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Metodos de pesquisa

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  • Giddens

    Sociologia edio

    Traduo: Sandra Regina Netz

    Consultoria, superviso e reviso tcnica desta edio: Virgnia Aita

    Doutoranda em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Reimpresso 2008

    2005

  • 2 0 : Mtodos de Pesquisa Sociolgica

    N o auditrio do Delta Airlines Stewardess Training Centre (Centro de Treinamento para Comissrias de Bordo da Delta Airlines), em Atlanta, 123 estagirias para a funo de comissria de bordo escutavam um piloto ex-plicar que o sorriso o principal atrativo de uma comissria de bordo. Arlie Hochschild, professora universitria de sociologia na Universidade da Califrnia, foi para Atlanta participar de uma dessas aulas, sobre as quais escreveu em seu livro The Managed Heart (1983).

    "Agora, meninas, eu quero que vocs saiam por aquela por-ta e sorriam com vontade", instrua o piloto. "O sorriso o maior atrativo de vocs. Quero ver vocs sarem e praticarem o sorriso. Sorriam. Sorriam mesmo. Aquele sorriso bem escancarado!'

    Tendo como base sua pesquisa com as comissrias de bor-do, Hochschild conseguiu acrescentar uma nova dimenso maneira como os socilogos imaginam o mundo do trabalho. Como as economias ocidentais baseiam-se cada vez mais na prestao de servios, preciso compreender o estilo emocio-nal do trabalho que desempenhamos.

    O emprego de comissria de bordo um trabalho como tantos outros que hoje voc e seus amigos executam. Pouco im-porta se a sua funo for servir expressos ou manobrar carros, muitos dos empregos atualmente exigem muito mais de voc do que trabalho fsico. Voc ter que oferecer o que Hochschild chama de "esforo emocional" - um trabalho que requer de vo-c um controle dos seus sentimentos a fim de criar uma expo-sio corporal e facial que possa ser publicamente observada (e aceita). De acordo com Hochschild, as empresas para as quais voc trabalha reivindicam no apenas os seus movimentos fsi-cos, mas tambm as suas emoes. Elas so donas do seu sor-riso quando voc est trabalhando.

    A autora passou um longo perodo nas aulas de treinamen-to, porque participar dos processos sociais e observ-los uma excelente maneira de compreend-los. Ela tambm realizou entrevistas que lhe permitiram reunir mais informaes do que Hochschild teria obtido se apenas tivesse observado as aulas. A sua pesquisa abriu uma janela para um aspecto da vida que a maioria das pessoas imagina compreender, mas que precisava ser mais aprofundado. Ela descobriu que os prestadores de ser-vios - assim como os trabalhadores braais - geralmente se sentem distanciados daquele aspecto particular de si mesmos que abandonado no trabalho. O brao desses trabalhadores pode dar a impresso de que seja uma pea de maquinrio, e de que apenas eventualmente uma parte da pessoa o movimenta. Da mesma forma, os prestadores de servios com freqncia diziam a Hochschild que seus sorrisos estavam neles, mas no eram deles. Ou seja, esses trabalhadores sentiam-se afastados de suas prprias emoes, o que um fato interessante se con-siderarmos que geralmente se imagina que as emoes so uma parte profunda e pessoal de ns mesmos.

    Desde a publicao de The Managed Heart, muitos outros estudiosos basearam seu trabalho nas idias de Hochschild. Ape-sar de Hochschild ter conduzido sua pesquisa dentro de uma das mais desenvolvidas "economias de prestao de servios" do mundo - os Estados Unidos - , suas descobertas so aplicveis a muitas sociedades da atualidade. Os empregos na rea de presta-o de servios vm se expandindo rapidamente pelo mundo, exigindo que um nmero cada vez maior de pessoas se dedi-quem ao "esforo emocional" em seu local de trabalho. Em al-guns pases que no possuem a tradio do sorriso em pblico, como a Groenlndia (veja a p. 39), essa tarefa tem se mostrado um tanto complicada. Nesses pases, s vezes se exige que os prestadores de servios participem de "sesses de treinamento para aprender a sorrir" - no muito diferentes daquelas freqen-tadas pelas comissrias de bordo da Delta Airlines.

    Questes sociolgicas tarefa da pesquisa sociolgica ultrapassar as interpretaes de nvel superficial da vida comum, como fez Hochschild. Uma boa pesquisa deve nos auxiliar a entender nossa vida so-cial de uma nova maneira. Deve nos tomar de surpresa, nas perguntas que faz e nas descobertas que prope. Os temas que interessam aos socilogos, em sua teoria e em suas pesquisas, so muitas vezes semelhantes queles que preocupam outras

    A pesquisa que Arlie Hochschild realizou com comis-srias de bordo levou a uma nova interpretao de como os prestadores de servios podem se sentir distantes das ferramentas de seu trabalho - seus sorrisos.

  • SOCIOLOGIA 509

    pessoas, porm os resultados desse tipo de pesquisa freqente-mente opem-se ao que consideramos bom senso.

    Em quais circunstncias vivem os grupos minoritrios? Co-mo pode existir fome em massa em um mundo que hoje mui-to mais rico do que foi no passado? Quais os efeitos que a utili-zao cada vez maior da tecnologia da informao produzir sobre nossas vidas? Ser que a famlia est comeando a se de-sintegrar enquanto instituio? Os socilogos buscam oferecer respostas para esses e muitos outros problemas. Suas descober-tas no so, de modo algum, conclusivas. Mesmo assim, um objetivo sempre presente na teoria e na pesquisa sociolgicas escapar do mtodo especulativo por meio do qual as pessoas co-muns geralmente consideram essas questes. Um trabalho so-ciolgico de qualidade procura garantir a maior preciso poss-vel s questes e reunir evidncias factuais antes de chegar a concluses. Para atingir esses objetivos, precisamos conhecer os mtodos de pesquisa mais teis a serem aplicados em deter-minado estudo e a melhor maneira de analisar os resultados.

    Algumas das questes que os socilogos utilizam em suas pesquisas so, em grande parte, questes factuais. Por exem-plo, muitos aspectos do crime e da justia necessitam de uma investigao sociolgica direta e sistemtica. Assim, podemos perguntar: Quais as formas mais comuns de crime? Qual a pro-poro das pessoas que se lanam em um comportamento cri-minoso que so apanhadas pela polcia? Quantas dessas pes-soas acabam sendo consideradas culpadas e presas? Questes factuais como essas, muitas vezes, requerem muita pesquisa antes que se possa responder a elas; o valor das estatsticas ofi-ciais sobre o crime, por exemplo, na indicao do verdadeiro nvel de atividade criminal, dbio. Pesquisadores que estuda-ram nveis criminais constataram que apenas cerca da metade de todos os crimes graves denunciada polcia.

    Informaes factuais sobre uma sociedade, claro, nem sempre nos revelaro se estamos lidando com um caso inco-mum ou um conjunto muito geral de influncias. Os socilo-gos, muitas vezes, precisam de questes comparativas, que servem para relacionar um contexto social de uma sociedade a outro, ou contrastar exemplos extrados de diferentes socieda-des. Existem diferenas significativas, por exemplo, entre os sistemas social e legal da Gr-Bretanha e dos Estados Unidos. Uma tpica questo comparativa poderia ser: como os padres

    de comportamento criminal e de cumprimento das leis variam entre esses dois pases? (De fato, encontramos algumas dife-renas importantes entre eles.)

    Na sociologia, precisamos observar no apenas as socieda-des existentes, uma em relao a outra, mas tambm comparar o presente e o passado delas. Nesse ponto, as questes dos so-cilogos so questes evolutivas. Para entendermos a nature-za do mundo moderno, precisamos observar as antigas formas de sociedade e analisar a principal direo tomada pelos pro-cessos de mudana. Assim, podemos investigar, por exemplo, como se originaram as primeiras prises e descrever as atuais.

    A linha da adoo de questes factuais - ou o que os soci-logos geralmente preferem chamar de investigaes empri-cas - relaciona-se ao modo como as coisas ocorrem. Entretan-to, a sociologia no consiste apenas na coleta de fatos, indepen-dentemente do quanto estes possam ser importantes e interes-santes. Precisamos sempre interpretar o significado dos fatos, e para isso necessrio que aprendamos a propor questes te-ricas. Muitos socilogos trabalham fundamentalmente com questes empricas, porm, a menos que em sua pesquisa eles sejam instrudos por algum tipo de conhecimento terico, pouco provvel que seu trabalho seja esclarecedor - o que tam-bm se aplica pesquisa realizada com objetivos estritamente prticos (veja a Tabela 20.1).

    Neste captulo, iniciaremos avaliando at que ponto a socio-logia pode ser vista como uma cincia. Muitos aspectos do mun-do social so um sinal da impossibilidade de investig-lo do mesmo modo que o mundo natural, e discutiremos por que isso ocorre. Examinaremos, ento, alguns elementos-chave envolvi-dos na pesquisa sociolgica antes de revisarmos as diferentes formas de mtodos de pesquisa que os socilogos empregam em seu trabalho. Analisaremos tambm algumas investigaes con-cretas - pois, muitas vezes, existem contrastes entre os modos ideais de execuo da pesquisa e os estudos da vida real.

    A sociologia uma cincia?

    Durkheim, Marx e outros fundadores da sociologia imagina-ram-na uma cincia, mas ser que podemos realmente estudar cientificamente a vida social humana? A cincia o emprego de

    Tabela 20.1 Linha de questionamento de um socilogo

    Questo factual 0 que aconteceu? Desde a dcada de 1980, as meninas tm conseguido melhores resultados em termos educacionais na escola do que os meninos.

    Questo comparativa Isso ocorreu em todos os lugares? Esse fenmeno foi global, ou ocorreu somente na Gr-Bretanha, ou apenas em determinada regio da Gr-Bretanha?

    Questo evolutiva Essa situao evoluiu com o tempo? Quais foram os padres de conquista educacional das meninas ao longo do tempo?

    Questo terica 0 que subjaz a esse fenmeno? Por que atualmente o desempenho das meninas na escola melhor? Quais os fatores que observaramos para explicar essa mudana?

