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GILMAR TALARICO E SILVA A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE E PROFISSIONAL EM SAÚDE: UM ESTUDO A PARTIR DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2014

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GILMAR TALARICO E SILVA

A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE E

PROFISSIONAL EM SAÚDE: UM ESTUDO A PARTIR DAS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2014

GILMAR TALARICO E SILVA

A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE E

PROFISSIONAL EM SAÚDE: UM ESTUDO A PARTIR DAS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade da Cidade de São Paulo - UNICID, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Margaréte May Berkenbrock Rosito.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

2014

Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

S586d

Silva, Gilmar Talarico e.

A dimensão da educação estética na formação docente e

profissional em saúde: um estudo a partir das diretrizes

curriculares nacionais do curso de graduação em Fisioterapia

/ Gilmar Talarico e Silva --- São Paulo, 2014.

117 p.; Anexos

Bibliografia

Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São

Paulo. Orientador Profa. Dra. Margaréte May Berkenrock-

Rosito.

1. Educação. 2. Estética. 3. Formação profissional em

saúde – Fisioterapia. 4. Biossegurança. I. Berkenrock-Rosito,

Margaréte May, orient. II. Título.

CDD 371.13

Banca Examinadora

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Margaréte May Berkenbrock Rosito (Orientadora)

________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Ramos de Andrade

________________________________________ Prof.ª Drª. Aline Bigongiari

Dedico este trabalho à minha Família,

porto seguro, e a todos os professores

que encontrei e encontrarei pela vida.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus e às forças da natureza, por terem guiado meus passos até

aqui, dando-me amparo nas horas mais difíceis da minha vida.

À minha orientadora, Profª Drª Margaréte May Berkenbrock Rosito, a quem

aprendi a admirar pelo seu conhecimento científico abrangente e pela sua

capacidade e disponibilidade em ajudar o próximo. Em todos os nossos encontros,

sempre trouxe palavras incentivadoras, instigantes e desafiadoras, mas, sempre

apoiada em sua autonomia e estética, fez com que a caminhada até aqui se

tornasse não só um aprendizado, mas uma Experiência Estética.

A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da UNICID,

pelas inúmeras contribuições, e às secretarias Sheila e Cláudia, pela disposição e

carinho.

Às Professoras Doutoras Maria de Fátima Ramos de Andrade e Aline

Bigongiari que compuseram a banca de qualificação e defesa, pelas ricas

observações para um melhor direcionamento da Dissertação.

Ao casal de amigos Edward e Alice Jack, que me encorajaram a saltar rumo

ao desconhecido, por acreditarem em mim.

Aos amigos Raquel, Ricardo, Tiago, Édina, Thais, Gabriela, Daniela, Nina,

Solange Souza, Solange Folha Verde, Marcelo, Driely, Mirna, Cecília, Cassiano,

Andressa, Regina, Marta, Geison, Cláudio e Márcio, por estarem sempre ao meu

lado nas horas de alegria e tristeza, estendendo-me a mão sempre que necessitei.

A meus pais, minha irmã, meu companheiro, minha filha e seu esposo e o

filho do coração e meu netinho que sempre acreditaram, e continuam acreditando,

nos meus sonhos, e que se desdobraram várias vezes para me auxiliar nessa

caminhada.

Meus sinceros agradecimentos!

“Palavra quando acesa

Não queima em vão

Deixa uma beleza posta em seu carvão”.

(Quinteto Violado)

RESUMO

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso Superior de Graduação em Fisioterapia se destacam como um divisor de águas para a profissão. Em decorrência das limitações em relação às definições da profissão, elas surgem com uma visão de ressignificação, propiciando novos rumos para a formação acadêmica em Fisioterapia, redefinindo os objetivos, as habilidades e as competências desenvolvidas durante a formação acadêmica do Fisioterapeuta, conferindo-lhes maior autonomia nas diversas áreas que competem sua atuação. Este estudo tem como principal objetivo analisar através do enfoque hermenêutico o Parecer nº 1210/2001, em 12 de setembro de 2001, pelo MEC/CNE, instituídas pela Resolução CNE/CES 4, em 19 de fevereiro de 2002 com o intuito de desvendar a dimensão da Educação Estética durante o processo de formação do docente e do profissional em saúde. Ao conceituar dignidade humana, foi possível estabelecer relações entre biossegurança, bioética e ética como um possível caminho para compreender os vínculos entre Educação Estética e as referias Diretrizes. Ao final desta constatamos que a formação acadêmica do Fisioterapeuta a partir de tais Diretrizes reflete de forma a prevenir, manter ou restabelecer sua integridade física com qualidade, a partir da autonomia e emancipação. Palavras-chave: Educação Estética; Graduação em Fisioterapia; Biossegurança; Hermenêutica.

ABSTRACT

The National Curriculum Guidelines of the Superior Course of Graduation in Physiotherapy stand out as a watershed for the profession (Brazilian expression for something that changed history (of the profession)). Due to the limitations from the definitions of the profession, they emerge with a vision of reframing, providing new directions for academic training in physiotherapy, refiniding goals, skills and competencies developed during the academic formation of a physiotherapist, given them greater autonomy in several areas that compete its performance. This study aims to analyze through the hermeneutical approach Opinion number 1210/2001, on September 12th, 2001, for MEC/CNE, instituted by the Resolution CNE/CES 4, on February 19th, 2002 in order to unravel the aesthetic dimension of education during the formation process of teaching and professional in health. To conceptualize human dignity, it was possible establishing relations between biosecurity, bioethics and ethics as a possible way to understand the links between Aesthetic Education and the aforementioned technical guidelines. At the end of this, we find that the academic formation of the Physiotherapist from such guidelines reflectes to prevent, maintain or restore their physical integrity with quality, from the autonomy and emancipation. Key words : Aesthetic Education; Graduation in Physiotherapy; Biosecurity; Hermeneutics

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ART – Artigo

CES – Câmara de Educação Superior

CFE – Conselho Federal de Educação

CHM – Carga Horária Mínima

CNE – Conselho Nacional de Educação

DCN’s – Diretrizes Curriculares Nacionais

IES – Instituição de Ensino Superior

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação e Cultura

PPP – Projeto Político Pedagógico

SESu – Secretária de Educação Superior

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 O Infinito da História Tecido em Retalho 25

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12 1. “A METÁFORA DO INFINITO”: A NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA COMO CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO 16

1.1 História de vida: momentos charneiras 17

1.1.1 A cicatriz em sala de aula 17

1.1.2 A escolha profissional 20

1.1.3 A transição de aluno em pesquisador 21

1.1.4 Profissional fisioterapeuta e docente no Curso de Fisioterapia 21

1.1.5 A arte de reinventar-se como pesquisador: uma experiência de transformação pessoal e profissional 21

1.2 A somatória de acontecimentos: uma compreensão da identidade do docente, profissional e pesquisador 25

1.3 Análise documental: uma compreensão hermenêutica sobre o estudo 29

1.3.1 Diretrizes Curriculares Nacionais: o Curso de Graduação em Fisioterapia em foco 35 2. EDUCAÇÃO ESTÉTICA: REFLEXÕES EM BUSCA DO SENTIDO DA FORMAÇÃO DO DOCENTE E DO PROFISSIONAL NO CURSO DE FISIOTERAPIA 42

2.1 Educação e Experiência Estética: Conceituações 42

2.1.1 Ética e Biossegurança: uma leitura Bioética 53

2.2 Olhar estético: o alcance à formação docente e profissional no Curso de Fisioterapia 60

2.3 Processos formativos: a arte como possibilidade da recriação da autonomia e emancipação dos sujeitos 63 3. “A ESTÉTICA DO JALECO”: UMA REFLEXÃO A PARTIR DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA 69

3.1 A estética do currículo: uma visão de humanização 70

3.2 A estética do corpo e da pessoa: vínculos indissociáveis na formação profissional e docente 83

3.3 A estética da dignidade humana: sobre autonomia, emancipação e vulnerabilidade dos sujeitos 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 107 ANEXOS..................................................................................................................116 ANEXO 1: PARECER CNE/CES 1.210/2001..........................................................117 ANEXO 2: RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002..............126

12

INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objeto o sentido da dimensão Estética na identidade da

formação docente e profissional em saúde, a partir das Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCN’s) do Curso de Graduação em Fisioterapia, visando à importância

da Educação Estética nos processos formativos.

A motivação do estudo surgiu da experiência como docente, do pesquisador

deste estudo, na área da saúde, no Curso de Fisioterapia, em Instituições de Ensino

Superior (IES), sobre o uso do jaleco fora do local de atendimento ao cliente. É

comum, profissionais, docentes e alunos da área da saúde, trajando jalecos como se

fossem parte de seu vestuário habitual, desconsiderando as normas de utilização da

vestimenta em locais específicos.

Essas normas fundamentam os critérios de utilização e uso de equipamentos

de proteção e suas funções e o cuidado com o vestuário no ambiente de trabalho,

fazem parte do conteúdo da Biossegurança, adotado na formação dos profissionais

da saúde. A Biossegurança tem relação com a Bioética e a ética, uma vez que diz

respeito à garantia da reprodução da vida humana e oferecem fundamentos

adequados para tratar e garantir uma atitude ética dos profissionais.

A partir da participação na disciplina “Fundamentos da Educação Estética”, no

segundo semestre de 2011, como aluno ouvinte, no Programa de Mestrado em

Educação, na Universidade Cidade de São Paulo, permitiu a este pesquisador, uma

ampliação do olhar inicial para a percepção da dimensão da Educação Estética e da

ética na compreensão da Bioética e da Biossegurança na formação dos profissionais

e docentes dos cursos em saúde.

Neste sentido, ao empreender uma reflexão sobre os conceitos de estética

em Adorno, Schiller, Freire e Perissé, foi possível atentar para a pertinência do

estudo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Fisioterapia, que

devem se posicionar sobre os problemas que dizem respeito ao não cumprimento

das diretrizes à Biossegurança, fundamentada nos pressupostos da Bioética, nos

cursos de graduação em Fisioterapia.

Para composição do quadro teórico adotam-se, os seguintes autores: Dussel

(2000), Amorim Neto (2007) sobre a conceituação de ética e moral, sobre estética

em Freire (2009; 2010; 2011), extraindo o processo de conscientização e autonomia,

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em Adorno (1985; 1995), a estética da massificação da indústria cultural e

emancipação dos sujeitos.

Diante do exposto elege-se como problema de estudo: o sentido da Educação

Estética na formação do docente e do profissional em saúde presente nas Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.

A hipótese baseia-se no fato de que a Educação Estética é um referencial

adequado para fundamentar a prática docente e a formação do profissional em

saúde no curso de Fisioterapia. É por meio do componente da estética que surge a

possibilidade de profissionais, docentes e alunos, tornaram-se mais atentos às

questões da Biossegurança, que auxiliam na construção de respostas às questões

da Bioética e da ética.

Sendo assim, estabelece-se como o objetivo geral: compreender a

importância da Educação Estética, na prática do docente e nos processos formativos

do profissional em saúde, visando o desenvolvimento da autonomia e da

emancipação dos sujeitos no Curso de Graduação em Fisioterapia.

Já os objetivos específicos são: conceituar dignidade humana; estabelecer

aproximações e distanciamentos entre a Biossegurança e a Bioética e a Ética;

refletir sobre a dignidade humana como um caminho para a compreensão dos

vínculos entre Educação Estética e as DCN’s do Curso de Graduação em

Fisioterapia.

A relevância do tema está na reflexão sobre a dignidade humana, sobretudo,

na contemporaneidade, quando o sujeito parece ameaçado, questão que urge, pois

o ser humano parece ter sido transformado em coisa ou objeto para consumo.

Nesse contexto, torna-se relevante pensar a condição da prática docente em

situações de ensino e aprendizagem para evitar que a relação entre docentes e

alunos se transforme em coisa ou objeto, na relação com o conteúdo.

O estudo da Biossegurança à luz da Bioética e da ética nos cursos de

formação de profissionais da saúde, manifesta sua relevância, em dois âmbitos: o

social e o acadêmico. Trata-se de uma contribuição para com a reflexão sobre a

responsabilidade do processo formativo que objetiva alcançar e fortalecer a meta

maior, que é a reprodução da vida humana e desenvolvimento da dignidade humana

- um desafio para a prática docente na área da saúde à luz dos estudos da Ética e

Bioética com argumento da Educação Estética.

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Desta maneira, justifica-se o estudo diante da preocupação em atribuir

importância à Educação Estética, como fundamento da Bioética e da ética,

especificamente, neste estudo, no curso de Fisioterapia. Para a compreensão dessa

meta, é necessária a consciência de que a formação do profissional em saúde, em

instituição do ensino superior (IES), deve respostas aos problemas que a

humanidade vive, hoje, no sentido de elaboração de procedimentos adequados, aos

problemas que ameaçam à sua dignidade. Portanto, a Biossegurança diz respeito à

melhoria da espécie humana, como um caminho para a realização da justiça entre

os homens. É precisamente na área da Bioética, que o profissional em saúde

encontra as vias da consolidação, de sua universalidade, uma vez que é pauta em

todos os países do mundo, garantir a reprodução, manutenção e desenvolvimentos

da dignidade humana, que, segundo Dussel (2000), são princípios que

fundamentam o conceito de vida, sentido da ética na perspectiva do autor.

Estas são reflexões possíveis que podem oferecer respostas às questões

referentes à Bioética e à Biossegurança, no entrelaçamento entre as DCN’s do

Curso de Graduação em Fisioterapia e da Educação Estética, para a partir deste

ponto refletir se a prática docente vem sendo construída próxima ao que Freire

chama de “educação bancária”. Trata-se de um procedimento pedagógico que

impede o aluno de olhar-se como o protagonista do processo formativo de refletir

sobre o sentido do conceito de Biossegurança, se trata de uma normatização de um

pacote de medidas imposto aos alunos sem que eles tenham a oportunidade de

refletir.

As contribuições de Adorno e Freire para a compreensão da Educação

Estética, na prática docente, consistem na articulação de emancipação e autonomia,

para que se atinja o objetivo de formar alunos professores autônomos, conta-se com

a revisão das práticas pedagógicas tradicionais. Tais procedimentos suscitam a

formação profissional na área da saúde contrapondo-se à desumanização ocorrida

no cenário das Instituições de Ensino Superior (IES).

Assim sendo, a Educação Estética ocorre por meio da participação em um

procedimento importante de desenvolvimento, que auxilia os alunos e alunas-sujeito

a se tornarem conscientes de sua autonomia e emancipação na conjuntura da

contemporaneidade, proporcionando um olhar reflexivo, uma possibilidade de

romper com a educação bancária.

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A reflexão será concretizada a partir da análise das Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia. A análise documental será

utilizada como procedimento de coleta de dados. Será utilizado o enfoque

hermenêutico na perspectiva de Gadamer (2007), para a compreensão dos dados.

A descrição do material analisado abrangerá as referências importantes que

fundamentam a estrutura e o funcionamento dos critérios da Biossegurança, em

suas propostas de ações e intervenções. Faz parte do estudo a revisão bibliográfica

sobre Biossegurança, Bioética e Educação Estética.

Pretende-se organizar o estudo a partir da seguinte estrutura: no primeiro

capítulo, utilizou-se a narrativa autobiográfica escrita e oral, como caminho da

pesquisa-formação. A narrativa escrita é transformada em documento, como fonte

da própria trajetória pessoal e profissional, que permite pesquisar momentos de um

processo de autoformação, do individual construído no coletivo, compreendê-lo e

teorizá-lo como fonte de autoria desta pesquisa. Como metodologia da dissertação

será abordada com o enfoque da perspectiva hermenêutica num primeiro olhar para

a análise das DCN’s do Curso Superior de Graduação em Fisioterapia.

No segundo capítulo, aborda-se o conceito de Educação Estética e a prática

docente e analisa-se a evolução conceitual para apresentar a formação profissional

no campo da saúde, para a humanização do homem.

No terceiro capítulo, apresenta-se o caminho de reflexão visando à

compreensão da pertinência da adoção e cumprimento das DCN’s do Curso

Superior de Graduação em Fisioterapia da Biossegurança à Luz da Bioética nos

cursos de formação do profissional da área da saúde, cujas respostas podem estar

nas reflexões sobre o entrelaçamento entre a prática do docente e a Educação

Estética.

Assim busca-se a compreensão do conceito de Biossegurança, Bioética e

Ética como sendo um referencial adequado de melhorar a relação entre

profissionais, docentes e alunos, vinculado à compreensão da conceituação de

dignidade humana como princípio ético, conforme destaca Dussel (2000). Dentro

deste contexto é possível afirmar que a manutenção da dignidade humana do sujeito

tem, como consequência, a responsabilidade do profissional da saúde diante da

reprodução da vida.

16

1 A METÁFORA DO INFINITO”: A NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA COMO

CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

Este capítulo foi elaborado a partir da disciplina História de Vida: formação e

pesquisa, houve um aprofundamento dos aspectos teóricos e práticos da narrativa

autobiográfica como caminho da pesquisa-formação.

A narrativa da história de cada um são recortes de lembranças, fatos que

deixaram marcas e influenciam as tomadas de decisões dos sujeitos como pessoas

e profissionais. A fim de perceber essas marcas utilizou-se o conceito de “momentos

charneiras”, em Josso (2004) que são aqueles acontecimentos vividos que marcam

uma mudança, portanto, um “divisor de águas”, quando há uma transformação em

decorrência de uma aprendizagem, que resulta na mudança de referenciais de visão

de mundo.

A narrativa da história de vida do pesquisador foi um processo que teve como

ponto de partida fundamental a metodologia da Colcha de Retalhos, desenvolvida

por Berkenbrock-Rosito (2009) concretizada dentro da abordagem da pesquisa

(Auto) Biográfica, que suscitou um importante momento de reflexão sobre as

lembranças/recordações de situações vividas.

Nesta metodologia, a narrativa escrita é produzida utilizando-se do “Quadro

da linha da Vida”, buscando “os momentos divisores de água”, inspirados nos

“momentos charneiras”, em Josso (2009) que fazem parte do processo de formação.

O Quadro Linha da Vida consiste em ter foco nas categorias de espaços e tempos,

as subcategorias vida familiar, escolar/acadêmica, profissional, pessoas,

professores, livros, filmes, relações amorosas, deslocamento geográfico, buscando,

no percurso de vida da pessoa, no fazer o mapeamento dos momentos “divisores de

água”. A narrativa escrita é transformada em documento, como fonte da própria

trajetória pessoal e profissional, que permite pesquisar momentos de um processo

de autoformação, do individual construído no coletivo, compreendê-los e teorizá-los

como fonte de autoria desta pesquisa.

Assim como conduziu à compreensão da narrativa autobiográfica e

autoformativa por meio da narrativa escrita, oral e pictórica, foi essencial recorrer à

hermenêutica, como instrumento que possibilitará o entendimento de diversas

possibilidades de ler, compreender e perceber o mundo. A hermenêutica é um

17

recurso de suma importância para que se possa recuperar o sentido da experiência

de um percurso formativo.

Por fim, apresenta-se a hermenêutica, na perspectiva de Gadamer, elegendo

o conceito de compreensão do círculo hermenêutico, dentro do qual há um

movimento rotacional entre uma parte do texto e seu significado total, que

fundamenta a hermenêutica filosófica para estudos das Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.

1.1 História de Vida: Momentos charneiras

Vale, neste contexto, destacar que Josso (2008) observa que ao identificar

“momentos charneiras” possibilita a identificação de si, os quais caracterizam a

distinção dos momentos transformadores dos referenciais vividos, para que durante

sua compreensão haja uma transmutação da vivência em experiência formadora,

um movimento “para uma compreensão que libera criatividade em nossos contextos

de mutação sociais e culturais”. (JOSSO, 2008, p. 25)

O percurso é material empírico, que necessita ser averiguado através de uma

investigação científica que envolve pesquisa e formação no processo de analisar,

compreender, interpretar a aprendizagem que vem da narrativa de vida, que é

transformada em conhecimento para a compreensão da educação e a reflexão

crítica sobre a formação profissional no Curso de Fisioterapia.

A exposição da história sob dois aspectos: o primeiro refere-se às reflexões

passíveis de exteriorizações, ou seja, aquilo que desejo partilhar com o outro. O

segundo diz respeito ao que não se consegue externar, assemelha-se a uma linha

tênue entre os movimentos de reflexões suficientemente amadurecidas e, as que

não estão ainda, percebê-los é importante para cuidar daquilo que se quer

preservar.

1.1.1 A cicatriz em sala de aula

A narrativa autobiográfica encontra o seu sentido desde que se compreende

que: “nós não fazemos a narrativa de nossa história de vida porque temos uma

história, temos uma história porque fazemos a narrativa da nossa história de vida”.

(DELORY-MOMBERGER, 2009, p.9).

18

O primeiro momento charneira, a cicatriz da sala de aula e o defeito

congênito. A classe fazia leitura em voz alta e era sabido que a Professora Suzete,

de Língua Portuguesa e de música da 4ª série, pediria para o aluno que sentava

atrás continuasse a leitura. O próximo aluno sempre aguardava a sua vez com muita

apreensão. Era comum quando eu estava a ler, ouvir risadas, gargalhadas, no

pronunciamento da quarta palavra. Os colegas de classe, meninos e meninas,

pediam a professora para que eu parasse de ler. Diziam eles que nada entendiam e

que era muito engraçada a minha voz.

A Professora Suzete, olhando-me com ternura, pediu silêncio, para que

continuasse a leitura e eu prosseguia, porém meu rosto queimava de tanta

vergonha, as palavras saiam cada vez mais baixas e lentas. A professora insistia:

“Leia com voz mais alta pois!”; Para que eu pudesse ouvir minha própria voz.

Na época eu ainda não tinha consciência da forma como falava, e até mesmo

minha irmã mais velha disse-me que falava diferente. Para que eu pudesse resolver

esta incógnita, gravei a voz, em uma fita cassete. Ao ouvir minha voz, senti uma dor

enorme. Era uma voz fanhosa, tortuosa e medonha. Foi possível compreender meus

colegas, o motivo do riso. Eles estavam certos. Chorei muito abraçado à minha irmã,

que me consolava e acenava um futuro melhor assim como fazia minha mãe.

Era uma tortura ir à escola. Nos intervalos ouvia os apelidos: “boca rachada”,

“boca torta”, “defeituoso”. Diziam uns que sentiam nojo, outros, pena!; Alguns

chegavam a me agredir fisicamente, enquanto implorava a minha mãe para que me

tirasse daquele colégio. Ela dizia “Seja forte!”; Ela tinha a esperança de que o

tratamento com a fonoaudiológa, três vezes por semana, seguido de cirurgias fariam

com eu me tornasse igual a todos.

Tornei-me uma criança triste, tímida, calada e sempre com a mão tampava a

boca. Sentia vergonha de mim mesmo, não era do problema, apenas medo dos

outros. Estudava muito, sempre estava com os livros, tinha um propósito que se

tirasse boas notas nas provas, logo sairia da escola.

Quando tinha nove anos, fiz três cirurgias. O pós-operatório exigia mais de

um mês ingerindo apenas alimentos triturados, coados e passados por um pano

para extrair qualquer fragmento sólido, pois não poderia haver nenhum fiapo de

comida, o que poderia gerar uma infecção nos pontos e acarretar uma nova cirurgia.

No final daquele ano, houve uma festa de encerramento, na escola. No dia

anterior, a professora Suzete pediu para que ninguém faltasse, pois faria uma

19

homenagem a alguém muito especial. A professora Suzete trouxe bolo, tortas e

doces. Havia música de criança. Todos comiam! Corriam! Brincavam!; Apenas eu

permanecia quieto no canto. A professora Suzete chamou todos. Hora de cortar o

bolo. Antes, porém, ela disse o seguinte:

“Queridos alunos foi um imenso prazer ensinar vocês neste ano. Tenho

certeza que nunca me esquecerei da turma da quarta série do período da manhã de

1988.” Em seguida, ela ofereceu o primeiro pedaço do bolo para mim. As crianças

riam, novamente, o meu rosto pegava fogo. A professora pediu silêncio. Contou

emocionada para a classe a história do garoto que todos riam. Disse que era um

menino muito especial e que todos deveriam sentir orgulho de ser meu amigo. Dizia

que nem sempre eles teriam a chance de passar por uma situação tão linda.

Em seguida, ela perguntou ao Guilherme, o garoto que mais me atormentava:

“Alguma vez interessou-se em saber porque ele fala assim tão engraçado? O colega

de vocês nasceu com um problema que se chama: lábio leporino. É uma má-

formação congênita, seus lábios nasceram abertos, não tinha céu da boca e

garganta. As pessoas que nascem com este tipo de anomalia possuem faces

assimétricas devido a fissura no lábio que se estende internamente pelo nariz. Além

disso, carregam consigo distúrbios da fala sendo o mais comum a voz anasalada

(fanha).”

Todos ficaram espantados e eu encolhia-me cada vez mais. Afinal, a voz

anasalada foi até o final do ensino fundamental, motivo de bullying, ou seja, sofria

atos constantes de violência psicológica por parte de colegas de turma, que

causavam dor e angústia, levando-me a desenvolver um complexo de inferioridade.

Passava a maior parte do tempo encolhido, calado e sempre com a mão na boca

com objetivo de escondê-la.

A professora continuava: “Ele já passou, nestes nove anos, por vinte cirurgias

construtivas e corretivas e passará por outras. Por isso, ele fala com dificuldades. Às

vezes, ele falta, para ir até Bauru, cidade do interior do estado de São Paulo, para

tratar do problema com médicos especialistas. Portanto, em vez de ficarem rindo,

vocês deveriam se aproximar e trocar experiências e entender que as diferenças

devem ser compreendidas como parte de um processo de amadurecimento para um

bom convívio em sociedade. Apesar de tudo isso, ele foi o primeiro aluno da classe!”

Ela parabenizou-me e entregou um diploma de primeiro aluno da classe a mim.

20

Os alunos aplaudiram. Todos vieram me abraçar! Alguns estavam meio

tímidos outros, curiosos, perguntavam se as cirurgias eram doloridas. Um colega

mencionou que seu pai tinha um avião e pediria ao mesmo para levar-me até Bauru.

A partir daquele dia, ninguém mais me desrespeitou ou permitiu que alguém o

fizesse. O gesto da professora provocou em mim o desejo de ser professor, pois

percebi a importância do papel do professor em tornar os lugares e as pessoas mais

humanizados.

Apesar de cinquenta e quatro, a cicatriz é a História de meu esforço e de

minha mãe em superar o problema de má-formação congênita. Atualmente, o que

mais me deixa feliz é a sala de aula. A possibilidade de construir conhecimento e

saberes com os alunos. Não podemos escapar dos fantasmas, encará-los é o

melhor caminho, para fazer do fantasma a alma da pessoa, do docente, do

profissional.

1.1.2 A escolha profissional

O segundo momento charneira: a decisão de ser fisioterapeuta. Enquanto

vivia, aos 18 anos, o conflito da escolha do curso universitário, minha mãe teve uma

doença que a deixou, sem movimentos, por um ano. Foram seis meses no hospital e

seis meses em casa acompanhada do serviço de home-care, que era composta por

uma equipe multidisciplinar de médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos e

nutricionistas. Em nenhum momento saí do lado de minha mãe e vê-la recuperando

seus movimentos progressivamente com a ajuda da fisioterapia foi uma alegria

incondicional.

No ano seguinte, 2001, ingressei no Curso de Fisioterapia. Em 2004, com 23

anos, já estava no último ano do curso, porém, até aquele momento, não havia

trabalhado. Além de estudar, pretendia fazer estágios, uma possibilidade de aplicar

toda a teoria aprendida em três anos. A prática não era com papéis, números ou

coisas, mas, com pessoas reais, com histórias de vida, às vezes, marcadas por

sequelas físicas. O profissional ouviria seus relatos, suas dores, seus medos e

expectativas de até mesmo voltar a andar através das mãos do fisioterapeuta.

Ao refletir sobre a cena marcante no estágio, é possível perceber que a

relação com o conhecimento adquirido, ocorreu, em muitos momentos, de forma

obediente e regrada, afinal, em várias situações, era invadido por uma sensação de

21

inferioridade diante de alguns professores, prepotentes e donos da verdade. Em

outros casos, como por exemplo, professores que eram acessíveis, havia uma

proximidade com o aluno, era uma relação de admiração e esse sentimento

provocava um maior interesse por aquela disciplina.

