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UMA ABORDAGEM À BIODIVERSIDADE ENTOMOLÓGICA NA CULTURA DA VINHA EM REGIME CONVENCIONAL E DE AGRICULTURA BIOLÓGICA EM PORTUGAL Lúcia Porto Góis, Eduardo Marabuto, Inês Órfão, Luís Relógio & Maria Teresa Rebelo Departamento de Biologia Animal, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C2. Campo Grande, Lisboa, Portugal. Devido ao crescimento exponencial dos mercados, a agricultura tradicional foi suplantada por métodos mais intensivos, recorrendo a produtos químicos de síntese contra as pragas e infestantes. A dimensão desta prática, juntamente com o uso indiscriminado e a baixa especificidade de pesticidas e herbicidas afectou negativamente vários níveis da cadeia trófica e desequilibrou os ecossistemas. A partir dos anos 60 do século passado, surgiram os primeiros processos de resistência a herbicidas e fungicidas, detectando-se a perda de eficácia dos mesmos (Amaro, 1982). A agricultura biológica surgiu como um sistema alternativo de produção, que restabelece as boas práticas agrícolas e assenta numa base ecológica, sustentável e socialmente responsável (in FAO/WHO, 1999). Devido às potencialidades ecológicas, à diversidade faunística e florística e aos apoios financeiros (e.g. PRODER 2007-2013) nos últimos 15 anos, a taxa média de crescimento anual neste sector foi de 34%, existindo cerca de 2mil produtores em Portugal (INE, 2008). A vinha é um dos sectores mais dinâmicos da agricultura nacional, com uma enorme importância histórica, existindo registos da sua prática desde o século XX a.C. (www.ivv.min-agricultura.pt). O regime de aplicação de agro-químicos na vinha é muito intenso, sendo 50% do total de produtos fitossanitários utilizados neste tipo de exploração. Os alvos principais destas medidas são as cigarrinhas verdes (Empoasca spp. e Jacobiasca lybica, figura 1), pragas chave em Portugal (Amaro, 1982). Com este estudo pretendeu-se avaliar a biodiversidade entomológica em vinhas sob sistema convencional e biológico na região Oeste de Portugal. Como indicador das práticas de gestão agro-ambiental focámo-nos na avaliação da biodiversidade funcional e das pragas, como ferramenta de tomada de decisão para uma agricultura de conservação. As duas vinhas estudadas localizam-se na região Oeste de Portugal (Estremadura) e distam 5 km (SE-NO) entre elas (Figura 2a): A Quinta da Crispina (Antas, Arruda dos Vinhos, UTM 1x1 km: 29SMD9515, 97m alt.) possui uma vinha (2ha) orientada a SSE em regime de agricultura biológica gerida em regime de prevenção fitossanitária apenas contra míldio e oídio, não se tendo verificado tratamentos durante o estudo. Encontra-se rodeada por vinhas em regime convencional, manchas dedicadas ao cultivo de aveia e um bosquete de Quercion broteroi (Figura 2b). Na Quinta da Gataria (Gataria, Sobral de Monte Agraço, UTM 1x1 km: 29SMD9319, 270m alt.) a vinha (1,6ha) está orientada a NNE, gerida em regime convencional sendo sujeita periodicamente a acções fitossanitárias contra o míldio, oídio, monda química e física e contra pragas-chave. No período de estudo foi sujeita a quatro intervenções preventivas contra míldio e oídio. Colindante com esta área encontram-se culturas de subsistência de batata, fava e aveia, um prado terofítico de facies mediterrânico, um pomar de Prunus spp. e uma galeria ripícola com Populus nigra, Quercus faginea, Crataegus monogyna e Rubus ulmifolius, entre outros. A sul faz fronteira directamente com a aldeia da Gataria (Figura 2c). Capturou-se um total de 19024 artrópodes, verificando-se um claro predomínio da ordem Diptera em ambas as vinhas, provavelmente pelas armadilhas de Moericke se revelarem mais eficazes na amostragem deste grupo. Outros grupos com menor mobilidade