  • 5 1 0 ANTHONY GIDDENS

    Humanos estudando humanos, um tipo diferente de cincia.

    mtodos sistemticos de investigao emprica, de anlise de dados, do pensamento terico e da avaliao lgica dos argu-mentos a fim de desenvolver um corpo de conhecimento a res-peito de um tema especfico. De acordo com essa definio, a sociologia um esforo cientfico; envolve mtodos sistemti-cos de investigao emprica, anlise de dados e avaliao de teorias luz das evidncias e do argumento lgico.

    Estudar os seres humanos, no entanto, diferente de obser-var os acontecimentos no mundo fsico, e a sociologia no deve-ria ser imediatamente vista como uma cincia natural. Diferen-temente dos objetos da natureza, os humanos so seres autocons-cientes, que conferem sentido e propsito ao que fazem. No po-demos sequer descrever a vida social com preciso a menos que primeiro compreendamos os conceitos que as pessoas aplicam ao seu comportamento. Por exemplo, descrever uma morte como suicdio significa saber quais as intenes da pessoa em questo no momento. O suicdio pode ocorrer apenas quando o indivduo traz viva, em sua mente, a idia da autodestruio. No se pode dizer que algum que se colocou acidentalmente na frente de um carro e morreu atropelado tenha cometido suicdio.

    Existe ainda outra razo que diferencia o estudo da socieda-de do estudo do mundo natural. Estamos constantemente crian-do e recriando as sociedades em que vivemos por meio de nos-sas prprias aes. A sociedade no uma entidade esttica ou imutvel; as instituies sociais esto sendo continuamente re-produzidas ao longo do tempo e do espao por meio das aes repetidas dos indivduos. A sociologia interessa-se pelo estudo

    dos seres humanos, e no de objetos inertes. Portanto, a relao entre a sociologia e o seu tema necessariamente diferente da relao entre os cientistas naturais e o mundo fsico. Os seres humanos tm a capacidade de entender o conhecimento social e de responder a ele de uma forma que os elementos do mundo natural no conseguem. E dessa forma que a sociologia pode servir como uma poderosa fora libertadora.

    O fato de no podermos estudar os seres humanos exata-mente da mesma forma que os objetos da natureza , em alguns aspectos, uma vantagem para a sociologia. Os pesquisadores sociolgicos saem ganhando ao poderem propor questes dire-tamente queles que estudam - outros seres humanos. Em ou-tros aspectos, a sociologia cria dificuldades que no so encon-tradas pelos cientistas naturais. Quando as pessoas tm cons-cincia de que suas atividades esto sendo escrutadas, elas ge-ralmente no se comportam da mesma forma que o fazem nor-malmente. E possvel que, conscientemente, elas assumam um papel diferente daquele de suas atitudes usuais. Talvez elas at mesmo cheguem a tentar "auxiliar" o pesquisador, dando as respostas que acreditam ser as esperadas.

    O processo de pesquisa

    Observemos agora as etapas normalmente presentes no traba-lho de pesquisa. O processo de pesquisa abrange uma srie de passos distintos, que vo desde o ponto de partida da investiga-

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    o at o momento em que suas descobertas so publicadas ou disponibilizadas por escrito.

    O problema da pesquisa

    Toda pesquisa comea a partir do problema da pesquisa, o qual, s vezes, uma rea de ignorncia factual: podemos sim-plesmente desejar ampliar nosso conhecimento a respeito de certas instituies, processos sociais ou culturas. Um pesquisa-dor pode iniciar sua tarefa respondendo a questes do tipo: Que proporo da populao demonstra fortes crenas religiosas? Atualmente, as pessoas esto mesmo descontentes com o "go-verno central"? At que ponto a situao econmica das mu-lheres inferior dos homens?

    A pesquisa sociolgica de melhor qualidade, contudo, co-mea com problemas que so tambm enigmas. Um enigma no se resume falta de informaes, mas uma lacuna em nossa compreenso. Grande parte da habilidade em produzir uma pesquisa sociolgica recompensadora consiste em identi-ficar corretamente os enigmas. Em vez de simplesmente res-ponder questo "O que est acontecendo aqui?", a pesquisa que busca solucionar enigmas tenta contribuir para que possa-mos compreender o motivo pelo qual os eventos ocorrem des-sa maneira. Assim, podemos perguntar: Por que os padres de crena religiosa esto mudando? O que explica a mudana nas propores da populao que votou nas eleies dos ltimos anos? Por que as mulheres marcam pouca presena nos empre-gos de alto status.

    No existe nenhuma pesquisa isolada. Os problemas de pesquisa surgem como parte do trabalho contnuo; um projeto de pesquisa pode facilmente levar ao projeto seguinte porque le-vanta temas que no haviam sido considerados previamente pe-lo pesquisador. Um socilogo talvez descubra enigmas lendo o trabalho de outros pesquisadores em livros e peridicos especia-lizados, ou estando ciente das correntes especficas da socieda-de. Por exemplo, nos ltimos anos, cresce o nmero de progra-mas que buscam tratar os indivduos com problemas mentais dentro da comunidade em vez de confin-los emhospitais psi-quitricos. Os socilogos podem ser impelidos a perguntar: O que provocou essa mudana de atitude em relao aos doentes mentais? Quais so as provveis conseqncias, tanto para os prprios pacientes quanto para o resto da comunidade?

    Uma reviso das evidncias

    Uma vez identificado o problema, o prximo passo do processo de pesquisa geralmente consiste na reviso das evidncias dispo-nveis no campo; talvez a pesquisa anterior j tenha esclarecido satisfatoriamente a questo. Caso isso no tenha ocorrido, o pes-quisador precisar esquadrinhar qualquer tipo de pesquisa rela-cionada a esta para avaliar sua utilidade. Ser que os pesquisado-res anteriores detectaram o mesmo enigma? Como tentaram re-solv-lo? Que aspectos do problema a pesquisa deles no anali-sou? Aproveitar as idias de outras pessoas uma medida que

    ajuda os socilogos a esclarecer os temas que podem ser levan-tados e os mtodos que podem ser empregados na pesquisa.

    Como tornar o problema preciso

    Uma terceira etapa envolve a elaborao de uma formulao clara do problema de pesquisa. No caso de j existir uma lite-ratura relevante, o pesquisador pode retornar da biblioteca com uma boa noo de como o problema deve ser abordado. Nessa etapa, palpites sobre a natureza do problema, s vezes, podem ser transformados em uma hiptese definitiva - uma suposio baseada em fatos ou informaes a respeito do que est acon-tecendo. Para a eficcia da pesquisa, necessrio formular uma hiptese de forma que o material factual coletado oferea evi-dncias para confirm-la ou contest-la.

    A elaborao de um plano O pesquisador precisa ento decidir apenas como os materiais da pesquisa devem ser coletados. Existe uma srie de diferen-tes mtodos de pesquisa, e a escolha de um depende dos obje-tivos gerais do estudo, bem como dos aspectos comportamen-tais a serem analisados. Um levantamento (no qual geralmente se utilizam questionrios) pode ser adequado para algumas fi-nalidades. Em outras circunstncias, entrevistas ou um estudo observacional, como aquele realizado por Arlie Hochschild, podem ser apropriados.

    A execuo da pesquisa No momento de efetivamente dar prosseguimento pesquisa, podem surgir facilmente dificuldades prticas imprevistas. Contatar algumas das pessoas a quem os questionrios devem ser enviados ou as quais o pesquisador deseja entrevistar uma tarefa que pode revelar-se impossvel. Uma empresa ou agn-cia do governo talvez no esteja disposta a permitir que o indi-vduo execute o trabalho planejado. Por exemplo, se o pesqui-sador estiver estudando como as corporaes empresariais cumprem os programas que garantem a igualdade de oportuni-dades para as mulheres, ento aquelas que no obedecem a tais programas talvez no queiram ser estudadas, e, conseqente-mente, haveria resultados parciais.

    A interpretao dos resultados A coleta do material a ser analisado no significa o fim das di-ficuldades do pesquisador - elas podem estar apenas comean-do! Resolver as implicaes dos dados coletados e relacion-las novamente ao problema de pesquisa uma tarefa raramen-te fcil. Embora talvez seja possvel encontrar uma resposta clara para as primeiras questes, muitas investigaes no che-gam a ser totalmente conclusivas.

  • O relato das descobertas O relatrio da pesquisa, normalmente publicado na forma de artigo de peridico ou de livro, explica a natureza dessa pesqui-sa e busca justificar as concluses a que se chegou. No caso de Hochschild, esse relatrio foi o livro The Managed Heart. Es-sa uma etapa final apenas em termos de projeto de pesquisa individual. A maioria dos relatrios indica questes que conti-nuam sem resposta, sugerindo novas pesquisas que possam ser proveitosas no futuro. Todas as investigaes da pesquisa indi-vidual fazem parte do processo contnuo da pesquisa que ocor-re dentro da comunidade sociolgica.

    A realidade intromete-se!

    A seqncia de passos apresentada anteriormente uma ver-so simplificada do que acontece em projetos de pesquisa concretos (veja a Figura 20.1). Na pesquisa sociolgica de fa-to, raramente h uma sucesso to ntida entre essas etapas, o que quase sempre faz com que o indivduo simplesmente te-nha que "se virar". Essa diferena lembra um pouco a que existe entre as receitas esboadas em um livro de culinria e o verdadeiro processo de preparar uma refeio. Quem um cozinheiro experiente geralmente no acompanha nenhuma receita, mesmo assim, talvez cozinhe melhor do que aqueles que assim o fazem. Seguir esquemas fixos pode ser uma me-dida excessivamente restritiva; na realidade, a maior parte das pesquisas sociolgicas de destaque no poderia se encaixar rigidamente nessa seqncia, ainda que alguns dos passos es-tivessem l.

