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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO CURSO DE ARTES VISUAIS A CENA KADIWÉU: UMA INSTALAÇÃO CENOGRÁFICA MÁRCIA MARIA GOMES CAMPO GRANDE MS 2005

Gomes; marcia maria a cena kadiwéu uma instalação cenográfica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL DEPARTAMENTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO

CURSO DE ARTES VISUAIS

A CENA KADIWÉU: UMA INSTALAÇÃO CENOGRÁFICA

MÁRCIA MARIA GOMES

CAMPO GRANDE – MS 2005

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MÁRCIA MARIA GOMES

A CENA KADWÉU: UMA INSTALAÇÃO CENOGRÁFICA.

Trabalho de final de Curso dirigido à banca julgadora, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais, realizado sob orientação do Professor Dr. Richard Perassi Luiz de Sousa.

CAMPO GRANDE – MS 2005

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste em um relatório descritivo-analítico do processo de

elaboração, desenvolvimento e apresentação de uma instalação artística, espaço-

visual, cuja temática e ambientação foram inspiradas na cultura e, mais

especificamente, nos grafismos indígenas da etnia Kadiweu, e a forma realizada de

acordo com os princípios da cenografia teatral.

A experiência tomou por base o pressuposto de que a cenografia, além de

compor o ambiente para espetáculo dramático, dispõe também de autonomia

estética e significado próprio, como uma obra por si mesma. Isso lhe garante a

condição de texto espaço-visual independente, capaz de expressar um conjunto de

sentidos autônomos, do mesmo modo que são independentes e próprios os valores

estéticos e simbólicos dos environments ou instalações nas artes visuais.

Partindo de princípios estéticos e técnicos da cenografia, tais como: produção

de elementos cenográficos, efeitos de iluminação e ambientação, foi possível

produzir uma instalação, nos moldes apresentados nas artes visuais, sob inspiração

da cultura visual Kadwéu.

O termo penetrável proposto por Oiticica em 1960, foi apropriado para

descrever esta proposta, para qual também é essencial a participação do espectador

na obra, rompendo definitivamente com os limites da simples contemplação.

Há uma interação entre três universos culturais que desde sempre

despertaram nosso interesse poético: 1- a cultura regional Kadwéu; 2- as artes

cênicas e 3 - as artes visuais.

. O trabalho aqui apresentado consiste, portanto, em uma instalação artística,

espaço-visual, inspirada na cultura e mais especificamente, nos grafismos Kadiweu,

que foi construída com recursos estéticos e técnicos da cenografia, possibilitando a

criação de um cenário capaz de expressar, de modo independente da dramaturgia,

uma visualidade própria, que é capaz de promover um conjunto de sensações e

sentimentos inspirados pela expressão de uma releitura da cultura Kadiweu.

Do ponto de vista estético-conceitual, a relação com a temática Kadiweu não

se estruturou com base em estudos antropológicos ou especificamente etnográficos.

A relação se constituiu por princípios puramente estéticos, por isso, o que a obra

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expressa são impressões visuais e relações afetivas retiradas de vivências não

sistemáticas com elementos e informações da cultura regional, que representam ou

fazem referências às expressões étnico-culturais dos Kadwéu. As relações

conceituais e estéticas que justificam a temática e os procedimentos de abordagem

e representação são expressos na apresentação teórico-conceitual da proposta que

caracteriza a primeira parte deste texto e, também, nas suas considerações finais.

Utilizando materiais como lona, já bastante usada e rota, suspensa por cabos

de aço, criou-se a estrutura que define um ambiente. Do teto do ambiente pendem

faixas de tecido sintético, em que foram impressos os grafismos inspirados nos

grafismos indígenas. Outros materiais como ferro; folhas, e fibras naturais, também,

foram utilizados para a construção da obra. Os recursos de iluminação

complementam a visualidade do ambiente finalizando sua forma de acordo com o

resultado esperado.

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2. SUPORTE TEÓRICO

2.1. SOBRE CENÁRIO, CENOGRAFIA E INSTALAÇÃO. O conceito de instalação, terminologia utilizada nas artes visuais (LUCIE-

SMITH, 1990) é retomado por Perassi (mimeo s.d.) de maneira associada ao termo

cenário que é ligado ao conceito de cenografia, uma terminologia das artes teatrais

ou dramáticas. Nesse sentido, Perassi afirma que uma instalação consiste na:

Ocupação de espaços, estruturação de ambientes ou construção de cenários, com o uso de materiais bidimensionais e tridimensionais como objetos (Objet Trouvé) ou obras de arte como pinturas e esculturas, que estarão interagindo com o espaço e acolhendo o espectador, que passa a participar da obra e não apenas apreciá-la à distância (grifo nosso).