ou menor atracção a este tipo de armadilhas apresentam-se claramente em número inferior (Figura 5). Pela constante disponibilidade, simpatia e permissão para desenvolver o trabalho nas suas propriedades, agradece-se ao Sr. Albino e ao Sr. Marciano. Finalmente ao Marco Katzemberger e à Ana Farinha pela colaboração na triagem do material biológico. Figura 2: Áreas de Estudo. Portugal Continental (a), Vinha Biológica (b), Vinha Convencional (c) 0% 25% 50% 75% 100% Vinha Convencional Vinha Biológica Diptera Thysanura Psocoptera Acari Araneae Dermaptera Coleoptera Collembola Lepidoptera Thysanoptera Hemiptera Homoptera Hymenoptera O protocolo experimental incluiu a captura de artrópodes por intermédio de armadilhas de Moericke, colocadas duas por vinha. No período amostral de 6 semanas, entre 10 Abril e 17 Maio de 2006, procedeu-se à recolha semanal das capturas nas armadilhas e à triagem em laboratório do material biológico, com individualização ao nível das ordens (todos os grupos) com especial enfoque nos predadores, parasitóides e pragas-chave. Convencional Biológica Diptera 10444 4311 Hymenoptera 434 473 Homoptera 252 238 Hemiptera 5 12 Thysanoptera 577 853 Lepidoptera 6 3 Collembola 4 13 Coleoptera 627 621 Dermaptera 1 0 Araneae 34 63 Acari 44 3 Psocoptera 2 3 Thysanura 0 1 TOTAL 12430 6591 0 50 100 150 200 I II III IV V VI Semanas de amostragem Número de indivíduos Cicadellidae Predadores Parasitóides Os dados deste estudo permitem reafirmar o importante papel das novas medidas de gestão agroambiental como a agricultura biológica na manutenção da biodiversidade, mesmo em meios semi-naturais de produção estratégicos como a cultura da vinha em Portugal. Esse efeito poderá ser maximizado se o ambiente envolvente apresentar estruturas ecológicas complexas que, contribuindo com reservatórios de biodiversidade, podem actuar como mitigadoras da actividade das pragas na vinha e noutras culturas. Figura 1:Cigarrinha-verde, praga-chave da vinha Segundo o Índice de Diversidade de Shannon-Weaver (Ricklefs,1990) verificou- se que a diversidade na vinha biológica é bastante superior à da vinha convencional (HBiológica1.15; HConvencional0.68) apesar de, contrariamente ao expectável, não se terem registado sempre mais indivíduos na vinha biológica (p. e. Diptera e Acari, Tabela 1). Estas diferenças entre vinhas poder- se-ão dever a uma maior diversidade de habitats e superior riqueza botânica nas zonas adjacentes à vinha convencional, e à complexificação das estruturas ecológicas e refúgios de biodiversidade no seu entorno. Em ambas as vinhas o número de cigarrinhas-verdes revelou-se reduzido, especialmente na vinha convencional (11 indivíduos), provavelmente devido a efeitos cumulativos de tratamentos fitossanitários contra esta praga em anos anteriores. Concomitantemente, nunca foi atingido o Nível Económico de Ataque. Os efectivos populacionais da praga e os grupos de inimigos naturais (Figura 6) não apresentam uma relação inversa, demonstrando que as variações no efectivo de cigarrinhas-verdes resultam de factores ambientais e não do controlo biológico. RESULTADOS E DISCUSSÃO MATERIAL E MÉTODOS INTRODUÇÃO Figura 3: Captura no campo Figura 4:Triagem no laboratório Tabela 1: Total de indivíduos por vinha Figura 5: Composição percentual das vinhas estudadas Figura 6: Evolução temporal dos grupos focais CONCLUSÕES AMARO, P. 1982. A Protecção Integrada em Agricultura. Comissão Nacional do Ambiente. 165 pp. FAO/WHO, 1999. Organic Agriculture. Commitee On Agriculture, 15 th Sesson INE, 2008. Estatísticas agrícolas 2007. INE, I.P., Lisboa – Portugal. www.ivv.min-agricultura.pt RICKLEFS, R. E. 1990. Ecology. W. H. Freeman and Company, New York, Third Edition. 721pp. AGRADECIMENTOS REFERÊNCIAS 1a 1b 1c