    Entender a causa e o efeito

    Um dos principais problemas a serem abordados na metodolo-gia de pesquisa a anlise entre a causa e o efeito. Uma rela-o causal entre dois eventos ou duas situaes uma associa-o na qual um evento ou situao gera outro evento ou outra situao. Soltando-se o freio de mo de um carro estacionado em um declive, este descer morro abaixo, adquirindo cada vez mais velocidade. A causa desse acontecimento foi a atitude de soltarmos o freio; os motivos disso podem ser facilmente com-preendidos pela referncia com os princpios fsicos envolvi-dos. Assim como a cincia natural, a sociologia depende da su-posio de que todos os eventos possuem causas. A vida social no um conjunto aleatrio de ocorrncias sem p nem cabe-a. Uma das principais tarefas da pesquisa sociolgica - com-binada ao pensamento terico - identificar as causas e os efeitos.

    Causalidade e correlao A causalidade no pode ser inferida diretamente a partir da correlao. A correlao significa a existncia de uma rela-

    Deflna o problema Selecione um tpico para a pesquisa.

    Revise a literatura da rea Familiarize-se com a pesquisa

    existente sobre o tpico.

    o regular entre dois conjuntos de ocorrncias ou variveis. Uma varivel qualquer dimenso ao longo da qual variam os indivduos ou os grupos. A idade, as diferenas no nvel de renda, os ndices de criminalidade e as diferenas em termos de classe social esto entre as muitas variveis estudadas pe-los socilogos. Pode parecer que, quando se descobre que duas variveis esto intimamente correlacionadas, uma deve

    Formule uma hiptese O que voc pretende testar? Qual a relao existente entre as variveis?

    Selecione um piano de pesquisa Escolha um ou mais mtodos de pesquisa: experimento, levantamento, observao,

    uso das fontes existentes.

    Execute a pesquisa Colete seus dados, registre as informaes.

    Interprete seus resultados Resolva as implicaes dos dados que

    voc coleta.

    Relate as descc^ . . 'ia Qual a importncia dessas descobertas?

    Como elas se relacionam s descobertas anteriores?

    Suas descobertas so registradas e discutidas em uma comunidade acadmica

    mais ampla - o que talvez leve ao incio de uma nova pesquisa.

    Figura 20.1 Passos do processo de pesquisa.

  • SOCILOGA 513

    ser a causa da outra - o que muitas vezes no verdade. H muitas correlaes que no possuem nenhuma relao causal entre as variveis. Por exemplo, no perodo aps a Segunda Guerra Mundial, podemos encontrar uma forte correlao en-tre o declnio do nmero de fumantes de cachimbo e a dimi-nuio do volume de pessoas que vo regularmente ao cine-ma. No h dvidas de que uma mudana no provocou a ou-tra, e seria difcil descobrir at mesmo uma ligao causal re-mota entre elas.

    H muitos casos, contudo, em que no fica to bvio que uma correlao observada no implique uma relao causal. Essas correlaes so armadilhas para os imprudentes, levando facilmente a concluses questionveis ou falsas. Em sua obra clssica de 1897, Suicide (veja o Captulo 1, "O que Sociolo-gia?, p. 24), Emile Durkheim descobriu uma correlao entre os ndices de suicdio e as estaes do ano (Durkheim, 1952). Nas sociedades estudadas por Durkheim, os nveis de suicdio aumentavam progressivamente a partir do ms de janeiro at junho ou julho. Dessa poca em diante, eles apresentavam uma diminuio at o final do ano. Diante desses dados, poderamos supor que existe uma relao causal entre a temperatura ou a mudana climtica e a propenso de os indivduos acabarem com a prpria vida. Com a elevao da temperatura, talvez as pessoas fiquem mais impulsivas, agindo de sangue quente? En-tretanto, neste caso, provvel que a relao causal nada tenha a ver diretamente com a temperatura ou o clima. Essa suposi-o uma correlao espria - uma associao entre duas va-riveis que parecem verdadeiras, mas cuja causa, na realidade, deve-se a outro(s) fator(es).

    Analisando-se melhor essa questo, percebe-se que a maioria das pessoas tem uma vida social mais intensa na pri-mavera e no vero do que no inverno. Indivduos que esto isolados ou tristes tendem a ver esses sentimentos se intensi-ficarem medida que o nvel de atividades das outras pessoas aumenta. Conseqentemente, provvel que as tendncias suicidas se pronunciem mais na primavera e no vero do que no outono ou no inverno, quando diminui o ritmo da ativida-de social.

    O mecanismo causal Resolver as ligaes causais envolvidas nas correlaes , muitas vezes, um processo difcil. H uma forte correlao, por exemplo, entre o nvel de conquista educacional e o su-cesso ocupacional nas sociedades modernas. Quanto melho-res forem as notas de um indivduo na escola, melhor ser a remunerao do emprego que ele dever conseguir. Como ex-plicar essa correlao? A pesquisa tende a mostrar que essa situao no se deve sobretudo experincia escolar propria-mente dita; os nveis de conquista na escola so muito mais influenciados pelo tipo de lar onde essa pessoa se criou. Crianas provenientes de lares mais ricos, nos quais os pais demonstram um profundo interesse em relao ao seu apren-dizado e h fartura de livros, tm mais chances de se sarem

    bem do que aquelas que vm de lares em que tais qualidades so inexistentes. Os mecanismos causais neste caso so as atitudes dos pais para com seus filhos, somadas aos recursos de aprendizado oferecidos em casa.

    As ligaes causais na sociologia no devem ser entendi-das de uma forma muito mecnica. As atitudes das pessoas e suas razes subjetivas para agirem dessa forma so fatores cau-sais nas relaes entre variveis na vida social.

    Os controles Ao avaliarmos a causa ou as causas que explicam uma corre-lao, necessrio traarmos uma distino entre variveis independentes e variveis dependentes. Uma varivel inde-pendente aquela que produz um efeito em outra varivel. A varivel afetada a dependente. No exemplo h pouco men-cionado, a conquista acadmica a varivel independente, e a renda ocupacional a dependente. A distino refere-se di-reo da relao causal que estamos investigando. O mesmo fator pode ser uma varivel independente em um estudo, e uma varivel dependente em outro. Tudo depende de quais processos causais esto sendo analisados. Se estivssemos ob-servando os efeitos das diferenas de renda ocupacional nos estilos de vida, a renda ocupacional seria ento a varivel in-dependente, e no a dependente.

    Para descobrirmos se uma correlao entre variveis uma ligao causal, utilizamos controles, ou seja, mantemos algu-mas variveis constantes a fim de observarmos os efeitos de outras. Atravs desse processo, conseguimos formar uma opi-nio entre as explicaes das correlaes observadas, separan-do as relaes causais das no-causais. Por exemplo, os pesqui-sadores que estudam o desenvolvimento infantil alegam a exis-tncia de uma ligao causal entre a carncia materna na pri-meira infncia e alguns problemas graves de personalidade na fase adulta. Como podemos examinar se realmente existe uma relao causal entre a carncia materna e os posteriores distr-bios de personalidade? Tentando controlar, ou "filtrar'" outras possveis influncias que talvez expliquem a correlao.

    Uma fonte de carncia materna a internao de uma crian-a no hospital por um longo perodo, durante o qual esta fica se-parada de seus pais. Mas ser que o que conta, nesse caso, real-mente o apego me? Se uma criana receber amor e ateno de outras pessoas durante a primeira infncia, no h chances de ela se tornar uma pessoa equilibrada? Para investigar essas possveis ligaes causais, precisaramos comparar casos em que as crian-as no receberam a ateno regular de ningum e outros em que as crianas foram separadas de suas mes, mas receberam amor e cuidados de outra pessoa. Se o primeiro grupo desenvolvesse graves problemas de personalidade, mas o segundo no, suspei-taramos de que o importante, na primeira infncia, a ateno regular de algum, independentemente de essa pessoa ser ou no a me da criana. (Na verdade, as crianas parecem evoluir nor-malmente, desde que vivam uma relao estvel, de amor, com algum que as cuide - e que no precisa ser a prpria me.)

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    A identificao das causas grande o nmero de possveis causas que poderiam ser invo-cadas para explicar qualquer correlao determinada. Como podemos ter certeza de estamos abrangendo todas elas? A res-posta que no podemos. Nunca teramos condies de execu-tar uma pesquisa sociolgica satisfatoriamente, e interpretar seus resultados, se fssemos obrigados a fazer uma anlise da possvel influncia de cada fator causal que imaginssemos ser potencialmente relevante. A identificao das relaes causais normalmente orientada pela pesquisa anterior na rea em questo. Se, de antemo, no tivermos alguma idia razovel dos mecanismos causais envolvidos em uma correlao, pro-vvel que achemos muito difcil descobrir quais so as verda-deiras ligaes causais. No saberamos o que avaliar.

    Um bom exemplo da dificuldade em saber ao certo quais as relaes causais envolvidas em uma correlao est na longa histria dos estudos sobre o tabagismo e o cncer de pulmo. A pesquisa tem sempre demonstrado uma forte correlao entre os dois. Os fumantes correm mais riscos de contrair cncer de pul-mo do que os no-fumantes e os fumantes inveterados, mais riscos do que os fumantes moderados. Mas tambm possvel expressar a correlao ao contrrio. Uma grande proporo das pessoas que tm cncer de pulmo fumante, ou fumaram du-rante muito tempo no passado. Existem tantos estudos confir-mando essas correlaes que geralmente se aceita a presena de um elo causai; porm, os mecanismos causais exatos so, at o momento, praticamente desconhecidos.

    Mesmo que haja um grande volume de trabalho correla-cionai sobre qualquer tema, sempre resta alguma dvida a res-peito das possveis relaes causais, havendo a possibilidade de outras interpretaes dessa correlao. J se props, por exemplo, que as pessoas que tm uma predisposio ao cncer de pulmo tambm so predispostas a fumar. Segundo essa vi-so, no o tabagismo que causa o cncer de pulmo, mas, sim, alguma tendncia biolgica para o tabagismo e o cncer que seja inerente ao indivduo.

    Mtodos de pesquisa

    Passemos agora a observar os diversos mtodos de pesquisa comumemente empregados pelos socilogos em seu trabalho.