Mantovani (1989:7) reforça essa relação entre cenografia e composição de

espaços tridimensionais quando afirma que: “cenografia é uma composição e um

espaço tridimensional – o lugar teatral”, considerando que é o “lugar onde é

apresentado o espetáculo teatral e onde se estabelece a relação cena/público”.

Na indicação dos elementos compositores básicos da cenografia, Mantovani

(ibid.) aponta elementos como: “cor, luz, formas, volumes e linhas”, ressaltando que

“uma composição, tem peso, tensões, equilíbrio ou desequilíbrio, movimento e

contrastes”. Entretanto, esse mesmo conjunto de indicações é básico para qualquer

tipo de composição visual.

As artes plásticas, em linguagens mais tradicionais como as da pintura,

utilizam os mesmos termos descritos acima, embora interaja com eles de maneira

indireta, representando-os. A luz na pintura é uma representação, assim como os

volumes, porém esses elementos mesmo que representados são parte constituinte

da composição pictórica.

Nas instalações de artes visuais, as luzes, as formas e os volumes não são

representações, porque existem de fato, mesmo que sua existência passe a

expressar e representar coisas inexistentes como, por exemplo, dragões alados ou

duendes.

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As fontes de luz artificial, objetos e outros volumes não apenas

representados, cuja existência é material e tridimensional, devem ser instalados nos

ambientes cenográficos ou em um outro ambiente artístico. Portanto, a composição

resultante da ocupação de espaços com elementos tridimensionais é,

justificadamente, denominada como instalação.

2.1.1 Um breve histórico da cenografia.

O trabalho cenográfico consiste em projetar e construir uma cenografia. A

palavra cenografia foi originalmente escrita em grego como skenographie, reunindo

o termo skené, representado em português pela palavra cena, e o termo graphein

que, em português, quer dizer escrever ou desenhar. Assim, literalmente, fazer a

cenografia é desenhar a cena ou o ambiente. Atualizando a terminologia, a

cenografia é o planejamento visual da cena ou do cenário onde irá ocorrer a ação

teatral (MANTOVANI, 1989:13).

O termo grego é encontrado na Poética de Aristóteles para definir o trabalho

de embelezamento do espaço cênico. Nas artes visuais, o termo passa a designar

os estudos de representação perspectiva ou espacial. Já traduzida para o latim,

ainda segundo Mantovani (ibid.), a palavra foi encontrada no texto de Vitruvio, De

Architectura.

Considerando que o cuidado com o espaço de apresentação sempre existiu

na atividade teatral, a cenografia é tão antiga quanto o próprio teatro, porque

participa de sua composição. A cenografia, portanto, existe oficialmente desde os

espetáculo teatrais na Grécia Antiga.

Em cada uma das épocas históricas, entretanto, a cenografia expressou

sentidos diferentes, porque, assim como as outras artes, o teatro tende a refletir o

meio social em que surge, caracterizando-se de acordo com um período ou uma

época. A cenografia da Grécia Antiga foi diferente da de Roma, da Idade Média, do

Renascimento e do Barroco.

Na Antiguidade os cenários eram fixos, com poucos elementos e serviam

somente de ornamentação. Na Idade Média, o caráter é completamente místico-

religioso, representando um lugar, como o céu, a terra, o inferno, onde o ator

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deveria atuar. Os espetáculos eram primeiramente apresentados só nas igrejas e

posteriormente passaram a acontecer nas praças públicas (RATTO, 1999)

No Renascimento, os cenários passaram a ser construídos em três

dimensões e, também, pintados em perspectiva, com motivos de paisagens urbanas

ou rurais, dependendo do tipo de encenação, tragédia ou comédia. No Barroco, os

cenários continuaram sendo construídos em três dimensões, como no

Renascimento, porém mais ricos e detalhados. O palco passa a ser uma caixa de

magias e truques. A principal função da cenografia era deixar o público maravilhado

(MANTOVANI, 1989).

