

Desse modo, quero justificar a forma deste texto e avisar que não se trata, ou não se trata exclusivamente, de uma reflexão antropológica sobre o envelhecimento, mas sim de reflexões de uma antropóloga que envelhece.

Medo de envelhecer

Um pequeno evento recente pode servir de ponto de partida para algumas ponderações.

Na nossa Universidade, como em muitas outras, há os famosos cursos para a terceira idade. Dois dias na semana, os elevadores lotam de senhoras (sobretudo elas) de várias idades e formas, bem arrumadas, cabelos azuis, unhas feitas. Entram e lotam, adonando-se, visivelmente alegres, dos espaços universitários, para irritação mal contida, quando não sarcástica, dos usuários habituais. Em um desses dias, num horário tranqüilo, estava eu no elevador, quando entraram duas mulheres: uma jovem, evidentemente aluna, e outra nem tanto, professora da área de pós-graduação. Esta última entrou comentando com desaprovação a questão dos elevadores lotados pela “turma da terceira idade”. Disse então (talvez numa meia desculpa): “Resolvi ser solidária e ceder lugar, porque afinal mais um pouco eu também estarei lá”. Sem dúvida, seu pertencimento não parecia nada distante.

Essa postura, evidentemente, não é privilégio das universidades. Ouvi de uma mulher, empregada doméstica, que declarava orgulhosa seus insuspeitados 54 anos, reclamação equivalente: “Por que essa ter-ceira idade não toma ônibus em outro horário? Por que ‘os velhinhos’ vão no horário de ônibus cheio, quando a gente tá cansada?”

O que esses episódios cotidianos podem revelar?

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Medo de envelhecer ou de parecer? 21

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Primeiro, que “velho” ou “da terceira idade” é o outro; nos casos acima, é aquele outro “fora do lugar”, que ocupa “os nossos espaços”, que incomoda.

Ora, é inegável que os idosos estão na universidade porque esta – por numerosas razões – abriu a eles seus espaços. Por princípio, têm tanto direito de estar lá quanto qualquer outro aluno. Por que então nos incomodam tanto? É inegável também o direito de qualquer pessoa tomar o ônibus no horário que for necessário; é pouco provável que “os velhinhos” escolhessem propositalmente o horário do rush para tomar o ônibus. Mas, e se fosse esse o caso? Poderíamos estranhar a preferência, mas nunca negar o direito de ir e vir (no caso, provavelmente, com desconforto semelhante ao dos demais). Por que seriam “os velhinhos” mais responsáveis que outros passageiros pelo ônibus lotado? O que nos incomoda? Seguramente, não é a eventualidade de ter que ceder lugar; isso praticamente não acontece.

Comentando esses fatos com uma gerontóloga, ela devolveu retoricamente a pergunta – “o que nos incomoda tanto?” – e respondeu ela mesma: “Creio que é medo da morte”.

Em outras palavras, a presença de idosos “nos nossos espaços” nos confrontaria com a passagem do tempo para nós próprios, nos obrigaria a encarar nossa fragilidade e nossa finitude.

A morte atemoriza-nos e a passagem dos anos aproxima-nos dela. Parafraseando Marx, estamos habituados a pensar (ou teorizar) sobre a “morte em si”, dificilmente sobre a morte “para si”. Negar o idoso de carne e osso seria negar a finitude.

De carne e osso porque o “idoso idealizado” é objeto de respeito, “pela sabedoria acumulada”, pela “experiência”, pela “memória”. A idealização do idoso é a contrapartida e o reforço da negação de fato. Nessa linha de idealização respeitosa jamais entraria em consideração que um idoso no ônibus na hora do rush pudesse ser, por exemplo, um “velho batedor de carteiras”... Por quê? Porque parece um contra-senso. Afinal é um idoso, por definição indefeso e “bom”. No idoso de carne e osso, entretanto, a sabedoria é relativa, a experiência ultrapassada, a memória repetitiva e a bondade cansativa ou inexistente.

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Creio que, realmente, o medo da morte deva ser um aspecto de especial preocupação do gerontólogo (para me limitar a esse pro-fissional). De fato, a não ser em casos especiais (grupos com pacientes terminais), a morte não é assunto de discussão. Familiares, por exemplo, não costumam falar da morte ou raramente sentem-se aptos a tocar no assunto. Afinal, “não se fala em corda em casa de enforcado”... É preciso disfarçar, animar, “pôr para cima”.

Há, entretanto, outras razões para o temor do envelhecimento. Outras razões socioculturais. É dessas que quero falar mais à frente. Por agora, uma última excursão pela conhecida verdade de que “velho é o outro”.

Uma deliciosa crônica de Fernando Veríssimo no “Estadão” (10 de setembro de 2006), começa assim: “O primeiro sinal foi quando uma senhora se levantou para me dar o lugar num ônibus”. Continua com o estranhamento do autor, que diz, mais adiante: “A partir daí, passei a notar que as pessoas me tratavam de um modo diferente.(...). Cheguei a desenvolver algumas teorias. (...) Finalmente, na semana passada, tudo se esclareceu”. Conta então que, no Rio, tendo tomado um táxi para ir do aeroporto ao hotel, o carro teve um problema e “parou na ensolarada Lagoa”; o motorista, pelo rádio, pediu ajuda a outro táxi e enfatizou a urgência da situação: “Estou aqui com um idoso debaixo do sol”: “Olhei em volta. Idoso? Onde estava o idoso? E então tive a revelação. O idoso era eu!”

Essa crônica lembra história semelhante, contada com humor por uma professora amiga. Também nesse caso a revelação do “estado de idoso” veio dos outros. Todos nós, que chegamos no limiar da ve-lhice (velhice, aliás, tem limiar?) já vivemos, num momento ou outro, “revelações” semelhantes: um braço não solicitado que nos apóia na escada, um lugar oferecido no ônibus (raro, mas pode acontecer) ou, finalmente, o indiscutível direito de usar “a fila dos idosos” (no banco, no supermercado ou onde quer que seja) indicada solicitamente por algum funcionário. Quantos de nós já não resistimos antes de se valer do indesejado “privilégio”?

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Depois de algumas considerações sobre a palavra idoso (“Curiosa palavra. O que acumulou idade... Se é que não significa alguém que está indo, alguém em processo de ida. Em contraste com os que ficam, os ficosos”), Veríssimo termina a crônica dizendo: “Preciso começar a agir como um idoso. Dizem que entre eles idoso não fala em quem chega à velhice como alguém à beira do túmulo. Dizem que está na zona de rebaixamento. Vou ter que aprender o jargão da categoria”.

Velho é o outro, sem dúvida, pois o autor fala “deles”, não usa nós; ou, no mínimo, está negaceando, protelando, o que parece inevi-tável: “mudar de categoria”. Morte aqui também está presente, seja na interpretação (“idoso” como contrário de “ficoso”), seja na brincadeira (jocosamente tratada como “zona de rebaixamento”). A jocosidade é também uma forma de exorcismo...

A passagem do tempo, apontada pelos outros, colhe-nos de surpresa; parece abrupta e não processual. Há alguns anos, numa outra crônica, igualmente memorável, Mario Prata reclamava a necessidade de reconhecer um período de passagem: assim como reconhecemos o período de adolescência, como difícil ajuste entre a infância e a juventude, deveríamos reconhecer um período de “envelhescência” equivalente – a passagem da idade adulta para a senescência...

Nessas revelações há um desajuste, ou melhor, um descompasso entre Cronos e Kairós. Cronos como passagem do tempo marcada pelo acúmulo dos aniversários é detectada primeiro pelos outros (“Como en-velheceu fulano! Como está acabada beltrana!”); nós mesmos envelhece-mos conosco, nos acompanhamos, vivemos Kairós, enquanto deslizamos pelo tempo cronológico sem grandes rupturas; nos reconhecemos, a partir de dentro, sem saltos, de modo contínuo. O susto vem de fora. Hoje, cada vez mais, pode vir desse alter ego que é o espelho... que me compara comigo mesma. Reverso do retrato de Dorian Gray: não me reconheço no reflexo. Não sou eu. Não sou mais eu mesma. Talvez me reconheça de modo mais cabal nas fotos mais antigas...

O sentimento kairós é forte, entretanto, e abre a possibilidade de uma avaliação atualizada, melhor, sempre renovada de si mesmo. Há pouco tempo, uma amiga na casa dos setenta me disse: “Não penso

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em mim como velha, penso em mim como eu mesma; eu sou Fulana, em outra fase da vida e mais realizada hoje”. Ela é, aliás, uma mulher que completou o ensino médio depois dos 40, fez Universidade aos 50 e no final dos seus 60 anos defendeu um mestrado. Depois disso, ao contrário da propalada queda inexorável marcada pelo envelhecimen-to (o envelhecimento seria, então, literalmente caduco), essa mulher verdadeiramente desabrochou, pesquisando e escrevendo.

Exemplos semelhantes não são raros. Embora convivendo com a diversidade individual (e, evidentemente, sociocultural, da qual tra-taremos mais além) do envelhecimento, há um generalizante modelo social de velho, altamente medicalizado, construído em oposição ao de jovem. É o que mostra Elisabeth Mercadante (para nos apoiarmos no seu competente estudo) quando discute a velhice como identidade estigmatizada:

O conhecimento da existência de um modelo social amplo e geral de velho, presente no imaginário social, que se constrói pela contraposição à identidade de jovem, levou-nos a pensar sobre questões relativas à construção da identidade do idoso e de como essa mesma identidade é sentida e vivida por aqueles indivíduos classificados como velhos. (2003, p. 56)

Ora, os indivíduos assim classificados, eles mesmos, buscam reconstruir as classificações gerais, nuançando-as e tecendo novas classificações capazes de conter diferenças e, eventualmente, livrá-los do estigma. Alguns depoimentos colhidos por aquela pesquisadora (pp. 58-59) e que tomo agora de empréstimo, ilustram esse processo.

Para esses entrevistados (entre os 60 e os 80 e mais anos), ser velho significa:

“Ter perdido a energia física, mas ter ganho em experiência” (homem, 70 anos)

“Ficar sendo cuidado por outras pessoas” (mulher, 69)

“Ser fraco de corpo e forte de espírito” (homem, 68)

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“Ser velho é não ter mais saúde, é ser um esclerosado” (homem, 84)“Ser velho é não ter mais lucidez” (mulher, 76)“Ser velho é ficar doente e solitário” (homem, 63)“Ficar cheio de rugas e depender dos outros é igual a velhice” (mulher, 69)“Ser velho é perder a beleza, a de fora e a de dentro” (mulher, 70 anos)

Como se pode notar nessas falas, colhidas ao acaso entre os de-poimentos trazidos no trabalho acima citado, todos os entrevistados usam um claro marcador para a velhice. Se há falas que reconhecem algum ganho na passagem da idade (experiência, fortaleza de espírito), a maioria sinaliza as perdas (vividas direta ou indiretamente e, sobretudo, temidas). Paradoxalmente, são essas mesmas perdas, genericamente identificadas, que podem separar o sujeito enunciante dos “verdadeiros velhos” (não ter saúde e ser esclerosado, perder a autonomia, perder a beleza, perder a saúde, perder a memória, perder o senso). É como se essas falas dissessem que “ser velho é ser gagá, o que não é o meu caso”, “é ser dependente, o que também não é meu caso”, e assim por diante. As falas reconstroem as diferenças, repõem a individualidade. Como foram sublinhadas por Mercadante, elas indicam, enfim, que “velho é o outro”.

Há um esforço no sentido de escapar das generalizações e do estigma da velhice, esforço que aparece no discurso, nas ações (“man-ter o corpo ativo e a mente alerta”), nos cuidados e, quando houver a possibilidade, na interferência direta sobre as marcas corporais (o crescimento da “cosmetologia” e das plásticas corretivas e estéticas é um indicador importante).2

2 Falar de cirurgias plásticas, recursos cosméticos e outros constitui ponto sensível. É evidente que não se pode “condenar” tais recursos ou quem a eles recorre. Trata-se de recursos importantes para manter ou recuperar a auto-estima (para falar só desta). Não podemos esquecer que beleza sempre foi valorizada em toda e qualquer realidade sociocultural e, embora haja variações culturais dos padrões valorizados, alguns estudiosos apontam para certos traços universalmente considerados como

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As considerações dos depoentes, na sua maioria, assinalam de fato características presentes no corpo como demarcadoras de idade (perda de beleza, rugas, doenças, dificuldade de movimentos, etc.). Nessas marcas, a perda da beleza (“do frescor” e “do viço”) aparece como elemento primordial. É de se notar, também, que o padrão de beleza implícito é o da juventude – beleza “perde-se”, não se admite a possibilidade de outros padrões ou de padrões alternativos; não há, para esse tópico, uma fala correspondente àquela que diz: “perde-se energia, mas ganha-se experiência”.

O trabalho de Mercadante mostra, ainda, que os entrevistados relacionam imediatamente corpo doente e velhice. Tal fato não seria de admirar, dado que nosso modelo social de velho é fortemente bio-médico. No que se refere a essa relação, entretanto, há ambigüidades quando tomada a ótica do próprio idoso – se a doença genericamente aponta para a velhice, esse não é o caso dos entrevistados, que vêm “suas” doenças, “somente como doenças” e não como algo relacionado à idade ou indicativas da sua própria condição de velhos.

sinais de beleza (rosto de proporções equilibradas, por exemplo, ou estatura masculina elevada) e que estariam relacionados à necessidades da reprodução da espécie (levando os indivíduos a acentuarem os indicadores do dimorfismo sexual, a buscarem sinais considerados como indicadores de virilidade ou de feminilidade, de saúde ou, ainda, de capacidade reprodutiva – quadris largos em mulheres, por exemplo). Esse é um campo complexo, que não pode ser abordado apenas da perspectiva biológica e do comportamento da espécie; exige uma abordagem que não perca tal complexidade (basta um olhar para os padrões conflitantes em uma mesma sociedade, na qual figuras andróginas convivem com a busca de acentuar o dimorfismo – implantes de silicone nos seios, por exemplo – ou a figura feminina longilínea, “tubo”, que se afasta do padrão “violão”). Esse será tema de outras reflexões. No momento, gostaría-mos de reforçar a idéia de que, no que tange à velhice, o padrão de beleza continua sendo o de juventude e nesse sentido podemos assistir a algumas distorções: busca incessante de “retocar a juventude” (muitas vezes com riscos para a própria saúde, causados pelo número de cirurgias ou outros processos mais ou menos invasivos), produzindo máscaras constrangedoras; a depressão diante da perda do “viço juvenil”; a desvalorização de si; a desistência de buscar significados mais duradouros para a própria vida e assim por diante.

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“Tenho uma artrite que me incomoda muito, mas ela já está co-migo há muitos e muitos anos. Minha mãe sofria dessa mesma doença. Eu acho que herdei dela” (homem, 70 anos)

“Eu não tenho qualquer problema de doença. Não tenho coleste-rol, nada na urina e nada também no fígado. Talvez só um pouquinho de reumatismo que não relaciono com a minha idade” (homem, 65)

“Eu sou uma pessoa muito saudável, não tenho qualquer doença grave e as coisas que sinto e tenho de vez em quando, acho que acontecem por problemas que vivo no dia-a-dia” (mulher, 68). (Ibid., p. 59)

Há, pois, um reconhecimento implícito de que saúde e doença são “coisas próprias da vida”, independentes da idade: algumas doen-ças ou afecções são percebidas como idiossincráticas (“está comigo há muitos anos”) ou familiares (“herdei da minha mãe”), são antes marcas individualizadoras e não classificatórias.3

Outro ponto que aparece bastante nos depoimentos citados (e que pode ser ouvido também em conversas informais) indica um horizonte temido: a perda da autonomia, a dependência dos outros. Há também aqui uma certa ambigüidade, pois, embora haja uma concepção mais ou menos implícita de que a dependência é um fato inescapável – “já que é própria ou ‘natural’ da velhice” – os sujeitos enunciantes procuram afastá-la de seu destino pessoal. De novo, a biografia familiar serve de anteparo: “meu pai morreu com mais de 80, lúcido e ativo”. Assim, a questão da “inescapabilidade” dessa condição (geralmente associada mais à “natureza biológica intrínseca à humanidade” e menos a uma construção sociocultural da velhice) pode, entretanto, admitir exceções das quais “eu e minha família somos um exemplo”.

Relacionado a esse temor da dependência, o medo da solidão ex-pressa-se também como decorrente de “um fato natural” e não social e

3 Claro que falar em “traços familiares” como heranças genéticas já faz parte das concepções correntes, entrou para a linguagem comum; a mídia ajuda no sentido de uma certa vulgarização da perspectiva científica e biogenética. A discussão desses fatores exige reflexão específica. Por agora, quero apenas mostrar como padrões classificatórios podem ser travestidos em sinais individualizadores na fala de pessoas que ultrapassaram, ou quase, a marca dos 70 anos.

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cultural, como realmente é: ser velho é estar à margem, não ser querido por perto (o que seria “natural”). Como dizem alguns entrevistados da pesquisa citada, “ser velho é ficar doente e solitário”, “velho não é uma pessoa alegre, velho é recalcado”.

Discutindo o processo de medicalização do envelhecimento, que leva a uma concepção da velhice como “uma doença em si mesma”,4 o psicanalista argentino Ricardo Iacub, depois de várias considerações rela-tivas às mudanças nas concepções de velhice na história do pensamento no mundo Ocidental, mostra o surgimento, a partir do século XIX, de mais uma limitação atribuída ao velho: a velhice é des-sexuada; nas suas palavras, a “mudança na percepção da velhice produziu o aparecimento de novos significados em sua erótica” (2007, p. 70).

O autor aponta, no correr do período do século retrasado até nossos dias, noções que se modificam, mas se interligam: “As noções de vida e sexualidade começaram a ser ligadas de um modo determinante (sendo) a abstinência da sexualidade (vista como) um meio para evitar o envelhecimento”. Numa segunda articulação, percebe-se a “velhice como um retorno ao inorgânico”; haveria “um aumento da pulsão de morte devido às mudanças biológicas associadas à sexualidade (assim) concebeu-se o velho como um indivíduo carente de energia, que ao ir se retirando gradualmente deste mundo, favorecia o desenvolvimento da espécie humana”. Finalmente, um “conjunto de quadros patológicos definiram o desejo sexual referido à velhice e foi construída uma peculiar forma de perversão denominada ‘gerontofilia’” (ibid., p. 70).

Gerontofilia define, então, o interesse sexual pelo(a) velho(a) como patológico. No nosso meio social, sem fazer concessão a patologias, atribui-se imediatamente “segundas intenções” ou “interesses escusos”

4 Não é possível, quando se aborda o tema da medicalização, deixar de fazer referência a um autor e a um livro seu poucas vezes lembrados. Trata-se de Ivan Illich, em A expropriação da saúde. Nêmesis da Medicina (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1977). No preâmbulo do livro, o autor avisa: “Neste ensaio eu encaro a empresa médica como paradigma para ilustrar a instituição industrial”. Em que pesem as posições extremamente polêmicas (e sem dúvida datadas) e às vezes radicais, o uso alargado do conceito de iatrogênese e a análise da construção de uma “sociedade mórbida” graças ao processo crescente de medicalização merecem ser visitados ou revisitados.

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àqueles que mantêm relações com pessoas “idosas” (ou que apresen-tem diferenças etárias superiores ao esperado). Normalmente, julga-se haver por trás da relação um interesse financeiro. Até pouco tempo, aceitava-se com maior facilidade que homens mais velhos se casassem com mulheres jovens; era quase “natural”, embora a relação ficasse sempre sob suspeita, por parte de familiares e da sociedade em geral (mostra-se maior complacência quando a relação envolve homens mais velhos, porém considerados bonitos e famosos). Esse quadro demorou mais para ser aceito quando a parceria era entre homens mais jovens e mulheres “maduras”. Algumas situações contemporâneas envolvendo mulheres com amplo trânsito midiático parecem reverter em parte essa situação de desigualdade entre os gêneros (embora os casos de grande visibilidade sejam de mulheres famosas).

Patologia ou segundas intenções rondam aqueles que se apro-ximam romanticamente de pessoas “velhas”. E os próprios velhos? Como são percebidos? “Tarado” ou “safado” são algumas das acusações possíveis; há também a acusação de trouxa e “velho babão”. Mulheres acima dos 70 causam ainda maior estranheza. Claramente, parece que, em qualquer caso, mas sobretudo para as mulheres, está-se diante de “herotismo fora do lugar”. A relação entre dois idosos (um novo casamento, por exemplo), quase sempre é tratada com complacência – a mesma que se mostraria para com duas crianças pequenas que se querem (Que gracinha! Que bonitinhos!).

Creio que pudemos perceber que há um temor ligado ao envelhe-cimento, um medo de ser velho. Medo mais que justificado, dado que o envelhecimento é visto quase que exclusivamente como uma fase de perdas: perdas físicas, perdas sociais, perdas psíquicas, perdas afetivas. Não deixa de ser um horizonte tenebroso que é necessário afastar.

Nesse sentido, a perspectiva antropológica pode nos ajudar a “desnaturalizar a velhice”, mostrá-la como uma construção sociocul-tural e histórica. Cultural e socialmente variável no tempo e no espaço. Velhice e envelhecimento não foram e de fato não são vistos sempre da mesma maneira.

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Velhice e envelhecimento como construtos

A velhice como construto sociocultural e histórico constitui, assim, um ponto de importância na presente reflexão. Vou procurar colocar rapidamente os pontos-chave da visão antropológica, antes do terceiro e último item, mesmo correndo risco nos dois extremos – descomplicar e perder a complexidade do fenômeno ou resumir per-dendo clareza...

A cultura é sempre uma ação de construção do mundo, do mundo dos homens, do mundo da cultura...

Nomear é uma ação criadora por excelência. Assim, toda cultura – qualquer cultura – dá nomes, classifica, cria categorias, empresta sen-tidos. Toda e qualquer cultura sofre mudanças, modifica-se no correr do tempo; novos arranjos societários, novos modos de trabalho, de técnicas e conhecimentos dialogam entre si, reforçam-se, anulam-se ou enfraquecem; há, enfim, um jogo contínuo que tece os processos socioculturais.

Claro está que toda realidade sociocultural vive períodos de maior ou de menor estabilidade, de mudanças mais lentas ou mais aceleradas. É inegável que as culturas humanas, nos últimos dois sé-culos, mas especialmente de meados do século XX ao início do atual, têm vivido um processo de intenso movimento, de intensas mudanças. Tais mudanças aceleradas ocorrem de modo mais visível nas socieda-des ditas modernas, sendo nelas especialmente notável o peso que se atribui às mesmas mudanças. Como aponta Georges Balandier, dois movimentos incidem sobre tais sociedades: o das mudanças reais e o dos significados a elas atribuídos. Em outras palavras, as sociedades modernas dão um peso positivo, valorizam as mudanças, as inovações, o novo, enquanto as sociedades tradicionais dão um peso positivo à permanência, à reprodução do mesmo, à tradição. Não significa que nas primeiras não haja permanências e nem que as segundas não vivam mudanças. Não se pode perder de vista, entretanto, que a valorização

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positiva do “novo”, da “mudança”, da “inovação”, da “modernização” torna-se, ela mesma, uma força de mudança, um importante fator a um tempo cultural e ideológico.

Voltemos ao envelhecimento e à velhice. Não se pode ignorar que a velhice é também uma construção sociocultural, isto é, sendo um dado da realidade de qualquer sociedade humana, está sujeita às ações nominadoras da cultura (atribuição de nome, classificação, significação, etc.); a noção de velhice depende, basicamente, do estabelecimento de demarcações socioculturais. Além disso, encontramos no envelheci-mento aspectos universais (biológicos), conquanto seus ritmos variem por numerosas razões (biológicas e outras). De fato, pode-se dizer que o envelhecimento é a um tempo biológico e sociocultural. Assim, tal como a noção de corpo (que, como se viu, é referência importante na nossa percepção de velho), a noção de envelhecimento também goza de uma dupla natureza: biológica e sociocultural. Essas duas dimensões se imbricam, dialogam e digladiam. Além disso, as realidades da velhice e do envelhecimento, embora submetidas às suas próprias lógicas, são de fato interdependentes.

As construções de que falei são universais (porque presentes em toda e qualquer cultura) e ao mesmo tempo variáveis (porque construí-das com base em lógicas culturais e histórias sociais diversas). Alguns exemplos podem clarear melhor esses pontos.

Comecemos com culturas bantos tradicionais.

Falando delas, o religioso e antropólogo Asúa Altuña (1974) aponta que

[...] (as) primeiras associações banto brotam das divisões de sexo e idade. Como estruturas sociais primárias estratificam a vida social e colaboram na sua conformação, porque o acesso a elas se vai realizando dentro de cada classe ou irmandade etária. (...) Os indivíduos do mesmo sexo, geração e parentela, formam as irmandades. (Estas) estruturam uma estratificação paralela ao parentesco (e seus) fins são educativos, religiosos, sociais políticos e, antigamente, guerreiros.

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Segundo esse estudioso, tais irmandades ou classes de idade, na sua forma mais generalizada compreendem quatro divisões, das quais a “primeira abrange as crianças dos 3 aos 9 anos; podendo ir até os 12.5 A segunda (abrange) todos os iniciados nos ritos da puberdade, ainda solteiros; os homens casados e pais de família formam a terceira; a quarta, a mais respeitada e poderosa é a dos velhos”.

A passagem de uma categoria a outra implica um ritual de passagem específico, que, no caso dos membros do sexo masculino, é sempre obrigatório. Tais ritos são vistos como momentos públicos de instrução e também tecem e fortificam os vínculos entre os membros de cada classe etária (“o que não impede que no seu interior se estabe-leçam alianças particulares”).

Nas classes etárias masculinas, as crianças não iniciadas são consideradas “pré-homens, social, moral e religiosamente”; isso, evi-dentemente, não significa que não sejam protegidas e mimadas pelos adultos. É um período de aprendizagem, pois o não iniciado é perce-bido como “algo inacabado”. Depois da iniciação, a criança passa para a classe seguinte, sendo, a partir de então, um membro de direito e de fato da sociedade. A grande liberdade sexual dos jovens é uma forma de realização do ideal do grupo, pois “a possibilidade de procriar” é que lhes dá a “plenitude vital e viril que os realiza individual e socialmente”. A fase da juventude é também de aprendizagem dos trabalhos da vida adulta e de cooperação nas atividades do grupo.

São os homens casados que “dão consistência ao grupo”, assegu-rando sua subsistência e sua sobrevivência como grupo.

Finalmente, os velhos (“classe de mais respeito e prestígio”), são os conhecedores de toda a tradição, dominam o direito e formam a assembléia política dirigente; são temidos por sua força vital e pelo manejo competente da magia, são os “sacerdotes familiares” detentores dos ritos comunitários. “Vivem com plenitude vital.”

5 Note-se que a classe das crianças inclui os membros entre os 3 e os 9 ou 12 anos, isto significa que antes dos 3 não estão contidos em nenhuma classe; são preciosas promessas para o futuro se podemos dizer assim.

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Nessas sociedades, as mulheres passam pelas mesmas classes etárias e, segundo Altuña, “embora não desempenhem um papel social decisivo” (em termos de parentesco ou em termos políticos – se bem que é a matrilinhagem que define as pertenças), a “matrona é presti-giada e influente”.

Segundo o mesmo autor, a solidariedade banto é uma “exigência natural e sobretudo estrutural da sua filosofia e religião”; fundamenta-se na unidade de vida, na relação recíproca entre descendentes de um mesmo antepassado. “A solidão, o individualismo, além de repugnarem e serem incompreensíveis, acarretar-lhes-iam o desespero e o aniqui-lamento.” Nessas sociedades, “o homem só não existe” (Asúa Altuña, 1985, p. 159 e ss).

Antes de Altuña, Tempels (1965), também falando sobre a filo-sofia banto, mostra que esses povos concebem o universo como feito de energia (matéria é energia), e a energia ou força vital que está presente em todas as coisas percorre os grupos familiares apresentando-se nos vivos e nos mortos. As passagens de uma classe etária a outra implicam crescimento de energia vital e, nesse sentido, os maiores depositários dessa energia são os velhos (já cumpriram quase todas as fases) e os ancestrais mortos (passaram pelo último rito: a morte). Sabedoria é fator de energia vital e a sabedoria cresce no correr da vida, acrescen-ta-se a cada rito de passagem. O que diferencia vivos e mortos não é, pois, a quantidade de energia vital – que é maior nos últimos –, mas a possibilidade de agir no sentido de captar a energia existente. Só os homens vivos podem fazê-lo e os velhos, como “sacerdotes familiares”, garantem, graças ao seu conhecimento dos ritos, que a energia vital dos ancestrais mortos fortaleça os vivos, permitindo, ao mesmo tempo, que os ancestrais continuem a existir (a falta de descendência e, por conseguinte, a ausência de ritos a eles voltados, acarretaria a verdadeira morte dos ancestrais).

Ora, como se pode perceber, em sociedades que constroem seu mundo a partir desses parâmetros, o significado de ser velho não é o mesmo significado nosso. Aquelas idéias de perda e de degradação física e social não têm, aqui, qualquer lugar.

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No contexto da sociedade brasileira, que, majoritariamente, se pauta pelos padrões das sociedades ocidentais modernas, vamos re-encontrar nas religiões afro-brasileiras o reconhecimento do papel da ancestralidade e o peso positivo da senioridade. Nos núcleos religiosos em que a iniciação é um fator fundamental para o crescimento pessoal e a construção de saber, a idade é fator de respeito social e religioso. De fato, embora não haja, necessariamente, nos dias que correm, uma superposição absoluta entre idade cronológica e fase de iniciação, nos grupos mais tradicionais, graças ao tempo que medeia entre uma fase iniciática e outra, a idade cronologicamente maior tem maiores chances de coincidir com os estágios mais altos de iniciação. Nesse sentido, nesses grupos, além do respeito merecido pelo velho enquanto tal (independen-temente da sua posição religiosa e seu conhecimento), há o respeito pelo saber acumulado daqueles que viveram sucessivos processos iniciáticos e que acumularam não apenas idade, mas especialmente saber. Há, por assim dizer, uma potencialização do respeito.

Em religiões não iniciáticas, mas igualmente hierarquizadas, os cargos mais altos na hierarquia religiosa correspondem também, de modo geral, aos mais velhos. A Igreja católica é um bom exemplo da correspondência, mesmo que não absoluta, entre idade e posição na hierarquia. Chegar a bispo ainda jovem é muito mais uma situação festejada por sua excepcionalidade do que uma regra. Isso sem falar em outras posições...

Exemplos de diversidade numa perspectiva temporal, histórica, no mundo ocidental europeu, no que concerne ao significado das dife-rentes idades, podem ser encontrados nos ricos trabalhos do historiador francês Philippe Ariès. Em sua História social da criança e da família, ele discute a história da educação nos aspectos que “revelam o progresso do sentimento da infância na mentalidade comum”. Se, na Idade Média, a demarcação das idades não importava, no caminho da modernidade assiste-se ao aumento da disciplina, do valor a ela atribuído e do papel que devia representar na formação das pessoas, e, pouco a pouco, vão

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se institucionalizando classes etárias; nesse processo, o papel desem-penhado pela escola foi fundamental. Nas palavras de Ariès, na Idade Média, as escolas e os colégios que

[...] eram reservadas a um pequeno grupo de clérigos e mistu-ravam as diferentes idades dentro de um espírito de liberdade de costumes, tornaram-se no início dos tempos modernos um meio de isolar cada vez mais as crianças durante um período de formação tanto moral como intelectual, de adestrá-las graças a uma disciplina mais autoritária e desse modo, separá-las dos adultos. (1981, p. 165)

Mais adiante, o autor indica que, no século XII, podiam-se encontrar numa escola todas as idades da vida (pueros, adolescentes, juvenes, senes), “pois não havia uma palavra para designar o adulto e as pessoas passavam sem transição de juvenes a senes”. O mesmo autor aponta que essa mesma situação podia ser encontrada no século XV e que “essa mistura de idades continuava fora da escola” (p. 167).

O sociólogo alemão Martin Kohll (1989), que toma Ariès como referência, apresentando um texto de discussão sobre “Ciclo de Vida”, entendido por ele como uma instituição social (um construto), mostra que o modelo de “institucionalização do curso da vida” por ele anali-sado constituiu um fato da sociedade moderna, paralelo à construção da noção de individualização e acompanhando as transformações do sistema de trabalho.

No que concerne ao nosso tema, Kohll destaca “a construção legal e administrativa da demarcação das idades”, sendo o código napoleô-nico “o primeiro a introduzir precisas demarcações etárias” (1989). Se a infância e a juventude como idades de vida separadas da vida adulta são normatizadas a partir do sistema escolar e de demarcações legais (responsabilidade civil, penal, política), a velhice é definida pelo sistema de aposentadoria. Assim, a velhice “como idade distinta do ponto de vista estrutural e cronológico é um produto bastante moderno”, diz o sociólogo. A criação dos sistemas públicos de seguridade social (processo que teve a Alemanha como precursora: primeira caixa de aposentadoria

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pública e obrigatória) ajudou a constituir um curso de vida “marcado pela segurança e pela continuidade”, mas também aparece como “um novo tipo de controle político e social”.

O mesmo sociólogo aponta, ainda, que depois dos anos 60 do século XX há uma mudança significativa nas sociedades européias (que toma como referência). Assiste-se, nessas sociedades, a um processo de “desinstitucionalização” do curso de vida, uma nítida desinstitucionali-zação do ciclo familiar: variação nas idades de casamento e nas idades consideradas adequadas para ter filhos, proporção crescente de pessoas não casadas, queda de natalidade, entre outras variações motivadas por escolhas pessoais. Há, ainda, flexibilização relativa da trajetória profissional e mudanças no “código biográfico” graças a um crescente processo de individualização.

Ora, embora o campo de reflexão de Kohll fosse a Europa dos anos 80, não é preciso lembrar que tais mudanças são praticamente universais. Também no Brasil, não obstante as nossas profundas dife-renças internas (sociais e regionais), vivemos um processo de mudança social e populacional de largo alcance. Do ponto de vista no qual nos colocamos (o que é ser velho no Brasil, quando se é considerado velho no Brasil), pode-se ver que a questão da aposentadoria não desempenha mais o mesmo papel que já desempenhou, de demarcador importante no ciclo de vida, no arranjo biográfico; isto é, do estabelecimento de “um antes” e “um depois”. Seja pela mudança de composição etária da nossa população, seja pelos baixos patamares das remunerações da aposentadoria, seja pelas mudanças no sistema de empregos e de em-pregabilidade, seja pelo aumento da informalidade, o fato é que o ciclo de vida institucionalizado está sofrendo mudanças. A demarcação das idades não é a mesma de cinqüenta anos atrás. Houve um aumento do período de dependência dos filhos, um atraso da idade adulta, maiores exigências de escolaridade – freqüentemente incompatíveis com as po-sições de trabalho em oferta no mercado –, mudança nas expectativas de constituir família, entre outros pontos a serem considerados. Num panorama de retraimento do mercado formal de trabalho, cresceu o número de aposentados, especialmente de mulheres aposentadas que

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sustentam, com os magros recursos da aposentadoria, suas famílias compostas de seus filhos, netos e outros dependentes; aumentou o número de aposentados que continuam trabalhando para compensar os baixos salários da aposentadoria e, finalmente, assiste-se também no Brasil ao retraimento do Estado ante as obrigações sociais das políticas de seguridade e de aposentadoria.

Ora, é inegável que essas mudanças vão repercutir nas definições do que é ser velho nas sociedades modernas. O aumento significativo da porcentagem de pessoas acima dos 60 anos na população mundial, e também na brasileira, sem dúvida, é outro fator de mudança. Já encontramos novas formas de perceber o “envelhescente” e o idoso, formas que se insinuam insufladas pelas mudanças, pelas diferenças de poder aquisitivo anteriores e posteriores à aposentadoria, e também por uma certa “consciência de categoria” que de maneira mais ou menos tímida vai se instalando. Malgrado as diferenças de poder aquisitivo e as diferenças de valores das aposentadorias pública e privada, surge entre nós um mercado (diferenciado segundo a clientela visada) voltado para a “terceira idade” (viagens, oferta de produtos que vão de vestuário a saúde e beleza); também os clubes, associações e grupos da “terceira idade” (às vezes chamados “da melhor idade”) engrossam o movimento na direção da “consciência de categoria”, consciência de pertencimento, construção de uma nova perspectiva do envelhecimento.

Em um artigo onde discute envelhecimento e sentimento do corpo, Alda Britto da Motta afirma que

[...] a modernidade capitalista construiu uma visão segmentar das idades: periodiza as gerações, constrói e desconstrói idades, quase a cada século inventa mais uma; (...) recentemente – década de 60 – inventa uma “terceira idade”, inserção de um novo período entre a maturidade e a velhice, ao mesmo tempo negação desta. (2004, p. 38)

Pode-se dizer, então, que estamos em um período de mudanças. Apesar disso, entretanto, não seria exagero afirmar que, no Brasil, convivemos com dois tipos polarizados de representação sobre o ser

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idoso, como dissemos no início – de um lado há as representações que

o valorizam (respeito, sabedoria, etc.) e de outro, as que o desvalori-

zam (decadência, passadismo, etc.). As primeiras expressam uma visão

tradicional e extremamente formalizada, quase caricatural, e apontam

para um ideal de respeito (ou talvez de respeito ideal). As segundas, não

menos caricatas, de sabor mais contemporâneo, apontam para novas

concepções que trazem embutida uma ideologia positiva do novo e

da modernidade. Não por acaso essas representações “modernas” têm

igualmente um caráter biologizante.

Alda Britto da Motta afirma que “provavelmente a maior parte

dos estudos sobre o envelhecimento e a velhice, pelo menos no Brasil,

refere-se ao campo da saúde e áreas correlatas”. Reclamando da falta

de uma verdadeira conexão com “envelhescentes”, a socióloga assinala:

“A sensação é de encontrar neles corpos classificatoriamente naturais,

ao mesmo tempo simbolicamente descorporificados e mudos”.

No texto anteriormente citado, Mercadante discute o pro-

cesso de construção cultural da identidade do idoso mostrando que as

qualidades que lhe são atribuídas, embora amplas, são de modo geral

negativas, definindo-o como sujeito em declínio físico e social. A autora

problematiza assim a questão:

Tendo em vista esse modelo social ideológico, que atribui quali-dades negativas aos velhos – degradação física e social – (e) que ao fazer isso lhes nega um futuro, avaliamos como é possível então para o idoso pensar novas formas de vida futura, novas alternativas para a velhice. (2003, p. 56)

A construção de uma identidade social contrastiva, em que o

novo é o valor e a medida, é sem dúvida responsável pela dificuldade

de encontrar tais formas alternativas. Algumas considerações sobre esse

último tópico encerram estas reflexões.

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Medo de parecer

Se a velhice atemoriza e o único modelo apreciado socialmente é (majoritariamente) de juventude, a questão que mobiliza grande parte dos brasileiros “envelhescentes” é a de “retardar o envelhecimento” ou apagá-lo.

Britto da Motta, citada acima, afirma que

[...] a ainda majoritária terceira idade começa a ser muito lu-crativa para uma série de organizadores/gestores de atividades, produtos e serviços para esta faixa etária (...) no cotidiano, en-tretanto, as idades ainda são percebidas principalmente como parte do passar do tempo, mimetizando como duração e ritmo os ciclos da natureza e as estações, o que é expresso no corpo das pessoas. Diz-se “completar 15 primaveras”, “estar na flor da idade”, “ainda viçosa aos 50 anos”, “bem conservado/a”, “no inverno da vida”, etc.

Complementa a autora dizendo que o tempo da “natureza” é expresso no universo da cultura, busca em seguida na literatura “ima-gens cruéis da velhice especialmente a das mulheres”.

Borges Pereira (2000), falando da linguagem do corpo na so-ciedade brasileira, afirma que o “progressivo desnudamento do corpo, em especial do corpo feminino, está associado ao que a mídia chama freqüentemente de ‘culto ao corpo’ o que nada mais é do que a exaltação da beleza física em si, independentemente de atributos morais”.

Claro está que o corpo e os cuidados com o corpo sempre foram objeto de preocupação dos homens e mulheres em todas as sociedades, entretanto, as reflexões sobre o corpo ganham visibilidade ao longo do último século. Ligia Amparo da Silva Santos, em preciosa tese de doutorado, toma a si a tarefa de “pontuar as especificidades (das questões referentes ao corpo) no mundo contemporâneo”. Entre tais especificidades nos modos de pensar, representar e agir sobre o corpo, Silva Santos destaca o papel da mídia e da tecnociência, a exposição e a exploração da intimidade do corpo, as manipulações do corpo graças à

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biotecnologia (cirurgias plásticas, implantes, transplantes, mudança de sexo), a engenharia genética, a reprodução artificial. Todo um campo de saber e uma enorme área voltada à comunicação empenhadas, cada uma a seu modo, em “libertar o corpo” de suas amarras anatômicas. Estamos, diz a autora, diante de uma antropomorfia, reconstrução completa da corporalidade em que há exibição contínua da transformação.

Além disso, se “prolongar a vida, preservar o corpo e a saúde sempre foram preocupações da humanidade (...), no mundo atual tais práticas contam com um aparato científico que produz incessantemente novos recursos (...)”. O conceito de saúde se reatualiza, sendo entendido não como um dado, mas como uma tarefa; saúde não é definida por um estado e sim por um conjunto de comportamentos. Culto ao corpo como autocuidado define a perspectiva contemporânea.

Lembra Ligia que, coerentemente com a centralidade do corpo no mundo contemporâneo, “o corpo também é o marketing de si mesmo”: “É na sua aparência, tonicidade, juventude e magreza que revelamos quem somos, a chave do sucesso, mas também do fracasso”.

É difícil atingir metas tão exigentes e, sobretudo, é difícil manter “tonicidade, juventude e magreza” independentemente do tempo e das modificações corporais...

Em artigo que discute modernidade e velhice, Vera Almeida (2003) afirma que encontrar na juventude modelo de ser e de agir é uma tendência relacionada ao individualismo moderno e antecede os anos 80. De fato, podemos dizer que vem de muito mais longe, o que temos é um acirramento do modelo. Citando Lash, Almeida levanta a questão de que os

[...] conteúdos individualistas da sociedade atual e o conseqüente culto do eu seriam mais responsáveis que o “culto da juventude” pelo horror à velhice. A personalidade narcísica dominante só teria a perder com o declínio dos atributos mais valorizados como beleza, encanto, poder, celebridade, atributos que segundo Lash “geralmente declinam com o tempo”.

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Claro está que “culto à juventude”, narcisismo e individualismo são faces da mesma moeda (que seria a identidade de idoso), a qual, por sua vez, é uma das faces da identidade sociocultural contemporânea. Não há porque afirmar, por exemplo, o declínio do poder (com o en-velhecimento) fora de um modelo específico de sociedade e de cultura. Os “nossos bantos” acrescentavam poder à medida que envelheciam.

Qualquer que seja a ordem desses fatores, entretanto, há nas sociedades modernas – e o Brasil alia-se a essa tendência – um esfor-ço constante de “retardar o envelhecimento”, aderindo a comporta-mentos mais descontraídos, roupas menos convencionais, buscando saúde através de comportamentos “responsáveis” (controle alimentar, exercícios, abandono de hábitos “pouco saudáveis”, etc.), recorrendo à cosmetologia ou à cirurgia plástica, e assim por diante. O indivíduo é representado como autônomo e responsável por suas opções; saúde e doença, beleza e feiúra são de sua responsabilidade, dependem das suas escolhas, das suas ações.

Como “velhice e doença” formam um par nas nossas represen-tações, a busca do envelhecimento saudável fica entre a obrigação e a contradição – a meta inalcançável.

Temos que reconhecer que, enquanto não construirmos um forte modelo alternativo de velhice, os caminhos continuarão restritos. Continuaremos a reproduzir modelos “exógenos” e estigmatizadores. Não por convicção, mas por adesão.

Como fugir desse círculo? Como já dissemos antes, as mudanças na composição etária da população mundial e nacional serão o fator mais significativo para mudanças de concepção e busca de novas perspectivas individuais e sociais. Derrubar mitos arraigados (feiúra, doença, taras, demência, perdas, falta de memória, ausência de perspectivas, sala de espera da morte) não é tarefa rápida ou fácil. Mas já está em andamento. A geração idosa de hoje já é diferente daquela que a precedeu. Como também já é diferente a geração jovem.

Há pouco, o jornal Folha de S. Paulo dedicou um caderno inteiro à discussão das questões relacionadas à beleza. Numa entrevista rápida com uma jovem apresentadora de TV e ex-miss Brasil, o entrevistador

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perguntou: “Você tem medo de envelhecer?”. A resposta foi incisiva: “Sim”. Depois ela completou: “Acredito que até lá vou mudar minhas prioridades”. Creio que esse é o melhor recado que uma jovem poderia dar às gerações mais velhas e também às novas: mudar prioridades, encontrar novos interesses, investir em outras capacidades. Note-se que esse é um recado otimista: ela não fala em fim (como dizem alguns, “encerrar o expediente”, “pendurar as chuteiras”) nem em “recomeço”, mas em continuidade.

Pode-se aprender de muitas maneiras.

Para encerrar, vou voltar ao início, isto é, falar da relação kairós e cronos. Através de outra cultura.

Num pequeno livro de comentários de um chefe de uma ilha do arquipélago de Samoa, lemos o seguinte:

Todo Papalagui (o “branco” europeu) é possuído pelo medo de perder o seu tempo. Por isso, todos sabem exatamente (e não só os homens, mas as mulheres e as criancinhas) quantas vezes a lua e o sol saíram desde que, pela primeira vez, viram a grande luz. De fato, isto é tão sério que a certos intervalos de tempo se fazem festas com flores e comes e bebes. (...) Ter tantos anos significa ter vivido um número preciso de luas. É perigosa essa maneira de indagar e contar o número das luas porque assim se chega a saber quantas luas dura a vida da maior parte dos homens. Todos prestam muita atenção nisso e, passando um número muito grande de luas, dizem: “Agora, não vou demorar a morrer”. E então essas pessoas perdem a alegria e morrem mesmo dentro de pouco tempo.

(...)

Acho que o tempo lhe escapa tal qual cobra na mão molhada justamente porque o segura com força demais. O Papalagui não espera que o tempo venha até ele, mas sai ao seu encalço, sempre, sempre, com as mãos estendidas (...) Mas o tempo é quieto, pacato, gosta de descansar, de deitar-se à vontade na esteira. (...) Nunca o tempo nos falta, nunca nos enfastia (...) Não precisamos de mais tempo do que temos e, no entanto, temos tempo que chega. Sabemos que no devido tempo o Grande

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Espírito nos chamará quando for da sua vontade, mesmo que não saibamos quantas luas nossas passaram.

Devemos livrar o pobre Papalagui, tão confuso, da sua loucura. Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido do tempo que perdeu: “o homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar” (Scheurmann, s.d., pp. 51-52).

Referências

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BRITTO DA MOTTA, A. (2004). “Envelhecimento e sentimento do corpo”. In: MINAYO, M. C. e COIMBRA Jr., C. (orgs.). Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro, Fiocruz.

IACUB, R. (2007). Erótica e velhice: perspectiva do Ocidente. São Paulo, Vetor (Col. Gerontologia, v. IV).

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MARTINS, J. (1998). “Não somos cronos, somos kairós”. Kairós-Gerontologia, v.1, n.1.

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MERCADANTE, E. F. (2003). Velhice: a identidade estigmatizada. Serviço Social e Sociedade, ano XXIV, n. 75.

SCHEURMANN, Erich (s.d.). O Papalagui. Comentários de Tuiávii, chefe da tribo Tiavéa, nos mares do sul. Rio de Janeiro, Marco Zero.

SILVA SANTOS, L. A. (2006). O corpo o comer e a comida. Tese de doutorado. PEPGCS, São Paulo, PUC.