    Etnografia A etnografa o estudo de pessoas e de grupos, em primeira mo, durante um perodo de tempo, que utiliza a observao participante ou entrevistas para desvendar o comportamento social. A pesquisa etnogrfica procura revelar os significados que sustentam as aes sociais; feita atravs do envolvimen-to direto do pesquisador nas interaes que constituem a reali-dade social para o grupo em estudo. Um socilogo que esteja realizando uma pesquisa etnogrfica pode trabalhar ou viver com um grupo, organizao ou comunidade durante um pero-

    THE FAR SIDE De GARY LARSON

    'Antroplogos! Antroplogos!"

    Fonte: 1984 FarWorks, Inc. Utilizado com permisso.Todos os direitos re-servados.

    Este cartum serve para ilustrar algumas das armadilhas que h em se estudar sujeitos autoconscientes.

    do de meses ou mesmo anos, geralmente assumindo um papel ativo nas atividades dirias dessas pessoas, observando o que acontece e pedindo explicaes, ou buscando insights das deci-ses, das aes e dos comportamentos.

    Um etngrafo no pode simplesmente estar presente em uma comunidade. Ele deve explicar e justificar sua presena aos seus membros. Deve ganhar a cooperao da comunidade e mant-la durante um certo tempo se quiser obter algum resul-tado vantajoso. Esse processo de ser aceito pode ser demorado e difcil, porm, com o tempo, os etngrafos muitas vezes con-seguem desenvolver relacionamentos de confiana com os membros do grupo. H casos em que o pesquisador pratica-mente "torna-se" um membro da comunidade; em outros, ele talvez seja aceito como pesquisador, mas continue sendo con-siderado algum de fora.

    Durante muito tempo, era comum a excluso dos relatos dos riscos ou problemas que precisavam ser superados na pes-quisa baseada na observao participante, porm, recentemen-te, a publicao de memrias e dirios de pessoas que desen-volvem trabalho de campo tem tido uma abertura maior em re-lao a esses temas. Freqentemente, preciso enfrentar a sen-sao de solido - no fcil encaixar-se em um contexto so-cial ou em uma comunidade qual voc realmente no perten-ce. O pesquisador pode sentir-se constantemente frustrado diante da recusa dos membros do grupo de falarem francamen-te sobre si mesmos; perguntas diretas podem ser bem recebidas

  • SOCMJOGA 5 1 5

    No trabalho de campo, os socilogos precisam se aproximar das comunidades que esto estudando, mas no devem chegar to perto a ponto de perder a capacidade de enxerg-las de fora.

    em alguns contextos, mas se deparar com um silncio hostil em outros. Alguns tipos de trabalho de campo podem at oferecer perigo fsico; por exemplo, um pesquisador que esteja estudan-do uma gangue de delinqentes pode ser visto como um infor-mante da polcia, ou ainda envolver-se involuntariamente em conflitos com gangues rivais.

    Os trabalhos tradicionais da etnografia mostravam relatos que no continham muitas informaes a respeito do observador. Isso ocorria porque se acreditava que um etngrafo pudesse apre-sentar quadros objetivos do que ele estudava. Mesmo a pesquisa de Hochschild, escrita no incio dos anos 1980, traz poucas infor-maes a respeito da autora ou da natureza da sua ligao com as pessoas que estudou. Recentemente, os etngrafos comearam a falar sobre si mesmos e sobre a natureza de sua ligao com as pessoas estudadas. As vezes, pode ser uma questo de tentar ava-liar como a raa, a classe ou o gnero de uma pessoa afetam o tra-balho, ou como diferenas, em termos de poder, entre o observa-dor e o observado distorcem o dilogo que eles estabelecem.

    Vantagens e limitaes da etnografia

    Quando bem-sucedida, a etnografia oferece uma riqueza maior de informaes a respeito da vida social do que a maioria dos demais mtodos de pesquisa. Observando como so as coisas a partir de dentro de determinado grupo, provvel que tenhamos

    uma melhor compreenso dos motivos que levam os seus mem-bros a agirem da forma que agem. Talvez possamos tambm aprender mais a respeito dos processos sociais que se cruzam com a situao em estudo. A etnografia , muitas vezes conside-rada um tipo de pesquisa qualitativa, por se interessar mais pe-las interpretaes subjetivas do que pelos dados numricos. A etnografia tambm confere ao investigador uma flexibilidade maior do que a maioria dos demais mtodos de pesquisa. O pes-quisador consegue se adaptar a circunstncias novas ou inespe-radas e seguir de perto qualquer orientao que possa surgir.

    Mas o trabalho de campo tambm tem grandes limitaes. Apenas grupos ou comunidades razoavelmente pequenas po-dem ser estudadas. O trabalho depende muito da habilidade do pesquisador em ganhar a confiana dos indivduos envolvidos. Sem essa habilidade, pouco provvel que a pesquisa saia do cho. O contrrio tambm acontece. Um pesquisador pode co-mear a se identificar muito com o grupo, parecendo-se demais com algum de dentro dele e perdendo aquela perspectiva de observador de fora do grupo.

    Levantamentos

    A interpretao dos estudos etnogrficos - e de outras formas de pesquisa qualitativa - geralmente envolve problemas de ge-neralizao. Como apenas um pequeno nmero de pessoas par-ticipa desses estudos, no podemos ter certeza de que o que for descoberto em um contexto tambm se aplicar a outras situa-es, ou ainda de que dois pesquisadores diferentes chegariam s mesmas concluses ao estudarem o mesmo grupo. Em geral, esse um problema menor na pesquisa feita atravs de levan-tamentos, cuja natureza mais quantitativa. Os levantamentos tm por objetivo a coleta de dados que possam ser analisados estatisticamente para revelar padres ou regularidades. Se hou-ver um planejamento adequado dos instrumentos do levanta-mento, as correlaes encontradas por meio de um levantamen-to podem ser generalizadas para um pblico maior. A pesquisa etnogrfica adapta-se melhor aos estudos em profundidade de pequenas fraes da vida social; a pesquisa por meio de levan-tamentos tende a gerar informaes menos detalhadas, mas que habitualmente podem ser aplicadas em uma rea mais ampla.

    Questionrios

    Os levantamentos, muitas vezes, contam com os questionrios co-mo seu principal instrumento para reunir informaes. Os ques-tionrios podem ser aplicados pessoalmente pelo pesquisador, ou enviados pelo correio ou por e-mail s pessoas que respondero a eles (os chamados "questionrios autoaplicves"). O grupo de pessoas que fazem parte do levantamento ou do estudo denomi-nado pelos socilogos de populao. Em alguns levantamentos, essa populao pode chegar a vrios milhares de pessoas.

    Nos levantamentos, so utilizados dois tipos de question-rio. Alguns contm um conjunto fechado de questes para as quais existe apenas uma srie definida de respostas possveis -por exemplo, "Sim/No/No Sei" ou " bem provvel/E prova-

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    vel/Epouco provvel/E bastante improvvel". A vantagem des-ses levantamentos que as respostas so de fcil comparao e contagem, j que h apenas um pequeno nmero de categorias envolvido. No entanto, como eles no prevem sutilezas de opi-nio ou expresso verbal, as informaes que rendem provavel-mente tero um alcance restrito, quando no enganoso.

    Outros questionrios so abertos. Os entrevistados tm mais oportunidades de expressarem seus pontos de vista utili-zando suas prprias palavras, sem que suas respostas se limi-tem a alternativas definitivas. Os questionrios abertos sempre fornecem informaes mais detalhadas do que os fechados. O pesquisador pode acompanhar de perto as respostas para uma investigao mais profunda das opinies do entrevistado. Por outro lado, a falta de padronizao significa uma dificuldade maior de comparar as respostas estatisticamente.

    Normalmente, os itens de um questionrio so organizados de forma a que uma equipe de entrevistadores possa fazer as perguntas e registrar as respostas na mesma ordem predetermi-nada. Todos os itens devem ser de compreenso imediata, tan-to para o entrevistador quanto para os entrevistados. Nos gran-des levantamentos nacionais, empreendidos regularmente pelas agncias do governo e pelas organizaes de pesquisa, as en-trevistas so realizadas quase que simultaneamente em todo o pas. Os indivduos que conduzem as entrevistas e aqueles que analisam os resultados no poderiam desempenhar um trabalho eficaz se constantemente tivessem que trocar informaes en-tre si para verificar as ambigidades encontradas nas perguntas ou nas respostas.

    Os questionrios tambm deveriam levar em conta as ca-ractersticas dos entrevistados. Ser que eles percebero o ob-jetivo do pesquisador ao fazer determinada pergunta? As infor-maes de que dispem so suficientes para uma resposta til? Ser que eles iro responder s perguntas? Os termos de um questionrio podem ser pouco familiares aos entrevistados. Por exemplo, a pergunta "Qual o seu estado civil?" pode confun-dir algumas pessoas. O mais apropriado seria perguntar "Voc solteiro, casado, separado ou divorciado?" A maioria dos le-vantamentos precedida de estudos-piloto, cuja finalidade localizar problemas que no foram previstos pelo investigador. Um estudo-piloto uma experincia na qual apenas algumas pessoas completam um questionrio. Qualquer dificuldade po-de ento ser solucionada antes que se faa o levantamento prin-cipal.

    Amostragem

    Os socilogos geralmente se interessam pelas caractersticas de um grande nmero de indivduos - por exemplo, as atitudes polticas da populao britnica como um todo. Seria imposs-vel estudar todas essas pessoas diretamente; por isso, nessas si-tuaes, os estudos de pesquisa concentram-se na amostra-gem, ou seleo de uma pequena proporo do grupo total. Normalmente, podemos ter a segurana de que os resultados de uma amostra populacional, desde que esta seja escolhida ade-quadamente, podem ser generalizados para a populao total.

    Estudos envolvendo apenas 2 a 3 mil eleitores, por exemplo, podem dar uma indicao bastante precisa das atitudes e das intenes de voto de toda a populao. Mas, para se chegar a essa preciso, eles devem ser uma amostra representativa: necessrio que o grupo de indivduos represente a populao como um todo. A amostragem um mtodo muito mais com-plexo do que pode parecer, e os estatsticos desenvolveram re-gras para planejarem a natureza e o tamanho corretos das amostras.