A Revolução Industrial alterou o contexto social e o modo de vida das

populações, por exemplo, o surgimento da locomotiva mudou o olhar das pessoas,

que passaram a se deslocar em linha e em alta velocidade para época. O

pensamento também foi alterado e, a partir da metade do século XIX, a filosofia

positivista de Comte e Spencer fomentou o aparecimento do Naturalismo,

movimento que influenciou, entre outras coisas, a cenografia. (RATTO, 1999). A

partir do século XIX, os cenários se tornaram realistas e a própria representação

perdeu os excessos da estilização dramática para se apresentar mais naturalista.

O Modernismo, entretanto, esfacelou a cenografia naturalista em diversas

facetas, sejam expressionistas, construtivistas ou minimalistas, chegando a eliminar

totalmente os elementos do cenário e negando até mesmo a caixa cênica.

Depois de todas as experiências, todas as possibilidades e a atualidade

exibem uma variedade quase infinita de possibilidades para compor ou negar a

cenografia.

2.1.2 Um breve histórico da instalação.

Todas as linguagens artísticas expressaram as influências dos

acontecimentos que marcaram a sociedade após a guerra de 1945. Por exemplo, na

década de 1950, o informalismo nas Artes Plásticas desloca o ponto de interesse da

obra para o processo de criá-la. Da Pop Art à Body Arte, da Arte Povera à Land Art o

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espaço foi ocupado pelas artes que, até então se manifestavam no plano, como o

desenho e a pintura, ou no próprio material de sua criação, como é o caso das

esculturas.

O termo instalação foi incluído no vocabulário das artes visuais na década de

1960, designando assemblages ou ambientes construídos nos espaços das galerias

e museus, tendo em vista que é uma:

modalidade de produção artística que lança a obra no espaço, com o auxilio de materiais muito variados, na tentativa de construir um certo ambiente ou cena, cujo movimento está dado pela relação entre objetos, construções, o ponto de vista e o corpo do observador. Anúncios precoces do que viria a ser designado como instalação podem ser localizados nas obras Merz (1919) de Schwitters (1887-1948) e em duas obras de Duchamp (1887-1968) ( ITAUCULTURAL, 2005).

No movimento minimalista vislumbrou-se o que viria a ser chamado de

instalação, quando as esculturas deixaram de ter pedestais e ocuparam o solo,

compondo os espaços das galerias. Uma vez que foram colocados no mesmo plano

do ambiente, esses objetos organizados no espaço, estabeleceram uma relação

entre si e o observador, surgindo daí novas áreas espaciais, criando novos aspectos

arquitetônicos e estéticos. Nos anos 1980 e 1990 houve um abuso desta linguagem

artística em todo mundo. Mas, ainda na década de 1960, no Brasil, destacaram-se

as obras de Lygia Pape (1929) e Hélio Oiticica (1937-1980). Mais tarde, Nuno

Ramos (1960), Tunga (1952) e tantos outros deram continuidade a obra dos

pioneiros (MANTOVANI, 1989).

Nas instalações a apreciação das obras passou a ocorrer nas artes visuais,

do modo como só acontecia na arquitetura, ou seja, o observador percorre o interior

da própria obra. Passa por dobras e aberturas, trilhando os caminhos internos entre

os objetos e volumes instalados, que definem o ambiente para o convívio do antigo

espectador que passa a atuar na obra, como um ator dentro de uma cenografia.

2.1.3. O penetrável como idéia

Justino (1998:29) considera que Oiticica compreendeu o espaço como algo

dinâmico, em que o artista explora as cores, incorporando também o espaço e o

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tempo. Para tanto, o artista tem que considerar essencial a participação do

espectador, para romper definitivamente com a contemplação e permitir a plena

interação com o expectador que é incorporado no campo da obra. Foi dessa

concepção que nasceram os penetráveis.

Ferreira Goulart (apud Justino, 1998) refere-se aos penetráveis como

“estruturas-cor, em feitio de labirinto, onde o espectador penetra através de vãos e

corredores.” No penetrável o espectador passa para a condição de participante,

vivenciando sensações únicas. Esse aspecto agrega à obra a possibilidade de criar

para o espectador uma atmosfera sensorialmente dramática (RATTO, 1999).