TEMPELS, P. (1965). La philosophie Bantou. Presence africaine. Paris.

Data de recebimento: 14/6/2007; Data de aceite: 20/7/2007.

Maria Helena Villas Bôas Concone – Antropóloga. Professora doutora titular do Departamento de Antropologia da PUC-SP. Docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, ambos da PUC-SP. E-mail: [email protected]

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Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos�

Marilda Silveira Lopes Rodrigo Caetano Arantes

Ruth Gelehrter da Costa Lopes

RESUMO: o trabalho pretende identificar a relação entre a beleza corporal e a longevidade através dos paradigmas que ligam o culto do corpo e a estética da beleza nas relações sociais. Nessa perspectiva, a opinião dos idosos, ou seja, aqueles acima de 60 anos de idade, será essencial para uma compreensão do significado da beleza atribuído nesse momento de suas vidas.Palavra-chave: beleza; longevidade; corpo.

ABSTRACT: This work considers the relationship between beauty and aging, shedding light on this subjective value and enumerating the paradigms that link the cult of the body and the beauty esthetics in social relations. It engages the concept of beauty by analyzing techniques used to maintain, and several presentations of, beauty during people’s lives. From this perspective, the opinions of those considered elderly in Brazil, i.e., those above 60 years of age, are essential to an understanding of the meaning of “beauty” over our life spans.Keywords: beauty; aging; body.Introdução.

1 Colaboração: Marina Silveira Lopes. Geógrafa, mestranda em Ciências da Religião PUC-SP. E-mail: [email protected]

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Eu fiz um acordo com o tempo, nem ele me persegue, nem eu fujo dele.

Um dia a gente se encontra.

(Mario Lago)

Durante o seminário “A família e o idoso”, realizado no curso de mestrado em Gerontologia, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), surgiu a necessidade de se conhecer a realidade das instituições de longa permanência,2 para, assim, podermos adequar nossos conhecimentos teóricos à prática. O fato que nos chamou atenção, quando da oportunidade de visitas a essas instituições, foi que em duas delas os idosos acamados3 eram notadamente bem arrumados, com os cabelos penteados, roupas limpas e passadas, alguns perfumados. As mulheres maquiadas ou apenas com um discreto batom, mas sempre elegantes. Na segunda residência confirmamos a mesma situação: os idosos se preocupavam com a aparência e como queriam ser vistos.

Discutimos a relevância dos aspectos econômicos, o tipo de insti-tuição, a profissão que tiveram, a formação escolar e a origem cultural dos moradores, constatando a necessidade de pesquisar o assunto. O tema focado foi a beleza na longevidade. Ao levantamos as referências bibliográficas, percebemos que havia pouco material disponível para

2 Cf. Tomiko Born, as Instituições de Longa Permanência (ILPI) são estabe-lecimentos para atendimento integral institucional, cujo público-alvo são as pessoas de 60 anos e mais, dependentes ou independentes, que não dispõem de condições para permanecer com a família ou em seu domicílio. Essas instituições, conhecidas por denominações diversas – abrigo, asilo, lar, casa de repouso, clínica geriátrica e ancianato – devem proporcionar serviços na área social, médica, de psicologia, de enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, odontologia e em outras áreas, conforme necessidade desse segmento etário (SBGG/SP). Ver em: www.chagas.redefiocruz.fiocruz.br/biblioteca/dados.tomiko.pt, acesso em 29.06.06.

3 Termo técnico utilizado na área da saúde para designar pessoas, principalmente idosos, que estão debilitados fisicamente e precisam manter-se na cama por um certo período.

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Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 47

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consulta. A maioria abordava o tema beleza associando-o à juventude ou enfatizando os modernos recursos para retardar o envelhecimento, contudo, nenhuma dessas abordagens esclareceu nossas dúvidas.

Em vários trabalhos na web4 encontramos a definição de beleza como a percepção individual caracterizada, normalmente, pelo que é agradável aos sentidos. Essa percepção depende do contexto e do universo cognitivo do indivíduo que a observa.

Através da história, a humanidade vem considerando a beleza como “aquilo que se aproxima do divino”5 e esse conceito vem se alterando sincronicamente em relação à humanidade e se adequa aos momentos histórico-sociais, como podemos perceber nas citações6 abaixo, de vários poetas, filósofos e escritores renomados em suas res-pectivas épocas:

O que é belo é bom e o que é bom depressa será também belo.

(Safo)7

Uma coisa bela persuade por si mesma, sem necessidade de um orador.

(William Shakespeare)8

A beleza do espírito causa admiração; a da alma, estima; e a do corpo, amor.

(Bernard le Bovier Fontenelle)9

4 Site http://libdigi.unicamp.br/document/code=vtls000334513, acesso em 13/03/2006.

5 Para Platão, o belo é o bem, a verdade, a perfeição; existe em si mesmo, apar-tado do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das idéias. A idéia suprema da beleza pode determinar o que seja mais ou menos belo. Ver Vale, Lúcia de Fátima. www.espaçoacademico.com.br/046/46/cvale.htm, acesso em 29.06.06.

6 Pesquisa realizada na Web sobre o conceito de Beleza.Site http://pt.wikiquote.org/wiki/Beleza. Acesso em 13/03/2006.

7 Poetisa grega da Ilha de Lesbos, 630 a.C-612 a.C.8 Dramaturgo Inglês, 1564-1616.9 Escritor francês, 1657-1757.

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A mulher que se preocupa em evidenciar a sua beleza anuncia ela própria que não tem outro maior mérito.

(Jeanne Julie Eleonore de Lespinasse)10

A beleza ideal está na simplicidade calma e serena.

(Johann Wolfgang Von Goethe)11

As coisas mais belas são ditadas pela loucura e escritas pela razão.

(André Gide)12

A beleza é uma contradição velada.

(Jean Paul Sartre)13

A atualidade trouxe-nos um discurso vigoroso e contagiante da mídia, fazendo com que vários temas tratados pela sociedade, perti-nentes ou não, sofram o crivo e a influência dos meios de comunicação. O conceito contemporâneo de beleza não consegue escapar dessa rede imaterial14 fluída e instantânea, que penetra no imaginário coletivo. Enfrentar esses paradigmas será necessário, considerando o aumento da população com 60 anos ou mais constituir a nova realidade social na maioria dos países do século XXI.

Imagens côncavas e convexas

As conquistas científicas proporcionaram uma longevidade nunca antes vivenciada, enfatizada por jornais, revistas, internet e televisão. No amálgama de valores pululantes da contemporaneidade, expostos pela mídia, o novo conceito ou preconceito da beleza chamou nossa atenção,

10 Escritora francesa, 1732-1776.11 Escritor e filósofo alemão, 1749-1832.12 Escritor francês, Prêmio Nobel de Literatura em 1947, 1869-1951.13 Filósofo existencialista francês, 1905-198014 Rede composta pelos meios modernos de comunicação.

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pois ele não se apresenta como adjetivo de longevidade, mas sim como uma metáfora visual da velhice, onde o importante é ser jovem. Isso nos dá material para estudos futuros quanto ao significado de beleza.

Novos mitos de beleza foram criados, para Barthes, citado por Bauer e Gaskell (2004): “o mito representa uma confusão imperdoável entre a história e natureza”, “Mito é o meio pelo qual uma cultura a naturaliza ou torna invisível suas próprias normas e ideologias”. Des-mistificar ou desmascarar mitos de beleza é uma tarefa árdua, já que eles privilegiam o frescor e a juventude, negando o belo que também há na velhice. Pois o homem cria, produz constantemente fluxos, mas se constitui socialmente pela imitação (Tarde, 1992, p. 40), assim re-produz os modelos aceitos pela sociedade para, dessa forma, sentir-se pertencente a ela.

Da mesma forma que Sísifo,15 aqueles que buscam a beleza eternizam uma rotina na tentativa da sua manutenção, mas o enve-lhecimento acontecerá independentemente de ser belo ou não. Mesmo na certeza de que a rocha rolaria da montanha, Sísifo a conduzia com vigor e obediência ao seu castigo. As narrativas para a manutenção da beleza, obedecem a esse exemplo mitológico, conforme as afirmações retiradas dos depoimentos a seguir:16

A beleza, por ser um encontro ou mesmo um resultado de busca, será sempre o objetivo perene ao longo da nossa vida e estará, portanto, sempre perseguida por todos. Isso porque uns querem manter a beleza que alcançaram e outros sentem que podem alcançar mais. Por isso, não vão parar de exercer essa procura insatisfeita. Quando abandonamos essa busca, ficamos aos cuidados, bastante cruel, do tempo.

15 Sísifo. Personagem que encarnou, na mitologia grega, a astúcia e a rebeldia do homem ante os desígnios divinos. Sua audácia, no entanto, motivou o exemplar castigo final de Zeus, que o condenou a empurrar eternamente, ladeira acima, uma pedra que rolava de novo ao atingir o topo.

16 Os entrevistados mantiveram-se no anonimato.

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Tudo o que é bem tratado é bonito. A beleza é expressa por um conjunto de coisas: corpo, rosto, cabelo, dentes e o modo de se vestir.

É a pessoa jovem, bonita, e que tem saúde, disposição, quando se está jovem e bonita é bom, a pele é boa, o cabelo também; beleza é jovialidade.

É a pessoa se arrumar para ficar com uma aparência mais jovem e elegante, se maquiando, vestindo roupas mais coloridas, e não blusas de gola e vestidos grandes só porque é velho. Beleza é tentar disfarçar as marcas da velhice com os recursos de ma-quiagem, passar batom, pois aí sim se fica bonita.

Beleza para mim é algo que chama atenção. É admirar o que está a minha volta e me encantar como feições bonitas: rosto, dentes e cabelo.

Em primeiro lugar, porém, devemos reconhecer a natureza radical dessa crise da imaginação. Parece haver uma concordância geral sobre, de certa forma, termos perdido a proteção das estruturas de mito anteriormente aceitas. Sofremos o que Jung denominou “um empobrecimento sem precedentes de símbolos”, pois os que valem são somente os veiculados pela mídia.

As imagens são projetadas, para o olhar do outro, ininterrupta-mente pelos meios de comunicação. Mulheres e homens independen-temente da idade e conscientes do seu próprio reflexo tornam-se alvos fáceis para os discursos ideológicos de reconstrução.

O aspecto delineado nessa investigação é o envelhecimento com a consciência de uma nova estética, isto é, a beleza própria desse processo fisiológico natural e não apenas os parâmetros mitificados da beleza da juventude.

O padrão da estética e da beleza baseado somente na ótica do jovem e com a contribuição global da mídia condena o envelhecimen-to, exalta a juventude e negligencia a longevidade. O homem repete suas ações ancestrais que não percebiam sua finitude. Até que, em dado momento, sente a iminente necessidade de enterrar seus mortos, enganando-se assim quanto às proposições adquiridas.

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Atualmente, turva-se a percepção de outros padrões naturais, como, por exemplo, os cabelos grisalhos, que são rejeitados e substi-tuídos por tinturas sintéticas que os disfarçam ou mesmo as cirurgias plásticas, que fazem as marcas de expressões desaparecerem. Todos esses reparos corporais são realizados na tentativa de aplacar os “males” do tempo e resgatar o padrão de beleza instituído na sua cultura e na sua sociedade.

Os mitos da beleza

A humanidade criou mitos sobre o envelhecimento que podem vir de várias fontes: desconhecimento sobre o assunto, falta de contato próximo com pessoas acima de 60 anos ou até medo de ficar velho, traduzindo-se em um distanciamento em relação aos idosos. A falta de interação entre gerações dá margem a certa intolerância de ambos os lados, que reforça a manutenção desses mitos.

Independentemente das origens, os mitos são afirmações ou narrativas inverídicas que, em relação ao envelhecimento, geralmente o associam à doença e a uma regressão à infância. Além disso, uma visão estereotipada sobre o envelhecimento leva a uma série de outros mitos (Mercadante, 1997), tais como:

1) os idosos não são capazes de aprender coisas novas;

2) os idosos dificilmente mudam o comportamento após certa idade, mesmo que essa mudança traga benefícios à saúde e bem-estar geral;

3) o fator genético seria uma garantia de envelhecimento com qualidade de vida,17 sua importância seria grande o suficiente para deixar de lado os fatores sociais e comportamentais sobre o estado geral de saúde e funcionamento do idoso;

17 De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002), qualidade de vida é a percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida dentro do con-texto de sua cultura e do sistema de valores de onde vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito muito amplo, que incorpora de uma maneira complexa a saúde física de uma pessoa, seu estado

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4) não se devem administrar tratamentos médicos mais agressivos aos idosos, com base somente na idade cronológica, independentemente dos benefícios que poderia ter ou das condições gerais favoráveis ao tratamento;

5) os idosos são geralmente não produtivos e não servem para nada.

Em decorrência desses mitos, existe também uma excessiva valorização dos jovens, em detrimento dos mais velhos, em todas as esferas da sociedade. A supervalorização do potencial da juventude em detrimento do potencial da idade madura e da velhice é atribuída à própria cultura, sendo as idades mais avançadas interpretadas como improdutividade e decadência.

Os estereótipos mudam de tempos em tempos; entretanto, podem ser responsáveis pelo menor investimento do governo em programas para idosos, pois o orçamento público, ao invés de ser des-tinado à população mais velha, iria para indivíduos mais jovens, uma vez que o retorno do investimento seria maior, tanto a curto como a longo prazo.

O combate a esses mitos se faz, primeiramente, com um traba-lho de educação e esclarecimento da população sobre as realidades a respeito do envelhecimento, com informações adequadas sobre o que vem a ser esse processo do ponto de vista biológico, social e econômico. Mostrando que, apesar de o envelhecimento ser um processo natural e universal, a história de vida de cada um, incluindo o autocuidado com a saúde e o bem-estar geral são em grande parte determinantes da maneira como cada um irá passar por essa fase da vida. É também fundamental o reconhecimento da diversidade da população idosa e das múltiplas influências na saúde e no funcionamento de cada idoso (Ory et alii, 2003).

O poder do referido mito provém, como todo mito social, “da ambigüidade e da mistificação”. Sua eficácia comunicativa é tal que ele

psicológico, seu nível de dependência, suas relações sociais, suas crenças e sua relação com características proeminentes no ambiente.

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faz circularem significações, valores e maneiras de ver motivados por

poderosas ideologias, que parecem normais, naturais ou simples bom-

senso. Existe, no cerne de todo mito sociocultural, um vazio semântico

capital. O mito funciona por meio de uma alternância constante entre

a plenitude e a ausência.18

A repetição incessante da mesma imagem e da mesma mensagem

facilita a criação de mitos culturais e populares, o olhar a si próprio

e os conceitos estabelecidos ao longo do tempo com relação à velhice

e seus aspectos intrínsecos à estética mostram a força de uma cultura

para criar seus mitos.

No conto de fadas Branca de Neve e os sete anões, a protagonista

da trama é uma bela jovem com todo o frescor de sua adolescência e

arrebatada por muita candura e bondade. A personagem de oposição

é caracterizada pela madrasta, que, apesar de bela, também morre de

ciúme da enteada. A madrasta, por ser mais velha, é a menos bela. O

duelo que se trava é pela preservação da beleza. E, quando a madrasta

tenta ganhar, para tal emerge, ainda, seu lado mais cruel, personificado

por uma velha feia, corcunda e bem enrugada, ou seja, a bruxa. Ao

analisarmos esse conto sob o prisma do belo e o do feio, notamos que

desde a infância é incutido em nosso inconsciente que a velhice está

ligada à feiúra, à maldade e ao desprezo.

Segundo Campbell (1990), “não há um sistema definitivo de

interpretação dos mitos e jamais haverá algo parecido com isso”. Então,

como será que as mulheres e as meninas saberiam, em seu comporta-

mento, resistir às mensagens veladamente estigmatizadas da velhice

nesse mito? Saberiam ou poderiam dizer não às tentações dos sistemas

políticos e socioculturais? Estamos habituados à circulação de imagens

predeterminadas, que mostram a beleza na experiência cotidiana de

18 Ver Louise Forsytm, em: www.unb.br/ih/his/gefem/labrys3/ web/bras/louise1.htm, acesso 13/03/2006.

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todos e de todas, como se o critério vigente de beleza fosse geneticamente respeitado pelas imposições da moda. “Vontade de poder”19 e “Eterno retorno do mesmo”, ou seja, ser belo é fundamental.

Pessoas que buscam uma longevidade ativa precisam procurar viver com qualidade e isso faz a diferença entre tempo cronológico e o biológico. Um ponto de vista considera que os limites do corpo devem ser respeitados e entende que investimentos na preservação da vida de forma mais sintonizada com a natureza possibilitarão realizações para a humanidade. Esse enfoque, que defende um curso de vida natural como maneira mais saudável e apropriada de viver, recebe de Featherstone e Hepworth (2000) críticas, no sentido de que essa visão “retifica uma determinada imagem cultural do corpo natural” e que a “tecnologia não é algo que está fora da natureza e da cultura”.

Os avanços da ciência e da tecnologia estão presentes em nosso cotidiano, impondo, de forma intensa, modelos de velhice cada vez mais veementes na contemporaneidade, envolvendo uma diversida-de ainda maior de experiências de envelhecimento. No que se refere à comunicação, o desenvolvimento da realidade virtual associada à Internet possibilita a construção de novas formas de contato social, independentes da presença física.

No ciberespaço,20 a identidade pode corresponder a qualquer imagem desejada, abrindo oportunidade para uma verdadeira infini-dade de personas21 para uma mesma pessoa, em interações totalmente personalizadas, únicas. Afastando-se do modelo da comunicação de massa, esse tipo de tecnologia propiciaria a diluição do modelo de velhice e de envelhecimento presente no curso de vida moderno, o que vale para todos os grupos sociais. Também o acesso a um grande

19 Dois conceitos andam aliados ao conceito de vida. Um deles implica o devir (Heráclito): “Vontade de poder”. O outro implica a permanência (Parmênides): “Eterno retorno do Mesmo”.

20 Ciberespaço é o ambiente criado de forma virtual. Através do uso dos meios de comunicação modernos, destacando-se entre eles a Internet.

21 Máscaras utilizadas pelos atores, no ato da representação dos antigos teatros gregos. Definição utilizada na psicologia junguiana com relação aos vários papéis que a pessoa precisa interpretar no seu dia-a-dia na sociedade.

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volume de informações, particularmente sobre o corpo, pode possi-bilitar um automonitoramento do mesmo e também do processo de envelhecimento. Quanto às tecnologias de intervenção no corpo bioló-gico, a cirurgia plástica, os transplantes e implantes, as clonagens e as interconexões com máquinas poderão trazer transformações corporais de grande repercussão sobre os limites do corpo, do tempo de vida, da vida e da morte.

Aspectos metodológicos

A escolha dos idosos foi feita aleatoriamente, em duas regiões do Brasil, sendo 10 idosos da cidade de Arcos (MG) e 13 da cidade de Vitória (ES). Os idosos abordados para a pesquisa teriam 60 anos ou mais e mostraram-se dispostos a responder a um questionário que continha onze perguntas, desde data de nascimento, profissão, cidade onde residem até conteúdo propriamente do estudo, como o conceito de beleza era visto e como se encaixavam nesse contexto no momento atual de suas vidas.

No total, 23 idosos responderam ao questionário, sendo 5 homens e 5 mulheres de Minas Gerais e 6 mulheres e 7 homens do Espírito Santo. Os nomes adotados são fictícios, como maneira de preservar o sigilo dos entrevistados.

Análise dos dados

A idade dos sujeitos de pesquisa varia entre 70 e 86 anos (dados válidos para o ano de 2006, em que foi realizada a pesquisa), 23 nascidos no Brasil e um na Grécia. Há heterogeneidade na formação escolar: dos 23 idosos, apenas 2 nunca freqüentaram escola, 4 concluíram o ensino superior, 7 cursaram até a quarta série do ensino fundamental, 1 até a sexta e outros 2 concluíram esse ciclo letivo. Dos idosos, 7 cursaram o ensino médio completo, 3 deles com especializações (ensino técnico).

Das 23 pessoas, 6 não praticam atividade física e 17 exercem algum tipo.

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O que é beleza para você?

O que você tem a dizer sobre a beleza ao longo da vida?

O que você tem a dizer sobre os muitos mais anos que se vive atualmente e a beleza?

Como você está se sentindo neste momento em relação ao tema deste questionário: beleza?

Número O que é beleza 11 beleza física, sendo que um acrescentou o disfarce à velhice

12 beleza como subjetividade e valores como: a vida, a saúde, a paz, a família, o amor, os sentimentos e a harmonia com o corpo

Número Beleza x Velhice

13 Disseram que a beleza ao longo dos anos se retrata nos sentimentos, nos valores e nos prazeres

04 A beleza ao longo da vida vai se declinando

05 O cuidado permanente com a saúde e a busca pela boa forma os fizeram sentirem-se mais belos

01 Beleza é primordial

Número Beleza x Longevidade

11Atribuição aos avanços da ciência, qualidade de vida, cuidado com o corpo, exercícios físicos, alimentação, reposições hormonais, cirurgias plásticas, tecnologia, e condição financeira uma condição melhor no envelhecimento

04 Sofrimento e angústia, por não serem mais belos, sendo que um se redefiniu dizendo que o que conta é a felicidade

05 Cinco disseram que a importância da beleza está nos sentimentos como felicidade, fé, amor, tranqüilidade, curtir a vida

02 Colocaram-se no passado, mencionando que, antigamente tudo era mais saudável e hoje nada é natural

01 A beleza que se procura é beleza ainda não alcançada, portanto, que continuar buscando essa beleza nos capacitando, sempre, todos os dias

Número O que é beleza para você

14Traços fisionômicos harmônicos, aparência saudável com pele, cabelos e dentes de boa aparência e comportamento alegre

01A beleza começa pelo interior da pessoa e é um conjunto de coisas como: paz de espírito, bondade, compreensão, ajuda ao próximo, fé que se transmite, a saúde do corpo e a expressão de felicidade que se torna beleza

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Os dados mostraram que há uma boa aceitação, por parte dos entrevistados, de sua beleza atual.

Ao analisar as respostas dos questionários, notamos que o conceito de beleza é referido com diferentes conotações com o passar dos anos. Ele abrangeu desde os atributos físicos aos espirituais.

Esse questionário foi aplicado em idosos de diferentes formações escolares e níveis socioeconômicos. Com relação ao gênero e à escolari-dade, esse conceito não apresentou grandes diferenças nas respostas.

Pelo estudo realizado, dividiu-se o conjunto geral de respostas em duas categorias listadas abaixo. As duas categorias emergiram com base na leitura das transcrições das respostas dos questionários e ilustram as posições dos idosos.

Categoria A: a beleza como algo peculiar à juventude e como estado de espírito

Os idosos abordados neste estudo, ora responderam ao ques-tionamento sobre a beleza como algo caracteristicamente presente em indivíduos jovens e inexistente na velhice e ora como um fator de sentimentos de engrandecimento do espírito, como o amor, a amizade, a paz. Isso pode ser conferido conforme as citações abaixo:

Beleza é a pessoa jovem, bonita e que tem saúde, disposição. Quando se está jovem e bonita é bom, a pele é boa, o cabelo também. Beleza é jovialidade.

Acho que a beleza tem que vir de dentro para fora. Temos que ter amor no coração e ser feliz. Assim ficaremos pessoas bonitas.

Número O que é beleza para você

14Traços fisionômicos harmônicos, aparência saudável com pele, cabelos e dentes de boa aparência e comportamento alegre

01A beleza começa pelo interior da pessoa e é um conjunto de coisas como: paz de espírito, bondade, compreensão, ajuda ao próximo, fé que se transmite, a saúde do corpo e a expressão de felicidade que se torna beleza

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Categoria B: a beleza como busca

Os idosos relataram beleza como uma busca constante e que, em alguns casos, essa busca se torna algo jamais encontrado.

A beleza pode ser um encontro ou mesmo um resultado de busca, será sempre o objetivo perene ao longo da nossa vida e estará, portanto, sempre perseguida por todos. Isso porque uns querem manter a beleza que alcançaram e outros que sentem que podem alcançar mais. Por isso, não vão parar de exercer essa procura insatisfeita. Quando abandonamos essa busca, ficamos aos cuidados, bastante cruel, do tempo.

Com os recursos de hoje, só fica velho e feio quem não tem muito dinheiro, pois existem plásticas e produtos de beleza para ficar mais bonito, mas não pode é ficar parado, tem que se exercitar. Isto tudo para não se acabar e assim ficar mais bonito

mesmo com a idade.

Considerações finais

Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma

experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimas, de modo que realmente sintamos o

enlevo de estar vivos.

(Joseph Campbell)

A análise minuciosa dos dados remete-nos a pensar como a beleza é vista pelos idosos. Quando o assunto é beleza e envelhecimento, os relatos principais, feitos pelo grupos de idosos questionados, indepen-dentemente da região onde moram ou da condição socioeconômica, é que beleza é associada a algo jovial, algo exclusivo aos jovens.

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A vaidade nos idosos não é adquirida repentinamente nesse mo-mento de suas vidas e sim uma característica mantida desde quando se era jovem, ou seja, os idosos que se mostravam muito vaidosos, eram assim desde sua juventude.

Com todos os relatos colhidos, podemos finalizar dizendo que deve haver um compasso entre a idade cronológica e biológica, e o ideal é que se tenha consciência disso para não se deixar corroer por modismos impostos pela mídia e por conceitos como o de que só o que é jovem é belo.

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Um breve ensaio sobre a aceitação da beleza na efemeridade dos corpos 61

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Data de recebimento: 23/3/2007; Data de aceite: 15/4/2007.

Marilda Silveira Lopes – Psicóloga. Especialização em psicossomática e mestran-da em Gerontologia. Professora da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam/ES). E-mail: [email protected].

Rodrigo Caetano Arantes – Fisioterapeuta. Especialização em Fisioterapia Geriátrica e Gerontológica. Mestre em Gerontologia. Docente da Faculdade São Lucas de Porto Velho (RO). E-mail: [email protected].

Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Psicóloga. Doutora em Saúde Pública. Vice-coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP. E-mail: [email protected].

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Verdejar-envelhecer: que combinação é essa?

Adriana Barin de Azevedo Ricardo Niquetti

RESUMO: o modo como o campo problemático da velhice vem sendo discutido convoca um questionamento quanto às linhas de pensamento que vêm balizando tais discursos. O presente artigo discorre sobre o envelhecimento, a partir de seu plano próprio, ou seja, afasta-se da lógica de oposição de predicados (velho/jovem) para pensar o envelhecer como acontecimento. Nesse contexto, a velhice vai sendo traçada com base em uma noção de envelhecer associada à de verdejar, a qual propicia meios de criar saúde, na produção de diferentes modos de vida.

Palavras-chave: envelhecer; acontecimento; prudência.

ABSTRACT: The way in which the problematic field of old age has been discussed summons a questioning about the lines of thought that have been delineating such discourses. The present article approaches aging but it starts from its own plane. In other words, it moves away from the logic of predicates opposition (old/young) and thinks of aging as an event. In this context, old age is gradually outlined based on a notion of aging associated with the one of turning green, which enables ways of creating health, in the production of different ways of life.

Keywords: to grow old; event; wisdom.

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O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.

O que ela quer da gente é coragem.

(João Guimarães Rosa, 1965, p. 241)

Quando tomamos como problema a questão do envelhecimento,

somos convidados a adentrar num campo de discussão que se ocupa de

um momento da vida de todos. Essa questão torna-se premente quando

o indivíduo se torna velho, pois diz respeito a um estágio em que se

evidenciam relações de fragilidade, incapacidade e doença.

Como o lugar do velho remete a todo esse conjunto de impotên-

cias, buscam-se meios de afastar essa condição limitadora e aterrorizante

que perpassa a velhice. Para isso, as ciências médico/biológicas concen-

tram seus esforços na tentativa de controle das mudanças psicofísicas

ocorridas no processo de vida, buscando reduzir as alterações que um

corpo sofre ao envelhecer, ou seja, conservá-lo o mais sadio possível.

Dentro dessa lógica, vigora uma concepção de saúde diretamente re-

lacionada a uma identidade jovem, sendo o problema posto a partir de

um princípio de oposição, em que a velhice é o pólo negativo.

A maioria das pesquisas realizadas no campo da Gerontologia

pauta-se por essa lógica de pensamento, simplificando assim tal pro-

blemática, numa relação de contraste do velho com o jovem, numa

oposição de predicados e enclausurando, na identidade de um conceito,

a diferença que lhe é própria.

Propomo-nos, neste artigo, fazer um passeio pela questão do

envelhecer a partir do campo problemático que ela engendra ou, melhor

dizendo, a partir das relações, afectos e forças que a velhice estabelece

consigo mesma. Nossa discussão afasta-se de uma leitura por represen-

tação, fazendo-se no próprio plano de pensamento dessa questão.

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Verdejar-envelhecer

Como primeira abordagem, vamos discutir por onde passa o envelhecer humano, no que diz respeito ao seu organismo. Ensaiaremos algumas idéias partindo de uma perspectiva da filosofia da diferença,1 a qual discute o campo problemático de produção de sujeitos.

O modo corriqueiro de pensar um organismo é a partir de seus atributos: por exemplo, posso dizer que a árvore é verde; assim, o atri-buto verde é que define o sujeito árvore. Essa relação de um predicado dizer algo de um sujeito é uma das maneiras de tomar a questão da velhice. Posso dizer que tal pessoa é velha, o que significa que velha define uma condição de vida, uma identidade.

No entanto, um sujeito-organismo não se constitui por atributos, mas sim por singularidades pré-individuais que se engendram num campo imanente a cada ser singular. Trata-se de um corpo inorgânico2 envolvendo esse organismo, de uma multiplicidade de singularidades povoando esse campo e se atualizando em diferentes modos de vida, sendo a velhice um desses modos.

Retomando o exemplo da árvore, como sugere Deleuze, em Lógica do sentido,3 dizemos que aquilo que a constitui é um verdejar, não mais um

1 A filosofia da diferença é uma corrente francesa da filosofia, que tem como pensador ícone Gilles Deleuze. Esse filósofo, junto a outros pensadores dessa corrente, faz uma crítica à teoria da representação, propondo uma nova imagem do pensamento.

2 A concepção de corpo orgânico e corpo inorgânico ou corpo sem órgãos aparece, na obra de Deleuze, como dois campos enrolados um ao outro, coexistindo de tal modo que um corpo inorgânico é imanente ao corpo orgânico (ou organismo) garantindo a este último seu processo de diferenciação. As transformações de um organismo, no que diz respeito aos distintos modos em que ele se arranja nas circunstâncias de que participa, acontecem através de corpos sem órgãos produzidos neste plano imanente. Encontramos a discussão do corpo orgânico e do corpo inorgânico em diferentes obras deste autor, com destaque, em especial, a L’Anti-OEdipe (1972), livro escrito em parceria com Félix Guattari.

3 Neste livro, de 1969 (trad. br. Luiz Roberto Salinas Fortes, 1974) , Deleuze discute a noção de sentido, como subsistente a proposição. Trata-se de uma noção de acon-tecimento, que está na transpassagem de todas as relações. No capítulo-série “Das Proposições” e, em outro intitulado “Da Gênese Estática Ontológica”, ele discute a noção de “verbo no infinitivo” como expresso da proposição.

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predicado qualitativo como verde, mas um verbo no infinitivo. Podemos compreender melhor se tomamos o universo da linguagem e entendemos que o sentido subsiste numa proposição. Numa proposição, um predi-cado é que diz algo de um sujeito; no entanto, o sentido da proposição só existe “na fronteira entre as proposições e as coisas” (Deleuze, 2003, p. 23), ele é o acontecimento através do qual a árvore se singulariza, é o que garante a ela individuar-se verde. Esse verbo no infinitivo, que é o sentido que subsiste na proposição, é a variação de intensidades que libera qualquer organismo da condição de estático, o que quer dizer que todas as coisas sofrem variações por estarem vivas.

O verbo no infinitivo exprime o tempo do acontecimento, do devir. É nele que o sujeito varia em velocidades e lentidões sempre distintas, em múltiplos processos de individuação. É esse entretempo, esse sentido que transpassa a proposição, que não está presente na predicação. Envelhecer é o acontecimento que precede a “condição” de velho atribuída a um sujeito.

Desse modo, pensamos o envelhecer como campo de diferenciação que garante ao sujeito individuar-se velho. Trata-se da transpassagem de um plano de singularidades pré-individuais na vizinhança das quais o sujeito se constitui.

Verdejar e envelhecer são os movimentos de variação, da árvore e do sujeito, responsáveis pelo processo de diferenciação pelo qual passa toda a vida, como um devir velho da velhice e um devir verde da árvore, verdadeiros criadores dos modos de ser árvore e de ser velho.

Essa leitura leva-nos a um outro modo de pensamento quanto ao que se apresenta como “velho” no contemporâneo. Implica dizer que o processo de envelhecer como transformação constante é constitutivo de cada pessoa em particular, o que significa que não podemos tomar a qualidade de “velho” como uma identidade, mas sim como processo de criação de si.

Esse aspecto obriga-nos a pensar que as relações envolvendo a velhice como um “lugar” de limitações, que salientam um universo

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de incapacidades e doenças, principalmente quando comparado a um universo jovem, desconsideram a complexidade do plano imanente4 que a constitui.

O processo de envelhecimento precisa recuperar sua veia diferen-ciante, que garante encontrar, no seu campo de afectos5 e de encontros, as linhas de criação de novos modos de vida.

Quando essa condição mostra-se fragilizada, são as ciências que vêm acolhê-la de um ponto de vista externo a esse campo de intensidades. É por esse aspecto que vale tomar como questão um campo intensivo que percorre a velhice, nas suas relações de força e suas produções de existência, e não mais depender de julgamentos externos, que resumem a predicados o envelhecer.

Velhice-doença

Através dessa vertente de pensamento, ilustrada pela idéia de verdejar/envelhecer, podemos investigar um dos mais fortes atributos imputados à velhice, sua relação com a doença, doença essa ampla-mente estudada pelas ciências médico/biológicas. Interessa-nos aqui problematizar se essa associação efetiva-se numa relação de oposição de predicados, como discutimos anteriormente.

4 O conceito de plano de imanência ou plano de consistência é desenvolvido por Deleuze em diversas de suas obras, apresentando uma diferenciação com um plano de transcendência, o qual busca explicações superiores, que estão acima de todas as relações. A imanência, como salienta Deleuze em seu último texto Imanência: uma vida, “não está relacionada a Alguma Coisa como unidade superior a toda coisa, nem a um Sujeito como ato que opera a síntese das coisas: é quando a imanência não é mais imanência para um outro que não seja ela mesma que se pode falar de um plano de imanência. Assim como o campo transcendental não se define pela consciência, o plano de imanência não se define por um Sujeito ou um Objeto capazes de o conter”.

5 A noção de afectos é discutida por Deleuze em seus trabalhos sobre Espinosa; e apresenta essa grafia com “c”, ao invés de ser escrito “afeto”, pois visa marcar uma diferenciação com a noção de afeto vinculada a sentimento. O que Deleuze define por “afectos” são modos de sentir que não pertencem a um sujeito, mas são como blocos imanentes que o atravessam a todo o momento. Encontramos essas referências em Espinosa: filosofia prática e no artigo Espinosa e as três éticas (1997).

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No âmago dessas ciências, percebe-se uma crença de que a doença nada mais é do que alguma forma de distúrbio, transtorno, déficit ou excesso que acontece no nível de funções e órgãos. Isso legitima uma prática que compreende a diferença entre normal e patológico como uma mera diferença quantitativa, como se os fenômenos patológicos fossem, no organismo vivo, apenas variações quantitativas de base fisiológica.

Essa condição legitima ações ilimitadas de medicalização, já que tudo o que se desviar da norma deve ser combatido e tratado. É nesse ponto que a discussão de uma velhice normal torna-se importante, pois essa idéia é imbricada numa concepção de saúde perfeita. Segundo Canguilhem,

A saúde perfeita não passa de um conceito normativo, de um tipo ideal. Raciocinando com todo o rigor, uma norma não existe, apenas desempenha seu papel, que é de desvalorizar a existência para permitir a correção dessa mesma existência. (2000, p. 54)

Para avançarmos mais na discussão, poderíamos sugerir que a elaboração desse ideal de velhice normal é profundamente influenciada por características de um estereótipo jovem, o que se torna claro pelos manuais de envelhecimento, os quais propagam a permanência de características ditas joviais por toda a vida.

Tais afirmações parecem evidenciar que o binômio doença/velhice defendido pelas ciências médico/biológicas é um esforço de dominação e controle da vida, tentando evitar as modificações que são inerentes a ela.

Trata-se, desse modo, de uma negação e desvalorização que provoca algo ainda mais grave, que é o julgamento de toda forma de vida. Essa atitude autoritária provoca a depreciação de todos os modos de vida que escapam do modelo dominante, ignorando as estratégias singulares de invenção de velhices.

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Nesse sentido, torna-se claro que a filosofia dessas ciências continua com uma relação de oposição de atributos (predicados), desconsiderando o campo problemático que o envelhecer engendra a partir de si mesmo.

Afirmação da vida

Na esteira de uma filosofia da diferença, encontramos, num filósofo alemão, toda uma teoria conclamando à afirmação da vida. Nietzsche convida-nos a uma afirmação imbricada em acatar os mo-vimentos e devires que potencializam nossas forças. Uma vida, nessa perspectiva, alarga-se na medida em que os julgamentos, as negações, as justificativas deixam de vigorar e o que permanece é uma vida que luta consigo mesma fazendo seus próprios jogos e avaliações.

Para esse filósofo, a doença está ali onde se buscam remédios prescritos por um julgamento exterior à própria vida.

Foi através dos meios de consolo que a vida recebeu o funda-mental caráter sofredor em que hoje se crê; a maior doença dos homens surgiu do combate a suas doenças, e os aparentes remédios produziram, a longo prazo, algo pior do que aquilo que deveriam eliminar. Por desconhecimento, os recursos mo-mentaneamente eficazes, anestesiantes e inebriantes, chamados de “consolações” foram tidos como os verdadeiros remédios, e nem mesmo se notou que o preço pago por esses alívios imediatos era freqüentemente uma piora geral e profunda do mal-estar, que os doentes iriam sofrer as conseqüências da em-briaguez e, depois, a privação da embriaguez, e, depois ainda, uma oprimente sensação geral de inquietude, agitação nervosa e indisposição. Atingindo um certo grau de doença, não havia mais recuperação – disso cuidavam os médicos da alma, por todos reconhecidos e adorados. (Nietzsche, 2004, p. 45)

Nessa mesma linha, Deleuze alimenta-se da fonte nietzschiana para insistir que o modo pelo qual nos relacionamos com dificuldades, mudanças e sofrimentos indica nossa postura diante da vida, seja ela de superabundância ou empobrecimento.

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“Aqueles que sofrem da superabundância de vida” fazem do sofrimento uma afirmação, como da embriaguez uma activi-dade; na laceração de Dionísio reconhecem a forma extrema da afirmação, sem possibilidade de subtracção, de excepção nem de escolha. “Aqueles que sofrem, pelo contrário de um empo-brecimento de vida” fazem do sofrimento um meio de acusar a vida, de a contradizer, e também um meio de justificar a vida, de resolver a contradição.6 (Deleuze, s.d., pp. 26-27)

Podemos reconhecer todo esse movimento em algumas falas que ouvimos com freqüência em nosso cotidiano. É tão comum alguém dizer: “Tendo uma vida cheia de ocupações, não se envelhece!”ou “Você nem parece tão velho assim!”, ou ainda “É um velho de espírito jovem!.” Num primeiro momento, essas expressões não parecem dizer muito; no entanto, sinalizam um modo de ver a velhice que sustenta toda uma prática com relação ao lugar do velho no contemporâneo.

A crença em “estar ocupado” passa, por exemplo, por uma idéia de que ter compromissos afasta a atenção com relação à velhice. É uma maneira de evitar um momento penoso, criando, para isso, estratégias de esquecê-lo.

Dizer que “alguém não parece velho” explicita que velho não é uma qualidade positiva. Há todo um mito em torno da velhice que insiste em provocar reações negativas com relação a ela.

O que percebemos é que a embriaguez com a vida, na forma como ela vem, é constantemente negada por nós enquanto não aceitamos seus processos. A busca constante pelo saber médico tira da complexidade da existência sua potência própria de criação de saúdes. Ou seja, a vida é passível de um julgamento exterior a si.

O que é tão perigoso em se embriagar nessa multiplicidade viva que nos constitui? Não estaríamos buscando remédios que, ao invés de curar, adoecem, na medida em que nos tornam anestesiados para a vida?

6 A grafia das palavras segue a edição portuguesa do livro citado Nietzsche e a Filosofia (s/d).

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Envelhecer tem suas relações peculiares com o sofrimento. En-tretanto, cabe perguntar o que é grande demais nesse sofrimento: a condição de ser velho e frágil perante a sociedade ou dar-se conta da potência intensiva da própria vida?

Por que ser velho parece ser uma injustiça da vida? Que idéia transcendente é essa que julga ser o imprevisível perigoso demais, a ponto de nos munirmos de remédios a qualquer novo acontecimento que nos convoca?

Esse empobrecimento de vida, de que fala Nietzsche, é a expressão de uma fraqueza, materializada em julgamentos que não abrem espaço ao acaso. No entanto, é em meio ao acaso que acontecem encontros, plenos de intensidade, por onde passa o envelhecer. Esse verbo no infinitivo é um intempestivo, que é a condição vital de nosso processo de diferenciação.

O que seria então afirmar esta vida, senão inventar remédios a partir dela mesma?

O sofrimento e algumas adversidades que transpassam esse envelhecer tornam-se bons encontros, quando se aprende, com certa prudência, a experimentar novos modos de sentir, novos modos de agir e de criar vidas. É assim que se produz saúde.

É bem possível que se defender do imprevisível que nos afeta seja bem mais pesado de suportar do que se entregar a ele.

O que vai aparecendo nessa discussão é uma nítida diferença entre duas maneiras de tomar o problema do envelhecimento; são dois modos de pensamento que fundamentam todo um sentido de ser velho, um deles dentro de uma lógica da representação alicerçada em oposições de predicados, e o outro a partir de uma filosofia da diferença, fomentado por uma relação de força e afirmação da vida.

No fluxo dessa segunda perspectiva, perseguimos um movi-mento de variação, através dos afectos que se cruzam na vizinhança dessa questão.

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Na leitura deleuzeana de Espinosa,7 somos iniciados no plano dos afectos. Ele nos mostra que um corpo é um conjunto de afectos em relação, que se estabelecem nos encontros ao acaso. Muitos en-contros são simplesmente o das paixões tristes, nos quais não com-preendemos a relação entre os afectos que nos atravessam, julgando pelo bem e o mal nossos estados. Mas há também bons encontros, quando compreendemos quais relações nos fortalecem e aumentam nossa potência de existir.

Queremos com isso explicitar que o envelhecer é o movimento por onde se combinam afectos, em que partes extensivas de um corpo se compõem com partes extensivas exteriores a ele, engendrando relações que exprimem os modos pelos quais cada vida se apresenta. Eis aqui um aprendizado: descobrir quais relações aumentam e quais diminuem a própria força, e esse processo em nada depende dos atributos que definem um corpo, um sujeito.

Prudência experimental

Não temos aí uma velhice que represente um fim, uma limitação, mas, ao contrário, um ponto de alargamento, de criação, numa luta consigo mesmo, com a própria força. Força de um andarilho que sobre-viveu a diferentes tempos: que atravessou guerras, que suportou vírus, que aprendeu a cuidar de si. Isso porque colocou à prova os seus limites, na medida em que acolheu a vida na multiplicidade de suas expressões.

Nesse sentido, entendemos que não é possível conservar-se, mas sim acolher o que vem, diferenciando-se a partir de regras facultativas germinadas de si. É isso um envelhecer como potência de vida, a in-venção de uma grande saúde.

Envelhecer, nessa perspectiva, é diferenciar-se de si mesmo, é o aprendizado de uma prudência. Prudência como sabedoria dos bons encontros. Não se trata de abandonar o corpo, ignorar as características que o definem, pois o corpo enquanto organismo é o substrato vital que

7 Discussão presente em Deleuze (2002).

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garante seu próprio processo de diferenciação. É preciso cuidar desse corpo, para que ele esteja aberto ao plano de intensidades que o corpo inorgânico, imanente a ele, atualiza em novos modos de existência.

A prudência é uma arte que se aprende nos encontros da vida, num amplo processo de experimentação. São movimentos fazendo-se ora mais lentos, ora mais rápidos, buscando aproximações em meio aos encontros, sentindo o quão longe se pode ir. Ser prudente é um cuidado de si nas andanças pelos labirintos aos quais a vida nos convida.

A vida é um acontecimento, é esse processo de renovação, esse envelhecer. Lembramos da serpente: “A serpente que não pode trocar de pele perece. O mesmo acontece com os espíritos aos quais se impede de mudar de opinião: deixam de ser espíritos” (Nietzsche, 2001, p. 283).

Envelhecer é também trocar de pele, recriar-se outro singular. É esse afecto que ensaia um movimento de criar saúdes.

Produzir saúdes não depende de circunstâncias ideais para serem engendradas. Entretanto, as ciências médico/biológicas ocupam-se em definir um modelo de saúde que obedece a generalizações quanto aos modos de vida, julgando quais circunstâncias são necessárias para alcançar esse ideal.

Porém, o que chamamos de criar saúdes não passa pelo julga-mento dos bons comportamentos defendidos pela ciência. Para além disso, essa criação acontece quando se pergunta pela potência presente em cada sensação que se vive; pela potência presente numa doença que afeta e que parece ser grande demais.

A vida segue esse ritmo de movimentos e afectos, de encontros que se engendram ao acaso e que são mais ou menos potentes, depen-dendo da prudência com que cada um constrói seus passos.

Por isso, envelhecer é um devir, devir sempre outra coisa dife-rente de si mesmo. Devir-velho é devir um acontecimento, uma brisa, é compor-se com o passo lento, é misturar-se com a abelha que pousa em sua mão. Extrair partículas de si para tornar-se um amanhecer outonal. É a composição de uma grande saúde.

Trata-se de aprender a verdejar, de aprender a envelhecer, de aprender a criar saúdes.

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Se pudéssemos medir o tempo necessário a uma vida, diríamos que é o tempo de um aprendizado, de uma prudência, de uma afirma-ção, num modo de envelhecer alegre.

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Data de recebimento: 15/8/2007; Data de aceite: 3/9/2007.

Adriana Barin de Azevedo – Psicóloga formada pela Universidade Federal de

Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]

Ricardo Niquetti – Professor de Educação Física, formado pela Universidade de

Passo Fundo (UPF). E-mail: [email protected]

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revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 75-90

Imagens cinematográficas da velhice: um enfoque gerontológico

Denise Mendonça de Melo Fabiana Regina Chinaglia de Freitas Di Nucci

Paula Casalini Domingues

RESUMO: este artigo objetiva conjugar o conhecimento gerontológico com as influências culturais da produção cinematográfica, articulando as diversas facetas do envelhecimento humano na complexidade de seus aspectos biológi-cos, psicológicos e sociais, tendo como referencial as teorias life-span e life-course, com a exposição imagética da velhice, no início do século XXI, através do filme Secondhand Lions, traduzido para o português como Lições para toda vida, de Tim McCanlies (2003).Palavras-chave: envelhecimento; cinema; gerontologia.

ABSTRACT: The goal of this paper is to join the gerontological knowledge with the cultural influences from the movie industry, connecting the many faces of human development in the complexity of its biological, psychological and social aspects. The paper was based on the life span and life-course theories and on the image of old age that was exposed, in the beginning of the 21st century, by Tim McCanlies’ (2003) movie Secondhand Lions.Keywords: Aging; Movies; Gerontology.

Introdução

O envelhecimento populacional, percebido como fenômeno demográfico ocorrido no mundo inteiro, tem respaldado a elaboração de um número considerável de trabalhos científicos sobre o tema. As

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preocupações com o fenômeno do envelhecimento compõem a pauta diária de profissionais de especialidades biológicas, psicológicas e so-ciológicas.