1.1.3 A transição de aluno em pesquisador

O terceiro momento charneira foi a transição do aluno em pesquisador,

preocupado com questões sociais e éticas, fiz um estágio extracurricular voluntário

na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM), um lugar para atender

crianças com distrofia, proporcionar aos distróficos o máximo de independência

dentro de suas limitações. Esta experiência foi tema de minha monografia, sob a

orientação da Profa. Ms. Maria Clariane Berto, com quem aprendi a importância da

pesquisa e da responsabilidade social, em consonância com Paulo Freire: "É porque

eu amo o mundo que luto para que a justiça social venha antes da caridade".

1.1.4 Profissional fisioterapeuta e docente no Curso de Fisioterapia

O quarto momento charneira: uma mutação do profissional fisioterapeuta em

docente, no Curso de Fisioterapia. Neste momento, surgem questionamentos da

prática docente como relação pedagógica, em sua tridimensionalidade: conteúdo,

professor e aluno, nos processos de formação, ensino e aprendizagem. Foi a

necessidade de compreensão do sistema pedagógico como docente que me levou a

buscar o Mestrado em Educação, na UNICID.

1.1.5 A arte de reinventar-se como pesquisador: uma experiência de

transformação pessoal e profissional

Durante o Mestrado em consonância com o projeto de pesquisa da

orientadora deste estudo, com bases nos referenciais teóricos, compreendi com

relutância que a Estética está na relação de sujeitos com outros sujeitos, com o

ambiente, com a arte, com a literatura, com documentos, com discursos. Sua beleza

se manifesta tanto para um gostar como para um não gostar, essa experiência

22

estética, quando exteriorizada por uma reflexão na tentativa de explicar o que nos

provoca a beleza tanto no belo como no feio, constitui uma Educação Estética.

Refletindo sobre esse novo olhar o pesquisador deste trabalho iniciou um

atendimento fisioterápico a um senhor de 56 anos, vítima de um Acidente Vascular

Cerebral leve (AVC), com quadro de hemiparesia à direita, melhor dizendo, este

cliente possui um comprometimento leve de toda a musculatura de membros

inferiores e membros superiores do lado direito de seu corpo.

Antes de realizar o Mestrado, o pesquisador como profissional entraria na

casa deste cliente com foco no trabalho técnico realizaria uma anamnese com o

cliente para compreender quais as suas limitações e, a partir daí, traçar um

tratamento fisioterápico para proporcionar o máximo de independência dentro de

suas limitações com objetivo principal de melhorar sua qualidade de vida.

Após deparar com os saberes aprendidos com o Mestrado, sobre a Educação

Estética, a busca pela importância da arte na formação pessoal e profissional, vivia a

angústia que esse saber não se encaixava com o saber técnico do profissional

fisioterapeuta. Entretanto, quando entrei na casa desse cliente, deparei-me com um

piano exposto na sala, logo a esposa do cliente me levou até o quarto que estava ali,

numa manhã linda de sol, deitado em sua cama, de pijama com um olhar triste e

desesperançoso. Durante a anamnese, como de praxe, perguntas sobre a profissão

e o hobby do cliente foram feitas, o mesmo relatou que era administrador de

empresas agora aposentado e que em seu tempo livre gostava de estudar partituras

para tocar seu piano. O mesmo ainda relatou que sabia muito bem sobre sua

doença e que suas chances de curas eram remotas e que a fisioterapia teria o papel

de manter o seu quadro evitando pioras. Diante disto ele mencionou que sua vida e

seus sonhos estavam acabados e percebia que daquele momento em diante tudo se

resumiria em ficar na cama ou no sofá.

No trajeto de volta da casa do cliente, pensando em quais técnicas utilizaria

para proporcionar mais independência diante do seu quadro, houve um insight uma

transformação no meu olhar para o trabalho técnico, advindo de minhas leituras e

reflexões sobre a importância da estética, um gostar do piano emergiu, como uma

experiência estética, levou o pesquisador a refletir sobre este sentimento. Neste

momento foi achado o ponto gatilho, e porque não afirmar que ocorreu um momento

charneira para o pesquisador e para o cliente, naquele momento, a teoria da

Educação Estética através do jogo lúdico, da união do sensível (aqui um sentimento

23

de dó daquele cliente que tinha uma vida ativa e agora perderá tudo) e do racional (o

dever de através das técnicas aprendidas na faculdade garantir mais qualidade de

vida a ele), eu percebi através da arte, daquele instrumento musical, o piano, a

possibilidade da união da teoria da Educação Estética na prática profissional pelo

caminho da arte para desenvolver naquele cliente autonomia e emancipação diante

do seu quadro.

Durante o segundo atendimento fisioterápico, perguntei ao cliente se ele não

tinha vontade de voltar a tocar música em seu piano, o mesmo disse que sim, mas

sabia que era impossível diante de suas limitações e que estava inclinado a vender

o instrumento musical, pois olhar para ele todos os dias o deixava cada vez mais

triste. Neste momento solicitei ao cliente se havia possibilidade dele me mostrar o

piano e explicar como o mesmo funcionava e com um olhar espantado o cliente

perguntou, mas agora no meio da fisioterapia e eu disse sim, pois no trajeto do

quarto até a sala aproveitaríamos para realizar exercícios para melhorar o seu

equilíbrio e consequentemente sua marcha.

Ao chegar próximo do piano o cliente relatou um sentimento de medo e

frustração, mesmo assim ele contou sobre a história daquele instrumento e de

quando começou a estudar para tocá-lo, era possível perceber que por vários

momentos ele sentiu vontade de chorar, mas se conteve.

Perguntei ao cliente se haveria algum incômodo se eu me sentasse ali para

tentar tocar o instrumento, o mesmo disse que não havia problema e que poderia

fazê-lo, ao sentar em frente ao piano perguntei como fazia para abrir o

compartimento das teclas, e para minha surpresa ele não explicou, se inclinou e

mostrou como que abria a caixa. Quando aberta a primeira coisa que relatou foi que

as teclas do piano estavam cheias de pó e que quando ele tocava isso nunca

acontecera, pois ele mesmo se encarregava da limpeza e da afinação do

instrumento.

Logo comecei a dedilhar o teclado do piano intencionalmente somente com a

mão esquerda, o cliente na terceira ou quarta nota tocada falou, coloque as duas

mãos sobre o teclado, pois desta forma o som saí melhor, eu disse que como aquele

era o primeiro contato que tinha com aquele instrumento me sentia mais seguro

utilizando somente uma mão. Neste instante, o cliente olhou fixo para mim e sem

titubear falou, você está tentando me mostrar que eu posso tocar o meu piano

mesmo com a doença que tive, respondi que sim e que além de voltar a tocar com

24

uma mão só ele poderia limpar e afinar o instrumento como sempre o fizera e que

daquele dia em diante todas as sessões de fisioterapia seriam voltadas para que ele

voltasse a tocar e cuidar do seu piano.

Em meio ao um sorriso no rosto, o cliente disse que havia uma música que

ele gostava muito e que era tocada somente com a mão esquerda e me perguntou

se gostaria de ouvir, o mesmo disse que adoraria, então ele pediu para que eu o

ajudasse a sentar em frente ao piano, ao sentar em frente ao instrumento ele ainda

com um pouco de dificuldade para equilibrar o tronco disse : “vamos ter que

melhorar o meu equilíbrio com a fisioterapia, pois se vou voltar a tocar preciso ter

postura”. Eu com um sorriso no rosto argumentei que havia exercícios ótimos e

quem em pouco tempo ele teria equilíbrio de tronco para tocar sem que alguém

tivesse que ajudá-lo.

O cliente pediu para que pegasse suas partituras e o ajudasse a manter o

equilíbrio do tronco e disse que a peça que tocaria se chamava “Polca-tango” e era

tocada com a mão esquerda, pois quem a criou era canhoto, e ele a tocou no início

meio tímido, parou umas duas vezes, respirou fundo e tocou a peça toda, ao final,

em meio às lágrimas que, não conseguiu conter, disse-me: “você trouxe luz à minha

vida, a música acalenta a alma e respira vida”.

No terceiro atendimento ao chegar à casa do meu cliente, já o encontrei

sentado na sala, vestido sem o pijama e com uma alegria em seu olhar. A partir

daquele dia todas as sessões fisioterápicas estavam voltadas para solucionar

dificuldades que ele relatava com o piano.

Esta experiência mostra que a arte, no caso a música, trouxe ao cliente a

possibilidade de se reinventar, proporcionado através da criticidade a possibilidade

de desenvolver a sua autonomia, trouxe ao fisioterapeuta a possibilidade de sua

reinvenção como profissional ao articular a arte com o saber técnico.

Quando falamos do ensino cartesiano fundamentado em técnicas relacionado

ao tratamento de doenças, o primeiro sentido é o de castração, ou melhor, cria-se

um paradigma que os atendimentos fisioterápicos devem ser executados pura e

simplesmente através das técnicas para cada tipo de doença. Entretanto queremos

com esta reflexão nos posicionar que a aprendizagem e o domínio das técnicas são

importantes para tratar um cliente, mas não devem ser únicos, pois somos seres

criativos e se dominamos as técnicas podemos a partir delas desenvolver outras

maneiras de tratar os clientes.

25

Condenar o aprendizado de técnicas defendendo que as mesmas

impossibilitam os profissionais de se tornarem autônomos seria o mesmo que

afirmar que a Educação Estética, que não deixa de ser uma técnica para o

desenvolvimento da autonomia de profissionais e docentes fisioterapeutas, também

limita os sujeitos, pensando assim entendemos que esta pesquisa perderia todo seu

valor. Portanto acreditamos que o domínio de técnicas são essenciais, contudo não

devem caminhar sozinhas, e sim agregadas aos conhecimentos adquiridos ao longo

de uma educação continuada. Neste sentido, o autor desta pesquisa cita um

exemplo real da importância do domínio de técnicas associado a outros saberes, no

caso a Educação Estética.

Portanto, é essencial ressaltar que a transformação é condição de abertura

para as outras possibilidades de atuação profissional. Para tal, é necessário quebrar

a cultura da educação bancária que só vê sentido naquilo que tem uma aplicação

imediata. Nesta perspectiva, buscar seu próprio caminho é sempre interpretado com

desconfiança. Com isso, o sujeito se aprisiona na fantasia de que só conhecimento

técnico científico autorizado é o que legitima a formação profissional.

Entretanto, a formação integral é uma necessidade diante da vida real, o

cliente não segue o roteiro estabelecido por tais conhecimentos, afinal a

competência profissional é um processo de conscientização de si. Neste processo

tão complexo não existem regras, ironicamente, este caso não pode ser uma regra,

em outro cliente com características semelhantes talvez não houvesse o mesmo

sucesso.

1.2 A somatória de acontecimentos: os nós na compreensão da identidade do

docente, profissional e pesquisador

Figura 1: O infinito da história tecida em retalho. Fonte: Gilmar Talarico e Silva.

26

A metáfora do infinito emergiu da história escrita tecida em retalhos,

traduzindo-o na valorização da história vivida, a construção da identidade de ser

professor, fisioterapeuta e pesquisador que proporciona a narrativa autobiográfica. A

exteriorização da história de vida, em diferentes formatações (escrita, pictórica ou

oral), é uma somatória de acontecimentos que produzem uma história singular.

Nesse sentido, a história baseada em recortes, de tempo e espaço, momentos que

marcaram, positivamente ou negativamente, é constituinte da formação e da

autoformação da trajetória de vida dos sujeitos.

A narrativa da própria trajetória é um processo de produzir histórias sobre si mesmo; por meio dele, descobre-se a própria maneira de compreender o mundo, o outro e a si mesmo. Há um encontro de histórias de infância, da família, da comunidade, da formação, que estão ocultas e esquecidas no momento presente do indivíduo adulto. Estas histórias precisam de atenção. Assim, é essencial que o professor reconheça e pesquise sobre como foi produzido e como produziu a história que lhe habita. (BERKENBROCK-ROSITO, 2009, p. 4).

A história vivida é o que cada sujeito experimenta em seu cotidiano de

maneira singular, os acontecimentos, ações interativas e iterativas, reedificam-se a

cada interpretação da história, portanto, a narrativa é indefinidamente retomada e

revista, pois sempre há história para contar e recontar. As amálgamas infinitas da

história de vida podem e devem ser escritas e reescritas para se compreender como

sujeito na contemporaneidade.

Nesse sentido, não é tanto a história da vida reconstruída que importa em si, mas sim o sentimento de congruência experimentado entre o eu - próprio e o passado recomposto, a impressão de conveniência que essa história toma para mim no aqui e agora de sua enunciação. Ela é a história que eu me atribuo e na qual eu me reconheço, é a que me convêm e à qual eu convenho, a versão ‘suficientemente boa’ que eu me dou da minha vida. (DELORY-MONBERGER, 2006, p. 361).

Esse processo de debulhação do acervo de momentos charneiras permite dar

sentido às palavras escritas que vividas se constituem parte da experiência vivida do

pesquisador para compreensão do que foi formador em sua própria história de vida.

A compreensão da singularidade, de ser pesquisador e docente, atribui

sentido às suas próprias experiências no próprio processo de narrar, quando estas

interrogam-nos, há um fornecimento de sentido, a construção de outra

representação de si, e ao passar por esta experiência ocorre uma transformação

27

(LARROSA, 2002). A narrativa traz à tona momentos de experiências formadoras,

advindas de situações de aprendizagem, momentos de transformações.

Falar das próprias experiências formadoras é, de certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade temporal do nosso ser psicossomático. (JOSSO, 2004, p. 48).

Do processo narrativo, houve o encontro de cinco momentos charneiras, que

no estudo de Josso (2006) “Figuras de ligação nos relatos de formação”, foi possível

perceber que é uma história envolta na metáfora de laços e nós de marinheiro,

enraizados pelos nós de pescador, o nó de atracação, uma trama de fios torcidos

que permitem amarrar uma embarcação, permitindo efetuar paradas e, seguir a

viagem. Já os nós enforcado e górdio estão relacionados aos laços que não podem

ser desatados, laços de parentesco e representam nós e laços que ligam momentos

e situações de nossa existência pertencentes a um espaço e tempo, distantes ou

próximos, que apresentam recorrências.

A tentativa do uso dessa metáfora é dar a perceber que a ligação é, ao mesmo tempo, o que dá uma sustentação, que prende e que mantém uma relativa estabilidade, que permite o movimento em um perímetro definido, mas também o que impede sair desse perímetro, o que entrava, o que pode ficar machucando quando se tenta a liberdade sem consegui-la, o que se desfaz mais ou menos facilmente para encontrarmos a liberdade de movimento. (JOSSO, 2006, p. 373).

O nó górdio relaciona-se aos laços que não podem ser desatados, os

familiares. Portanto, meus laços de parentesco foram os responsáveis pelos sonhos,

pelas criações, pela formação de meu caráter, da ética, tendo como princípio a

responsabilidade, características bastante representativas em nossa família.

Meus pais acreditavam que através dos estudos seria possível conquistar

objetivos e melhorar de vida. A capacidade de sonhar e criar foi aprendida com

minha avó materna, uma excelente contadora de estórias, porque enquanto ela as

contava, eu ficava imaginando as pessoas, os lugares e as cenas, se eram reais ou

fictícias, apenas importava a capacidade de criar e sonhar.

Essas relações podem ser equiparadas com o nó de espia, cujo significado

ilustrado por Josso (2006) evocam relações relativamente equilibradas e mesmo

com o passar dos anos permanecem intactas.

28

A edificação da própria narrativa é um prognóstico da transformação do

sujeito que através da valorização da história vivida, estabelece com autonomia uma

nova ligação com o saber: “a conquista de identidade pessoal, situada social e

historicamente.” (DURAN, 2009, p. 33).

Trata-se dos caminhos percorridos da arquitetura da identidade profissional,

do ser docente e fisioterapeuta. Portanto, a compreensão dos elos de angústias,

medos, tropeços e realizações. Enfim, sentimentos e situações que tornam o

profissional, um processo de autoformação em permanente transformação,

construindo e desconstruindo, um modo de pensar, agir e fazer.

Pensar, sentir, criticar, refletir, intuir, criar são valores estéticos e éticos, que permeiam a formação humana do profissional, como sujeito e ser criativo a busca da originalidade de sua singularidade é incessante. Ninguém pode renunciá-la. É o que move o sentido da existência do ser humano. (BERKENBROCK-ROSITO, 2010, p. 48).

A somatória dos acontecimentos conduz à compreensão da construção da

identidade pessoal, profissional e social. Dubar (2009, p. 60) defende que a

“construção da identidade pessoal” é um processo intrínseco, efêmero e em

constante construção, que está fincado na relação da edificação da identidade

pessoal e das formas identitárias, associadas ao terreno “societário” e aos vínculos

pessoais (familiar), do trabalho (profissional) e político religioso (social).

Os momentos charneiras podem ser entendidos como mínguas, ou seja,

durante as dificuldades passadas em momentos vividos o sujeito precisa transgredir.

Considerando os já apresentados, através da superação surge a vontade de ser

docente, de aprender um ofício, no caso, ser fisioterapeuta, pesquisador e mais

tarde um docente mais humanizado.

Para encarar seriamente o que aparece frequentemente como uma catástrofe, seria preciso poder mudar de referências, de modelos, de crenças, de valores, mudar-se “a si mesmo”. Para enfrentar isso, seria preciso “requestionar tudo”, resignar-se a perder aquilo a que a gente se apega há tanto tempo e que acaba de ceder... Melhor renunciar a isso. (DUBAR, 2009, p. 198).

As identidades contemporâneas precisam ser revistas, num processo infinito,

pois somos desafiados o tempo todo nos processos laborais, em relacionamentos

familiares e principalmente na maneira de agir frente às novas exigências sociais.

Conforme esclarece Dubar (2005) o trabalho exercido pelo sujeito é visto como fator

29

que participa dos processos de sua construção identitária, que não são estáticos,

mas sim infinitos, e se adaptam ou readaptam na medida em que os sujeitos

vivenciam novas experiênciais.

Essa quase rotina da descontrução/construção, muitas vezes, é encarada

como uma crise que se dá com o movimento das identidades na tentativa de se

adaptar às situações que transcorrem no cotidiano que, de acordo com Dubar (2005)

recebe o nome de “crise das identidades”.

Elas tocam amiúde no que há de mais profundo e mais íntimo em sua relação com o mundo, com os outros, mas também consigo mesmo, que é também a mais obscura. Pois o “si mesmo” assim agredido, às vezes humilhado, faz sofrer, sente-se órfão de suas identificações passadas, ferido em suas crenças incorporadas, envergonhado muitas vezes dos sentimentos dos outros em relação a “si mesmo”. Essas crises são identitárias porque perturbam a autoimagem, a auto-estima, a própria definição que a pessoa dava “de si para si mesmo.” (DUBAR, 2009, p. 197).

O referido autor ainda esclarece que estas crises identitárias acompanham

todo o decorrer da existência, mesmo no futuro, porque ela tornou-se incerta e as

possibilidades cada vez mais diversificadas.

1.3 Análise documental: uma compreensão hermenêutica sobre o estudo

Sob o pilar de que a mudança é constante, podemos afirmar também que

educação é infinita e por isto está em constante processo de construção, cabe a nós

pesquisadores realizarmos pesquisas com intuito de aprimorar o que já é sabido, se

apropriar de conhecimentos desconhecidos ou ainda produzir novos conhecimentos.

A metáfora do infinito está na possibilidade infinita de leituras, de perguntas e

respostas para os que buscam participar dos seus jogos e tentam ver novamente o

“não dito” no dito de obras (livros, pinturas, partituras) que levam em sua passagem

histórica, leituras, reconhecimentos, críticas e repercussões na busca de um novo

sentido.

Desta forma, pode-se contar com a hermenêutica a fim de interpretar,

traduzir, explicitar e compreender, o que demanda:

a consciência de que nossa compreensão depende da linguagem que se realiza no diálogo que somente no encontro com outras pessoas que pensam de outra forma podemos superar nossos próprios horizontes interpretativos. (HERMANN, 2002, p.60).

30

Sendo assim, o pesquisador produz sentidos a respeito do estudo do tema, e

ao produzir e ampliar sentidos produz um conhecimento e um saber ler o dito e o

não-dito, relacionar parte e todo, a compreensão se dá na totalidade da dissertação,

oferece um saber ser pesquisador.

O enfoque hermenêutico aplica-se à compreensão de textos escritos ou de

qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento. O

objetivo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo dito

ou não, as significações explícitas ou ocultas.

Para Gadamer (2000) a arte de interpretar na hermenêutica filosófica está em

criar situações de equilíbrio na compreensão de um texto, mesmo que não o

dominando totalmente, se faz o pensar e o conhecer para realizar sua compreensão.

Esta interpretação não necessita estar de acordo com o que ou quem se

compreende, e sim, apenas pensar e ponderar o que o outro pensa, sendo que este

caminho vai da palavra ao conceito, para a descoberta do conceito à palavra para o

alcance de uma compreensão racional do texto, com objetivo de delatar e desnudar

a pseudo primazia do conceito.

Compreender não é, portanto, uma dominação do que nos está à frente, do outro e, em geral, do mundo objetivo. Pode até também se compreender, que se compreenda para dominar. Assim, é também natural a vontade de dominação dos homens sobre a natureza, o que, de fato, torna possível a nossa sobrevivência. (GADAMER, 2000. p. 23).

Flickinger (2000) afirma que a hermenêutica tem como pressuposto a

descoberta do processo de instauração do sentido, cuja origem remete à relação do

sujeito com o mundo. Afinal esta experiência hermenêutica abrange algo que se está

além do apresentado claramente nos conceitos teóricos, sem, entretanto, renunciar

à pretensão de validade enquanto saber. O autor ainda esclarece que

Enquanto interpretação, portanto, a “hermenêutica filosófica” tenta lembrar à racionalidade moderna os seus fundamentos na experiência pré-lógica. Tenta lembrá-la, assim, daquela tradição do saber humano que, à base de um conceito muito mais amplo de filosofia, acusa as ciências objetivadoras de exibirem uma postura de dominação ilegítima. A verdade da hermenêutica consiste, portanto, na redescoberta dessa tradição de pensamento, a qual confia mais na experiência da interpretação e no reconhecimento do estranho, do outro enquanto tal, do que na subsunção da realidade vivida às delimitações impostas pela lógica conceitual. (FLICKINGER, 2000. p. 30).

31

Desta forma, aquele que interpreta precisa ter consciência de buscar o

sentido do texto e não aquilo que se supõe que o autor disse, já que infinitos são os

sentidos de toda frase pronunciada. Cada um precisa fazer o esforço de interpretar e

compreender o sentido da frase no contexto.

Compreender, para Gadamer, é um movimento que vai da palavra ao

conceito e do conceito à palavra. A compreensão, para Gadamer (2007) é um

processo de abertura de horizontes, para encontrar no texto o sentido de algo que

diz por si mesmo. Para o autor, toda compreensão tem caráter de aplicação, isto é,

há uma pergunta que o texto quer responder. Os conteúdos de sentido se

apresentam como algo presente no texto e que necessita ser descoberto. O

procedimento hermenêutico pode enriquecer nossa bagagem, o gnosticismo, assim

ampliando nosso horizonte do mundo (GADAMER, 1998).

Gadamer evidencia o conceito de fusão de horizontes em sua hermenêutica

na discussão da problemática da verdade histórica e da possibilidade de

compreensão do passado, de maneira que somos inseridos na tradição, ressaltando

que não há espaços fora dela para que possamos fazer críticas. Incorporados nessa

tradição, cada um de nós, e cada cultura em particular, tem o seu horizonte, ou seja,

tem um ponto de vista através do qual pode ver o mundo.

Este horizonte, diverso em cada época e cultura, está arraigado na tradição,

mas não selado a ela com propósito de reproduzi-la, pois cada cultura, em geral e

em suas peculiaridades, na medida em que se insere na cultura, constrói uma

perspectiva de mundo. Esta não é fixa ou estanque, mas algo em constante

mutação, por um processo de expansão.

Na perspectiva de Gadamer, deve-se considerar a particularidade de cada

horizonte dentro do que se concebe como a “fusão de horizontes” como um objetivo

a ser sempre perseguido e como um projeto sempre inacabado. Sem conceber a

ideia de fusão de horizontes, a compreensão do passado estará comprometida, pois

o entendimento se dá pela aproximação de horizontes separados inclusive pelo

tempo, como esclarece Lawn (2011).

Compreensão não significa necessariamente estar de acordo com o que ou

quem se compreende, mas pensar e ponderar o que pensa o outro, isto é, os

autores e teóricos da educação, desdobrando-se o estudo em explicitações de

conceitos, interpretações e apreensões. O falar acontece no diálogo em que é

possível a comunicação e a compreensão, constituindo-se o movimento dialógico da

32

construção de sentidos.

Lawn (2011) ainda destaca, em sua obra intitulada Compreender Gadamer,

a preocupação de que os termos interpretação e hermenêutica sejam tratados como

sinônimos e que essa confusão pode ter sido iniciada devido à origem da palavra

hermenêutica que deriva do verbo grego hermeneuein, que significa interpretar. Com

o uso de uma metáfora em que Hermes (que deriva de hermeneuein) um

mensageiro dos deuses gregos que fazia o papel de transmitir as mensagens destes

aos mortais, a partir desta idéia foi criada a hermenêutica, ou seja, “a arte de

interpretar” com seus próprios procedimentos e técnicas. Desta forma, inicialmente a

hermenêutica teria o papel de proteger e de, concomitantemente, revelar a

mensagem dos acontecimentos.

Essas mudanças parciais e a mudança no todo, é conhecida como Círculo

Hermenêutico. Nesta perspectiva, buscar os conceitos elaborados por autores é

abordar o tema na sua exterioridade. Ao refletir sobre o que cada autor significa para

o sujeito é abordar o que tem na interioridade do pesquisador.

Assim é possível comunicar a compreensão e a interpretação do conceito,

valendo ressaltar que a comunicação ocorre não só pela linguagem escrita,

sobretudo, pela linguagem metafórica, simbólica, músical, para comunicar a

compreensão do conceito da palavra de cada pesquisador.

A primeira regra da hermenêutica é estudar textos, imagens, filmes,

fotografias no contexto em que foram produzidas, analisando a intencionalidade do

autor, que é o retrato de sua época. Além disso, faz-se necessário perceber o

sentido e significado das metáforas utilizadas para fazer a crítica à época ou

reconhecer os avanços de sua época.

Deste modo, pode-se perceber a obra como uma experiência de ler

metáforas, imagens, imaginações, distanciando-se do lugar comum, das

interpretações óbvias e nem sempre consistentes, logo, as interpretações não

devem e não podem ser feitas às pressas, sem saborear.

Na Hermenêutica, a primeira interpretação ou compreensão é feita da pré-

compreensão, de pré-juízos, de pré-conceito. Aquele que interpreta precisa ter

consciência disso para esvaziar a sua mente e buscar o sentido do texto e não

aquilo que se suponha que o autor disse. Toda frase pronunciada tem muitos

sentidos e cada um precisa fazer o esforço de interpretar e compreender e

argumentar o sentido da frase no contexto.

33

Partindo deste princípio, a história não nos pertence, e sim pertencemos a ela

e na medida em que a interpretamos surge um modelo de como pensamos e

agimos, o passado não pode ser considerado como algo ultrapassado, pois os

mesmos estão repletos de saberes que com o uso da hermenêutica iluminam nossa

compreensão atual, para Gadamer esta é a ferramenta mais efetiva a disposição

para interpretarmos o Mundo (GADAMER, 2007).

Conforme elucida Lawn (2011), Gadamer, em sua obra Verdade e Método,

não tem como foco estabelecer uma base filosófica para conceituar a arte e nem o

belo, e sim, certificar-nos de que a mesma é uma forma de verdade sobre o mundo

e não um estado alterado do sentimento individual, demonstra que a arte é uma

maneira de interação às verdades fundamentais sobre o mundo e o significado do

que é ser humano e que a mesma é capaz de revelar verdades sobre nós mesmos.