2.2. SOBRE A TEMÁTICA

2.2.1 O grafismo Indígena

O homem ocidental tende a julgar as artes dos povos indígenas como se pertencessem à ordem estática de um Éden perdido. Desta forma, deixa de captar, usufruir e incluir no contexto das artes contemporâneas, em pé de igualdade, manifestações estéticas de grande beleza, e profundo significado humano. (VIDAL, 1992:13)

A idéia sobre a atualidade das expressões culturais Kadwéu dentro da cultura

regional e brasileira inspirou a criação da obra espaço-visual que é objeto deste

estudo. A estética dos grafismos indígenas, sua aparência, mesmo que

independente de seus significados específicos, propõe a imersão em um universo

fantástico e curioso, expressando valores percebidos como necessários pela

sociedade contemporânea que está distante de sua realidade cotidiana e, ao mesmo

tempo, muito presente no imaginário e na afetividade de todos os que anseiam por

valores mais universais e atemporais, ou seja, mais absolutos.

Não se trata, portanto, de um estudo antropológico ou etnográfico a respeito

desta etnia indígena, porque parte da simples observação e do estabelecimento de

relações formais, em que a analogia e a inspiração dos símbolos kadwéu permitiram

a produção de novos grafismos e a construção de um ambiente que busca suscitar

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no público participante sentimentos semelhantes aos produzidos pelas obras

originais desse povo indígena.

Há a apropriação e recomposição de partes de grafismos já existentes. Esse

procedimento nega de certo modo o regionalismo, porque são as peculiaridades

morfológicas e simbólicas que demarcam a origem cultural e regional. Todavia, a

releitura mantém o que há de transcendente e universal nas manifestações culturais

indígenas. Buscou-se a universalidade através da apreensão estética do que há de

universal no grafismo indígena.

Em alguns grupos indígenas, a arte pode atingir os níveis de um virtuosismo

extremo, como na pintura facial dos Kadwéu, que por não ser imune às

transformações sociais e ecológicas, hoje já não é mais utilizada, provavelmente

porque esta manifestação artística toda em filigranas, perdeu sua função social.

(VIDAL, L.1992)

2.2.2. Sobre os Kadiwéu

“Os Kadiwéu são os remanescentes no Brasil atual dos índios de

língua Guaicuru. Constituem a última tribo dos célebres Mbayá ou

Índios Cavaleiros, notabilizados pela tenaz resistência que opuseram

aos espanhóis e portugueses na bacia do Paraguai” (RIBEIRO, 1980:

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Esse mesmo autor demonstra que em 1947 haviam somente 235 indivíduos

distribuídos em 3 aldeias, nas terras que lhes foram reservadas pelo governo, entre

a Serra de Bodoquena e os Rios Aquidavão, Neutaka, Nabileque e Paraguai, ao sul

do Pantanal mato-grossense, hoje Mato Grosso do Sul.

A influência regional de Mato Grosso do Sul, merece destaque. Aqui vive a

segunda maior população indígena do país, e a possibilidade de utilizar essa cultura

que é regional como expressão de arte contemporânea, tornando-se à partir daí,

universal, favorecendo a visibilidade e a divulgação da cultura regional.

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Ao desvendar a cultura kadiweu, verificaram-se peculiaridades em suas

crenças e valores. Neste aspecto, RIBEIRO, (1980) registra que o

o desenho kadiwéu é uma arte estritamente feminina, só podendo ser executada

além das mulheres pelos cudinas, homossexuais que adotavam quase inteiramente

a conduta feminina.

Mas sem dúvida foi a beleza do grafismo indígena Kadwéu que, entre

arabescos e caracóis, como que coreografados para uma apresentação teatral.,

instigaram e inspiraram este estudo.

A riqueza estética dos grafismos conduziu esta pesquisa-ação por entre o

primitivismo e a sofisticação.

Os grafismos, principalmente a pintura corporal, hoje quase em desuso, vêm

sobrevivendo na pintura cerâmica, também de grande valor estético.

Durante todo o curso a temática permeou nosso trabalho, sendo utilizada nas

mais diferentes técnicas, conforme segue demonstrado nas Figuras que se seguem.

Figura 1 - “Um sonho Kadiwéu”, técnica do relevo, medindo 29,00 cm x 41,00 cm. em massa plástica, Autora: Márcia M. Gomes, 2003.