No que tange a biologia, diversas microteorias têm dispensado esforços para explicar por que as pessoas envelhecem sob uma pers-pectiva genética (Jeckel-Neto, 2001) e uma medicina da longevidade. Sobre as implicações psicológicas e sociológicas no envelhecimento, as perspectivas life-span e life-course, respectivamente, além de outras teorias, têm rendido discussões produtivas acerca da heterogeneidade e multidimensionalidade do fenômeno, bem como outras proposições não menos importantes (Siqueira, 2001; Neri, 2002; Sathler, 2005).

Toda essa produção de conhecimento tenta explorar os limites e a extensão de uma etapa do desenvolvimento humano que se apresenta multifacetada, multidimensional, multidirecional, multicausal, enfim, heterogênea em toda a sua amplitude. Dessa maneira, há que se lançar olhares sobre o fenômeno do envelhecimento através de várias lentes concomitantes, tendo em vista suas múltiplas faces, como apontam Von Simson, Neri e Cachioni (2003).

Algumas das lentes que retratam a complexidade do envelhe-cimento são as cinematográficas. O cinema é uma forma de expressão cultural de determinada época que, articulado a teorias e pressuposi-ções específicas, pode render um rico material de compreensão de um acontecimento ou mesmo de um fenômeno, sendo utilizado de forma diversa pelas ciências do homem (France, 1998). Especificamente sobre o envelhecimento, Dias (2005) argumenta que, apesar de a velhice não ocupar um espaço central na temática cinematográfica, inúmeros filmes geram, em luz e sombra, múltiplas imagens sobre o envelhecimento humano.

O cinema, segundo produto cultural mais consumido pelas pessoas de qualquer faixa etária, apenas precedido pela televisão (Ara-nha e Martins, 2005), mostra imagens em movimento da velhice que perpetuam e fazem pensar, construindo significados para o processo de envelhecimento. As produções cinematográficas sobre a velhice burlam

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a conspiração do silêncio que ainda possa existir envolvendo o tema, como propôs Simone de Beauvoir (1970), promovendo mudanças de atitude e perpetuando lições de sabedoria.

A Gerontologia, campo do conhecimento científico multiprofis-sional e multidisciplinar, visa a descrição e a explicação das mudanças típicas do processo de envelhecimento e seus determinantes multidimen-sionais. Considera os níveis atuais e o potencial para o desenvolvimento (Settersten, 2006; Neri, 2005; Staudinger, Marsiske e Baltes, 1995). Analisa as diversas facetas do envelhecimento humano e suas imagens sociais representadas, objetivando a saúde global do idoso.

A leitura gerontológica das imagens da velhice no cinema acres-centa caráter científico às percepções gerais e indica reflexões aprofun-dadas sobre atitudes, valores e práticas sociais com os quais os filmes dialogam (Debert, 2005).

Este artigo pretende conjugar o conhecimento gerontológico com as influências culturais da produção cinematográfica. Articulando as diversas facetas do envelhecimento humano na complexidade de seus aspectos biológicos, psicológicos e sociais, tendo como referencial as teorias life-span e life-course, com a exposição imagética da velhice, no início do século XXI, através do filme norte-americano Secondhand Lions, traduzido para o português como Lições para toda vida, de Tim McCanlies (2003).

Lições para toda vida: o filme

Lições para toda vida, uma mistura de comédia e aventura, combina a história de um tímido garoto urbano com as histórias fantasiosas da juventude de seus tios idosos e solteiros com os quais passa o verão em uma fazenda no interior do Texas, EUA, marcando um rico encontro intergeracional.

No início dos anos 60, Walter (Haley Joel Osment), um garoto de 14 anos, com aparência triste e preocupada, é deixado por sua mãe, a personagem Mae, uma jovem negligente e ambiciosa, para passar férias com seus excêntricos tios Hub (Robert Duvall) e Garth (Michael Caine), com os quais ele nunca havia tido contato.

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As histórias sobre o sumiço dos dois irmãos, durante 40 anos, além de uma fortuna escondida, são conhecidas de todos. Boatos insi-nuam que Garth e Hub teriam milhões de dólares escondidos. Como não têm filhos, a fortuna é cobiçada por seus parentes mais próximos e também desperta interesse de muitos comerciantes que desejam vender seus produtos aos dois velhos ricos.

Percebendo o interesse de todos, eles vivem isolados e não per-mitem a aproximação dos parentes e vendedores: o caminho para a velha casa está repleto de placas pintadas à mão proibindo a entrada de estranhos e pedindo que mantenham distância. Aqueles que ousam se aproximar são recebidos a tiros de espingardas.

Dentre os visitantes indesejados surge um outro sobrinho de Hub e Garth, com sua esposa detestável e seus três filhos, interessados apenas na herança que imaginam poder receber.

Mae (Kyra Sedgwick) deixa o garoto aos cuidados dos tios durante o verão com o pretexto de fazer um curso de escrivã judicial. Na realidade, pretende somente que o filho encontre o tesouro dos tios, recebendo orientação de um companheiro amoroso bastante desonesto.

Em princípio, ocorre certo estranhamento entre o garoto, des-preparado para a vida no meio rural, isenta dos recursos tecnológicos urbanos, e seus tios, que argumentavam não saber lidar com uma criança. Mas em pouco tempo a relação torna-se amistosa e agradável, e a chegada de Walter faz com que a vida dos dois mude. A convivência com o garoto traz ternura e um pouco mais de disciplina ao cotidiano dos velhos, que vêem despertar a própria vontade de viver. A primeira grande mudança acontece quando Walter os convence a comprar alguns dos produtos oferecidos pelos comerciantes viajantes e eles se tornam grandes consumidores interessados em novidades.

Garth, já adaptado à vida de aposentado, inicia um projeto de jardinagem. Porém, Hub, cheio de energia e garra, rejeita totalmente a idéia de envelhecer e permanece ranzinza e indisciplinado. Continua a comportar-se de forma inconseqüente, tal como montar e pilotar um avião sem habilidade suficiente, brigar com rapazes num bar e fazer

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muito esforço físico, culminando em uma breve hospitalização. Seu irmão diz que um dia ele terá que começar a agir de acordo com sua idade, mas ele se recusa.

A relação entre eles começa a estreitar-se quando Walter pergunta algo a Garth sobre uma foto antiga e começam a surgir histórias sobre as aventuras que eles viveram na juventude, o que acaba por despertar o espírito aventureiro do garoto. Ele se encanta com as histórias sobre a guerra na Europa, o seqüestro na África, a Legião Estrangeira, o grande amor pela princesa Jasmine, as perseguições de um sheik africano, a grande recompensa em ouro.

Percebe-se a mudança do tímido garoto para alguém mais con-fiante a partir da compra do leão “de segunda mão” – do título original do filme, Secondhand Lions – que foi abandonado por um zoológico. Na verdade, trata-se de uma velha leoa, que se torna animal de estimação de Walter e acaba salvando sua vida, atacando o ganancioso namorado de sua mãe em uma visita bastante agressiva.

Nesse momento, a mãe leva o garoto da casa dos tios. Mas, ao perceber que se tratava de um golpe, Walter foge e decide morar definitivamente com eles, que fazem um acordo de “ficarem vivos” e não persistirem com as atividades perigosas até que Walter se forme na universidade.

Após alguns anos, quando Walter já é um homem feito e recebe a notícia do falecimento dos tios, não se surpreende com a maneira como isso acontece: dois velhos de noventa anos fazendo acrobacias em um avião antigo. O importante é que eles morrem unidos, fazendo o que gostavam. Walter fica com a herança, fruto daquelas estranhas histórias, que são comprovadas no final.

Terminada a história contada no filme, entende-se que, com o agradável encontro entre as gerações, o garoto, Walter, cria uma relação profunda com os tios, modificando o processo de envelhecimento desses idosos de forma saudável e tendo modificado também o seu processo de desenvolvimento. Lições para toda vida é um belo filme sobre amor, amadurecimento e desenvolvimento na velhice.

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Gerontologia e cinema: “lições para toda vida”

O filme Lições para toda vida trata do encontro entre a velhice e a juventude, regado por amplo desenvolvimento e aprendizado. Essa inter-relação mostra a transformação do garoto Walter, um menino tolo, medroso, franzino e inseguro em um adolescente com elevada auto-estima. Por sua vez, ocorre também a mudança de estilo de vida dos tios, no envelhecimento e diante da vida. Idosos ranzinzas, os tios não gostavam de conversar, não aceitavam aproximação das pessoas, impediam a construção de uma rede de suporte social, vivendo de forma monótona e associando a velhice somente a perdas e declínios físicos, psicológicos e sociais. Após a chegada do garoto, aos poucos, eles co-meçam a aproximar-se das pessoas através da compra de produtos de vendedores ambulantes que os visitavam e a apreciar a velhice de um modo diferente e saudável, como mostram as cenas do filme.

A transformação observada pode ser resultado da relação entre essas duas gerações. Relação livre de interesses, repleta de afetos que são construídos na convivência e prazerosa para todos os envolvidos. No decorrer do filme, o garoto passa a admirar os tios e fica interessado em aprender com eles e absorver o conhecimento que transmitem de maneira informal, contando histórias antigas sobre suas vidas. O sobrinho quer entender a história dos tios, mostra-se curioso, faz perguntas, interessa-se pelos registros de uma foto antiga e assim estabelece comunicação e troca, resgatando a auto-estima dos tios, que se sentem valorizados por serem ouvidos. Essa passagem do filme faz lembrar um importante método de pesquisa das ciências sociais, utilizado também na pesquisa gerontológica, chamado história oral.

A história oral, como método, compreende uma técnica de pes-quisa qualitativa que se utiliza do relato oral de depoentes dos eventos sócio-históricos buscando a quase totalidade dos ângulos apresentados pelo fato social antes que o conteúdo seja perdido por não ter sido com-partilhado com outras pessoas, impossibilitando a oportunidade de ser registrado e documentado. O relato oral pode ser entendido como uma grande fonte humana de conservação e difusão do saber no decorrer

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dos séculos. Nesse contexto, os idosos são depositários privilegiados de memória adquirida, cabendo a eles a função social de lembrar e trans-mitir seus conhecimentos (Queiroz, 1988; Park, 2005). Isso pode ser observado na relação do menino Walter com os tios, na importância do rememorar, lembrar e transmitir através das histórias que contam fatos significativos e acontecimentos históricos.

O referido método objetiva capturar e compreender visões do mundo e desejos de um grupo social. Os idosos beneficiam-se, no âm-bito psicológico e social, ao desempenharem o papel de informantes. O acúmulo de experiências permite que alguns idosos alcancem do-mínios em diversos campos de atividade, sendo um deles a capacidade de narração. Tudo isso se faz visível no filme, quando os tios se sentem valorizados pelo desejo de serem ouvidos pelo sobrinho, estimulando a memória para a lembrança detalhada das heróicas histórias vividas e podendo deixar um legado de coragem e determinação ao garoto. Pode-se, portanto, afirmar que os benefícios adquiridos podem se es-tender à estimulação cognitiva, aumento da auto-estima e sentimento de geratividade como função de revisão de vida (Von Simson e Giglio, 2001; Erikson, 1950). Todo esse trabalho é realizado, no filme Lições para toda vida, por um jovem despreparado para tal tarefa, mas que a executa com sucesso e adquire êxito junto aos idosos com quem convive, evidenciando que, na relação intergeracional, a proximidade e o afeto também cumprem um papel significativo na aquisição de dados orais, não restrito a especialistas.

Na relação entre idosos e crianças ocorrem percepções positivas e respostas afetivas importantes no processo de envelhecimento, como bem demonstra o contexto do filme em análise.

No filme Lições para toda vida, o sobrinho, Walter, apesar de, em princípio, estranhar os hábitos bizarros dos tios, não demorou muito para estabelecer boa relação de troca e aprendizado com eles, a partir do momento em que, ambos, os velhos e a criança, passaram a permitir essa interação sem preconceitos. Segundo Santos (2003), velhos e crianças conversam de igual para igual, em um ritmo próprio, sem preocupa-ção com o tempo ou com as desigualdades educacionais e sociais. Esse

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diálogo é embalado pela paciência e pelo afeto, fazendo com que as tro-cas sejam ricas e verdadeiras, não sendo reproduzidas as discriminações presentes no tecido social e que afetam velhos e crianças.

Percebe-se que o filme enfoca um encontro entre a infância e a velhice de forma cômica, agradável e imbuído de valores e possibilida-des de reflexão sobre essas duas etapas do ciclo de vida. Argumenta-se que tanto a infância quanto a velhice, segundo os valores da sociedade ocidental, capitalista, que visa o lucro e o dinheiro, representam as duas extremidades economicamente improdutivas na escala do desenvolvi-mento humano e que, a priori, são dependentes e demandam gastos. Tanto o velho quanto a criança, por vezes, tornam-se objetos de negli-gência social e preconceito, ficando à mercê dos cuidados do Estado e das políticas públicas. Nesse contexto, o velho encontra-se em posição ainda mais desfavorável, pois a criança poderá render à sociedade bons anos de produção no futuro, enquanto o velho não apresenta prognós-tico de produção na visão capitalista. Sob esse enfoque, o idoso passa a ser estigmatizado como incapaz, onerando tanto a família quanto o Estado e passa a conviver com estereótipos e preconceitos que prejudi-cam sua qualidade de vida. Segundo Neri (2006), essas falsas crenças participam de forma importante na constituição de atitudes negativas em relação à velhice e favorecem a formação e o aprofundamento de tensões no relacionamento das pessoas em processo de envelhecimento e da sociedade para com os idosos.

No filme em questão, todavia, os idosos aposentados são possui-dores de grande quantidade de dinheiro, de forma que, no decorrer da trama, começam a movimentar a economia local com suas compras, incentivados pelo garoto Walter, bem como se responsabilizam pela educação do sobrinho e por todas as suas despesas. Esse é um fenô-meno facilmente identificado na atualidade brasileira. Muitos velhos assumem a educação e a responsabilidade financeira sobre netos e bis-netos, tendo por base os ganhos da aposentadoria, como demonstram artigos e pesquisas realizadas com esse segmento. Assim como ocorre na realidade, os tios Garth e Hub, retratados no filme, assumiram toda a responsabilidade pela educação de Walter. Em Lições para toda vida,

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os tios passaram a educar o sobrinho em função da negligência da mãe e pelo desejo expresso do garoto. Na realidade, principalmente no que diz respeito ao Brasil, essa situação repete-se por uma série de motivos, tais como a necessidade de os pais trabalharem fora, a separação do casal acarretando o retorno para a casa dos respectivos pais junto com os filhos, morte dos pais devido à violência, gravidez precoce, desemprego e subemprego, tornando a aposentadoria ou pensão dos avós a única fonte segura de renda familiar (Santos, 2003).

Essa imagem cinematográfica, portanto, remete às ponderações de Debert (2004) também no que tange à velhice como novo mercado de consumo. Os idosos que dispõem de uma aposentadoria satisfatória são apontados como aqueles que incrementam a economia, trocando os uniformes da época do trabalho por roupas da moda, diminuindo os estereótipos ou movimentando a indústria do turismo, por exemplo.

O idoso, ora representando recurso, ora ônus social, denuncia as diversas facetas do processo do envelhecimento que revela a heteroge-neidade do fenômeno e as dificuldades do entorno social com relação à velhice.

Envelhecimento e heterogeneidade: limites e possibilidades

O envelhecimento é um dos assuntos mais complexos para en-frentamento dos seres humanos e para a ciência que pesquisa e analisa seus aspectos, em razão de ser amplamente heterogêneo, múltiplo e diverso. O processo de envelhecimento é o resultado de inter-relações ecológicas, de forma que uma base genética particular é expressa em ambientes sociais e físicos específicos e modificada pelas capacidades estratégicas da probabilidade de viver com qualidade ou não essa etapa do ciclo de vida, mediada, dentre outros aspectos, pela subjetividade (Birren e Schroots, 2001).

A junção dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais constrói o ciclo de vida humano e indica como poderá ser a vivência do processo de envelhecimento mediante diferentes cursos de vida e a experiência particular que deles resulta. Soma-se a isso a vivência dos eventos de vida

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normativos graduados por idade,1 normativos graduados por história2 e não normativos,3 que definem as possibilidades de envelhecimento normal, bem-sucedido, ótimo ou ativo e patológico (Rowe e Kahn, 1998; Neri, 2002; Aldwin, Spiro III e Park, 2006). A delicadeza de um fenômeno bastante heterogêneo fica então evidenciada e segue sendo ilustrada pelo filme Lições para toda vida.

Os dois idosos do filme foram jovens ativos, atuantes e corajosos que, na velhice, decidiram se recolher à vida rural. Entretanto, um desses idosos, o personagem Garth, tornou-se adaptado e satisfeito com sua vida, enquanto o outro, Hub, permanecia sisudo, mal-humorado e insatisfeito com seu envelhecimento.

Em uma das cenas, o sobrinho Walter questiona os tios sobre seu paradeiro nos últimos anos e Hub diz: “Não existe nada mais deplorável do que dois velhos falando sobre o passado; aqueles dias já eram, assim como nós”. Aqui é perceptível que ele demonstra muitos afetos nega-tivos e frustrações com a vida, sendo possível notar que algum evento passado o sensibilizou muito. Posteriormente, o garoto descobre que o tio Hub passou por um evento não esperado: a mulher que ele tanto amou e seu único filho haviam falecido na juventude. Esse evento de vida não normativo ou evento de transição idiossincrático resultou em maior impacto emocional, justamente por ser inesperado e incomum (Neri, 2002). Eventos desse tipo exigem grande esforço psicológico adaptativo para aquele que envelhece.

Na velhice, há que se destacar o assincronismo entre o envelheci-mento biológico, social e psicológico. Esse assincronismo acontece, por exemplo, quando os efeitos deletérios do processo de envelhecimento

1 São as influências biológicas e socioculturais associadas à passagem do tempo no calendário; relacionam-se com a idade cronológica. Exemplo: eventos típicos da vida adulta envolvendo família, educação e trabalho (Neri, 2002).

2 Eventos que são vividos por indivíduos de uma dada unidade cultural; relacionam-se com mudanças biossociais que afetam todo o grupo etário. Exemplo: guerras, crises econômicas (ibid.).

3 Eventos de caráter biológico ou contextual, que não atingem todos os indivíduos de um grupo etário ao mesmo tempo. Exemplo: perda de emprego, ganhar na loteria (ibid.).

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impedem ou dificultam a realização de desejos de cunho psicológico ou social. O mesmo acontece no filme Lições para toda vida quando um dos personagens idosos, o tio Hub, não aceitava o envelhecimento de seu corpo físico, exercendo atividades físicas exageradas que, por vezes, levavam-no à hospitalização e concomitante tristeza e afastamento das pessoas por não ter a mesma força física da juventude. O outro idoso, Garth, entendia que o irmão havia envelhecido, mas que sua mente não e dessa forma ainda demonstrava desejos da juventude, quando “tinha a força de 20 homens”. Ao mesmo tempo em que compreende as frustrações do irmão, vivencia mais adaptativamente seu processo de envelhecimento, selecionando, otimizando e compensando suas ativi-dades (Baltes e Smith, 2003). Assim, Garth não se envolve em brigas ou atividades muito desgastantes como na juventude, mas seleciona suas atividades e sente-se feliz em cuidar de suas plantações e de seu sítio de forma geral, otimizando essa tarefa, comprando equipamentos que o ajudem a trabalhar, compensando eventual perda de força. Gatz (1998) aponta para o fato de que, na velhice, enquanto a vulnerabilidade biológica aumenta, a vulnerabilidade psicológica diminui, possibili-tando a manutenção da qualidade de vida percebida apesar dos efeitos deletérios inerentes ao envelhecimento.

Além disso, a teoria da atividade, uma das microteorias que com-põe o grupo das teorias sociológicas do envelhecimento, fornece mais uma leitura. A teoria da atividade, segundo Siqueira (2001), propõe que, ao envelhecer, o indivíduo se depara com mudanças relacionadas às condições anatômicas, psicológicas e de saúde típicas dessa etapa da vida, mas suas necessidades psicológicas e sociais permanecem as mes-mas de antes. Entretanto, o mundo social contrai-se, tornando difícil para o idoso satisfazer totalmente suas necessidades. Acredita-se que a pessoa que envelhece em boas condições é aquela que permanece ativa e consegue resistir ao desengajamento social. No filme, apesar do desen-gajamento da vida social dos dois idosos ser demonstrado inicialmente, ele se altera na convivência com o garoto, que traz a eles novas possibi-lidades de atividade, proporcionando a vivência de um envelhecimento mais saudável. Apesar disso, nem todos os desejos psicológicos podem

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ser atendidos, em função das perdas biológicas típicas dessa etapa da vida, e, assim, ainda permanecem sem maiores relacionamentos sociais, fato percebido durante todo o ciclo de vida deles e como característica pessoal que, obviamente, não muda de modo absoluto no envelheci-mento. Os traços da personalidade se mantêm na velhice. Dessa forma, os protagonistas do filme, que sempre apreciaram grandes e perigosas aventuras, morrem aos 90 anos enquanto pilotavam um velho avião. Confirmam, assim, o que sempre foram em vida.

Considerações finais

O envelhecimento da população, de modo geral, configura-se como conquista irrefutável da humanidade, mas representa também grandes desafios e problemas a serem resolvidos (Garcez-Leme, Leme e Espino 2005). As conquistas exibem os progressos tecnológicos, científicos e metodológicos das ciências que proporcionam o aumento da longevidade e os desafios implicam reestruturação social e econômica, na busca pela qualidade de vida no envelhecimento, dentre outros fatores.

As imagens da velhice veiculadas pelos meios de comunicação podem favorecer ou prejudicar a superação dos desafios que surgem com a alteração demográfica populacional. Nesse sentido, a Gerontologia tem importante responsabilidade na interpretação coerente de imagens socialmente construídas sobre a velhice e reproduzidas pelo cinema, tanto em seus aspectos positivos quanto nos negativos. A Gerontologia é responsável também pelo atendimento eficaz ao segmento idoso, de modo a possibilitar a mudança das atitudes negativas, compassivas e equivocadas com relação à velhice, como aponta Neri (2006).

O filme Lições para toda vida oferece rico material de análise do envelhecimento humano. Passa noções de que a velhice não é sinônimo exato de perdas, mas configura-se como passível de ganhos, estabilidade e desenvolvimento contínuo. Algumas características do velho, ao con-trário de serem perdidas, acumulam-se, promovem qualidade de vida e crescimento pelas experiências vividas e saberes reunidos ao longo da vida. O debate atual defende que o envelhecimento deve ser um período

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para novas conquistas, em busca de satisfação e prazer. Os personagens idosos da trama em discussão foram identificados como bons exemplos de envelhecimento, não por serem velhos “alegres”, “bonzinhos” e “bem humorados”, mas por demonstrarem que a velhice, como uma outra etapa da vida, pode acrescentar experiências e saberes, e que existem fatores da existência que, ao invés de se perderem, se acumulam, possibilitando novas descobertas nesse momento fundamental da vida.

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Data de recebimento: 5/8/2007; Data de aceite: 24/8/2007.

Denise Mendonça de Melo – Psicóloga, especialista em Desenvolvimento Humano pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; mestranda em Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: [email protected]

Fabiana Regina Chinaglia de Freitas Di Nucci – Psicóloga, mestranda em Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: [email protected]

Paula Casalini Domingues – Fisioterapeuta, mestranda em Gerontologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: [email protected]

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A velhice não contemplada: invisibilidade das demandas sociais da

pessoa idosa em Fernando de Noronha – Nordeste do Brasil

Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva Eduardo Maia Freese de Carvalho

Carlos Feitosa Luna

RESUMO: o objetivo geral deste trabalho é apresentar informações epidemiológi-cas e reflexões sobre os padrões e as desigualdades no processo de envelhecimento. Os resultados da pesquisa sobre o perfil socioeconômico e epidemiológico da população idosa do Distrito Estadual de Fernando de Noronha (DEFN), PE, e uma leitura crítica analisando o IDH, a prevalência de déficit cognitivo, as taxas de envelhecimento e as condições de vida encontradas na ilha reforçam o tom de invisibilidade e negligência das demandas sociais do segmento mais velho da população no conteúdo das políticas públicas do país.Palavras-chave: processo de envelhecimento; desigualdade social; saúde do idoso.

ABASTRACT: The main overall aim of this study is to present epidemiological information and reflections on patterns of aging and inequalities relating to this process. The State of Pernambuco has the tenth best human development index (HDI) in Brazil, according to the ranking of cities in the country. The results of research on the “socioeconomic and epidemiological profile” of the elderly population of the State District of Fernando de Noronha (DEFN) – PE’, together with a critical reading that analyses the HDI, the Prevalence of Cognitive Deficit, the Rates of Aging and the living conditions found on the island, corroborate the invisibility and negligence regarding the social needs of the elderly sector of the population in the public policy of the State of Pernambuco.Keywords: aging process; social inequality; elderly health; invisibility.

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Introdução

Historicamente, ao longo dos seus cinco séculos, desde e após a ocupação portuguesa, o Brasil, além da tão propagada dimensão continental, compreendendo uma extensa área geográfica e territorial com suas imensas riquezas naturais, caracteriza-se também por sua diversidade étnica e cultural, por grandes diferenças inter-regionais e acentuadas desigualdades sociais, determinadas por um processo contínuo de concentração de riqueza e renda. Esse processo histórico, de exclusão social, traz no seu bojo inúmeras contradições políticas e socioeconômicas entre as classes sociais e suas várias frações, impedindo um desenvolvimento equânime da sociedade brasileira. Nessa com-preensão, verifica-se no país, atualmente, um complexo e heterogêneo perfil epidemiológico, historicamente configurado, que espelha o co-tidiano e a qualidade de vida das diferentes comunidades/populações que conformam contemporaneamente a sociedade brasileira (Carvalho, 1991, 2003).

Portanto, conhecer o Brasil significa viajar na história, pisar no chão de cada lugar onde exista uma determinada população, encontrar as pessoas e ouvir o que elas têm para contar, principalmente quando quem fala é alguém que já viveu muitos anos. Nas últimas décadas, a partir da ampliação considerável da proporção de pessoas idosas entre a população geral, embora estas venham sendo gradativamente incluí-das na pauta da agenda acadêmica e das políticas públicas, ainda são escassos os estudos sobre as condições de vida e de saúde das populações minoritárias, vivendo em situação especial. Esse é o caso dos ilhéus ido-sos de Fernando de Noronha, indígenas e quilombolas, por exemplo, no estado de Pernambuco. Sem levar em consideração as demandas sociais específicas de uma determinada população, o conteúdo dessas políticas públicas carece de legitimidade, não servindo à proposta de enfrentamento das desigualdades existentes nem causando impactos verdadeiramente positivos na realidade em que se pretende intervir.

Analisando as características dos processos de envelhecimento ocorridos em países desenvolvidos e em desenvolvimento, tendo como

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referência o Brasil, observa-se que os processos de transição demográfica e epidemiológica em nada se assemelham, por exemplo, aos ocorridos nos países capitalistas europeus. Estes implementaram políticas de industrialização conjuntamente com políticas de Welfare State, e ali as mudanças ocorreram ao longo dos anos, principalmente do século passado. Esse chamado Estado de “bem-estar social” decorreu das po-líticas públicas implantadas, principalmente, nas áreas de educação, saúde e seguridade social, associadas a políticas de expansão econômica, assegurando trabalho e renda (Carvalho et alii, 1998; Gordilho et alii, 2001).

Em países como o Brasil, a expectativa de vida começou a au-mentar a partir de meados do século XX, de forma acelerada, em de-corrência do emprego de tecnologias como imunização e ampliação da cobertura assistencial pelos serviços de saúde, reduzindo drasticamente a mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias (DIPs). Vale ressaltar que não necessariamente tenha ocorrido uma acentuada melhoria na qualidade de vida do conjunto da população brasileira.

O Brasil registra um dos maiores índices de desigualdades do mundo. Em 2002, os 50% mais pobres detinham 14,4% da renda na-cional e o 1% mais rico concentrou 13,5% (Brasil, 2004). Tal realidade irá marcar também as diferenças no envelhecimento das populações nas diversas regiões do país. No Sul e Sudeste, verificam-se padrões diferenciados, sendo a expectativa de vida mais elevada que a das re-giões Norte e Nordeste. Entretanto, esses padrões ainda estão cerca de 8 a 12 anos abaixo, quando consideramos a expectativa de vida dos países desenvolvidos.

Atualmente, a população brasileira com idade a partir dos 60 anos é estimada em torno de 16 milhões de pessoas, representando taxa de envelhecimento (TE) igual a 9,3% (ibid.). A expectativa de vida estimada para a população brasileira é de 71,3 anos (IBGE, 2004), sendo desigual entre os de raça asiática – que têm a maior esperança de vida, 75,75 anos –, os de raça caucasiana (européia) – 73,99 anos – e os descendentes afro-brasileiros (pretos e pardos) – com expectativa de viver em média 67,87 anos (Pardini, 2004).

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Envelhecer é inerente ao próprio ser humano, porém, o contex-to em que ocorre é ponto fundamental de diferenciação na vida das pessoas que atingem a sexagésima idade. Embora a discussão sobre o tempo de ser idoso seja ampla e polêmica, atravessando historicamente os campos da filosofia e da ciência, não se deve conceber o processo de envelhecimento associado unicamente à dimensão tempo.

Entretanto, a idade cronológica é uma referência quantitativa dos anos vividos por um indivíduo e o envelhecimento é um processo determinado por fatores biopsicossociais e culturais, iniciado antes da velhice, que é uma fase da vida humana, assim como infância, adoles-cência e fase adulta.

Apesar de, nas últimas décadas, a discussão científica sobre o envelhecimento populacional ter sido ampliada, percebe-se nitidamente que o aparato jurídico e as políticas sociais destinadas ao segmento idoso da população adotam a idade cronológica como critério absoluto e inviolável, negligenciando os determinantes e as desigualdades no processo de envelhecimento.

Para efeito de contextualização, vale salientar que, em Pernam-buco, existem 704.886 idosos, numa população geral de 7.918.344 habitantes, representando uma taxa de envelhecimento (TE) igual a 8,9% e IDH de 0,705 ocupando o décimo oitavo lugar no ranking nacional. Recife é a terceira capital do país em números relativos de população idosa, com uma TE de 9,4% (IBGE, 2000, 2004).

Pernambuco abrange no seu território, ao mesmo tempo, Mana-ri, município de menor IDH do estado e o décimo melhor no ranking nacional, encontrado na ilha de Fernando de Noronha. O IDH, entre-tanto, por não ser um indicador específico para idosos, não permite dar visibilidade à situação vivida pelo segmento mais velho da população. Além disso, são escassas as políticas destinadas à melhoria na qualidade de vida do segmento mais velho das populações, principalmente nas áreas de saúde, educação, segurança e lazer.

Com base nos resultados da pesquisa sobre o perfil socioeconômico e epidemiológico da população idosa do DEFN, serão destacados alguns

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aspectos negligenciados do processo de envelhecimento ao se adotar o IDH como referência para o planejamento das políticas direcionadas ao referido segmento.

Material e método

O DEFN foi instituído pela Lei nº 11.304, de 28 de dezembro de 1995, que também aprovou a sua Lei Orgânica. Fernando de Noronha também é o nome da ilha principal do arquipélago, onde a pesquisa foi realizada, tendo sido presídio comum (1737/1938); presídio político da União (1938/1942); destacamento misto durante a Segunda Guerra Mundial (1942/1945); Território Federal (1942/1988); e reintegrado ao estado de Pernambuco (1988). É a única ilha habitada, dista 545 km da cidade do Recife e possui uma área de 17 km2. No momento da pesquisa em Fernando de Noronha, existia uma população fixa estimada em 2.051 habitantes, entre os quais 88 idosos (IBGE, 2000).

O estudo sobre o perfil da população idosa insular foi realizado entre os anos 2003 e 2004, caracterizando-se pelo desenho epidemioló-gico, de corte transversal, descritivo, em população especial. Censitário, incluiu todas as pessoas idosas residentes no DEFN, com idade a partir dos 60 anos. Do universo de 88 ilhéus idosos, foram entrevistados 80. O instrumento utilizado durante as entrevistas foi o Brazil Old Age Schedule (BOAS), questionário multidimensional para estudos comu-nitários na população idosa.

Foi realizada uma análise descritiva, para mensurar a associação entre as variáveis, sendo utilizados Odds Ratio e o teste qui-quadrado de independência, sendo o nível de significância de 5%.

Neste artigo, foram selecionados: TE (taxa de envelhecimento), IDH, os indicadores de alfabetização, escolaridade, renda nominal mensal, média de idade e prevalências de déficit cognitivo, hipertensão arterial (diagnóstico auto-referido) e diabetes mellitus (diagnóstico auto-referido) da população idosa insular.

Para identificação de suspeição de casos de síndrome cerebral orgânica (SCO), cujo rastreamento comunitário fornece os sintomas

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fundamentais da demência, tais como a desorientação e a deficiência de memória recente, foi considerada a escala de SCO, contendo uma série de testes que fornecem uma prevalência pontual da deficiência cognitiva. O ponto de corte utilizado na escala do BOAS foi 3 e acima.

Resultados

Quadro 1 – Perfil da população idosa do Distrito Estadual de Fernando de Noronha

Fonte: Perfil socioeconômico e epidemiológico da população idosa do Distrito Estadual de Fernan-do de Noronha – PE/NESC-CPqAM-Fiocruz, 2004.

Constata-se, no Quadro 1, alto IDH e inexistência de população envelhecida; a média de idade dos ilhéus idosos fica em torno dos 69 anos; 36,2% são analfabetos; a maioria, ou seja, 51,3%, possui renda de até 5 S.M.; 66,3% desenvolve atividade remunerada; e 70% presta ajuda financeira à família.

Destaca-se, do total de respostas, que 39,7% desenvolve ativi-dade produtiva remunerada; 35,1% tira o sustento da aposentadoria e 17,6% da pensão ou ajuda do cônjuge (Tabela 1).

Indicadores ValoresIDH 0,862 TE 4,3%Média de idade (anos) 69 Esperança de vida ao nascer 70,5Longevidade 0,761 Não sabe ler nem escrever 36,2%Renda nominal mensal de até 05 S.M. 51,3% Desenvolve atividade remunerada 66,3%

Presta ajuda financeira à família 70%

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Tabela 1 – Distribuição da freqüência dos idosos do DEFN em relação à fonte de onde tira o sustento para sobrevivência.

Fernando de Noronha, 2003

SCOSuspeição de casos Negativo Informações gerais

N % N %

OR IC 95% p-valor

Sexo Feminino 9 56,3 30 46,9 1,00 - - Masculino 7 43,8 34 53,1 0,69 0,20 – 2,34 0,5022 Faixa etária 60 |-- 69 10 62,5 37 57,8 1,00 - - 70 |-- 79 5 31,3 24 37,5 0,77 0,20 – 2,88 0,6676 80 e + 1 6,3 3 4,7 1.23 0,00 – 16,31 0,6343 Sabe ler e escrever Sim 4 25,0 47 73,4 1,00 - - Não 12 75,0 17 26,6 8,29 2,07 – 35,88 0,0003 Escolaridade Nenhuma 3 75,0 12 25,5 - - - Primário 1 25,0 25 53,2 - - - Ginásio ou 1º grau 0 - 3 6,4 - - - 2º grau completo 0 - 2 4,3 - - - Superior 0 - 5 10,6 - - -

- - - Estado civil Viúvo/ Sozinho 5 31,3 22 34,4 1,00 - - Casado 11 68,7 42 65,6 0,87 0,23 – 3,19 0,8139 Número de filhos Ate 7 10 62,5 46 71,9 1,00 - - Mais de 7 6 37,5 18 28,1 1,53 0,42 – 5,53 0,3278 Trabalho Sim 7 46,7 44 69,8 1,00 - - Não 8 53,3 19 30,2 2,65 0,73 – 9,69 0,0899 Renda Ate 2 6 42,9 17 28,3 2,47 0,51 – 12,51 0,1749 Mais de 2 a 4 4 28,6 15 25,0 1,87 0,33 – 10,7 0,3332 Mais de 4 4 28,6 28 46,7 1,00 - -

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SCOSuspeição de casos Negativo Informações gerais

N % N %

OR IC 95% p-valor

Sexo Feminino 9 56,3 30 46,9 1,00 - - Masculino 7 43,8 34 53,1 0,69 0,20 – 2,34 0,5022 Faixa etária 60 |-- 69 10 62,5 37 57,8 1,00 - - 70 |-- 79 5 31,3 24 37,5 0,77 0,20 – 2,88 0,6676 80 e + 1 6,3 3 4,7 1.23 0,00 – 16,31 0,6343 Sabe ler e escrever Sim 4 25,0 47 73,4 1,00 - - Não 12 75,0 17 26,6 8,29 2,07 – 35,88 0,0003 Escolaridade Nenhuma 3 75,0 12 25,5 - - - Primário 1 25,0 25 53,2 - - - Ginásio ou 1º grau 0 - 3 6,4 - - - 2º grau completo 0 - 2 4,3 - - - Superior 0 - 5 10,6 - - -

- - - Estado civil Viúvo/ Sozinho 5 31,3 22 34,4 1,00 - - Casado 11 68,7 42 65,6 0,87 0,23 – 3,19 0,8139 Número de filhos Ate 7 10 62,5 46 71,9 1,00 - - Mais de 7 6 37,5 18 28,1 1,53 0,42 – 5,53 0,3278 Trabalho Sim 7 46,7 44 69,8 1,00 - - Não 8 53,3 19 30,2 2,65 0,73 – 9,69 0,0899 Renda Ate 2 6 42,9 17 28,3 2,47 0,51 – 12,51 0,1749 Mais de 2 a 4 4 28,6 15 25,0 1,87 0,33 – 10,7 0,3332 Mais de 4 4 28,6 28 46,7 1,00 - -

Tabela 2 – Distribuição da população idosa do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, por suspeição de caso

de síndrome cerebral orgânica (déficit cognitivo) e associação entre sexo, faixa etária, alfabetização,

escolaridade, estado civil, número de filhos, trabalho e renda. Fernando de Noronha, 2003

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A Tabela 2 apresenta a análise de associação entre a síndrome cerebral orgânica (déficit cognitivo) e sexo, faixa etária, capacidade de leitura (alfabetização), escolaridade, estado civil, número de filhos, tra-balho e renda. Os dados revelam que apenas a leitura (analfabetismo) está estatisticamente associada com a síndrome cerebral orgânica, sendo assim, o risco de ter a referida síndrome é cerca de oito vezes maior para as pessoas que não sabem ler e escrever (p-valor=0,0003).

Tabela 3 – Distribuição da população idosa do DEFN, por suspeição de caso de síndrome cerebral orgânica

(déficit cognitivo) e associação entre hipertensão arterial e diabetes mellitus. Fernando de Noronha, 2003

SCOSuspeição de casos Negativo Doenças crônicas

N % N %

OR IC 95% p-valor

HAS Sim 5 31,3 24 37,5 0,76 0,20 – 2,77 0,6418 Não 11 68,8 40 62,5 1,00 - - Diabetes mellitus Sim 3 18,8 11 17,2 1,11 0,21 – 5,28 1,000 Não 13 81,3 53 82,8 1,00 - -

Na Tabela 3, de modo geral, verifica-se que tanto a hipertensão arterial quanto a diabetes mellitus não estão associadas com a SCO (p-valores>0,05), ou seja, os percentuais de pessoas com HAS e DM não diferem entre os dois grupos avaliados. Vale ressaltar, embora não seja significativo, que ter HAS pode ser visto como um fator de proteção no desenvolvimento de SCO.

Discussão

Considerada a melhor área do Nordeste, com base no cálculo do IDH, Fernando de Noronha ocupa positivamente o décimo lugar no ranking das cidades brasileiras, acompanhando os níveis das regiões

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Sul e Sudeste do país, superando cidades como Caxias do Sul (RS) e Curitiba (PR), conforme registrado no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil (IPEA, 2004).

A ilha apresenta diversas peculiaridades, comparadas ao que foi estabelecido como realidade geral do perfil da população idosa do país. No DEFN, a taxa de 4,3% indica não ocorrer o processo de envelhecimento populacional verificado no Brasil (8,6%), em Pernam-buco (8,9%) e no Recife (9,4%) (IBGE, 2000). A população idosa do DEFN, com maior concentração no intervalo dos 60 aos 69 anos de idade (58,8%), pode ser considerada, segundo os critérios de Hazzard (1990), como constituída majoritariamente por idosos ainda jovens, possuindo a maior esperança de vida ao nascer, ou seja, 70,65 anos, e a maior longevidade (0,761) em Pernambuco, superando inclusive a média estadual (IPEA, 2004).

Apesar desses aspectos positivos, quando analisados alguns in-dicadores utilizados no cálculo do IDH, dando visibilidade ao perfil do ilhéu idoso, segmento minoritário numa comunidade onde prevalece o peso da população jovem, algumas observações devem ser feitas. Em primeiro lugar, considerando a renda nominal mensal do ilhéu idoso, a exemplo do que ocorre no continente brasileiro, as principais fontes de sustento são: o trabalho, a aposentadoria e a pensão e/ou ajuda do(a) esposo(a)/companheiro(a). A maioria dos idosos (51,3%) possui renda própria, no valor de até cinco salários mínimos, superior aos encontrados entre a população idosa brasileira geral, cuja renda dos 20,2 milhões de aposentados não chega a dois salários mínimos, com base nos dados da Previdência Social (Berzins, 2003).

Além disso, é importante considerar o alto custo de vida em Fernando de Noronha, inclusive para os ilhéus, que são obrigados a pagar preços elevados, em relação à média do continente, por produ-tos essenciais à sobrevivência, tais como água potável, gás de cozinha, alimentos, combustível, entre outros, cujos preços são, no mínimo, o dobro dos verificados em Recife, capital do estado. Existe, curiosamente, alusão a uma moeda fictícia, de domínio popular na ilha, ilustrando bem a situação, ou seja, “um noronha (N$ 1,00) equivale a dois reais

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(R$ 2,00)”. Sendo assim, a exemplo de outras sociedades, para so-breviver na ilha, a maioria da população idosa (66,3%) desenvolve atividade produtiva remunerada e 70% dos idosos prestam ajuda de ordem financeira à família.

Outro indicador das desigualdades no processo de envelheci-mento diz respeito à situação educacional: a média de anos de estudo dos “Idosos Responsáveis pelos Domicílios” é bastante diferenciada entre as unidades da Federação, variando de 6,0 no Distrito Federal a 2,5 anos de estudo no estado de Pernambuco. No Norte e Nordeste, onde a população rural tem maior expressão, a média de estudo nas capitais é bastante superior. No conjunto do estado de Pernambuco, a escolaridade média dos idosos é bem inferior à média encontrada para a capital, Recife: 2,5 contra 5,6 (IBGE, 2000).

Relacionada à escolaridade, no Brasil, onde, mesmo havendo um aumento significativo no indicador de alfabetização na última década, quando a proporção de idosos alfabetizados passou de 55,8% (1991) para 64,8% (2000), o contingente de idosos analfabetos é expressivo, representando cerca de 5,1 milhões de pessoas (ibid.). No DEFN, apesar do alto IDH, a taxa de analfabetismo, de 36,2%, acompanha a média nacional, de 35,2%. Entre os ilhéus idosos, alguns aprenderam a ler e escrever sem freqüentar escola, poucos concluíram os ensinos médio e fundamental, sendo bastante reduzido o número de pessoas com nível superior. Vale salientar que os baixos níveis de educação e alfabetização associam-se ao maior risco de perda de capacidade funcional e morte entre as pessoas, à medida que envelhecem, bem como aos maiores índices de desemprego. A educação, nos primeiros anos de vida, junto com oportunidades de aprendizagem durante toda vida podem ajudar as pessoas a desenvolverem as aptidões e a confiança que necessitam para se adaptarem e seguirem sendo independentes à medida que envelhecem (OMS, 2002).

A capacidade cognitiva é um indicador da qualidade de vida do segmento idoso. Segundo Veras (1994), nas populações em enve-lhecimento, a cognição deficiente assume importância crescente com o avanço da idade. O impacto da demência sobre a autonomia de um

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indivíduo e a capacidade de cuidar de si mesmo é muito significativo, e é fundamental que os planejadores locais de assistência à saúde e os serviços de assistência social possam tomar decisões racionais sobre a necessidade de serviços.

No DEFN, a prevalência pontual de deficiência cognitiva encon-trada foi de 20%, valor relativamente alto, comparado aos percentuais registrados no estudo de Veras (ibid.) envolvendo populações de idosos dos distritos de Copacabana, Méier e Santa Cruz, no estado do Rio de Janeiro, onde os valores encontrados foram 5,95%, 9,84% e 29,75%, respectivamente. Com base nesses resultados, mais uma vez, é obser-vado que, apesar do alto IDH, o segmento idoso da população insular acompanha os indicadores de municípios com baixo IDH, como é o caso de Santa Cruz no Rio de Janeiro.

Tal realidade, a título de hipótese, deve-se ao fato de os ilhéus idosos possuírem o mesmo nível educacional formal dos idosos de Santa Cruz, ou seja, elevada taxa de analfabetismo, significando risco para de-senvolver déficit cognitivo, como foi indicado nos testes estatísticos.

Considerações finais

Os padrões diferenciados de envelhecimento atingem tanto as dimensões do indivíduo quanto da população, devendo-se levar em conta seus determinantes históricos, biopsicossociais e culturais no momento em que se pretende estudar uma realidade. Em Fernando de Noronha, o processo de envelhecimento não acompanha os padrões observados no estado de Pernambuco, na capital Recife e no contexto nacional.

O perfil socioeconômico revela a existência de uma população privilegiada, quando comparada a outras, do continente, muito embora, em alguns aspectos, como, por exemplo, no nível de alfabetização e no grau de escolaridade, acompanhe os mesmos padrões observados no país. Apesar da boa qualidade de vida e do IDH ser um dos melhores, quando comparado a outros municípios do país, o alto custo de vida na ilha, acima dos padrões observados no continente, é uma realidade

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vivenciada pelo ilhéu idoso. Esse fato o faz manter-se ativamente no mercado de trabalho, como estratégia de sobrevivência para incrementar a renda própria e a familiar.

A prevalência pontual de deficiência cognitiva rastreada na ilha também indica a real necessidade de planejamento e desenvolvimento de ações básicas de saúde, no sentido de preservar, manter e recuperar a capacidade cognitiva, prevenindo, diagnosticando e tratando alguns idosos com quadro de demência, e, dessa forma, evitando impactos negativos sobre a autonomia e capacidade de autocuidado do idoso.

Merecem ser respeitados e conhecidos os espaços onde vivem populações minoritárias e isoladas, seja do ponto de vista geográfico, étnico ou cultural, visando a maior aproximação com o cotidiano de seus hábitos de vida, condições socioeconômicas e situação de saúde. Suas peculiaridades e demandas específicas devem ser contempladas, mediante o estudo de seus indicadores locais, na agenda das políticas públicas, fazendo prevalecer o princípio da eqüidade social.

Independentemente da idade que se utilize nos diferentes con-textos, é importante reconhecer que a idade cronológica não é um indicador exato das mudanças que acompanham o envelhecimento. Existem variações consideráveis no estado de saúde, na participação e nos níveis de independência entre as pessoas idosas da mesma idade. Os responsáveis políticos e técnicos devem ter isso em conta ao traçarem políticas e programas para populações de idosos. Promulgar amplas políticas sociais baseadas unicamente na idade cronológica pode ser discriminatório e contraproducente para o bem-estar das pessoas de idade avançada (OMS, 2002).

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Data de recebimento: 13/8/2007; Data de aceite: 27/8/2007.