Sendo assim, “ao aproximar a significação do belo com a verdade, seu intento

parece ser uma ampliação crítica da noção de estética moderna, em benefício da

experiência da arte como experiência de vida” (SILVA JUNIOR, 2005, p.193).

Gadamer estilhaça a interação entre sujeito e objeto, ou seja, a experiência

estética, em contato com a arte, transforma o ato de ver, pois ele deixa de ser

sensação singular para ser a articulação, pois de acordo com a fundamentação do

conhecimento do ser em relação a arte “algo se torna uma outra coisa, de uma só

vez e como um todo, de maneira que essa outra coisa em que se transformou passa

a constituir o seu verdadeiro ser, em face do qual o seu anterior é nulo” (GADAMER,

2007, p.166) gerando a verdadeira experiência, ou seja, a experiência da

historicidade do próprio sujeito. Neste ponto de vista,

analisar a dimensão da experiência estética no horizonte hermenêutico de Gadamer significa identificar as etapas de um procedimento que é paradigmático. Pensá-la, primeiramente como procedimento de crítica, destruição e recuperação e, posteriormente, como desenvolvimento de uma reflexão sobre seu modo de ser, como experiência de finitude essencialmente determinadas pela noção de consciência histórica e pela cifra de linguagem. (SILVA JUNIOR, 2005. p. 193).

O desafio da hermenêutica, ciência da arte de interpretar não só textos, mas

também todos os elementos da própria vida, constituindo-se numa batalha infinita de

compreender que cada interpretação é realizada a partir do que se sabe, e o que se

sabe muda, ou seja, está na desconstrução, na luta para encontrar o sentido daquilo

que foi questionado, para (re) construir o sentido que lhe é dado com o exercício da

34

hermenêutica. Para Gadamer (2000, p 19) “A hermenêutica é, muito antes, uma

visão fundamental acerca do que significa em geral, o pensar e o conhecer para o

homem na vida prática, mesmo se trabalhando com métodos científicos”. Desta

forma, é necessário permitir que o texto fale para que seja compreendido, pois o

mesmo não foi idealizado para que só o intérprete mostre o que pensa.

Em Gadamer, a hermenêutica assume uma tarefa crítica e não se restringe, como ocorria em outras épocas, a uma teoria ou metodologia de compreensão e interpretação da fala e do texto. Cabe-lhe determinar o verdadeiro sentido das ciências do espírito e a verdadeira amplitude e significado da linguagem humana. Verificar, também, que o fenômeno da compreensão perpassa não somente tudo que diz respeito ao mundo do ser humano, mas também o terreno da ciência, da filosofia, da arte, da história, seja como exegese, seja como método de interpretação e compreensão, seja como um aspecto universal da filosofia. (BRITO, 2007, p. 11).

Alicerçados na concepção de que um texto sempre tem algo a dizer, durante

sua compreensão não é exigido o esquecimento das opiniões prévias, contudo é

preciso que haja uma conscientização da necessidade de abertura para a opinião do

outro estabelecendo uma relação. A principal característica desse exercício é o

esforço para perceber em que medida o texto tem algo a dizer, não para confirmar

nossos pré-conceitos, mas para permitir que o texto fale em nós.

O experimento do exercício hermenêutico para encontrar “o sentido” num

texto empregando o círculo hermenêutico está na utilização de um apetrecho que vai

além de um desejo de saber tudo, e sim encontrar a sua própria realização, não no

conhecimento definitivo, mas nessa infinita chance do experimento estimulado por

ele próprio, afinal é correto afirmar que “quem sabe usar uma ferramenta não a

converte em objeto, mas trabalha com ela.” (GADAMER, 2007, p.382).

Com o exercício hermenêutico absorvido em Gadamer (2000) através da

escavação dos horizontes interpretativos, ou seja, escancarando esses horizontes

com o auxílio da narrativa autobiográfica e utilizando o círculo da compreensão

apoiado aos momentos charneiras, o olhar da hermenêutica sobre a formação do

profissional salta aos olhos. O autor desta dissertação se regozija pela compreensão

adquirida durante o processo de desconstrução de sua trajetória da história de vida,

partindo de momentos transformadores isolados para a relação do sujeito com o

mundo na busca do sentido, bem como a ânsia de ser professor, a escolha da

fisioterapia como profissão, a necessidade de se aprimorar através da pesquisa e o

ser docente de fato têm a sua base, ou melhor, o seu sentido num sentimento de

35

superação. Almeida (2000, p. 149) afirma que “A compreensão começa quando algo

nos chama a atenção. Esta é a principal das condições hermenêuticas”.

A hermenêutica idealizada por Gadamer (2007) apresenta em suas raízes

uma consideração por esta caminhada histórica e, a partir disso, busca repensar o

seu papel inserido na contemporaneidade, fazendo com que também seja uma

maneira construtiva de verdade frente à noção autoritária de fidedignidade edificada

pela ciência moderna.

O processo de interpretar é um aprofundamento da compreensão a partir do

conhecimento adquirido. Ao empregar a Hermenêutica para compreender as DCN’s

do Curso de Graduação em Fisioterapia, a leitura inicial deve ser feita

cuidadosamente aproveitando o saber já adquirido até o presente momento. Se algo

no documento chamar atenção, seja por sua singularidade ou por sua estranheza, é

preciso atingir um nível mais profundo de entendimento o que exigirá pesquisas,

estudos, investigações, indagações, etc. É exigido um trabalho intelectual baseado

no depósito de informações, deixados no passado por alguém. De posse dessas

novas luzes, habilitamo-nos ao exercício da interpretação, a qual, em sua

continuação, ocasiona a mudança no sentido, ou no significado de cada item e

consequentemente o sentido da análise do documento também se altera.

1.3.1 Diretrizes Curriculares Nacionais: o Curso de Graduação em Fisioterapia

em foco

De acordo com Gadamer (2007) para se realizar a hermenêutica é preciso

considerar o percurso histórico a fim de promover uma reflexão fidedigna do seu

papel inserido na contemporaneidade frente à noção autoritária da verdade imposta

pela sociedade moderna.

Para tanto, se faz necessário nesta dissertação o conhecimento da edificação

da Fisioterapia, num cenário mundial e nacional demonstrando de que maneira ela

foi gerada, marcada ou praticada durante sua evolução e assim entendermos o seu

contexto histórico, social e político com o propósito de desvendar seu sentido, isto é,

chegarmos a compreensão da importância da Educação Estética, na prática docente

e nos processos formativos deste profissional em saúde, visando o desenvolvimento

da autonomia e da emancipação dos sujeitos no referido curso.

36

Rebelatto e Botomé (1999) trazem uma contribuição da história da

fisioterapia, compreendida na antiguidade até o surgimento do Currículo Mínimo

vigente até 2001. Define-se por antiguidade o período de 4.000 a.C e 395 d.C,

durante o qual haviam preocupações com as denominadas “diferenças incômodas”

das pessoas e em como ajudá-las através de recursos, bem como técnicas,

instrumentos e procedimentos. Na Idade Média, séculos IV e XV, em decorrência da

influência religiosa, o corpo humano passou a ser considerado algo inferior, e os

exercícios eram visionados pelo clero para o aumento da força física de soldados

para batalhas e para a burguesia como um meio de diversão.

Durante os séculos XV e XVI, mais precisamente no Renascimento,

transparece a preocupação em ter um corpo saudável, demonstrado através de

tratamentos e cuidados com o corpo lesado e na manutenção das condições

normais já existentes em corpos saudáveis. No período da Industrialização, ocorrida

nos séculos XVIII e XIX, as populações foram submetidas a exaustivas e excessivas

jornadas de trabalho em condições alimentares e higiênicas precárias, que

acarretam uma série de doenças e acidentes de trabalho. Em consequência, a

classe dominante, preocupada em perder sua mão-de-obra, investe em pesquisas,

que desenvolveram métodos para o tratamento de tais doenças e de suas sequelas

utilizando recursos elétricos, térmicos e hídricos, além de exercícios físicos para o

tratamento dos indivíduos doentes.

As circunstâncias históricas descritas por Rebelatto e Botomé (1999)

comprovam uma trajetória intensificada para a cura de doenças e não para

regulação ou prevenção das mesmas. Nesta perspectiva, ao final do século XX, a

Fisioterapia entra para a chamada “Área da Saúde” voltada exclusivamente para o

tratamento de doenças.

De acordo com Novaes (1998) a Fisioterapia se torna conhecida no Brasil

depois da invasão de Napoleão Bonaparte em Portugal, em 1808, que obriga a

família real vir ao referido país e com ela traz recursos de todas as áreas utilizadas

em seu país.

Na década de 30, Rio Janeiro e São Paulo possuíam serviços de Fisioterapia idealizados por médicos que tomavam para si a terapêutica de forma integral, experimentando recursos físicos que outros médicos, à época, não ousavam buscar para minimizar as sequelas de seus pacientes. Esses médicos eram distintos dos outros por estarem preocupados não apenas com a estabilidade clínica de seu paciente, mas com sua

37

recuperação física para que pudessem voltar a viver em sociedade, com iguais ou parecidas funções anteriores ao agravo da saúde. (NOVAES, 1998, p.1).

Todavia é durante a Segunda Guerra Mundial que esses médicos, conhecidos

como médicos de reabilitação utilizam a Fisioterapia e a aprimoram enquanto prática

reabilitadora de sequelas físicas nos pracinhas enviados as guerras. Neste período,

já existia uma preocupação no que diz respeito a resolutividade dos tratamentos e a

Fisioterapia passa de uma disciplina do curso de Medicina para em 1951, na

Universidade de São Paulo (USP) ser reconhecida como um curso técnico, com

duração de um ano em período integral e ministrado por médicos que, conforme cita

Novaes (1998) foram formados os primeiros “fisioterapistas”.

Estes “fisioterapistas” eram auxiliares de médicos e não possuíam qualquer

tipo de conhecimento como aponta Novaes (1998):

Os primeiros profissionais eram auxiliares do médico, seus ajudantes de ordem; não possuíam os conhecimentos necessários para o diagnóstico, o funcionamento normal e patológico avaliação do corpo humano, nem os mecanismos de lesão e conduta terapêutica. (NOVAES, 1998, p. 68).

A trajetória da Fisioterapia no Brasil passa de curso tecnicista de nível médio

a curso superior de Fisioterapia em 1964, juntamente com o curso de Terapia

Ocupacional, sendo que o Currículo Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia

vigorou de 1964 a 1983, enquanto o Currículo Mínimo do Curso de Graduação em

Fisioterapia vigorou de 1983 a 2001.

Durante a vigência do Currículo Mínimo, as faltas de definições em relação à

profissão estavam ligadas as limitações que restringiam a atuação do Fisioterapeuta

em relação a sua compreensão e execução de suas funções. De acordo com Doll

(2002) o perfil do Fisioterapeuta tendia para uma visão de mundo cartesiana-

mecanicista, tradicional e fechada.

A legislação brasileira com o Parecer 388/63 e a Portaria Ministerial 511/64,

de acordo com Novaes (1998) definiam o fisioterapeuta como:

Auxiliar médico; explicita que lhe compete a realização apenas de tarefas de caráter terapêutico (ou seja, incapaz de avaliar o paciente); e que a execução das mesmas tarefas deve ser precedida de uma prescrição médica - o exercício profissional é desempenhado sob a orientação e responsabilidade do médico. (NOVAES, 1998, p. 69).

38

Sendo considerado como membro da equipe de reabilitação em saúde, o

fisioterapeuta não podia realizar diagnósticos de doenças e muito menos da

deficiência, mesmo estas características tendo apenas aspectos curativos ou de

reabilitação de sujeitos para sua inserção em sociedade com o mínimo de

independência, deixando bem claro que este profissional é, em sua síntese, um

técnico em Fisioterapia, entretanto deveria ter formação superior.

Acreditamos que essas contribuições errôneas quanto a Fisioterapia e a

atuação do fisioterapeuta se devem ao fato de não existir um estudo que

acompanhasse a evolução da profissão através dos tempos fazendo com que estes

não tivessem suas habilidades mais definidas.

Os documentos oficiais relativos ao profissional de Fisioterapia, com exceção,

talvez, do seu Código de Ética Profissional, parecem ter sido elaborados sob a ótica

da concepção saúde-doença, pois em nenhum momento citam ou deixam

transparecer os diversos níveis, tipos ou âmbitos de atuação que esse profissional

poderia ou deveria exercer ao atuar na assistência às condições de um indivíduo ou

de uma comunidade. Por outro lado, enfatizam a atuação desses referidos

profissionais como quase que exclusivamente voltado para a assistência a

indivíduos doentes. Esse fato parece criar um significativo grau de limitação para a

atuação profissional em Fisioterapia, pois reduz os objetivos do trabalho da profissão

a um universo limitado de tipos de atividade que seriam a recuperação.

Quanto mais se prolongam essas confusões e indefinições, relacionadas

tanto ao profissional de fisioterapia quanto ao seu campo de atuação profissional, as

condições para que o fisioterapeuta tenha uma atuação característica de um

profissional da área da saúde, sendo capaz de lidar com os diversos níveis de

condições de saúde da população, ficam prejudicadas e, consequentemente, sua

atuação se ressente, limitando-se por critérios inadequados.

Através da análise realizada pelos autores Rebelatto e Botomé (1999) em

relação aos documentos existentes até a década de 1990, quando ainda contavam

com o Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia, é interessante destacar que:

Na medida em que não existe um consenso, um “eixo” mais ou menos comum ou uma maior clareza sobre as disciplinas ou classes de aptidões que deverão compor a formação profissional do fisioterapeuta, menores serão as probabilidades de se ter definidas as características (ou o objeto de trabalho) desses profissionais enquanto tais. Da mesma forma, a ausência de uma formação científica do profissional que permita a

39

elaboração de pesquisas (inclusive sobre o próprio objeto de trabalho da profissão) diminui a possibilidade de um desenvolvimento da profissão que seja pensado, estudado, adequado e suficiente. (REBELATTO E BOTOMÉ, 1999, p. 56).

Diante de todo o contexto exposto, vale ressaltar que examinar e analisar

esses documentos com o uso da hermenêutica permite outra visão sobre o objeto de

trabalho da Fisioterapia e também do profissional fisioterapeuta, e explicitar as

relações do dito e do não dito nesses documentos e a forma como eles se

delimitam, dificultam ou desvirtuam a função da Fisioterapia, nos permitem uma

melhor compreensão acerca da profissão trazendo reflexões pertinentes na tentativa

de desvelar o sentido da formação e do profissional do referido curso.

Devido à criação das DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia ser um

assunto novo e considerando o contexto da regularização da profissão no país e a

sua data de criação 2001, acreditamos que pesquisas que abrangem este assunto,

tanto na área da educação como na área da saúde, no caso a Fisioterapia, estão

sendo edificadas na tentativa de compreender o que de fato mudou para o

Fisioterapeuta em relação ao Currículo Mínimo adotado anteriormente.

O fato é que as pesquisas encontradas abordam análises específicas sobre

as Novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia,

na busca da compreensão do novo perfil a partir do referido documento, o que difere

deste trabalho que lança, através da análise da perspectiva hermenêutica, a busca

do sentido da Educação Estética na formação docente e profissional do

fisioterapeuta.

Dentre as pesquisas que mencionam o referido documento, destacamos a de

Rebelatto e Botomé (1999) intitulada Fisioterapia no Brasil: Fundamentos para

uma ação preventiva e perspectivas profissionais, já mencionada neste trabalho

anteriormente. Vale destacar que nesta obra, os autores discorrem sobre o processo

de desenvolvimento e criação da profissão através dos tempos no mundo e no

Brasil, a relação saúde-doença e as práticas curriculares. Mais especificamente em

relação à profissão no Brasil, os autores traçam os caminhos desde o início da

legislação brasileira, até a criação das referidas diretrizes, tanto o trajeto, assim

como as DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia, que são apenas citadas,

sem o intuito de serem analisadas.

40

Outro estudo foi realizado por Tavares (2001) que apresentou uma pesquisa

qualitativa no curso de Fisioterapia da Universidade da Região de Campanha em

Bagé/RS, problematizando o referido curso quanto ao processo de ensino-

aprendizagem. As reflexões foram feitas acerca do processo de ensino

predominante no curso, a fragmentação do currículo, a atuação do fisioterapeuta na

sociedade brasileira e a necessidade de mudanças nas mesmas. Esta pesquisa

concluiu que o curso em questão vivenciava um processo de transição devido à

criação das novas DCN’s do Curso Superior de Graduação em Fisioterapia.

Já Tombini e Araújo (2002) contribuíram com discussões existentes sobre as

Diretrizes Curriculares propostas para o ensino em Fisioterapia, dialogando e

procurando propor uma maneira de viabilizar a pesquisa e a extensão, com caráter

interdisciplinar e intercomplementar, como uma forma de superação da dicotomia

teoria-prática, a fim de possibilitar novos espaços de diálogos e também oportunizar

as transformações necessárias para melhorar a qualidade de vida na qual vivemos.

Novacki (2002) em sua pesquisa comparou as novas DCN’s do Curso de

Graduação em Fisioterapia com o Currículo do Curso de Fisioterapia da Univali.

Neste último, o autor analisou o projeto político pedagógico do curso contemplando

os objetivos propostos pelas referidas diretrizes, com vistas a investigar se havia

uma tendência ou não de interdisciplinaridade nesse currículo.

Enquanto Teixeira (2004) contribui com uma análise que percorre desde o

surgimento da profissão até a criação da referidas diretrizes com o objetivo de

identificar o perfil do profissional fisioterapeuta. A autora relata que atualmente esse

profissional tem um perfil que vai além dos conhecimentos técnicos, está refletido na

identidade cultural do indivíduo e a mesma deve ser ressignificada constantemente

através da educação continuada.

Outro trabalho que colaborou tanto para a Educação como para a Fisioterapia

é o de autoria de Pivetta (2006). Em sua pesquisa, apontou que as IES brasileiras

buscam novas propostas curriculares, baseadas nas novas DCN’s do Curso de

Graduação em Fisioterapia, a fim de adequar a formação profissional às demandas

da sociedade, baseado nesta afirmação faz-se necessário que o profissional

repense sua prática. Buscando identificar e analisar quais eram as concepções de

formação e de docência dos professores do curso de Fisioterapia do Centro

Universitário Franciscano frente ao novo currículo instituído, observou que essas

concepções apresentam forte influência do projeto do curso sobre o pensar e o fazer

41

docente, ao mesmo tempo em que professores identificaram nas reuniões

pedagógicas e na prática docente espaços privilegiados de formação e

aprendizagem docente.

Em sua pesquisa, Ilkiu (2009) relaciona o Currículo Mínimo e as DCN’s do

Curso de Graduação em Fisioterapia, com o propósito de compreender quais foram

as mudanças no perfil do fisioterapeuta, neste estudo a pesquisadora identificou que

o fisioterapeuta deve ter um perfil crítico, reflexivo e resiliente.

O aumento de IES e de vagas oferecidas aos fisioterapeutas, desde a

primeira proposta curricular de 1964, foi abordado por Oliveira (2009) que também

ressalta que com isso há uma preocupação em observar a humanização da saúde

que foram observadas através da análise das matrizes curriculares de três IES nos

Cursos de Graduação em Fisioterapia. Esta análise propôs discutir as tendências

curriculares que norteiam a formação do fisioterapeuta e apontou para o fato de

serem identificados importantes movimentos na linha da humanização, de romper

com a lógica exclusiva da hipervalorização da doença e da reabilitação, mas com

evidências de uma concepção de currículo pautada na racionalidade técnica.

42

2. EDUCAÇÃO ESTÉTICA: REFLEXÕES EM BUSCA DO SENTIDO DA

FORMAÇÃO DO DOCENTE E DO PROFISSIONAL NO CURSO DE

FISIOTERAPIA

Levando-se em consideração que a regularização do Curso Superior de

Graduação em Fisioterapia no Brasil é recente, pouco se sabe sobre a prática deste

profissional, seja na assistência, na docência, na gestão de serviços de saúde ou

educacionais reflexões se fazem necessária na tentativa de compreender, na

perspectiva da Educação Estética, quem é e como atua o fisioterapeuta.

2.1 Educação e Experiência Estética: Conceituações

O paradigma da experiência estética foi exposto por Kant, ao descrever os sentimentos do homem diante de um céu estrelado. A experiência estética nasce do encontro do indivíduo com o infinito do universo, e ele como parte desse universo. É nesse momento de encantamento que ocorre o encontro de dois grandes sentimentos humanos: o de ser infinitamente pequeno, contido na imensidão do infinito, mas também o de ser infinitamente grande, contendo em si todo o universo. (ALVARES, 2010, p.107).

A ética e a estética estão inseridas no cotidiano das instituições de ensino, a

estética surge em diversos momentos, bem como na ordenação, na relação entre

docentes e discentes, na edificação do currículo e dos conteúdos, no ambiente

físico, na higiene, enfim nas ações em geral, enquanto que a ética ocorre nos

moldes da estética, ou seja, no sentido da manifestação humana que incluem sua

beleza estética singular e o aperfeiçoamento destas manifestações. De acordo com

Freire (2011) a boniteza não é imunidade de uma comunidade, mas uma elaboração

em que todos participam e que em sua infinitude é preciso ser ganha nas relações,

nas decisões, através de ensaios, de maneira que se torne possível através das

atitudes de produzir e reproduzir o mundo.

A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas. (FREIRE, 2011, p.34).

Para Dussel (2000) o conceito de vida está no alicerce formado pelas

seguintes esferas: reprodução, manutenção e desenvolvimento da vida, pois o autor

43

defende que o mais valioso é o que possui relação com a vida, como a Educação

que é essencial ao desenvolvimento do ser humano.

Cabe à Educação a responsabilidade pelo desenvolvimento da vida, tendo como referência a dignidade humana. Um projeto político pedagógico mal elaborado compromete o desenvolvimento das potencialidades criativas dos sujeitos. Desse modo, a ética é tratada na Filosofia no campo teórico, na Educação no campo da prática. (AMORIM NETO; BERKENBROCK-ROSITO, 2007, p. 619).

Dussel (2000) entende o conceito de ética como universal, que, ao mesmo

tempo que respeita o outro, tem o ofício de motivar mudanças locais e globais na

medida que se detecta riscos para a dignidade humana. Por sua vez, a moral é um

conceito que deve ser compreendido no interior das culturas regionais. A cultura é

compreendida como herança. Por esta razão, a atitude ética que se exige é de

respeito à conservação das morais locais, seja da cidade, bairro e instituições que

são espaços educativos e formativos de uma determinada visão de mundo.

Ainda Dussel (2000) elucida que a crítica faz sentido quando uma

determinada cultura, lei, regras e regulamentos, coloca em risco a sobrevivência

humana, lançando milhares de pessoas a viver na miséria que fere na raiz a

dignidade humana, considerando que a ética conceituada por Dussel se trata de

uma ética crítica, ou seja, “da transformação como possibilidade da reprodução da

vida da vítima e como desenvolvimento factível da vida humana em geral”.

(DUSSEL, 2000, p. 564).

Falar de ética e moral é falar de convivência humana, já que há necessidade

da ética porque o outro existe, porque os seres humanos não vivem isolados. Desta

forma, são os problemas da convivência que geram o problema da ética.

A ética na educação acontece quando os valores no conteúdo e no modo de

exercitar o ato de educar são valores humanos e humanizadores de respeito à

dignidade humana, que significa: o desenvolvimento da reflexão, do exercício da

participação como condição de desenvolvimento de autonomia, na intervenção da

realidade, que se manifesta na capacidade de escolha e decisão.

As políticas públicas de educação, DCN’s, leis, LDB, regulamentos,

dispositivos, têm uma dimensão ética e moral no modo de proceder dos governantes

de cada país para garantir o acesso e permanência de todos em escolas de

qualidade.

44

A dimensão ética e moral manifestam-se no processo pedagógico,

compreende-se por processos pedagógicos: o processo de ensinar, o processo de

aprender e o processo de formação. A ética e a moral normatizam os procedimentos

de conviver no interior da escola.

O conceito de educação é compreendido em dois sentidos, que se

complementam: desenvolvimento e intervenção. A educação como desenvolvimento

da potencialidade do pensamento, imaginação, visando a intervenção na realidade

com qualidade de valoração da dignidade humana.

Faz-se necessário ressaltar que a educação ocorre em todos os espaços da

sociedade, desenvolvida por humanos para os humanos, na convivência entre

pessoas e natureza, entre pessoas e pessoas, que ocorre em instituições sociais de

todas as áreas com o propósito de perpetuar as experiências que proporcionam bem

estar, felicidade e prazer.

A prática educativa supõe uma ética que contribua à formação de sujeitos morais e à construção de grupos, instituições e sociedades com relações baseadas em princípios éticos universais, como a justiça, o cuidado e o respeito. (AMORIN NETO; BERKENBROCK-ROSITO, 2007, p. 620).

Há uma ponte, ou melhor, um elo entre os autores Henrique Dussel e Paulo

Freire, que se faz na filosofia pedagógica com base na libertação do primeiro e em

especial nas obras Pedagogia do oprimido e Pedagogia da autonomia do

segundo. Dussel demonstra preocupação com relação ao modelo opressivo da

relação pedagógica, que em Freire conhecemos como educação bancária, “Desta

maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os

depositários e o educador, o depositante” (FREIRE, 2011, p.80). Tanto a pedagogia

de Dussel, como a de Freire nos projetam para reflexão do exercício pedagógico em

que a educação deve seguir para a libertação.

A Educação Estética se origina na estética, Herwitz (2010) descreve que a

disciplina da estética filosófica surge no século XVIII, sendo que a mesma já havia

sido analisada por filósofos como Platão que a tratava negativamente, pois a mesma

estava no campo do sensível. Para ele, a beleza, em sua filosofia, estava nas

formas ideais que eram compreendidas através da verdadeira realidade das coisas,

Platão tratava como insanidade. Herwitz pontua que:

45

pensar que a beleza, e muito menos a arte, constitui um objeto de estudo filosófico genuíno [...] a arte é tudo que há de pior, pois, se a poesia e uma droga performativa, então, a pintura e a escultura são meras cópias de cópias, tentativas de simular o mundo de um modo indecifrável a partir de seu modelo. (HERWITZ, 2010, p. 19).

Platão mimoseia a poesia quando comparada à filosofia, ou seja, quando a

mesma brinda o conhecimento, endossado por Aristóteles que admira a poesia, ou

seja, o drama trágico, por ser profunda e reconhecer que ela é “mais filosófica do

que a história” (HERWITZ, 2010, p. 22). Assim,

a estética nasce como uma disciplina quando a beleza se torna o foco central. A beleza somente pode tornar-se o foco central, porque a filosofia está pronta para libertar sua experiência de conhecimento, quando ela está pronta para entender o valor da experiência na medida que ela tem seu próprio fim. (HERWITZ, 2010, p. 25).

Nesta perspectiva, Perissé (2009) em seu livro Educação e Estética nos

esclarece que:

A Estética volta-se para a realidade como um todo, atenta ao belo ou ao que de algum modo manifesta beleza, harmonia, impacto ou grandeza: obras de arte, elementos da natureza, o corpo humano, objetos em geral. E o faz reflexivamente, filosoficamente, recolhendo e elaborando o que os sentidos (em particular a visão e a audição) nos transmitem de prazeroso. (PERISSÉ, 2009, p.24)

A experiência de relação estética é a experiência do sujeito com o outro,

consigo mesmo e com o mundo, mediada por uma postura que contraria as relações

baseadas apenas no utilitário com o mundo externo. Por sua vez,

o estético só se dá na dialética do sujeito e do objeto e que, portanto, não pode ser deduzido das propriedades da consciência humana, de certa estrutura dela, da psique ou de determinada constituição biológica do sujeito. A consciência estética, o sentido estético, não é algo dado, inato ou biológico, mas surge histórica e socialmente, sobre a base da atividade prática material que é o trabalho, numa relação peculiar na qual o sujeito só existe para o objeto e este para o sujeito. (VASQUÉZ, 1968, p.97).

A estética (do grego aesthesis), conhecimento sensorial, experiência sensível,

sensibilidade. No século XIX Friedrich Schiller (2013), poeta, filósofo e dramaturgo

alemão escreveu a Educação Estética do homem, em 1795, escritas ao príncipe

Augustenburg, elegemos Schiller por ser ele o precursor no emprego do conceito de

46

Educação Estética. Na mesma, o autor questiona os princípios e os meios da

Revolução Francesa, assim como seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,

já dizia que o homem é um ser sensível e racional e propõe uma via para libertação

do homem, voltada para a reunificação entre corpo e mente. Sendo este sensível

inerente à natureza humana, emerge de forma espontânea e o racional que é

cultural.