    Um procedimento particularmente importante empregado para garantir a representatividade de uma amostra a amostra-gem aleatria, na qual se escolhe uma amostra de forma que cada membro da populao tenha a mesma probabilidade de ser includo. O modo mais sofisticado de se obter uma amostra aleatria por meio da atribuio de um nmero a cada mem-bro da populao, utilizando, depois, um computador para ge-rar uma lista aleatria, a partir da qual se extrai a amostra - por exemplo, selecionando-se um indivduo a cada dez nmeros nas sries aleatrias.

    Vantagens e desvantagens dos levantamentos

    Os levantamentos so amplamente empregados na pesquisa so-ciolgica por diversas razes. As respostas dos questionrios po-dem ser quantificadas e analisadas com maior facilidade do que o material gerado pela maioria dos demais mtodos de pesquisa; possvel estudar um volume enorme de pessoas; e, quando re-cebem verbas suficientes, os pesquisadores podem contratar uma agncia especializada nesse trabalho de levantamentos para coletar as respostas. O mtodo cientfico o modelo para esse ti-po de pesquisa, porque os levantamentos do aos pesquisadores uma medida estatstica do seu objeto de estudo.

    No entanto, h muitos socilogos que criticam o mtodo do levantamento, sustentando a idia de que descobertas que talvez no sejam muito precisas podem aparentar preciso, dada a natureza relativamente superficial da maioria das res-postas dos levantamentos. Os nveis de perguntas sem respos-ta s vezes so altos, especialmente nos casos de question-rios enviados e recebidos pelo correio. No incomum a pu-blicao de estudos baseados em resultados extrados de um volume um pouco superior metade daqueles que participam da amostra - ainda que normalmente haja um esforo no sen-tido de recontatar aqueles que no responderam ou substituir outros. Pouco se sabe a respeito daqueles que preferem no responder aos levantamentos ou que se recusam a ser entre-vistados.

    Experimentos

    Podemos definir um experimento como uma tentativa de tes-tar uma hiptese sob condies extremamente controladas es-tabelecidas por um investigador. Os experimentos so, m_ /_ vezes, empregados nas cincias naturais, pois oferecem gran-des vantagens sobre outros procedimentos de pesquisa. E r uma situao experimental, o pesquisador exerce um contra r

  • SOCIOLOGIA 5 1 7

    "Escolha popular?"

    Um dos primeiros e mais lamosos exemplos de pesquisa fei-ta atravs de levantamentos foi The People's Choicel, um estudo executado por Paul Lazarsfeld e diversos colegas h cerca de meio sculo (Lazarsfeld et al., 1948). Esse estudo, que investigou as intenes de voto dos habitantes do Con-dado de Erie, OMo, durante a campanha de 1940 para a Pre-sidncia dos EUA, foi o pioneiro de vrias das principais tcnicas de pesquisa por meio de levantamentos utilizadas at hoje. Para um aprofundamento ainda maior do que um nico questionrio poderia oferecer, os investigadores entre-vistaram cada membro de uma amostra de eleitores em sete ocasies distintas. O objetivo era traar as mudanas nas ati-tudes de voto e entender suas razes.

    Essa pesquisa foi iniciada tendo em vista diversas hip-teses definidas. Uma delas era de que as relaes e os acon-tecimentos que ocorrem prximo aos eleitores, em uma co-munidade, influenciam as intenes de voto mais do que

    questes mundiais distantes, e as descobertas, de um modo geral, vieram a confirmar essa hiptese. Os pesquisadores desenvolveram tcnicas sofisticadas para medir e analisar atitudes polticas; mas seu trabalho tambm gerou contribui-es significativas para o pensamento terico. Entre os con-ceitos que eles ajudaram a introduzir esto os de "lderes de opinio" e o do "fluxo de comunicao em duas etapas". O estudo mostrou que alguns indivduos - lderes de opinio -tendem a moldar as opinies polticas daqueles que esto sua volta. Os pontos de vista das pessoas no so formados de uma maneira direta, mas em um processo de duas etapas. Na primeira, h unia reao dos lderes de opinio aos acon-tecimentos polticos; na segunda, esses lderes influenciam outras pessoas - parentes, amigos e colegas. As idias ex-pressas pelos lderes de opinio, filtradas dessa forma, atra-vs das relaes pessoais, influenciam as respostas de outros indivduos em relao s questes polticas do dia,

    direto sobre as circunstncias que esto sendo estudadas. O es-pao para a experimentao, na sociologia, bastante restrito se comparado ao das cincias naturais. Somente pequenos gru-pos podem ser levados a um ambiente de laboratrio, e, nesses experimentos, as pessoas sabem que esto sendo estudadas, podendo no se comportar com naturalidade. Essas mudanas no comportamento dos sujeitos pesquisados so denominadas efeito Hawthorne. Na dcada de 1930, pesquisadores que esta-vam conduzindo um estudo sobre a produtividade no trabalho, na usina Hawthorne da Western Electric Company, perto de Chicago, constataram, para sua surpresa, que a produtividade dos trabalhadores continuava a subir, independentemente de quais condies experimentais fossem impostas (nveis de ilu-minao, padres de intervalo, tamanho da equipe de trabalho e assim por diante). Os trabalhadores tinham conscincia de que estavam sob escrutnio e aceleravam seu ritmo natural de trabalho.

    Apesar disso, h casos em que a aplicao dos mtodos ex-perimentais pode ser de grande ajuda na sociologia. Um exem-plo o experimento engenhoso realizado por Philip Zimbardo, que criou um priso fictcia, atribuindo o papel de guarda a al-guns voluntrios estudantes e o de detentos a outros voluntrios (1972). Seu objetivo era avaliar at que ponto o desempenho desses diferentes papis levava a mudanas de atitude e de com-portamento. Os resultados chocaram os investigadores: os estu-dantes que fizeram o papel de guarda logo assumiram uma pos-tura autoritria; eles revelaram uma verdadeira hostilidade em relao aos detentos, mandando neles, maltratando-os e amea-ando-os verbalmente. J os prisioneiros mostraram uma mistu-ra de apatia e rebeldia geralmente percebida entre prisioneiros de verdade. Esses efeitos foram to visveis, e o nvel de tenso to

    alto, que foi preciso abandonar o experimento em um estgio ini-cial. Os resultados obtidos, contudo, foram importantes. Zimbar-do concluiu que o comportamento nas prises mais influencia-do pela natureza da prpria situao prisional do que pelas carac-tersticas individuais dos sujeitos envolvidos.

    Histrias de vida

    Diferentemente do que ocorre com os experimentos, as histrias de vida pertencem exclusivamente sociologia e s demais cincias sociais, no tendo espao na cincia natural. As histrias de vida consistem em um material biogrfico reunido sobre indi-vduos especficos - geralmente na forma de lembranas dos prprios indivduos. Outros procedimentos de pesquisa, em ge-ral, no rendem tantas informaes quanto o mtodo da histria de vida sobre a evoluo das crenas e das atitudes ao longo do tempo. No entanto, os estudos que mostram a histria de uma vi-da raramente confiam totalmente na memria das pessoas. Nor-malmente, fontes como cartas, informaes amais e descries de jornais so utilizadas para um maior detalhamento e para ve-rificar a validade daquilo que os indivduos informam. Os soci-logos apresentam opinies divergentes em relao ao valor das histrias de vida: alguns tm a impresso de que elas so muito pouco confiveis para fornecer informaes teis, mas outros acreditam que elas oferecem fontes de insight s quais poucos outros mtodos de pesquisa so capazes de se igualar.

    As histrias de vida tm sido empregadas com sucesso em estudos de grande importncia. Um antigo e clebre estu-do foi The Polish Peasant in Europe and America, realizado por W. I. Thomas e Florian Znaniecki, cujos cinco volumes

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  • SOCIOLOGIA 5 1 9

    Uma combinao entre a pesquisa comparativa e a histrica

    A pesquisa de Ashworth concentrou-se em um espao relativa-mente curto de tempo. Como exemplo de estudo que investi-gou um perodo mais longo e que tambm aplicou uma anli-se comparativa em um contexto histrico, podemos citar Sta-tes and Social Revolutions (1979), de Theda Skocpol, um dos mais conhecidos estudos sobre a transformao social. Skocpol incumbiu-se de uma tarefa ambiciosa: elaborar uma teoria so-bre as origens e a natureza da revoluo, baseada em um estu-do emprico detalhado. Ela observou os processos de revoluo em trs diferentes contextos histricos: a Revoluo de 1789 na Frana, a Revoluo de 1917 na Rssia (que levou os comunis-tas ao poder e estabeleceu a Unio Sovitica, novamente dis-solvida em 1991) e a Revoluo de 1949 na China (que criou a China comunista).

    Os socilogos que combinam a pesquisa comparativa com a histrica dedicam-se chamada anlise secundria. Eles re-vem uma variedade de fontes documentrias, como registros oficiais e relatos histricos, a fim de identificar as semelhanas e as diferenas entre os casos em questo. Ao adotar essa aborda-gem, Skocpol conseguiu desenvolver uma explicao convin-cente da transformao revolucionria, enfatizando as condies estruturais sociais subjacentes. Ela demonstrou que as revolu-es sociais ocorrem, em grande parte, de forma involuntria. Antes da Revoluo Russa, por exemplo, diversos grupos polti-cos estavam tentando derrubar o regime existente, mas nenhum deles - incluindo os bolcheviques, que acabaram chegando ao poder - anteviu a revoluo que ocorreria. Uma srie de confli-tos e confrontos originou um processo de transformao social muito mais radical do que qualquer um havia previsto.