Sálvea de Oliveira Campelo e Paiva – Assistente social, mestre em Saúde Pública pelo Departamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz. Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Universidade de Pernambuco. Coordenadora do Núcleo de Articulação e Atenção à Saúde e Cidadania do Idoso (NAISCI). E-mail: [email protected]

Eduardo Maia Freese de Carvalho – Doutor em Ciências Sociosanitárias pela Universidad Complutense de Madrid. Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fun-dação Oswaldo Cruz. Vice-Diretor de Ensino, coordenador da Pós-Graduação. E-mail: [email protected]

Carlos Feitosa Luna – Bacharelado em Estatística e mestre em Estatística pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua como Tecnologista no Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected]

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Conselhos de Representação: espaços para os idosos se organizarem

na defesa de seus direitosMárcia Aparecida Fraga Bernardes

RESUMO: o envelhecimento populacional é um fenômeno mundial, e esse assunto deve ser tratado com prioridade, principalmente no contexto social da realidade brasileira, onde se deve observar que as normas jurídicas no Estado democrático de direito têm, entre outros objetivos, regular o convívio social, estabelecer obrigações e direitos no relacionamento interpessoal e na relação das pessoas com o Estado. Independentemente do seu conteúdo, a aplicação efetiva das normas jurídicas é que vai determinar seu alcance, sua relevância. É essencial, portanto, observar a importância da organização social para o fortalecimento do segmento, destacando o grande valor dos Conselhos de Representação como espaços de participação e mobilização do idoso na defesa de seus direitos.

Palavras-chave: Conselhos de Representação; envelhecimento; participação.

ABSTRACT: Population aging is a worldwide phenomenon. This subject should be considered a priority, mainly in the social context of the Brazilian reality, in which it must be observed that some of the objectives of the rules of law in the Democratic State of Right are: to regulate social conviviality and to establish duties and rights both in interpersonal relationships and in the relationship between people and the State. Regardless of their content, it is the effective application of the rules of law that will determine their reach and relevance. Therefore, it is essential to observe the importance of social organization to strengthen the segment, and the Representation Councils are valuable spaces for the participation and mobilization of the elderly in the defense of their rights.

Keywords: Representation Councils; Aging; Participation.

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Introdução

Os desafios trazidos pelo envelhecimento da população têm diversas dimensões e dificuldades, considerando-se as importantes transformações que estão ocorrendo no mundo. É preciso que essa parcela da população venha a se adaptar tanto às novas tecnologias como aos novos modelos políticos, econômicos e sociais. Esses modelos estão sendo implantados com base em um parâmetro que privilegia a competição e o materialismo histórico em detrimento do respeito à individualidade do ser humano, no contexto de globalização que vem para integrar econômica, política e culturalmente os países. É nesse espaço contraditório e por vezes excludente que se procura encontrar novas alternativas de trabalho junto a essa população envelhecente.

O presente trabalho é desenvolvido diante dessa realidade, res-saltando a importância de o idoso ter conhecimento de seus direitos enquanto cidadão, pois só assim poderá exercer plenamente a sua cidadania.

Paralelamente a essa integração do idoso às constantes mudanças, mostra-se cada vez mais indispensável a realização de uma proposta emancipatória em dois níveis de atuação: a divulgação dos órgãos em defesa do idoso (dada a carência histórico-cultural de não valorizá-lo) e a promoção de campanhas que representam um contraponto a essa questão cultural de indiferença em relação ao idoso e ao que ele repre-senta para a sociedade.

Trabalhar cidadania junto ao idoso passa a ser desafiador, princi-palmente por se tratar de um novo cenário a ser construído. Estatísticos calculam que o Brasil é, no mundo, o país no qual mais cresce o número de idosos. Assim como afirmam Boaretto e Heimann: “entre 1980 e 2000, o número de pessoas acima de 60 anos teve um crescimento de 101%, enquanto a população total cresceu aproximadamente 43%” (2003, p. 105).

Comprova-se, assim, que o aumento do número de idosos é superior ao de outras faixas etárias. Sabe-se que isso decorre de vários fatores, como, por exemplo, o avanço de novas tecnologias na área da

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medicina, a queda da mortalidade infantil e das taxas de fertilidade. A projeção indica que, em 2020, seremos o sexto país no mundo com um enorme número de habitantes idosos.

É necessário estarmos preparados para tratar esse fenômeno social relevante. O idoso, enquanto sujeito protagonista de seu tempo, merece e tem direito a um tratamento diferenciado. E não se pode aceitar que esse tratamento seja dispensado em decorrência de suas necessidades peculiares (porque esse pensamento também denota certo conceito dis-criminatório), mas, principalmente, porque a essa significativa parcela da população devemos o que temos e o que somos. Sendo assim, uma forma de melhor valorizarmos a presença dos idosos é demonstrar que eles são úteis, não apenas no campo sentimental, mas também neste mundo concorrente-desleal no qual sua integração é mais do que um desafio, é quase uma questão de sobrevivência.

Os Conselhos de Representação, que são órgãos formais e legal-mente constituídos, apresentam-se como uma forma de dar visibilidade à parcela idosa da população. Nessas entidades, as políticas públicas e as ações de defesa do direito do idoso estão em pauta, e é por esse caminho que devemos iniciar esse desafio.

Conselhos de Representação

Os Conselhos de Representação são espaços públicos onde ocor-rem as negociações entre as instituições e as demandas coletivas. Isso requer, simultaneamente, mecanismos de representação e participação, pois ambos são necessários para o controle democrático do Estado pela sociedade.

A Constituição Federal trouxe avanços nas históricas injustiças sociais acumuladas por muitos anos. A discussão sobre os direitos ins-critos na Constituição, direitos esses conquistados com grande mobili-zação da sociedade, a qual, de forma muito atuante, se articulou para a garantia dos mesmos, contribui também para um novo pacto federativo. Este consiste na descentralização de responsabilidades federais para os níveis estadual e municipal, ou seja, transfere ao âmbito local as novas

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competências e os recursos públicos, a fim de fortalecer o controle social e a participação da sociedade nas decisões políticas (Bravo e Pereira, 2002). As políticas de saúde, de educação, da infância e assistência fo-ram municipalizadas. Com o controle social previsto para os Conselhos, procurou-se estabelecer novas bases de relação entre Estado e sociedade, evidenciando-se, assim, um período muito rico da história no que diz respeito à luta pela democratização do Estado.

Com a Constituição de 1988 (Brasil, 1988a), os Conselhos ganham um papel de instrumento mediador na relação Estado-sociedade. A partir de então, a Constituição legitima a participação da sociedade civil organizada na gestão da coisa pública. Essa nova forma de representação e participação contribui para que diversos segmentos sociais possam tra-balhar na formulação de políticas sociais e também possibilita à população o acesso aos espaços no qual se tomam as decisões políticas.

No processo de regulamentação da nova Constituição, a descen-tralização e a participação popular são assumidas como princípios na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Brasil, 1988b), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1990a) e na Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 1990b), sobretudo na Lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990 (Brasil, 1990c), que foi a primeira legisla-ção brasileira a criar os Conselhos. Ao lado dos Conselhos municipais, do distrito federal, estaduais e nacional como instâncias deliberativas e paritárias, com representação da sociedade civil e do Estado dentro de um sistema de gestão descentralizado e participativo, é prevista a realização de conferências municipais a cada dois anos na Assistência Social e a cada quatro anos na Saúde.

A legislação no Brasil reconhece o município como responsável pela elaboração das leis orgânicas, quando, para obter o recebimento de recursos destinados às áreas sociais, deve criar seus Conselhos. O local passa a ter um papel fundamental. Assim, os municípios podem encontrar soluções criativas e adequadas aos problemas municipais.

A partir do controle social, a sociedade passa a ter acesso à forma como os seus gestores estão administrando os seus municípios e estados, inclusive na esfera federal, e tomam conhecimento de como estão sendo

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aplicadas as verbas destinadas às políticas públicas. Teoricamente, a sociedade passa a ter poder decisório para definir o que é prioridade para sua localidade. É claro que, para acontecer na prática, a sociedade deve estar integrada e interagindo com os seus Conselhos.

Os Conselhos podem ser denominados Conselhos de Políticas Setoriais (Saúde, Educação, Assistência Social, etc.), Conselhos de Di-reitos (Mulheres, Idosos, Crianças e Adolescentes, Pessoas Portadoras de Deficiência, etc.). Os mesmos são criados através de projetos de lei, que devem ser aprovados pela Câmara Municipal. Muitos Conselhos foram criados apenas para cumprir uma exigência legal, em função do recebimento de recursos. Só podem receber verbas federais os municípios que têm Conselhos e Fundos instituídos, ou seja, foram criados em fun-ção do repasse de verbas e não por serem instrumentos de participação e de compromisso popular (Cruz, 2000).

Cabe aqui destacar um exemplo pertinente ao tema do trabalho, referente à criação de Conselhos. Sabe-se que a Lei n°. 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (PNI) (Brasil, 1994), esta-belece papéis para o Conselho Nacional do Idoso, porém essa lei não contempla a criação do mesmo, nem sua regulamentação. Só recen-temente, por meio do Decreto nº. 4.227, em 13 de maio de 2002, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI (Bredemeier, 2003). “A maioria dos conselhos é fruto de decretos estaduais, o que os arrisca a serem meras estruturas burocráticas” (Paz, 2004, p. 5), como foi citado acima. O ideal seria sua criação através de um processo de discussão ou de mobilização social (Teixeira, 2000).

O Conselho deve ser pensado como oportunidade de construção de uma cultura alicerçada nos pilares da democracia participativa. São instâncias de formação de políticas que gozam de um conceito de res-peitabilidade, enquanto espaços transparentes e comprometidos com o interesse público. Espaços que tornam a política mais pública, pelo menos naqueles em que há participação de grupos sociais organizados e democráticos.

Os Conselhos Municipais são espaços políticos que devem privile-giar a participação popular, possibilitando o pleno exercício do controle

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social, bem como o exercício de cidadania, onde, através da fiscalização das políticas públicas, os cidadãos assegurem os seus direitos. Pode-se ter a compreensão de que os Conselhos Municipais são locais que favorecem a conquista da cidadania, mas uma cidadania participativa e representativa, como ressalta Battini:

Uma vida de cidadania plena exige um esforço amplo de mu-danças radicais nas instâncias políticas de poder. Essas mudanças serão possíveis com a efetiva participação popular no processo de formulação das decisões políticas com o reconhecimento da autoridade da população. (1998, p. 50)

Os Conselhos, como um todo, não só os municipais, são desafiados a cumprir o propósito democrático que lhes deu origem, apostando na capacidade de participação das pessoas, na busca de seu espaço, onde o poder de decisão deve ser compartilhado, partindo para um novo relacionamento entre sociedade e Estado. Para esse relacionamento dar certo ou ser produtivo, devem ser observados alguns preceitos. As responsabilidades são claras para ambos os lados. Os representantes da sociedade civil têm a tarefa de dar o devido retorno das reuniões a suas bases, assim como levar as necessidades da comunidade para serem discutidas no conselho; quanto maior o vínculo do conselheiro com a entidade, mais legitimadora vai ser sua atuação.

Percebe-se que existem relações contraditórias entre Estado e sociedade civil, contudo, não se pode esquecer que o Conselho é um instrumento de democracia como vários outros: é fruto de uma luta e de uma conquista. Ele oportuniza condições para que pessoas e or-ganizações se transformem em seres gestores, habilitando cidadãos ao exercício de seus direitos sociais e políticos.

Os Conselhos de Direitos, como é o caso dos Conselhos de Idosos, têm o encargo de trabalhar como uma via para o idoso se or-ganizar, propor e reivindicar seus direitos e não como um obstáculo nessas conquistas. É preciso muito empenho, não só dos que compõem o Conselho, mas de todos, do coletivo. Os Conselhos não vêm para

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eximir o Estado de suas responsabilidades, mas sim para torná-lo mais “permeável e sensível à lógica da sociedade e da cidadania” (Teixeira, 2000, p. 107).

Com a existência definida e legalmente instituída, a eficácia plena dos Conselhos depende de vários fatores. A busca dessa eficácia plena é, certamente, o grande desafio a ser enfrentado.

O idoso e a participação

A partir da década de 1980, os movimentos sociais (sindicais, de proteção aos direitos individuais, aos direitos das crianças, dos idosos e dos portadores de deficiência) passam a adquirir notória importância, especialmente ante as garantias promovidas, ainda que, em muitas vezes, de caráter geral, pela Magna Carta.

A partir da Constituição de 1988 (Brasil, 1988a), passa-se a con-tar com a inclusão de inúmeras garantias e com a previsão de direitos que visam a proteção e a melhora de vida das pessoas e se constrói o conceito de constituição cidadã. No caminho dessa inclusão, são cria-dos mecanismos de participação popular e, entre eles, os denominados Conselhos de Representação, os quais passam a ser legítimos represen-tantes/garantidores dos segmentos sociais. Esses Conselhos representam, em acurada análise, espaços para a sociedade civil exercer sua cidadania, por isso contam com ampla participação popular.

Ao longo do tempo, em que estes passam por um processo de maturação, pode-se concluir que quanto mais organizado o movimento, maior é o sucesso de suas reivindicações e mais eficaz será sua atua-ção. Cabe ressaltar a importância de o segmento, contemplado pela garantia estabelecida, estar presente nesses espaços, para que tenha a sua real necessidade defendida e representada, tornando-se assim uma força política, levando ao sucesso a atuação do seu Conselho e dando legitimidade a esse processo de representação.

No que tange a proteção ao idoso, é pertinente discutir o alcan-ce das normas previstas na legislação, que prevêem proteção em seus diversos aspectos e como tornar mais efetiva essa proteção. Para isso,

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podem ser aproveitados os espaços já existentes e que são apropriados, legitimados para as reivindicações e efetivação das prioridades sociais do segmento idoso. Deve-se diminuir o espaço existente entre a pre-visão legal – que nos parece adequada e suficiente – e a sua eficácia plena. Vale dizer que é indispensável a aproximação prática e objetiva do que na lei está estabelecido às necessidades do idoso. Os Conselhos são reconhecidos por lei, mas somente são eficazes quando se compre-ender que é preciso representação e participação da própria sociedade. Para Degennszajh, um elemento relevante dentre vários, para que esse processo ocorra de forma clara, é a:

Representação de interesses coletivos: envolve a constituição de sujeitos políticos ativos, que se apresentam na cena pública a partir da qualificação de demandas coletivas, em relação às quais exercem papel de mediadores. (2000, p. 64)

Conseqüentemente, os Conselhos têm a prerrogativa legal de formular estratégias para as políticas públicas, dando evidência às ne-cessidades da população idosa em questão, possibilitando um menor distanciamento entre a realidade vivida e a realidade almejada. Contudo, sabe-se das enormes dificuldades encontradas para que esses direitos sejam garantidos. Existe uma grande distância entre o que está previsto em lei e a realidade cultural brasileira.

Um grande desafio é transformar esse segmento etário e com-pletamente heterogêneo, oriundo de uma cultura que não priorizava participação, em cidadãos participativos. Para Goldman: “A força política dessa população vem, pouco a pouco, conquistando espaço e se tornando visível como fenômeno social relevante no Brasil” (2004, p. 71).

Um bom exemplo a ser citado é um importante movimento ocorrido na década de 1990, que mostra o quanto é importante a organização social. Esse movimento é caracterizado como “Movimento dos 147%” e representado pelos “aposentados da previdência pública”. Através dele, pela primeira vez, o idoso ganha um grande destaque na mídia (Paz, 2004). Cabe ressaltar que esse movimento só foi

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possível porque houve uma manifestação coletiva e expressiva, visto que envolvia diretamente um interesse vital para os idosos, nesse caso, a aposentadoria. Os Conselhos de Representação são órgãos legais com legitimidade para promover pretensões como essa. Contudo, ainda carecem de um maior destaque na mídia, seja tendo divulgadas suas competências, seja demonstrando seu poder fiscalizatório. Mas, para que isso aconteça, os Conselhos têm a tarefa de promover atitudes positivas que levem a grandes repercussões, dando evidência e credi-bilidade a esses espaços.

Na histórica omissão estatal em relação à proteção do idoso, tão bem exemplificada por Borges, “fica evidente a postura do Estado brasileiro no sentido de transferir suas responsabilidades materiais com os idosos, ao defender e incentivar iniciativas como as várias formas de previdência e de medicina privadas” (2003, p. 80). É certo que os dois primeiros passos (instituição dos órgãos de defesa e sua divulgação) devem ser suportados pela população, sob pena de se contemplarem ainda muitos abusos por conta de um processo de maturação que de-manda tempo. A sociedade promove esse “amadurecimento” sozinha, mas é evidente que ele pode ser acelerado.

A consulta de dados da história recente revela que, há vinte anos, quase não se falava em Conselho Tutelar ou em Órgão de Defesa do Consumidor. Atualmente, qualquer pessoa sabe o que é o Procon ou o que fazer se uma criança estiver sendo agredida. Campanhas de conscientização e de informação mostram-se como meios eficazes para essa divulgação.

Não se pode negar que o cenário já mudou em alguns aspectos para o idoso. O envelhecimento com qualidade passou a ser pauta em diversos programas e reportagens, e a mídia tem destacado a influência dessa parcela da população em vários segmentos da economia. Além disso, estão sendo realizadas inúmeras pesquisas que implicam grandes avanços nas mais diversas áreas. Isso se deve ao fato de que a longevidade da população passa a ser uma realidade, e o desafio da sua valorização é um assunto que diz respeito a toda a sociedade.

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Essa é uma questão que envolve as mais diversas áreas: educação, saúde, previdência, entre outras. Para Goldman: “A complexidade do processo de envelhecimento exige que ele seja estudado por diversas disciplinas, sob múltiplos ângulos” (2004, p. 65). É preciso contar com qualificação dos recursos humanos, para estimular ações contunden-tes, direcionadas aos idosos. As possíveis carências na organização dos Conselhos de Representação não podem servir de justificativas para inibir atos que promovam sua eleição como dignos representantes da defesa do idoso; ao contrário, deve-se buscar seu aperfeiçoamento, sua qualificação e, principalmente, o (re)conhecimento, por parte de todos, de sua competência em sentido amplo, buscando, assim, a superação dos entraves que possivelmente surgirão nessa trajetória.

Paralelamente a essa divulgação, faz-se indispensável uma mu-dança de conceito cultural da questão (o que, em parte, com a ampla atuação dos Conselhos, já se atingirá). É certo que, em tempos não muito remotos, os idosos eram apenas encarados como uma obrigação sentimental de respeito e, às vezes, nem isso, significavam um peso social. A consciência coletiva de que o idoso não produz e que causa dificuldades aos demais ainda representa um equívoco a ser trabalhado. O Conselho de Representação carrega, entre outras incumbências, essa responsabilidade.

O respeito ao idoso é também uma questão cultural, de “cons-ciência coletiva”. Deve-se buscar, incessantemente, a noção de que o idoso merece respeito, proteção, mas, acima de tudo, deve ser afastado o sentido apenas retributivo, ou seja, que apenas se deve respeito porque fizeram algo e porque deixaram algo. Os idosos são dignos de estar inseridos socialmente em espaços significativos e essa inclusão social é responsabilidade de todos nós.

Com o passar dos anos, o idoso já experimentou inúmeras perdas e vivenciou incontáveis mudanças nos papéis sociais: perda de entes queridos, perdas cognitivas e de funções orgânicas, alterações na própria imagem e consciência da maior proximidade da morte. Contudo, esse processo de transição não pode ser avaliado somente pelas perdas, há também os aspectos positivos da velhice, como maior experiência de vida,

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mais tempo livre e mais autonomia. O convívio intergeracional está cada vez mais presente, pois as famílias estão menores e as gerações maiores, ocasionando trocas de valores entre as gerações (Brust, 2007).

A velhice não é uma categoria natural e sim socialmente cons-truída, portanto, não permite um conceito absoluto, possibilitando que uma nova condição seja estabelecida. Logo, envelhecimento é um processo e, assim sendo, é algo que se constrói no transcorrer da existência humana.

Por conta desse processo de valorização, é importante que se reconheça a utilidade na presença desse idoso, mas utilidade no sentido de mostrar que ele possui valor também fora do campo afetivo e que seu valor se estende por sua importância na sociedade.

Dependendo de como são dispensados os valores de uma socie-dade em relação à velhice é que será possível, ou não, a proteção e a inclusão social de seus idosos. Conforme estabelecido na Organização Mundial de Saúde:

As sociedades que valorizam a justiça social devem lutar para assegurar que todas as políticas e práticas sejam mantidas e para garantir os direitos de todas as pessoas, independentemente da idade. A defesa e os processos de tomada de decisão éticos devem constituir estratégias centrais em todos os programas, práticas políticas e pesquisas sobre o processo de envelheci-mento. (2005, p. 41)

A forma como se dá a representação do envelhecimento na sociedade é que possibilita ações legítimas ao ser que envelhece. Para conviver com essas alterações sociais, as políticas públicas precisam ser repensadas, as pessoas devem ser preparadas para trabalhar com esse público. Enfim, uma reestruturação social se faz necessária, para que haja a tão almejada qualidade de vida para todos que envelhecem.

O reconhecimento da potencialidade do idoso e a oportunidade da sua participação de forma permanente nos Conselhos de Direitos irá refletir sobre o olhar da sociedade em relação ao envelhecimento. Para que o envelhecimento seja uma experiência positiva, deve vir

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acompanhado por oportunidades, por programas e políticas voltadas para a realidade tão diversa da sociedade em que vivemos e da dimensão do nosso país.

No momento atual, é dura a realidade, pois apresenta uma pre-vidência falida, a saúde completamente “sucateada” e a estimativa de que as demandas para essas áreas estão aumentando a cada ano. Para contar com algum êxito nesse novo panorama social, econômico e po-lítico, é preciso que haja uma nova e grande reestruturação; mas, para isso, precisa-se de ações dos governantes, do poder público, bem como da sociedade civil, para que atinjam a sociedade na sua totalidade.

Em relação ao idoso, tem-se um instrumento legalmente insti-tuído (Conselho de Representação), o que representa o primeiro passo de um longo percurso a ser transposto. Deve-se recorrer a ele para promover as adequações necessárias, a fim de que a sua existência seja cada vez mais efetiva na defesa dos direitos do segmento idoso. Pois não basta que a população tenha uma vida prolongada, uma sobrevida, mas sim que tenha boa qualidade de vida na velhice e que esta chegue, não como um fardo, mas como fato a ser comemorado.

Considerações finais

Os Conselhos de Representação são espaços que devem ser uti-lizados pelo idoso para que tenha seu papel social reconhecido. Se, por um lado, procura-se aperfeiçoar sua atuação, por outro, é igualmente certo que deles não podemos abdicar.

Os profissionais da área da gerontologia devem estar atentos e assumir o papel de educadores sociais, trabalhando numa proposta emancipatória, observando os interesses coletivos, buscando parcerias e realizando articulações, viabilizando não só a garantia dos direitos, mas proporcionando que esses espaços sejam locais de organização de estudos e discussões. Como defendido, é preciso atuar no sentido de fazer o espaço tornar-se reconhecido por todos e realizar um trabalho de mudança na concepção coletiva acerca da importância e do valor do

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idoso. Será dessa forma que se contribuirá para ampliar as conquistas já obtidas, as quais, deve-se admitir, não foram poucas, mas, com certeza, ainda não são as ideais.

Quando se potencializam esses espaços, dão-se novas formas de cidadania à velhice, abrindo caminhos e caminhando junto ao idoso para viabilizar a sua inserção nesse espaço social. Participar da conquista desse objetivo adquire dupla dimensão: gratifica o profissional por ter contribuído de forma objetiva na evolução da valorização do idoso e, principalmente, resgata dívida histórica da sociedade no sentido de valorizar o idoso como ser humano capaz e não como um fardo social a ser suportado.

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Data de recebimento: 6/7/2007; Data de aceite: 11/8/2007.

Márcia Aparecida Fraga Bernardes – Assistente Social, Unisinos – Uni-versidade do Vale do Rio dos Sinos. Especialização em Gerontologia Social, UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

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RESUMO: este estudo discute a formação de profissionais na atenção à saúde do idoso no município de Santos. Partimos da escuta de gestores da saúde, e a análise dos dados confrontados com a literatura evidenciou dois eixos norteadores: qualidade de vida e competência profissional. A inter-relação dos dois eixos pode constituir uma estratégia operacional de capacitação profissional permanente.Palavras-chave: educação profissional em Saúde Pública; competência profis-sional; saúde do idoso.

ABSTRACT: This study discusses the training of professionals involved in the health care of aged patients in the city of Santos, state of São Paulo. Data were collected through listening to health managers. The data analysis compared with the literature revealed two axes: quality of life and professional competence. The interrelation of the two axes can constitute an operational strategy for continuous professional training.Keywords: Professional Education in Public Health; Professional Competence; Aged People’s Health.

Introdução

Em decorrência do incremento de afecções crônico-degenerativas e de incapacidades funcionais, observa-se uma demanda crescente no

1 Baseada em Tese de Mestrado da primeira autora, intitulada Capacitação de médicos e enfermeiros para o cuidado à saúde de idosos na rede básica de saúde do Município de Santos, defendida em 2005, na Universidade Federal de São Paulo.

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atendimento à pessoa e à população idosa nos diferentes níveis da rede de atenção à saúde, expondo ao setor público a necessidade de adotar medidas que possam combater iniqüidades, em uma perspectiva de ação multidimensional, que extrapola o simples cuidado de doenças.

Assim, configura-se a importância da capacitação de recursos humanos voltada para o desenvolvimento das competências necessárias ao cuidado à saúde do idoso, considerando-se suas peculiaridades e sua complexidade. Esse é um desafio para os planejadores de programas de educação permanente nos diversos serviços, sobretudo quando se considera a atual escassez, nos currículos de formação superior em saúde, de conteúdos e cenários de prática relacionados à geriatria e à gerontologia (Diogo e Duarte, 1999).

Dois aspectos devem ser levados em conta no contexto da edu-cação permanente de profissionais. O primeiro refere-se às tendências atuais de formação nos diversos níveis da escolaridade, que deve tomar como fundamento não apenas a “transmissão de informações” e o “trei-namento técnico”, mas o desenvolvimento das múltiplas dimensões da competência profissional (Maia, 2004).

O segundo aspecto a ser considerado diz respeito à necessidade do conhecimento da realidade local, no que concerne às características da população e do cuidado à saúde que se pretende oferecer aos idosos.

Características locais

O município de Santos é referência na implantação de políticas públicas em saúde, tendo sido precursor na implantação do SUS no país. Suas características geográficas (é uma cidade litorânea), sua elevada qualidade de vida (apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,871 – um dos maiores, no âmbito nacional), o expressivo percentual populacional de indivíduos idosos (15,6%), em comparação com os índices médios brasileiros (8,6%) (IBGE, 2000), e a ampla rede de assistência referendam a escolha do contexto deste estudo. Desde 2001, alguns programas, como o Programa do Idoso e o Programa de Hipertensão e Diabetes da Secretaria Municipal de Saúde desenvolvem,

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nas Unidades Básicas de Saúde, ações específicas de prevenção a doenças comuns ao envelhecimento, com a participação de equipe multidisci-plinar nas áreas de endocrinologia, cardiologia, enfermagem, nutrição, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia. Essas e outras áreas estão contempladas também na formação de Cuidadores de Idosos, curso oferecido semestralmente pelo programa.

Na área social, Santos possui três Centros de Convivência Mu-nicipais, onde o idoso pode realizar desde atividades físicas a sociais, e quatro Repúblicas do Idoso, que são moradias onde o idoso sem família ou residência fixa divide espaço com outros em situação igual. Ambos os serviços estão vinculados à Secretaria Municipal de Ação Comunitária.

Com tal visão, o presente trabalho tem por objetivo caracterizar, sob o ponto de vista de gestores da área da saúde, o perfil dos profis-sionais de saúde que cuidam de idosos no nível da atenção básica no município de Santos, articulando-o com as tendências de formação e as demandas e necessidades do cuidado à saúde dessa população.

Metodologia

Como estratégia para a coleta de dados, optou-se pela técni-ca do grupo focal. Os sujeitos da pesquisa foram três médicos, dois psicólogos, uma enfermeira e um fisioterapeuta, todos com cargos de chefia de setores da Secretaria Municipal de Saúde (Atendimento Básico, Ambulatório de Especialidades, Atenção Psicossocial e Seção de Reabilitação e Fisioterapia) ou de coordenadoria de Programas no Município (Hipertensão e Diabetes, Saúde do Idoso), e um da Secre-taria Municipal de Assistência Social (Coordenador do Programa de Atendimento Domiciliar ao Idoso). Todos participam ativamente de processos de capacitação de profissionais para a atenção à saúde de idosos no município de Santos.

Dois outros profissionais da área da saúde atuaram como observa-dores, sendo suas apreciações, relativas a expressões e comportamentos dos participantes, registradas e posteriormente utilizadas como elemen-tos subsidiários para a análise dos dados. Os depoimentos foram gravados

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e transcritos na íntegra. As questões norteadoras, apresentadas pela pesquisadora, referiram-se ao perfil profissional desejado para médicos e enfermeiros, com vistas ao cuidado integral à saúde de idosos em UBSs, bem como às características consideradas adequadas do atendimento ao idoso no município de Santos. Os dados foram interpretados por intermédio do método hermenêutico-dialético (Minayo, 2004).

Resultados

Inicialmente, o grupo discutiu informações de caráter geral, mencionando, por exemplo, que, no município de Santos, de acordo com dados do censo de 2000 do IBGE, pouco mais de 15% da população é de idosos, correspondendo a um contingente de 65.200 pessoas com mais de 60 anos. Reconheceu que, com a elevação da expectativa de vida da população, haverá uma tendência do crescimento da demanda de cuida-dos à saúde por idosos, cujo atendimento deve ser uma das prioridades da política de saúde do município, respeitando-se os princípios legais da assistência universal e igualitária. Ficou claro que o atendimento, na rede, não deve ocorrer em unidades específicas para idosos, mas nos pró-prios equipamentos já existentes (UBSs e ambulatórios, dentre outros). Nesse mesmo sentido, o grupo entendeu que os médicos responsáveis pelo cuidado dessa população devem ter uma formação clínica geral. O mesmo aplica-se aos enfermeiros. Considerando-se a carência de especialistas no município, os geriatras deveriam ser responsáveis pela “resolutividade final”, em casos de maior complexidade, bem como pela capacitação dos clínicos para o atendimento do idoso, principalmente no que diz respeito às doenças mais prevalentes nessa população, às peculiaridades da resposta a medicamentos e aos aspectos do cuidado propriamente dito. Foi ressaltada a importância da “desospitalização” e “desmedicalização” na atenção a saúde do idoso.

Houve ênfase na necessidade e relevância da capacitação, pelo sistema público de saúde, dos cuidadores (formais e informais) desses pacientes.

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Além do rompimento com os preconceitos sociais com relação ao idoso por parte dos profissionais, um outro item levantado referiu-se à necessidade de acolhimento do idoso em todas as instâncias do atendimento, desde a recepção das unidades até o interior das salas de enfermagem e dos consultórios médicos.

Houve um reconhecimento da peculiaridade do cuidado à saú-de de idosos, o que se reflete na necessidade da formação, em caráter permanente, dos profissionais de saúde, com um perfil específico, di-ferenciado, exigindo características próprias, pessoais, do profissional. Surgiram, inclusive, alguns comentários a respeito da impossibilidade de capacitar um indivíduo que não tem o “perfil” (ou que não deseja ter) para o cuidado do idoso. A questão da empatia (enfaticamente relacionada com os vínculos que devem ser estabelecidos com o pa-ciente, visto de forma integral, em sua trajetória de vida) foi, inclusive, relacionada a aspectos da “percepção cultural” do envelhecimento do próprio profissional e de suas relações familiares, sendo este um dos determinantes da própria qualidade do atendimento.

Quanto ao cuidado à saúde física do idoso, observou-se que o termo “resolutividade” foi utilizado com ênfase, em relação aos freqüen-tes “múltiplos acometimentos” desses pacientes. Ressaltou-se também a necessidade de o profissional saber lidar com as limitações do idoso (visuais, auditivas, etc.), comunicando-se e relacionando-se da melhor forma com o paciente, utilizando um vocabulário e um tom de voz adequados. Essa questão foi ampliada pela identificação da função de educador dos profissionais, no que diz respeito à saúde e aos hábitos de vida dos pacientes.

A necessidade da atenção a aspectos que vão além do tratamento de doenças também foi destacada. É necessário que o profissional te-nha conhecimento dos diversos espaços e setores disponibilizados pelo município (de lazer, convivência e assistência social, dentre outros), no sentido de orientar a clientela. Foram também apontados aspectos relativos ao respeito à espiritualidade e à preocupação com a indepen-dência do idoso.

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Foi salientada, de forma significativa, a relevância da compreen-são, pelo profissional, da dinâmica das relações do idoso com a família, destacando-se a percepção do problema que este pode representar para os que com ele convivem e para si próprio, em termos de demandas especiais e de limitações físicas e de tempo. Emergiu também a comple-xidade das reações psicológicas e emocionais, tanto do próprio paciente como de sua família, relativas a doenças e, eventualmente, ao óbito do idoso, envolvendo, por exemplo, sentimentos de “culpa” e de “alívio” de parentes e cuidadores.

Nesse sentido, foi destacado que o processo de educação dos médicos e enfermeiros deve ser permanente, consistindo não apenas de um “treinamento”, mas sendo direcionado ao desenvolvimento da competência profissional. Torna-se necessário formar continuamente profissionais aptos a enfrentar situações imprevistas, considerando-se a evolução do conhecimento científico, as demandas específicas e individuais dos idosos, bem como as invariáveis transições sociais. Os participantes enfatizaram que o desenvolvimento profissional é um determinante dos mais importantes na qualidade da atenção à saúde do idoso no município, da qual faz parte também a reorganização dos serviços, focando as necessidades dos indivíduos e da coletividade, sob a perspectiva da visão integral do ser humano.

Discussão

A análise de conteúdo dos dados obtidos no grupo focal apon-taram para dois grandes eixos de análise:

as características do cuidado à saúde do idoso no município de Santos;

os requisitos do profissional, ou seja, o perfil profissional desejado para o cuidado do idoso

Para que pudéssemos sistematizar os resultados, esses dois eixos fo-ram correlacionados com referenciais teóricos emergentes da literatura.

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As características do cuidado à saúde do idoso no município de Santos

Embora o termo “qualidade de vida” tenha sido mencionado apenas uma vez no grupo focal, o mesmo reconheceu que a atenção à saúde do idoso deve ocorrer numa perspectiva de individualidade e de integralidade de cuidados. Em nossa análise, pudemos concluir que a quase totalidade das falas referentes às múltiplas dimensões do cuidado ao idoso apresentadas pelo grupo focal podem ser incluídas, sistematizadas e analisadas à luz dos domínios estabelecidos pela OMS, encontrados no instrumento de avaliação de qualidade de vida World Health Organization Quality of Life (WHOQOL). Esse instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL – 100) consiste de 100 perguntas referentes a seis domínios, divididos em 24 facetas (Quadro 6). Está disponível em vários idiomas e possui uma versão em português já devidamente validada (Fleck et alii, 1999)

Esse grupo define qualidade de vida (ibid.) como:

A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.

Fica explícito que o conceito de qualidade de vida é subjetivo, multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos como negativos.

O realinhamento desses Domínios resultou na definição do eixo “Qualidade de Vida” num procedimento metodológico que relacionou as características da atenção à saúde do idoso segundo as falas do grupo focal ao instrumento proposto pela OMS.

A seguir são apresentados os domínios acima mencionados, corre-lacionando-os com alguns dos aspectos mais relevantes levantados pelo grupo focal, no contexto das características do cuidado a ser oferecido pela rede de atendimento:

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Domínio físico – promoção (em todos os níveis) e proteção à saúde, bem como atendimento, pelo conjunto de equipamentos da rede do município, às doenças mais prevalentes dos idosos, numa perspectiva de integralidade e multiprofissionalidade.Domínio psicológico – atenção integral à saúde mental, acolhi-mento diferenciado nas instalações da rede.Nível de independência – promoção da autonomia de vida do idoso, não apenas por intermédio de atendimento fisioterápico, mas pela orientação quanto à gênese de lesões nos diversos locais onde o mesmo transita.Relações sociais – disponibilização de uma rede intersetorial e intergeracional que promova a inclusão e a participação social do cidadão idoso; atenção aos eventuais problemas em suas relações familiares.Ambiente – oferecimento de espaços de lazer especialmente desenhados e equipados, tanto do ponto de vista físico como da assistência por profissionais especializados; provimento de acessibilidade nas instalações.Aspectos espirituais/religião/crenças pessoais – promoção da formação ética dos profissionais, sob a forma de discussões amplas de casos e situações da prática.

O perfil profissional desejado para o cuidado do idoso

Além disso, a multiplicidade de características indicadas pelo grupo com referência ao perfil de formação permanente dos médicos e enfermeiros que cuidam de idosos estabelece claramente um paralelo com as dimensões da “competência profissional” propostas por Epstein e Hundert (2000), mostrando-se muito operacional para sistematização dos resultados.

Os autores propõem, como conceito de competência profissional:

O uso habitual e criterioso da comunicação, conhecimento, habilidades técnicas, raciocínio clínico, emoções, valores e reflexões sobre a prática diária para o beneficio do indivíduo e da comunidade sendo atendida.

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A noção de competência refere-se, portanto, a um conhecimento posto em prática, a um “saber fazer” de forma reflexiva, crítica, integral e resolutiva. Dessa forma, os programas de educação permanente devem pautar-se, não pela transmissão de um “estoque de saberes”, mas pelo desenvolvimento de competências, em múltiplas dimensões, que são a seguir apresentadas, juntamente com algumas das características desejadas dos profissionais, relatadas pelos pesquisados, com relação às mesmas.

A seguir, a correlação dos dados obtidos no grupo focal com as Dimensões da Competência Profissional, que resultou na definição do eixo “Competência Profissional”.

Cognitivo – Conhecimento, pelos profissionais envolvidos, da fisiologia e da fisiopatologia do envelhecimento humano, bem como da conduta resolutiva ante as principais doenças que afetam os idosos (muitas vezes de forma concomitante) e das especificidades das respostas aos tratamentos propostos; auto-nomia intelectual no acesso a informações científicas.

Técnico – Realização da avaliação funcional do idoso (exames clínicos e complementares); educação do idoso quanto à(s) sua(s) doença(s), bem como à manutenção de sua integridade física e independência nos ambientes onde ele convive (condutas que favoreçam a conservação da capacidade funcional); realização e orientação quanto a procedimentos terapêuticos que comu-mente afetam idosos (úlceras, etc.).

Integrativa – Concepção da saúde não apenas como um dis-túrbio biológico, compreendendo suas dimensões psíquicas, espirituais, culturais, econômicas, políticas e ambientais, dentre outras, tanto em caráter individual quanto coletivo, orientando quanto ao uso dos equipamentos sociais disponíveis na área geográfica e estimulando práticas que proporcionam um envelhecimento saudável.

Contextual – Possibilidade de atuar profissionalmente nos vários cenários onde ocorre a atenção ao idoso, respeitando a “lógica de funcionamento” de cada um destes; proposição, gerenciamento e desenvolvimento de ações e estratégias que aprimorem a atenção ao idoso (campanhas, programas, dentre outros).

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Relacional – Capacidade de comunicação com o idoso, aco-lhendo-o em suas necessidades e lidando com suas limitações; relacionamento com a equipe multiprofissional, lidando com possíveis situações de conflito.Afetivo/Moral – Desenvolvimento da capacidade de cuidar ver-dadeiramente do idoso, numa perspectiva de integralidade; responsabilidade com as diversas práticas envolvidas no cuidado; comportamentos e posturas respeitosas com relação aos costumes, valores e crenças do idoso, acumulados durante sua vida.Hábitos mentais – Capacidade de auto-avaliação constante de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores ante a assistência ao idoso.

Importante ressaltar, no que diz respeito à formação profissional, que a competência é passível de desenvolvimento, e mudanças na prá-tica profissional e no contexto do cuidado devem levar a redefinições de competência.

Na divisão dos eixos, não houve a intenção de “compartimen-talizar” aspectos de formação em eixos rigidamente definidos, mas de construir um referencial que possibilite a operacionalização de um processo de planejamento de capacitação adaptável ao contexto local e ao perfil profissional desejado.

Com efeito, em alguns casos, é difícil traçar fronteiras entre as dimensões, com relação a determinadas competências. A título de exemplo, a “capacidade de acolher” diz respeito tanto a aspectos rela-cionais quanto afetivos e técnicos.

Conclusões

O planejamento de programas e ações de educação permanente no contexto da atenção à saúde do idoso é complexo, devendo levar em conta tanto características regionais e políticas do atendimento quanto o perfil profissional desejado. O presente trabalho evidencia que esses dois eixos se desdobram em diversos aspectos, que, de acordo com a interpretação dos dados obtidos no grupo focal de gestores e formadores do município de Santos, podem ser correlacionados, respectivamente, aos domínios da

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qualidade de vida, segundo a OMS (Fleck, 1999, 2000), e às dimensões da competência profissional propostas por Epstein e Hundert (2002).

Como exemplo, a inter-relação entre o Domínio Psicológico, pro-posto pela OMS, o eixo Qualidade de Vida e a Competência Relacional, proposta por Epstein e Hundert, nos levaria a pensar na necessidade do acolhimento. O idoso tem processo interno peculiar, que necessita ser compreendido, no sentido do acolhimento de suas necessidades e limitações. Nesse aspecto, o programa de capacitação deveria abranger, por exemplo, vivências, no sentido de desenvolver a empatia e a acolhida. Outro exemplo, no eixo Nível de Independência (OMS) e Técnicas (Epstein e Hundert), contemplaria a orientação ao idoso quanto à manutenção de sua integridade física, nos ambientes onde ele convive. Os profissionais de saúde devem estar aptos a orientar o idoso quanto à manutenção de sua independência, evitando, por exemplo, quedas e fraturas. O programa, numa perspectiva interdisciplinar, deveria contemplar o conhecimento das técnicas para prevenir lesões no domicílio e na via pública, bem como o uso correto de equipamentos de auxílio.

As inter-relações dos domínios da qualidade de vida com as di-mensões da competência representam, potencialmente, uma estratégia operacional para o planejamento de projetos de capacitação profissional, possibilitando um distanciamento da lógica linear do elenco de conteúdos a serem abordados e aproximando-se de uma proposta multidimensional de formulação de objetivos a serem desenvolvidos no processo de educação permanente dos profissionais. Possibilita o detalhamento dos conteúdos e das estratégias de formação, considerando-se demandas e variáveis, como, por exemplo, o contexto local (equipamentos, serviços), mudanças no perfil de morbidade da população, a evolução do conhecimento, mudanças no perfil de formação dos profissionais. Representa um exercício de planeja-mento no processo de capacitação, para que o profissional possa exercer o cuidado à saúde do idoso numa perspectiva integral, de resolutividade e de continuidade das ações. A revisão dos programas com base nesses dois eixos, redireciona as ações educativas, valorizando a capacitação de forma permanente, oferecendo maior autonomia às equipes de saúde no desenvolvimento de ações promotoras de saúde. Abrange também a formação do profissional de saúde considerando a dinâmica social e suas implicações nas práticas cotidianas.

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Referências

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EPSTEIN R. M. e HUNDERT E. M. (2002). Defining and assessing professional competence. JAMA, n. 287, pp. 226-235.

FLECK, M. P. de A. (2000). O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL – 100): características e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 5.

FLECK, M. P. de A. et alii (1999a). Aplicação da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL –100). Rev Saúde Pública, n. 33, pp. 198-205.(1999b). Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL – 100). Rev Bras Psiq, n. 21, pp. 19-28.

IBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000). Censo Demográfico: Brasil. Rio de Janeiro, IBGE.

MAIA, J. A. (2004). “O currículo no ensino superior em saúde”. In: BATISTA, N.A. e BATISTA, S.H. (orgs.). Docência em Saúde: temas e experiências. São Paulo, Senac.

MINAYO, M. C. S. (2004). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8 ed. São Paulo, Hucitec.

Data de recebimento: 10/6/2007; Data de aceite: 17/8/2007.

Maria Cristina Pedro Biz – Mestre em Ensino em Ciências da Saúde pela Unifesp/EPM (Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina) – Cedess – Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde. E-mail: [email protected]

José Antonio Maia – Doutor em Medicina pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Docente do Programa de Pós-Graduação Sensu Stricto (Mestrado) “Ensino em Ciências da Saúde” do Cedess – Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde, da Unifesp/EPM (Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina). E-mail: [email protected]

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Formador de formador: características educacionais e profissionais de acadêmicos

que ensinam na formação continuada stricto sensu em Gerontologia no Brasil

Tereza Lins

RESUMO: este estudo apresenta resultados de pesquisa realizada sobre o perfil do formador de formadores da formação continuada em Gerontologia, stricto sensu, no Brasil. Os dados foram levantados através de acervo documental. Os resultados mostram que os formadores de formadores apresentam muitas características em comum. Conclui-se, então, que no Brasil há indícios de um “perfil-tipo” do formador de profissionais educadores de adultos maiores, que ensinam nos cursos de Gerontologia stricto sensu.

Palavras-chave: adulto maior; perfil-tipo; formador de formador.

ABSTRACT: This study presents the results of research on the profile of the teachers of educators working in continuous training in the area of gerontology (Master’s and doctoral programs) in Brazil. The used data come from documentary sources. Results show that the teachers of these educators have many characteristics in common. Thus, the analysis reveals that one may compile a general ‘typical profile’ of the teachers of professional educators engaged in working with the elderly and that the former teach in post-graduate courses of gerontology.

Keywords: Elderly; Typical profile; Teacher of educators.

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Introdução

O Brasil está passando por duas transições inter-relacionadas: uma demográfica e a outra epidemiológica. Esta última está acarre-tando, ao mesmo tempo, uma rapidez no aumento do valor absoluto e relativo da população de 60 anos ou mais e uma mudança no perfil de morbimortalidade do país; além disso, está impulsionando o aumento da expectativa de vida do brasileiro, conjuntamente a uma melhora na qualidade de vida do idoso. Essa rapidez na transição demográfica pode ser acompanhada através da comparação dos dados do censo de 1980 com os de 2000. Na década de 1980, o Brasil era considerado um país de jovens, com cerca 6.500.000 de pessoas acima de 60 anos. No limiar do século XXI, o Brasil encontra-se com a quantidade de 14.072.188 milhões de pessoas com mais de 60 anos, representando cerca de 8,3% da população em 2000 (IBGE, censo 2000). A expectativa dos demógrafos é de que essa população de mais de 60 anos passará a ser de 32 milhões em 2025, perfazendo um total de 15% de toda a população brasileira.

Essas mudanças no perfil demográfico brasileiro, assim como em grande parte do mundo, acontecem dentro de uma sociedade con-temporânea, em que a aprendizagem é fator decisivo na inserção dos sujeitos num mundo globalizado, em um contexto de transformações locais das concepções de espaço e de tempo, gerando com isso confli-tos. Essa nova sociedade e a globalização trouxeram consigo, portanto, exigências de novas competências para realizar os saberes, o saber fazer e o saber ser. Nesse contexto, segundo Ortega-Esteban:

Todos se han visto o se van a ver obligados a reciclarse en sus trabajos y profesiones, so capa de degenerar o desfasarse. Más el reciclaje o reac-tualización de conocimientos ya no es suficiente, hay que aprender para cada día para estar al día, no hay distinción entre trabajo profesional y aprendizaje, no hay diferenciación entre la vida y el aprendizaje, no hay distinción entre la educación e la vida. La educación va a ser y acontecer a lo largo de la vida. Educarse y vivir va a ser la misma cosa. (Ortega-Esteban, 1999, p. 318)

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Isso é mais verdadeiro ainda para os profissionais que trabalham ou vão trabalhar com os adultos maiores, uma vez que o velho de ontem não é o mesmo de hoje, nem será o de amanhã.