Schiller estabelece uma relação tridimensional, ou seja, apesar da força

existente entre opostos, ele acredita numa relação entre o impulso sensível que “é

aquele ao qual se prende, por fim, toda a aparição da humanidade” e o “impulso

formal que parte da existência absoluta do homem ou da sua natureza racional”

(SCHILLER, 2013, p. 60). Ambos resultam numa terceira dimensão: a do impulso

lúdico, cuja significação está baseada na compreensão da beleza, no qual o sensível

e o racional se fundem, desta maneira “este impulso lúdico seria direcionado,

portanto, a suprimir o tempo no tempo, a ligar o devir ao ser absoluto, a modificação

à identidade (SCHILLER, 2013, p.70).

O autor ainda esclarece que o impulso sensível parte da existência sensível

do homem, já o impulso formal parte da existência racional do homem. Num primeiro

momento, parece que o ser humano se reduz a isso e não há conciliação possível,

mas para Schiller existe um terceiro impulso que é o impulso lúdico, que se

apresenta como um jogo. Não podemos ser pura sensibilidade, nem razão pura. A

solução é o equilíbrio entre estas duas forças que acontece neste jogo lúdico, no

qual a beleza exerce o papel de mediação.

Essas espécies de efeito de beleza, contudo, devem ser uma só segundo a Ideia. Ela deve dissolver quando faz igualmente tensas as duas naturezas, e deve dar tensão quando as dissolve por igual. Isso resulta desde logo do conceito de uma ação recíproca em que as duas partes se condicionam mutuamente com necessidade, ao mesmo tempo que são mutuamente condicionadas, e cujo produto mais puro é a beleza. (SCHILLER, 2013, p. 79).

Schiller (2013) articula também que através da veracidade e da equidade

inseridas em seus conceitos, a arte e o belo, como intervenção para o impulso lúdico

e para o ideal do homem, não podem se corrompidos. Ele acredita que a libertação

tem de acontecer no interior para que seja extravasada exteriormente. Deste modo,

Schiller elabora os conceitos de impulso sensível, formal e lúdico e propõe a

Educação Estética, ou seja, a formação do homem sensível, de maneira que

47

proporcione ao ser humano a apreciação do belo, pois este, como os outros gostos,

são aprendidos. O sensível aqui não se refere apenas à sensibilidade artística, mas

ao todo da existência humana, como meio para a conquista do homem ideal, o

homem que domina sua natureza selvagem e busca a humanidade com ética. É

através da intervenção de uma Educação Estética, que ocorre a possibilidade do

nascimento de um sujeito moral e ideal.

Daí nascem as duas tendências opostas no homem, as duas leis fundamentais da natureza sensível-racional. A primeira exige racionalidade absoluta; deve tornar mundo tudo o que é mera forma e trazer ao fenômeno todas as suas disposições. A segunda exige a formalidade absoluta: ele deve aniquilar em si mesmo tudo que é apenas mundo e introduzir coerência em todas as suas modificações; deve exteriorizar todo o seu interior e formar todo o exterior. (SCHILLER, 2013, p.57).

Para Schiller, estética e ética estão associadas, de maneira que a estética

gera a ética como um caminho eficiente para a melhora da humanidade, a arte,

aliada à sensibilidade e a racionalidade, é um caminho que leva ao desenvolvimento

da autonomia do sujeito, pois a Educação Estética, ou seja, a relação do sensível

com o racional, ou ainda a possibilidade de aprendizagem do belo, e as mudanças

que essa aprendizagem pode trazer para quem o aprende, podem contribuir para

essa conscientização do homem como ser interligado com o mundo.

Em nosso corpo habita o sensível, que nos possibilita condição de vida e do

conhecimento. O ser humano estético valoriza as emoções e os sentimentos, mas

sem esquecer o racional. Não é possível, nem desejável desprezar a razão, mas a

própria ciência já avançou o suficiente para saber que apenas o conhecimento

técnico-científico não é capaz de dar conta do ser humano em suas múltiplas

dimensões.

A experiência estética abre porta para uma compreensão radical da realidade e do ser humano. Uma obra de arte com a qual se possa relacionar de maneira a iluminar a concepção de mundo é uma via privilegiada de acesso também a si mesmo, um convite instigante para se repensar a própria conduta, para se reavaliar a hierarquia dos valores, uma provocação para se questionar possíveis conivências pessoais com a mediocridade, com a falta de criatividade que se nota em comportamentos intolerantes, autoritários, rígidos, pragmáticos, egocêntricos, materialistas, niilistas, reducionistas etc. (PERISSÉ, 2004. p. 75).

Pensando num sujeito estético devemos pensá-lo como um ser em busca do

equilíbrio entre emoção e razão e se como diz Larrosa (2010, p. 50) “caminhar não é

tanto ir de um lugar a outros, mas levar a passear o olhar. E o olhar não é senão

48

interpretar o sentido do mundo, ler o mundo”, ousamos pensar o sujeito estético

como um homem capaz de passear e pousar o olhar, interpretando e agindo diante

do cenário que tem diante dos seus olhos.

Em À Sombra desta Mangueira, escrita por Freire, é apresentada uma

relação contundente quando comparada a Educação Estética elaborada por Schiller,

estabelecida hermeneuticamente em suas considerações, no que diz respeito a

curiosidade estética e a curiosidade epistemológica que de acordo com Freire

(2012):

Não apenas estamos sendo e temos sido seres inacabados, mas nos tornamos capazes de nos saber inacabados, tanto quanto nos foi possível saber que sabíamos e saber que não sabíamos ou saber que poderíamos saber melhor o que já sabíamos ou produzir o novo saber. E é exatamente porque nos tornamos capazes de nos saber inacabados que se abre para nós a possibilidade de nos inserir numa permanente busca. (FREIRE, 2012, p.123).

Portanto, Freire (2012) ainda destaca que é preciso ficar bastante claro que a

consciência ou sua intencionalidade não se encerra na racionalidade do sujeito e

completa:

A consciência do mundo que implica a consciência de mim no mundo, com ele e com os outros, que implica também a nossa capacidade de perceber o mundo, de compreendê-lo, não pode ser reduzida a uma experiência racionalista. É como uma totalidade – razão, sentimentos, emoções, desejos, que meu corpo consciente do mundo e de mim capta o mundo a que se intenciona. (FREIRE, 2012. p. 124).

Ainda segundo o autor, é a partir da curiosidade estética que os sujeitos

desenvolvem a curiosidade epistemológica. A estética é mais do que um ramo da

filosofia, uma teoria da arte, é um conceito polissêmico que foi sendo construído ao

longo do tempo. A estética está presente em todas as áreas/dimensões de nossa

vida. As relações humanas são estéticas, as nossas atitudes para com os outros

podem ser bonitas ou feias, um prédio, o bairro, nossa cidade, o ambiente escolar,

tudo ao nosso redor é estética, o que incomoda é a estética do feio presente nas

guerras, na fome, na violência, na miséria de milhões de pessoas que é a expressão

estética do feio.

É a partir da curiosidade estética, que o mundo desperta em nós, que

desenvolvemos nossa curiosidade epistemológica, que procuramos ir além do senso

comum e procurar explicações para os fenômenos naturais e sociais no qual

49

estamos inseridos. A curiosidade é inerente a todos os seres humanos, não é

apenas um sentimento, a curiosidade é biofísica.

Esta disposição permanente que tem o ser humano de espantar-se diante das pessoas, do que elas fazem, do que elas dizem, do que elas parecem; diante dos fatos, dos fenômenos, da boniteza, da feiúra, esta incontida necessidade de compreender para explicar, de buscar a razão de ser dos fatos sem ou com rigor metódico. Esse desejo sempre vivo de sentir, de viver, de perceber o que se acha no campo de suas “visões de fundo.” (FREIRE, 2012. p. 124).

A curiosidade estética, ou que nos emociona comparado ao impulso sensível

descrito por Schiller é sentida na “cotidianeidade” citada por Freire (2012, p. 126).

Associando este conceito ao foco desta pesquisa, pode se observar que o labor

executado por profissionais da área da saúde depende de alguns fatores, bem como

regras estabelecidas pela bioética que, em suas premissas, citam que estes

profissionais ao realizarem procedimentos em instituições ligadas à área da saúde

devam fazer uso de jalecos como requisito mínimo de preservar a sua vida, bem

como a de seus clientes. Contudo, o que tem sido visto é que esta conscientização

está fincada na “estética do jaleco”, o que queremos dizer com isto, e que está

ocorrendo uma “memorização mecânica dos conteúdos, em certos casos, com

exercícios repetitivos que ultrapassam o limite razoável e não damos nenhuma

atenção quase a uma crítica educação da curiosidade.” (FREIRE, 2012. p. 125).

Neste contexto, é essencial que devemos sair do automatismo estratificado e

questionar o porquê estamos fazendo determinadas coisas e isto se faz através da

validade do conhecimento (gnosiologia) e para que isto ocorra é necessário que haja

crítica, ou uma curiosidade epistemológica, impulso formal na visão de Schiller.

Somente assim será possível que o sujeito entenda a importância do uso do jaleco e

não deixe que o mesmo vire objeto de mudança de status social que em nossa

sociedade capitalista pode ser lida como um ganho de poder orientado pelas honras

e prestígios sociais trazidas por ele (WEBER, 1974, p. 211).

De acordo com Santos Neto (2010) esse automatismo estratificado das ações

tem sua fundamentação no Neoliberalismo, que dentro do tempo cronos levam-nos

ao processo de desumanização, para ele é preciso que haja um movimento

individual e coletivo para alcançar a liberdade de ações apressadas, superficiais,

simples reproduções da estrutura social vigente.

50

Grande parte de nós também vive sob a dominação do tempo cronológico definido pelos interesses de produção da sociedade capitalista. Para esta importa a acumulação e a reprodução de sua estrutura dominante e, portanto, o estabelecimento de ciclos de organização da vida humana muito mais atentos aos resultados finais da produção e do consumo do que na qualidade de vida vivida. Não à toa o trabalho, para muitos, vai se efetivando cada vez mais, de fato, como instrumento de sofrimento e adoecimento – tripalium – muito mais do que como instrumento de humanização, realização e transformação saudável do mundo. (SANTOS NETO, 2010, p. 118).

A sociedade contemporânea tem o consumo como importante aspecto, por

isso é necessário manter em alerta nossa curiosidade para não haver uma dicotomia

da capacidade de imaginação e na percepção na elaboração do conhecer. O

automatismo vivenciado atualmente pela sociedade acaba, de certa forma,

aniquilando o potencial criativo do sujeito e como consequência o sujeito perde a

capacidade de resolver novos problemas.

Sendo assim, é primordial desvelar-se do automatismo, ou melhor, sair da

sombra da mangueira, da zona de conforto utilizando o jogo lúdico de Schiller

(2013). Além disso, é indispensável a consciência de que não podemos ficar

somente na curiosidade estética e partir para a curiosidade epistemológica de Freire

(2012). Esta é a possibilidade de aprender a Educação Estética em suas entranhas,

tornando-se o homem sensível, apreciando que o significado da beleza da utilização

do jaleco não estão contidas no pseudo-status adquirido em seu uso e nem no

automatismo que ocorre na cotidianeidade da sua utilização sem críticas e sim como

de fato uma possibilidade da preservação da dignidade humana.

É possibilidade. E não há nenhuma possibilidade que não seja, ao mesmo tempo, impossibilidade. Ou em outras palavras, não há possibilidade que não se exponha à sua negação. Como a coisa impossível pode servir a ser um dia possível. Daí que, na História como possibilidade e não como determinismo, não haja como não sejamos a não ser enquanto seres responsáveis, por isso éticos. (FREIRE, 2012. p. 133).

Em consonância, Adorno desenvolve a concepção da estética da

massificação cultural, advinda do termo criado por ele e por Horkheimer, filósofos

alemães da escola de Frankfurt, cunhado sob a teoria da indústria cultural a fim de

designar a situação da arte na sociedade capitalista industrial empregaram o termo

no capítulo: “O Iluminismo como massificação das massas”, no ensaio Dialético do

Esclarecimento, escrito em 1942, mas publicado somente em 1947. De acordo com

Adorno (1985) na indústria cultural, tudo se torna negócio e enquanto negócio, seus

51

fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de

bens considerados culturais. Um exemplo disso, dirá ele, é o cinema:

O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade é que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos. (ADORNO, 1985, p.114).

O que antes era um mecanismo de lazer, isto é, uma arte, agora se tornou um

meio eficaz de manipulação. Colocado assim, podemos dizer que a indústria cultural

traz consigo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno

exercendo o papel de portador da ideologia dominante.

Em primeiro lugar, há uma transformação básica na chamada superestrutura, confundindo-se os planos da economia e da cultura. A indústria cultural determina toda a estrutura de sentido da vida cultural pela racionalidade estratégica da produção econômica, que se inocula nos bens culturais enquanto se convertem estritamente em mercadorias; a própria organização da cultura, portanto, é manipulatória dos sentidos dos objetos culturais, subordinando-os aos sentidos econômicos e políticos e, logo, à situação vigente. (ADORNO, 1995, p. 21).

Através de uma análise dos meios de comunicação em massa, Adorno e

Horkheimer (1985) explicitam que isto funciona como uma indústria de produtos

culturais visando o consumo, para eles a indústria cultural transforma as pessoas em

consumidores de mercadorias culturais, suprimindo toda a seriedade da cultura

erudita, assim como sua autenticidade. A indústria cultural tem como objetivo a

alucinação dos homens, pois não é democrática, e sim submetida a elevar-se da

técnica que é usada pelos meios de comunicação de forma original e criativa que

impede o homem de pensar de forma crítica, de imaginar, doutrinando as

consciências através dos gostos padronizados e a indução de consumir produtos de

baixa qualidade. Assim a indústria cultural substituiu o termo cultura de massa, pois

não se trata da valorização da cultura, mais de uma ideologia imposta às pessoas,

os meios de comunicação em massa são visualizados como um desestímulo à

sensibilidade, que desconsidera diferenças culturais e padroniza todo mundo, com

forte apelo publicitário, definindo os meios de comunicação em massa como simples

lazer e entretenimento, não encorajando o público a pensar, tornando-os passivo e

conformista com tudo.

52

Na contemporaneidade, os meios tecnológicos tornaram possível produzir

obras de arte em escala industrial, essa produção em escala não democratizou a

arte e sim a banalizou, descaracterizando-a e fazendo com que o público perdesse o

senso crítico, se tornando um consumidor passivo de todas as mercadorias

anunciadas pelos meios de comunicação em massa.

A massificação cultural impede a autonomia dos sujeitos, promovendo sua

retificação. Adorno busca na estética contemporânea a viabilidade de um resgate da

percepção dos sentidos, pois sabemos que a obra de arte não estabelece uma

identificação imediata, mas de mediação com a realidade social que a produziu. Se

a dimensão estética da obra artística por si só não se constitui como determinante

de mudanças das condições sociais, nela está contida pelo menos a possibilidade

de articular tais mudanças.

O processo de adaptação da educação às características culturais

disseminadas pelos valores por meio da indústria cultural, denominado por Adorno

(1996, p. 388) de “semiformação”, nos mostra que a educação também é vítima de

um produto de consumo conformado às propriedades econômicas, objetivando os

homens e suas relações, bem como, excluindo os valores que não conspiram com a

continuidade desse sistema. Desta maneira, a educação, tal qual a indústria cultural,

perde-se do ideal iluminista que trazia consigo a idéia da razão suprema. A queda

do Iluminismo, proposta por Kant, enquanto ideologia é criticada por Adorno, em que

o pensamento crítico não é tolerado em razão da massificação da ideologia

dominante.

Para esta teoria a idéia de cultura não pode ser sagrada – o que a reforçaria como semiformação -, pois a formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva. Porém a cultura tem um duplo caráter: remete à sociedade e intermedia esta e a semiformação. Na linguagem alemã de hoje se entende por cultura, em oposição cada vez mais direta à práxis, a cultura do espírito. Isto bem demonstra que não se conseguiu a emancipação completa da burguesia ou que esta apenas foi atingida até certo ponto, pois já não se pode pensar que a sociedade burguesa represente a humanidade. (ADORNO, 1996, p. 388).

Existe um elo entre a Educação Estética proposta por Schiller e idealizada por

Freire em sua visão positivista e como alvo da crítica ao não desenvolvimento

concreto do Iluminismo em Adorno, que elucidadas neste capítulo nos revelam a

sede destes autores em alcançar a emancipação dos sujeitos com um fim único, o

de que a educação é uma forma de intervenção no mundo e que esta deve ser

adquirida livre de autoridade formando sujeitos autônomos.

53

As reflexões em busca do sentido da formação do docente e do profissional

em fisioterapia que tem como ponto de partida a “estética do jaleco” estão implícitas

nas ideologias de Schiller, Freire e Adorno. Explicitadas aqui demonstram que a

Educação Estética é um fio condutor para a desmistificação de que o jaleco possa

ser visto como um adereço, ou mesmo, um status fruto do advento mutilador da

estética da massificação cultural, impedindo o desenvolvimento destes para a

autonomia.

Deste modo, para isto é necessário despertar nestes sujeitos durante o

processo de formação a criticidade, o interesse em saber o porquê de cada coisa,

este processo humanizador proposto pelos filósofos em questão abre horizontes

para que docentes e futuramente profissionais fisioterapeutas se percebam

protagonistas de suas funções e as executem dentro dos princípios éticos da sua

profissão, conscientes de que o processo de formação de qualquer profissional da

área da saúde, ou não, é infinito.

Sem isto estamos fadados ao que Kant chama de heteronomia e que para

Freire desestimula o desenvolvimento da capacidade de iniciativa, criatividade,

emancipação e a construção de “ser para si”. (FREIRE, 2011).

2.1.1 Ética e Biossegurança: uma leitura Bioética

O conceito de bioética será aqui apresentado através de autores brasileiros e

estrangeiros que apregoam necessidade de uma fundamentação para dar suporte

às questões bioéticas que envolvem o Direito na contemporaneidade. Desta forma,

busca-se discutir a Bioética e a Biossegurança diante da velocidade dos avanços

científicos e tecnológicos, a consciência da responsabilidade, além das questões

sobre vida e morte, das transformações e suas repercussões para o ethos da vida

humana.

Como campo de estudos, a bioética no Brasil, passa a adquirir uma

perspectiva mais acadêmica a partir dos anos de 1990. Afinal, diante de tantas

situações que se referem à dignidade humana, era exigido um posicionamento

maduro e consistente sobre o caminho ético nas respostas da resolução das

situações conflitantes, inicialmente, na área da saúde.

Neste contexto, Leo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine (2005)

auxiliam para a compreensão da importância da bioética a respeito da saúde:

54

A preocupação com a saúde é tão antiga quanto o homem. Na Antiguidade os povos não letrados atribuíram a saúde ou as doenças a desejos divinos. Para os egípcios, hebreus, gregos e romanos, a saúde era considerada em termos de saúde física. Neste século, nossos pontos de vista começaram a dar ênfase à pessoa como um todo, e em relação também a sociedade. Assim, o conceito de bioética abrange vida e saúde no sentido mais amplo. (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2005, p. 99)

Desta maneira, através da obra Uma Ponte para o Futuro, do

norteamericano Van Rensselaer Potter, na década de 1970, a bioética foi definida

como a “ciência da sobrevivência humana”. No título, a palavra “ponte” significa a

comunicação entre ciência biológica e ética e a bioética poderia ser assim

entendida:

À medida que chego ao acaso de minha experiência sinto que a Bioética ponte, a Bioética profunda e a Bioética global alcançaram um umbral de um novo dia que foi muito além daquilo que eu imaginei. Sem dúvida, necessita recordar a mensagem do ano de 1975, que enfatiza a humildade com responsabilidade com uma bioética básica que logicamente segue de uma aceitação de que os fatos probalísticos, ou em partes a sorte, tem consequências nos seres humanos e nos seres viventes. A humildade é a consequência característica que assume o posso estar equivocado e exige a responsabilidade para aprender da experiência e do conhecimento disponível. Concluindo, o que lhes peço é que pensem a Bioética como uma nova ética científica que combina a humildade, responsabilidade e competência numa perspectiva interdisciplinar e intercultural e que potencializa o sentido da humanidade. (POTTER apud PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2005, p. 45).

Nesta perspectiva, Pessini (2006) esclarece o sentido etimológico de Bioética,

que seria a união dos termos gregos bios (vida), que representa o conhecimento

biológico, a ciência dos sistemas viventes e ethos (ética), que significa o

conhecimento dos valores humanos. Assim o termo significaria Ética da Vida,

contudo Pessini e Barchifontaine (2005) trazem a definição de Bioética presente na

Encyclopedia of Biothics:

Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética). Pode-se defini-la como sendo o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num

contexto interdisciplinar. (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2005, p. 31).

Esta conceituação de bioética é completada por Zancanaro (2006) da

seguinte maneira:

55

O que ela aspira são os grandes desafios que historicamente a humanidade sempre almejou: a dignidade humana, a qualidade de vida, a justiça, a autonomia. Educar para a autonomia é ensinar a buscar a realização e não a destruição. Este é o verdadeiro significado de uma educação voltada para a Bioética. Cada geração necessita fazer esse esforço. (ZANCANARO, 2006, p. 174).

“A Declaração sobre ciência e o uso do conhecimento científico”, documento,

publicado em 1999 pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a

Educação, Ciência e Cultura), ressalta a ética e a responsabilidade da ciência,

através do alerta para que os profissionais adquiram consciência sobre os dilemas

éticos que estão presentes na sociedade e com os quais se depararão em seu

futuro, quando profissionais, atuando nas diversas áreas. Ainda cabe ressaltar a

importância do código de Nuremberg (1947) no surgimento da bioética. Neste

contexto, Leone, Privitera, Cunha, (2001) estabelecem que:

A aplicação do saber científico pode conduzir a que se cometam abusos, tal como aconteceu quanto às experimentações levadas a cabos nos campos de exterminação nazis, abusos da experimentação em seres humanos mentalmente diminuídos ou pertencentes a minorias raciais, entre outros casos. O código de Nuremberg (1947) elaborado precisamente a partir da reacção da comunidade internacional relativamente àqueles crimes praticados nos campos de concentração, constitui o primeiro instrumento internacional em matéria de Bioética, consagrando o princípio de consentimento informados em todas as experimentações no ser humano. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 311).

Os autores também apontam a necessidade da Bioética diante dos avanços

científicos e tecnológicos.

A legislação, em áreas multidisciplinares como é a bioética, nasce

naturalmente como resposta do Direito à evolução do progresso científico

resultante da necessidade de regulamentação das novas situações.

Situações essas que surgem em matérias tão diferentes que podem ir

desde a medicina, biologia, novas tecnologias da informação, aos direitos

das patentes, biotecnologias, ou seja, praticamente todas as relações

tocantes ao homem, às intervenções em seu corpo, no seu patrimônio

genético, e, até o próprio meio ambiente em que vive e se move. [...] No

entanto, o uso de novas tecnologias pode gerar conflitos. Conflitos de

natureza ética, mas igualmente conflitos no que respeita aos direitos

humanos fundamentais, e que se estendam também a ramos do Direito

mais tradicionais como ramos do Direito da Família, dos contratos ou das

patentes. [...] pode conduzir a respostas complexas para as quais o Direito

tradicional não tem resposta ou não tem resposta adequada. (LEONE,

PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 311).

56

Leone, Privitera, Cunha, (2001) a respeito da Convenção dos Direitos do

Homem e da Biomedicinha do Conselho da Europa, assinada em 04 de abril de

1997, explicam que ela:

estabelece normas específicas relativamente a aspectos importantes como a investigação em seres humanos, a utilização do corpo, transplantes. [...] Tratando-se do primeiro grande instrumento jurídico internacional sobre bioética, encerra ainda a obrigatoriedade dos seus signatários tomarem no seu direito interno, as medidas necessárias para tornarem efetivas as disposições nele contidas. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 313).

Assim, é possível compreender que a Bioética trata do direito à vida e do

homem. Na sociedade contemporânea são diversos os dilemas da bioética:

transplantes de órgãos e tecidos, a fertilização in vitro, genoma, embriões

congelados em laboratórios, pesquisas com células tronco; ciências aplicadas nos

laboratórios, pesquisa com seres humanos; sobre as intervenções no corpo humano

por meio de técnicas e máquinas, manipulação genética, a clonagem da ovelha

Dolly, transhumanismo; transgenia, transexualidade; reprodução assistida; clonagem

reprodutora. Além dos temas polêmicos, principalmente relacionados ao início e ao

fim da vida, tais como: aborto; eutanásia; distanásia; cuidado paliativo; pena de

morte; prolongamento da vida, sofrimento, meio ambiente e outros ligados ao ser

humano.

Diante deste quadro, surgem necessidades diante de novas demandas:

Comitês de Ética para as pesquisas, o Biodireito, a Biossegurança. Sobre estas

questões, Leone, Privitera, Cunha (2001) asseveram que:

não estamos no campo da pura ciência jurídica. É um Direito imperfeito e incompleto no sentido de que como acompanhante do progresso científico, está sempre em crescente evolução, sujeito às modificações trazidas pela evolução dos conhecimentos científicos. É também um direito vivo e participativo, na medida em que muitos casos, se reporta a decisões individuais, é certo, mas inseridas numa sociedade em mudança, susceptível de mudanças rápidas e radicais, a que, muitas vezes, o direito clássico não está habituado. Vejam-se, por exemplo, as alterações em matéria de Direito de Família introduzidas pelas técnicas de reprodução medicamente assistida, ou as profundas divergências que a discussão sobre a eutanásia conduz no palco das controvérsias sociais. [...] Não só factores tecnológicos influenciam o Biodireito. Também a indústria, sobretudo, a farmacêutica, introduz novos interesses, designadamente de natureza econômica, que o Direito tem igualmente de tomar em consideração. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 311).

57

Assim, a bioética passa a ser entendida como essencial para a valorização da

dignidade humana, com uma perspectiva voltada para a proteção do ser humano,

como um todo, e a ética da vida como valor universal. Os autores ainda esclarecem

que:

Ao falarmos de universalização, não podemos deixar igualmente de considerar que o homem não vive sozinho no mundo, mas é uma peça na panóplia de seres vivos que povoam nosso planeta. Assim, entende-se que Bioética não se restringe a seres humanos, mas ao restante dos seres vivos deste planeta, passando pelo meio ambiente, em outras palavras, ao mundo em mudança. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 313).

Diante de todo o exposto, é claro o compromisso mais amplo da bioética com

as relações humanas, abarcando os ecossistemas e a vida do planeta. Desta

maneira, é possível assinalar um significativo avanço relacionado à bioética na

promulgação em 2005 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.

Pessini (2006) elucida.

Esse documento é um precioso instrumento de apoio aos esforços internacionais para elaboração de diretrizes éticas em questões ligadas ao progresso científico, que interfere, cada vez mais, na vida do ser humano, bem como, também, as questões éticas ligadas com justiça na área da saúde, desigualdade no acesso às benesses dos progressos científicos nos países em desenvolvimento. (PESSINI, 2006, p. 14).

Neste contexto, Garrafa (2005) menciona a posição de diversos países

acerca da Declaração:

As nações desenvolvidas defendiam um documento que restringisse a bioética aos tópicos biomédicos e biotecnológicos. O Brasil teve um papel decisivo na ampliação do texto para os campos sanitário, social e ambiental. Com o apoio inestimável de todas as demais delegações latinoamericanas presentes, secundada pelos países africanos e pela Índia, o teor final da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das nações em desenvolvimento. (GARRAFA, 2005, p. 86).

Sendo assim, é possível entender que esse documento é essencial à

compreensão da bioética na atualidade, pois a bioética assumiu a vocação de olhar

para a vida, para todas as áreas do conhecimento que, de uma forma ou de outra,

têm implicações sobre a vida, não podendo ficar restrita às Ciências da Saúde.