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Figura 2: Detalhe da pintura “Universo Feminino Kadiwéu” , técnica mista, medindo 0,50cm x 1,20cm. Autora Márcia Maria Gomes.2004

Fig. 3 - “Luz Kadiwéu”, xilogravura, medindo 16,0 cm x 22,5 cm, Autora: Márcia M. Gomes. 2005

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3. PROCEDIMENTOS E RESULTADOS.

3.1 PROCEDIMENTOS DE ELABORAÇÃO E PRODUÇÃO DA OBRA.

O método proposto para a realização do trabalho aqui relatado, incluiu

estudos teóricos sobre o tema e também sobre o conjunto de técnicas que

possibilitaram a construção da obra, além do trabalho prático e da inspiração poética

da autora. O processo de pesquisa reuniu, portanto, pensamentos, ações e

sentimentos.

O processo de produção se desenvolveu por meio de cinco momentos

específicos, mas que, ao mesmo tempo, foram vividos de maneira interativa:

A pesquisa bibliográfica sobre a cultura e o grafismo Kadiwéu eram anterior

ao início do projeto, sendo realizada nos últimos três anos, porque o tema já era

utilizado em obras anteriores, conforme foi indicado nas figuras (1, 2 e 3).

A escolha da cenografia e da instalação como campo de composição das

imagens e construção de sentidos impôs a busca teórica sobre esses temas de

modo a embasar conceitualmente o trabalho prático e poético.

A escolha da linguagem artística da instalação, ofereceu a oportunidade de

desenvolver um trabalho que reúne os conteúdos e práticas de artes visuais com os

recursos e vivências da área teatral. Essa escolha impulsionou os estudos sobre a

linguagem artística, que ainda é pouco utilizada nas artes visuais deste Estado. Além

disso, a atualidade das instalações, que é um fenômeno da arte contemporânea,

restringiu o acesso a informações sobre o tema.

Depois que foi definida a linguagem e os elementos a serem instalados, houve

um estudo sobre o espaço em que seria construída a obra dentro do espaço

disponível no Departamento de Arte e Comunicação, onde se desenvolveu o Curso

de Artes Visuais. O espaço escolhido foi o final de um corredor, porque sua estrutura

já sugeria o espaço pensado para a instalação. A partir disso, foram desenhadas a

planta baixa e a representação da obra em perspectiva. A figura (4), a seguir, mostra

o local destinado à instalação nas dependências do Departamento de Artes Visuais.

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Figura. 4 – Área da UFMS, destinada a montagem da Instalação medindo 3,0 m x 3,0 m.

Novembro/2005

Além das realizações da planta baixa e da representação em perspectiva,

também, foi realizada uma maquete. Essa atitude e o produto resultante dela

mostraram-se muito importantes para o processo de produção. Isso permitiu uma

prévia da montagem do cenário e a identificação e solução das principais dúvidas,

com relação à instalação. Depois disso, foram definidos os pontos de fixação,

considerado o peso do material, as possibilidades de iluminação, a adequação de

materiais e o tempo de montagem. As figuras (5 e 6), a seguir, ilustram esse

momento e o trabalho realizado.

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Fig. 5 – Na oficina do artista - Imagens da confecção da maquete, apresentada na Pré-Banca, junho/2005.

Figura 6 – Maquete em mdf e tecido, dimensões: 40 x 29 x 28 cm.

Apresentada na Pré-Banca em junho/2005

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A etapa seguinte foi pesquisar a cerca dos painéis que deveriam compor o

espaço. Vários materiais foram cogitados, a princípio, grandes módulos recortados

em MDF. Logo depois, foi pensado que o plástico transparente com o grafismo

adesivado em preto, pendendo do alto, também, era uma possibilidade. Enfim,

optou-se pela utilização de seda sintética com os grafismos estampados por

processo gráfico de impressão em tecido. A escolha considerou a possibilidade do

tecido proporcionar uma sensação de leveza e flutuação, que interessavam no

resultado final do trabalho. Esses painéis são suspensos por finos cabos em uma

fina barra de ferro. Os desenhos dos elementos que compõem o ambiente

penetrável da instalação são mostrados a seguir (figura 7)

Figura. 7 – Esboços em aquarela dos elementos definidos

Para a Instalação. Junho/2005.