Essa projeção de “eternos aprendizes” dos sujeitos adultos justifica a construção de uma relação estreita entre educação e envelhecimento. Pois, numa sociedade que envelhece, seu envelhecimento populacional faz com que quase todos os profissionais, dentro em breve, de algum modo, passem a prestar serviços aos adultos maiores. Tal fenômeno levou determinados profissionais que trabalhavam com o adulto maior a sentir a necessidade de se especializarem, no campo do envelheci-mento, para dar respostas às crescentes demandas desse segmento da população, abrindo com isso perspectivas para outros profissionais, de virem a desenvolver ou trabalhar em novos serviços destinados aos adultos maiores.

A partir do surgimento desse fenômeno mundial, o tema da formação inicial e continuada de profissionais que trabalham ou vão trabalhar com e a favor de adultos maiores passou a preocupar os organismos internacionais, responsáveis por políticas dirigidas a essa população, alertando-a sobre a necessidade de uma formação específica em Gerontologia ou Geriatria. Em conseqüência desse novo momento vivido pela sociedade, nunca se investigou e se debateu, tanto como hoje, sobre os adultos maiores. Surpreendentemente, no que se refere a pesquisas para saber quem é o formador do formador de profissional educador, como é a sua formação e qual é a sua atuação, existe uma verdadeira lacuna.

Como resultado dessa lacuna, a Gerontologia acadêmico-profis-sional definida por Thorton (1982), como processos de ensino, instrução e treinamentos dirigidos para a especialização de profissionais, para-pro-fissionais e voluntários do envelhecimento, encontra-se em um estado embrionário de desenvolvimento. Entretanto, considerando a importância que tem o aspecto do envelhecimento e da educação em nossa sociedade e a forma como afeta individual e coletivamente os sujeitos, essa lacuna deve ser suprida com urgência, para que a Gerontologia acadêmico-profissioanal, definida por Peterson (1990) como área responsável pela

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formação desse formador, saia desse estado embrionário de desenvolvi-mento em que se encontra. Sobretudo porque é o rápido envelhecimento da população que aponta para a necessidade urgente de se investigar quem são e como se dá a formação e atuação desses profissionais, uma vez que estes são responsáveis pela formação dos profissionais educadores e devem contribuir para que estes aprendam a aprender a ser, a saber fazer, a aprender, a conhecer e a viver juntos (Delors, 1996). Além disso, deve contribuir para a formação de profissionais críticos e reflexivos segundo o entendimento de Shön (2000), cumprindo nessa formação as exigên-cias concernentes aos saberes específicos, andragógicos, tecnológicos e gerontológicos. Portanto, meu objetivo neste artigo é discutir se existe um “perfil-tipo” do formador de formador na formação continuada stricto sensu em Gerontologia no Brasil.

No entanto, antes de apresentar a pesquisa e seus resultados, é necessário identificar alguns termos utilizados neste estudo, em virtude da “confusão metodológica” que caracteriza o campo da educação em geral e da formação de formadores em particular. Assim, utilizo aqui quatro categorias principais: a primeira é a de profissional educador para identifi-car o profissional que trabalha ou vai trabalhar com e a favor de adultos maiores; a segunda, é a de educador, recorrendo-se aqui ao conceito de Freire (1978) para determinar quem é o educador; a terceira é a de adulto maior, usada aqui como categoria englobante que inclui todos os adultos a partir de 60 anos e mais; por fim, a quarta categoria que é a de formador de formadores para identificar o profissional que forma o profissional que trabalha ou vai trabalhar com e em favor de adultos maiores.

A formação do formador de formadores no contexto atual brasileiro

O meu interesse pelo tema surgiu após a realização de uma pes-quisa, em 2001, sobre a formação inicial e continuada de profissionais,1

1 Trata-se de uma pesquisa realizada no âmbito do Master em Gerontologia Social, Universidade de Barcelona, Espanha.

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tendo como recorte empírico a prefeitura de uma capital brasileira e sua atuação com adultos maiores. O resultado dessa pesquisa indicava a necessidade de investigar se o status quo dos profissionais observados era uma realidade. A partir da realização da primeira etapa, em 2003, da pesquisa do projeto de doutorado,2 foram levantados três dados pre-ocupantes: o primeiro foi a confirmação, intuída na pesquisa anterior, de que esses profissionais não tinham nenhuma formação específica em Gerontologia ou Geriatria. O segundo dado preocupante foi a consta-tação da ausência de uma legislação específica que regulamentasse ou fizesse referência explícita à formação inicial ou continuada do docente ou de qualquer outro profissional que trabalhasse com o adulto maior. O último dado que me preocupou foi encontrado através da revisão da literatura especializada, onde se verificou que esta abordava apenas a atuação desses profissionais na atenção primária e secundária, nos centros sanitários, em domicílio, nos centros dia e em residências ge-riátricas, não encontrando, portanto, nenhuma referência à formação desses profissionais. Na conclusão dessa etapa da pesquisa, foi possível, assim, sustentar que no Brasil não existia um “perfil-tipo” do profissio-nal educador de adultos maiores, mas apenas indícios de um perfil que apontavam para uma formação inicial e continuada desses profissionais realizada em faculdades e universidades.

Com esses dados em mãos, parti para a segunda etapa de inves-tigação e análise do projeto de doutorado. As primeiras conclusões que surgem das análises dos dados obtidos sinalizam para a inexistência de uma profissionalização específica do formador de profissional educador no Brasil, porque não existe uma cultura profissional específica comum necessária para falar de um ofício de formador de formador com saberes e competências próprias; o resultado disso é que as instituições pesquisadas apresentam como formadores de formadores o que Shön (2000) chama de “educadores profissionais”, ou seja: professores universitários que são responsáveis pela formação específica desses profissionais. Entretanto,

2 Trata-se de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa de Doutorado Educação de Pessoas Adultas, Universidade de Salamanca, Espanha.

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esse fator não impede que as características educacionais e profissionais levantadas dos acadêmicos pesquisados sinalizem na direção de um “perfil-tipo” de formadores especialistas.

“Formação” e “formação de formadores”: algumas precisões

Seria importante, neste momento, apresentar como o termo “formação” é operacionalizado neste trabalho. Assim, a “formação” não é aqui entendida como um fim em si mesmo, mas como aqui-lo que é orientado para a promoção de uma mudança social e um desenvolvimento humano, situados dentro de um contexto social e econômico mais amplo. A necessidade dessa precisão impõe-se porque a literatura especializada sobre a questão da “formação” produziu uma quantidade admirável de concepções em torno do termo “formação” sem tentativas de convergências. Já no que se refere à concepção de “formação de formador/educador”, apesar de não existir uma definição única, percebe-se uma clara tentativa, dos teóricos, de encontrar essa definição, mas até agora sem grandes resultados, pois o que se vê é a elaboração de uma pluralidade de sinônimos para defini-la.3 O que já era de esperar, uma vez que o próprio termo “formação”, como dito, é entendido de maneira muito ampla e diversificada, variando o seu significado de teórico para teórico e de país para país. O mesmo pode ser dito em relação aos termos para se referir ao profissional que educa outras pessoas. Por exemplo: na Espanha, é utilizada a terminologia “formador de formadores”, na França, “formador de adultos” e, em ou-tros países, “formador de professores”. No Brasil, o termo é “formador de educadores”, no entanto, essa nomenclatura refere-se aqui apenas à formação dos docentes da educação básica em geral.

Apesar da existência de vários modelos de formação dirigidos à formação dos profissionais da educação básica, fundamental e superior, como é o caso do modelo de formação orientada individualmente, da

3 Para uma percepção dessa variedade, ver, por exemplo, Huberman (1994) Rivilla (1989) e Ibernón (1994).

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indagação, entre outros, no que se refere à questão da construção de um modelo de formação dirigido especificamente à formação de formador de formador, essa discussão inexiste na literatura especializada. Diante desse vácuo, o meu argumento é que a formação desses profissionais deverá estar fundamentada em um modelo andragógico, que parta dos pressupostos e das hipóteses andragógicas, assim como da teoria do conhecimento aplicada à educação sustentada por uma concepção dialética (construtivismo) e do currículo amparado na “educação de iguais”.

Como visto, apesar da transição demográfica e epidemiológica pelas quais passa o Brasil, não se verificou nenhum movimento vigo-roso na direção de se identificar, seja em investigações ou na literatura especializada no Brasil, quem é o formador de formador e como se dá sua formação e atuação. O resultado disso, como se pode observar, é a dificuldade de encontrar qualquer referência ou discussão sobre o tema; e, mais problemático ainda, é a inexistência de dados específicos sobre esses profissionais formadores de profissional educador. Isso talvez se deva ao fato de esse tema não ter estado em evidência, tanto na academia quanto nos debates sobre as políticas educacionais ou gerontológicas.

O formador de formador e a legislação brasileira

Em grande medida, acredito que nessa quase ausência de uma clara definição do que seja um formador de formador de profissionais que lidam com adultos maiores há um forte componente cultural. Assim, segundo Altet, Paguay e Perrenoud “mesmo que os professores em formação sejam adultos, os formadores de professores não se consi-deram formadores de adultos e não participam da cultura desenvolvida no mundo das empresas ou em outras administrações públicas” (2003, p. 11). Isso também acontece em relação aos formadores de profissionais educadores, que também não se consideram formadores de adultos, mas sim professores especialistas da sua área.

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No Brasil, esse tipo de concepção é reforçado pela legislação edu-cacional brasileira. Assim, a LDB vigente não contempla a formação do educador de adultos. Em seu artigo 62 faz apenas referência à formação de docentes para a educação básica em geral. Diz o artigo:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educa-ção infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Sobre o enfoque que é dado a essa formação, é preciso retornar ao artigo 61, que versa sobre os fundamentos da formação dos profissionais da educação em qualquer modalidade de educação, para ver que:

A formação de profissionais da educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

I – a associação entre teorias e práticas inclusive mediante a capacitação em serviço;

II – aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades

Para uma regulação sobre a educação continuada dos profissionais da educação, é preciso esperar até o inciso II, do artigo 67, que trata brevemente do assunto.

II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim.

Ou seja, toda e qualquer referência regulamentativa sobre a formação de formadores de formadores deve ser inferida da LDB.

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As implicações dessa falta de regulamentação são sérias. Segundo Ireland4 (2004), no Brasil, a história da educação de educadores para a educação de adultos, seja ela popular ou não, tem sido marcada, na maioria das vezes, pelo experimentalismo e pelo improviso. Improviso esse que, segundo ele, está associado ao fato de a grande maioria das experiências não ter continuidade, possuindo vida curta. Isso devido à mudança de políticas e ao remanejamento de recursos; a isso acrescenta-se a abrangência e a fragmentação do campo onde se desenvolvem as práticas de educação popular de adultos, não havendo sistematização das experiências desenvolvidas. Todo esse experimentalismo e improviso tem como causa, a meu ver, essa inexistência de uma formação espe-cífica para os educadores de adultos no Brasil, que, no meu entender, estende-se à formação de formador de formador, pois, como não existe uma profissionalização desse formador de formador na legislação, há um improviso na formação do profissional educador, que também é um adulto. Pois, obviamente, toda a estrutura universitária brasileira segue o que está enquadrado na LDB.

Discutindo a pesquisa

Como dito, pretendia-se investigar se no Brasil existia uma profissionalização específica de formadores de profissionais educadores e se existia um “perfil-tipo” de formadores de profissional educador, especificamente, os de formação continuada stricto sensu em gerontologia. Para tanto, tive como recorte empírico todos os cursos de gerontologia stricto sensu instaurados por universidades brasileiras e reconhecidos pela Capes-MEC. A pesquisa norteou-se, assim, por três diretrizes principais: identificar se esse formador é um especialista; verificar se é um formador polivalente com perfil ampliado; verificar se é um formador agente de mudanças. Essas diretrizes foram baseadas nas questões surgidas pela discussão elaborada por Altet (apud, Perrenound, 2003) sobre uma profissionalização específica de formadores de professores, em que ela

4 Refere-se à formação para educadores-alfabetizadores de adultos.

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se perguntava: Existe um perfil-tipo de formadores de professores? É um formador especialista? É um formador polivalente com perfil ampliado? É um formador agente de mudanças?

Com base nessas diretrizes, buscou-se identificar as características educacionais e profissionais de acadêmicos que ensinavam na formação continuada stricto sensu em Gerontologia, no Brasil, em 2003. Essa pesquisa foi repetida em 2007 para verificar se, depois de decorridos quatro anos, tinham surgido mudanças significativas.

Discutindo o método e o campo

Na Gerontologia educacional, os métodos de pesquisa são ainda incipientes. Por isso, foi necessária a adoção de uma abordagem meto-dológica interdisciplinar, realizando a conjugação de dois métodos na construção de uma pesquisa exploratória e descritiva. No que se refere a sua dimensão exploratória, essa pesquisa seguiu a definição apresen-tada por Gil. Segundo o autor, “as pesquisas exploratórias constituem a primeira etapa de uma investigação mais ampla” (Gil apud, Olivei-ra, 2007) desenvolvendo estudos que dão uma visão geral do fato ou fenômeno estudado. Com relação à dimensão descritiva, foi adotada a perspectiva de Rudio. Na sua definição, “a pesquisa descritiva está interessada em descrever e observar fenômenos, procurando descrevê-los e interpretá-los” (Rudio apud Oliveira, 2007).

Para a obtenção dos dados, foram compulsados 37 currículos de formadores de profissionais educadores, encontrados na Platafor-ma Lattes/CNPq, nos dois períodos já citados: 2003 e 2007. Esses 37 currículos representam a quase totalidade de formadores das três universidades brasileiras (PUC-RS, Unicamp, PUC-SP) que oferecem cursos de formação continuada stricto sensu na área de Gerontologia, sendo um doutorado e três mestrados acadêmicos.

A utilização da Plataforma Lattes como fonte de documentação deveu-se à impossibilidade de contar com a participação pessoal de todos os acadêmicos que atuavam em 2003 na formação continuada stricto sensu em Gerontologia por questões logísticas e, sobretudo, pelo

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pouco tempo para a realização da pesquisa. Além disso, escolheu-se o Sistema Currículo Lattes como banco de dados por acreditar que com-portava informações suficientes para dar respostas aos questionamentos levantados pela pesquisa (sem correr o risco de comprometê-la), dessa forma parecendo justificada a escolha dessa técnica.5 Além disso, é in-contestável que o Lattes adquiriu uma grande reputação e credibilidade como sistema de informação curricular, sendo atualmente utilizado pre-ferencialmente (às vezes exclusivamente) pelas instituições (de pesquisa e de fomento) e pela comunidade científica brasileira em geral.

Discutindo a análise e os resultados

Nos currículos pesquisados, procurou-se identificar as seguintes variáveis sobre os formadores de profissional educador de adulto maior dessas universidades: instituição de formação; qual a área de formação inicial e qual a de continuada; qual a área de produção científica; qual a titulação; local de trabalho e qual a área de atuação. Após a identifi-cação, essas variáveis foram transformadas em seis categorias, os dados obtidos foram distribuídos e agrupados. Além disso, para uma melhor leitura dos dados, foi importante a construção de uma tabela que evi-denciasse o perfil do formador de formador através das características educacionais e profissionais levantadas na pesquisa. Com essa tabela em mãos, a discussão dos dados foi baseada, de maneira analógica, na concepção da formação do formador de professor, defendida por Altet

5 A pesquisa foi realizada tendo em mente as advertências de Torres (2002), quando diz que as revisões documentais têm severas limitações para captar o estado da arte de qualquer campo, não só das idéias, mas também de intervenção sobre a realidade; que as reflexões extraídas fundamentalmente de revisão bibliográfica, documental e na web, como é o caso desta pesquisa, reforçam a necessidade de se estender a investigação para mais além dos documentos e entrar em contato com as práticas reais e o conhecimento tácito dos atores que em sua maior parte perma-necem sem serem documentados. Na Gerontologia educacional, as práticas reais e o conhecimento tácito dos atores também, na sua maioria, permanecem sem serem documentados.

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(2003). Esse recurso foi necessário e imprescindível porque, como já dito, não se encontrou uma discussão específica sobre a formação desse formador de formador.

Categorias Formação Inicial e Continuada6

A formação inicial do formador de formador brasileiro é ba-sicamente realizada em universidades públicas (42,24%) e privadas (56,76%), não diferindo da formação seguida pelo profissional educador. A formação continuada também é realizada em universidades públicas e privadas. Constatou-se, ainda, que a maioria dos formadores não tem uma formação pedagógica específica para ensinar. Eles se enquadram no que Shön (2000) denomina “educadores profissionais”, referindo-se àquele formador que não é formador de professor, mas que trabalha no ensino superior.

Outro dado obtido é que poucos formadores de formador têm uma formação continuada específica na área do envelhecimento. A formação continuada stricto sensu desses formadores de formadores é majoritariamente realizada fora da área da Gerontologia e da Geriatria. A maioria (72,97%) tem sua formação continuada correspondente à sua formação inicial ou em outra área.7 Os que a têm, obtiveram-na em sua formação continuada em cursos de Gerontologia ou Geriatria. Geralmente, esses cursos pertencem aos departamentos de Educação, Psicologia e Enfermagem e de Medicina,8 sendo concebidos de acordo com os princípios determinados por cada universidade. Entretanto, até onde se pesquisou não existe uma habilitação denominada “formador

6 Para uma melhor compreensão dos resultados, resolveu-se analisar conjuntamente as categorias “formação inicial” e “formação continuada”.

7 Aqui se encontra a grande limitação do tipo de documento pesquisado: não é possível identificar como foi desenvolvida a formação inicial e continuada desses formadores de profissionais educadores.

8 Atualmente, esses cursos, exceto Geriatria, são abertos a qualquer profissional, que se interesse em estudar o tema do envelhecimento.

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de formador”, nem tampouco um curso específico dirigido a for-

mar docentes para ensinar na formação continuada stricto sensu em

Gerontologia no Brasil.

A conclusão maior da análise dos dados dessa categoria é a de

que, ao se identificar o tipo de formação seguida por esses profissionais,

pode-se avançar que, no Brasil, não existe uma cultura profissional

específica comum necessária para falar de um ofício de formador de

formador, com saberes e competências próprias. Conseqüentemente,

não existe uma profissionalização específica do formador de profissional

educador de adultos maiores no Brasil. Entretanto, no caso do formador

de professores,

[...] surge um processo de profissionalização do ofício de pro-

fessor e da formação de professores e que este se encontra no

nível de um princípio de profissionalização de formadores de

professores, no sentido da evolução da profissionalidade. (Altet,

Paguay e Perrenoud, 2003, p. 78)

Categoria Área de Atuação

Os dados levantados apontam que a maioria (67,57%) dos for-

madores de formadores atua fora da área da Gerontologia, da Geron-

tologia social e da educacional. Constituem aquilo que, na formação de

formação de professores, Altet (2003) chama de formadores disciplinares

centrados na disciplina ensinada. São formadores que asseguram for-

mações relacionadas com a disciplina que ensinam. São professores da

graduação que são recrutados para atuar na formação continuada, por

sua especialização. Os formadores disciplinares primam pela predomi-

nância da disciplina, centrados no aperfeiçoamento dos profissionais

educadores em uma disciplina ensinada. Portanto, são especialistas em

suas áreas de conhecimento e não formadores mistos.

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Categoria Local de Trabalho

No que diz respeito ao local de trabalho desses formadores de for-madores, todos estão vinculados a alguma universidade e realizam suas funções na instituição de ensino ou em algum órgão ligado a essa.

Categoria Produção Científica

Foi possível constatar que, apesar de pequena, existe uma pro-dução científica dos formadores de profissionais educadores dentro da área da Gerontologia, com a predominância de temas geriátricos. Ainda alguns deles participam ou coordenam pesquisas nessa área, dado que se considera de extrema relevância e que pode ter um impacto consi-derável no futuro.

Categoria Titulação

Todos esses formadores de formador possuem o título de doutor. Entretanto, apenas 27,03% desses formadores de profissionais educa-dores têm sua titulação em gerontologia ou geriatria. A maior parte (72,97%) tem sua titulação fora dessas áreas, apesar disso, 5,41% abordam temas do envelhecimento.

Considerações finais

Durante a pesquisa, percebeu-se que a Gerontologia acadêmi-co-profissional, tanto quanto a Gerontologia educacional, tem sua história acadêmica e profissional muito reduzida; mesmo em muitos países desenvolvidos, existe ainda uma indefinição sobre quem deve ser, academicamente falando, responsável pela formação dos profissionais educadores.

Quando se considera o caso brasileiro, os dados analisados re-velam que não existe uma profissionalização específica do formador de profissional educador no Brasil, pois, como foi visto anteriormente,

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não existe uma cultura profissional específica comum, necessária para falar de um ofício de formador de formador com saberes e competências próprias. Entretanto, isso não impede que as características educacionais e profissionais levantadas dos acadêmicos pesquisados sinalizem na direção de um “perfil-tipo” de formadores especialistas.

Entretanto, em virtude do envelhecimento “acelerado” da popu-lação brasileira, na sociedade da aprendizagem, as novas demandas de necessidades da população idosa são cada vez mais prementes, exigindo uma maior rapidez na elaboração desse perfil-tipo. Por isso, há que se pensar em investigar como são formados os profissionais responsáveis pela formação desses profissionais, até porque se verificou que, decorridos quatro anos da primeira pesquisa, não surgiram mudanças significativas. Portanto, chama-se a atenção para as implicações das características educacionais e profissionais de acadêmicos no desenrolar da formação de profissionais educadores, para o efetivo cumprimento de exigências concernentes a saberes específicos, gerontológicos, andragógicos e tecnológicos, como também atitudes necessárias para a construção de profissionais reflexivos e capacitados para atuar com competência com e em favor de adultos maiores.

A sugestão que deixo aqui é que os temas relacionados à formação de formador de formador, de profissionais educadores, à educação de adultos maiores e da sociedade em geral sobre o envelhecimento, sejam investigados dentro das áreas específicas da Gerontologia educacional, uma vez que ficou evidente que há muito a ser investigado sobre a Gerontologia educacional e suas áreas de atuação. Creio que a Geron-tologia educacional seja a área privilegiada para essas investigações, pois é rica em detalhes, que são entrelaçados a uma dinâmica maior que a da própria Gerontologia educacional: a dinâmica da educação para todos, em todos os seus aspectos e modalidades, ao longo da vida.

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Data de recebimento: 6/7/2007; Data de aceite: 15/8/2007.

Tereza Lins – Gerontóloga social, doutoranda em Educação de Pessoas Adultas pela Universidade de Salamanca, Espanha. E-mail: [email protected]

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O impacto da informática na vida do idosoRosana Alfinito Kreis

Vicente Paulo Alves Carmen Jansen Cárdenas

Margô Gomes de Oliveira Karnikowski

RESUMO: nos últimos anos, tem-se experimentado um rápido envelhecimen-to das populações, colocando os idosos como grupo etário emergente. Junto a essas transformações, vê-se a proliferação das tecnologias de comunicação e de informação. Isso tem despertado um grande interesse entre os idosos quanto ao aprendizado da informática, considerando os benefícios que ela pode oferecer às suas vidas. A presente revisão aborda a inclusão do idoso na informática e o impacto que ela traz a sua vida.

Palavras-chave: idosos; tecnologias; informática.

ABSTRACT: Lately, populations have been facing a quick aging process, and the elderly have been identified as a growing group. In addition to these transformations, it is possible to observe a proliferation of both information and communication technologies. The elderly have become increasingly interested in learning how to deal with these new technologies, considering the benefits they can offer to their lives. The present review approaches the relationship between the elderly and the computer, and the impact that it can bring to their lives.

Keywords: The elderly; Technologies; Information technology.

Introdução

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a população idosa é definida como aquela com idade igual ou superior a 60 anos, fazendo distinção quanto ao local de residência de seus

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componentes. Essa definição é referente aos países em desenvolvimento, passando para 65 anos de idade entre as populações idosas oriundas de países desenvolvidos (IBGE, 2002).

Desde o início da década de 1960, o Brasil tem experimentado um envelhecimento rápido em sua população, em conseqüência de uma alteração da estrutura etária, com estreitamento progressivo da base da pirâmide populacional, especialmente devido à redução das taxas de fecundidade observadas (Chaimowicz, 1997).

Epidemiologistas estimam que, em 2025, o país ocupe a sexta posição em número de idosos no mundo e a primeira posição na América Latina (Silva, 1996). Para Veras (1994), o envelhecimento populacional, apesar de ser um fenômeno universal, em virtude de sua velocidade de transição demográfica, tem características distintas no Brasil. Em 1900, a expectativa de vida no país era de 33,7 anos, passando para 63,5 anos em 1980 e com previsões prováveis, para 2025, de 75,3 anos de idade.

No contexto de desigualdade e velocidade em que as transfor-mações ocorrem entre as diferentes regiões e classes sociais do país, os idosos encontram-se desamparados pelo sistema público de saúde e previdência, acumulando seqüelas de doenças adquiridas e incapacidades que levam à redução na autonomia e na qualidade de vida, apontando para uma complexidade ainda maior quanto às alternativas de atenção às necessidades desse grupo etário emergente (Chaimowicz, 1997).

A partir disso, evidencia-se cada vez mais a importância desse grupo de indivíduos na população brasileira, conduzindo a uma maior responsabilidade de gerontólogos e futuros profissionais da área.

Em adição, observa-se, na sociedade contemporânea, uma va-lorização da informação, que se difunde de forma rápida e intensa por meio de diversas tecnologias de comunicação e de informação. Em virtude dos benefícios que a informática oferece, tem-se testemunhado um número crescente, tanto em nível mundial quanto em nível nacio-nal, de idosos que se interessam de forma mais acentuada pelo mundo cibernético (Nunes, 2002).

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Kachar (s.d.) acrescenta que a tecnologia amplia o acesso à infor-mação, a qualidade de veiculação e a recepção em diferentes níveis de mídia. A facilidade e a rapidez que esse recurso proporciona às infor-mações relativiza a questão do tempo e do espaço, bem como interfere nas relações e nos comportamentos de seus usuários.

Por outro lado, Nanni (s.d.) cita que, por meio do conhecimento da informática, a atividade profissional pode ser retomada pela pessoa idosa, quando ela já se encontra aposentada. Complementa que a computação pode ultrapassar a questão do trabalho, ensejando cultura e entretenimento por meio de cursos ou bibliotecas virtuais, salas de debate e bate-papo nos chats.

Em decorrência das diversas alterações oriundas do processo de envelhecimento, bem como da velocidade das transformações ocorridas no que tange a informação, o presente estudo de revisão tem como ob-jetivo abordar a relação entre o idoso e o computador e as conseqüências trazidas por essa relação na vida desse importante público, detentor de especiais peculiaridades.

O envelhecimento e os aspectos fisiológicos, cognitivos e emocionais

A senescência e o envelhecimento são termos que definem o processo pós-maturacional que leva à diminuição da homeostasia e a uma maior vulnerabilidade do organismo. Muitos pesquisadores têm classificado o envelhecimento como normal e.g. mudanças fisiológicas universais relacionadas ao processo de senescência ou usual e.g. doenças associadas à idade (Troen, 2003).

Dessa maneira, o processo de envelhecimento humano é acompa-nhado de mudanças nos órgãos e sistemas do organismo, levando, com isso, a uma diminuição da reserva fisiológica, sendo essas modificações inevitáveis. As massas celular e extra-celular constituintes da massa corporal magra diminuem, representando, a partir da terceira até a

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oitava década de um indivíduo, uma diminuição média de 24% da massa celular corporal, o que pode acarretar redução na força muscular e na necessidade calórica diária (Souza e Iglesias, 2002).

Já a cognição é referida como uma coleção de processos capazes de transformar, organizar, selecionar, reter e interpretar determinadas informações (Rybash apud Fialho, 2001).

Para Nunes (1999), o processamento de informações pode ser um subsídio para a investigação dos aspectos cognitivos afetados com a idade. Dessa forma, ressalta o declínio da atenção seletiva e da atenção dividida no indivíduo idoso. A primeira refere-se à habilidade em dis-tinguir informações importantes ou pertinentes. Já a segunda destaca a capacidade em processar duas ou mais informações em um mesmo momento ou instante.

Destaca-se, ainda, que a maioria dos idosos enfrenta dificuldades ante organizações e interpretações da informação ocasionadas por um declínio na capacidade em reconhecer objetos possivelmente fragmen-tados ou mesmo incompleta (Rybash, 1995).

Há de se considerar também a memória ao relacionar o processa-mento da informação e os aspectos cognitivos, em virtude de a mesma sofrer alterações com o avançar da idade. Atkinson e Shiffrin (1968) destacam três sistemas de armazenamento, sensorial, memória de curto termo (MCT) e memória de longo termo (MLT), os quais são comparados pelos autores com a memória de um computador. Assim, a memória sensorial apresenta capacidade limitada de armazenamento, em um breve período de tempo. Já a MCT processa uma maior quantidade de informações em um período mais longo. Por último, a MLT mostra-se com uma capacidade superior de armazenamento e, conseqüentemente, mais eficiente em organizar toda a informação guardada.

De acordo com Raskin (2000), a MCT é limitada e extrema-mente volátil. Assim, a lembrança de nomes de itens da memória de curto termo é, em geral, mais eficiente quando tais itens se encontram em forma de imagens. Em adição, vê-se que, com o envelhecimento,

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há uma menor capacidade de retenção de informações na memória de curto termo, sendo acentuado, inclusive, após os 55 anos de idade (Fialho, 2001).

Já as alterações emocionais advindas do processo de envelhe-cimento, de acordo com a Psicologia atual, não resultam do ganhar idade, o que conduz a um desmascaramento de possíveis paradigmas ou ideais anteriormente embasados numa velhice estereotipada, calcada em alterações psicológicas que julgavam estar associadas ao processo de envelhecimento (Freitas et alii, 2002).

Assim, os sentimentos e as sensações distinguem-se entre si, es-tando, no entanto, intimamente interligados. Os sentimentos não são, dessa maneira, fenômenos biológicos ou psicológicos. Para a maioria dos psicólogos, as emoções são definidas como complexos estados de excitação de todo o organismo (Braghirolli et alii, 1997).

Apesar de ser retratado como um processo natural, o envelheci-mento não ocorre homogeneamente. O idoso, ao ser vislumbrado em um ser único, deve ser compreendido em totalidade e complexidade, e não pela representação conjunta dos idosos, resgatando, dessa maneira, a sua trajetória de vida e os eventos possivelmente influenciadores, de origem patológica, psicológica, social, fisiológica, econômica e cultu-ral, capazes de afetar diretamente a qualidade de vida desse indivíduo (Diogo, Ceolim e Cintra, 2000), especialmente na moderna sociedade na qual está inserido.

Inclusão do idoso no mundo virtual

Para Ayala (1979), as pessoas, atualmente, vivem agrupadas em uma sociedade, no entanto, não se comunicam entre si, o que acaba por transportá-las a uma imensa solidão. Para complementar, o próprio processo de envelhecimento leva a alterações nos hábitos e no cotidiano dos idosos, os quais se vêem com extrema dificuldade em relacionar-se com o outro, seja idoso ou não, ou com o próprio ambiente em que estão inseridos. Tais acontecimentos, comumente, lançam o ser humano, em especial o idoso, em uma carência afetiva e emocional, podendo

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acarretar uma diminuição das atividades e, por conseguinte, baixa auto-estima, desmotivação, autodesvalorização, solidão, isolamento social, doenças físicas e mentais ou mesmo depressão (Moura, Passos e Camargos, 2005).

Em razão disso, vê-se a importância da interdependência física na comunicação humana, mostrando a necessidade do outro na vida do indivíduo (Berlo, 1997). Ressalta-se também a essencialidade da comunicação e do entretenimento para a sobrevivência do homem, e sobretudo para o idoso, pois são motivadores e influenciadores no que diz respeito à disposição do velho ante atividades a serem exercidas ou não (Antunes e Sat’Ann, 1996).

Por muito tempo, os idosos não receberam a devida atenção da sociedade e da família, encontrando-se muitas vezes excluídos. Entretanto, com o avançar da ciência e da medicina, a terceira idade passou a ser representada por uma maior qualidade de vida. Hoje, a pessoa idosa não vive mais, necessariamente, recolhida e recordando lembranças do passado, mas pode ser ativa, produtiva e participativa (Kachar, 2001).

Dessa maneira, a Internet vem para potencializar a interatividade, a disseminação e o acesso às informações. Um dos serviços disponíveis na Internet, que apresenta maior expressão e utilização, é a Web, que notoriamente cresce a cada dia. Dentre suas aplicações, poder-se-iam citar o comércio eletrônico, as transações comerciais e bancárias e os serviços de informações públicas (Nunes, 2002).

A constituição de espaços de socialibilidade que podem ocorrer no uso das ferramentas da Internet e da educação a distância já era apontada por pesquisadores como eficiente para “oportunizar a demo-cratização das informações, bem como a socialização das experiências humanas e o exercício da cidadania” na reivindicação dos direitos civis dos idosos (Lopes e Alves, 2006, p.73).

A tecnologia surge, então, como forma de contribuição na redu-ção do isolamento, na estimulação mental e, finalmente, no bem-estar da pessoa idosa, podendo também facilitar o processo de comunicação

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com parentes ou amigos, aguçando, dessa maneira, as relações inter-pessoais (Kachar, 2001) ou mesmo promovendo encontros geracionais na Web.

Esse meio de informação pode conduzir à exclusão social, ou seja, gerar os excluídos digitais, caracterizados por pessoas que não têm acessibilidade à Internet, em virtude de questões financeiras, culturais ou físicas (Nunes, 2002).

Em adição, Nanni (s.d.) observa que a maioria dos idosos evita a Internet por diferentes razões, como medo, falta de conhecimentos, escassez de recursos financeiros, inadequação do equipamento e ausência de conteúdos específicos.

A gerontóloga Cecília Raso exprime que o medo do novo e do que não é conhecido costuma fazer parte do indivíduo idoso. Do mes-mo modo, aborda a importância do incentivo da família à pessoa da terceira idade. A mesma autora informa que o empecilho ao acesso à tecnologia pelo idoso pode também estar relacionado à questão social e econômica que o Brasil enfrenta, pois a maioria dos idosos são apo-sentados ou pensionistas e, geralmente, recebem até no máximo três salários mínimos (ibid.).

Com base nos dados quantitativos extraídos da pesquisa nacional americana sobre idosos e o computador, nos próximos anos será obser-vada uma redução na resistência dos idosos ao uso de computadores, não havendo quaisquer distinções quanto ao número de computadores encontrados entre os cidadãos da terceira idade e a população em geral (Adler, 1996).

Já na pesquisa realizada no Brasil, pelo Comitê Gestor da Internet, mostrou que as atividades de comunicação são muito apreciadas pelos idosos internautas: 86% dos idosos que usam a Internet “enviam e re-cebem e-mails”; 44% enviam mensagens instantâneas; 15% participam de sites de comunidades de relacionamento; 7% participam de chats ou listas de discussão; e 17% usam como telefone ou videoconferência (Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2007).

Para que a Internet esteja disponível e acessível a todos, são necessários equipamentos especializados aos usuários com necessidades

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especiais, representados por algumas alterações, sejam elas fisiológicas ou cognitivas, ou devido a uma baixa coordenação motora; devendo-se ressaltar que, dentre os usuários com necessidades especiais, estão incluí-das as pessoas idosas, as quais podem apresentar diversas dificuldades no que tange ao uso de computadores (Nunes, 2002).

Em estudo realizado por Sales e Cybis (2003), foi desenvolvido um checklist capaz de verificar a conformidade de páginas da Web às re-comendações ergonômicas específicas para a acessibilidade por usuários idosos. Com a utilização desse checklist no desenvolvimento de interfaces Web, observou-se uma maior facilidade no acesso e no uso por idosos ao interagirem com as mesmas, o que os conduziu a um excelente estado de autonomia e independência, resultando em motivação e, sobretudo, direcionando a uma inclusão no mundo virtual.

Kachar (s.d.) complementa que a própria informática tem pro-piciado uma relação mais amigável, flexível e fácil entre os usuários leigos e a operacionalização da tecnologia da informação, a qual tem oferecido um maior número de conhecimentos técnicos básicos.

Em adição, a rede de interconexões entre pessoas, decorrente das tecnologias da comunicação e informação, possibilita a socializa-ção mediada pela atual sociedade. Logo, a mídia e a publicidade vêm construindo identidades, culturas e relações pessoais (ibid.).

Além disso, Nanni (s.d.) salienta o lançamento de um site bra-sileiro, em fevereiro de 2000. Assim, o site Maisde50 é dedicado a trazer informações e proporcionar lazer aos indivíduos com mais de 50 anos. Dentre os assuntos abordados estão incluídas questões de saúde, de gastronomia, de mercado de trabalho, de moda, de turismo e entrevistas.

Além disso, é plausível destacar a divergência entre o jovem e o velho, em que um é proveniente de uma geração nascida no universo de ícones, imagens, botões, teclas e, conseqüentemente, apresenta ope-racionalização e desenvoltura ante esses recursos, e o outro é oriundo de tempos de relativa estabilidade, convivendo conflituosamente com as rápidas e complexas mudanças tecnológicas que insistem em crescer em progressão geométrica (Kachar, s.d.).

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Assim, a Internet é uma ferramenta de extrema valia para a diminuição do fosso existente entre certos segmentos da sociedade e os cidadãos com necessidades especiais (Nunes, 2002), destacando-se os idosos.

O idoso e a aprendizagem virtual

A partir da aquisição dos conhecimentos da Internet por pessoas idosas, observa-se a comunicação, a aprendizagem e a troca de conhe-cimentos entre diferentes indivíduos e, conseqüentemente, afasta-se o processo de exclusão social dessa classe de cidadãos. Portanto, é de suma importância a valorização do idoso ante suas experiências adquiridas ao longo da vida, em especial pela possibilidade de interação que os ambientes de educação permanente na Web proporcionam, despertan-do-o quanto ao seu valioso papel na sociedade em que está inserido, fato fundamental para a mensuração da melhoria da qualidade de vida dessas pessoas (Pasqualotti, 2003). Kachar (s.d.) conclui ainda que a tecnologia da informação é a representação da era da modernidade e o idoso, ao adentrar nesse meio, vence apenas mais um dos elementos de exclusão, em termos sociais.

Segundo Maddix (1990), um portal da Internet é uma parte do sistema que permite o contato entre usuário e os planos físico, perspectivo e cognitivo. Deve-se acrescentar que, em termos de percepção da reali-dade, faz-se necessário considerar as estruturas neurológicas necessárias. Assim, a sensação, a integração e a organização são impressões apreen-didas da realidade objetiva e que são importantes na construção do co-nhecimento do mundo e do próprio indivíduo. Contudo, essa percepção individual da realidade apresenta também mecanismos subjetivos que transpassam a objetividade neurofisiológica da sensação. Dessa maneira, as capacidades sensoriais, as capacidades de descobrir os estímulos e a distinção dos mesmos, possivelmente, podem ser aperfeiçoadas com a prática, sendo essencial o processo de mudança nas percepções para a ocorrência da aprendizagem (Ballone, 2004). Os ambientes são, dessa

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forma, estimuladores e, possivelmente, auxiliam no desenvolvimento do conhecimento, por meio da aprendizagem presencial ou mesmo pela aprendizagem virtual (Fialho, 2001).

Segundo Franco (2003), Piaget defendia a construção do co-nhecimento não apenas pelo acesso a informações, mas pelo processo ativo de interação, referenciando-se em termos do conhecedor e do conhecido, em um contexto de relações exclusivamente cognitivas. Observa, ainda, a partir de outros autores, que a motivação vinda do próprio aluno é o caminho para o sucesso no processo de educação a distância, pois proporciona a aprendizagem. Deve-se salientar que o processo educacional não é meramente solitário, porém inclui tanto as relações cognitivas quanto as relações sociais.

Em outro estudo, observaram-se experiências positivas na apren-dizagem e no domínio do computador por idosos, os quais mostraram atitudes de aproximação e interesse ante esse recurso, como maior familiarização com a tecnologia, maior conexão com o mundo tecno-lógico e conseqüente redução na alienação, e menor apreensão e maior confiança em virtude dos conhecimentos adquiridos no uso dessa máquina (Baldi, 1997).

Em complementaridade, observou-se que a auto-estima e a tec-nologia estão intimamente relacionadas. Com isso, o domínio de uma nova habilidade pode influenciar no crescimento da auto-estima, da mesma forma que esta pode conduzir à apropriação de novas tecnologias pelos idosos (Litto, 1996).

Convém destacar o desinteresse das diversas instituições de ensino quanto ao atendimento às novas exigências atribuídas à gestão educacional justa nas diferentes faixas etárias (Both, 2001). De um modo geral, a população brasileira passa por uma carência em recursos técnicos e educacionais. Conseqüentemente, encontra-se enfraquecida ao lidar com um futuro próximo que se transporta na incerteza do local e global, do espaço físico e virtual e ao enfrentá-lo (Kachar, s.d.).

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Em contrapartida, observa-se o iniciar da democratização do acesso à educação. Desse modo, a partir da educação a distância, a autonomia e o incentivo no processo ensino-aprendizagem podem ser propiciados, em especial entre idosos.

Finalmente, vê-se que a sociedade globalizada é caracterizada por uma maior acessibilidade à informação e pelo uso ativo nas diferentes vivências, mostrando que o indivíduo idoso tem ampliado seu universo de oportunidades e conscientização e, com isso, o sedentarismo, a aco-modação, a fadiga, a tristeza, a indisposição, o isolamento e a depressão têm sido deixados de lado, ressignificando sua existência por meio da aprendizagem, por sua inserção na sociedade como cidadão detentor de direitos e garantias legais e, inclusive, no próprio processo de envelhe-cimento e de velhice, garantindo-lhes melhor saúde e bem-estar, assim como melhor qualidade de vida (Gáspari e Schwartz, 2005).

Considerações finais

O Brasil tem experimentado, nos últimos anos, um envelhe-cimento crescente de sua população, ocasionada especialmente pela redução das taxas de fecundidade observadas.

Tem-se percebido também uma valorização da informação, a qual se expande progressiva e intensamente na sociedade contempo-rânea, valendo destacar a participação crescente do idoso no mundo cibernético.

Não obstante, as tecnologias de comunicação e de informação, em especial a Internet, estão possibilitando a inserção do idoso no mundo virtual e potencializando a interatividade e o acesso a informações, o qual vê ampliadas as oportunidades de se incluir novamente na sociedade.

Ao entendermos o idoso em toda a sua complexidade, seja ela física, cognitiva e emocional, acabamos por compreender melhor a relação do idoso e a informática, e o impacto que esta última pode ocasionar.

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Dessa forma, a pessoa idosa, ao deter conhecimentos de in-formática, possibilita um novo significado à sua vida, indo além das facilidades oferecidas, cultura, entretenimento ou atividade profissional que esse meio proporciona.

O mundo cibernético e a informática possibilitam a interação do idoso no mundo tecnológico, potencializando o domínio do idoso na operacionalização do computador, ampliando as relações interpessoais e intergeracionais e, ao mesmo tempo, reduzindo o isolamento e estimu-lando a parte psíquica e mental dessa classe emergente e, finalmente, disponibilizando uma melhoria na qualidade de vida desse indivíduo pela satisfação e oportunidade que lhe é proporcionada.

Outra experiência de real importância é a transmissão do co-nhecimento pela aprendizagem virtual, implicando um processo de transformação na vida do idoso diante da descoberta que aprender é algo ainda possível. Como observado por Litto (1996), o crescimento da auto-estima e a apropriação de uma nova habilidade tecnológica apresentam reciprocidade na vida do ser humano.

Desse modo, o usuário idoso vislumbra alcançar uma nova consciência, capaz de resgatar a importância do eu perante um ser que antes se fazia esquecido, seja por si próprio ou pela sociedade que o rodeia, despontando uma nova maneira de avistar as coisas do mundo vivido.

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Rossana Alfinito Kreis Alves – Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Católica de Brasília. Mestranda do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, DF. Brasil. E-mail: [email protected]

Vicente Paulo Alves Cárdenas – Doutor em Ciências da Religião pela Uni-versidade Metodista de São Paulo, coordenador do curso de Pós-Graduação em Ensino Religioso, pesquisador do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília - UCB, Brasília, DF. Brasil. E-mail: [email protected]

Carmen Jansen Cárdenas – Doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília-UnB-DF. Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, DF. Brasil. E-mail: ccardena@pós.ucb.br

Margô Gomes de Oliveira Karnikowski – Doutora em Patologia Molecular pela Universidade de Brasília, UnB-DF, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília – UCB, Brasília, DF. Brasil. E-mail: [email protected]

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Lazer e tempo livre na “terceira idade”: potencialidades e limites

no trabalho social com idososSolange Maria Teixeira

RESUMO: o objetivo deste artigo é apresentar uma crítica aos “programas para a terceira idade” que visam a ocupação do “tempo livre” com ativi-dades de lazer e recreação, com base na crítica aos fundamentos teóricos e ideológicos do lazer e do “tempo livre” que os fundamentam e de onde emanam as potencialidades no trabalho social com idosos.Palavras-chave: lazer; terceira idade; tempo livre.

ABSTRACT: The objective of this article is to present a critical analysis of the “programs for the third age” that seek to occupy the “free time” with leisure and recreation activities. The starting point is the criticism to the theoretical and ideological foundations of leisure and “free time” that are both the bases of these programs and the sources of potentialities in the social work with aged people.

Keywords: Leisure; Third Age; Free Time.

Introdução

Os programas sociais para a “terceira idade”, com objetivos de integração, re-socialização e valorização social dos idosos através do lazer e da educação permanente emergem no Brasil através da filantropia empresarial, tais como os trabalhos do SESC e, posteriormente, das

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Universidades Abertas para a Terceira Idade, das quais a PUC-Campinas é pioneira, instaurando formas alternativas de convívio, participação e ocupação dos idosos não institucionalizados.

Dentre aqueles programas, nos quais o lazer aparece como ativi-dade principal e ao mesmo tempo como fundamento teórico, de onde emanam as potencialidades do trabalho social com idosos, destacam-se os Grupos de Convivência ou Centros de Convivência. Os primeiros grupos de convivência organizados pelo SESC datam da década de 1960, formando grupos de aposentados em torno do lazer e da recrea-ção, através de uma nova ocupação do “tempo livre”, capaz de gerar uma nova sociabilidade contra a “marginalização” do idoso e em favor de sua valorização social. Posteriormente, esses grupos, denominados Centro de Convivência foram aglutinados num mesmo espaço social, com os seguintes objetivos:• incentivar a integração social dos idosos melhorando suas condi-

ções de vida e promovendo sua socialização, atualização cultural e a descoberta de novas habilidades, numa perspectiva de inserção social;

• auxiliar os idosos a preencher seu tempo livre com práticas e re-lações saudáveis, mas sobretudo a redimensionar sua vida, a ver o envelhecimento sob um novo prisma, em que a natureza fragilizada física dos mais velhos pode ser harmonizada com dignidade;

• promover a valorização dos idosos como fonte e repositório da memória histórica, proporcionando sua reintegração e participação nos processos sociais. (SESC, 2004, p. 6)

As atividades previstas nesses programas são diversificadas; de uma forma geral, porém, estão aglutinadas num conjunto de práticas que envolvem as seguintes dimensões do lazer:• artístico ou cultural (folclore, teatro, oficinas, música, dança, coral,

modelagem, pintura, artesanato, etc.);• educativos ou informativos: palestras, seminários, ciclos de debates,

cursos, filmes, vídeos, dentre outros;• social: comemorações ou calendário festivo;

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• físicas: hidroginástica, ginástica, caminhada, alongamento, ativida-des esportivas, etc.;

• viagens, excursões, passeios, turismo social. (SESC, 2003)

Além das atividades sociais, esportivas, recreativas, culturais, educativas, inclui-se envolvimento com a comunidade em trabalhos voluntários, beneficentes, em campanhas educativas e em outras ativi-dades que visam resgatar a participação e a “utilidade social do idoso, a auto-estima dela decorrente, amenizando os efeitos do preconceito, do abandono e do isolamento social” (ibid.) que estigmatizava os idosos.