A respeito da ética, Dussel (2000) defende que ela tem sentido de valor

universal da vida, compreendendo como conceito de vida o tripé formado por

58

reprodução, manutenção e desenvolvimento da dignidade humana. Assim, as áreas

da saúde cabem a responsabilidade pela reprodução da vida; à educação cabe o

desenvolvimento da vida. Já o Direito e Psicologia são responsáveis pela

manutenção da vida.

Neste viés, Santinelli (2006) reconhece o grande benefício que o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia teve para a humanidade e que estes

avanços precisam promover sempre o bem-estar da humanidade e no

reconhecimento da dignidade humana e no respeito universal e observância dos

direitos humanos e das liberdades fundamentais. O autor ainda esclarece que:

A saúde não depende, unicamente, dos desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de fatores psicossociais e culturais. As decisões sobre questões éticas na medicina, ciência e da vida e tecnologias associadas podem ter um impacto sobre indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e dos indivíduos, famílias, grupos ou comunidades como um todo. A diversidade cultural é necessária aos seres humanos, patrimônio da humanidade, mesmo enfatizando que este não pode ser invocado à custa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. (SANTINELLI, 2006, p.46).

Já Lins Junior (2002) abaliza o que a bioética é capaz de resolver, enfocando

que apenas como um tipo de controle ela não conseguiria resolver as inúmeras

situações.

Assim, baseado em princípios éticos, especialmente bioéticos, o Direito aparece com um controle, que se bem dosado, pode ser eficaz, uma vez que legislar sobre as novidades da ciência é algo muito complexo: envolve questões que dizem respeito não só a Ética e à Moral, mas a Política, à Economia etc. (LINS JUNIOR, 2002, p. 200).

No campo do saber, a bioética tem, entre tantas tarefas, que reunir

contribuições de diferentes áreas do conhecimento em plena liberdade de atuação

pluralista, inter e transdisciplinar. Desta forma, seria possível agregar ciências

biológicas com os demais ramos do conhecimento, principalmente, ciências

humanas, sociais e também as exatas, a fim de entender melhor a realidade social,

econômica, política e cultural e a inserção dos sujeitos de direitos, deveres, valores,

compromissos e sentimentos éticos.

Neste contexto, o principal desafio da prática do profissional de saúde seria

lidar com as questões de justiça, o sujeito de liberdade e vontade, capaz de ética.

Cassol (2006) oferece uma contribuição à reflexão à vida:

59

A vida está acima de tudo e de todos, a vida com dignidade. É ela o fundamento de todas as ações científicas e pesquisas realizadas. A vida é o horizonte último para o qual devem convergir todos os conhecimentos e construções. A Bios, aplicação da qual se ocupa a ética, é cosmológica, total, plena e não pode estar limitada a discussões distanciadas da realidade dos povos pobres. O Ethos latinoamericano precisa estar incluído, nas reflexões e na aplicabilidade da Bioética. (CASSOL, 2006, p. 110).

Santos (2009, p. 44) também colabora neste tema questão quando lembra

que a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (2005) é composto por

grupos de caráter multidisciplinar, o que possibilitaria a inclusão de profissionais de

diversas áreas em Comitês de Ética em pesquisa, entre eles, até mesmo o

engajamento de juristas.

A composição desses grupos prevê a inclusão de profissionais da área da saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo por exemplo, juristas, teólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da sociedade representando os usuários da instituição. (SANTOS, 2009, p.44).

Sendo assim, é necessário perceber o compromisso ético dos profissionais

em assumir a solidariedade como possibilidade de qualificar o ser humano e de

dignificar os sujeitos, inserindo adultos, jovens e crianças numa condição de respeito

e solidariedade, além de serem responsáveis por impedir uma situação de relação

de desigualdade de dominação.

Um aspecto importante para situar a aplicabilidade da bioética é ressaltado

por Siqueira, Porto e Fortes (2007):

Critica a forma de como o poder pessoal foi percebido e distorcido pela visão angloamericana de autonomia. Ao privilegiar tomadas de decisões individualistas, etnocêntricas e antropocêntricas, essa interpretação conduz ao que Foucault descreve como imposição assimétrica do poder dos mais fortes sobre os mais fracos. Por isso, essa vertente chama a atenção para a inadequada utilização da Bioética como instrumento neutro de interpretação acrítica dos graves conflitos morais da sociedade de mercado. Mostra que amarrada ao desenvolvimento científico e tecnológico, a lógica capitalista transformou as sociedades humanas em ambiente de força de interesses onde sempre acaba prevalecendo a força sobre a razão, desconsiderando quaisquer parâmetro ético que visem à construção de sociedade mais justa e solidária. (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007, p. 172).

Os autores enfatizam a importância da Bioética, a partir da constatação do

que “Foucault descreve como imposição assimétrica do poder dos mais fortes sobre

os mais fracos”, diante de avanços científicos e tecnológicos. Através disso, os

60

autores apontam a vulnerabilidade de grupos e segmentos sociais, sendo possível

deduzir, como segmentos mais vulneráveis as crianças, adolescentes, idosos.

2.2 Olhar estético: o alcance à formação docente e profissional no Curso de

Fisioterapia

ensinar exige ética e estética

(FREIRE, 2011, p. 32)

Apurar o olhar, conforme cita Chauí (1988, p. 62) “o olhar ensina um pensar

generoso que, entrando em si, sai de si pelo pensamento de outrem que o apanha e

o prossegue”, é essencial para entender o todo explícito.

Iniciamos a reflexão sobre a formação docente com Houssaye (2007). O autor

faz uma análise pertinente sobre a ausência de diálogos presentes nos modelos

pedagógicos existentes, no campo educacional, no interior das escolas. Para o

autor, há o perigo de que o vazio possa ser ocupado pelo autoritarismo, uma atitude

que caracteriza a cultura brasileira e a do mundo.

“Triângulo pedagógico”, “Jogo do bridge” e “quem fica no lugar do morto” são

as metáforas utilizadas pelo autor, para sustentar a compreensão do processo

pedagógico em sua tridimensionalidade: formar, ensinar e aprender. Considera-se

uma relação, também triangular, entre o saber, o professor e o aluno.

Neste sentido, critica-se o seguinte fenômeno: os modelos pedagógicos vêm,

historicamente e sistematicamente, fundamentando-se na lógica da ênfase a apenas

um eixo pedagógico. Na escola tradicional, o eixo pedagógico era o ensino, tendo no

centro da relação o professor e o lugar do morto era ocupado pelo aluno. Já na

Escola Nova, com enfoque, por exemplo, no sócio-interacionismo, enfatiza-se o eixo

pedagógico, a aprendizagem, e o centro é a relação entre o aluno e o

saber/conteúdo. Inevitavelmente, o professor fica no lugar do morto. Já, a ênfase

pode recair no eixo pedagógico, a formação, que está presente na escola

progressista e democrática, fundamentada na formação política. Nesse caso, o

centro é a relação entre professores e alunos e, portanto, o saber/conteúdo fica no

lugar do morto. Há a necessidade do equilíbrio do triângulo pedagógico, o que se

constitui numa condição própria da educação.

Proporcionar experiências que sejam de um diálogo fecundo, entre docentes

e alunos, alunos e alunos, como marca de uma genuína reflexão, requer uma

61

disposição que nem sempre compreendida ou aceita pela cultura imediatista. Desta

forma:

Sendo a formação transdisciplinar inclusiva dos diferentes níveis do sujeito e dos diferentes níveis de realidade, o processo pedagógico deve incluir os três pólos do triângulo pedagógico proposto por Houssaye, numa visão sistêmica, dialética e trialética entre os três pólos, onde os pólos Professores e Alunos devem ser considerados em seus diferentes níveis ontológicos (corporal, emocional, psico-anímico, espiritual) e em seus diferentes níveis perceptivos-cognitivos (sensível, racional, intuitivo, imaginativo, intelectivo, contemplativo), e o pólo do saber deve ser considerado em seus diferentes aspectos: saber saber (disciplinar), saber fazer (competências e multidisciplinar) e saber ser (transdisciplinar) e em seus diferentes campos: o saber das disciplinas, o saber das ciências exatas, o saber das ciências humanas, o saber das artes, o saber das práticas corporais, etc. (SOMMERMAN, 2003, p.6).

A relação ensino-aprendizagem é um assunto questionável no universo dos

docentes universitários e, conforme cita Masetto (2003) a integração entre o ensino

ministrado ao aluno e como este o aprende recebe um grande destaque.

Entre as possibilidades de harmonizar o triângulo pedagógico percebemos

duas classes distintas de professores, sendo que na primeira de acordo com

Legrand (1976) estão aqueles que levam o ensino com a arte da exposição e seu

papel primordial é ensinar e o faz como reprodução dos processos adquiridos ao

longo de sua formação é ousamos dizer que seu alicerce é o egocentrismo,

orientado em sua própria pessoa, em suas qualidades e habilidades deixando bem

claro que nesta situação o aluno fica no lugar do morto.

No segundo caso, em que os alunos estão no centro, ou melhor, como os

principais agentes dos processos educativos, os docentes tem como função a

mediação, facilitando a aprendizagem e suas preocupações estão em identificar

aptidões, desenvolver habilidades a fim de promover uma transformação do olhar

destes discentes para o mundo e para a sociedade, estes docentes progressistas

estão atentos a uma educação que gera mudanças com foco na autonomia com

criticidade para seu desenvolvimento singular e societário.

Quando a aprendizagem está no centro do triângulo, o papel que antes era

predominante do docente, o ensinar, transfere-se para o de ajudar o aluno a

aprender, assim o educar deixa de ser a “arte de introduzir ideia na cabeça das

pessoas, mas de fazer brotar ideias.” (WERNER; BOWER, 1984, p.1-15).

Infelizmente notamos que para muitos docentes universitários a pedagogia

fica no senso comum, ou seja, muitos ou aprendem fazendo ou se espelham em

62

professores que tiveram ao longo de sua formação e este fato ocorre principalmente

por falta de uma preparação pedagógica. Desta forma, o ensino é feito basicamente,

por transmissão, não podemos generalizar, portanto é possível encontrar

professores conservadores e professores antenados às mudanças.

Neste embarace descrito, percebemos que o ensino é muito mais eficaz

quando ocorre com participação dos discentes e que através de suas indagações

tira o docente da zona de conforto e faz com que este perceba que se atualizar é

mais do que necessário é crucial.

Em “Introdução a Psicologia Escolar”, Freire (1977) o autor faz uma crítica à

metáfora da “educação bancária”, pressuposta por uma relação vertical entre o

educador e o educando, neste caso o primeiro detêm o conhecimento, enquanto que

o segundo é o objeto que recebe este conhecimento, propiciando uma relação de

depósito de conhecimentos por parte do educador em seus educandos, gerando

seres acomodados, acríticos, arreflexivos, sem possibilidade de transformações.

Para isto ele propõe a educação libertadora ou problematizadora em que não

existe uma fração entre educador e educando, e estes por sua vez são educados

através do diálogo com o propósito de haver uma transformação. Este processo

humanizado tem a finalidade de promover a autonomia, a libertação dos sujeitos.

A estética da massificação da indústria cultural de Adorno, citada

anteriormente, que aqui chamaremos de pedagogia não escolar, e que dela faz

parte as mídias, bem como cinema, internet, televisão, rádio, livros, jornais e

revistas. Além disso, carrega a ideia da pedagogia bancária, uma vez que esses

expectadores a recebem passivamente sem criticidade, sem diálogo, este poder

influenciador não é absoluto, assim como o modelo de educação bancária há o

impedimento do desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos.

Contudo, Max Webber defende que isto é uma escolha, pois nos deixamos

influenciar se houver interesse.

Vale aqui destacar a relação com o desenvolvimento da consciência crítica

que percebe os limites e possibilidades de transgressões e de autoria percebido em

Fusari (2004):

Além disso, anter-se a essa realidade problemática da comunicação e mídias específicas à educação escolar, da qual o professor é o principal responsável, deve caracterizar-se como revigoradora da busca de reflexões, de posicionamentos, de rumos, de orientações sobre as ações a serem praticadas na comunicação escolar, de tal forma que a transforme para melhor. (FUSARI, 2004, p. 39).

63

Ainda relata a autora que na última década do século XX os conhecimentos

práticos-teóricos que temos sobre comunicação e seus meios ainda são

insuficientes para que a educação escolar efetivamente forme cidadãos, e completa:

Ações e reflexões que contribuam para a produção desses conhecimentos são necessárias e urgentes, por parte de professores e pesquisadores, tendo em vista as mudanças que queremos fazer nas relações comunicacionais das quais somos resultados e as quais, simultaneamente, produzimos na escola inserida no mundo da contemporaneidade. (FUSARI, 2004, p. 40).

O olhar estético nos dá a possibilidade de construir conhecimentos, e através

destes, conseguimos desvelar os detalhes e a estratificação do olhar

proporcionando a possibilidade dos sujeitos desenvolverem em profundidade a

leitura e a interpretação de seu cotidiano, se libertando e extraindo sentidos da

massificação que nos envolve.

2.3 Processos formativos: a arte como possibilidade da recriação da

autonomia e emancipação dos sujeitos

De acordo com Schiller (2013) é através da arte que o homem se faz

verdadeiramente livre, esta condição de liberdade não está no sensível e nem no

racional, e sim na beleza, e é através dela, que ocorre o jogo lúdico, ou seja, a

explicitação de um sentimento na fusão dos horizontes entre sensibilidade e razão

há possibilidade do sujeito ético e autônomo.

A explicação para tal fato está baseada nos pensamentos de Schiller que

demonstram que o agir humano, no que se refere ao belo e à arte, está relacionado

aos seus princípios (obrigação da lei moral) e aos seus sentimentos (regido por

forças naturais).

A arte, na visão de Schiller, é uma metáfora que traduz a liberdade, pois, em

meio a Revolução Francesa em que os filósofos discutiam o cenário político, ele

encontrou através da expressão do belo um caminho para a libertação dos sujeitos

por meio da obra de arte alcançada na união da razão e da sensibilidade

denominada Educação Estética.

A heteronomia, termo criado por Kant (1974) deve ser superada na busca da

razão na ação moral, para ele a vida moral não pode ser guiada por sentimentos,

mas conduzida pela razão. Em Schiller, compreendemos que o homem não é um

64

ser interiorizado e, portanto está condenado à exterioridade e por isso sua dignidade

deve ser traduzida na exteriorização da humanidade através do cultivo das artes.

Somente desta maneira o homem se liberta das dimensões da sensibilidade, o que

podemos traduzir em um ser selvagem preso aos seus sentimentos e da razão

condenado à heteronomia imposta pela sociedade através de dogmas perpétuos e

ecumênicos.

Schiller defendia a beleza com o propósito de que a humanidade considere o

papel do gosto no agir, num encontro entre matéria e forma. É pela beleza que

ocorre a Educação Estética e que este homem sensível se encontra num estado

intermediário entre sensibilidade e razão. Através da manifestação da arte o sujeito

vivencia a relação de reciprocidade entre o racional e o sensível.

O desenvolvimento dos sujeitos, de acordo com Schiller, é pleno com a

Educação Estética, pois os leva a uma autonomia adquirida na compreensão do que

sentimos através do jogo lúdico entre a razão e sensível.

Segundo Adorno e Horkheimer (1985) existe uma banalização em que tudo

pode ser medido, produzido e vendido, este homem contemporâneo exibe uma

representação da realidade repetitiva e previsível, pois através de cópias transfere

para imagens uma mera reprodução sem conteúdo, havendo assim uma castração

da autonomia do indivíduo.

Nesta perspectiva, com a massificação cultural, a arte é transformada em

comércio e lazer perdendo seu caráter reflexivo, que é uma possibilidade para que

ocorra uma transformação, pois com essa propriedade a arte resiste a pseudo

universalidade de integração preservando o seu valor de produzir sentidos.

Os autores deixam claro que para que haja uma mutação desse fenômeno de

massificação cultural é preciso pensar em arte autônoma, pois a mesma mantém o

seu valor de verdade proporcionando um caminho para a libertação e emancipação

dos sujeitos.

Adorno (1995) nos diz que a emancipação é uma maneira de resistir às

formas de dominações atuais e a mesma é manifestada ao realizar o exercício

crítico e reflexivo, de tal modo que a arte passa a ter um horizonte reflexivo,

tornando os sujeitos autônomos através da relação da arte com a crítica filosófica,

ou em outras palavras, o sujeito parte de uma reflexão para transformação de suas

práticas.

65

O caminho da emancipação pela arte, ou seja, a reflexão para transformação

das práticas pode e deve servir como projeto de base para uma prática pedagógica,

pensar em um projeto de educação em prol da autonomia de discentes e docentes

parece uma tarefa difícil, mas não utópica, é sim possível e necessária.

É importante ressaltar que a arte abre horizontes proporcionando aos

indivíduos o seu desenvolvimento, pois através do exercício para desenvolver um

raciocínio criativo e imaginativo, essa arte como expressão de vida leva à

emancipação, e através do criar, sujeitos apropriam-se de suas responsabilidades e

limites, tornando-se únicos e fazendo escolhas com autonomia. “É neste sentido que

a arte e a educação não podem ser vistas e analisadas separadamente, pois ambas

buscam a emancipação e a autonomia dos sujeitos como produtores de um saber.”

(BERKENBROCK-ROSITO; OLIVEIRA, 2012, p. 56).

Refletindo acerca da ideia de que “se a arte vai além da representação de

algo, então ela é linguagem” (BERKENBROCK-ROSITO; OLIVEIRA, 2012, p. 56),

pode-se presumir que esta linguagem, desde a existência humana no mundo até o

presente momento, ou seja, das cavernas até a era digital, apresenta o mundo em

formas, materiais, cores, movimentos, sons, despertando os sentidos e criando

modos de comunicações.

Através da arte as possibilidades são inúmeras, pois ela (re) configura

situações, faz surgir novas indagações, objetivando novas respostas. Na expressão

artística, há uma visão de mundo com conteúdos significativos e muitas vezes nos

emociona por estar ligada a nossa condição humana, pois trata de linguagem da

interpretação da realidade do artista, sua visão de mundo, seu contexto histórico e

sócio cultural. Vale destacar que na arte está o individual e o coletivo, a visão

individual do artista e o contexto em que está inserido de forma que ao apreciar ou

criar uma obra de arte essas realidades se misturam.

De acordo com Dewey (2010) a arte pode ser vista como uma função moral,

que é capaz de eliminar preconceitos aprimorando a capacidade de percepção, pois

rasgam os véus decorrentes dos hábitos e dos costumes. Pensamos que o ensino

da arte deva ser cada vez mais intensificado, não só na área da saúde como na

fisioterapia, mas também, em todas as áreas, por se tratar de uma possibilidade de

se livrar dos pré-conceitos que impossibilitam um desenvolver para a autonomia,

pois como dito anteriormente a arte possibilita novos significados e através desse

66

estímulo nos movemos, nos transformamos e desta forma novos caminhos e olhares

surgem para questões individuais e coletivas.

Quando o homem conhece arte, ele conhece sua história. Quando ele produz arte, inaugura um conhecimento próprio, original, genuíno. O conhecimento da história e da arte torna possível a construção de uma identidade social, a sua prática facilita a construção da identidade individual. (CARBONELL, 2010, p.31).

A arte e o belo são preocupações no processo de formação do homem e em

seu processo de conhecimento, o pensamento na expressão e na linguagem

artística, enfatizando assim as questões estéticas. Ainda em conexão com essas

questões, surgiram também os problemas da determinação da natureza da retórica

e do discurso retórico, ou seja, o discurso que visa convencer e a habilidade de

saber persuadir, questão que teve tão grande importância na Antiguidade. As artes

enciclopédicas, como chamavam os gregos, e as artes liberais, como diziam os

romanos, são educativas porque preparam o homem para a liberdade e preparam o

espírito para a virtude.

Neste sentido, a Paideia assume a educação como uma ação de consciência.

A moral e a ética definem o propósito da educação para a formação do homem

grego, no clássico conceito grego, de formação plena do sujeito para a vida na pólis

(cidade), com grande foco na ética, na estética, na moral, na política, no poder,

como diretrizes racionais da boa convivência do homem em sociedade.

Para atingir uma expressão normativa da formação ideal do homem: Poiésis e

epistemologia se fundem na Paideia. Assim, as artes e a ginástica são maneiras de

formar e educar o homem grego para a atividade racional.

Desta forma, a ginástica visava o domínio de si e a sujeição geral das paixões

à razão, tendo como objetivo o desenvolvimento de princípios éticos como a

paciência, a tolerância, a força, a coragem, a lealdade, o compromisso, respeito e

consideração pelos direitos dos outros.

Já a música teria o poder de familiarizar o espírito de crianças e adultos com

o ritmo e a harmonia, de modo “a poderem crescer em gentileza, em graça e em

harmonia, e a tornarem-se úteis em palavras e ações; porque a vida inteira do

homem precisa de graça e de harmonia." (PLATÃO apud MONROE, 1979, p. 49).

Neste contexto, o Renascimento Carolíngio, o estudo clássico das Sete Artes

Liberais, divisão das disciplinas: Trivium e Quadrivium. A primeira abordava a

67

gramática, retórica e dialética e tinha como objeto de estudo as letras e literatura,

para desenvolver a arte de bem falar, história e lógica. A segunda disciplina abrangia

a geometria, aritmética, música e astronomia, cujo objeto de estudo era a geografia,

a lei dos números, a lei dos sons e a harmonia do mundo e física. Assim, podemos

inferir que a arte já possuía a função pedagógica de aguçar a inteligência,

sensibilidade. Afinal como defende Aristóteles a arte é produtiva enquanto a ação

não é.

Desta forma, podemos perceber que a relação com a arte como uma

possibilidade de Educação Estética no mundo contemporâneo, que desvela o sujeito

em sua verdadeira grandeza, mais afastado do impulso puramente sensível. Esta

concepção colabora para que o docente ajude a formar o olhar do discente

contribuindo para o desenvolvimento e para a humanização do sujeito, portanto

transcendem o individual se estendendo para uma dimensão sociocultural,

privilegiando, assim, a interação entre a universidade e a prática profissional.

Considerando que o curso de Fisioterapia tem como objeto a prevenção, a

promoção, a proteção e a reabilitação de sujeitos que sofrem ou sofreram de alguma

doença que de alguma forma afetaram seus movimentos, podemos vislumbrar a

possibilidade de tratar estes pacientes através das técnicas fisioterápicas com o

auxílio da arte representadas nas diversas linguagens artísticas (música, dança,

pintura, escultura, arquitetura, teatro, literatura, poesia, cinema, fotografia, jogos

eletrônicos). Assim, constituiríamos um ambiente prazeroso e facilitador para o

trabalho do fisioterapeuta, pois desta forma é possível alcançar a maturidade

psíquica, física resgatando a integridade da personalidade através do contato com a

experiência emocional, pela arte proporcionando ao paciente a sua participação na

sociedade que mesmo com limitações pode e deve ser de autoria, em outras

palavras conscientizá-lo de seu quadro e através deste entendimento lançá-lo do

papel de vítima para o de protagonista de sua história a reescrevendo com um novo

significado.

A arte se insere nesse contexto quando é percebida e compreendida como

um modo de pensar criativo, como uma possibilidade de viver o novo. A

compreensão do autor da pesquisa sobre a arte como um movimento capaz de

desenvolver a autonomia e a emancipação do docente, do profissional e do cliente

na área da saúde, na fisioterapia, se deu inicialmente através de muitas leituras,

todavia ao pesquisar e ler sobre o assunto, algo parecia não encaixar quando a

68

questão era a relação teoria e prática, talvez o fato do aprendizado puramente

técnico obtido na graduação velasse possibilidades de se reinventar.

69

3. “A ESTÉTICA DO JALECO”: UMA REFLEXÃO A PARTIR DAS DIRETRIZES

CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA

Sei que sei como sei que não sei o que me faz saber, primeiro, que posso saber melhor o que já sei, segundo, que posso saber o que ainda não sei, terceiro, que posso produzir o conhecimento ainda não existente. (FREIRE, 2012, p.29).

Neste capítulo, a estética do jaleco faz-nos perceber que se libertar, ou seja,

realizar a integração do sensível com o racional e exteriorizar de forma íntegra,

através do jogo lúdico, transparece a verdadeira beleza na utilização do jaleco que

assume um papel de responsabilidade social. Nesse sentido, o processo de

conscientização é a finalidade dos processos formativos como possibilidade da

intervenção dos sujeitos na preservação do meio ambiente, a melhorar a qualidade

de vida, a proteger a sua vida e a do seu cliente, assumindo um compromisso com a

dignidade humana.

O objetivo deste capítulo é refletir sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais

do Curso de Graduação em Fisioterapia na busca da dimensão da Educação

Estética na formação docente e profissional em saúde realizada através de

perspectiva hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, cuja principal função é a de

interpretar o que ainda não foi compreendido.

Neste estudo, compreender o sentido e o significado do alcance pedagógico

da dimensão da Educação Estética considerando o conteúdo, finalidade do processo

formativo do profissional e docente do material analisado as Diretrizes Curriculares

Nacionais do Curso de Fisioterapia.

Por fim, a Educação Estética como a dignidade humana. No horizonte e

finalidade do conteúdo em Schiller tornar-se um ato criador, em que conceitos são

apropriados se recriam, é considerada uma Educação Estética, no qual conceitos

são apropriados e reconstruídos, para posteriormente serem postos em prática,

coletivamente e individualmente pelo profissional e docente em Fisioterapia.

Da mesma forma, Freire dá sua colaboração para a superação de uma visão

bancária na educação e/ou formação, realçando o valor do diálogo e das trocas,

para que ocorra a alteridade, o jogo entre o racional e o sensível para Schiller, e a

70

percepção do uso tanto da racionalidade quanto da sensibilidade na fruição do belo

em Adorno, já que é também conhecimento.

3.1 A estética do currículo: uma visão de humanização

A compreensão do significado de estética das Diretrizes Curriculares do

Curso de Graduação em Fisioterapia propõe a formação generalista, humanista,

crítica, reflexiva, pautada em princípios éticos, com o princípio responsabilidade

social e compromisso com a cidadania, e a promoção da saúde integral do ser

humano. Embora de modo implícito, a dimensão estética é abordada nas Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Fisioterapia. Em relação à finalidade da

formação do profissional consiste em lhe desenvolver a consciência de sujeito,

pressupondo saúde de forma ampliada, capaz de busca de conhecimento relevante

e desenvolvimento de habilidade na perspectiva da necessidade do outro, que

deverá o maior estímulo para conduta ética enquanto ser que serve a alguém.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC) é o órgão público responsável pela

elaboração dos currículos que direcionam a formação profissional universitária no

Brasil. A orientação para as Diretrizes Curriculares Nacionais — com base no

Parecer nº 776/97 e no Parecer nº 583/2001, emitidos pelo Conselho Nacional de

Educação (CNE) — propõe adequações para todos os cursos de graduação no

Brasil. Com esse intuito foram criadas as Diretrizes Nacionais dos Cursos de

Graduação, nas quais são definidos o perfil, as competências e as habilidades que

os acadêmicos deveriam alcançar ao término do curso.

Após a sanção da Constituição de 1988, entra em vigor no País a nova Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada em 20 de dezembro de

1996, como Lei nº 9.394/96, assegurada pelo Parecer nº 776/97, do MEC/CNE,

referente à orientação para as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação.

Posteriormente, DCN’s nas diversas áreas do conhecimento determinam o

planejamento e a elaboração dos currículos dos cursos de graduação, em todas as

áreas do conhecimento, em todo o território nacional.

Neste sentido, a função reguladora da área educacional, como uma das

reformas ocorridas no Brasil, representa a transformação preconizada para a área

educacional juntamente com as transformações políticas, sociais e culturais.

71

É importante ressaltar que houve um caminho resultante de um processo

histórico envolvendo diversos documentos que, direta ou indiretamente, contribuíram

para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Fisioterapia, nosso objeto de estudo.

Sendo assim, merece destaque o Parecer n° 383/63, em 10 de Dezembro de

1963, deliberando que o extinto Conselho Federal de Educação (CFE) decretasse o

Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia no qual, de acordo com Rebelatto e

Botomé (1999), o profissional era considerado um auxiliar médico e executava suas

funções, bem como tarefas de caráter terapêutico, técnicas e exercícios sob a

orientação e responsabilidade médica.