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O ambiente criado com a instalação lembra um cenário teatral, todo iluminado

de maneira a valorizar e realçar os objetos, para favorecer à dramaticidade. Aos

elementos visuais foram acrescentados sons, compondo um novo discurso pela

sonoplastia, que amplia a intertextualidade do cenário e valoriza ainda mais o

ambiente da instalação, que é preparado para a atuação do expectador-ator.

3.2 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS

O ambiente construído para receber o expectador-ator e abrigar sua atuação,

tem como título de “Cena Kadiwéu”, porque seus elementos gráficos foram

inspirados nos grafismos produzidos e expressos pela cultura indígena Kadiwéu.

Todos seus elementos foram produzidos e articulados para serem montados no final

do corredor que leva ao anfiteatro do Departamento de Arte e Comunicação, no

bloco 8 da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Campo Grande.

A obra é uma instalação, que foi pensada no contexto das artes visuais

contemporâneas, de acordo com a forma e o conceito de penetrável, propostos por

Hélio Oiticica. Todavia, foram encontradas relações e inspirações na atividade

cenográfica, porque a cenografia isolada da ação dramática dos atores pode e deve

ser percebida como uma instalação. Por outro lado, a instalação espaço-visual

também possibilita e até impõem a ação do expectador, que nela deve penetrar e

transitar, atuando no espaço interno da instalação.

A instalação, assim como a cenografia, prevê a utilização de luzes e sons,

juntamente com volumes e elementos visuais. Além disso, a cenografia também se

utiliza de recursos gráficos para compor seus ambientes teatrais.

A instalação cenográfica, espaço-visual e sonora, aqui apresentada, dispõe

formas recortadas em seda sintética presas no teto, mas estendendo-se para o

espaço e exibindo grafismos inspirados nas representações Kadiwéu.

As luzes e os sons complementam a atmosfera mítica da instalação, que foi

produzida para integrar os expectadores, oferecendo-lhes uma experiência estética,

cujo sentido afetivo parece transcender à realidade, porque o ambiente desperta

vivências e lembranças difusas, que estão perdidas no inconsciente.

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Os expectadores que dividem o espaço da obra, além de viverem suas

próprias experiências, assistem também a participação de outros expectadores.

Desse modo, cada expectador passa a atuar no ambiente, diante da visão de um

terceiro participante, que é o outro expectador.

Essa tríade formada pelo participante, pelo ambiente e pelo expectador,

caracteriza a figura do participante como um expectador-ator, porque sua

participação é assistida como parte da instalação por terceiros que também estão

dentro do ambiente.

Cada expectador assiste a um outro sempre que houver mais de um

participante na cena. Portanto, cada expectador é ator para um outro, para esse

terceiro, que também é visto como um ator pelo primeiro. Ambos são mediados pelo

segundo elemento, que é a própria instalação ou ambiente.

O ambiente teatral e ancestral criado por formas, símbolos, luzes e sons foi

produzido para transportar o participante para um mundo que transcende a realidade

externa do mundo material, propondo um mergulho na imaginação e nas sensações

distantes que se perderam no inconsciente. Esse tipo de experiência pode ser

percebida nas expressões dos participantes, tanto pelos outros participantes quanto

pela autora da obra. Quando isso ocorrer como é esperado a obra terá atingido os

objetivos propostos para ela é o trabalho terá sido finalmente realizado.

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4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

VIDAL, Lux. (org.). Grafismo Indígena: Estudos de Antropologia Estética. São Paulo: Nobel, 1992. BOGGIANI, Guido. Os caduveos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. RIBEIRO, Darcy. KADIWÉU: Ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza. 2 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1980. MAYER, Ralph. Manual do Artista de Técnicas e Materiais. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. RATTO, Gianni. Antitratado de Cenografia: Variações sobre o mesmo tema. São Paulo: SENAC, 1999. MANTOVANI, Anna. CENOGRAFIA. São Paulo: Ática, 1989. MELO Desirreé P. Obra Aberta: Uma Instalação. Campo Grande, MS: UFMS, 2003 (trabalho de conclusão de curso de graduação, pré-print.). TASSINARI, Alberto. O Espaço Moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. JUSTINO, Maria José. Seja marginal, seja herói: modernidade e pós-modernidade em Hélio Oiticica. Curitiba, PR: UFPr, 1998. INSTALAÇÃO. Disponível em www.itaucultura.org.br. Capturado em 07/03/2005.