Embora as primeiras experiências dessem ênfase ao associativis-mo em torno do lazer, com a criação e o fortalecimento dos grupos de convivência, com organização própria, as experiências expandiram-se para a oferta de serviços de entretenimento, lazer, recreação, cursos, palestras, etc. a serem escolhidos pelo idoso.

Hoje, a instituição atende cerca de cem mil idosos no país, nos programas: Grupo ou Centro de Convivência de Idosos, Escola Aberta para a Terceira Idade, Trabalho de Pré-Aposentadoria, Programa SESC Gerações, Trabalho Voluntário na Terceira Idade, que objetivam a socia-lização, a autonomia e a melhoria da auto-estima com a reconstrução da própria imagem do idoso.

Essas experiências expandiram-se para várias instituições pri-vadas (lucrativas e não-lucrativas) e públicas. A título de exemplo, a Secretaria de Promoção Social do Estado de São Paulo, em 1976, lançou um projeto para atendimento ao idoso do estado de São Paulo – Programa Pró-Idoso –, elaborado em conjunto com o Fundo de As-sistência Social do Palácio do Governo, durante a gestão de Paulo Salim Maluf. Conforme os estudos de Haddad (1986), a proposta, além da assistência ao idoso institucionalizado, também prevê a ação com vistas a atingir os idosos não asilados e a atingir o objetivo de “proporcionar ao idoso a participação em atividades educativas, ocupacionais, sociais e recreativas, aproveitando sua capacidade e prevenindo seu isolamento” (p. 77) estabelecendo como meta implantar os Grupos de Convivência.

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Atualmente, os Centros de Convivência espalham-se por todo o país, como programa social financiado pelo governo federal e im-plementado pelos municípios, estados e sociedade civil, com aqueles mesmos objetivos e atividades.

Considerando que esses programas centram-se em atividades de lazer, nas suas funções de entretenimento, recreação e desenvolvimento da personalidade, e em suas potencialidades capazes tanto de gerar ati-tudes ativas, novos comportamentos e sentimentos que se contrapõem aos estereótipos e preconceitos, quanto de fundar novas sociabilidades e experiências de associativismo que proporcionem bem-estar, valorização social, auto-estima e reconstrução da própria imagem, fundamentado nas análises teóricas sobre o lazer e suas potencialidades no trabalho social, assim, a análise crítica desses programas só podia se dirigir a seus fundamentos teóricos e ideológicos e às categoriais de “tempo livre” e seu corolário, o lazer, na ordem do capital.

Para discutir as potencialidades e os limites do lazer no traba-lho social com idosos, faz-se necessária uma crítica que desmascare a ideologia do igualitarismo que o perpassa, da falsa idéia de liberdade de escolha, da sua pretensa autonomia em relação ao mundo do trabalho, da sociabilidade e associativismo aclassista.

Essa perspectiva inviabiliza qualquer análise do lazer pelo lazer, como uma esfera separada e autônoma das relações de produção, como um tempo verdadeiramente livre e de desenvolvimento da personali-dade, de realizações de ricas necessidades num sistema sociometabólico totalitário e abrangente do capital que controla e engloba desde o campo da produção até o consumo, desde o plano da materialidade ao mundo das idealidades. O primeiro passo desta análise é estabelecer os funda-mentos teóricos, ou seja, a matriz teórica que orienta esses programas e demarcar suas interpretações do lazer e do tempo livre.

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Fundamentos teóricos do lazer e “tempo livre” dos programas para a terceira idade

O lazer tem sido tratado, na literatura sociológica, segundo as variáveis tempo1 e atitude.2 Em relação a esta última variável, o lazer é associado a um estilo de comportamento, podendo ser encontrado em qualquer atividade que traduza no praticante uma grande satisfação, dis-tração, entretenimento, capaz de aliviar as tensões e eliminar o desgaste físico-mental produzido pelos compromissos cotidianos. Criticada por apresentar uma definição mais psicológica que sociológica, e em opo-sição, emergem as interpretações do lazer através da variável “tempo”. Essa perspectiva considera o lazer segundo as idéias de tempo livre, de liberação não só do trabalho, mas também das obrigações cotidianas, sociais, familiares ou políticas. Enfim, um tempo verdadeiramente livre, em que o lazer representa um campo de livre escolha pessoal, conforme defende o sociólogo Dumazedier.

A influência das idéias de Dumazedier sobre tempo livre e lazer são essenciais na fundamentação dos programas para a terceira idade, tanto na França como no Brasil. Para se ter uma idéia, durante as dé-cadas de 1970 e 1980, o SESC promoveu vários seminários internos, com a presença do autor, além de enviar seus pesquisadores para cursos de pós-graduação na Sorbonne, sob sua orientação direta.

Para Dumazedier, o lazer é, para a maioria dos trabalhadores, o tempo e a ação autodestinadas às mais íntimas formas de enrique-cimento ou de satisfação pessoal, abordando-o não apenas na sua

1 Bacal (1988) trabalha com a variável tempo. Ela denomina “tempo necessário” o tempo despendido para a execução das tarefas de trabalho; “tempo liberado” o tempo de que o homem dispõe após o tempo necessário e “tempo livre” como uma parcela do tempo liberado pressupondo a liberdade de escolha do que fazer ou não fazer, compreendendo tanto o lazer como o ócio.

2 Gaelzer (1986) trabalha com a dimensão atitude. “Costuma-se pensar que lazer e tempo livre são a mesma coisa, mas todo mundo pode ter tempo livre e nem todos podem ter lazer. [...] o tempo livre é uma idéia de democracia realizável. O lazer não é por todos realizável por tratar-se de uma atitude e não só de uma idéia. [...] lazer é a harmonia individual entre a atitude, disponibilidade de si mesmo e o desenvolvimento integral” (p. 49).

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dimensão compensatória ou complementar às atividades profissionais ou obrigações sociais, mas, eminentemente, como uma necessidade das sociedades modernas, dos indivíduos, relacionadas ao desenvolvi-mento de sua personalidade; como espaço gerador de novos valores, sociabilidades, convivência social e enriquecimento dos fenômenos culturais; como tempo de livre escolha de atividades que proporciona felicidade, alegria, divertimento, entretenimento; uma nova moral de boa vida ou de qualidade de vida. Perspectiva adotada nos programas desenvolvidos pelo SESC.3

A abordagem que os técnicos do SESC adotam é reveladora do sentido atribuído ao lazer, comum às formulações originais de muitos programas para a terceira idade, baseada na idéia de tempo livre.

Com referência a essa questão, o sociólogo Joffre Dumazedier considera e diferencia a existência de três tempos: tempo de trabalho, tempo liberado e tempo livre, sendo este último aquele que possibilita a real prática do lazer. [...] O tempo livre seria, exatamente, o tempo que resta para ser utilizado em razão de quaisquer interesses, menos daqueles aos quais o indivíduo, por sua função social, tem a obrigatoriedade de atender. No tempo livre pode se situar o tempo de lazer, desde que as atividades assumidas estejam orientadas por uma escolha pessoal. Dessa forma, o verdadeiro lazer é aquele que é produzido segundo interesses do indivíduo, resultado de repouso, diversão, crescimento do relacio-namento social, é realizado no seu tempo livre, descomprometido de outros compromissos (Salgado, 1982b, p. 61)

Percebe-se, a partir dessa perspectiva teórica, uma supervalori-zação do “tempo livre” como espaço de liberdade, de livre escolha, de satisfação de necessidades de auto-realização; uma esfera apartada do

3 Em suas diretrizes de ação, está clara para o SESC esta opção de compreensão do lazer: “a Entidade reconhece a importância do lazer para liberar o indivíduo da fadiga resultante de suas obrigações, notadamente as do trabalho, como também ajudar o indivíduo a suportar os efeitos da disciplina e das imposições obrigatórias, buscando ainda o desenvolvimento de sua personalidade, na medida em que o libera dos condicionamentos que o automatizam” (2004, p. 18).

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mundo produtivo, não apenas do trabalho como atividade profissional, mas também da lógica expansionista do capital, dos condicionamentos sociais.

Trata-se de uma proposição romântica e utópica do tempo li-vre no interior de uma sociedade fetichizada, como se fosse possível vivenciar uma vida absolutamente sem sentido no trabalho e cheia de sentido fora dele, principalmente no envelhecimento, depois de uma vida inteira desprovida de sentido, mas compensada num período de lazer. Trata-se de uma análise que desconsidera a dinâmica social na qual se manifestam as necessidades sociais e sua relação com o sistema produtor de mercadorias.

Apostando na liberdade, restrita à livre escolha, Dumazedier (2004, p. 34) define lazer assim:

Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode se entre-gar de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação voluntária ou sua livre capaci-dade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.

É exatamente a falta de articulação entre as condições históricas sociais produtoras de necessidades e suas relações com a produção, distribuição e consumo na sociedade capitalista, que cria a falsa noção de liberdade individual nesta sociedade. Todavia, como destaca Heller (1986, p. 58), no:

[...] universo da manipulação das necessidades, a liberdade individual é só aparente: a particular elege os objetos de suas necessidades e plasma essas necessidades individuais não em conformidade com sua personalidade, mas, sobretudo, em conformidade com o lugar que ocupa na divisão do trabalho [...] dado que o fim não é o desenvolvimento múltiplo do indivíduo, o particular se converte em escravo desse conjunto de necessidades.

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A necessidade de tempo livre e do lazer não é apenas uma con-quista dos trabalhadores, como também uma necessidade do sistema produtor de mercadorias, para o consumo de seus produtos, bens e serviços (materiais e simbólicos). Como necessidades humanas, a necessidade do lazer traz a marca das condições sócio-históricas, cuja possibilidade de satisfação dessa necessidade ou acesso está definida pelo lugar ocupado na divisão social do trabalho.

As contradições do sistema produzem necessidades cada vez mais ricas, ao mesmo tempo em que empobrecem, homogeneizam necessi-dades para a grande maioria dos trabalhadores, principalmente os mais pobres, ou seja, não satisfaz necessidades elementares da existência, posto que o fim da produção não é a satisfação de necessidades, mas a valorização e reprodução do capital.

Sem dúvida, a necessidade de tempo livre constitui, segundo Marx (apud Heller, 1986), uma necessidade elementar, porque supera, em todo momento, a alienação. Logo, a luta pelo incremento do tempo livre (isto é, pela redução do tempo de trabalho) faz parte da ótica de luta da classe operária. Evidentemente, Marx não nega que também a luta por tempo livre pode permanecer dentro do marco do capitalismo, pois são precisamente as leis que regulam a troca de mercadorias que fazem emergir “direitos iguais”; como ressalva Aquino (2005, p. 2), o lazer é a ideologia do igualitariamo:

Acessível – enquanto mercadoria consumível – na esfera da circulação mercantil e tendo como pressuposto o assalariamento, no lazer todos são iguais – ilusoriamente iguais – enquanto consumidores, e enquanto tais já não se reconhecem com o que são em sua vida real. O lazer, assim, é a inversão da vida; a vida de um mundo investido. Situado na aparência do sistema, na esfera das trocas iguais, o lazer compõe a “autonomização da aparência”.

É nesse espaço da distribuição, do consumo, da reprodução so-cial que se busca criar uma nova sociabilidade, uma nova ética capaz de gerar valorização nos idosos; espaço do lazer como valor, como

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desenvolvimento da personalidade, como realizável na ordem do ca-pital, com capacidade de alterar essas relações no mundo produtivo, de humanizá-lo.

Todavia, a liberdade é aparente, ilusória, formal, ideológica e incapaz de alterar as condições de vida, a distribuição de riquezas, o controle opressivo do capital sobre o tempo de vida do trabalhador, incluindo seu “tempo livre”, redefinido pelas formas modernas de es-tranhamento, como espaços de manipulação do consumo, englobando os bens e os serviços de entretenimento, lazer, recreação, moda, cultura, que se definem não só como campo de giro rápido do capital, logo, como espaços de reprodução social deste, mas também como manipulação de comportamentos, atitudes, sentimentos, visões do mundo compatíveis com as determinações da produção e reprodução do capital.

Embora a necessidade de tempo livre converta-se, por princípio, em uma necessidade radical da classe trabalhadora, exatamente porque o sistema cria condições para sua efetivação, mas, ao mesmo tempo, é incapaz de reduzir o tempo de trabalho sem ampliar formas extensivas de exploração, sem gerar desemprego em massa, exclusões do mundo produtivo de milhares de vidas, ou seja, é incapaz de distribuir a rique-za socialmente produzida e o tempo liberado para todos trabalharem menos e se ocuparem com ricas necessidades.

O lazer como campo de desenvolvimento humano é ilusório na ordem do capital. Enquanto não cessar o domínio das coisas sobre os homens e a produção para fins de valorização do capital, as necessidades não poderão ser governadas pela “necessidade de desenvolvimento do indivíduo”.

O controle sobre o tempo livre do trabalhador, como extensão do controle do tempo de vida, remete à idade dos monopólios e aprofunda-se na nova ordem mundial, expandindo-se para todos os setores da vida.

Essa expansão, na nova fase de mundialização do capital, das mo-dalidades de investimentos e de valorização próprios do capital, atinge as áreas antes não-mercantis das políticas sociais e segmentos sociais antes não considerados como consumidores ativos, os idosos, que, por possuírem renda proveniente de pensões e aposentadorias, passam a ser alvo do mercado, como consumidores manipulados. Logo, a preocupação

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com seu “tempo livre” não deriva apenas do crescimento numérico dos idosos ou de questões humanitárias, mas também de difusão dos novos comportamentos compatíveis com essas alterações.

Como forma de extensão do controle do capital sobre o tempo de vida do trabalhador, estendem-se as propostas socializadoras e integradoras, a partir da ocupação do “tempo livre” dos idosos, que buscam adestrar os corpos envelhecidos, ativados pelos exercícios físi-cos, mantidos através da boa alimentação, incentivados por variadas formas de entretenimento e atividades recreativas, submetidos às receitas gerontológica que, como destaca Haddad (1986), camuflam a tragédia do fim da vida que abate os trabalhadores envelhecidos e a maioria dos idosos.

Se não é a satisfação de necessidades ricas, de auto-satisfação, que visa o sistema capitalista, a não ser utopicamente numa esfera apartada da produção, como é tratado pelos apologistas do “tempo de lazer”, essa pseudovalorização do idoso, sem alteração nas relações de produção que geram expropriação, só pode estar relacionada ao avanço do consumo e da mercantilização de áreas e setores ainda não mercantilizados, rompendo com todos os obstáculos, dentre eles os direitos sociais e comportamentos tradicionais do grupo etário, principalmente daqueles idosos que possuem renda, saúde, disposição de viver novas experiências. Isso se explica porque a produção não gera apenas o objeto da necessidade, mas o sujeito das necessidades, articulada dialeticamente ao consumo.4

Obviamente que se o lazer não pode ser igualado ao consumo, como destacam as críticas de Dumazedier (1999) às análises marxistas do lazer, com certeza, sua análise não pode prescindir das relações com o consumo e com as relações de produção. Conforme Marcuse (1987),

4 Marx (1978, p. 109) trabalha essas relações dialéticas entre produção e consumo. Assim define: “sem produção não há consumo, mas sem consumo tampouco há produção [...]. O consumo cria o impulso da produção; cria também o objeto que atua na produção como determinante da finalidade. Se é claro que a produção oferece o objeto do consumo em sua forma exterior, não é menos claro que o consumo põe idealmente o objeto da produção, como imagem interior, como necessidade, como impulso e como fim. Sem necessidade não há produção. Mas o consumo reproduz a necessidade”.

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o lazer na sociedade capitalista é uma alienação, uma ilusão de livre satisfação das necessidades do indivíduo, porquanto essas necessida-des são criadas, manipuladas pelas forças econômicas da produção e do consumo de massa, conforme os interesses do capital. Os bens e serviços do lazer estão, pois, submetidos às mesmas leis do mercado que outros bens e serviços. Assim, a noção utópica e romântica de realização pessoal, de espaço de desenvolvimento da personalidade fica comprometida, bem como a da livre escolha, a de atividades sem fins lucrativos e desinteressadas.

O lazer não está livre da mácula expansionista e manipuladora do capital, do mundo produtivo. Aí estão situadas as iniciativas do patronato, como o SESC, e o lazer promovido pelas empresas a funcionários e comu-nidade, como estratégias de controle sobre um tempo que o trabalhador não deve explicações, mas que guiados por essas políticas, visam adestrar, disciplinar, domesticar e direcionar a ocupação do tempo livre, seja para recomposição das forças, seja para criação dos laços de pertencimento à empresa, seja para gerar novos valores, visões de mundo, sentimentos e atitudes solidárias, participação voluntária, cooperação entre capital e trabalho, em nome do desenvolvimento pessoal, da qualidade de vida.

Exatamente em função dessa relação entre lazer e consumo, res-pectivamente na França e na Inglaterra (cf. Lenoir, 1979 e Featherstone, 1998), emergem, nas últimas décadas, imagens atuais da velhice como tempo de lazer, de realizações de sonhos de juventude, de criatividade ou de uma suposta equação nova e positiva, que enfatiza capacidade, saúde e atividades como legítimas para a velhice, que têm como base uma crescente influência das pensões privadas destinadas às classes médias e altas e os serviços que são oferecidos para atraí-los.

Nesses programas, não há uma valorização da pessoa idosa por sua experiência de vida, pelo saber acumulado, pela contribuição com a riqueza social produzida, mas há um reforço à indução comporta-mental, de atitudes ativas, aquelas em que os idosos usam a máscara da juventude de espírito e negam a velhice.

É em nome desses novos valores, de uma nova sociabilidade movida pelas necessidades de entretenimento, recreação, divertimento e

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desenvolvimento da personalidade, capaz de criar alternativas de estilo de vida, que se enfatizam as funções do lazer, base de onde emergem os objetivos buscados nesses programas.

Para Dumazedier (2004), são quatro as funções básicas do lazer. Sua primeira função é a liberação e o prazer. Nesse sentido, “o lazer é reparador das deteriorações físicas e nervosas provocadas pelas tensões resultantes das obrigações cotidianas e, particularmente, do trabalho” (p. 34). A segunda função compreende divertimento, recreação e en-tretenimento. Trata-se de um fator de equilíbrio em meio à disciplina e às coerções necessárias à vida social, um meio de evasão do cotidiano. A terceira função dá um novo aspecto ao lazer, constituindo desenvol-vimento da personalidade, que permite uma participação social maior e mais livre, a prática de uma cultura desinteressada do corpo, da sen-sibilidade e da razão, além da formação prática e técnica, oferecendo novas possibilidades de integração voluntária à vida de agrupamentos recreativos, culturais e sociais (ibid.).

Todavia, essa função de desenvolvimento pode, ainda, segundo esse autor, criar novas formas de aprendizagem voluntária e contribuir para o surgimento de condutas inovadoras e criadoras. São nessas dimensões que se colocam os programas para a “terceira idade”, apostando no indivíduo e na sua capacidade, através do lazer e de novas formas de ocupação do tempo livre, de apreender a “arte de saber envelhecer” ou como não envelhecer, de adaptar-se a uma sociedade em mudança, gerando condutas e um estilo de vida ativo, saudável e produtivo capaz de se contrapor a uma experiência socialmente produzida pelas relações sociais capitalistas.

A respeito dessa ênfase no indivíduo, Lima (1999) destaca que, embora haja, nos discursos teóricos dos técnicos do SESC, uma re-jeição das abordagens que tomam o lazer como uma atitude, como as propostas norte-americanas, sob o argumento da psicologização exagerada, a dimensão subjetiva é retomada no plano da expressão da personalidade individual.

Esse é um dos efeitos peculiares dos programas de ressocialização e reinserção: promoverem uma individualização do problema social, remetendo-o para o âmbito privado, da ação individual, através da

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co-responsabilização dos indivíduos pelos problemas que enfrentam. Em outras palavras, o alvo e a solução da problemática estão no próprio indivíduo.

A manipulação do “tempo livre” mediante indução comporta-mental, planejamento externo da vida e das atividades consideradas legítimas para a idade, entre elas o lazer, culpabiliza os idosos que não têm motivação e dinheiro para adotar esse novo estilo de vida ativo, participativo e produtivo, assim como os auto-responsabiliza pelo controle dos efeitos do envelhecimento e por seu bem-estar físico e emocional.

Assim, além da crítica ao formato do programa e aos seus ob-jetivos de socialização e integração social, tendo em vista o caráter reformador do homem, buscado em suas ações prioritárias, mantendo sem problematização as estruturas geradoras de desigualdades e dos preconceitos contra os idosos, essa crítica também se estende aos fun-damentos teóricos dos programas, a sociologia do lazer e suas funções e potencialidades para o trabalho social.

A principal delas é o limite da sua função de desenvolvimento da personalidade, enquanto perdurar o domínio das coisas sobre os ho-mens, a manipulação do trabalho e expropriação do tempo de vida do trabalhador pelo capital, pois, como destaca Aquino (2005), o lazer na sociedade capitalista é passatempo ou, na versão popular, mata-tempo, que reforça suas funções de compensação e evasão da vida, enviando a dimensão da liberdade para o “tempo livre”, que se restringe a uma liberdade de escolha, ela mesma limitada pelos condicionamentos da expansão do capital, pelos bens e serviços oferecidos, enquanto pas-satempo.

Outra dimensão dessa crítica refere-se à transformação do lazer em espaços de expansão e reprodução do capital através do consumo, da indústria cultural, do entretenimento, da moda, dentre outros. Como destaca Padilha (2000), a racionalidade econômica, mediante as inovações tecnológicas, pode gerar quantidades crescentes de tempo disponível, que necessitaram das lutas operárias para se estender aos

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trabalhadores. A razão econômica, porém, controla o sentido e o conte-údo desse tempo através da manipulação do consumo de mercadorias, bens e serviços, sob a ótica do capital.

Trata-se, como descreve Lukács (1979), de formas de estra-nhamento, que não mais se restringem à produção e que se realizam, também, fora do mundo produtivo, na esfera do consumo material e simbólico, no espaço reprodutivo fora do trabalho, através da manipu-lação do consumo, dos gostos, da cultura, etc.

Embora os apologistas do lazer como tempo livre o coloquem numa esfera separada da esfera produtiva, restrita ao trabalho profissional e não às determinações do modo de produção e reprodução sob a lógica do capital, e de outras obrigações, como espaço de desenvolvimento da personalidade, da liberdade de escolha, e como necessidade humana, desconsiderando seu processo histórico e a divisão social do trabalho, que divide as necessidades e as possibilidades de satisfazê-las, esse tempo também está maculado pela lógica do capital, logo, “a desfetichização da sociedade do consumo tem como corolário imprescindível a desfetichização no modo de produção das coisas” (Antunes, 2002, p.176).

Dessa maneira, tempo de trabalho e tempo livre estão articula-dos. O domínio efetivo e autônomo da esfera do trabalho e da produção também encontra seu corolário na esfera livre e autônoma da vida fora do trabalho, condição para que o tempo livre se torne efetivo e real, espaço de realizações de ricas necessidades, dentre elas, de desenvolvimento pessoal, de atividades de auto-realização, não mais conduzido pelas regras impositivas do mercado. Como destaca Antunes (ibid.), a libertação do trabalho humano do fim externo, alienado, estranhado, é o fundamento ontológico para a condição de “ser livre e universal” do homem, para a efetivação de um tempo verdadeiramente livre para todos.

Portanto, as novas sociabilidades capazes de gerar novas relações sociais não se dão na esfera da reprodução, mas da produção. Uma vida cheia de sentido no tempo livre, na velhice, pressupõe uma trajetória de vida dotada de dignidade e sentido. Apostar na capacidade do indivíduo, através de atividades desinteressadas, do convívio grupal, da participação voluntária para reverter problemas estruturais – uma desvalorização

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social que atinge toda a classe trabalhadora convertida em objeto, em força produtiva material, e que reproduz vidas sem sentidos, sem valor – é uma individualização exacerbada da vida social, uma psicologização que torna a velhice um dado controlável, um estado de espírito, que pode ser retardada, negada, refeita conforme a vontade, o estilo de vida de cada um, do seu compromisso com a qualidade de vida, de se envolver em atividades saudáveis, em se sentir útil e valorizado, em recriar papéis e sentido de vida, logo, uma responsabilidade individual, constantemente acionada pelos programas.

Esses programas são também espaços de controle da consciência social, forjando uma consciência aclassista, supraclassista, através do incentivo a novas formas de associativismo, e de agrupamentos em torno do lazer. As organizações recreativas e educativas são consideradas as formas mais originais de sociabilidade desenvolvidas pelo lazer, como destaca Dumazedier:

Essas associações de lazer (esportivas, turísticas, musicais e intelectuais) [...] não se formam devido à divisão das classes sociais, mas apesar delas; não se relacionam com o futuro, mas com o presente; tendem a desviar uma parte do potencial social do campo da produção e também das tensões suscitadas pelas relações sociais, orientando-as na direção de um universo, semi-real, semi-imaginário, onde o homem poderá subtrair-se de suas relações com a humanidade e docemente entregar-se a si próprio. (2004, p. 49)

Um individualismo exacerbado é a lógica desse tempo livre, uma evasão da vida, uma rejeição do cotidiano é a lógica desse associati-vismo, incapaz de libertar a vida das amarras da alienação. Essa nova sociabilidade implica uma nova consciência individualista e hedonista e a infantilização dos sujeitos sociais. A ação pelo “tempo livre”, por sua ocupação com atividades e relações saudáveis, dissocia-se da luta contra a lógica do capital e a vigência do trabalho abstrato.

Todavia, os programas para a “terceira idade” buscam, através do lazer, as atitudes ativas, capazes de proporcionar um envelhecimento

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ativo, participativo, autônomo. Assim, as atividades de lazer desses programas não apenas enfatizam sua dimensão compensatória do tra-balho, de evasão do cotidiano, mas também podem gerar espaços de aprendizagem e de reflexão.

Como destaca Dumazedier (ibid.), a atitude ativa implica, ao menos periodicamente, uma participação consciente e voluntária na vida social e cultural, opondo-se ao isolamento e ao recolhimento so-cial, à “anomia”, que são tomados como a problemática que atinge a velhice, genericamente, para a qual o lazer e a educação permanente são apontados como o modo mais eficiente e barato de enfrentamento. Essa atitude, para esse autor, opõe-se à submissão às práticas rotineiras, às imagens estereotipadas e às idéias preconcebidas de determinado meio social. Portanto, são dessas potencialidades do lazer que derivam, pelo menos na aparência, as iniciativas de reconstrução de imagem dos idosos, da luta contra os preconceitos, de ressignificar a velhice. É com ela que se visa contrapor a desvalorização social dos trabalhadores idosos.

O tempo de lazer define-se também como um tempo de aprendi-zagem, mesmo que desinteressada, sem obrigatoriedade e mecanismos formais de aferição.

O tempo de lazer, enquanto um tempo de fruição, torna-se tam-bém um tempo de aprendizagem, aquisição e integração, diversos sentimentos, conhecimentos, modelos e valores da cultura, no conjunto das atividades nas quais o indivíduo está enquadrado. O lazer poderá vir a ser uma ruptura, num duplo sentido: a cessação de atividades impostas pelas obrigações profissionais, familiares e sociais, e, ao mesmo tempo, o reexame das rotinas, estereótipos e idéias já prontas que concorrem para a repetição e especialização das obrigações cotidianas. (Ibid., p. 265)

Investindo nessas potencialidades do lazer, os programas de-finem-se com objetivos para além da valorização e do convívio para idosos, como também de “promoverem uma revisão profunda do papel

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social e da imagem do idoso, ajudando a criar condições de libertá-lo do preconceito e da marginalização” (SESC, 2003, p.26), como se esses preconceitos independessem das condições materiais de produção.

É a partir dessa potencialidade de aprendizagem, aquisição e integração, através das atividades de lazer, que se ampliaram as ativi-dades dos Centros de Convivência:

Os primeiros grupos de convivência de idosos do SESC-SP caracte-rizaram-se fundamentalmente pelas atividades sociais, esportivas e recreativas, com uma programação que oferecia aos idosos uma série de oportunidades descontraídas para a socialização: jogos de salão, gincanas, animações musicais dançantes, bailes, passeios, trazendo como benefício a sensação de bem-estar físico e emocio-nal, decorrentes dessas atividades; depois se incluíram atividades de aprendizagem, de informação, visando atualizá-lo e capacitá-lo para uma melhor integração social à sociedade, incluindo-se atividades como cursos e seminários sobre temas relacionados ao envelhecimento, palestras de orientação e atualização sobre previdência social, assuntos jurídicos, saúde, dentre outros. Sessão de cinema e teatro, oficinas de criação e atividades de expressão artísticas como formação de corais ou conjuntos musicais e a realização de exposições de arte. (Ibid., p. 46)

Essas atividades, aparentemente de livre escolha, mas cujo acesso depende da capacidade de pagamento pela participação nas atividades, são partes de um planejamento externo de ocupação do “tempo livre” pelo patronato, pela iniciativa privada que induz comportamentos e atitudes compatíveis não apenas com a dimensão de consumidores ativos, mas também com as formas de enfrentamento do crescimento do número de idosos que conta com sua participação, da família, da comunidade e das organizações não-governamentais, induzindo-os a buscar seu bem-estar nos serviços oferecidos por essas organizações sociais e pelo mercado.

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Considerações finais

Os programas sociais para idosos, fundamentados no lazer (so-ciocultural, artístico, intelectual, físico, dentre outras dimensões) ou de educação permanente, de iniciativa pública ou privada, constituem espaços contraditórios, que, sob a intenção explícita de gerarem espaços de sociabilidade, convívio, participação e ocupação do tempo livre dos idosos, difundem mecanismos de controle sobre o tempo de vida do trabalhador e de outros grupos, estendendo-o para além do tempo de trabalho, para incluir o tempo da aposentadoria, do envelhecimento; redefinindo como tempo de lazer, de prazer, o seu tempo livre, um tempo de consumo de bens e serviços (materiais e simbólicos) para os quais necessitaram de uma revolução cultural que a cultura “pós-moderna” se encarregou de efetivar, capaz de difundir novos comportamentos, atitudes, sentimentos, formas de pensar e viver essa etapa da vida e de criar uma nova consciência social aclassista, fundada em valores de solidariedade, cooperação, em associativismos de base individualista e hedonista do lazer e da qualidade de vida.

Esses programas, ao serem difundidos pela iniciativa privada, são mais que estratégias românticas e utópicas de um capitalismo humani-zado, de uma educação libertadora, de um lazer que visa o desenvolvi-mento da personalidade; são estratégias que engendram associativismos e consciência social aclassistas, de solidariedade entre capital e trabalho, de trabalhos voluntários, comunitários, que legitimam “novas” formas de trato das refrações da questão social, no campo da ajuda, e não do Estado e dos direitos, mantendo, num âmbito inquestionável, o fun-damento das desigualdades sociais, a sociedade do trabalho abstrato, aviltante, alienado e assalariado.

Em que pesem as potencialidades do lazer no trabalho social com idosos, de gerar auto-estima, socialização, formas de convivência, aprendizagem voluntária, destaca-se também o seu revés, ou seja, pensá-lo como uma atividade autônoma, livre dos condicionamentos sociais, um mundo apartado da vida cotidiana, das relações de produção, como se a alienação e o estranhamento ficassem lá fora, no mundo

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produtivo e não no mundo reprodutivo, do consumo. Como conse-qüência, gera-se associativismos aclassistas e incapazes de promover uma crítica à vida cotidiana e práticas transformadoras para além das mudanças individuais.

Além disso, de uma forma geral, o lazer é o “tempo livre” da sociedade do trabalho abstrato e está maculado pela lógica do capital, como toda a vida humana e as necessidades sociais.

Assim, a submissão da vida ao planejamento externo permanece no “tempo livre” do trabalhador, no seu envelhecimento, agora sujeito a disciplinamento e controle, induzido a adotar estilos e hábitos de vida ditos saudáveis, comportamentos ativos, que transformam os problemas que enfrentam em negligência pessoal, em falta de mo-tivação. E mediante difusão de uma cultura autopreservacionista do corpo, da saúde, dos riscos, através de atividades físicas, recreativas e de entretenimento, esses programas auto-responsabilizam esses idosos pela solução dos mesmos.

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Data de recebimento: 20/5/2007; Data de aceite: 30/8/2007.

Solange Maria Teixeira – Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected].

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Implicações psicossociais do envelhecimento: o caso da cirurgia de revascularização

do miocárdio em mulheres idosasPatrícia Fonseca Caetano da Silva

Célia Pereira Caldas

RESUMO: o presente trabalho tem como objeto a realização da cirurgia de re-vascularização do miocárdio em mulheres idosas. O objetivo é compreender seus significados e impactos na vida dessas mulheres e de suas respectivas famílias, com base em uma revisão da literatura científica. Almejou-se contribuir para o conhecimento, visando a promoção de condições para o tratamento de idosas que necessitam realizar a complexa cirurgia de revascularização do miocárdio. Palavras-chave: mulher idosa; cirurgia cardíaca; família.

ABSTRACT: The object of the present article is the performance of myocardial revascularization surgery on aged women. The aim is to understand its meanings and impacts on the life of these women and their families, based on a scientific literature review. Our objective was to contribute to the gathering of knowledge, in order to promote conditions for the treatment of aged women who need to undergo the complex myocardial revascularization surgery.Keywords: aged woman; cardiac surgery; family.

Introdução

Fundamentado em conteúdo teórico-conceitual na área da ge-rontologia e da psicologia aplicada à cardiologia, objetivando contribuir para o campo das práticas e políticas públicas, o presente trabalho tem

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como objeto o processo de realização da cirurgia de revascularização do miocárdio em mulheres idosas, a partir da doença arterial coronariana (DAC). O objetivo é compreender os significados e impactos dessa cirurgia na vida das mulheres idosas e de suas respectivas famílias com base em uma revisão da literatura científica. O foco principal é o su-porte social existente durante toda essa vivência. Dessa forma, visa-se a promoção de condições para o tratamento de idosas, contemplando a relação destas com suas famílias, por meio de um relato de experiência fundamentado, sobre o objeto de estudo.

O envelhecimento populacional pode ser visto como um fenô-meno social mundial. O que significa dizer que, proporcionalmente, há um crescimento maior da faixa etária idosa em relação às demais (Camarano, 2006). No Brasil, tal fato pode ser observado desde o início da década de 1960, com o aumento do número de pessoas com mais de 60 anos no total da população (Chaimowicz, 1997). Em 2000, 8,6% da população era constituída por idosos. Projetando-se para 2020, é provável que exista um contingente de aproximadamente 30,9 milhões dessa faixa etária (Beltrão, Camarano e Kanso, 2004).

Outra característica que pode ser observada dentro desse quadro é o avanço no número de idosos com mais de 80 anos. Em particular, a prevalência do número de idosas nessa faixa etária, o que vem se caracterizando como a “feminização da velhice”. Segundo o Censo De-mográfico de 2000, 60,1 % da população idosa com mais de 80 anos era composta por mulheres. Alguns dos principais motivadores desse fato são os resultados satisfatórios das políticas sociais e econômicas, e do desenvolvimento de tecnologias médicas que resultaram em uma melhoria das condições de vida em geral, especificamente de saúde (Camarano, 2003).

Apesar disso, por mais que existam políticas públicas relevantes, elas ainda não são suficientes, pois o país ainda encontra-se às voltas com os desafios do controle da mortalidade infantil e de doenças transmis-síveis, não sendo capaz de aplicar estratégias para a efetiva prevenção e tratamento das doenças crônico-degenerativas, suas complicações e limitações (Camarano, 2006). Em um contexto de importantes desi-

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gualdades culturais e sociais, idosos não encontram amparo adequado no sistema público de saúde e previdência, acumulam seqüelas de doenças crônico-degenerativas coexistentes, desenvolvem incapaci-dades, perdem autonomia e qualidade de vida (Chaimowicz, 1997). Quando o pressuposto é o de que a população idosa dependeria das suas capacidades básicas, daquelas adquiridas ao longo da vida, das políticas sociais e das demais redes de apoio formais e/ou informais, como a família; isso sem excluir suas trajetórias de vida diferenciadas (Camarano, 2003).

Nota-se que, com o crescimento da expectativa de vida da popu-lação brasileira, é cada vez maior o número de indivíduos a atingir os 70 anos de idade que necessitam de algum tipo de intervenção cardíaca complexa; a prevalência é de que aproximadamente 76% da popula-ção idosa com idade superior a 70 anos sofra de doença coronariana obstrutiva severa (Loures et alii, 2000).

A escolha do tema deu-se em função da vivência profissional numa unidade hospitalar cardiointensiva situada no Rio de Janeiro, durante dois anos. Ela possibilitou compreender meandros de sua dinâmica, assim como problematizar algumas questões relevantes no âmbito da saúde coletiva, como o fato de a doença arterial coronariana (DAC) ser a principal causa de óbito nos países desenvolvidos e umas das principais no Brasil (Iglézias et alii, 2001). Percebeu-se não apenas a complexidade envolvida no cuidar integral das pessoas com doenças do coração, mas também que a maior parte dos pacientes internados era idosa (na sua maioria com mais de 70 anos) e necessitava de intervenção cirúrgica. Outro fator constatado foi a presença de um número cada vez mais elevado de mulheres idosas nessas unidades de internação, que, até a década de 1990, eram ocupadas majoritariamente por homens idosos e de meia-idade. Diante de tal fato, poder-se-ia dizer que está ocorrendo uma “feminização”, não apenas da velhice, como também dos distúrbios cardiovasculares.

O processo de envelhecimento traz mudanças significativas no âmbito da saúde. Paralelamente ao aumento dos anos de vida, depara-se com um maior percentual de doenças crônicas não transmissíveis, dentre

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as quais pelo menos uma doença ou condição crônica é referida por 69% dos idosos brasileiros, com proporção maior entre as mulheres (75%) do que entre homens (62%), conforme destaca Lima-Costa ( 2003).

Sendo assim, a natureza dos problemas médico-sociais dos idosos tem características específicas, que acentuam a importância de trabalhá-los cuidadosa e sistematicamente (Kalache, 1987). Como por exemplo, o fato de as doenças que acometem os idosos serem, em sua maioria, doenças crônico-degenerativas que necessitam de tratamentos e cuidados diários e prolongados. Não podendo esquecer do fato de a maioria desses idosos viver sob condições sociais, econômicas e culturais desfavoráveis.

Dentro desse tema surge uma questão relevante para as políti-cas públicas, que é o fato de o mundo dos muito idosos ser composto, predominantemente, de mulheres (Cartensen e Pasupathi, 1993). Dos 14,5 milhões de idosos contabilizados pelo censo demográfico em 2000, 55% eram mulheres. Estas crescem em prevalência, à medida que a idade aumenta. Esse fato é ilustrado pela mortalidade diferencial por gênero, ou seja, morrem mais homens do que mulheres e eles morrem mais jovens (Camarano, 2006).

Quando se analisa a proporção entre os sexos, observa-se o pre-domínio de mulheres após os 80 anos (190 mulheres para 100 homens). Entre os octogenários, a razão de feminização é de 181/100; entre os nonagenários é de 287/100; e entre os centenários é ainda maior, 386/100 (Lorga et alii, 2002).

De tal modo, o indicador de mulheres idosas viúvas e em situa-ção socioeconômica desvantajosa é elevado, pois eram sustentadas pelo marido e agora sobra apenas a pensão por morte (Camarano, 2006).

Diante disso, observa-se a fragilidade e a solidão que algumas dessas mulheres experienciam. Importante destacar que o processo de envelhecimento engloba muito mais do que as transformações físicas do corpo. Os aspectos biológicos, fisiológicos, emocionais, cognitivos, sociais e culturais também contribuem para a configuração de uma velhice bem-sucedida, normal ou patológica. Desse modo, pensar as implicações psi-cossociológicas das doenças crônico-degenerativas na velhice de mulheres

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idosas requer destacar a multidimensionalidade e multidirecionalidade

desses construtos, como também analisar a heterogeneidade desse grupo

etário através das suas diferenciadas histórias de vida.

A realização do estudo, situando o tema sobre mulheres idosas

justifica-se assim, pelo fato de pouco se discutirem hoje, no Brasil, as

implicações sociais da disseminação da noção de que a maior longevi-

dade das mulheres idosas significa mais risco do que vantagem, uma

vez que ela é física e socialmente mais frágil do que os homens (Salgado,

2002). Tal disseminação contribui para a construção ou acentuação de

estereótipos segundo os quais as mulheres idosas são doentes, incapazes,

pouco educadas e economicamente dependentes, configurando-se como

um risco social de proporções crescentes (Neri, 2001a).

Metodologia

O conjunto de estudos analisados foi identificado através de

pesquisa bibliográfica, cujas principais fontes foram as bases de dados

Scielo, Medline e Lilacs. Foram identificados e selecionados trabalhos

publicados no período de 1997 a 2006, a partir dos seguintes descrito-

res: envelhecimento; mulher idosa; idoso(s); gênero; cirurgia cardíaca;

cirurgia de revascularização do miocárdio; transição demográfica;

família e suporte social.

Também foram revisados os seguintes periódicos de envelheci-

mento, psicologia e cardiologia, disponíveis em bibliotecas especializadas

(UnATI/UERJ e UFRJ): Arquivos Brasileiros de Cardiologia; Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery; Cadernos de Saúde Pública; Estudos Avançados; Psicologia em Estudo; Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovas-cular; Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia; Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, além de sites e livros sobre os referidos

assuntos. A pesquisa foi realizada nos idiomas inglês e espanhol.

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O idoso e a doença arterial coronariana

As estatísticas demonstram que a maior causa de mortalidade no idoso são as doenças do aparelho circulatório, em particular, a doença arterial coronariana, responsável por mais de 70% dos óbitos nessa faixa etária (Zaslavsky e Gus, 2002). Entretanto, o aumento na expectativa de vida da população, relacionado às melhorias das condições básicas de saúde, bem como a um grande avanço da medi-cina mundial nos últimos quinze anos, fez com que, cada vez mais, a cardiologia se deparasse com pacientes acima de 70 anos, sem que a idade fosse considerada um impeditivo para a indicação de qualquer tipo de tratamento. Um exemplo disso é a cirurgia de revascularização do miocárdio, que até alguns anos atrás não era indicada para essa parcela da população devido à tolerância do paciente acima de 70 anos às complicações ser inferior à observada em pacientes mais jovens e por existir uma alta morbi-mortalidade; além de esse paciente, em geral, apresentar maior complexidade clínica pelo número de doenças crônicas associadas (Gus et alii, 2005).

Mas é importante destacar que a decisão de submeter o paciente idoso à intervenção cirúrgica depende da relação risco-benefício basea-da em fatores dentre os quais estão a classe funcional, a estabilidade emocional e a qualidade geral de vida. Além do mais, freqüentemente, há discrepância entre a idade e o estado geral do paciente, devendo-se utilizar como critério para a escolha do tratamento o estado clínico do indivíduo em vez de sua idade cronológica, evitando retardar o momento da operação, pois sua realização deve ser anterior ao aparecimento de disfunção miocárdica severa (Loures et alii, 2000).

Diante desses fatores, a aceitação da cirurgia torna-se muito difícil, pois pensam que o sofrimento que irão sentir não irá compen-sar. E tal escolha deve ser respeitada. Não obstante, nos casos em que a família é presente e a pessoa idosa ainda tem vínculos, a aceitação torna-se fácil, pois afirmam já ter vivido muito e não ter mais nada a perder, pois, caso aconteça “o pior” (discurso de muitas pacientes), estarão preparadas (Cardoso, 2004).

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A cirurgia de revascularização do miocárdio

A complexidade dessa cirurgia não pode ser comparada a ne-nhuma outra cirurgia cardíaca e, para muitos pacientes, não pode ser comparada a nenhuma outra intervenção cirúrgica já vivida: “É uma cirurgia, com o perdão da palavra, cavalar” (depoimento de uma pacien-te, dois dias após a cirurgia). Esse discurso é comum entre as pacientes, porém não só pelo ato cirúrgico em si, mas pela correção do processo patológico. O mais interessante é que a cirurgia é apenas o começo do processo de reconstrução da qualidade de vida de cada indivíduo.

Mulheres e a cirurgia de revascularização do miocárdio

É importante ressaltar a particular preocupação da mulher em relação às alterações estéticas decorrentes das incisões cirúrgicas. O co-ração, como símbolo de amor, ódio e vida, quando maculado, causa uma ferida narcísica profunda na personalidade feminina. A convivência com uma marca física que declara, literalmente, que se foi invadido naquilo que se tem de mais íntimo, causa profunda angústia (Cardoso, 2004).

As mulheres apresentam uma preocupação compreensível com a imagem corporal, não existindo a mesma reação nos homens. Segundo Oliveira e Luz (2004), há na mulher uma inibição em mostrar o corpo marcado e um problema em aceitar o corte no peito, nas pernas e às vezes nos braços. A preocupação em relação ao cônjuge é normal, e enorme o desejo de saber se ele a aceitará “retalhada” e com a marca no meio do peito, indicando a condição de mártir e simbolizando que passou por grande dor e sofrimento, tendo resistido. Enquanto que os homens expõem suas cicatrizes como um “ato de coragem e heroísmo, quase como as marcas dos antigos guerreiros” (Ongaro, 1994).

Também são observadas diferenças individuais na reação ante tal situação, na medida em que, para cada uma, aquela perda tem um significado peculiar de maior ou menor valoração. Mas, em todas, a

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doença cardíaca acompanhada de marcas causa alterações na confi-guração que a mulher portadora dessa doença tem de si, trazendo implicações no âmbito social (ibid.).

Suporte social e envelhecimento

A capacidade de interagir socialmente é fundamental para o idoso, a fim de que ele possa conquistar e manter as redes de apoio e garantir maior qualidade de vida. A satisfação de vida é influenciada pelo modo como as pessoas se sentem sobre seus relacionamentos interpessoais e o apoio social desempenha um papel importante nesse processo. A aquisi-ção do apoio social, por sua vez, depende de competências sociais ou de habilidades sociocognitivas (Carneiro e Falcone, 2004). Ou seja, a história anterior de integração social é importante determinante da quantidade e da qualidade dos relacionamentos sociais mantidos por idosos, é importante avaliar os vínculos estabelecidos por eles ao longo da vida. Entretanto, faz-se necessário definir o que são as redes de suporte social.

As redes de suporte social são conjuntos hierarquizados de pes-soas que mantêm entre si laços típicos das relações de dar e receber. Elas existem ao longo de todo o ciclo vital, atendendo à motivação básica do ser humano à vida gregária. No entanto, sua estrutura e suas funções sofrem alterações, dependendo das necessidades das pessoas (Neri, 2001b). Entre as principais funções das redes de relações e suporte social para os idosos estão: dar e receber apoio emocional, ajuda material, serviços e informações; permitir às pessoas crerem que são cuidadas, amadas e valorizadas; ajudá-las a encontrar sentido nas experiências de desenvol-vimento, principalmente quando elas são não-normativas e estressantes (como por exemplo, a cirurgia de revascularização do miocárdio).

Neri (2001a) aponta que as redes de apoio social são muito mais importantes na velhice, principalmente se e quando os idosos têm que se adaptar às perdas físicas e sociais. Tais redes promovem efeitos po-tencialmente benéficos à saúde e ao bem-estar dos indivíduos.

Desse modo, verifica-se que em todo o mundo a família é a fonte primária de suporte social do idoso. Dados internacionais, que

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se repetem no Brasil, mostram que cerca de 90% dos idosos vivem em família. Mesmo quando os filhos vivem geograficamente longe, em geral, preservam-se os laços afetivos com os idosos (ibid.).