Somente em 13 de outubro de 1969, através do Decreto-Lei nº 938/69, os

cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional foram considerados cursos de nível

superior descritos no Art. 2º. Ainda no referido documento, no art. 3º, era

considerado como atividade privativa do fisioterapeuta a avaliação, a execução de

métodos e técnicas específicas e o diagnóstico cinético-funcional com objetivos de

restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do indivíduo.

Em continuação a este processo, foram criados o Conselho Federal e os

Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com a Lei nº 6.316, de

17 de dezembro de 1975.

No período compreendido entre 1964 e 1983, o curso de Fisioterapia possuía

um Currículo Mínimo do Curso Técnico de Fisioterapia, conforme apontam Rebelatto

e Botomé (1999, p. 80). A proposta inicial foi apresentada pela Portaria Ministerial n°

511/64, sendo substituída pela Resolução n° 4, de 28 de fevereiro de 1983,

estabelecendo um novo Currículo Mínimo para os fisioterapeutas que vigorou até

2001, quando foram criadas e aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais do

Curso de Graduação em Fisioterapia. Nestas diretrizes, propõe-se a formação de um

fisioterapeuta com formação “generalista, humanista, crítica e reflexiva, com

capacitação para atuar em todos os níveis de atenção à saúde embasada no rigor

científico e intelectual”.

De acordo com esta resolução, o discente, no decorrer do seu processo de

formação, deverá obter competências e habilidades exigidas para exercer sua

profissão, com relação à atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação,

liderança, administração e gerenciamento, e educação continuada. Além disso, este

profissional deverá ter visão holística, respeitando os princípios éticos/bioéticos e

72

culturais do indivíduo e da coletividade, objetivando em seu estudo o movimento

humano, nas alterações patológicas, cinético-funcionais, repercussões psíquicas e

orgânicas de modo a preservar, desenvolver restaurar a integridade de órgãos,

sistemas e funções (BRASIL, 2002).

O Currículo Mínimo mostrava-se improdutivo na preservação da qualidade na

formação acadêmica dos egressos nas mais diversas áreas do conhecimento. Além

de ser restrito quanto à possibilidade de inovação e diversificação na formação

oferecida pela Educação Superior, conforme observa-se no excerto abaixo:

Ao longo dos anos, embora tenha sido assegurada uma semelhança formal entre cursos de diferentes instituições, o currículo mínimo vem se revelando ineficaz para garantir a qualidade desejada, além de desencorajar a inovação e a benéfica diversificação da formação oferecida. (BRASIL, 1997, p.1)

Quando exposto e confrontado o currículo mínimo de 1983 com as Diretrizes

Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, percebe-se uma

mudança no perfil do egresso. Antes esse profissional era um mero reprodutor e

executor de técnicas supervisionadas e desenvolvidas por médicos, com uma visão

de formação e atuação tecnicista. Isto, de acordo com Lemos (2005), faz com que a

dimensão do trabalho intelectual perca espaço, devido à ênfase em práticas aliadas

à alta carga horária semanal, privilegiando-se o automatismo e o tecnicismo do

curso de graduação. Percebe-se que, se não há tempo para o estudo, também não

há para a dúvida. Consequentemente, são desvalorizadas a crítica, a reflexão e a

mudança, vistas como um caminho que levam a autonomia desses sujeitos.

O perfil do egresso instituído nas DCN’s do Curso de Graduação em

Fisioterapia na Resolução CNE/CES nº 4, de 19 de fevereiro de 2002, é apresentado

da seguinte forma:

Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação. (BRASIL, 2002).

73

Considerando a estética uma ação ética, capaz de agir com justiça e proteger

o outro das injustiças, cometidas tanto por indivíduos como por instituições, somente

na perspectiva da necessidade do outro é que o fisioterapeuta será competente para

garantir a vida com dignidade de indivíduos e coletividades.

A transição do Currículo Mínimo para as DCN’s do Curso Superior de

Graduação em Fisioterapia representa um caminho para o desenvolvimento da

autonomia e da emancipação do docente e do profissional fisioterapeuta. Desperta a

criticidade nestes sujeitos, que, com uma estética da visão holística, enxergam seu

papel na sociedade e a possibilidade de transformá-la.

De acordo com o Parecer nº 1.210/2001, em relação ao objeto das DCN’s do

Curso de Graduação em Fisioterapia, este deve:

Permitir que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referências nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira (BRASIL, 2001, p. 3).

Nesta perspectiva, é possível compreender que o objeto define que a

formação do egresso se faça com base em competências e habilidades em prol das

demandas sociais e que ele seja capaz de exercer sua função de forma qualitativa

com eficiência. Existe uma preocupação com a sociedade: a estética é uma pilastra,

entre outras — ética, poder, ideologia, moral, metodologia, conteúdo, da

competência do profissional e docente.

No que se refere aos objetivos das Diretrizes Curriculares dos Cursos de

Graduação na Área da Saúde, o Parecer nº 1.210/2001, do CNE, considera:

Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidade (MEC/CNE, Parecer nº 1210/2001, p. 3).

Desta forma, consideramos a dimensão estética o desenvolvimento da

criticidade que, de acordo com Freire, é um caminho para a autonomia, que por sua

vez gera qualidade, integralidade e humanização, refletida no individual e no

74

coletivo, para que o profissional dentro da sua área resolva os problemas da

sociedade.

Com relação à autonomia, o Edital n° 4/97, estabelece:

As Diretrizes Curriculares devem conferir uma maior autonomia às IES na definição dos currículos de seus cursos. Desta forma, ao invés do atual sistema de currículos mínimos, onde são detalhadas as disciplinas que devem compor cada curso, deve-se propor linhas gerais capazes de definir quais as competências e habilidades que se deseja desenvolver nos mesmos. Espera-se, assim, a organização de um modelo capaz de adaptar-se às dinâmicas condições de perfil profissional exigido pela sociedade, onde a graduação passa a ter um papel de formação inicial no processo contínuo de educação permanente que é inerente ao mundo do trabalho. (BRASIL, 1997, p.1).

A dimensão estética aparece na preocupação com a autonomia das IES,

conforme o Edital nº 4/97, do MEC/SESu, o desenvolvimento de um perfil

profissional que atenda às demandas sociais. Nesse contexto, contempla a ética na

graduação quando passa a ser entendida como formação inicial diante de um

processo de educação continuada, indispensável para atender as demandas do

mercado de trabalho. De acordo com o Parecer nº 776/97 (MEC/CNE, 1997, p. 2),

as Diretrizes Curriculares devem oferecer:

Elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo do saber ou profissão, visando promover no estudante a capacidade de desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente. Devem também pautar-se pela tendência de redução da duração da formação no nível de graduação. Devem ainda promover formas de aprendizagem que contribuam para reduzir a evasão, como a organização dos cursos em sistemas de módulos. Devem induzir a implementação de programas de iniciação científica nos quais o aluno desenvolva sua criatividade e análise crítica. Finalmente, devem incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania. [...]

Neste documento, a beleza da estética é percebida com a preocupação de

superação da educação reprodutora e bancária, que suprime o alcance da formação

de um sujeito mais crítico e preparado.

Os cursos de graduação precisam ser conduzidos, através das Diretrizes Curriculares, a abandonar as características de que muitas vezes se revestem, quais sejam as de atuarem como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, passando a orientar-se para oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do

75

mercado de trabalho e das condições de exercício profissional. (MEC/CNE, 1997, p. 2)

Sendo assim, podemos compreender a dimensão estética nas DCN’s quando

prioriza a promoção da autonomia com o aprofundamento em cada área do

conhecimento, do saber ou profissão com objetivo de formar profissionais críticos e

adaptados à realidade da sociedade brasileira. Deste modo, é possível considerar

que as Diretrizes Curriculares preocupam-se com a educação continuada, visto que

consideram a formação acadêmica como uma formação inicial num processo

contínuo de formação profissional autônoma.

Com o intuito de assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação

oferecida aos estudantes, o Parecer nº 1210/2001, do MEC/CNE, que delibera as

Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia,

estabelece os seguintes princípios:

-Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como nas especificações das unidades de estudo a serem ministradas; -Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo, a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos. A comissão da CES, baseada neste princípio, admite a definição de percentuais da carga horária para os estágios curriculares nas Diretrizes Curriculares da Saúde; -Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação; -Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa; -Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e profissional; -Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada; -Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão; -Incluir orientações para a conclusão de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar às instituições, ao docente e aos discentes acerca do desenvolvimento das atividades do processo ensino-aprendizagem (BRASIL, 2001, p. 2).

Consideramos que, ao focar os processos formativos desses profissionais e a

realidade das necessidades do Brasil, as DCN’s representam um avanço para a

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área da educação em saúde, no que diz respeito à conscientização de princípios

estéticos com a responsabilidade e o compromisso como profissional e docente na

área da saúde.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em

Fisioterapia definem, portanto, princípios, fundamentos, condições e procedimentos

da formação de fisioterapeutas. Estes princípios devem ser respeitados em âmbito

nacional na organização, no desenvolvimento e na avaliação dos projetos políticos

pedagógicos dos cursos.

A dimensão estética na formação do fisioterapeuta contempla o objetivo de

dotar o profissional de conhecimentos para o exercício de competências e

habilidades como:

I – Atenção à saúde: capacitar o profissional a estar apto a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde de forma individual e coletiva. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com o sistema de saúde dentro de padrões de qualidade e princípios de ética/bioética levando em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas com a resolução do problema de saúde em nível individual e coletivo. II – Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais precisa estar fundamentado na capacidade de tomada de decisões, eficácia e custo-efetividade, força de trabalho, medicamentos, equipamentos, procedimentos e práticas. Para que esta fundamentação seja realizada é preciso que os profissionais possuam competências e habilidades na avaliação, sistematização e decisão nas condutas tomadas, baseadas em evidências científicas. III – Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis, manter a confiabilidade das informações recebidas e na interação com os demais profissionais da saúde e da população. Esta comunicação é a verbal, não-verbal e habilidades na escrita e leitura e requer o domínio de pelo menos uma língua estrangeira, domínio de tecnologias de comunicação e informação. IV – Liderança: Os profissionais devem estar aptos a assumir posição de liderança no trabalho em equipe multiprofissional com vistas ao bem estar da comunidade envolvendo características como: compromisso; responsabilidade; empatia; tomada de decisões; comunicação e gerenciamento. V – Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, gerenciar e administrar a força de trabalho e recursos físicos, materiais e de informação, ter capacidade de empreendedorismo, gestão, empregadores ou lideranças nas equipes de saúde. VI – Educação permanente: os profissionais devem estar em contínuo processo de aprendizado na sua formação e na sua prática, ter compromisso com a sua educação e treinamento/estágio de futuros profissionais e proporcionar condições de benefício mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços para a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais (BRASIL, 2002).

77

Assim, a estética envolve o desenvolvimento de competências, como a

atenção integral à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança,

administração e gerenciamento e educação permanente. (Brasil, 2007, p.58).

No Art. 5º da Resolução em análise, está contemplado que a formação do

fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos

para o desenvolvimento das competências e habilidades específicas e, ainda, a

formação profissional deverá atender ao sistema de saúde vigente no país.

Na dimensão estética do conteúdo para os cursos de graduação em

fisioterapia, conforme consta no art. 6º, estes devem estar relacionados com o

processo de saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrando à

realidade epidemiológica e profissional, e proporcionando a integralidade das ações

do cuidar em fisioterapia:

I – Ciências Biológicas e da Saúde – incluem os conteúdos (teóricos e práticos de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos; II – Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo de saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psico-sociais, culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios de saúde, educação, trabalho e administração; III – Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a pratica clínica fisioterapêutica; e IV – Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano. (BRASIL, 2002).

Esta Resolução ainda estabelece que o estágio curricular supervisionado é

obrigatório e deve contemplar uma carga horária de 20% da carga horária total do

curso de graduação proposto, considerando aqui a dimensão da estética nos

ambientes de estágios supervisionados. Os ambientes de estágios supervisionados

ensinam uma estética, seja do belo ou da feiura, presente no ambiente físico e nas

relações interpessoais. Além disso, o projeto político-pedagógico (PPP) do curso

deverá também conter atividades complementares por meio de mecanismos de

78

aproveitamento dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes através de

programas de monitorias, estágios, iniciação científica, programas de extensão,

estudos complementares e cursos em áreas afins. Ainda de acordo com esta

Resolução, o PPP deve ser construído coletivamente, apresentando o professor

como facilitador e mediador do processo de ensino-aprendizagem e o aluno como

sujeito central neste processo, que busca a formação adequada e integral.

No dia 6 de abril de 2009, foi publicada a Resolução CNE/CES nº 4, que

dispôs sobre a carga horária mínima e os procedimentos relativos a integralização e

duração dos cursos de graduação em Fisioterapia. Dentre outras determinações,

ficou estipulado que os estágios e atividades complementares dos cursos referidos

no documento não deverão exceder 20% da carga horária total do curso e que as

instituições de educação superior deverão fixar os tempos mínimos e máximos da

integralização curricular por curso, bem como sua duração. Por esta Resolução, o

curso de graduação considerado da área da saúde, bacharelado na modalidade

presencial, tem carga horária mínima (CHM), para a integralização do currículo, de 4

mil horas. Desta forma, o limite mínimo para a integralização dos cursos que fazem

parte do grupo com carga horária mínima entre 3.600 e 4.000 horas será de cinco

anos.

Esta resolução contempla também que as instituições que ofertam cursos no

sistema de créditos ou módulos acadêmicos deverão dimensioná-los em no mínimo

200 dias letivos, com duração da hora-aula em 60 minutos, com alterações

constando nos respectivos projetos pedagógicos dos cursos.

Fica claro, a partir do analisado até aqui, que o ensino superior vem sofrendo

alterações significativas, conforme considera Kuenzer (2001):

da formação especializada, passa-se à formação do generalista; dos currículos mínimos, passa-se às diretrizes curriculares amplas – que serão adequadas a cada curso, segundo as peculiaridades locais e dos alunos - ; de trajetórias unificadas, passa-se à diversificação dos percursos. (KUENZER, 2001, p. 19)

A formação mais especializada, prevista no Currículo Mínimo, preparava o

profissional para ser um executor de métodos e técnicas de avaliação e tratamento

fisioterapêutico em diferentes áreas de atuação; previa um profissional “preparado”.

Já o profissional generalista é aquele com capacidade crítica, reflexiva, capaz

de desempenhar suas atividades com base no rigor científico, elaborando o

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diagnóstico cinético-funcional, com capacidade de adaptação às diversas alterações

que podem ocorrer em função do próprio cliente, da conduta realizada, do método

ou técnica escolhida ou, ainda, da evolução biotecnológica. Assim, observa-se que o

profissional generalista proposto pelas DCN’s é a de um profissional "adaptável" às

demandas do mercado de trabalho.

A proposta de um currículo integrado que propicie a formação generalista

parte da coletividade, ou seja, uma construção de um conhecimento pedagógico

apropriado a esse processo de formação que gere uma transformação do que foi

aprendido (PIVETTA, 2006, p. 4).

Nas DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia, no campo das

competências e habilidades específicas, o artigo 2º destaca: "A formação do

fisioterapeuta deverá atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção

integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e

contrarreferência e o trabalho em equipe" (BRASIL, 2001, p. 6).

Podemos depreender desse parágrafo o foco no atendimento do sistema

vigente de saúde. Considerando o Currículo Mínimo das DCN’s, observa-se que a

reforma curricular se fez a partir de um desconforto em relação às práticas

percebidas como ineficientes, que não estavam acompanhando as mudanças

propostas nos novos modelos de assistência, voltados para o contexto da realidade

brasileira. Neste processo, há uma redefinição do mercado de trabalho para o

fisioterapeuta.

A visão de integralidade presente no objetivo das Diretrizes Curriculares,

estabelece que:

“[...] garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidade.” (BRASIL, 2001, p.4).

Nesta perspectiva, é interessante destacar que a humanização da saúde é

um movimento internacional que surgiu na tentativa de sensibilizar o profissional da

área da saúde em relação ao distanciamento provocado pelo advento da indústria

da massificação cultural, bem como do avanço tecnológico que faz com que a

relação entre terapeuta e cliente torne a pessoa objeto da investigação clínica, ou

que acaba coisificando as pessoas e reduzindo "de modo artificial o irreal humano,

80

que supõe mentes abertas às inovações, por mais ‘hetéricas’ que pareçam."

(BERKENBROCK-ROSITO; LOTERIO, 2012, p. 140).

Deve-se pensar criticamente em relação às tecnologias e conhecimentos

científicos, refletir sobre sua validade e melhor modo de aplicação à vida humana,

respeitando a vontade e atendendo a necessidade de cada indivíduo, nas

dimensões estéticas, éticas, sociais, culturais e existenciais. A crítica e a reflexão

devem levar a mudanças de pensamento e comportamento para transformar a

sociedade. A formação crítica e reflexiva deve exigir uma postura ativa, portanto

política.

O processo de (des)coisificar essas relações, tornando-as mais humanizadas,

é um trabalho complexo, que necessita a compreensão de olhar a técnica como

instrumento que deve acolher o cliente, e não excluí-lo. Estas transformações

despertam inseguranças, pois, para alcançar tal objetivo, é necessário um trabalho

de abertura e de respeito ao outro como um ser singular.

Leite e Strong (2006) apresentam em suas pesquisas que a visão holística

tem seu enfoque no ser humano sob as óticas do microcosmo, em que cada parte

representa o todo, e do macrocosmo, em que o todo interage com os seus

componentes. Esta visão relaciona-se com o círculo de compreensão na perspectiva

hermenêutica, em Gadamer (2007): o sentido de um texto é extraído da parte, da

palavra ao conceito e do conceito à palavra, ampliando-se nosso horizonte de

mundo.

De acordo com Pessini et al (2003) a teoria do contexto macro influencia no

cotidiano do condicionamento e na determinação da cultura, na convivência no

contexto micro das instituições. Dessa forma, é possível compreender o ser humano

em sua totalidade, nas diferenças, no pluralismo e na diversidade estão relacionados

com o cuidado à vida. (BERRINELLI, WASKIEVICZ, ERDMANN, 2003).

De acordo com Leite e Strong (2006, p. 213), a humanização dos serviços de

saúde, com a ótica da visão holística,

evidencia que a noção de qualidade em saúde necessita transcender o senso de conformidade técnica dos agentes sobre o objeto de sua p´ratica, para considerar que um ato técnico se realiza num campo simbólico de trocas, em uma relação intersubjetiva que se inicia com o acolhimento ao outro, com a construção do vinculo e repercute intensamente em todos que dela participam pelo princípio da alteridade que ocorre em todo contato humano. [...] Os conhecimentos advindos da visão biomédica são muito importantes para a atuação do profissional, porém de igual importância tem-

81

se o estudo do ser humano com todas as suas facetas, em seu meio de relação. Assim, qualquer inclinação, para um lado ou outro, do que se considera um todo, incorre no risco de um tratamento fragmentado, desumanizado e, portanto, alienado e alienante. (LEITE; STRONG, 2006, p. 213).

Nesta perspectiva, é essencial incorporar a ótica da dimensão da Educação

Estética na formação de futuros profissionais da área da saúde com objetivo de

trilhar novos caminhos na educação e na saúde. Estes profissionais necessitam dar

mais atenção aos valores éticos, de dignidade considerando o processo de

humanização como possibilidade de desenvolver um novo olhar, uma nova forma de

atuar.

Questões como esta estão presentes, segundo Adorno, na estética da

massificação da indústria cultural, que pode levar a uma desnutrição filosófica pela

perda da criticidade, da desumanização dos sujeitos, de valores subjetivos que se

perderam com o avanço científico. Não é o caso de abandoná-las, mas de agregar

valores humanos no trato das instituições de educação e saúde ligadas a princípios

éticos, com respeito e valorização dos seres humanos.

Apesar destas discussões, ainda é perceptível a existência de uma lacuna

quando falamos em produção de conhecimentos nas IES no Brasil, pois existe uma

tendência dos países em desenvolvimento adotarem normas e procedimentos dos

países desenvolvidos. Com isso,

a possibilidade de descobrir outras maneiras de produzir conhecimento, tecnologia ou fazer ciência neles torna-se cada vez menor [...] Quanto mais o conhecimento for apenas “reproduzido” e “transmitido”, em vez de também ser produzido, levando em consideração a realidade circundante, mais distante estarão os futuros profissionais de obter resoluções para os problemas da população do País. (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999, p.74).

Essa clonagem de produção de conhecimentos originários de países

desenvolvidos, que tem em suas entranhas problemas e realidades distintas,

prejudica os egressos das universidades brasileiras, despreparados para enfrentar

as reais dificuldades da população.

Rebelatto e Botomé (1999) exemplificam que esse tipo de problema é mais

visível em áreas industriais. Contudo, afirmam que essa situação é muito

semelhante na saúde, particularmente na Fisioterapia. A conivência com essa

situação faz com que os fisioterapeutas saiam das universidades brasileiras

despreparados para solucionar os problemas sociais da realidade que os circunda.

82

Os autores atribuem à universidade a busca de "caminhos próprios" para que

seus objetivos sejam realizados e assinalam que seria necessário que esses

objetivos fossem mais detalhados quanto a sua função social, bem como os

problemas que seriam abordados e quais as ações que o egresso necessitaria para

resolver esses problemas.

A proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Fisioterapia busca a formação mais generalista e humanista, além da articulação de

conteúdos, o que reflete como as legislações educacionais pensam a relação do ser

humano, do seu corpo, e da sua saúde, com a perspectiva do trabalho.

Com relação às habilidades e competências relacionadas diretamente com as

necessidades sociais, as DCN's demonstram o desafio relacionado à representação

sobre a realidade da profissão e de uma análise concreta de suas práticas em

relação às necessidades da sociedade. Percebemos que, a partir das insatisfações

sociais observadas, ocorre a busca por solucioná-las. É preciso, portanto, inserir os

alunos em uma prática profissional que promova o envolvimento com a teoria,

sintonizadas com as demandas sociais. Ou seja, conhecendo, desde o início da sua

formação, a realidade com a qual se vai trabalhar, com uma aproximação às

mudanças propostas nos novos modelos de assistência, voltados para o contexto

brasileiro, redefinindo o mercado de trabalho para o profissional fisioterapeuta.

Acreditamos que, para alcançar tal objetivo proposto em relação às

habilidades e competências, é necessário que as IES passem a oferecer cursos de

capacitação aos seus docentes, a fim de se alcançar uma visão mais humanizada

da técnica, em que o cliente passe a ser tratado, levando-se em considerações suas

características individuais e socioculturais.

Mas compreendemos que pelo histórico da profissão de fisioterapia, a

naturalidade deste processo, enquanto proposta da mudança do perfil do

profissional e fisioterapeuta, desenrola-se lentamente, pois as novas vivências

acadêmico-profissionais que buscam uma consciência moral mais sensível e critica

ainda estão em processo de construção.

Compreendemos que as novas diretrizes contemplam um novo olhar que privilegia a

relação terapeuta-cliente, e que a porta de entrada para que se desenvolva esta

visão é a saúde coletiva, que insere o discente em realidades sociais diversas; este

contato com a comunidade pode sensibilizá-lo a respeito das disparidades que

acentuam o afastamento entre pessoas, de modo que essa questão da

83

humanização alavanque a criticidade, permitindo a ambas as partes compreender os

componentes técnicos e instrumentos utilizados na arte de um atendimento.

3.2 A estética do corpo e da pessoa: vínculos indissociáveis na formação

profissional e docente

Qual o sentido de beleza para a formação profissional e atuação docente no

Curso de Fisioterapia?

Entendemos aqui que o belo nas DCN’s do Curso de Graduação em

Fisioterapia está contido no princípio do ser fisioterapeuta, que, na fusão do saber e

do ser, materializa-se no gosto pelo agir, representado pelo exercício da profissão

da fisioterapia, a qual, sustentada pela ética, estética e dignidade, personifica-se na

beleza, na exteriorização de um trabalho focado na autonomia e na emancipação

dos envolvidos com fins de proporcionar transformações.

Uma proposta para que ocorram tais transformações no fisioterapeuta estão

nas contribuições acerca do paradigma do sensível provenientes dos estudos de

Bois, que, antes de se tornar doutor em ciências da educação e professor de

psicopedagogia, ao longo dos anos 1980, era fisioterapeuta e especialista em

osteopatia. Naquela época, esse autor explorou a vida subjetiva provocada por suas

mãos, descobrindo uma animação interna inovadora quando comparada a

encontrada na prática da osteopatia. Assim, houve uma consciência de que a

atividade interna que era percebida não correspondia aquela descrita pela

osteopatia. O autor experimentou um movimento interno que transforma o "corpo

objeto" em "corpo sujeito", na singularidade das pessoas; o sujeito entende a

presença de um movimento interno que se move no interior da matéria e traz

consigo o princípio primordial da subjetividade (BOIS, BOURHIS, 2012).

Para Bois e Austry (2008), o paradigma do sensível remete a uma ciência das

relações. Nestas relações, a que existe entre o sujeito e seu movimento interno e

entre o sujeito e o lugar do sensível denota qualidades esperadas, bem como

implicação, indiferença ou ainda interesse. No caso de um sujeito que sofreu uma

lesão, ocorre uma indiferença com o que mudou, com o que foi perdido:

Essas diferentes qualidades indicam um tipo de relação precisa entre o sujeito e seu corpo, um tipo de presença do sujeito com ele mesmo e com sua interioridade. Podemos observar que, a cada tipo de relação, está

84

associada uma qualidade específica do conteúdo perceptivo: a indiferença para com seu próprio corpo deixa percebê-lo apenas como objeto “indiferente”, o interesse por si mesmo dá acesso a conteúdos de sentimentos mais ricos etc. (BOIS; AUSTRY, 2008, p. 7).

O tipo de relação por meio da qual o sensível ocorre foi denominado por Bois

e Austry (2008) de "reciprocidade" atuante. Sua conotação transparece no sentido

de que o sensível discorre num modo de implicação partilhada pelo pedagogo com

seu educando, do terapeuta para seu paciente e, sobretudo, do próprio sujeito em

relação ao seu movimento interno.

É pela implicação total do sujeito na relação de percepção de si que o Sensível se revela: o Sensível não é um objeto exterior ao sujeito, o Sensível é o próprio sujeito em seu porvir atualizado. A evolutividade que nasce dessa implicação na relação com o Sensível, de causa e efeito, de efeito que se torna causa efetiva do efeito seguinte, é um sinal da reciprocidade entre a pessoa, o terapeuta “percebedor” e o que é percebido. (BOIS, AUSTRY, 2008, p.8).

Nesta perspectiva, podemos refletir sobre como durante a fisioterapia, tanto o

fisioterapeuta (percebedor) como o cliente (percebido) caminham juntos e se

influenciam mutuamente e permanentemente diante das respostas sensoriais e

cognitivas que emergem na relação com o corpo sensível.

Em sua tese, O corpo sensível e a transformação das representações no

adulto, Bois e Austry (2008, p. 8) estabelece relações com o corpo que se declinam

segundo o modo de percepção, do sujeito percebedor: “eu tenho um corpo”, “eu vivo

meu corpo”, “eu sou meu corpo”, enfim, “meu corpo ensina alguma coisa de mim

mesmo”.

Sendo assim, a fisioterapia pode auxiliar a transformação do “corpo objeto”,

aquele que não é percebido e visto somente como um executor de funções

voluntárias da pessoa na tradução do “eu tenho um corpo”, para o “corpo sujeito”,

processo que exige mudanças de atenção e percepção traduzidas nas expressões

“eu vivo meu corpo” ou “eu sou meu corpo”.

Entretanto, nesse estágio, a percepção está frequentemente reduzida a uma ligação com os estados físicos: tensão, descontração, dor, prazer etc. É somente quando ‘eu sou meu corpo’ que o corpo se torna realmente sujeito, lugar de expressão do si através do que é sentido, implicando um ato de percepção mais elaborado em relação ao corpo. (BOIS, AUSTRY, 2008, p. 8).

85

Através da percepção do “eu sou meu corpo” advinda pela transformação em

“corpo sujeito” se dá a relação, indicada pela expressão “meu corpo me ensina

alguma coisa de mim mesmo”, compõe o corpo que Bois e Austry (2008)

denominam de corpo sensível.