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UMA ABORDAGEM À BIODIVERSIDADE ENTOMOLÓGICA NA CULTURA DA VINHA EM REGIME CONVENCIONAL E DE AGRICULTURA BIOLÓGICA EM PORTUGAL

Lúcia Porto Góis, Eduardo Marabuto, Inês Órfão, Luís Relógio & Maria Teresa Rebelo

Departamento de Biologia Animal, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C2. Campo Grande, Lisboa, Portugal.

Devido ao crescimento exponencial dos mercados, a agricultura tradicional foi suplantada por métodos mais

intensivos, recorrendo a produtos químicos de síntese contra as pragas e infestantes. A dimensão desta

prática, juntamente com o uso indiscriminado e a baixa especificidade de pesticidas e herbicidas afectou

negativamente vários níveis da cadeia trófica e desequilibrou os ecossistemas. A partir dos anos 60 do século

passado, surgiram os primeiros processos de resistência a herbicidas e fungicidas, detectando-se a perda de

eficácia dos mesmos (Amaro, 1982).

A agricultura biológica surgiu como um sistema alternativo de produção, que restabelece as boas práticas

agrícolas e assenta numa base ecológica, sustentável e socialmente responsável (in FAO/WHO, 1999).

Devido às potencialidades ecológicas, à diversidade faunística e florística e aos apoios financeiros (e.g.

PRODER 2007-2013) nos últimos 15 anos, a taxa média de crescimento anual neste sector foi de 34%,

existindo cerca de 2mil produtores em Portugal (INE, 2008).

A vinha é um dos sectores mais dinâmicos da agricultura nacional, com uma enorme importância histórica,

existindo registos da sua prática desde o século XX a.C. (www.ivv.min-agricultura.pt). O regime de aplicação

de agro-químicos na vinha é muito intenso, sendo 50% do total de produtos fitossanitários utilizados neste tipo

de exploração. Os alvos principais destas medidas são as cigarrinhas verdes (Empoasca spp. e Jacobiasca

lybica, figura 1), pragas chave em Portugal (Amaro, 1982).

Com este estudo pretendeu-se avaliar a biodiversidade entomológica em vinhas sob sistema convencional e

biológico na região Oeste de Portugal. Como indicador das práticas de gestão agro-ambiental focámo-nos na

avaliação da biodiversidade funcional e das pragas, como ferramenta de tomada de decisão para uma

agricultura de conservação.

As duas vinhas estudadas localizam-se na região Oeste de Portugal (Estremadura) e distam 5 km (SE-NO) entre elas (Figura 2a):

A Quinta da Crispina (Antas, Arruda dos Vinhos, UTM 1x1 km: 29SMD9515, 97m alt.) possui uma vinha (2ha) orientada a SSE em regime de agricultura biológica gerida em

regime de prevenção fitossanitária apenas contra míldio e oídio, não se tendo verificado tratamentos durante o estudo. Encontra-se rodeada por vinhas em regime

convencional, manchas dedicadas ao cultivo de aveia e um bosquete de Quercion broteroi (Figura 2b).

Na Quinta da Gataria (Gataria, Sobral de Monte Agraço, UTM 1x1 km: 29SMD9319, 270m alt.) a vinha (1,6ha) está orientada a NNE, gerida em regime convencional sendo

sujeita periodicamente a acções fitossanitárias contra o míldio, oídio, monda química e física e contra pragas-chave. No período de estudo foi sujeita a quatro intervenções

preventivas contra míldio e oídio. Colindante com esta área encontram-se culturas de subsistência de batata, fava e aveia, um prado terofítico de facies mediterrânico, um

pomar de Prunus spp. e uma galeria ripícola com Populus nigra, Quercus faginea, Crataegus monogyna e Rubus ulmifolius, entre outros. A sul faz fronteira directamente com

a aldeia da Gataria (Figura 2c).

Capturou-se um total de 19024 artrópodes, verificando-se um claro predomínio da ordem Diptera em ambas as

vinhas, provavelmente pelas armadilhas de Moericke se revelarem mais eficazes na amostragem deste grupo. Outros

grupos com menor mobilidade ou menor atracção a este tipo de armadilhas apresentam-se claramente em número

inferior (Figura 5).