    Um estudo da transformao social: o caso da globalizao

    Quando estudamos os processos de transformao social em larga escala, geralmente necessrio adotar-uma combinao entre a perspectiva comparativa e a histrica. Tomemos como exemplo o estudo da globalizao, um dos temas mais impor-tantes enfatizados neste livro. As mudanas envolvidas na glo-balizao abrangem um longo perodo e afetam milhes e mi-lhes de pessoas. Poderamos estudar certos aspectos da globa-lizao por meio das tcnicas de pesquisa mencionadas ante-riormente. A observao participante, os levantamentos e o ma-terial que revela a histria de vida poderiam, cada um deles, nos permitir uma explorao do significado da experincia do crescimento da globalizao para as pessoas, individualmente, dentro de contextos sociais especficos. E possvel que nos in-teressemos, por exemplo, pela maneira como as pessoas se ajustam ao mercado global, no qual a troca de empregos mais comum hoje em dia do que foi no passado. Todavia, precisara-mos de um estudo comparativo e histrico que tivesse um al-cance muito mais amplo para demonstrar graficamente todos os processos globalizantes. Assim como todos os grandes pro-

    cessos de mudana, a globalizao tem sido impulsionada por uma mistura de conseqncias planejadas e no-planejadas. Dessa forma, como explica o Captulo 15 CA Mdia e as Co-municaes de Massa"), a internet surgiu como um projeto or-ganizado dentro do Departamento de Defesa dos EUA, com a finalidade de facilitar a comunicao entre seus diferentes seg-mentos. O impacto subseqente da internet, contudo, foi dema-siadamente maior do que qualquer pessoa havia inicialmente imaginado ou planejado.

    A pesquisa no mundo real: problemas, armadilhas, dilemas

    Qualquer um que j tenha executado uma pesquisa sociolgi-ca na fonte pode atestar o fato de que a pesquisa no "mundo real" bastante diferente dos mtodos de pesquisa descritos em um livro texto! Ao iniciar um estudo, o pesquisador pode constatar que os instrumentos de pesquisa originalmente esco-lhidos acabam tendo um valor limitado para o tpico em estu-do. Em outros casos, pode haver dificuldades imprevistas no acesso a determinada populao, ou na elaborao de um questionrio vivel para o levantamento. A pesquisa sociol-gica exige certa flexibilidade; no incomum que vrios m-todos sejam combinados em uma nica pesquisa, na qual cada um completa e controla os demais em um processo conhecido como triangulao.

    Examinando mais uma vez o estudo de Mitchell Duneier sobre a sociologia da vida urbana, sua investigao a respeito dos vendedores de rua e dos mendigos na Cidade de Nova York (1999), podemos perceber quais os desafios encontrados ao iniciarmos e executarmos uma pesquisa sociolgica concreta.

    Uma investigao da raa e da pobreza nos espaos urbanos Na dcada de 1950, o Greenwich Village foi tema de um estudo sociolgico clssico realizado por Jane Jacobs (1961) sobre a natureza da vida urbana. O bairro serviu como um laboratrio natural para a compreenso do importante papel das interaes cotidianas nas caladas em unir a vida da comunidade e tornar possvel que estranhos vivam bem prximos uns dos outros.

    Quatro dcadas depois, Mitchell Duneier ficou curioso em saber como a natureza da vida nas caladas do Greenwich Vil-lage havia mudado desde a poca do estudo de Jacob. O bairro ainda conservava seu carter bomio, mas contava com uma nova populao. Um grupo de homens pobres, negros, predo-minantemente sem-teto comeara a ganhar a vida nas ruas do bairro. Como vimos, alguns trabalhavam como vendedores de rua, vendendo livros e revistas nas caladas: outros vendiam ar-tigos encontrados nas lixeiras da vizinhana. E outros ainda er-am mendigos, que pediam trocados de quem passasse na rua.

    Como um socilogo pe-se a "estudar" o contedo da vida nas ruas? A primeira abordagem da pesquisa de Duneier ocor-

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    Tabela 20.2 Quatro dos principais mtodos empregados na pesquisa sociolgica Mtodo de pesquisa Pontos fortes Limitaes

    Etnografia

    Levantamentos

    Experimentos

    Pesquisa documentria

    Geralmente produz informaes mais ricas e aprofundadas do que os demais mtodos. A etnografia pode oferecer uma compreenso mais ampla dos processos sociais.

    Possibilitam a coleta eficiente de dados sobre uma grande quantidade de indivduos.

    Prevem a realizao de comparaes precisas entre as respostas dos entrevistados.

    O investigador pode controlar a influncia de variveis especficas. Geralmente, so mais fceis de serem repetidos posteriormente por outros pesquisadores. Pode fornecer fontes de materiais em profundidade, assim como dados sobre grandes grupos, de acordo com os tipos de documento estudado.

    Geralmente essencial quando um estudo totalmente histrico ou possui uma dimenso histrica definida.

    Pode ser utilizada apenas no estudo de grupos ou comunida-des relativamente pequenas. As descobertas s podem ser aplicadas aos grupos ou s comunidades estudadas; difcil fazer uma generalizao com base em um nico estudo de campo.

    O material coletado talvez seja superficial; nos casos em que um questionrio extremamente padronizado, possvel que diferenas importantes entre os pontos de vista dos entrevistados sejam encobertas. As respostas talvez tragam elementos nos quais as pessoas alegam acreditar, e no aquilo em que elas realmente acreditam. Muitos aspectos da vida social no podem ser levados ao laboratrio. As respostas dos sujeitos estudados podem ser afetadas por sua situao experimental. O pesquisador depende das fontes existentes, que podem ser parciais. Talvez seja uma tarefa difcil interpretar o quanto as fontes representam tendncias reais - como no caso de algumas estatsticas oficiais.

    reu atravs de um contato pessoal com um dos vendedores de livros, chamado Hakim Hasan. Duneier era um cliente regular de Hakim e observou como as pessoas freqentemente se reu-niam em torno de seu tabuleiro para discutir livros, poltica e fi-losofia. Hakim era um exemplo de "personalidade pblica" -um personagem que pertence vida nas caladas e que man-tm um contato regular com uma ampla variedade de pessoas. Duneier acreditava que o papel de Hakim nas caladas e sua histria de vida um tanto fora do comum (ele abandonou o mundo empresarial para vender livros nas ruas) poderiam ser-vir como uma importante janela para a vida das caladas do Greenwich Village.

    Embora Hakim tenha hesitado em se tornar o tema da pes-quisa, ele acabou concordando em cooperar com Duneier, per-mitindo que este escrevesse a respeito de sua vida e de seu tra-balho. Duneier conduziu um trabalho etnogrfico de campo: ele passava um tempo observando Hakim em seu tabuleiro, ou-vindo as interaes dos clientes com Hakim e dos clientes en-tre eles, e testemunhando como a presena dos livros poderia inspirar o dilogo e o debate nas caladas. Aps dois anos de

    observao, ele redigiu um manuscrito de sua pesquisa sobre a vida e as atividades cotidianas de um vendedor de rua e das pessoas que o procuravam para discutir livros.

    Repensando o foco da pesquisa

    O manuscrito foi aceito para publicao, mas Duneier sentia-se apreensivo. Ele havia pedido a Hakim que comentasse o ma-nuscrito - um processo s vezes denominado "validao do en-trevistado" - e estava preocupado com um dos comentrios. Hakim achou que o manuscrito concentrava-se demais sobre ele e seu tabuleiro; que o foco da pesquisa de Duneier era mui-to limitado para captar outras dinmicas importantes presentes nas caladas - que, sozinho, o seu caso no era adequado para transmitir a complexidade da vida social nas ruas.

    Duneier percebeu que os comentrios de Hakim eram v-lidos e sugeriu uma nova maneira de desenvolver melhor o pro-jeto de pesquisa. Convidou Hakim para apresentar com ele um seminrio na Universidade da Califrnia, como forma de se concentrarem nos detalhes dos temas levantados no manuscri-

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    Termos estatsticos

    Na sociologia, a pesquisa geralmente emprega tcnicas esta-tsticas ao analisar as descobertas. Algumas so extrema-mente sofisticadas e complexas, mas as mais utilizadas so de fcil compreenso. As mais comuns so as medidas de tendncia central (formas de calcular as mdias) e os coe-ficientes de correlao (para avaliar at que ponto uma va-rivel mantm uma relao constante com outra).

    Existem trs mtodos para o clculo das mdias, cada um dos quais possui determinadas vantagens e falhas. Tome-mos como exemplo o volume de riqueza pessoal (incluindo todos os bens, como casas, carros, contas bancrias e inves-timentos) de 13 indivduos. Suponhamos que essas 3 pes-soas possuam os seguintes valores:

    1 000 (zero) 6 40.000 2 5.000 7 40.000 3 10.000 8 80.000 4 20.000 9 100.000 5 40.000 10 150.000

    11 200.000 13 10.000.000 12 400.000

    A mdia aritmtica corresponde mdia qual chega-mos somando a riqueza pessoal das 13 pessoas e dividindo o resultado por 13. O total 11.085.000; aps a diviso, che-gamos a uma mdia aritmtica de 852.692,31. O clculo dessa mdia geralmente til, pois baseia-se em todo o al-cance dos dados oferecidos. Entretanto, pode ser enganoso quando um ou um pequeno nmero de casos so muito dife-rentes da maioria. No exemplo acima, a mdia aritmtica, na verdade, no uma medida adequada de tendncia central, pois a presena de um nmero muito grandif 10.000.000, distorce todos os demais. Podemos ficar com a impresso de que a maioria das pessoas possui bem mais dinheiro do que realmente tem.

    Nesses casos, podemos utilizar uma destas duas outras medidas. A moda o nmero que ocorre com maior fre-qncia em determinado conjunto de dados. Em nosso

    to, ao mesmo tempo que envolviam um grupo de estudantes na discusso. O foco da pesquisa de Duneier evoluiu assim que ele e Hakim apresentaram juntos The life ofthe street and the life ofthe mind in black America ("A vida das ruas e a vida da mente na Amrica negra"). Ele passou a entender como uma abordagem mais ampla da vida nas caladas poderia superar algumas das limitaes da pesquisa original. As perguntas dos estudantes serviram como uma importante orientao nesse as-pecto: Onde Hakim conseguia seus livros? Qual o papel dos mendigos nas caladas? Como os moradores brancos do bairro interagem com esses homens? Ao abrir seu primeiro trabalho para o escrutnio, Duneier conseguiu formular uma nova abor-dagem para sua pesquisa.