Em último lugar, no processo que vai da percepção do Sensível à apreensão do sentido que dele se desprende, assistimos à eclosão de um eu que ultrapassa o eu social ou psicológico, a que chamamos do eu que sente. Este nos interessa mais particularmente porque ele é, ao mesmo tempo, sujeito conhecente e sujeito que sente. Ele se distingue dos outros eu, na medida em que é um eu de relação, atingindo as camadas mais profundas da interioridade do homem. Ele tem acesso à experiência pessoal, às confidências corporais. (BOIS, AUSTRY, 2008, p. 9).

De acordo com Trezzi & Berkenbrock Rosito (2010) pessoas que entram em

contato com o “corpo sensível” são capazes de desenvolver um conhecimento mais

profundo de si mesmo e uma sensibilidade maior para conviver consigo mesmo e

com suas histórias e com as outras pessoas.

[...] resultados da prática, de mais de trinta anos, de Método de Terapia Manual, a Somato-psicopedagogia, de que Danis Bois é precursor, a partir do estudo da Osteopatia e da Fasciaterapia. Sentir a dor na própria pele e saber lidar com o sofrimento são enormes desafios de aprendizagem, que despertam a potencialidade da renovação do eu (TREZZI, BERKENBROCK ROSITO, 2010, p. 125).

O princípio da autonomia do sujeito como única referência para a ética e a

estética põe em dúvida um compromisso voltado para a humanização dos sujeitos.

Anjos (2006) diz que a vulnerabilidade se apresenta e marca o limite da autonomia

do sujeito em relação à corporeidade, e põe em discussão a questão da dignidade

humana.

O corpo não é um objeto, ou algo dado, mas um organismo em construção.

Segundo Merleau Ponty (2006) não há outra forma de conhecer o corpo senão vivê-

lo. O corpo humano é um processo, uma organização em constante mutação e

transformação, um movimento que precisa ser acompanhado de dentro e não

comandado por fora.

Anjos (2006) salienta que nossa corporeidade se dá em uma tripla dimensão

de vulnerabilidade: a vulnerabilidade apresentada em períodos de nossa existência

(infância e adolescência), da exposição enquanto corpos orgânicos e funcionais

86

(doenças e disfunções) e a situações relacionais como a exposição a

condicionamentos específicos.

Nesse sentido, é preciso compreender fatores históricos, ter consciência da

realidade e de que não estamos livres de fatores genéticos, culturais, sociais, de

classe e de gênero, que marcam nossa existência, podendo ocasionar obstáculos

que geram duras dificuldades a serem superadas no desenvolvimento de nossas

atividades mentais e físicas, por exemplo, Alzeihmer e Parkinson. Nessa

perspectiva, estamos todos expostos à concepção da vulnerabilidade como

condição humana.

A concretização da formação na dissertação se faz pelo entendimento do

termo pessoa, cujas definições são destacadas por valores metafísicos, teológicos,

morais, existenciais e políticos do ser humano.

De acordo com Abbagnano (2000), a origem etimológica da palavra "pessoa"

é a expressão latina per-sonare, que tem o mesmo sentido da voz grega prósopon,

que significa "máscara" — era o termo que designava a máscara que cobria o rosto

de um ator enquanto ele atuava, utilizada para lhe amplificar a voz, passando depois

a designar a própria personagem representada. Segundo Pegoraro (2005),

o conceito de pessoa engloba, em seu significado, a unicidade, a singularidade, a especificidade e a dignidade do ser humano. […] na definição teológica, a pessoa é o indivíduo subsistente na natureza racional criada por Deus. [...] a pessoa é também uma existência potencial, porque, sendo inteligente e livre, nunca termina de explicitar suas potencialidades. Dizemos que a pessoa cresce em valor e qualidade, do início ao fim da vida, pelo seu esforço. (PEGORARO, 2005, p. 371).

Kant (2005, p. 69) propõe sua definição de pessoa em termos éticos e

fundamentada na autonomia do ser humano, indicando que se deve agir de tal forma

que se considere "a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os

outros, sempre como fim e não como simples meio". Já para Scheler (1989. p. 30),

"[...] a pessoa é considerada como depositária de valor, pois somente na pessoa é

possível realizar-se a apreensão de valores e, portanto, somente a partir da noção

de pessoa é que se pode adotar a noção de dignidade".

Deste modo, a pessoa e seu corpo constituem elementos indissociáveis que

encenam infinitas histórias de suas múltiplas transformações. O corpo de acordo

com o mundo que está inserido se expressa por simbologias singulares adquirindo

inúmeros significados.

87

O corpo é o elemento essencial do labor da fisioterapia. Portanto, a dimensão

estética na formação profissional do fisioterapeuta encontra-se no Currículo Mínimo,

prescrito pelas DCN’s: a ideia de que um corpo, além de suas características

orgânicas e fisiológicas, deve ser, antes de tudo, um corpo funcional, de que se deve

pensar a pessoa a partir do que a lesão permite que ela seja — ou, melhor: não

pensar no que foi perdido. mas na construção da pessoa a partir do quadro que se

encontra.

Sendo assim, é essencial organizar o processo de formação do fisioterapeuta

a partir de competências e habilidades, o que implica em uma batalha relacionada à

representação sobre a realidade da profissão e de um diagnóstico palpável de suas

práticas em relação às necessidades da sociedade.

A busca por mudanças ocorre a partir da clarificação das insatisfações sociais

em relação ao conjunto de habilidades da profissão fisioterapeuta que direcionem

suas ações para o desenvolvimento da prevenção, promoção, proteção e

reabilitação da saúde, tanto individualmente quanto coletivamente.

Apenas desta forma, o profissional conseguirá pensar criticamente,

considerando também o contexto social. Freire (1984) relembra Legrand, quando

aborda a questão do homem conseguir organizar reflexivamente seu pensamento,

inserindo um novo termo entre compreender e atuar, que seria o pensar.

Ainda sobre as necessidades de repensar a formação profissional, os autores

Perpétuo (2005), Pivetta (2006) e Rebelatto e Botomé (1999) concordam em que é

preciso adequar o aprendizado e a formação do fisioterapeuta à realidade brasileira,

com destaque para o caráter humanista e crítico reflexivo e ao rigor científico

fincados nos princípios da ética.

É possível perceber que há um conflito na área da educação. Muitos

profissionais reconhecidos em suas áreas técnicas, apesar de suas qualificações,

não possuem formação pedagógica e suas práticas são construídas a partir de

conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida acadêmica, profissional e social,

somada a sua história de vida. Inseridos nesse contexto, estão o docente e o

profissional fisioterapeuta que ingressa na carreira docente, que, ao se deparar com

situações e conflitos, opta pelo seu desenvolvimento na educação continuada um

caminho para exercer a docência.

A formação na docência na contemporaneidade exige do professor um novo

olhar voltado para o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento crítico

88

reflexivo (FARIA E CASAGRANDE, 2004). Os profissionais responsáveis pela

formação de futuros fisioterapeutas, em sua grande maioria, foram formados por

modelos antigos de caráter tecnicista e reabilitador, Pivetta (2006) analisou a

situação específica dos cursos de Fisioterapia e nos diz que:

A docência, para esses profissionais, surge então como um desafio, pois precisam mobilizar seus saberes técnicos e científicos no campo da especificidade da profissão docente. E, neste momento, é inevitável o repensar da docência, pois se tornou desafiador trabalhar uma proposta de ensino modular diferenciada que se distancia do modelo formativo no qual os decentes envolvidos no processo obtiveram seus saberes. (PIVETTA, 2006, p. 3).

Em seus estudos acerca da concepção da formação e docência de

professores do Curso de Graduação em Fisioterapia, Pivetta (2006) aborda que os

atores, professores de fisioterapia, tiveram uma formação fincada na solução de

problemas para doenças instaladas, ou seja, aprenderam técnicas específicas para

o tratamento de cada doença. Isso, nas palavras de Santomé (1996) deixa claro que

esta proposta não abre espaço para a criticidade, sem falar que a parte social e a

humanização dos sujeitos se tornam secundárias.

Nesta perspectiva, Schon (2000) ressalta que esta abordagem é a de um

ensino normativo, no qual, em primeiro lugar, se aprende a teoria e, depois, a

prática. O autor afirma que esta modalidade inibe o talento artístico dos alunos, que

saem das universidades como mero reprodutores tecnicistas.

De acordo com Pivetta (2006), a estruturação modular no currículo permite

que alunos e professores usem a teoria e a prática mutuamente e que, desta forma,

o ser humano é estudado como um todo e não em fragmentos. Neste sentido,

Santomé (1996) destaca que esta estrutura possibilita que, através de atividades

integradas entre professores e alunos e entre teoria e prática, gera-se aprendizagem

e criticidade, porque existem debates e reflexões entre as partes. O autor ainda

afirma que a democratização em negociar as atividades e as possibilidades de

efetivá-las é uma proposta inovadora que necessita ser construída pelos atores do

processo.

Como já mencionado, grande parte dos professores de fisioterapia não

tem formação pedagógica para exercer a docência; sua formação está relacionada

com o tecnicismo. A consequência natural, mas não assertiva, é uma reprodução do

processo por que se passou durante a aprendizagem.

89

Deste modo, é possível perceber que as DCN’s do Curso de Graduação em

Fisioterapia sincretizam mudanças voltadas para a humanização e para a

capacitação do profissional em desenvolver ações de prevenção, promoção,

proteção e reabilitação da saúde de forma individual e coletiva. Este novo olhar

transfere para o professor de fisioterapia, como formador, a responsabilidade de

proporcionar ao sujeito que está em formação um desenvolvimento da autonomia

nos princípios da ética, bioética e biossegurança pelo uso da Educação Estética.

Nestas condições, o que resta é mudar e urgentemente, pois aquela

postura do professor de fisioterapia tradicional, baseada na transmissão do

conhecimento, não condiz com o novo olhar para a educação, em que a postura do

professor deve ser a de mediador, valorizando o aluno como sujeito ativo na

construção do conhecimento.

Apenas assim o aluno poderá ter sua formação adequada à proposta

nas DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia, que, associada ao PPP

institucional, define a visão do homem e do profissional que se quer formar. Para

isto, é essencial uma não estagnação do professor, mas a renovação de uma

constante busca e revisão das práticas de ensino, como defendem Anastasiou e

Alves (2003). A formação dos alunos em fisioterapia, na contemporaneidade, está

calcada nas relações do professor com a IES, do professor com o professor e do

professor com os alunos.

A prática docente, quando construída e refletida, gera sentidos e significados próprios, pois mobiliza saberes reafirmando ou (re) significando o papel do professor como mediador do processo de construção do conhecimento. (PIVETTA, 2006, p. 7).

Neste contexto, o professor de fisioterapia necessita compor uma narrativa

que demonstre a nitidez garantindo aprendizado no seu fazer pedagógico. Desta

maneira, esse formador deixa de tratar o conhecimento isoladamente, processo no

qual a teoria é dissociada da prática, o que promove a perda da visão do todo.

A respeito das relações estabelecidas sobre a formação e os saberes

docentes, Nóvoa (1995) destaca a importância do desenvolvimento pessoal,

relacionado aos processos de produção de vida do docente, aos aspectos de

profissionalização docente e ao desenvolvimento institucional, baseado nas relações

de investimento e objetivos educacionais.

90

Já Tardif (2005) considera os saberes docentes pluralistas. Nestes, os

professores mantêm inúmeras relações entre os saberes adquiridos nas instituições

formadoras, na união das dimensões dos saberes iniciais e da educação continuada

junto a saberes de que dispõe a sociedade, saberes curriculares definidos pelas

escolas com seus objetivos, conteúdos e métodos e saberes experienciais advindos

da interação da prática diária com a das interações com a sociedade.

Através das reflexões acerca da arte com intuito de entender sua ligação com

o desenvolvimento de autonomia e emancipação dos sujeitos, neste caso os

fisioterapeutas, chegamos ao paradigma de que a formação na graduação deve

ocorrer no campo da curiosidade estética ou curiosidades espontânea dirigidas à

curiosidade epistemológica de Freire, com o propósito de manter ativa a criticidade

dos egressos para uma educação continuada, ou seja, um querer saber mais.

De acordo com Freire (2011), no "pensar para o fazer" e no "pensar sobre o

fazer", com a reflexão, surge a curiosidade ingênua que leva à curiosidade crítica

sobre os saberes e a prática docente. Assim, a reflexão crítica permanente deve

constituir-se como orientação prioritária para a formação continuada dos professores

que buscam a transformação através de suas práticas educativas. Além dessa ideia,

o autor afirma:

A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbaliza ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos. (FREIRE, 2011, p.53).

Deste modo, a reflexão sobre as práticas pedagógicas e os saberes docentes

deve ser permanentemente apoiada em uma análise emancipatória, propiciando aos

professores em formação a visualização das operações de reflexão no seu contexto

social, político, econômico e cultural.

Consoante, Pivetta (2006, p. 32) explana que as práticas pedagógicas estão

atuantes em um jogo representado pelo ensinar/aprender, e o papel do docente não

deve ser o de dominador na condução do "saber e do saber-fazer", mas o de

mediador com autonomia, envolvimento, motivação e humanização, respeitando as

experiências históricas e sócio culturais dos alunos.

91

De uma forma generalista, os docentes tendem a pensar que suas atuações,

baseada em suas técnicas e métodos, ocorrem em espaço neutro, isenta de uma

opção política. Todavia, “é uma ingenuidade pensar num papel abstrato, num

conjunto de métodos e técnicas neutros para uma ação que se dá em realidade que

também não é neutra.” (FREIRE, 2001, p.45).

Neste sentido, concordamos com Freire (2001, p. 46), quando diz que o

profissional da educação é um "trabalhador social", que, através de sua prática,

desvela a realidade, na tentativa de permitir que seu instrumento de trabalho (sua

disciplina) esteja a serviço da percepção crítica do aluno sobre sua realidade, como

consequência deste processo, o povo (oprimido) tende a acompanhar os modelos

culturais exatamente dos que o oprimem. Com isso, a prática docente deve

promover a construção de um cidadão consciente e crítico acerca de suas funções e

possibilidades sociais, não ficar atrelada à transmissão pura e simples de conteúdo.

No caso do fisioterapeuta, que ingressa na carreira docente, além do “saber e

do saber fazer” característicos da Fisioterapia, necessita também preocupar-se com

o PPP do curso, com as DCN’s estabelecidas pelo MEC e com as políticas de saúde

regionais e nacionais, acarretando uma perseverante (re) elaboração de seus

saberes e práticas. (PIVETTA, 2006).

Diante do que foi discutido neste item acerca do alcance da formação do

docente e do fisioterapeuta na contemporaneidade, acreditamos que exista a

tendência de que o fisioterapeuta adote uma postura herdada ou reproduzida no

senso comum como acadêmico, pois todos os sujeitos possuem uma história de vida

marcada por experiências que influenciam o desenvolvimento do seu processo

educativo e sua atuação profissional.

Sendo assim, o caminho da Estética, com intervenção nas relações estreitas

entre universidade e ensino, docentes e alunos, alunos e clientes no âmbito das

situações práticas, propicia aos egressos o desenvolvimento da autonomia, pois

estarão sintonizados com as demandas sociais, conhecendo, desde o início da sua

formação, a realidade com a qual vão trabalhar e na qual vão atuar. Para Freire

(2011), nunca se pode duvidar de que, considerando sua prática educativo-crítica,

experiência essencialmente humana, a educação é um modo de intervir no mundo.

Com isso, o objetivo aqui não é o de padronizar um método para exercer a

docência no ensino superior em fisioterapia, e o trabalho do profissional

fisioterapeuta. Queremos demonstrar que existem diferentes formas de se atuar no

92

processo ensino/aprendizagem com vistas a ultrapassar a barreira da visão

tecnicista da profissão historicamente incorporada, buscando uma nova composição

estrutural para a fisioterapia, de forma participativa e em sintonia com as

necessidades atuais da ética, da bioética e da biossegurança na preservação da

dignidade humana.

3.3 A estética da dignidade humana: sobre autonomia, emancipação e

vulnerabilidade dos sujeitos

Um motivo, entre outros, pelo qual o pesquisador deste estudo iniciou o

Mestrado em Educação na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) foi o de se

encontrar fisioterapeuta e por caminhos trilhados chegar à docência sem a

percepção nítida da importância do seu papel dentro da Educação. Além disso,

tentava compreender melhor o processo de ensino–aprendizagem, para alcançar a

formação do docente e do profissional no Curso Superior de Graduação em

Fisioterapia. Neste sentido, realizou essa pesquisa para se encontrar através da

Educação Estética, da ética e da biossegurança como um docente mais humanizado

e autônomo.

A dignidade humana articula os valores estéticos, éticos, bioéticos e de

biossegurança e confere o sentido da formação do profissional e docente na área da

saúde. A dignidade humana nasce com o conceito de pessoa humana, sempre

ligada ao homem e sua posição no mundo — logo, é uma qualidade de ser humano.

Com efeito, a dignidade humana é o fundamento da própria civilização, pois

estabelece uma relação de igualdade entre os seres humanos, possibilitando a

convivência em comunidade, voltada para o respeito das diferenças.

Nos estudos sobre a Bioética é possível verificar a concepção de dignidade

humana a partir de Siqueira, Porto e Fortes (2007), Nascimento (2009), Lovera e

Nogaro (2003), Sarlet (2002) e Mieth (2004) que os sentidos e significados são

movidos por problemas existenciais, que direcionam a intervenção na realidade.

Sarlet (2002) afirma:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais

93

que assegurem a pessoa tanto contra tudo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002, p.62).

Sarlet (2009) lembrando que nenhum ser humano vive isoladamente e

sempre está inserido num contexto social e histórico, apresenta o conceito de

dignidade no contexto da antiguidade clássica:

No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo individuo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoa de cada individuo (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como a ideia de que todos os seres humanos, no que diz com a natureza, são iguais em dignidade. (SARLET, 2009, p.32).

Nunes (2002) salienta que,

E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou, como veremos, tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento se seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua consciência –religiosa, cientifica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade. (NUNES, 2002, p. 49).

Em Comparato (2005) a dignidade humana tem como sustentação o ideal de

igualdade:

Todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que o distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. Reconhecer essa radical igualdade é que coloca o ser humano numa posição de nunca poder afirmar-se superior aos demais. (COMPARATO, 2005, p.01).

Comparato (2006) argumenta que historicamente, a excelência do homem no

mundo foi justificada a partir de três perspectivas complementares e não

excludentes: a religiosa, a filosófica e a científica.

Comparato (2004) constata:

94

A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a História, foi a ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deuses antigos, de certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas paixões e defeitos do ser humano. Iahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo. (COMPARATO, 2004, p. 01-02).

Na filosofia, especialmente, na antropologia filosófica, temos o principal

questionamento: "quem é o homem?" O fato de ter a capacidade de fazer a pergunta

já diz das suas características de ser, capaz de fazer de si mesmo objeto de

questionamento. Assim, a racionalidade é a principal característica que distingue o

homem de outros animais. Comparato (2006) enfatiza ainda que a dignidade

humana está ligada à sua condição de animal racional, em suas diferentes

dimensões — técnica, artística, ética, estética, política, moral e ideológica —, como

valores de sustentação da consciência, individual e coletiva, de sua singularidade

no mundo.

Mieth (2004, p. 25) conclui:

A dignidade humana é considerada um princípio ético fundamental. Quando se diz que a dignidade do homem é inviolável, pressupõe-se que não seja possível, criticamente, ir-se além do critério constituído por tal dignidade. Este princípio da dignidade humana é reclamado na ética em muitos lugares e por muitas partes, sem que ao mesmo se esclareça quão grande seja o seu alcance ou a sua competência fundamental possa ser razoavelmente revogada em muitos casos particulares. (MIETH, 2004, p. 25).

No campo científico, Comparato (2006) indica que a dignidade humana surge

através da descoberta e explicação acerca do fenômeno da evolução das espécies,

na obra de Charles Darwin.

Por fim na perspectiva cientifica o que se pôs em realce é que a espécie humana representa, sem contestação, o ápice do processo evolutivo. Como hoje se reconhece unanimemente, o aparecimento dos hominídeos primitivos, na cadeia evolutiva dos primatas, e sua posterior transformação na espécie homo sapiens, é um processo único e insuscetível de reprodução. A partir do surgimento do homem o sentido da evolução, como já foi lembrado nestas paginas, passa a sofrer a influência decisiva da espécie humana. A criatura transforma-se em criador. (COMPARATO, 2006, p. 483).

Pode-se afirmar que a dignidade de cada um limita-se pelo princípio da

igualdade e atributo da pessoa humana individualmente considerada.

95

Sarlet (2009) destaca:

Construindo sua concepção a partir da natureza racional dos seres humanos, Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana. Com base nesta premissa, Kant sustenta que “o Homem, é, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”. (SARLET, 2009, p.35-36).

Assim, a dignidade humana, considerada como valor, privilegia o indivíduo em

sua relação contraditória com a sociedade. Sobre esta questão, Sarlet (2009, p. 20-

21) explica:

retomando a ideia nuclear que já se fazia presente até mesmo no pensamento clássico – que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que seja concedida a dignidade. Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e, em principio, irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe – ou é reconhecida como tal – em cada ser humano como algo que lhe é inerente. (SARLET, 2009, p. 20-21).

Como princípio fundante constitucional, a dignidade humana, segundo Mieth

(2004, p. 26), é elemento

estruturalmente constitutivo para a Constituição, isto é, ele constitui a Constituição, e não a constituição histórica como tal constitui a dignidade humana. Não foi o fato, portanto, que nós, numa determinada situação histórica, em virtude de uma determinada experiência dos homens, tenhamos projetado a constituição, a tenhamos aprovado, com ela tenhamos vivido e tenhamos feito da dignidade humana o critério constitutivo, antes, foi a própria dignidade humana que, como priori sintético, se tornou constitutivas pelo fato que foi possível fazer a experiência histórica em conexão com a redação de uma constituição. (MIETH, 2004, p. 26).

Segundo Mieth (2004) o critério da dignidade humana precede como critério

de verdade qualquer critério de maioria. O autor explica que:

96

No campo jurídico, é preciso distinguir entre a importância constitutiva estrutural da dignidade humana, de um lado, e a sua aplicação categorial, e outro. A dignidade humana é, de fato, como princípio não só um pressuposto da constituição, antes é também imanente à constituição e, pois imanente ao direito. No direito positivo concreto é, portanto, possível se referir ao critério da dignidade humana interpretando-o. Esta é uma importância categorial da dignidade humana. (MIETH, 2004, p.26).

Deste modo, a responsabilidade na perspectiva dos estudos da bioética

responde à conceituação de dignidade humana, o eixo norteador das questões

éticas e da bioética, ao propor uma reflexão sobre a vida. Remete à prática do

profissional como a responsabilidade da manutenção da dignidade humana.

Jonas (2006) contribuiu com sua definição de responsabilidade

as antigas prescrições da ética “do próximo” – as prescrições da justiça, misericórdia, da honradez, etc. – ainda são válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais próxima, quotidiana, da interação humana. Mas essa esfera torna-se ensombrecida pelo crescente domínio do fazer coletivo, no qual ator, ação e efeito não são mais os mesmos na esfera próxima. Isso impõe à ética, pela enormidade de suas forças, uma nova dimensão, nunca antes sonhada, de responsabilidade. (JONAS, 2006, p.39).

Neste sentido, Nascimento (2009) expõe que a ética da responsabilidade a

partir de Jonas desdobra-se em plano individual, público e planetário.

A responsabilidade individual refere-se ao papel e aos compromissos que cada sujeito tem que assumir frente a si mesmo e aos seus semelhantes, com ações privadas ou públicas. A responsabilidade pública aponta papéis e deveres do Estado frente a questões universais como a cidadania, Direitos Humanos, e a Constituição de cada país, de compromisso com a vida das pessoas. A responsabilidade planetária refere-se ao compromisso de cada um de nós, cidadãos do mundo e das nações, diante do desafio de preservar o planeta para futuras gerações. (NASCIMENTO, 2009, p. 46).

Nascimento (2009) destaca que a teoria da responsabilidade comporta a

fragilidade das ações humanas, levando em conta a fragilidade humana. Ressalta a

autora, que na perspectiva de Jonas (2006) a ética da responsabilidade trata da

consciência com as consequências das ações humanas.

Um novo continente da práxis coletiva que adentramos com alta ainda constitui, para a teoria ética, uma terra de ninguém. É nesse vácuo, que simultaneamente também é vácuo do relativismo de valores atual que a presente pesquisa assume posição. O que pode servir como bússola? A previsão do perigo. Antes de tudo nos seus relâmpagos surdos e distantes, vindos do futuro, na manifestação de sua abrangência planetária e na profundidade de seu comprometimento humano podem revelar-se os

97

princípios éticos dos quais permitem deduzir as novas obrigações do novo poder. Eu denomino isso de heurística do medo: somente então, com a desfiguração do homem, chegamos ao conceito de homem que deve ser preservado. Só sabemos o que está em jogo quando sabemos que está em jogo. Como se trata não apenas do destino do homem, mas também da imagem do homem, não apenas da sobrevivência física, mas também da integridade da sua essência, a ética que deve preservar ambas precisa ir além da sagacidade e tornar-se ética de respeito. (JONAS, 2006, p.21).

Nesse sentido, baseando-se em Jonas, Nascimento (2009) enfatiza que a

consciência significa considerar o direito de escolha sem colocar em risco as

gerações futuras, por conta de equívocos das ações da atualidade. Neste estudo

envolve um comprometimento com a formação de docentes e profissionais no

campo da saúde.

Com Jonas (2006) vislumbramos a ética de responsabilidade como horizonte

na valorização da vida, destacando fortemente a consciência sobre o compromisso

do sujeito, em refletir sobre o modo de agir de modo que as consequências de suas

ações garantam a permanência da vida humana. Esta concepção abarca novas

extensões para as ações, considerando tempo e espaço, deixando de lado o

imediatismo tão presente na contemporaneidade e preocupando-se indefinidamente

com a conservação da humanidade na terra.

Segundo Zancanaro (2002):

A ética da responsabilidade compreende necessária reflexão filosófica suscita pelo niilismo moderno alienante e divorciado das consequências do poder. A indiferença com relação à vida, o excesso de poder tecnológico vem modelando um estilo de vida que necessita ser confrontado por imperativos éticos que tornem possível o despertar da consciência para refletir, não por um idealismo, mas, sim, por uma questão de sobrevivência. (ZANCANARO, 2002, p. 449).

É por meio de abertura de espaços de reflexões que se traduz a ética de

responsabilidade das ações públicas de solidariedade e respeito dentro dos espaços

públicos, espaços na saúde, espaços nos cursos de formação docente e

profissional, como condição de maior responsabilidade sobre as intervenções

profissionais, a serviço da vida, refletindo sobre as formas de aplicar a bioética.

Também é mister assinalar a ética de responsabilidade da prática docente

perante os problemas do cotidiano, no campo da saúde, para que se tenha uma

compreensão das ações bioéticas sustentadas pelos princípios de solidariedade,

responsabilidade, respeito pela dignidade da vida humana. Com isso, comprova-se

98

que o profissional necessita da compreensão da dimensão humana, não apenas do

conhecimento técnico, do campo da saúde, mas de um conhecimento de ética e

bioética que se concretiza na boniteza da manutenção da dignidade do ser humano.

De tal modo, é possível compreender que a maior dificuldade para a prática

do profissional da área da saúde não parece ser a competência técnica e

conhecimento das normas e leis, embora, seja essa uma séria exigência que requer

estudo e preparo consistente. Nascimento (2009) aponta que o desafio maior é

aprender no cotidiano as necessidades de dignidade humana de crianças e jovens.