Pela constante disponibilidade, simpatia e permissão para desenvolver o trabalho nas suas propriedades, agradece-se ao Sr. Albino e ao Sr. Marciano. Finalmente ao Marco Katzemberger e à Ana Farinha pela colaboração na triagem do material biológico.

Figura 2: Áreas de Estudo. Portugal Continental

(a), Vinha Biológica (b), Vinha Convencional (c)

0%

25%

50%

75%

100%

Vinha Convencional Vinha Biológica

Diptera

Thysanura

Psocoptera

Acari

Araneae

Dermaptera

Coleoptera

Collembola

Lepidoptera

Thysanoptera

Hemiptera

Homoptera

Hymenoptera

O protocolo experimental incluiu a captura de artrópodes por intermédio de

armadilhas de Moericke, colocadas duas por vinha. No período amostral de 6

semanas, entre 10 Abril e 17 Maio de 2006, procedeu-se à recolha semanal das

capturas nas armadilhas e à triagem em laboratório do material biológico, com

individualização ao nível das ordens (todos os grupos) com especial enfoque nos

predadores, parasitóides e pragas-chave.

Convencional Biológica

Diptera 10444 4311

Hymenoptera 434 473

Homoptera 252 238

Hemiptera 5 12

Thysanoptera 577 853

Lepidoptera 6 3

Collembola 4 13

Coleoptera 627 621

Dermaptera 1 0

Araneae 34 63

Acari 44 3

Psocoptera 2 3

Thysanura 0 1

TOTAL 12430 6591

0

50

100

150

200

I II III IV V VI

Semanas de amostragem

me

ro d

e in

div

ídu

os

Cicadellidae Predadores Parasitóides

Os dados deste estudo permitem reafirmar o importante papel das novas medidas de gestão agroambiental como a agricultura biológica na manutenção da biodiversidade, mesmo em meios semi-naturais de produção estratégicos como a cultura da vinha em Portugal. Esse efeito poderá ser maximizado se o ambiente envolvente apresentar estruturas ecológicas complexas que, contribuindo com reservatórios de biodiversidade, podem actuar como mitigadoras da actividade das pragas na vinha e noutras culturas.

Figura 1:Cigarrinha-verde, praga-chave da vinha

Segundo o Índice de Diversidade de Shannon-Weaver (Ricklefs,1990) verificou-

se que a diversidade na vinha biológica é bastante superior à da vinha

convencional (HBiológica≈1.15; HConvencional≈0.68) apesar de, contrariamente

ao expectável, não se terem registado sempre mais indivíduos na vinha

biológica (p. e. Diptera e Acari, Tabela 1). Estas diferenças entre vinhas poder-

se-ão dever a uma maior diversidade de habitats e superior riqueza botânica

nas zonas adjacentes à vinha convencional, e à complexificação das estruturas

ecológicas e refúgios de biodiversidade no seu entorno.

Em ambas as vinhas o número de cigarrinhas-verdes revelou-se reduzido,

especialmente na vinha convencional (11 indivíduos), provavelmente devido a

efeitos cumulativos de tratamentos fitossanitários contra esta praga em anos

anteriores. Concomitantemente, nunca foi atingido o Nível Económico de

Ataque.

Os efectivos populacionais da praga e os grupos de inimigos naturais (Figura 6)

não apresentam uma relação inversa, demonstrando que as variações no

efectivo de cigarrinhas-verdes resultam de factores ambientais e não do controlo

biológico.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

MATERIAL E MÉTODOS

INTRODUÇÃO

Figura 3: Captura no campo Figura 4:Triagem no laboratório

Tabela 1: Total de indivíduos por vinha

Figura 5: Composição percentual das vinhas estudadas

Figura 6: Evolução temporal dos grupos focais

CONCLUSÕES •AMARO, P. 1982. A Protecção Integrada em Agricultura. Comissão Nacional do Ambiente. 165 pp.

•FAO/WHO, 1999. Organic Agriculture. Commitee On Agriculture, 15th Sesson

•INE, 2008. Estatísticas agrícolas 2007. INE, I.P., Lisboa – Portugal.

•www.ivv.min-agricultura.pt

•RICKLEFS, R. E. 1990. Ecology. W. H. Freeman and Company, New York, Third Edition. 721pp.

AGRADECIMENTOS

REFERÊNCIAS

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