    O "ingresso" como observador participante

    Quando Duneier retornou s caladas do Greenwich Village, ele no era mais apenas um observador, mas um participante ativo da vida cotidiana do local. Com a ajuda de Hakim, ele chegou a um acordo com Marvin, um vendedor de revistas de uma quadra vizinha, para passar um vero trabalhando com ele em seu tabuleiro. Marvin "patrocinou" a presena de Duneier na quadra, apresentando-o aos outros homens que ganhavam a vida nas ruas e dando credibilidade sua pesquisa. Entretanto, mesmo com o auxlio de Marvin e de Hakim, Duneier teve que enfrentar diversos desafios como observador participante. O processo de "ingressar" na vida das caladas demandou tempo e pacincia. Sendo um homem branco extremamente culto, da classe mdia alta, Duneier ocupava uma posio social muito

    distinta daquela dos homens pobres, negros, estigmatizados, que eram o foco de seu estudo. Duneier reconhecia que seria intil tentar se "encaixar" - mesmo que ele tentasse mudar sua maneira de vestir ou de falar, ainda assim ele se sobressairia. Em vez disso, ele concentrou-se em construir, aos poucos, re-laes de respeito mtuo com os homens nas caladas. Passa-va mais tempo escutando do que falando, confiando nas con-versas informais com os homens em vez de nas entrevistas "formais". Duneier ganhou o consentimento dos homens da quadra para deixar um gravador ligado o tempo todo embaixo do tabuleiro de revistas onde ele trabalhava; os homens fami-liarizaram-se com o equipamento e muitas vezes ofereceram-se para "control-lo" quando ele se afastava do tabuleiro, ou quando no estava na cidade.

    A presena de Duneier foi gradualmente aceita, e nos dois anos seguintes ele transformou-se em um personagem habitual da calada. Embora Duneier tivesse "ingressado" naquele am-biente com sucesso, ele entendia que tolerar um observador participante e confiar nele no so necessariamente a mesma coisa. Duneier sabia que alguns dos homens na quadra suspei-tavam dos motivos que estavam por trs de sua pesquisa e ima-ginavam que ele estivesse tentando ganhar dinheiro com um li-vro que contasse a vida deles. Outros achavam que ele era bem-intencionado mas ingnuo, sendo, portanto, um legtimo "alvo" para explorao. No comeo, os mendigos, que viam Duneier como um "intruso rico", sempre lhe pediam pequenas quantias em dinheiro. Para Duneier, era difcil dizer "no" a es-ses pedidos, ainda que ele estivesse financiando sua prpria pesquisa e no tivesse muito dinheiro sobrando. Duneier sen-

  • 5 2 2 ANTHONY GIDDENS

    exemplo, 40.000. O problema da moda que ela no le-va em conta a distribuio geral dos dados, ou seja, o alcan-ce da cobertura dos nmeros. O caso que aparecer com maior freqncia em um conjunto de nmeros no necessa-riamente representar sua distribuio como um todo e, con-seqentemente, talvez no seja uma mdia til. Nesse caso, poderia nos preocupar o fato de 40.000 estar muito prxi-mo da extremidade inferior na escala dos nmeros apresen-tados acima.

    A terceira medida a mediana, que a metade de qual-quer conjunto de nmeros; neste caso, seria o stimo nme-ro: 40.000. Nosso exemplo traz um nmero mpar de itens, 13. Se fosse p a r - p o r exemplo, 12 - , a mediana seria calcu-lada tomando-se a mdia aritmtica dos dois casos interme-dirios, os nmeros que esto no sexto e no stimo lugares. Assim como a moda, a mediana no indica o verdadeiro al-cance dos dados avaliados.

    As vezes, um pesquisador utilizar mais de uma medida de tendncia central para evitar fornecer um retrato engano-so da mdia. O mais comum que ele venha a calcular o

    desvio-padro para os dados em questo - uma forma de calcular o grau de disperso, ou a variao, de um conjun-to de nmeros, que, neste caso, vai 4e zero a 10.000.000.

    Os coeficientes de correlao so um caminho til pa-ra expressar ate que ponto duas (ou mais) variveis esto intimamente relacionadas. Quando existe uma correlao completa entre duas variveis, podemos falar de uma cor-relao positiva perfeita, expressa como 1.0. Quando no h nenhuma relao entre duas variveis - elas no pos-suem nenhuma ligao constante - o coeficiente zero. Uma correlao negativa perfeita, expressa como -1,0, existe quando duas variveis esto em uma relao com-pletamente inversa entre si. Correlaes perfeitas nunta so encontradas nas cincias sociais. Em geral, acredita-se que correlaes da ordem de 0,6, ou mais, sejam elas po-sitivas ou negativas, indicam um forte grau de ligao en-tre quaisquer variveis que estejam sendo analisadas. Cor-relaes positivas nesse nvel podem ser encontradas en-tre, digamos, a classe social de origem e o comportamen-to eleitoral.

    tia-se de mos atadas - como conseguiria transmitir seu objeti-vo enquanto pesquisador e seu profundo respeito pela luta di-ria dessas pessoas sem ter que estar todo o tempo distribuindo trocados e notas de dlar? Com grande dificuldade, Duneier aprendeu a dizer "no" para os habituais pedidos de dinheiro, mas dispunha-se a ajudar de outras maneiras - lidando com proprietrios de imveis, ou dividindo seus conhecimentos ju-rdicos. Duneier descobriu que um dos principais desafios que enfrentava como etngrafo, no trabalho em uma comunidade carente, era decidir quando era apropriado intervir na vida das pessoas que estavam no centro de sua pesquisa.

    A etnografia nas publicaes: anonimato, consentimento e relaes de poder

    Toda pesquisa que lida com os seres humanos pode apresentar dilemas ticos. Duneier foi honesto com os homens nas ruas a respeito da finalidade de sua pesquisa e da sua identidade de socilogo, mas ele tambm precisou ter cuidado em relao s questes ticas envolvidas na publicao das descobertas de sua pesquisa. Os sujeitos que participam de um estudo etnogr-fico podem achar a publicao dos resultados ofensiva, ou por terem sido retratados por um ngulo desagradvel, ou porque algumas atitudes e comportamentos que eles prefeririam man-ter em segredo so tornados pblicos. Essa foi uma questo po-tencialmente problemtica na pesquisa de Duneier: o manus-crito descrevia, em detalhes, tpicos como urina em pblico, assdio a mulheres que passavam pela rua, vcio de drogas e l-cool e tenses com a polcia local. Os indivduos do estudo de

    Duneier eram vulnerveis e relativamente impotentes; para eles, seria difcil reagir publicamente ao livro e ao seu conte-do aps sua publicao.

    Ao publicar suas descobertas em Sidewalk (1999), Duneier rompeu com a prtica adotada por alguns socilogos de escon-der os nomes das pessoas e os locais retratados no trabalho. Ele imaginou que revelar a verdadeira identidade dos sujeitos estu-dados elevaria o padro de responsabilidade de sua pesquisa. Alm do mais, segundo Duneier, os homens que viviam nas caladas no estavam preocupados com o fato de suas identida-des serem reveladas; alguns deles at gostavam da idia de ve-rem suas palavras e imagens publicadas. No entanto, ao optar pelo abandono do anonimato, Duneier teve o cuidado de asse-gurar que cada indivduo que figurava no livro estivesse ciente do modo como fora representado. Ele levou uma cpia do ma-nuscrito final para o quarto de um hotel situado prximo que-la quadra e convidou cada pessoa que aparecia no livro para re-visar todos os pontos nos quais ela era mencionada. Em muitos casos, esse processo revelou-se difcil. Muitos dos homens es-tavam menos interessados no argumento que estava sendo apresentado no livro do que em sua aparncia nas fotografias. Duneier constatou que suas tentativas de demonstrar "respei-to", mostrando o texto para as pessoas que nele haviam sido ci-tadas muitas vezes acabaram sendo um tiro que saiu pela cula-tra, fazendo com que ele se sentisse como se estivesse impon-do seu programa sobre uma audincia relutante. Mesmo sendo um processo difcil, Duneier acreditava que isso era necessrio para que o livro garantisse a integridade dos homens nas ruas.

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    Ao longo da pesquisa, Duneier sensibilizou-se bastante com as diferenas de raa, classe e status entre ele e os homens que trabalhavam nas ruas. Porm, mesmo no manuscrito final, achou difcil ignorar as relaes de poder existentes entre ele - o autor - e aqueles homens que apareciam como tema do estudo. Acre-ditando na importncia de que essas pessoas tivessem a oportu-nidade de reagir pesquisa que havia conduzido, Duneier convi-dou Hakim para escrever o eplogo de Sidewalk. Embora Hakim certamente no pudesse falar por todos os homens da quadra, ele j estava envolvido no projeto desde o incio e podia oferecer uma perspectiva diferente daquela do pesquisador.

    Duneier tambm estava ciente da longa tradio de estu-diosos brancos que se apoderam das palavras e das imagens de negros pobres para proveito prprio. Para Duneier, era impor-tante que sua pesquisa no perpetuasse tais formas de explora-o acadmica; ele fez acordos legais para a diviso dos royal-ties do livro com os homens que nele apareceram. Duneier re-conheceu que as aes do pesquisador social no podem sepa-rar-se do contexto histrico e cultural mais amplo no qual elas ocorrem. Atentou para a idia de que seu prprio papel enquan-to socilogo deveria contribuir para superar - e no para piorar - a diviso entre os favorecidos e os desfavorecidos na atmos-fera urbana em que trabalhara.

    Concluso: a influncia da sociologia

    Em geral, a pesquisa sociolgica desperta o interesse de muitas pessoas, alm da comunidade intelectual de socilogos, e seus resultados normalmente so bastante difundidos. A sociologia preciso enfatizar, no apenas o estudo das sociedades mo-dernas; um elemento significativo na continuidade da vida dessas sociedades. Tomemos como exemplo as transformaes que afetam o casamento, a sexualidade e a famlia. Diante da infiltrao da pesquisa sociolgica, poucas pessoas que vivem em uma sociedade moderna no tm noo dessas mudanas. Nosso pensamento e nosso comportamento so afetados pelo conhecimento sociolgico de maneiras complexas e muitas ve-zes sutis, remodelando, assim, o prprio campo da investigao sociolgica.