A capacidade do profissional na área da saúde em desenrijecer atitudes

cristalizadas e vislumbrar a possibilidade de proporcionar a dignidade em espaços

de acolhimento, confiança, solidariedade como elementos de um espaço de

relacionamento humano entre as pessoas, cabendo também aqui uma visão das

situações apresentadas. Contudo, Nascimento (2009) alerta que a pressa, a pressão

por resultados concretos e palpáveis, põe a perder a essência da relação humana —

e ainda aponta que:

a atividade de Sócrates era conversar, e conversar sobre conhecimento do homem sobre si mesmo e sobre virtudes, tais como sabedoria e justiça. Quando motivava uma conversa não motivava doutrinas preestabelecidas, apenas perguntava. Era assim, que o diálogo se tornava iniciador de progressos de descobertas. No diálogo o conhecimento não é atingido por um único individuo, mas por diferentes consciências que, chegam a acordos entre si, chegam a novos conhecimentos, é isso é construção. O diálogo se mostra como princípio filosófico ajuda para compreender a filosofia não como algo abstrato, mas como algo que faz parte da vida apontando a dimensão concreta ao lidar com questões essenciais da existência humana. (NASCIMENTO, 2009, p.81).

Na perspectiva de Lovera e Nogaro (2003), conversar significa

desenvolvimento humano, como capacidade de adentrar no universo de outras

pessoas e de conhecer o ponto de vista do outro, para compreendê-lo. Os autores

destacam ainda que o diálogo traz aos sujeitos uma relação de experiências

pessoais, a partir do momento que se preza os objetivos e crenças do outro.

Entretanto, os autores sinalizam que isso demanda tempo, humildade e grande

disposição para aprender com o outro sobre si mesmo.

A vulnerabilidade sempre estará inserida no respeito à autonomia das

pessoas, que na impossibilidade de exercê-la, física, psicológica ou moral, a decisão

é confiada à solicitude dos outros. Conforme Nascimento (2009), aqui está presente

99

a concretude da manutenção da dignidade como valor fundante e eminentemente

humana, exigindo sensibilidade e responsabilidade dos responsáveis.

Compreender o conceito de vulnerabilidade como seres humanos, de acordo

com Anjos (2006) significa compreender a relação poder e fraqueza. Assim, as

questões da autonomia, emancipação e vulnerabilidade humana envolvem do ponto

de vista ontológico, quando ocorre a perda da autonomia dos sujeitos, requer por

parte das pessoas e dos profissionais princípios estéticos e éticos de humanização.

Esse processo de alteridade tem em seu sentido o respeito à pessoa humana

e sua dignidade, pois, para que isto aconteça, é preciso o conhecer a si próprio,

para, em seguida, desvelar seu papel com o mundo e, consequentemente, com o

outro numa reciprocidade de relações.

Neste contexto, a Educação Estética significa desenvolver a sensibilidade

necessária para o processo de compreensão do outro e de si mesmo, como um ser

humano que, ao mesmo tempo, cria ao sujeito espaço de possibilidade de

desenvolvimento de autonomia e de emancipação, objetivos que são indicadores do

respeito à dignidade humana.

A Educação Estética é um caminho de desenvolvimento do docente na

relação ensino/aprendizagem com seus alunos para a autonomia e emancipação,

desde que, no papel de mediador deste ensino, esse docente desenvolva a

criticidade, com o intuito de preparar os alunos para atingir o perfil do profissional

fisioterapeuta nas referidas diretrizes analisadas que destacam "visão ampla e

global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da

coletividade" (BRASIL, 2001, p. 4).

Depreendemos aqui a dimensão estética no dito sobre a finalidade da

formação do profissional em Fisioterapia. Neste sentido, é essencial compreender

que a dimensão estética, através dos pressupostos da hermenêutica, tem em suas

entranhas o sentido de formar o homem através do jogo lúdico, o sensível e a razão

como dimensões humanas dependentes e independentes ao mesmo tempo. Em

outras palavras, ao tratar um cliente não se pode fazê-lo no campo exclusivo da

racionalidade com base na anamnese, como, simplesmente, com a extração de

suas queixas clínicas para, a partir disto, elaborar tratamentos mediante roteiros e

protocolos preestabelecidos para o seu diagnóstico, nem, considerando o avanço

tecnológico, utilizar de forma excessiva aparelhos, que demonstram uma

100

impessoalidade, ou melhor, um automatismo que despreza a existência inseparável

do sensível e da razão.

Convém destacar que se respeita a utilização desses métodos. São eficientes

no tratamento do problema. Entretanto, não são suficientes para evitar o risco de

nos desvincularmos dos princípios da dignidade humana, desprezando a alteridade

e, consequentemente, não respeitando e não atingindo o perfil proposto nas DCN’s

do Curso de Graduação em Fisioterapia, se for velado o educar, o formar e o

aprender para a dignidade.

Percebemos que o processo de humanização da saúde surge na tentativa de

sensibilizar o profissional da saúde em relação ao distanciamento provocado pelo

avanço tecnológico sobre a relação fisioterapeuta/cliente, em que o último acabava

por ser um objeto de investigação clínica. Esse processo de humanização é um

trabalho complexo, pois estão envolvidas transformações que geram inseguranças

principalmente num ser e fazer no trabalho e no atendimento à saúde que se inspira

numa disposição de abertura e de respeito ao outro como um ser singular.

Saber mais e melhor sobre a vida do cliente, preocupar-se além da lesão,

criar um contato gradualmente próximo na ajuda na transformação do “corpo objeto”

par o “corpo sujeito” na teoria de Bois, citada no texto, nos leva a refletir que isto

também é uma forma de arte que promove tanto ao terapeuta como ao cliente um

desenvolver de sua autonomia e emancipação pelos caminhos da estética da

humanização pela preservação da dignidade humana.

Schiller, como exposto, mostra com suas reflexões que o jogo lúdico, ou

melhor, o trânsito do racional e do sensível como faculdades do homem, leva-nos ao

entendimento de que, em qualquer tipo de patologia ou promoção da saúde que se

aplica à Fisioterapia em seu tratamento, não basta utilizar uma técnica aprendida na

graduação e se conformar diante do quadro clínico do cliente. Neste cenário, é

imprescindível perceber no jogo lúdico o lugar da preservação da dignidade humana,

para que assim o fisioterapeuta se perceba como sujeito na relação com a doença e

o doente. Esta relação implica uma dimensão estética que emerge

espontaneamente das sensações de contentamento ou descontentamento.

Considerá-las leva à conscientização do seu papel e da sua profissão, e o seu olhar

ampliado no atendimento em todas as relações envolvidas durante o processo para

que ocorra uma transformação, como pessoal e profissional.

101

A própria vida supõe essa visão do existir do sujeito. Isso implica, profundamente, o processo de formação do profissional que liga ética e cuidado, enquanto coloca em evidência um ser humano que pensa ser possível sua participação e intervenção no mundo para melhorá-lo. Há, nesse ser humano, uma vocação ontológica de fazer rupturas e movimentar a história, por ter consciência de que é a ação transformadora de hoje que constrói o amanhã. (BERKENBROCK ROSITO, LOTERIO, 2012, p. 132).

Silva (2007, p. 185) esclarece:

Educar para a dignidade é, desse modo, educar para que a pessoa assuma uma identidade que comporte a noção de seu valor intrínseco e inalienável, ou seja, que ela perceba que vale por si própria e que não pode ser utilizada como valor ou troca em nenhuma situação. (SILVA, 2007, p. 185).

O autor diz ainda:

Freire, como documentam seus escritos e suas falas em muitas ocasiões, afirma que o homem é um ser com dignidade intrínseca, nasce incompleto e precisa de outros para desenvolver sua plena capacidade vital e humana. O ponto de chegada por ele proposto é, então, o desenvolvimento pleno de sua humanidade, que se manifesta na dupla capacidade de ser livre e ser responsável. O caminho, por sua vez, refere-se ao constante aprender e relacionar-se com a realidade, lendo seus significados, captando seu sentido. Trata-se de um processo permanente de compreensão do eu, dos outros, do mundo físico, cultural e político etc. Esse aprender ocorre pelo diálogo, que, alimentado pela hipótese da comunhão possível entre os homens, visa viver a comunhão já existente, mais ainda não totalmente percebida ou realizada. (SILVA, 2007, p. 190).

Podemos afirmar que o caminho para a autonomia e emancipação dos

docentes, alunos e profissionais do Curso de Fisioterapia passa por uma estética da

dignidade humana, trilhando pelo caminho do campo sujeito sensível e racional, no

tratamento de um cliente, na relação fisioterapeuta-cliente, como uma possibilidade

de se reinventar e de se perceber diante de sua patologia e buscar novos caminhos

com fins libertadores.

102

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar este estudo, que objetivou a compreensão da Educação Estética

na prática docente e nos processos formativos do profissional em saúde, no caso o

fisioterapeuta, propiciando autonomia e emancipação para exercer não só a

docência, mais também os outros campos da sua área de atuação, algumas

considerações merecem destaque, considerando os referenciais teóricos já citados e

desenvolvidos nesta dissertação.

A elucidação do tema e a metodologia da dissertação estão no primeiro

capítulo e contaram com o embasamento teórico acerca da história de vida do autor

da pesquisa. Procuramos constituir um melhor entendimento na edificação da

identidade do docente e profissional do pesquisador, para cunhar a pesquisa sobre o

enfoque hermenêutico e na finalização do capítulo, que lançou um primeiro olhar

sobre a história da fisioterapia.

A narrativa autobiográfica do autor da pesquisa foi fundamental para traçar as

justificativas para as escolhas dos temas e dos eixos teóricos da dissertação. A

eleição da hermenêutica como metodologia contribuiu para desvendar — através do

exercício da interpretação do que ainda não foi dito, num processo de desconstrução

e reconstrução do texto, no caso as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação

em Fisioterapia — a compreensão da Educação Estética neste texto.

As conceituações e fundamentações teóricas aparecem no segundo capítulo,

que apresentam a Educação Estética sincronizada com a experiência estética, no

que diz respeito a ética e biossegurança, para melhor compreensão da bioética.

Além disso, lançamos um olhar estético sobre a formação deste profissional da área

da saúde, demonstrando como, através da arte, pode-se trilhar um caminho para a

autonomia dos sujeitos.

O terceiro capítulo é marcado pelos resultados da pesquisa por meio da

análise hermenêutica do Parecer nº 1.210/2001 e da Resolução CNE/CES nº

4/2002, que regulamentam as Diretrizes Curriculares do curso em questão,

demonstrando que a Educação Estética e a arte são caminhos para a autonomia e

emancipação do docente e profissional fisioterapeuta. Por fim, buscamos evidenciar

que todo o estudo está ancorado na ideia da preservação da dignidade humana.

O nó de atracação possibilitou ao autor desta pesquisa efetuar uma parada

circunstancial em que, a partir de seus relatos autobiográficos, visualizou uma

103

lacuna a ser preenchida — ou, melhor, a ser construída, pois, ao se deparar em sua

atual situação, a de docente no Curso de Graduação em Fisioterapia, com vários

questionamentos acerca dos processos pedagógicos, entendidos aqui como o

processo de ensinar, o processo de aprender e o processo de formação.

Tudo isso se constituiu no fio condutor desta pesquisa, com vistas à

possibilidade de se transformar e, consequentemente, desenvolver em seus alunos

e futuros profissionais fisioterapeutas a consciência crítica por meio da estética e da

arte, no desenvolver da experiência estética alcançar a Educação Estética, como um

caminho para o desenvolvimento da autonomia e emancipação desses profissionais

da área da saúde.

Partindo deste princípio, o objetivo deste estudo foi a busca do sentido da

Educação Estética nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Fisioterapia, na tentativa de ressignificar a representação da dignidade humana na

contemporaneidade, pois, com o advento da massificação da indústria cultural, que

como justificativa da proposta contida, parece estar ameaçada, juntamente com as

relações dentro das Instituições de Ensino Superior, que envolvem as relações de

ensino/aprendizagem, da prática docente, da ética e da biossegurança.

Neste contexto, as relações e demais processos estão se tornando produtos

de consumo, o que, em nossos estudos, pode ser verificado pela maneira com que

se dá a transmissão de conhecimentos, baseada em meras reproduções de técnicas

específicas para o tratamento de doenças, no caso da fisioterapia.

Este quadro, pode ser comparado ao "jogo de bridge", em que, nas bases,

estão o professor, o aluno e a aprendizagem; esta parece estar ocupando o lugar do

"morto", pois não basta aprender, é necessário que, através desse aprendizado,

ocorra uma transformação no aluno para o desenvolvimento de sua autonomia.

Dentro da perspectiva hermenêutica, para se analisar qualquer objeto de

estudo, foi necessário considerar seu percurso histórico, para que haja uma

compreensão livre de preconceitos oriundos de imposições da sociedade moderna.

Nessas condições, constatamos que a fisioterapia surge no Brasil como profissão de

nível técnico em 1951. Em 1983, houve a homologação do Currículo Mínimo, que,

de acordo com o Parecer nº 776/97, não garantia qualidade, inovação e

diversificação na formação acadêmica. Sendo assim, podemos dizer que era tido

como um instrumento de transmissão do conhecimento, em que não havia espaços

104

para mudanças curriculares. Vigorou até a instituição das Diretrizes Curriculares

Nacionais para os Cursos de Graduação em Fisioterapia, a partir do ano de 2002.

O Currículo Mínimo era fechado, e suas bases e princípios estavam na

formação tecnicista e científica considerada mais importante e que devia ser

transmitida aos alunos. Não se falava em qualidade; portanto, não havia

preocupação com o perfil do profissional fisioterapeuta. Entretanto, através da nova

LDB (Lei nº 9.394/96), ficou assegurada às IES maior autonomia institucional para a

criação e a organização dos seus cursos e programas.

Um ponto marcante identificado nas Diretrizes em questão é a apresentação

de propostas que vêm ao encontro de uma formação científica sólida, aliadas a uma

formação profissional com valores fincados em princípios éticos, bioéticos, sociais e

humanos, de sociedade e de política. Constatamos que há preocupação em formar

um profissional fisioterapeuta crítico e reflexivo, com uma visão de mundo atenta às

nas questões sociais.

Diferente da legislação anterior e com base nos estudos efetuados nas

referidas Diretrizes Curriculares, nota-se que são enfatizados conteúdos essenciais

para o curso de graduação em fisioterapia, as relações do processo saúde-doença

do cidadão, da família e da comunidade, baseados em fundamentos sociológicos,

psicológicos, políticos e filosóficos.

Vale destacar aqui que, para efeitos de estudos, elegemos o perfil

egresso/profissional, competências e habilidades, conteúdos curriculares,

organização do curso, acompanhamento e avaliação, estágios e atividades

complementares do referido documento para serem analisados.

No exame das Diretrizes, é possível notar que se pretende que o profissional

fisioterapeuta seja mais reflexível e adaptável a mudanças. A possibilidade de

formação acadêmica mais completa, baseada em competências e habilidades

específicas indispensáveis para exercer suas funções, promove uma mudança na

identidade deste profissional. Uma visão holística, voltada para o ser humano como

um todo, tem no exercício da sua profissão a qualidade, com suportes éticos e

bioéticos visando ao bem-estar da sociedade.

O documento reforça que, para que sejam alcançadas as competências e

habilidades estabelecidas, será necessária a inclusão, sempre que oportuna,

"conteúdos curriculares" constituídos nas diversas disciplinas, reforçando a ideia de

105

que os conhecimentos devem favorecer o acompanhamento biotecnológico nas

ações fisioterápicas.

Em observância ao acompanhamento e avaliação, as DCN’s deixam claro

que as avaliações deverão ser baseadas nas competências, habilidades e

conhecimentos adquiridos pelos acadêmicos, sendo que este processo

ensino/aprendizagem deve-se basear nos critérios estabelecidos em seus PPP.

Com as novas DCN’s, as IES ganham maior flexibilidade e autonomia no

direcionamento de seus cursos de graduação. Mas é obrigatória a elaboração de um

PPP para cada curso, bem como as práticas inseridas gradualmente e a entrega de

um trabalho de conclusão de curso.

Com relação aos estágios supervisionados, os acadêmicos deverão ser

inseridos em diversos ambientes, com o intuito de aprimorar e buscar mais

conhecimentos. O supervisor dos estágios deve ser um profissional da própria

instituição. Espera-se com isso aumento do compromisso na relação

ensino/aprendizagem dos alunos estagiários. Além disso, para que os acadêmicos

entrem em contato com informações que, todavia, possam não estar inseridas nos

currículos da sua IES, foram estabelecidas as "atividades complementares", com

garantias de agregar conhecimentos em áreas específicas.

Através do estudo hermenêutico das Diretrizes identificamos duas linhas, a

primeira é com relação à ética e à bioética que representam para a educação,

valores humanos e humanizadores que garantem a preservação da dignidade

humana, os termos aparecem destacados nos: Art. 3°; Art. 4°, item I; Art. 5°, itens I,

III e V e Art. 6° item II, nas DCNs do Curso de Graduação em Fisioterapia.

A segunda está diretamente relacionada com a Estética personificada na

relação entre a transformação do conhecimento adquirido e sua aplicabilidade no

individual e no coletivo que estão presentes escritos de diferentes formas nas

Diretrizes analisadas que inseridas num contexto social, aptos a resolver os

problemas da sociedade, possibilitando sua ressignificação constantemente através

de uma educação continuada.

Desta forma, esperamos que este trabalho contribua para demonstrar como,

por meio da Educação Estética, é possível repensar os papeis desempenhados pelo

fisioterapeuta, no atendimento aos clientes ou na docência. Afinal, considerar a

Educação Estética na formação deste profissional é vislumbrar a possibilidade de

criação de um caminho de autonomia e emancipação, perpassando a estética da

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dignidade humana. Acreditamos que, desta maneira, o profissional torna-se capaz

de refletir acerca de suas ações e faz-se sujeito em sua trajetória, em busca de

novas possibilidades, indo além do que se espera, influenciando positivamente na

vida dos clientes e alunos, contribuindo para renovação social.

A arte e a dimensão da educação estética, como um caminho de

desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos da área da saúde, estão

transparecidas na intermediação na tentativa de diminuir o distanciamento

desnivelado entre pessoas para que haja uma transformação. Constatamos que as

Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, apesar

das grandes mudanças, ainda parecem ser, nessas considerações parciais,

incapazes de dar conta de uma visão mais integralizada do ser humano. Não

podemos deixar de reconhecer que as iniciativas de transformações são louváveis,

pois demonstram, em suas entrelinhas, a tentativa de humanizar as técnicas.

107

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ANEXOS

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ANEXO 1 - PARECER CNE/CES 1.210/2001 - HOMOLOGADO

Despacho do Ministro em 7/12/2001, publicado no Diário Oficial da União de 10/12/2001, Seção 1, p. 22.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior UF: DF ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional. RELATOR (A): Éfrem de Aguiar Maranhão (Relator), Arthur Roquete de Macedo e Yugo Okida. PROCESSO(S) Nº(S): 23001.000258/2001-91 PARECER Nº: CNE/CES 1210/2001 COLEGIADO CES APROVADO EM: 12/9/2001 I – RELATÓRIO

Histórico A Comissão da CES/CNE analisou as propostas de Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da área de Saúde elaboradas pelas Comissões de Especialistas de Ensino e encaminhadas pela SESu/MEC ao CNE, tendo como referência os seguintes documentos:

Constituição Federal de 1988; Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde 8.080 de 19/9/1990; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394 de 20/12/1996; Lei que aprova o Plano Nacional de Educação 10.172 de 9/1/2001; Parecer CNE/CES 776/97 de 3/12/1997; Edital da SESu/MEC 4/97 de 10/12/1997; Parecer CNE/CES 583/2001 de 4/4/2001;

Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO: Paris, 1998;

Relatório Final da 11ª Conferência Nacional de Saúde realizada de 15 a 19/12/2000;

Plano Nacional de Graduação do ForGRAD de maio/1999; Documentos da OPAS, OMS e Rede UNIDA; Instrumentos legais que regulamentam o exercício das profissões da saúde.

Após a análise das propostas, a Comissão, visando o aperfeiçoamento das mesmas, incorporou aspectos fundamentais expressos nos documentos supramencionados e adotou formato, preconizado pelo Parecer CNE/CES 583/2001, para as áreas de conhecimento que integram a saúde:

Perfil do Formando Egresso/Profissional Competências e Habilidades Conteúdos Curriculares Estágios e Atividades Complementares Organização do Curso Acompanhamento e Avaliação

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Essas propostas revisadas foram apresentadas pelos Conselheiros que integram a Comissão da CES aos representantes do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Saúde, da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras e aos Presidentes dos Conselhos Profissionais, Presidentes de Associações de Ensino e Presidentes das Comissões de Especialistas de Ensino da SESu/MEC na audiência pública, ocorrida em Brasília, na sede do CNE, em 26 de junho do corrente ano.

Mérito A Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, ao orientar as novas diretrizes curriculares recomenda que devem ser contemplados elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo do saber ou profissão, visando promover no estudante a competência do desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente. Esta competência permite a continuidade do processo de formação acadêmica e/ou profissional, que não termina com a concessão do diploma de graduação. As diretrizes curriculares constituem orientações para a elaboração dos currículos que devem ser necessariamente adotadas por todas as instituições de ensino superior. Dentro da perspectiva de assegurar a flexibilidade, a diversidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes, as diretrizes devem estimular o abandono das concepções antigas e herméticas das grades (prisões) curriculares, de atuarem, muitas vezes, como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, e garantir uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.

Princípios das Diretrizes Curriculares:

Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas;

Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando, ao máximo, a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos. A Comissão da CES, baseada neste princípio, admite a definição de percentuais da carga horária para os estágios curriculares nas Diretrizes Curriculares da Saúde;

Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação; Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado

possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;

Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e profissional;

Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada;

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Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão;

Incluir orientações para a conclusão de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar às instituições, aos docentes e aos discentes acerca do desenvolvimento das atividades do processo ensino-aprendizagem.

Além destes pontos, a Comissão reforçou nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Saúde a articulação entre a Educação Superior e a Saúde, objetivando a formação geral e específica dos egressos/profissionais com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, indicando as competências comuns gerais para esse perfil de formação contemporânea dentro de referenciais nacionais e internacionais de qualidade. Desta forma, o conceito de saúde e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) são elementos fundamentais a serem enfatizados nessa articulação. Saúde: conceito, princípios, diretrizes e objetivos:

A saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Artigo 196 da Constituição Federal de 1988);

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes (Artigo 198 da Constituição Federal de 1988):

I – descentralização; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade.

O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas, federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). (Artigo 4º da Lei 8.080/90). Parágrafo 2º deste Artigo: A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.

São objetivos do Sistema Único de Saúde (Artigo 5º da Lei 8.080/90): I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; II – a formulação de política de saúde; III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios (Artigo 7º da Lei 8.080/90):

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I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; X – integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência. Com base no exposto, definiu-se o objeto e o objetivo das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação da Saúde:

Objeto das Diretrizes Curriculares: permitir que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referencias nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira. Objetivo das Diretrizes Curriculares: levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades.

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA

1. PERFIL DO FORMANDO EGRESSO/PROFISSIONAL

Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação.

2. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Competências Gerais:

Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção,

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promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo;

Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custoefetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas;

Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;

Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz;

Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativa, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde;

Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.

Competências e Habilidades Específicas: O Curso de Graduação em Fisioterapia deve assegurar, também, a formação de profissionais com competências e habilidades específicas para:

respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional;

atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o;

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atuar multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética;

reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

contribuir para a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade, considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e biológicas;

realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade, estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica;

elaborar criticamente o diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;

exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;

desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito de sua competência profissional;

emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios;

prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus familiares sobre o processo terapêutico;

manter a confidencialidade das informações, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral;

encaminhar o paciente, quando necessário, a outros profissionais relacionando e estabelecendo um nível de cooperação com os demais membros da equipe de saúde;

manter controle sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo sua qualidade e segurança;

conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos;

conhecer os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes modelos de intervenção.

A formação do fisioterapeuta deverá atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.

3. CONTEÚDOS CURRICULARES

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Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Fisioterapia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em fisioterapia. Os conteúdos devem contemplar:

Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos.

Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psico-sociais, culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração.

Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática clínica fisioterapêutica.

Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano.

4. ESTÁGIOS E ATIVIDADES COMPLEMENTARES

Estágio Curricular: A formação do fisioterapeuta deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Fisioterapia proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Esta carga horária deverá assegurar a prática de intervenções preventiva e curativa nos diferentes níveis de atuação: ambulatorial, hospitalar, comunitário/unidades básicas de saúde etc.

Atividades Complementares: As atividades complementares deverão ser incrementadas durante todo o Curso de Graduação em Fisioterapia e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância. Podem ser reconhecidos:

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Monitorias e Estágios,

Programas de Iniciação Científica;

Programas de Extensão;

Estudos Complementares;

Cursos realizados em outras áreas afins.

5. ORGANIZAÇÃO DO CURSO O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. As Diretrizes Curriculares e Projeto Pedagógico deverão orientar o currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. A organização do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará o regime: seriado anual, seriado semestral, sistema de créditos ou modular. Para conclusão do Curso de Graduação em Fisioterapia, o aluno deverá elaborar um trabalho sob orientação docente. A estrutura do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá assegurar que:

as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínico-terapêuticas).

estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta.

as Instituições de Ensino Superior possam flexibilizar e otimizar as suas propostas curriculares para enriquecê-las e complementá-las, a fim de permitir ao profissional a manipulação da tecnologia, o acesso a novas informações, considerando os valores, os direitos e a realidade sócio-econômica. Os conteúdos curriculares poderão ser diversificados, mas deverá ser assegurado o conhecimento equilibrado de diferentes áreas, níveis de atuação e recursos terapêuticas para assegurar a formação generalista.

6. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO

A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Fisioterapia que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento.

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As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence.

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO Presidente da Câmara de Educação Superior

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ANEXO 2 - CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002.

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacio nal de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CES 1.210/2001, de 12 de setembro de 2001, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro da Educação, em 7 de dezembro de 2001, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Fisioterapia definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de fisioterapeutas, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Fisioterapia das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º O Curso de Graduação em Fisioterapia tem como perfil do formando egresso/profissional o Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potenc ialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação. Art. 4º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: I - Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custoefetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de

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procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não- verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais. Art. 5º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades específicas:

I - respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional; II- atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em

programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o;

III- atuar multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética;

IV - reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

V - contribuir para a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade, considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e biológicas;

VI - realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e

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complexidade, estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica;

VII - elaborar criticamente o diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;

VIII - exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;

IX - desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito de sua competência profissional;

X - eitir laudos, pareceres, atestados e relatórios; XI - prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus

familiares sobre o processo terapêutico; XII - manter a confidencialidade das informações, na interação com outros

profissionais de saúde e o público em geral; XIII - encaminhar o paciente, quando necessário, a outros profissionais

relacionando e estabelecendo um nível de cooperação com os demais membros da equipe de saúde;

XIV - manter controle sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo sua qualidade e segurança;

XV - conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos;

XVI - conhecer os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia;

XVII - seus diferentes modelos de intervenção. Parágrafo único. A formação do Fisioterapeuta deverá atender ao sistema

de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe. Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Fisioterapia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em fisioterapia. Os conteúdos devem contemplar: I - Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos; II - Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psico-sociais, culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração; III - Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática clínica fisioterapêutica; e

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IV - Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano. Art. 7º A formação do Fisioterapeuta deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Fisioterapia proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Parágrafo único. A carga horária do estágio curricular supervisionado deverá assegurar a prática de intervenções preventiva e curativa nos diferentes níveis de atuação: ambulatorial, hospitalar, comunitário/unidades básicas de saúde etc. Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aprove itamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins. Art. 9º O Curso de Graduação em Fisioterapia deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. § 1º As diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Fisioterapia deverão contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. § 2º O Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia poderá incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região. Art. 11. A organização do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 12. Para conclusão do Curso de Graduação em Fisioterapia, o aluno deverá elaborar um trabalho sob orientação docente.

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Art. 13. A estrutura do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá assegurar que: I - as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínicoterapêuticas); II - estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta; e III - as Instituições de Ensino Superior possam flexibilizar e otimizar as suas propostas curriculares para enriquecê-las e complementá- las, a fim de permitir ao profissional a manipulação da tecnologia, o acesso a no vas informações, considerando os valores, os direitos e a realidade sócio-econômica. Os conteúdos curriculares poderão ser diversificados, mas deverá ser assegurado o conhecimento equilibrado de diferentes áreas, níveis de atuação e recursos terapêuticas para assegurar a fo rmação generalista. Art. 14. A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Fisioterapia que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. § 1º As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. § 2º O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO Presidente da Câmara de Educação Superior