A literatura sobre apoio social e rede de relações sociais na velhice propõe que a manutenção de relações sociais com o cônjuge, com os familiares e, principalmente, com amigos da mesma geração, favorece o bem-estar psicológico e social dos idosos; os relacionamentos entre amigos idosos são particularmente benéficos porque são de livre escolha e, assim, mais funcionais ao atendimento das necessidades afetivas dos envolvidos, para as relações sociais e a saúde física e mental (Carneiro e Falcone, 2004).

Dentro das famílias, as mulheres são as principais provedoras de cuidados, são elas que respondem às demandas socioculturais e psicoló-gicas em nossa cultura. Ou seja, elas foram “treinadas” a estabelecerem sólidos vínculos sociais. Sendo assim, as relações sociais entre as elas são qualitativamente superiores às dos homens, porque têm mais habilidades interpessoais, são mais calorosas e capazes de estabelecer relações de intimidade. As mulheres de quaisquer idades têm maior número de pessoas na sua rede de relações sociais e seus relacionamentos são mais diretos do que os dos homens (Neri, 2001b). Todas essas características aliadas formam uma espécie de proteção aos malefícios produzidos pelos tradicionais fatores de risco coronarianos.

Entretanto, elas são mais afetadas pelo distresse causado por mem-bros da rede de relações e pelo senso de compromisso do que os homens. Talvez por isso, no final da vida, desejem morar sozinhas e estejam também sozinhas no momento de realizar um procedimento cirúrgico.

Família como suporte social

A família representa, para grande parte das pessoas, uma base de suma importância, tanto no que tange a estruturação de seus vín-culos afetivos quanto os referenciais de suporte e segurança (Santos e Sebastiani, 1996).

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A pessoa hospitalizada vive uma série de experiências emocionais importantes, como, por exemplo, a ansiedade, o medo, as fantasias mór-bidas e experimenta sentimentos difíceis, como a sensação de desamparo e fragilidade, podendo, muitas vezes, desenvolver comportamentos regressivos. Como também sentimentos de culpa por estar causando transtornos e preocupação à família; dificuldades econômicas advindas da internação; além de estar refletindo sobre sua relação familiar já estabelecida (ibid.).

Essa gama de manifestações psicológicas que aflige o paciente reporta-o a condições emocionais primitivas e a necessidade de sentir-se amparado e protegido, sobretudo por aquelas figuras que, historica-mente, já ocuparam esse papel e que passam a ser solicitadas por este de diversas formas (ibid.).

A família passa a ter um papel por vezes decisivo no auxílio à adaptação da paciente a esse episódio crítico de sua vida. A visita ro-tineira é essencial como medida de ser querida ou não, assim como a necessidade e valorização do parecer da família sobre a situação vivida. A hospitalização afasta o idoso do convívio familiar, por isso a presença de um (ou mais) membro da família no hospital é muito importante para ambos os lados. Perceber a participação da família é fundamental para o restabelecimento e a reabilitação do paciente, pois confere a este maior segurança e tranqüilidade (Pena e Diogo, 2005).

A relação da paciente com a família surge no contexto da hospi-talização como um apoio essencialmente importante, configura-se como elemento de força e positividade que a auxilia a enfrentar o momento de tensão (Lamosa, Bonato e Perez, 1983).

Esse acompanhamento familiar contribui, inclusive, com o tra-balho da equipe de saúde, pois a família é uma importante fonte de informações sobre a paciente, seus hábitos e gostos. Incluir uma das pessoas significativas para a paciente no tratamento e na recuperação é importante, pois influencia a adaptação emocional, a aceitação da medicação, a modificação do estilo de vida e a reabilitação integral.

No entanto, almejar que essa família tenha uma estrutura perfeita e capaz de elaborar os problemas que a situação de doença e internação

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impuseram ao seu membro é desconsiderar a existência de um processo paralelo de desajuste que se instalou também no núcleo familiar (Santos e Sebastiani, 1996).

A família é um sistema de relações fechado e interdependente; quando uma família se vê privada de um de seus componentes, privação essa imposta pelos limites que a doença provocou, ela se desequilibra, pois perde (temporária ou definitivamente) um dos seus pontos de re-ferencia e sustentação. Essa crise que se instala passa a provocar grande mobilização no sistema familiar, e este, assim como a paciente, tentará buscar formas adaptativas para se reorganizar ante a crise e resgatar seu status quo anterior. Portanto, a integridade e a identidade do sistema tal qual foi instituído encontram-se ameaçadas, e essa sensação, que pode ser tanto objetiva quanto subjetiva, mobiliza os integrantes dessa família de forma a gerar comportamentos os mais diversos em relação à pessoa que adoeceu, à equipe de saúde, ao tratamento e a eles próprios. O sistema mobiliza-se na intenção de resgatar seu estado anterior; paralisa-se ante o impacto da crise ou identifica benefícios com a crise e mobiliza-se para mantê-la (ibid.).

O apoio psicológico à família ocorre quando, entre paciente e família, existem dificuldades de interação que abalam e interferem no desenrolar da dinâmica familiar, além de inibir a aproximação entre seus membros e as manifestações e trocas de carinho e afeto. Os con-flitos já existentes, agravados pela situação hospitalar, podem provocar desagregação e rompimento de laços familiares. O fundamental nessa hora é que o acompanhamento psicológico favoreça a união e a estabi-lidade da organização familiar, para que o retorno à casa e conseqüente reabilitação cardíaca aconteçam da maneira devida.

Entretanto, em pacientes idosos, percebemos não somente o impacto da doença e da cirurgia, mas a frustração vivida pela percepção do declínio funcional do seu organismo. A crise do envelhecimento assemelha-se à crise do adoecimento, em ambas há a necessidade de elaborar perdas, de adaptar-se a mudanças e de reafirmar o sentido de identidade. Nesse período, as referências que existiam, os amigos, os lugares comuns, o modo de viver vão progressivamente desaparecendo

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e o idoso passa a ver-se sozinho, sem o seu ambiente. Diante desses fatores, a aceitação da cirurgia torna-se muito difícil, pois pensam que o sofrimento que irão sentir não compensa. Contudo, em casos nos quais existam vínculos familiares, e o suporte destes, a aceitação da intervenção é facilitada, já que o idoso tem um sentimento de plenitude e aceitação, em relação ao processo vivido.

Conclusão

Até 2025, segundo a OMS, o Brasil será o sexto país do mundo em número de idosos. Ainda é grande a desinformação sobre a saúde do idoso, as particularidades e os desafios do envelhecimento populacional para a saúde pública em nosso contexto social. Entre 1980 e 2000, a população com 60 anos ou mais cresceu 7,3 milhões, totalizando mais de 14,5 milhões em 2000. O aumento da expectativa média de vida também aumentou acentuadamente no país. Esse aumento no número de anos de vida é um ganho, mas também um grande desafio. Pois, devido a esse aumento, as demandas sociais e econômicas no país e no mundo também crescem. Tal situação carece ser acompanhada pela melhoria ou manutenção da saúde e da qualidade de vida (Organização Mundial de Saúde, 2005).

Entretanto, o que ainda pode ser verificado na atualidade é que os programas destinados aos idosos se estruturam com base na idéia de perda (perda de papéis sociais, perda de capacidades intelectuais e perda de capacidade funcional), como se esse fosse um movimento natural, e, nesse sentido, não afetaria a subjetividade dos idosos. Por essa razão, pode-se observar a marginalização que uma definição tão negativa da velhice impõe a eles. Visto isso, impõem-se estudos sobre o envelhecimento que focalizem a articulação entre os parâmetros externos (ligados ao contexto sociocultural) e os parâmetros internos (ligados à vivência pessoal), bem como sua contribuição para construir uma relação individual com a velhice.

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Estudar biopsicossocialmente o envelhecimento da população e, em particular, as causas, conseqüências e ambivalências da “feminiza-ção da velhice”, vem reafirmar a importância de compreender como o idoso, vivendo em determinado contexto, percebe sua saúde/doença, o que ele define como problema e quais estratégias usa para resolvê-lo. Reafirma-se também a importância de contextualizar suas reações ante limitações físicas, perdas afetivas ou mudanças sociais e econômicas que caracterizam o avançar da idade. Finalmente, expressa-se a neces-sidade de identificar os recursos disponíveis para que os idosos possam enfrentar essas dificuldades.

Trata-se, portanto, de uma ferramenta para a Saúde Públi-ca contemporânea. Almejou-se, com este estudo, contribuir para o aperfeiçoamento das práticas e políticas públicas, visando a promoção de condições para o tratamento de idosas que necessitam realizar a complexa cirurgia de revascularização do miocárdio, contemplando a relação destas com suas famílias.

Vale a pena ressaltar que existe a necessidade de novos trabalhos e pesquisas a serem construídos. A Gerontologia e a Psicologia apli-cada à cardiologia são áreas novas. Elas ainda têm muito a contribuir na compreensão das causas da doença coronariana, na percepção de como cada paciente reage a essa doença, principalmente as idosas que agora têm uma sobrevida maior, no aumento da qualidade de vida das pacientes que sofrem física e psicologicamente e no acompanha-mento dos familiares que estão também afetados por essa complexa doença.

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Data de recebimento: 20/6/2007; Data de aceite: 6/8/2007.

Patrícia Fonseca Caetano da Silva – Psicóloga, em treinamento profissional no NAI, ambulatório da UnATI, Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

Célia Pereira Caldas – Enfermeira, vice-diretora da Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI), Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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Perfil clínico-demográfico dos pacientes inseridos em um programa de assistência domiciliária no município de São Paulo

Carina Corrêa Bastos Naira Dutra Lemos

Andréia Nóbrega Mello

RESUMO: o objetivo do estudo é identificar as características clínicas e demo-gráficas de pacientes inseridos no Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso (PADI) no período de março de 2003 a março de 2004. Foi realizado um estudo transversal descritivo, no qual se analisou o perfil clínico-demográfico de idosos através de questionário baseado no material de avaliação multiprofissional inicial do programa. Palavras-chave: idoso; assistência domiciliária; perfil clínico-demográfico.

ABSTRACT: The objective of this paper is to identify clinical and demographic characteristics of patients assisted by Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso – PADI (Homecare Program for the Aged) from March 2003 to March 2004. The demographic clinical profile of the elderly was analysed through a cross-section and descriptive study in which a questionnaire based on the primary multi-professional evaluation of the program was used.Keywords: aged person; homecare; demographic clinical profile.

Introdução

O envelhecimento populacional já pode ser considerado uma reali-dade mundial (Lemos, 2003). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), são considerados idosos, nos países em desenvolvimento,

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os indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos. No Brasil, a lei nº 8.842/94, em seu artigo 2, inciso I, adota essa mesma faixa etária como início do processo de envelhecimento (Brasil, 1994).

Nos países desenvolvidos, o processo de envelhecimento deu-se lentamente, acompanhando uma situação de evolução econômica, de crescimento do nível de bem- estar e redução das desigualdades sociais (Moreira, 1998). Nos países em desenvolvimento, esse processo de en-velhecimento ganhou maior importância com o crescimento acelerado da população idosa em relação à população em geral, fato que pôde ser atribuído às melhores condições sanitárias, à profilaxia de doenças, ao surgimento de novas drogas e ao planejamento familiar (Moragas, 1997).

No final da década de 1960, houve um rápido declínio da fe-cundidade no Brasil. A taxa de fecundidade total passou de 5,8 filhos, em 1970, para aproximadamente 2,3 filhos, por mulher, em 2000 (Carvalho e Garcia, 2003). O nível de fecundidade, em 2000, está bem próximo daquele de reposição, ou seja, que produz crescimento nulo da população a longo prazo. O nível de fecundidade de parte da população já está abaixo do nível de reposição, sendo que o nível médio do país deverá continuar a cair, havendo claras indicações de rápido declínio no Nordeste e em grupos mais pobres da população. Assim, a população brasileira entra em um sustentado processo de desesta-bilização de sua estrutura etária, com estreitamento continuado da base da pirâmide e, conseqüentemente, envelhecimento da população (Camarano, 1999; Wong, 2001). O Brasil está passando por um pro-cesso de envelhecimento populacional rápido e intenso. De 6,3% da população total, em 1980, as pessoas com 60 anos ou mais passarão a representar 14% em 2025 – em números absolutos, uma das maiores populações de idosos do mundo (Ramos et alii, 1993). Acredita-se que, em 2025, o Brasil deverá ocupar o sexto lugar no ranking mundial da população idosa. O último censo populacional (IBGE, 2000) revelou o número de 14.536.029 idosos, correspondendo a 8,56% da população total do país, e a cidade de São Paulo apresentou o número de 972.199 idosos, ou seja, 9,32% da população da cidade, a qual perfazia o total

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de 10.434.252 habitantes. Uma conseqüência importante dessa tran-sição demográfica é o envelhecimento da população economicamente ativa (PEA). Estudos sobre as perspectivas de crescimento de tal faixa da população no Brasil indicaram que o segmento que mais cresceu no período entre 1980 e 1990 foi o que abrangeu cidadãos entre 25 e 49 anos. Entre 2000 e 2020 será o segmento correspondente a pessoas acima de 50 anos, confirmando a tendência de envelhecimento da PEA (Barreto e Giatti, 2003)

O envelhecimento da população brasileira afeta diretamente a economia e o sistema de saúde (Berquó,1999). Dessa maneira, o au-mento da população idosa vem constituindo mais um problema social a ser enfrentado, já que, no Brasil, não se dispõe de recursos suficientes, na área social ou de saúde, o que já favorecia outros países quando se depararam com a questão do envelhecimento populacional (Silvestre, 2002). O processo de envelhecimento é acompanhado por mudanças da morbi-mortalidade, com aumento da incidência e prevalência de doen-ças crônicas, as quais ocasionam o acréscimo de pessoas incapacitadas e dependentes de cuidados de longa duração (processo de “transição epi-demiológica”) (Albuquerque, 2002). A grande maioria dos idosos (85%) apresenta, pelo menos, uma doença crônica, enquanto que os outros 15%, pelo menos cinco. Essas pessoas recorrem a hospitais, ocupando leitos com internações prolongadas e reinternações, consumindo grande parte dos recursos da área da saúde. Dessa maneira, os programas de atendimento domiciliar aparecem como uma das alternativas para o enfrentamento da crise no setor da saúde (ibid.).

Assistência domiciliária é o serviço em que as ações de saúde são desenvolvidas no domicílio do paciente por uma equipe interprofissional, a partir do diagnóstico da realidade em que o mesmo está inserido, assim como de seus potenciais e limita-ções. Visa a promoção, manutenção e/ou restauração da saúde e o desenvolvimento e adaptação de suas funções de maneira a favorecer o restabelecimento de sua independência e a preser-vação de sua autonomia. (Carletti e Rejani,1996)

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A assistência domiciliária é uma forma de desospitalizar os pacientes, seja abreviando seu período de internação, seja reduzindo o número de readmissões (Jacob Filho, 2000). Atualmente, mais e mais pessoas têm recebido alta hospitalar para receberem cuidados e reabi-litação em seu domicílio. Essas pessoas são geralmente idosas, algumas vezes bastante frágeis e apresentando alguma deficiência funcional. A idéia por trás dessa abordagem tem sido fazer o idoso sentir-se melhor em um ambiente natural. Alguns relatam: “Assim que eu chegar em casa, vou ficar bem” (Tamm, 1999).

A assistência domiciliária foi utilizada como estratégia para atingir os indivíduos residentes na região Centro-Sul na época em que o Brasil se desenvolvia, tendo sido propiciada, então, a criação do Serviço Especial de Saúde Pública, em 1942. Assim, os programas de atendimento domiciliário brasileiros estiveram desde o início liga-dos à área de saúde pública, com o objetivo de promoção de saúde e prevenção de doenças. O Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo implantou o Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD) na década de 1970. Já nos anos 90, a emergência política de questões ligadas à responsabilidade do poder público junto às pessoas depen-dentes acelerou a discussão sobre a necessidade de implementação de programas de assistência domiciliária. Então, em 1994, o Ministério da Saúde propôs a criação do programa Saúde da Família, baseado na expe-riência de Cuba, que usou comunitários para desenvolver essa prática. Surge, então, em 1996, a iniciativa da Secretaria Municipal de Saúde (Santos, SP) de implantar um programa de atendimento domiciliário, o Programa de Internação Domiciliar, PID. Posteriormente, programas semelhantes foram implantados em outros municípios, como Londrina (PR) e Quixadá (CE). Foram criados também o Programa de Assistência Domiciliar do Hospital do Servidor Público de São Paulo e o Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (NADI) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (Duarte e Diogo, 2000).

Outro programa de assistência domiciliária implantado em SP, em 1999, foi o Programa de Assistência Domiciliaria ao Idoso (PADI), criado no complexo Unifesp (Universidade Federal de São Paulo/Escola

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Paulista de Medicina), mais precisamente na Disciplina de Geriatria. O PADI tem como metas prestar assistência a idosos no domicílio, através de equipe multidisciplinar, visando a recuperação e/ou manu-tenção clínica, bem como a capacitação de cuidadores e familiares para a prestação de assistência de boa qualidade ao idoso, sob a supervisão da equipe técnica do programa. Esse programa estabelece alguns critérios para inclusão de pacientes: possuir um cuidador, residir em um raio de até 8 km do Hospital São Paulo, necessitar de cuidados que possam ser prestados com segurança em domicílio, concordar em participar do programa, aceitando, assim, as regras estabelecidas e as orientações da equipe.

A assistência domiciliária compreende visitas realizadas pelo pro-fissional de saúde e/ou equipe à residência do paciente com a finalidade de avaliar suas necessidades e as dos familiares, bem como as do ambiente em que vivem e, dessa forma, estabelecer um plano assistencial que vise a recuperação e/ou reabilitação do idoso, maximizando a independência. As visitas são realizadas sistematicamente e programadas de acordo com a necessidade do paciente e a disponibilidade do programa a que está ligado. Conta-se, também, com o cuidador como responsável pela continuidade da assistência em domicílio. O cuidador é a pessoa que assume a responsabilidade pelo idoso no contexto domiciliar, represen-tando o elo entre paciente/família e equipe interprofissional. Os cuida-dores, geralmente, são mulheres idosas ou de meia idade que cuidam do cônjuge, dos pais, dos sogros e, eventualmente, de outros parentes idosos. Muitas têm que conciliar tal cuidado com funções profissionais e domésticas. A atribuição do papel de cuidadores a determinadas pessoas não é arbitrária e deve obedecer normas sociais de parentesco, gênero e idade e a dinâmica das relações familiares (Neri, 2002).

O objetivo da assistência em gerontologia é a manutenção dos idosos na familiaridade, conforto e dignidade de seus lares pelo maior tempo possível. A equipe interprofissional trabalha para reduzir o impacto causado pelas doenças nos idosos (Duarte e Diogo, 2000). É impossível compreender completamente a situação de um paciente idoso sem conhecer o ambiente em que ele vive (Keenan e Hepburn,

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1997). No atendimento domiciliário, cabe ressaltar a importância e o significado da estrutura familiar para cada um de seus membros e, em especial, para os idosos que são os prováveis responsáveis pela existência e configuração dessa estrutura. É importante lembrar que cada família possui uma cultura própria, permeada de valores construídos e de sig-nificado único para cada contexto. Por isso, é importante que a equipe e/ou profissional da saúde respeite esses valores, não transpondo seus próprios valores para o contexto familiar do paciente (Duarte e Diogo, 2000). Quanto mais idosa a pessoa, maior o significado pessoal dos objetos em sua casa. São esses objetos que ajudam o idoso a recordar sua vida, a reviver sentimentos do passado, a criar um sentimento de posse, de estabilidade e continuidade. É através das coisas do dia-a-dia e do valor simbólico que as acompanha que o passado permanece misturado com o presente (Tamm, 1999).

Objetivo

Identificar as características clínicas e demográficas de pacientes inseridos no Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso (PADI) da disciplina de Geriatria da Universidade Federal de São Paulo no período de março de 2003 a março de 2004.

Material e métodos

Trata-se de um estudo transversal descritivo, com idosos inseridos no PADI, no período de março de 2003 a março de 2004.

População estudada

Foram analisados os dados dos idosos inseridos no PADI no pe-ríodo de março de 2003 a março de 2004, contidos em prontuários.

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Critérios de inclusão

Idosos inseridos no PADI no período de março de 2003 a março de 2004.

Procedimento e instrumento

O perfil dos idosos inseridos no PADI no período estipulado foi analisado através de um protocolo composto por 27 questões ela-borados pela pesquisadora, tendo como base o material de avaliação multiprofissional inicial utilizado pelo programa, a fim de coletar os dados socioeconômicos, funcionais, cognitivos e clínicos dos idosos. Dessa forma, através desse questionário pôde-se elaborar o perfil clí-nico-demográfico dos idosos inseridos no PADI nesse período de um ano, por conter questões diretas e de fácil aplicação.

Este trabalho foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo.

Variáveis

As variáveis utilizadas no estudo foram: sociodemográficas, clínicas e funcionais.

Procedimento estatístico

Foi realizada análise descritiva dos dados. As variáveis qualitativas foram apresentadas em freqüências relativas (percentuais) e freqüências absolutas (N) das classes de cada variável, na forma de tabelas.

Para as variáveis quantitativas/numéricas foram utilizadas mé-dias e medianas e desvios-padrão, mínimo e máximo para indicar a variabilidade dos dados.

Alguns dados não foram encontrados nos prontuários, sendo especificado, nas tabelas, o número correspondente.

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Resultados

Dados sociodemográficos

Participaram do estudo 22 pacientes do PADI inscritos no perío-

do de março de 2003 a março de 2004. As mulheres representaram

86,4% dos pacientes inscritos, sendo a idade média dos idosos 83 anos

± 11,88, sendo a idade mínima 57 e a máxima 97 anos. Quanto ao

estado civil, 59,09% dos pacientes eram viúvos, ou seja, mais da metade

da população estudada; 27,27% eram casados e 13,64 %, solteiros.

Quanto ao grau de escolaridade, constatou-se que 50% dessa população

apresentava 1-4 anos de estudo, enquanto apenas 4,5% apresentava

14 anos ou mais, com média de 1 ano ± 1,07, não tendo sido, porém,

analisado o grau de escolaridade por sexo. A renda média mensal dos

idosos analisados foi de 2-4 salários mínimos (59,09%). Com relação à

naturalidade, 31,8% era de São Paulo (capital) e os demais provenientes

do interior do estado, das outras regiões do país, inclusive de outros

países (9,09%). Em relação à moradia, 72,72% dos pacientes do PADI

residiam com família multigeracional.

Dados clínicos

A média de hipóteses diagnósticas foi 3,0 ± 1,18, com o máximo

de 6 e o mínimo de 1 hipótese.

A freqüência de medicamentos foi: 13,6% dos pacientes não

faziam uso de medicamento e 4,5% faziam uso de 8 drogas (máximo

de medicamentos utilizados). A média de medicamentos utilizados foi

3 medicamentos ± de 2,45.

Em relação à contratura muscular, 55% dos pacientes do PADI

apresentaram essa condição e 65% apresentaram alguma deformidade.

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Dados funcionais

Mais da metade dos pacientes estudados (70,59%) sofreram uma ou mais quedas no ano anterior ao da adesão ao programa e, no que se refere à hospitalização, 66,67% dos idosos inseridos no PADI sofreram internação no último ano antes de sua inserção no progra-ma. Os resultados quanto à mobilidade do idoso, o uso de dispositivo de auxílio à marcha, tipo de dispositivo de auxílio à marcha, teste de equilíbrio Romberg (olhos abertos e olhos fechados), comprometimento das estratégias de tornozelo, quadril, tronco e passo atrás podem ser analisados na Tabela 1.

Tabela 1 – Caracterização funcional dos idosos inseridos em programa de assistência domiciliária

Variáveis funcionais Ocorrência Percentual válido (%) Mobilidade

deambulante 3 15 anda com ajuda 10 50

uso de cadeira de rodas acamado

total

25

20

1025

100,0

Uso de dispositivo de auxílio à marcha sim 11 52,39 não 1 0 47,61

total 21 100,0

Tipo de dispositivo de auxílio à marcha andador 7 63,63 bengala 1 9,09

cadeira de rodas 3 27,28 total 11 100,0

Equilíbrio romberg – 30’’

( olhos abertos)sim 3 15 não 10 50

não aplicável 7 35 total 20 100,0

Variáveis funcionais Ocorrência Percentual válido (%) Equilíbrio romberg – 30’’ ( olhos fechados )

sim 2 10 não 11 55

não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de tornozelo comprometida

sim 9 45 não 4 20

não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de quadril comprometidasim 8 40 não 5 25

Não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de tronco comprometida

sim 10 50 não 3 15

Não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de passo atrás comprometida

Sim 7 35 Não 6 30

Não aplicável 7 35 total 20 100,0

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Tabela 1 (continuação)

Variáveis funcionais Ocorrência Percentual válido (%) Mobilidade

deambulante 3 15 anda com ajuda 10 50

uso de cadeira de rodas acamado

total

25

20

1025

100,0

Uso de dispositivo de auxílio à marcha sim 11 52,39 não 1 0 47,61

total 21 100,0

Tipo de dispositivo de auxílio à marcha andador 7 63,63 bengala 1 9,09

cadeira de rodas 3 27,28 total 11 100,0

Equilíbrio romberg – 30’’

( olhos abertos)sim 3 15 não 10 50

não aplicável 7 35 total 20 100,0

Variáveis funcionais Ocorrência Percentual válido (%) Equilíbrio romberg – 30’’ ( olhos fechados )

sim 2 10 não 11 55

não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de tornozelo comprometida

sim 9 45 não 4 20

não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de quadril comprometidasim 8 40 não 5 25

Não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de tronco comprometida

sim 10 50 não 3 15

Não aplicável 7 35 total 20 100,0

Estratégia de passo atrás comprometida

Sim 7 35 Não 6 30

Não aplicável 7 35 total 20 100,0

Discussão

As características sociodemográficas dos idosos estudados mos-traram-se compatíveis com a literatura em relação à população de programas de assistência domiciliária. A idade média dos pacientes inclusos no PADI, no período estipulado, é superior a outras comu-nidades de idosos, podendo estar associada à condição de fragilidade daqueles idosos, bem como a algum comprometimento funcional que os impeçam de sair de seu domicílio. Em um estudo analisando sobre

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o perfil dos idosos em área metropolitana na região Sudeste do Brasil, observou-se que a idade média deles era 69 anos, sendo que apenas 10% dessa população possuía idade superior a 80 anos (Ramos et alii, 1993). Essa média torna-se maior considerando-se os idosos restritos ao ambiente domiciliar, a exemplo da amostra desta pesquisa, na qual a média de idade foi de 83 ± 11,88 anos com 59,1% dessa população apresentando idade superior a 80 anos. Tais dados assemelham-se a outros programas de assistência domiciliária nos quais a porcentagem dos idosos com idade superior a 80 anos é de 40,8% (Yuaso e Sguizzato, 2000) e 31% (Netto e Tieppo, 2000).

Neste trabalho, houve predominância do sexo feminino (86,36%) e da condição de viuvez (59,09%), semelhante a outros estudos rea-lizados sobre assistência domiciliária (Hellstrom e Hallberg, 2000; Munson,1999; Stoddart et alii, 2002). O grau de escolaridade, no qual observaram-se 50% dos idosos apresentando 1-4 anos de estudo, mos-tra-se compatível com o resultado de outros estudos sobre assistência domiciliária que comprovaram a conclusão da primeira fase do ensino fundamental, ou seja, curso primário, pela maior parte da amostra es-tudada (Albuquerque, 2002). No entanto, esse resultado difere daquele de uma pesquisa realizada no distrito de São Paulo, baseado em uma amostra populacional aleatória, na qual constatou-se que 21% apresen-tavam o nível primário incompleto e 26% o nível primário completo (Ramos et alii, 1993). A renda média mensal dos idosos analisados foi de 2-4 salários mínimos (59,09%) e, em sua maioria, naturais da cidade de São Paulo (31,8%), diferindo de outras pesquisas, nas quais a renda média era de 1,5 salários mínimos e a maioria da população estudada originava-se do interior do estado (41%) (Albuquerque, 2002). Em relação à moradia, 72,72% dos pacientes do PADI residiam com família multigeracional, o que se observa, também, em outras pesquisas (Ramos et alii, 1993; Ramos, 2003). Esse quadro de arranjo domiciliar, no qual o idoso reside com filhos e, muitas vezes, com filhos e netos, contrasta com o que se observa nos países desenvolvidos, onde menos de 5% dos idosos vive em domicílios com os filhos e, muito raramente, com netos. Também, a maior parte dos idosos reside apenas com o cônjuge ou só,

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enquanto que, em São Paulo, apenas 10% dos idosos vivem sós (Ramos, 2003). Nos domicílios multigeracionais, pode-se levantar a hipótese de que antes de ser uma opção cultural ou humanitária pode ser uma maneira de sobreviver, situação que pode isolar o idoso e colocá-lo mais dependente do que se ele tivesse morando só (Ramos, 1992).

A média de hipóteses diagnósticas verificada neste estudo (média 3) correlaciona-se com outros estudos, também com média 3 (Hellstrom e Hallberg, 2000), tendo sido predominantes doenças cardiovasculares (77,3%), o que também pôde ser observado em outras pesquisas sobre o mesmo assunto (Pedreira et alii, 2002; Munson, 1999). As doenças cardiovasculares estão entre as mais comuns em idosos. Esse fato é motivado pelo envelhecimento e estilo de vida per-manentemente sedentário (Hood, 1995). A alta prevalência de doenças crônicas associadas às suas incapacidades assemelha-se à situação em países mais desenvolvidos, pois trata-se de uma conseqüência natural do envelhecimento populacional, o que é bastante preocupante, já que essa grande demanda de idosos pode ser insuportável para o sistema de saúde, principalmente no que se refere a leitos de longa permanência (Ramos et alii, 1993).

Em relação à contratura muscular, 55% dos pacientes do PADI apresentaram essa condição e 65% apresentaram alguma deformidade, podendo estar relacionada à imobilidade no leito, à própria situação de permanecer no domicílio sem realizar atividade física ou mesmo devido à condição incapacitante de alguma doença.

A porcentagem de hospitalização dos idosos inseridos no PADI, no último ano antes de sua inserção no programa, foi de 66,67%. O programa de assistência domiciliária tem como uma de suas metas desospitalizar os pacientes, seja abreviando seu período de internação, seja reduzindo o número de readmissões (Jacob Filho, 2000), fato observado em um estudo de 2004, no qual os pacientes após um ano de atendimento domiciliar tiveram um aumento de não internação de 38% (Gioacchino et alii, 2004). Porém, a mobilidade dos idosos desse programa é comprometida, pois 50 % deles precisam de ajuda para deambular, seja de terceiros ou de algum dispositivo de auxílio

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à marcha, fato também observado em outros estudos sobre a mesma condição funcional (68,8%) (Hellstrom e Hallberg, 2000). Em 34% dos indivíduos com mais de 85 anos não institucionalizados, observa-se algum déficit de mobilidade. Esse déficit pode ser atribuído à redução da sensibilidade sensorial, das funções integrativas do SNC ou fraqueza motora (Hazzard, 1999). No caso do PADI, o dispositivo de auxílio à marcha mais utilizado por esses idosos foi o andador, com 63,63%, o que pode estar relacionado a uma maior estabilidade oferecida pelo dispositivo, bem como alívio da sustentação do peso, completa ou parcialmente, sobre um membro inferior (O’Sullivan, 1993).

Mais da metade dos pacientes estudados (70,59%) sofreram uma ou mais quedas no último ano antes de aderirem ao programa. O problema de quedas pode estar associado com a necessidade de usar serviços domiciliares especiais, de acordo com algumas pesquisas (Stoddart et alii, 2002). Idosos apresentam um risco maior de acidentes resultando em hospitalização ou queda, comparado a um grupo de outra faixa etária. Em uma pesquisa realizada com idosos no Reino Unido, observou-se que, no ano de 1999, houve 647.721 acidentes com atendimentos emergenciais e 204.424 admissões hospitalares devidas a quedas de idosos com 60 anos ou mais (Mclnnes et alii, 2004). As estatísticas a respeito de lesões e acidentes com idosos indicam que as quedas são a sétima causa principal de morte de pessoas com mais de 75 anos. O índice de quedas de pessoas com 65 anos ou mais é de no mínimo 33% ao ano, sendo as mulheres mais propensas a quedas do que os homens (Campbell et alii, 1981; Nevitt et alii, 1989). As causas de quedas são múltiplas, incluindo fatores ambientais extrínsecos (pre-sença de degraus, tapetes que não sejam antiderrapantes, superfícies escorregadias e iluminação inadequada) e intrínsecos como aspectos fisiológicos, musculoesqueléticos e psicossociais. Esses últimos incluem depressão e ansiedade, medo de cair e circunstâncias que favorecem o isolamento social, como morar só ou não sair de casa pelo menos uma vez por semana (Nevitt et alii, 1989).

Os resultados do teste de equilíbrio Romberg com olhos abertos e fechados foram positivos, com porcentagem de 50% e 55%, respecti-

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vamente. Na condição de olhos abertos, houve um comprometimento grande, podendo estar associado ao fato da redução da base de sus-tentação, na qual o paciente tinha que permanecer em ortostatismo primeiro com os pés afastados, depois com pés juntos; em seguida, com os pés juntos novamente, mas com meio pé à frente do outro e, por último, com um pé encostado atrás do outro, em uma mesma linha (Paula et alii, 1999). A pequena base de sustentação, juntamente com a diminuição da sensibilidade tátil e da sensação de toque leve, da pressão e da vibração, mediados pelos órgãos terminais de Meissner e os corpúsculos de Paccini, que ocorrem com o envelhecimento (Bruce, 1980), contribuíram para esse comprometimento no teste com olhos abertos. Já com os olhos fechados, sendo o teste realizado nas mesmas posições, houve comprometimento maior porque as informações vi-suais foram retiradas, restando apenas as informações vestibulares e sensoriais para manter o controle postural. Porém, como há redução na função vestibular com o envelhecimento, a qual apresenta uma perda de 40% das células ciliares e nervosas (Rosenhall e Rubin,1975) e uma diminuição da sensibilidade tátil, como anteriormente citado, torna-se mais difícil manter o equilíbrio com os olhos fechados.

As estratégias de tornozelo são mais comprometidas (45%) comparadas às do quadril (40%), podendo estar associadas a condições patológicas como fraqueza do músculo do tornozelo ou perda da função sensorial periférica (Shumway-Cook e Woolacott, 2003), razão pela qual, em situações em que precisem assegurar o equilíbrio, os idosos usam a estratégia que envolve os movimentos do quadril e não os do tornozelo, com freqüência muito maior do que os jovens (Horak et alii, 1989; Manchester et alii, 1989).

Na estratégia do passo atrás, houve um comprometimento de 35% dos idosos, podendo estar associado à perda mais acelerada das fibras musculares tipo II (contração rápida) comparadas às do tipo I no envelhecimento (Timiras, 1994), razão que pode explicar a lentidão dos idosos nessa estratégia de controle postural.

Para a realização desta pesquisa, observou-se dificuldade na coleta de dados dos pacientes nos prontuários do PADI pelo fato de muitos

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deles estarem incompletos. A falta desses achados nas tabelas pode ser facilmente observada, onde em algumas variáveis o N foi inferior a 22 (número total de prontuários analisados). Por essa razão, não foi possível a realização de um estudo mais completo.

Conclusão

O processo de envelhecimento é acompanhado pelo aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas, sendo que 85% dos idosos apresentam, pelo menos, uma dessas doenças (Silvestre, 2002). Essa situação ocasiona, então, o aumento de pessoas dependentes de cuidados de longa duração, originando internações prolongadas e rein-ternações que consomem grande parte dos recursos da área de saúde. Dessa maneira, os programas de atendimento domiciliário surgem como uma das alternativas para o enfrentamento da crise no setor da saúde (Albuquerque, 2002). Dentre esses programas, foi criado, em 1999, o Programa de Assistência Domiciliar ao Idoso (PADI), com o objetivo de prestar assistência a idosos em domicílio.

O grupo de idosos do PADI analisado no momento de inser-ção no programa era composto por indivíduos apresentando elevado número de doenças, dificuldade de deambulação, iminente risco de quedas e grande número de internações, caracterizando a necessidade de assistência de terceiros, sendo considerados, assim, pacientes com perfil para inserção em Programa de Assistência Domiciliária.

Assim, é de extrema importância a implantação da estrutura funcional de um programa de assistência domiciliária através do qual é oferecido atendimento interprofissional a idosos que não têm condições físicas de deixar o domicílio, proporcionando-lhes condições de ter uma velhice melhor assistida, o que resulta em melhor qualidade de vida.

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Data de recebimento: 6/8/2007; Data de aceite: 5/9/2007.

Carina Corrêa Bastos – Fisioterapeuta. Especialização em Gerontologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp - EPM), de Belém (PA). E-mail: [email protected]

Naira Dutra Lemos – Assistente social. Professora, mestre do setor de Geriatria e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

Andréia Nóbrega Mello – Fisioterapeuta. Especialização em Gerontologia pela Universidade Federal de São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

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Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis

Waleska P. Farenzena Irani de L. Argimon

Emílio Moriguchi Mirna W. Portuguez

RESUMO: este estudo objetivou avaliar qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis, RS, através do WHOQOL-Bref. Além disso, relacionou os escores obtidos por meio do instrumento com variáveis sociodemográficas e sintomas depressivos, através da Escala de Depressão Geriátrica (GDS). Os re-sultados apontaram que esse grupo de idosos apresenta boa QV, sendo preditores dessa situação a realização de atividades de lazer, ser do sexo feminino, não utilizar medicação diária e estar livre de sintomas depressivos.Palavras-chave: qualidade de vida; idosos; WHOQOL-Bref.

ABSTRACT: The objective of this article was to evaluate Quality of Life in a group of elderly people from Veranópolis, state of Rio Grande do Sul, Brazil, through WHOOQOL-Brief. Moreover, it associated the scores obtained by this instrument with social demographic variables and depression symptoms through the Geriatric Depression Scale (GDS). Results showed that this group of elderly people have a good Quality of Life, and the key determinants for this situation are the accomplishment of leisure activities, being of the female gender, not using daily medication and being free from depression symptoms. Keywords: Quality of Life; Elderly People; WHOOQOL-Brief.

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226 W. P. Farenzena, I. de L. Argimon, E. Moriguchi e M. W. Portuguez

revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 225-243

Introdução

Diante do aumento da expectativa de vida, fenômeno vivenciado nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o grande desafio que apresenta é a manutenção da qualidade de vida em indivíduos com idade avançada. O conceito de Qualidade de Vida é amplamente discutido e constantemente revisado, sobretudo no que se refere à população de idosos (Paschoal, 2002).

Segundo Pereira, Cotta e Franceschini (2006), a transição de-mográfica representa um profundo impacto no modo de organização da sociedade, mas é na saúde que tem maior transcendência, tanto por sua repercussão em nível assistencial como pela demanda por novos recursos e estruturas.

Paschoal (2002) refere que o fenômeno Qualidade de Vida tem múltiplas dimensões, como, por exemplo, a física, a psicológica e social, cada uma comportando vários aspectos. Entre eles, a saúde percebida e a capacidade funcional são variáveis importantes, que devem ser avalia-das, assim como o bem-estar subjetivo, indicadas por satisfação. Para Fleck (1999) o termo QV na literatura médica vem sendo associado a diversos significados, como condições de saúde e funcionamento social. QV relacionada à saúde (health related quality of life) e estado subjetivo de saúde (subjective health status) são conceitos relacionados à avaliação subjetiva do paciente e ao impacto do estado de saúde na capacidade de viver de forma plena.

Este artigo é resultado de uma dissertação de mestrado que se propôs a avaliar a Qualidade de Vida em um grupo de idosos residentes na cidade de Veranópolis, através da aplicação do questionário abreviado de Qualidade de Vida – WHOQOL-Bref. Além disso, associou os escores do instrumento com variáveis como idade, gênero, escolaridade, nível socioeconômico, estado civil, situação de moradia, uso de medicação diária, existência de problemas de saúde no último mês e intensidade de sintomas depressivos.

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Medida de Qualidade de Vida

A Organização Mundial da Saúde através do World Health Organization Quality of Life, o grupo WHOQOL, desenvolveu uma escala com base em uma perspectiva transcultural para avaliar Qualidade de Vida em adultos. Foram consideradas como características fundamentais o caráter subjetivo da Qualidade de Vida e sua natureza multidimensional (The Whoqol Group, 1995).

O instrumento acima referido foi chamado de WHOQOL-100, e, a partir dele, originou-se o WHOQOL-Bref (World Health Organization Quality of Life), versão abreviada, constituída de 26 questões, que tem o mesmo objetivo. O WHOQOL-Bref divide-se em quatro domínios, os quais se propõem a avaliar, respectivamente: capacidade física, bem-estar psicológico, relações sociais e contexto ambiental. Além disso, constitui-se de um domínio que avalia a QV global. Cada domínio é composto por questões, cujas alternativas variam numa intensidade de 1 a 5 (Hwang, Liang, Chiu e Lin, 2003; Fleck, 2000b, Louzada et alii, 2000; Pereira, Cotta e Franceschini, 2006).

A partir do processo de validação do WHOQOL-Bref no Brasil concluiu-se que o mesmo mostrou bom desempenho psicométrico, com características satisfatórias de consistência interna, validade dis-criminante, validade de critérios, validade concorrente e fidedignidade teste-reteste. A partir disso, concluiu-se que o instrumento está em condições de ser utilizado no Brasil (Fleck, 2000b).

Materiais e métodos

População

O perfil étnico-populacional da amostra do município de Veranó-polis constitui-se de descendentes de italianos. A cidade está localizada a 170 quilômetros de Porto Alegre, a 705 metros de altitude, com clima subtropical e uma área de 289 km2. O número de idosos (60 anos ou mais) residente na cidade é de 2.733 mil habitantes, o que corresponde

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a cerca de 12,63% da população. Veranópolis conta com um Centro de Geriatria e Gerontologia recentemente inaugurado, além de o mu-nicípio ser alvo de pesquisa na área do envelhecimento desde 1994. A amostragem foi por conveniência, junto a um projeto de prevenção que atende cerca de 700 idosos (IBGE, 2006).

Desenho do estudo

Foi realizado um estudo quantitativo de delineamento trans-versal, com um total de 81 idosos com mais de 60 anos residentes em Veranópolis, participantes do Programa de Acompanhamento Longitudinal “Projeto Veranópolis: Prevenção de Saúde” e livres de transtornos cognitivos. Foram aplicados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, Questionário de Dados Sociodemográficos, o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), o WHOQOL-Bref e a Escala de Depressão Geriátrica (GDS), respectivamente. O MEEM foi utilizado para exclusão de idosos com transtorno cognitivo e o GDS avaliou a intensidade de sintomas depressivos.

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora de forma indi-vidual, no período de janeiro a março de 2007, em espaço reservado no Centro de Convivência e Longevidade em Veranópolis. O WHOQOL-Bref é auto-aplicável; entretanto, optou-se pela entrevista direta em função da dificuldade de leitura, dos problemas visuais e analfabetismo comum em idosos.

Em relação aos procedimentos estatísticos, os escores foram descritos através de média e desvio-padrão. As variáveis categóricas foram descritas através de freqüências absolutas e relativas. A fim de se compararem médias de dois grupos, foi utilizado o t de student para amostras independentes. Para comparar médias de três ou mais grupos, foi utilizada a Análise de Variância (ANOVA) One-Way. Para complementar a análise, foi utilizado o teste post-hoc de Duncan. Com o objetivo de correlacionar escores, foi utilizado o r de Pearson, que possibi-lita a associação entre duas variáveis quantitativas. E, finalmente, para avaliar preditores de QV e controlar fatores de confusão, foi aplicada a

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análise multivariada de Regressão Linear. As análises foram realizadas no programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 10.0 (Hulley et alii, 2003).

Resultados

Perfil sociodemográfico

As idades dos indivíduos entrevistados variaram de 60 a 85 anos, sendo que a média de idade ficou em 71,9, com um desvio-padrão de 6,4. Dos 81 participantes, 72,8% (59) eram do sexo feminino e 27,2% (22) do sexo masculino e 61,7% (50) eram casados, ou seja, 6,2%. Estes e outros dados podem ser visualizados de forma mais abrangente na Tabela 1.

A grande maioria dos entrevistados – 92,6% (75) – pratica al-guma atividade de lazer: destes, 77,8% (63) participam de atividades ligadas à igreja. Em relação a grupos de convivência, 54,3% participam de atividades semanais.

A maioria, 64% (52) da amostra, relata fazer uso de medicação diária. Também 81,5% (66) dos entrevistados referem realizar exames de rotina.

As médias de escores dos domínios do WHOQOL-Bref e do GDS tiveram distribuição de acordo com a Tabela 2.

No que se refere aos domínios do WHOQOL-Bref em correlação aos escores do GDS, a pesquisa aponta resultados estatisticamente sig-nificativos com um p<0.01. Quanto maior a intensidade de sintomas depressivos há uma forte tendência na diminuição da QV em todos os domínios do instrumento, conforme representado na Figura 1.

A Tabela 3 refere-se à análise de regressão multivariada, utilizada para identificar preditores de QV entre as variáveis estudadas, tomando como referência os domínios do WHOQOL-Bref. As variáveis que na análise bivariada apresentaram um p ≤ 0,20 foram inseridas no modelo multivariado de regressão linear múltipla.

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Tabela 1 – Caracterização da amostra

Características n=81

Idade (anos) – Média DP 72,0 6,5 Sexo - n(%)

Masculino 22 (27,2) Feminino 59 (72,8)

Raça - n(%) Branca 79 (97,5) Não Branca 2 (2,5)

Estado civil – n(%) Casado 50 (61,7) Solteiro 5 (6,2) Viúvo 26 (32,1)

Escolaridade – n(%)Não alfabetizado 11 (13,6) Fundamental incompleto 42 (51,9) Fundamental completo 17 (21,0) Médio / Superior 11 (13,6)

Sabe ler– n(%) Sim 70 (86,4) Não 11 (13,6)

Sabe escrever– n(%) Sim 70 (86,4) Não 11 (13,6)

Renda (s.m.) – n(%) 2 46 (56,8)

>2 35 (43,2) Ocupação – n(%)

Trabalhando 2 (2,5) Em benefício 1 (1,2) Aposentado 68 (84,0) Nunca trabalhou fora do lar 9 (11,1) Não informou 1 (1,2)

Mora com – n(%) Familiares 36 (44,4) Companheiro 34 (42,0) Sozinho 11 (13,6) Realiza atividade de lazer – n(%) Sim 70 (92,6) Não 6 (7,4) Uso de medicação – n(%) Sim 52 (64,2) Não 29 (35,8) Faz exame de rotina – n(%) Sim 66 (81,5) Não 15 (18,5) Fumo – n(%)Fumante 1 (1,2) Ex-fumante 9 (11,1) Não fumante 71 (87,7)

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Qualidade de vida em um grupo de idosos de Veranópolis 231

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Tabela 2 – Avaliação dos Escores do Whoqol-Bref e Gds nos Idosos

Variáveis Média Desvio Padrão Mediana Mínimo Máximo WHOQOL-BREF Físico 68,69 18,31 71,43 17,86 100,0 Psicológico 69,08 10,82 70,83 45,83 95,83 Social 75,08 11,03 75,00 50,00 96,88 Ambiental 73,35 10,33 75,00 33,33 100,0 Global 66,05 15,21 62,50 37,50 100,0 GDS 2,57 2,60 2,00 0 12

GDS x Global: rs=-0,657; p<0,001; GDS x Físico: r

s=-0,611; p<0,001; GDS x Psicológi-

co: rs=-0,655; p<0,001; GDS x Social: r

s=-0,709; p<0,001; GDS x Ambiental: r

s=-0,412;

p<0,001

Figura 1 – Associação entre os escores do Whoqol-Bref e Gds

GDS

Global

Físico

Psico

Ambiental

Social

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Em relação à Qualidade de Vida entre homens e mulheres, os primeiros apresentaram menor Qualidade de Vida no domínio psico-lógico (p= 0,006).