    No deveramos nos surpreender com a ntima correla-o que, muitas vezes, h entre as descobertas sociolgicas e as convices do senso comum. O motivo disso no est simplesmente no fato de que a sociologia apresenta desco-bertas que j conhecamos, mas, sim, na idia de que a pes-quisa sociolgica exerce uma influncia contnua sobre a verdadeira essncia do que conhecemos como senso comum na sociedade.

    Como ler uma tabela

    Nos textos de sociologia, voc sempre ir se deparar com ta-belas. Elas, s vezes, parecem complexas, mas ser fcil deci-fr-las se voc seguir esses passinhos bsicos listados abaixo; com a prtica, eles se tornaro automticos. No sucumba tentao de pular as tabelas; elas contm informaes em um formato concentrado, que podem ser lidas com maior rapidez do que seria possvel caso esse mesmo material fosse expres-so em palavras. Ao ganhar habilidade na interpretao das ta-belas, voc tambm ter condies de verificar at que ponto as concluses de um autor realmente parecem se justificar.

    1. Leia todo o ttulo. comum ver tabelas com ttulos bastante compridos, os quais representam uma tentati-va, por parte do pesquisador, de exprimir com preciso a natureza das informaes transmitidas. O ttulo da ta-bela de amostra informa primeiramente o tema dos da-dos; em segundo lugar, o fato de que a tabela fornece material para comparao; e, em terceiro, o fato de que os dados so oferecidos apenas em relao a um nme-ro limitado de pases.

    2. Procure notas ou comentrios explicativos sobre os da-dos. Uma nota no rodap da tabela de amostra, relacio-nada ao cabealho da coluna principal, indica que os dados cobrem todos os carros licenciados. Essa uma informao importante, porque, em alguns pases, a

    proporo de veculos licenciados adequadamente po-de ser menor do que em outros. Por meio das notas, po-de-se saber como o material foi coletado, ou por que exibido de uma forma especfica. Caso os dados no te-nham sido reunidos pelo pesquisador, mas se baseiam em descobertas relatadas originalmente em outro local, ser includa a fonte. Esta, s vezes, d a voc algum insight do provvel grau de confiabilidade das informa-es e tambm mostra onde encontrar os dados origi-nais. Em nossa tabela, a nota sobre a fonte esclarece que os dados foram extrados de mais de uma fonte.

    3. Leia os cabealhos que se encontram acima e no lado es-querdo da tabela. (s vezes, as tabelas ganham "cabea-lhos" na parte de baixo e no na de cima.) Neles, voc encontrar uma especificao do tipo de informaes que esto contidas em cada linha e coluna. Ao ler a tabe-la, concentre-se em cada conjunto de cabealhos medi-da que voc examina os nmeros. No nosso exemplo, os cabealhos esquerda informam os pases envolvidos, ao passo que os de cima referem-se aos nveis de posse de carros e aos anos aos quais esses nveis se relacionam.

    4. Identifique as unidades utilizadas: os nmeros no cor-po da tabela podem representar casos, percentuais, m-dias ou outras medidas. H casos em que pode ser til

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    Tabela de amostra Posse de carros: comparaes entre diversos pases selecionados Nmero de carros para cada 1.000 representantes da populao adulta3

    1993 ou posteriores 1971 1981 1984 1989 1993

    Brasil 12 78 84 98 -Chile 19 45 56 67

    -Eire* 141 202 226 228 -Frana 261 348 360 475 420 Grcia 30 94 116 150 -Itlia 210 322 359 424 500 Japo 100 209 207 286 300 Sucia 291 348 445 445 410 RU 224 317 343 366 360 EUA 448 536 540 607 570 Alemanha Ocidental 247 385 312 479 470b

    a Includos todos os carros licenciados.

    b Toda a Alemanha em 1993.

    Fontes:International Road Federation, United Nations Annual Bulletin of Transport Statistics, publicado em Social Trends (1987), p. 68; Statistical Office of the European Community, Basic Statistics of the Community (Luxemburgo: Unio Europia, 1991); dados referentes a 1993 ou posteriores extrados de The Eco-nomist, Pocket World in Figures, 1996.

    converter os nmeros para um formato mais conve-niente para voc: em situaes em que os percentuais no so fornecidos, por exemplo, talvez valha a pena calcul-los.

    5,, Avalie as concluses a que se pode chegar a partir das informaes presentes na tabela. A maioria das tabelas discutida pelo autor e claro que aquilo que ele tem a dizer deve ser levado em considerao. Porm, voc tambm deve perguntar quais outros temas ou questes poderiam ser sugeridos pelos dados.

    Diversas tendncias interessantes podem ser percebidas nos nmeros de nossa tabela de amostra. Primeiramente, o nvel de posse de carros apresenta uma variao considervel en-tre diferentes pases: o nmero de carros a cada 1.000 habi-tantes quase dez vezes maior nos EUA do que no Chile. Em segundo lugar, existe uma clara ligao entre a posse de carros e o nvel de riqueza de um pas. Na verdade, provavel-

    mente, poderamos utilizar as propores de posse de carros como um indicador aproximado de prosperidade diferencial. Em terceiro lugar, em quase todos os pases representados, o nvel de posse de carros aumentou entre os anos de 1971 e 1989, mas, em alguns, o ndice de crescimento foi maior do que em outros - o que provavelmente indica as diferenas no grau de gerao do crescimento econmico ou de conquistas nesse mbito. Em quarto, esses dados devem ser observados cm uma perspectiva poltica mais ampla. Por exemplo, parle da diminuio no nvel de posse de carros em 1993, na Ale-manha, ser um reflexo do processo de unificao da Alema-nha Ocidental com a Oriental. Em quinto lugar, necessrio levar em conta as fontes dos dados. Por exemplo, os nme-ros menores referentes a 1993, em comparao com os de 1989 no RU, na Frana, na Sucia e nos EUA, podem ser, em parte, explicados pela diferena de fontes. O trabalho com dados requer cautela e, idealmente, uma verificao cuidadosa das estatsticas.

  • SOCIOLOGIA 5 2 5

    Pontos Principais

    1. Os socilogos estudam a vida social apresentando ques-tes distintas e tentando encontrar respostas para elas por meio da pesquisa sistemtica. Essas questes podem ser factuais, comparativas, evolutivas ou tericas.

    2. Para seus fundadores, a sociologia uma cincia no sen-tido de que ela envolve mtodos sistemticos de investi-gao e a avaliao de teorias luz das evidncias e do ar-gumento lgico; mas ela no pode ter diretamente como molde as cincias naturais, pois estudar o comportamen-to humano , em aspectos fundamentais, diferente de es-tudar o mundo da natureza.

    3. Toda a pesquisa se inicia com um problema de pesquisa que preocupa ou intriga o investigador. Os problemas de pesquisa podem ser sugeridos por lacunas na literatura da rea ou por debates tericos ou questes prticas no mun-do social. E possvel distinguir diversas etapas claras no desenvolvimento das estratgias de pesquisa - mesmo que, em uma pesquisa de verdade, estas raramente sejam seguidas exatamente dessa forma.

    4. Uma relao causal entre dois eventos ou situaes aquela em que um evento ou situao gera outro evento ou situao - uma questo mais problemtica do que pode parecer primeira vista. E necessrio traar uma distino entre a causalidade e a correlao, a qual se refere exis-tncia de uma relao regular entre duas variveis. Uma varivel uma medida - como a idade, a renda, os ndices de criminalidade, etc. - que permite uma comparao. Precisamos tambm distinguir as variveis independentes daquelas as quais elas afetam, as variveis dependentes. Os socilogos geralmente utilizam controles para manter outros fatores constantes e isolar uma relao causal.

    5. Os mtodos de pesquisa dizem respeito maneira como a pesquisa executada. Na etnografia, o pesquisador passa perodos bastante longos com o grupo ou a comunidade que est sendo estudada. Um segundo mtodo, a pesqui-sa feita atravs de levantamentos, envolve o envio de questionrios para grupos amostrais de populaes maio-res, ou a administrao dos questionrios nesses grupos. A pesquisa documentria utiliza materiais impressos, provenientes de arquivos ou de outros recursos, como fonte de informaes. Outros mtodos incluem experi-mentos, o uso de histrias de vida, a anlise histrica e a pesquisa comparativa.

    6. Cada um dos diversos mtodos de pesquisa possui suas li-mitaes. Por essa razo, os pesquisadores em geral com-binam dois ou mais mtodos em seu trabalho, sendo que cada um deles utilizado para checar ou complementar o material obtido a partir de outros mtodos. Esse processo denominado triangulao. Os melhores exemplos de trabalho sociolgico combinam perspectivas histricas e comparativas.

    7 . A pesquisa sociolgica, muitas vezes, apresenta dilemas ticos ao investigador. Eles podem surgir quando os sujei-tos da pesquisa so enganados pelo pesquisador, ou quan-do a publicao das descobertas da pesquisa pode afetar adversamente os sentimentos ou a vida daqueles que es-to sendo estudados. No existe nenhuma frmula total-mente satisfatria para se lidar com essas questes, mas todos os pesquisadores precisam ter sensibilidade em re-lao aos dilemas que propem.

    Questes para Reflexo

    1. Se a maioria dos projetos de pesquisa originam-se em pro-blemas de pesquisa, quem decide quais so os problemas?

    2. Por que importante formar hipteses especficas que possam ser confirmadas ou refutadas?

    3. Por que o andamento do processo de pesquisa raramente obedece ao plano?

    4. Como o pesquisador consegue minimizar a possibilidade de erros e/ou parcialidade?

    5. Existem mtodos de pesquisa mais cientficos do que outros?

    6. Por que to crucial estabelecer uma distino entre a correlao e a causalidade?

    Leitura Complementar

    Martin Hammersley e Paul Atkinson, Ethnography: Princi-ples in Practice (London: Routledge, 1995) Lee Harvey, Morag MacDonald e Anne Devany, Doing So-ciology (London: Macmillan, 1992)

    Charles Ragin, Constructing Social Research: The Unity and Diversity of Method (Thousand Oaks, Calif: Pine Forge Press, 1994)