Também em relação ao uso de medicação diária, foram encon-trados resultados estatisticamente significativos entre os grupos na associação com os domínios físico e social de QV. Idosos que utilizam algum tipo de medicação diariamente apresentaram médias menores nos domínios referidos. Ainda em relação à saúde, foi perguntado se o indivíduo havia deixado de realizar alguma atividade no último mês devido a problemas de saúde. A diferença entre os grupos não foi estatisticamente significativa na associação com os domínios do WHOQOL-Bref.

No que se refere à realização de atividades de lazer, foram en-contrados resultados significativos na correlação com os escores do WHOQOL-Bref nos domínios físico e psicológico. O grupo que realiza atividade de lazer apresenta melhor QV nesses domínios.

Na correlação entre GDS e WHOQOL-Bref, foi encontrada forte associação inversa. Na medida em que houve um aumento na intensidade de sintomas depressivos, houve uma forte tendência na diminuição da QV em todos os domínios do instrumento.

Discussão

É prudente, ao iniciar a discussão dos resultados deste estudo, que seja considerado o fato de ele ter como população-alvo um grupo de idosos da cidade de Veranópolis, que conta com um projeto de pesquisa sobre envelhecimento e Qualidade de Vida e, mais recentemente, um Centro de Geriatria e Gerontologia. Dessa forma, pode-se pensar no fato de Veranópolis ser um lugar privilegiado nesse sentido, o que pode acabar influenciando os índices de QV desta amostra. Faz-se uma ressalva também no que se refere à generalização dos resultados deste trabalho, na medida em que a amostragem foi por conveniência num grupo de

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pesquisa sobre envelhecimento, o qual a pesquisadora trabalha. Sendo assim, estes resultados podem ser generalizados para este grupo e não para a população de idosos de Veranópolis de modo geral.

Os idosos estudados são, na maioria, de baixa escolaridade, aposentados e com baixa renda, características também encontradas em outros estudos (Argimon, 2002; Timm, 2006; Pereira, Cotta e Franceschini, 2006; Joia et alii, 2007). A grande maioria mora em casa própria e tem a saúde como maior motivo de preocupação. Este último dado não condiz com outro estudo realizado em Veranópolis, em que a maioria dos idosos referiu preocupação com a situação finan-ceira (Timm, 2006). Apesar de 56,8% dos idosos possuírem renda de até dois salários mínimos, houve pouca referência à preocupação com a situação financeira, o que nos leva a pensar que esses idosos possam estar financeiramente amparados por outros familiares, variável não coletada neste estudo. Não houve diferença de QV entre os grupos com maior e menor renda, assim como no estudo de Pereira, Cotta e Franceschini (2006). Ao contrário do que mostram os estudos de Jakobsson, Hallberg e Westergren (2004) e Sherbourne et alii (1992), de que uma boa situação socioeconômica está associada a melhor Quali-dade de Vida. Veras e Alves (1995) colocam que fatores socioeconômicos têm influência importante na QV da população por oferecer suporte material para o bem-estar do indivíduo, influenciando a qualidade na habitação, independência econômica e estabilidade financeira. Supomos que essa questão esteja também relacionada ao lugar onde a pesquisa foi realizada. No caso de Veranópolis, por exemplo, existem ofertas de lazer, medicação e outros hábitos usualmente relacionados a uma me-lhor qualidade de vida, de forma gratuita à disposição do idoso. Isso faz com que mesmo os economicamente menos favorecidos tenham acesso a hábitos que possam melhorar a Qualidade de Vida. Além disso, em Veranópolis, a desigualdade social parece ser bem menor do que em outras cidades do Brasil.

Outra característica encontrada na população em estudo e que corrobora a totalidade de estudos pesquisados (Garrido e Menezes, 2002; Hwang, Liang, Chiu e Lin, 2003; Pereira, Cotta e Franceschini,

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2006; Timm, 2006 e Argimon, 2002; Joia et alii, 2007) em população de idosos é a diferença entre o número de homens e mulheres, sendo as últimas predominantes. Em 1996, no Brasil, 54,4% das pessoas com mais de 60 anos eram mulheres, situação que caracteriza um fenômeno largamente estudado, chamado de “feminização da velhice”, que signi-fica o aumento do número de mulheres na população idosa.

Em relação à QV entre o grupo de homens e mulheres, houve diferença significativa no domínio psicológico, no qual os homens apresentaram menor QV. Esse resultado não é corroborado por outros estudos, nos quais a QV em mulheres é menor. Conforme estudo de Sprangers et alii (2000), sexo feminino está relacionado a baixos níveis de Qualidade de Vida. Em estudo realizado com idosos de Teixeiras, MG, a variável gênero teve influência significativa, porém pequena nos domínios físico, psicológico e ambiental, sendo os escores também maiores entre os homens. Talvez uma explicação aceitável para o re-sultado do presente estudo esteja relacionada ao fato de as mulheres terem maior participação em grupos de convivência e outras atividades sociais, como, por exemplo, grupo de dança, oficinas de artesanato e até mesmo atividades da Igreja. (Pereira, Cotta e Franceschini, 2006).

Em relação à associação da variável idade com os domínios do WHOQOL-Bref, foram encontrados resultados significativos nos do-mínios ambiental e global. Quanto maior a idade, há uma tendência na diminuição de Qualidade de Vida nos domínios citados. O que pode parecer óbvio pela idéia de fragilidade que, normalmente, o idoso muito idoso transmite. Segundo Joia et alii (2007), a QV na velhice tem sido muito associada a questões como independência e autonomia, sendo importante distinguir os efeitos da idade. Normalmente, um idoso de 80 anos tem suas capacidades diminuídas se comparados a eles mes-mos quando tinham 70 anos. Entretanto, essa não uma regra, já que algumas pessoas apresentam declínio no estado de saúde e nas funções cognitivas precocemente, enquanto outras vivem saudáveis até idades muito avançadas. Talvez o resultado de uma QV mais baixa nos aspectos ambiental e global para idades mais avançadas esteja relacionada ao modo pelo qual esses idosos percebem sua saúde e falta ou diminuição

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da autonomia. Argimon e Stein (2005) colocam que é possível supor que indivíduos com mais de 80 anos tenham uma saúde física mais debilitada do que indivíduos com menor idade.

Em Veranópolis, em 2003, o estudo de Xavier et alii (2003), realizado com octogenários, teve por objetivo analisar a definição dos idosos de qualidade de vida, bem como aspectos que os idosos consideravam como determinantes para uma boa Qualidade de Vida, através de perguntas abertas. Os resultados apontaram que 57% dos idosos definiam sua Qualidade de Vida atual com avaliações positivas. As conclusões deste estudo dão conta de que, para os idosos, é possível que a qualidade negativa da vida seja equivalente a perda de saúde, e Qualidade de Vida positiva seja equivalente a uma pluralidade maior de categorias como atividade, renda, vida social e relação com a família, categorias diferentes de sujeito para sujeito. O aspecto saúde apareceu como um bom indicador de qualidade de vida negativa, porém um indicador insuficiente de velhice bem-sucedida.

Os resultados apresentados acima também corroboram os acha-dos do presente estudo, quando considerados fatores relacionados à saúde física, como o uso de medicação diária, por exemplo. Os sujeitos que afirmaram não utilizar medicação diária apresentaram melhores escores de Qualidade de Vida nos aspectos físico e social. Esse resultado leva-nos a considerar a importância da saúde física como fator preditivo de uma boa Qualidade de Vida. Pressupõe-se que a utilização de medicação diária esteja associada à existência de doenças crônicas, como hiperten-são, diabetes e até mesmo depressão. Assim, pode-se levantar a hipótese de que idosos que sofrem de algum tipo de doença tendem a apresentar uma QV inferior. Cerca de 64% dos idosos entrevistados em Veranópolis ingerem medicação diariamente. É um percentual relativamente baixo, se comparado a um estudo realizado com idosos da Universidade aberta da Terceira Idade do Rio de Janeiro, em que 85% da amostra relatou utilizar pelo menos um medicamento regularmente.

Além do uso de medicação diária, foi investigada também a existência de problemas de saúde no último mês que possam ter im-pedido o idoso de realizar alguma atividade. Essa última variável não

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apresentou correlação com os domínios do WHOQOL-Bref, o que talvez se explique pela própria distribuição de indivíduos entre os grupos, uma vez que somente 11,1% dos entrevistados responderam afirmativamente.

Os escores do WHOQOL-Bref constituem-se numa escala dire-tamente proporcional a QV, ou seja, quanto maior os escores, maior a QV. Entretanto, não existe um ponto de corte, o qual possa determinar a QV como boa ou ruim.

Apesar disso, num parâmetro de 0 a 100, pode-se fazer uma comparação entre as médias dos próprios domínios do instrumento. Nessa perspectiva, as médias mais altas foram encontradas nos domínios social (75,08) e ambiental (73,35), seguidos do psicológico (69, 08), físico (68,69) e global (66,05).

Em outro estudo, no qual foi utilizado o mesmo instrumento na avaliação de QV em idosos, as médias entre os domínios, de for-ma decrescente, foram: social, físico, psicológico, global e ambiental (Pereira, Cotta e Franceschini, 2006).

Segundo Neri (2001), a Qualidade de Vida na velhice tem relação direta com a existência de condições ambientais que permitam aos idosos desempenhar comportamentos biológicos e psicológicos adaptativos. Na população em estudo, os aspectos ambientais e sociais se sobressaem em relação aos aspectos psicológicos e físicos. O instrumento utilizado avalia aspectos nos domínios social e ambiental, como, por exemplo, satisfação consigo mesmo e com relações interpessoais (amigos, fami-liares), condições físicas do local de moradia, acesso a serviços de saúde, satisfação com meio de transporte, entre outros. Isso nos leva a crer que os aspectos ambientais e sociais encontram-se melhor contemplados do que outros aspectos nesse campo de investigação. Neri (ibid.) coloca que a adoção de providências que visem facilitar e promover a interação física, social e psicológica do idoso com o ambiente pode aumentar a sua eficácia e assim a Qualidade de Vida real e percebida do idoso.

Dessa forma, podemos levantar a hipótese de que a própria participação no programa longitudinal “Projeto Veranópolis: estudos sobre envelhecimento e Qualidade de Vida”, no qual foi aplicada a

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pesquisa, possa ser um dispositivo no aumento da Qualidade de Vida nos aspectos social e ambiental dos idosos em estudo. Além disso, a grande maioria dos entrevistados (92%) referiu realizar algum tipo de atividade de lazer, sendo que, destes, 84% relataram participar de ati-vidades na igreja e 58, 7%, relataram freqüentar grupo de convivência, atividades que exigem certo nível de interação com o meio ambiente e com outras pessoas. Um estudo realizado na região metropolitana de Porto Alegre concluiu que fatores como relações familiares, de amizade e suporte psicossocial estão associadas ao envelhecimento bem-sucedido (Moraes e Souza, 2005).

Resultados de outros estudos têm evidenciado forte associação entre o aspecto ambiental e a Qualidade de Vida em idosos, podendo proporcionar sentimento de segurança, interação social, independência e bem-estar emocional (Lawton, 2001; Hwang, Liang, Chiu e Lin, 2003; Moraes e Souza, 2005).

Ainda em relação à realização de atividades de lazer, o estudo mostra correlação direta entre essa variável e os domínios físico e psico-lógico do WHOQOL-Bref. Apesar de grande diferença de indivíduos entre os grupos que realizam (92,6%) e os que não realizam (7,4%) atividades de lazer, o primeiro grupo apresentou escores melhores de Qualidade de Vida nos domínios acima citados. Esses achados, igual-mente, corroboram as conclusões de outros estudos, em que uma maior interação social pode elevar os níveis de QV (Neri, 2001).

O estado civil dos participantes não apresentou associação sig-nificativa nos escores de QV, assim como em outros estudos na cidade de Teixeira, MG (Pereira, Cotta e Franceschini, 2006) e Veranópolis (Timm, 2006). Em contrapartida, Sprangers et alii (2000) concluíram que não ter companheiro está relacionado a baixos níveis de qualidade de vida. Também no presente estudo não foi encontrado resultado sig-nificativo na variável situação de moradia. Nossa intenção era verificar se a QV diminui em idosos que moram sozinhos. Uma hipótese para esse resultado é de que mesmo idosos que vivem sós não deixam de estabelecer relações sociais e continuam ocupando um espaço dentro da comunidade.

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A variável saber ler e escrever, quando associada ao instrumento de Qualidade de Vida, não apresentou resultados significativos, assim como a escolaridade. Mais de 50% dos idosos referiram ter ensino fun-damental incompleto. Talvez não tenha dado resultado significativo em função de apenas 28% dos idosos possuírem uma escolaridade maior.

Em relação à associação dos escores do WHOQOL-Bref com escores do GDS, os achados apontam que, quanto maior a intensidade de sintomas depressivos, menor é a Qualidade de Vida em todos os domínios do WHOQOL-Bref, o que vai ao encontro dos achados de outros estudos realizados com população de idosos.

Um estudo realizado por Trentini (2004) aponta que a intensi-dade de sintomas depressivos pode acabar fazendo com que o indiví-duo avalie de forma negativa sua Qualidade de Vida. Outros estudos também encontraram associação entre depressão e má Qualidade de Vida (Herman et alii, 2002; Kuehner, 2002). Estudo realizado em Veranópolis, com uma população de octogenários, mostrou também associação inversa entre sintomatologia depressiva e satisfação com a vida (Xavier et alii, 2003).

A depressão, junto com a hipertensão arterial e as doenças coronarianas, está entre as enfermidades mais prevalentes em idosos (Moraes e Souza, 2005). Embora a depressão seja relativamente fre-qüente entre idosos, sua identificação torna-se difícil até mesmo na prática clínica (Almeida e Almeida, 1999). Nessa população em estudo, pode-se afirmar que idosos com sintomas depressivos apresentaram menores escores de QV em todos os aspectos do que aqueles que não apresentaram sintomas para depressão. Entretanto, como em todo estudo transversal, encontra-se a limitação de que é difícil afirmar se esses idosos têm médias baixas de QV em função do possível humor deprimido ou se apresentam características para depressão em função de uma QV baixa.

Sendo assim, podem-se considerar preditivos de Qualidade de Vida, nesse grupo de idosos estudados, as seguintes variáveis: idade nos domínios ambiental e global; gênero feminino no domínio psicológico;

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realização de atividades de lazer nos domínios físico e psicológico; não utilização de medicação nos domínios físico e social; e baixa intensidade de sintomas depressivos em todos os domínios do WHOQOL-Bref.

Tendo em vista as possíveis limitações deste estudo, abordadas anteriormente, sugerem-se outras pesquisas sobre Qualidades de Vida em idosos e seus preditivos.

Considerações finais

Mesmo não existindo um ponto de corte no instrumento utili-zado para a avaliação de qualidade de vida nessa população de idosos, o estudo sugere uma qualidade de vida boa, se comparado aos limites do instrumento, cujos parâmetros variam de 0 a 100.

Parecem ser preditivos de uma boa Qualidade de Vida: ter menos idade, ser do sexo feminino, realizar atividades de lazer, não utilizar medicação diária e estar livre de sintomas depressivos.

Em função da relevância do estudo da Qualidade de Vida no idoso e da necessidade de estruturar programas de prevenção que acolham essa população emergente, sugerem-se outros estudos nesse âmbito, que venham auxiliar os profissionais da saúde e a população de um modo geral no que se refere aos cuidados com idosos e às peculiaridades do processo de envelhecimento.

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Data de recebimento: 10/7/2007; Data de aceite: 16/8/2007.

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Waleska P. Farenzena – Psicóloga do Programa de acompanhamento longitudi-nal “Projeto Veranópolis”, mestranda em Ciências da Saúde, da PUCRS. E-mail: [email protected]

Irani de L. Argimon – Psicóloga, doutora em Psicologia Clínica (PUCRS), pro-fessora do PPG – Psicologia Clínica (PUCRS). E-mail: [email protected]

Emílio Moriguchi – MD, Phd, pesquisador do Serviço de Cardiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

Mirna W. Portuguez – Doutora em Neurociências (Unifesp), professora do PPG em Medicina e Ciências da Saúde – Famed – (PUCRS). E-mail: [email protected]

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A importância do bom funcionamento do sistema mastigatório para o processo

digestivo dos idosos Fernando Luiz Brunetti Montenegro

Leonardo Marchini Ruy Fonseca Brunetti

Carlos Eduardo Manetta

RESUMO: nosso interesse foi fazer uma correlação entre a importância da boa função dentária e sua capacidade na ingestão de nutrientes-chave, visando um adequado funcionamento do sistema digestivo, de vital necessidade para o esta-do de saúde geral, que permitirá ao idoso enfrentar as prováveis vicissitudes da terceira idade.Palavras-chave: gerontologia; geriatria; odontogeriatria.

ABSTRACT: Our interest was to make a correlation between the importance of a good dental function and its capacity in the ingestion of key nutrients, aiming at the adequate functioning of the Digestive System, which has a vital importance for the general health state, enabling the elderly to cope with the probable vicissitudes of Third Age.Keywords: Gerontology; Geriatrics; Geriatric Dentistry.

Nos séculos anteriores ao XX, a população idosa era uma porção relativamente pequena do total demográfico e, em sua grande maio-ria, composta de indivíduos edêntulos, uma decorrência do hábito de pouco freqüentarem os “consultórios” odontológicos daquelas épocas, não afeitos à prevenção e à preservação, e na essência mutiladores.

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Felizmente, essa não é a realidade atual ou mesmo a esperada no sé-culo XXI: os idosos são um estrato emergente, com mais educação, informação política e o mais importante é que possuem mais elemen-tos dentários remanescentes. Isso tem trazido e trará, no nosso país, um imenso rol de necessidades, as quais a área de saúde não estava acostumada a atender, tanto pelo número significativo de pacientes – cerca de 18 milhões em 2007 – como por suas expectativas so-ciais, funcionais e estéticas (Brunetti e Montenegro, 2002b; Leite e Montenegro, 2006).

Enfocamos o idoso atual, suas características diferenciais no campo odontológico, bem como suas necessidades, presentes e futu-ras, criando um entrosamento entre diversos colegas da área de saúde, sendo que cabe aos cirurgiões-dentistas fazer uma revisão e ampliação de seus conhecimentos visando preencher essa importante e inevitável lacuna social, já uma realidade para colegas dos países desenvolvidos e um ponto a pensar e agir efetivamente neste novo século em nosso país (Montenegro et alii, 2004).

As pessoas acima de 65 anos de idade deverão ser, no Brasil, cerca de 32 milhões no ano de 2050, um crescimento de mais de 400% em relação aos anos 90 do século XX. No mesmo período, os de meia-idade aumentarão apenas 27% nas previsões do IBGE (1995), realizadas no início dos anos 90. Isso cria uma necessidade de dar atenção a esse previsto aumento na demanda de serviços médicos e odontológicos, uma vez que, nos dias de hoje, nossa população de idosos já é maior que o total de habitantes de Portugal (Jacob Filho, 2003; Montenegro, 2005).

Um dos fatores de diminuição da qualidade de vida e saúde geral entre os idosos está intimamente relacionado com a possibilidade de ingestão de bons nutrientes, que, geralmente, exigem a presença de dentes naturais sadios ou de próteses dentárias bem adaptadas, que, quando não estão em boas condições de funcionamento e trituração dos alimentos, acabam por mudar hábitos alimentares, tendo como conseqüência a depauperação orgânica, com o aumento dos problemas digestivos decorrentes de uma apresentação inadequada do bolo ali-

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mentar em seu interior. A mudança para dietas mais pastosas/macias, para suplantar tais problemas bucais, longe de resolver o problema, em médio prazo, só causa seu incremento e a perda de um bom viver entre os mais idosos, especialmente entre os institucionalizados (Brunetti e Montenegro, 2000; Ettinger, 1973; Leal e Montenegro, 2004).

Também dietas mais macias/pastosas acumulam-se mais sob a superfície dentária dando início/prosseguimento aos problemas gengivo/periodontais, bem como mudam o tônus dos músculos da mastigação (que não serão tão exigidos no dia-a-dia), com evidentes comprometi-mentos estéticos (rosto com sulcos pronunciados) e funcionais (perdas de dentes não repostas e/ou prótese não adaptadas, com dentes desgastados que levam à perda da dimensão vertical da face, com problemas para o ciclo mastigatório e até para articulação temporo-mandibular (Marchini e Cunha, 1999; Martins et alii, 2004; Montenegro, 2004).

Ciclo mastigatório

O ciclo mastigatório é constituído por uma série de movimentos dos alimentos dentro da cavidade bucal, durante os quais, além de sua diminuição em volume, recebe a vital umectação (“molhamento”) da saliva, facilitando sua redução e preparo para a ingestão. Para tanto, a participação dos dentes (em bom estado ou de próteses bem adap-tadas) é fundamental, desde a colocação dos alimentos na boca, onde são cortados pelos incisivos, sendo os mais resistentes, como as carnes, dilacerados pelos caninos. Passado esse estágio, é iniciada a trituração, tornando, pela ação dos pré-molares, mais fácil o “molhamento” do bolo alimentar. Essa função é complementada pela ação dos mola-res (primeiros, segundos e terceiros), cuja trituração no estilo pilão/cuia acaba, com a fundamental ajuda da língua, das bochechas, dos lábios, por formatar o bolo alimentar para sua ingestão e trabalho pelos demais componentes do sistema digestivo (Brunetti, Montenegro e Manetta, 1998).

Para que essa trituração/maceração ocorra, é preciso que os dentes participem ativamente: por isso eles possuem pilão (cúspides “pontas”)

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e cuia (fossas onde as pontas das cúspides se alojam) para que, com os diversos movimentos do único osso móvel da face, a mandíbula, possam passar diversas vezes por essas superfícies, reduzindo o bolo à forma semipastosa, mas trabalhada com a ação dos componentes da saliva, que é necessária para o início da digestão (Gerhardt , Montenegro e Vendola, 2004; Marchini, 2000).

Porém, essas movimentações não são aleatórias e seguem um ciclo, ou seja, os alimentos são apreendidos, dilacerados, triturados de um lado da boca, “formatados” pela ação da língua, dos músculos e das bochechas, repassados ao outro lado da boca, escorrendo pela face interna dos dentes anteriores superiores. Após uma mastigação adequa-da, com uma perfeita umectação pela saliva, está apto a ser ingerido. O movimento descrito tem a forma de uma gota de água.

Nos primórdios da humanidade, os indivíduos só tinham alimen-tos não “beneficiados”, ou seja, exigiam grande potência muscular para realizar o ciclo acima proposto. Com o correr dos séculos, por influências culturais e sociais diversas, o homem procurou facilitar esse trabalho e, para tanto, lançou mão de subterfúgios, como aquecimento, imersão em molhos amaciantes, envolvimento com folhas de árvores diversas, com o único objetivo final de facilitar o processo de mastigação, fundamen-tal para um bom funcionamento de todo o trato digestivo (Brunetti e Montenegro, 2002a; Salton e Montenegro, 2003).

Dessa forma, a costela do animal selvagem e a fruta in natura foram posteriormente trocadas por suflês, papas, sopas, sucos, para os quais o liquidificador e a batedeira substituíram os dentes no ato de diminuir os alimentos. Isso também trouxe uma série de outras impli-cações na constituição dos sucos gástricos e nas características de seus componentes. Tal mudança alimentar, ainda que gradativa para o ser humano, vem sendo observada como extremamente crítica no que tange a tonicidade dos músculos mastigatórios e faciais, na correta embebição do bolo alimentar pela saliva e do seu trânsito pelo trato digestivo: é o que afirmam diversos dos autores consultados.

Shimazaki e Tanaka (2001) trabalharam com um grupo de 1.929 idosos no Japão, seguidos por seis anos, e observaram que uma menor

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morbidade ocorria entre aqueles que possuíam mais de vinte elementos dentários naturais, seguidos pelos que tinham próteses bem adaptadas. Para os edêntulos ou com poucos dentes naturais remanescentes, con-cretizou-se expectativa de vida menor, bem como apresentou-se um maior agravamento em seu estado geral de saúde.

O tempo de umectação do bolo alimentar pela saliva dentro da cavidade bucal, além de facilitar o processo digestivo, tem, no caso dos farináceos pouco beneficiados e das frutas e legumes, um fator benéfico adicional, qual seja, o auxílio na limpeza e massageamento dos dentes e das gengivas, trazendo claras vantagens, como entre a população carente das zonas rurais brasileiras.

A formação do bolo alimentar é inata no ser humano e realçada pelos alimentos ingeridos e por sua textura, que induzem a uma maior concentração salivar e, ao mesmo tempo, todo o sistema digestivo já se prepara para o alimento que está por vir (reforçando os aspectos psicológicos embutidos na frase “comer com os olhos – e a mente” (Nascimento, Montenegro e Marchini, 2004; Ourique e Montenegro, 1998).

No idoso brasileiro, com ausências parciais ou totais dos dentes, grandes partes dessas sensações se perdem, bem como a eficiência na mastigação é comprometida (por isso devem ser instruídos a mastigar mais vezes, para obter um bolo bem formatado), particularmente em uma época da vida que necessita ter sua máquina funcionando com a maior eficiência possível.

Condição bucal das pessoas da terceira idade

A população de terceira idade é um grupo bastante heterogêneo, devido às condições sociais, econômicas e de saúde geral, mas algumas características podem ser comuns a todas as faixas etárias.

Devido a uma política de saúde no mínimo contraditória em nosso país, na segunda metade do século XX, foi dado enfoque maior às crianças e aos adolescentes, deixando os indivíduos idosos à sua própria sorte e sem qualquer suporte mais dirigido por parte do Estado.

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Mesmo assim, devido à melhora das condições gerais de saúde de toda a população, houve um aumento na expectativa de vida, que, com certeza, influenciou nas previsões do IBGE, mostradas anterior-mente.

A maior queixa bucal do indivíduo idoso é a perda da eficiência mastigatória, decorrente da perda de muitos dentais naturais ou de próteses com adaptação inadequada e reflexo do abandono preventivo estatal nos últimos decênios, sem que haja uma política odontológica dirigida, constante e abrangente em nível nacional.

Inicialmente, o indivíduo nessa condição tende a retrair-se so-cialmente (ante sua aparência), exatamente quando estava numa fase extremamente profícua de difusão de conhecimentos e enriquecedora na troca de experiências vividas, tornando-se um “mutilado social” (Brunetti e Montenegro, 2003).

Prosseguindo nesse processo de afastamento, as conseqüências psicológicas serão inevitáveis, podendo chegar a um desinteresse pelos alimentos ditos saudáveis (e mais consistentes) trocados por uma dieta mais macia e pobre em nutrientes adequados, com o surgimento de deficiências nutricionais que irão comprometer o funcionamento de diversos órgãos. Por esse lado, geralmente negligenciado pelo profis-sional imediatista, é que a perda pura e simples de um dente acaba por envolver todo o organismo do indivíduo, tanto em um enfoque holístico como na realidade orgânica a médio e longo prazos (Ourique e Montenegro, 1998).

A boca, que é o ponto inicial do sistema digestivo, pela ação prioritária das mucopolisacaridases e proteases presentes na saliva, é a responsável pela correta formatação do bolo alimentar, que é a base de uma condição orgânica, funcional e nutricional adequada.

No indivíduo total ou parcialmente edentado, há uma dificuldade intrínseca no trabalho do bolo alimentar, o que o obriga a procurar, no uso de outros alimentos mais adequados à eficiência mastigatória agora existente, o que foi confirmado pela pesquisa de Ettinger (1973), que observou 78,7% dos indivíduos idosos possuírem problemas alimentares e somente 17,5% poderem mastigar carnes e frutas consistentes.

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Essa inevitável perda de um balanceamento alimentar cria con-dições teciduais, especialmente nas mulheres (92,9%), desfavoráveis para uma mastigação adequada com próteses antigas e desadapta-das. O incômodo causado pelo uso desses aparatos nessas condições precárias de funcionamento, diuturnamente, gera uma tendência de que as mulheres cheguem ao edentulismo antes dos homens (Brunetti e Montenegro, 2002b; Marchini, Montenegro e Brunetti, 1999; Montenegro e Brunetti, 2003).

Em um país de terceiro mundo como o nosso, o custo do quilo de carne também ajuda a agravar a deficiência nutricional, e a opção por produtos macios e com um conteúdo protéico crítico ou muitas vezes inexistente (biscoitos, salgadinhos, por exemplo) cria uma condição que apenas vai retroalimentar os graves casos de debilitação observáveis na clínica geriátrica, segundo Jacob Filho (2003).

Por isso, nossa indicação é que, antes de nos preocuparmos com que tipo de trabalho deva receber o paciente, o profissional faça uma análise geral da dieta (com a anotação de alimentos e quantidades in-geridas por refeição) para, daí, poder começar a traçar um perfil mais abrangente daquele ser que se encontra a seu lado.

A digestão e a assimilação das proteínas exigem uma produção adequada do ácido hidroclorídrico, pepsina e renina nos sucos gástricos, somada à tripsina, oriunda do pâncreas. Com a idade, essas secreções e as enzimas poderão reduzir-se, o que resulta em uma digestão menos eficiente (e a capacidade de absorção de proteínas) e crises de indigestão que tenderiam a ser comuns em idosos com alimentação pobre em nu-trientes adequados (Kina, Belotti e Brunetti, 1998; Manetta, Brunetti e Montenegro, 1998; Osterberg e Landahl,1994).

Uma dieta balanceada para cada idoso, a ser proposta por um nutricionista da equipe de saúde, apenas reforça o conceito difundido de que a digestão se inicia na boca e seria prejudicada por condições inadequada nela encontradas.

A função imune, que pode variar muito entre as pessoas de terceira idade, sofre, com o tempo de vida, uma perda funcional que comprome-te, por exemplo, a resistência às infecções, também pela diminuição da

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capacidade reprodutiva das células T, criadas no início da adolescência. Nos anticorpos IgG, IgA e IgM dos idosos observa-se um decréscimo do número encontrável na saliva (Neves e Montenegro, 2004).

Em função das alterações neuromusculares associadas ao enve-lhecimento, mudanças na ingestão de alimentos podem ocorrer como sua aspiração, mastigação incompleta, refluxos ou inalação.

A tonicidade da musculatura da língua é outro aspecto (e os estudos de Berg e Morgenstern, em 1997, confirmam esse ponto) que acaba por criar mais um fator de readaptação das pessoas idosas para conseguirem que o bolo alimentar possa atingir o estômago de forma mais adequada.

Mas não foi obtida uma correlação da idade com a capacidade gustativa, por ser o último um fenômeno complexo que envolve a sen-sibilidade olfativa, tátil e a capacidade cognitiva, como, por exemplo, nos alimentos salgados, conforme mostraram, em 1994, Osterberg e Landahl: que a condição gustativa da ponta da língua era maior nos jovens que nos idosos. Tal fato não ocorreu nos alimentos doces. Já o estudo demostrou que há uma pequena falha em identificar sabores amargos, enquanto que, para os ácidos, não foi notada alteração sig-nificativa.

Como se forma uma camada de restos celulares e de alimentos nas porções mais posteriores da língua (a chamada saburra lingual), sua limpeza diária se faz mister. Conta-se agora com higienizadores de língua disponíveis no comércio brasileiro, como afirmam Leite e Montenegro (2006), inclusive promovendo a desobliteração das papilas gustativas, que permitirá melhor percepção do doce e do salgado na dieta de pacientes diabéticos e hipertensos, respectivamente.

O decréscimo do fluxo salivar com a idade é um fato comprovado por diversos estudos (e suas implicações diretas com a capacidade de adaptação às próteses e as decorrentes queixas dos pacientes idosos após suas instalações) e que pode ser enormemente potencializada pelas medicações (e suas interações), já que o idoso acaba por usar di-ferentes fármacos no seu dia-a-dia. Isso apenas reafirma a necessidade do profissional que o atende estar com domínio dos mais usados e suas

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interações. Talvez a análise do fluxo salivar seja o fenômeno relacionado com a idade mais estudado na odontologia, afirmaram Osterberg e Landahl (1994).

Todos os fatores até aqui citados têm envolvimento com a ho-meoestenose, que é uma perda da reserva fisiológica ante as agressões externas como um trauma, doença aguda ou alterações acentuadas de temperatura (Montenegro, Brunetti e Manetta, 1998).

Outro aspecto geralmente observado no idoso é a halitose, muitas vezes citada pelo paciente como tendo origem odontológica. O profissional deve observar imediatamente se existem crostas sobre a língua, aumento das enzimas bacterianas (teste BANA) e fazer a análise de acúmulo de placa bacteriana e de locais de sangramento, e, após um programa de sete dias de limpeza da cavidade bucal, higienização e bochechos com clorhexidina, se não forem observadas melhoras, deve-se procurar por causas esofágicas ou gastrointestinais, conforme afirmaram Neves e Montenegro (2004).

Apesar das diversas situações aqui mostradas, deve-se ter em mente que os fatores emocionais são um dos meios mais marcantes de afastar o cidadão da comunidade onde vive.

O fato de não ter dentes tratados ou a ausência de prótese total ou de uma prótese parcial removível adequada aguça um sentido de mutilação que é característico da idade avançada. Seja na família, no trabalho ou nos ambientes sociais, o idoso não deve ter restrições para sorrir, falar ou selecionar alimentos adequados à sua condição funcional de mastigação (Gerhardt, Montenegro e Vendola, 2004).

O idoso do terceiro milênio deverá ter pequenas restrições, mas deverá estar engajado em um convívio pleno na família e comunidade. A triste e velha imagem de um ser retraído com severa deformidade facial causada pela ausência de dentes e muitas vezes pela não tolerância e aceitação de aparelhos protéticos totais é um quadro do passado.

A moderna prática da odontologia, pari passu com a geriatria, comunga os mesmos ideais da medicina em tornar o idoso um ser feliz em uma fase tão importante da vida, mantendo ou restabelecendo a vital integridade do sistema mastigatório.

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Considerações finais

Nesta avaliação da presença da odontologia na qualidade de vida do idoso, entendemos que uma mudança nas condutas, daqui por diante, irá diminuir profundamente a incidência de patologias bucais, já que quanto mais se educam as populações, menores serão os males a ocorrer nos diversos sistemas orgânicos dos indivíduos da terceira idade.

Desde já a prevenção deve ser um fator primordial nas ativida-des da odontologia, tanto por parte dos cirurgiões-dentistas como por todo o corpo de saúde, devidamente orientado, e para tanto devemos usar todos os meios de divulgação à comunidade que a mídia atual nos proporciona, bem como trabalhando junto ao pessoal de suporte em hospitais e casas de repouso, governamentais e particulares.

Essa é uma realidade palpável em países do primeiro mundo, onde a educação preventiva de seus habitantes é prioritária e com frutos claros e eficientes, e que, esperamos, seja o ideal a ser atingido em países como o Brasil, com grandes massas de desassistidos odontológicos e de saúde preventiva em geral.

Deve ser esse o compromisso da odontologia brasileira com um novo tempo para que esses indivíduos vivam na plenitude de saúde e função de seu sistema mastigatório, participando das responsabilida-des de toda a área de saúde e gerontologia para com os pacientes de terceira idade.

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Data de recebimento: 20/2/2007; Data de aceite: 10/6/2007.

Fernando Luiz Brunetti Montenegro – Cirurgião-dentista, professor de Espe-cialização na Abeno, UnG e ABO. E-mail: [email protected]. Leonardo Marchini – Cirurgião-dentista, professor na Univap, Unitau e Abeno. E-mail: [email protected].

Ruy Fonseca Brunetti – Cirurgião-dentista, professor emérito da Unesp. E-mail: [email protected]. Carlos Eduardo Manetta – Cirurgião-dentista, professor na Unip, ABO e Abeno. E-mail: [email protected].

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A roda da vidaLenina Lopes Soares Silva

KÜBLER-ROSS, Elisabeth (1998). A roda da vida: memórias do viver e do morrer. Tradução de Maria Luiza Newlands Silveira. Rio de Janeiro, GMT.

Pensar a vida como uma roda é, com certeza, refletir sobre a cir-cularidade dos movimentos das pessoas vivas, em especial daquelas que ficaram vivificadas em nossa memória e, de certa forma, compreender a vida como uma travessia entre o nascimento e a morte, sem que esta última signifique um fim. Talvez seja também reconstruir o vivido pelas idas e voltas que compuseram os caminhos percorridos e a percorrer. Quem sabe sem deixar que muitos fatos fiquem de fora do holograma pulsante da reflexividade que vai se amalgamando na memória e que nas narrativas autobiográficas é vivificado. É nesse sentido que Elisa-beth Kübler-Ross (1926-2004), médica psiquiatra, suíça, radicada nos Estados Unidos vai traduzindo sua vida nesta autobiografia: A roda da vida: memórias do viver e do morrer, circundando suas experiências e vivências como pessoa e como profissional.

Deixa, dessa maneira, para a humanidade, as particularidades de seu destino como filha, mulher, esposa, mãe e, especialmente, como profissional da saúde, as reflexões de um ser humano que viveu sempre preocupado com os outros e que quer deixar esse significado de vida para as pessoas. Nesse sentido, entende-se que, sendo uma cientista cujas experiências a levaram à proposição de que as pessoas passam

Resenha

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por estágios antes de morrer, essa escrita de si traz a vida e a morte como processos in/diferenciados no caminho a ser trilhado pelos que nascem.

O livro é dividido em quatro partes, compostas por quarenta capítulos e 313 páginas. Na primeira parte, “O camundongo” ou os primeiros anos de vida, são relatadas suas vivências junto à família na Suíça, culminando com suas experiências diante das imagens das atro-cidades da Segunda Guerra Mundial, como voluntária na Polônia. Os encontros com os horrores da guerra e com seres humanos com grande nível de desenvolvimento espiritual fizeram-na decidir ter como objetivo de vida procurar fazer tudo que fosse possível para garantir que “as futuras gerações não produzissem um outro Hitler” (p. 86). Diante do horror de Maidanek, questiona-se: “Como homens e mulheres podem fazer coisas assim uns aos outros? Como é que as pessoas, especialmen-te mães e crianças, sobreviviam no decorrer daquelas semanas e dias antes da morte que tinham como certa?” Afirma que saiu dali refle-tindo como os seres humanos podem agir de forma tão criminosa com outros humanos, em especial com crianças inocentes, compreendendo que em cada ser humano habita um Hitler; não há diferença entre as mães e que o amor transcende língua e nacionalidade, e que compete aos humanos fazerem suas escolhas.

A segunda parte, “O urso” ou o início da meia-idade, é a parte mais longa da narrativa, e nela a autora fala de sua formação em me-dicina e dos problemas enfrentados, de suas relações com professores e colegas, de seu encontro com Indira Gandhi, de suas experiências como médica no interior da Suíça e em grandes hospitais nos Estados Unidos, de seu casamento e do nascimento de seus filhos. Revela a experiência como escritora em seu primeiro livro, intitulado Sobre a morte e o morrer, no qual discorre sobre suas observações com pessoas que sofreram perdas e também com seus pacientes terminais, cujas reflexões a levaram a afirmar que todos passaram por estágios que, inicialmente, são de choque e de negação, evoluindo para a raiva e o rancor e, finalmente, chegam à mágoa e à dor. Nessa parte, ela vai avaliando a vida e fazendo pontuações sobre o que considera fardos na

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vida, mágoas, desentendimentos, incompreensões, chamando a atenção para a negação social daquilo que não está confirmado cientificamente, daquilo que é definido de outra maneira, uma nova maneira de pensar – sobre a morte e o morrer, como no caso dela.

“O búfalo” é a terceira parte, que ela classifica como “final da meia-idade”. Aqui a autora continua a avaliar sua vida, demonstrando menos energia de enfrentamento e, com certa serenidade, sinaliza acontecimentos desagradáveis que a fizeram sofrer muito, os quais ela considera lições de vida cujos ensinamentos enfatiza como essenciais, haja vista que, nessa memória, a vida é o arcabouço do aprendiz e é dela que os seres humanos devem retirar suas hipóteses para refletir, fazer escolhas, guiar seu processo de humanização e suas ações no mundo e para o mundo.

Na quarta parte, “ A águia” ou os últimos anos de vida, a médica que fez a proposição sobre a morte e o morrer discorre sobre a vida e o viver, o que, na verdade, é a tese central deste livro. Tese defendida com argumentos factuais de uma vida carregada de singularidades que fizeram a diferença pelo amor e pela dedicação aos outros, pelos serviços prestados e pelas atitudes de coragem diante das injustiças, da falta de amor entre os humanos e do desrespeito à natureza. Sem negar seus defeitos e suas qualidades, seus bons e maus hábitos, suas carências e suas necessidades e já no final da vida ainda deixa para o leitor o seguinte:

Felizmente, cheguei a um ponto em que não preciso mais voltar atrás para aprender mais lições, mas, infelizmente, não estou satisfeita com o mundo de onde estou partindo pela última vez. O planeta inteiro está em dificuldades. Esta é uma época muito frágil da história. A Terra foi maltratada durante um período longo demais sem que se considerasse a possibilidade de graves conseqüências. (p. 311)

A abordagem perpassada no livro é construída tendo como parâmetro sua trajetória e o contexto sociocultural do século XX, em que a autora viveu quase toda vida, o qual é por ela criticado, haja

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vista os problemas sociais, culturais e, principalmente, humanos nele contidos. Neste último, em que ela se inclui, buscando modificar a realidade cruel das condições impostas à condição humana, natural-mente frágil, em seu momento de vida, procurando fazer a diferença através de ações que podem ser compreendidas como humanitárias. A estruturação do texto é comum, o que faz a diferença são os significados dados à infância, à juventude, à formação em medicina, ao trabalho, à idade adulta e à velhice, conduzidos com imaginação criativa, com argumentos reflexivos e reversíveis, dando ênfase àquilo que vale a pena ser narrado. Em muitos momentos, sentimos que foram feitos cortes ou supressões, mas isso não afeta a compreensão do todo, não lhe tira a coerência ou a coesão. Deixa, também, entrever que o objetivo do livro é abordar os acontecimentos que marcaram sua vida e que, de certa forma, delinearam seu destino, seus sucessos e insucessos. Assim, faz dessa escrita de si uma escrita de razões em si, opondo-se ao desperdício das experiências por ela vividas, quando diz: “Ao longo da vida surgem pistas que nos indicam para que direção devemos seguir. Se não damos atenção a essas pistas, fazemos opções erradas e acabamos levando uma vida infeliz” (p. 22).

A leitura proporciona ao leitor uma interpretação da vida da autora como de uma pessoa que viveu para superar obstáculos, pelos registros de fatos e acontecimentos demarcados por ela como lições de vida. Lições que transmite como unas e múltiplas por serem expressas através de um único princípio “o amor incondicional” capaz de curar pessoas e de fazê-las humanas o suficiente para se arriscarem em fun-ção de outro ser humano, de outro animal e até do planeta Terra, em defesa da própria humanidade. A partir desse princípio, propõe uma interpretação da vida e da morte como processos indissociáveis, como atos contínuos, conflituosos que só podem adquirir significados através de sentimentos capazes de entender a própria vida e a vida do outro que muitas vezes está sofrendo ao seu lado, sempre em conformidade com esse princípio, daí porque, além dos animais que nomeiam cada uma das partes do livro, há um animal que pode ser encontrado em todo o livro – a borboleta.

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A roda da vida 263

revista Kairós, São Paulo, 10(2), dez. 2007, pp. 259-263

Em síntese, além das vidas pessoal e profissional, são expos-tas nas quatro partes do livro as amizades e as relações de ajuda por ela vividas, como as que impulsionaram a roda de sua vida em todos os momentos. Encontros, pessoas e lugares são as substâncias dessas memórias do viver e morrer de alguém que, no final de sua vida, deixa para nós – seus leitores – as seguintes questões: Que serviços você prestou para a humanização do homem? O que fez para ajudar as pessoas que estão a sua volta? Você dá o devido valor à aprendizagem como um conteúdo de humanidade para aprimorar a sua existência? E os seguintes ensinamentos: ajudar é preciso e necessário, e amar é o que dá significado à existência.

Fazer outras reflexões seria, com certeza, tirar dos futuros lei-tores o prazer de novas interpretações. O livro pode ser indicado para qualquer leitor que deseje fazer uma leitura proveitosa sobre a vida, pois “nada acontece por acaso”; todavia, teria um sentido aplicativo, tão em moda na atualidade, quando indicado para estudantes, professores e profissionais da área da saúde por possibilitar, principalmente, uma leitura reflexiva sobre a temática da humanização no atendimento a pacientes terminais.

Vale a pena o desafio de lê-lo!

Data de recebimento: 10/8/2007; Data de aceite: 22/8/2007.

Lenina Lopes Soares Silva – Pedagoga, especialista em Psicopedagogia, mestre em Ciências Sociais, doutoranda em Ciências Sociais – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFRN. E-mail: [email protected].

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(1) Os artigos devem ter de 10 a 15 páginas, incluindo notas e bibliografia.

(2) Devem ser apresentados em programa Word for Windows, no corpo 12, fonte Times New Roman, com espaço 1,5. Para reentrâncias ou parágrafos, recomenda-se usar o comando de parágrafo com 1,27 cm na primeira linha.

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Kairós

revista Kairós, São Paulo, 8(1), jun. 2005, pp. 265-267

(3) Cada artigo deve conter resumo e abstract de, no máximo, 6 linhas e três palavras-chave.

(4) As notas referentes aos artigos devem constar no rodapé das próprias páginas.

(5) Os dados de autoria necessários: nome, profissão, vínculo ins- titucional e endereço ou e-mail.

(6) Toda referência bibliográfica deve aparecer completa: au- toria, data, título, local de publicação, editora, número de páginas. Numa obra em que não conste a data de publicação, favor esclarecer s/d. Exemplos:a) Livro como um todoBERGSON, Henri (1990). Matéria e memória. São Paulo, Martins

Fontes.b) Parte do livroSIMÕES, Júlio Assis (1998). “A maior categoria do país: o aposen-

tado como ator político”. In: BARROS, Myriam M. L. (org.). Velhice ou terceira idade? São Paulo, FGV.

c) PeriódicosMARTINS, Joel (1998). Não somos cronos, somos kairós. Revista

kairós: Gerontologia – Núcleo de Estudo e Pesquisa do En- velhecimento. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ge- rontologia. São Paulo, Educ, v. 1 n. 1, pp. 11-24.

d) Eventos publicados na forma de anaisSALGADO, Marcelo A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da

sociedade civil: mecanismos de controle social, monitoramen- to e execução, parcerias e financiamento. Síntese de Confe- rência. In: I SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHE- CIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/SAS.

e) Teses, dissertações e monografiasMERCADANTE, Elisabeth Frohlich (1997). A construção da identi-

dade e da subjetividade do idoso. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC-SP.

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Normas para publicação

revista Kairós, São Paulo, 8(1), jun. 2005, pp. 265-267

f) RevistasVEJA (Especial) (2001). O fantasma da solidão. Ano 34, n. 29 –

25/7/01.g) FilmesO gato sumiu (filme-vídeo) (1996). Direção de Cedric Klapifch.

França, Lumière Home Vídeo.h) Internet e CD-ROM

Como a NBR 6023 não faz nenhuma menção sobre citação de documentos eletrônicos, apresentamos como sugestão os seguin- tes exemplos:GARCIA, Maurício (2000). Normas para elaboração de dissertações e

monografias (Online, 26/5/2000, http://www.uniabc.br/pos_graduacao/ normas.html).

GREEN, R. W. (1998). Sport and disease. New York, Lippincott-Raven (CD-ROM).

Endereço Revista KairósNúcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe)Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia – PUC-SPR. Ministro Godói, 969Perdizes – Cep 05015-000São Paulo – BrasilTérreo – sala 59Telefone: (011) 3670-8216/3670-8274E-mail: [email protected]: http://www.pucsp.br/pos/gerontologia

O envio espontâneo de qualquer colaboração implica automaticamente a ces- são dos direitos de publicação à Revista/Caderno Temático Kairós.

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