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GOVERNANÇA DA CADEIA DE VALOR
GLOBAL: O CASO DA EMPRESA
FRANCESA VEJA FAIR TRADE E O
TÊNIS ECOLLÓGICO
Djan Mosqueira de Amorim
(UNIR)
Mariluce Paes de Souza
(UNIR)
Carlos André da Silva Muller
(UNIR)
Resumo Esta pesquisa tem como objetivo explicar as relações entre
compradores e fornecedores inseridos em uma determinada cadeia de
valor e identificar as estratégias vislumbradas pelos agentes
envolvidos na cadeia, para internacionalizar os produutos oriundos do
algodão agroecológico. Mais especificamente, as relações entre
economias locais, (associações, cooperativas, ONGs ou outras
organizações) com os compradores no mercado global, inseridos na
rede da cadeia produtiva do algodão agroecológico. Apesar da relação
entre compradores e produtores ser analisada a partir do conceito de
cadeia de valor e relações verticalizadas que formam verdadeiras
cadeias de produção, é fundamental analisar as relações entre o
agente local, no caso estudado, a Associação de Desenvolvimento
Educacional e Cultural - ADEC e, desses, com a empresa francesa
Veja Fair Trade, ou seja, as relações horizontais. Entende-se que as
relações horizontais podem ter impacto direto na inserção das
economias locais no comércio internacional, bem como trazer
desenvolvimento local. Para o estudo empírico foi escolhida a
abordagem qualitativa exploratória, no qual foram aplicados
questionários semi-estruturados e entrevistas abertas, com a utilização
do método estudo de caso para investigar um dos atores inserido na
cadeia produtiva do algodão agroecológico. Concluiu-se que a
associação analisada vem sofrendo um vasto processo de aprendizado
em virtude de sua atuação no mercado externo. No entanto, para que
haja aprendizado, é fundamental o suporte de instituições em nível
local e internacional, bem como determinadas ações, tal como
diversificação das atividades, através do plantio consorciado, para
sedimentar o aprendizado e que vem sendo adquirido nesse processo.
20, 21 e 22 de junho de 2013
ISSN 1984-9354
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
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Palavras-chaves: Algodão agroecológico , estratégias de
internacionalização, mercado global, cadeia de valor.
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INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
As diversas mudanças sociais e político-econômicas em todos os setores que a
globalização de mercados vem trazendo, acarreta inúmeras transformações significativas para
a gestão e o desenvolvimento das organizações. Com isso, as alianças estratégicas, tais como
a formação em redes de empresas (capitalistas e solidárias), que se configuram entre as várias
formas de colaboração nacional e internacional, possibilitam às organizações inserirem-se no
contexto da globalização e da internacionalização, com um real ganho de vantagem
competitiva, mesmo tendo como principal característica a economia solidária.
Atualmente, é cada vez mais presente o debate sobre a inserção e a participação de
economias locais de países em desenvolvimento em cadeias de produção globais. Vários
elementos são considerados nesta análise, tais como: o poder de governança dos diferentes
segmentos que constituem as cadeias de produção, a capacidade inovadora que pode ser
adquirida pelos diversos agentes envolvidos, bem como as relações entre os agentes e os
mecanismos de controle entre os diferentes elos de uma cadeia de produção (HUMPHREY,
2003; HUMPHREY and SCHMITZ, 2000).
As razões que determinaram a necessidade de se praticar uma agricultura ecológica,
que resulte na produção em bases sustentáveis, estão diretamente relacionadas aos problemas
ambientais causados pela agricultura convencional e ao interesse de um percentual cada vez
maior de pessoas que, nos mais diversos países, buscam melhorar sua qualidade de vida,
consumindo alimentos e outros produtos livres de resíduos químicos.
De fato, Lima e Oliveira (2005), afirmam que os graves problemas ambientais
provocados pela agricultura moderna decorrem de uma relação predatória do homem com a
natureza, através de práticas que resultam na erosão e degradação dos solos, na redução
drástica da biodiversidade, na poluição do ar, do solo e das fontes d’água, com enormes
prejuízos à saúde humana e animal.
O manejo ecológico dos recursos naturais – solo, água, vegetação e fauna – resulta
numa agricultura sustentável, com impactos positivos diretos sobre a fertilidade do solo e a
nutrição das plantas e, em consequência, sobre a sua saúde de agricultores e agricultoras, de
consumidores e consumidoras.
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A agricultura sustentável prossegue três objetivos principais: a conservação do meio
ambiente, unidades agrícolas lucrativas, e a criação de comunidades agrícolas prósperas. Estes
objetivos têm sido definidos de acordo com diversas filosofias, práticas e políticas, tanto sob o
ponto de vista do agricultor como do consumidor. Para que um empreendimento humano seja
considerado sustentável, é preciso que seja: ecologicamente correto; economicamente viável;
socialmente justo; culturalmente aceito.
Outro aspecto que têm crescido nos últimos anos, são as relações entre organizações
definidas como Redes Solidárias ou Cadeias Produtivas Solidárias, definidas, segundo
Metello (2007), como redes formadas por empreendimentos, articuladas dentro de uma
mesma cadeia produtiva, cujas atividades compõem os principais elos dessa produção. Dessa
maneira, as relações comerciais estabelecidas por cada empreendimento podem condizer com
a lógica interna de cooperação, já que os demais elos da cadeia também operam sob os
mesmos princípios. Com o aumento da interação entre esses empreendimentos solidários,
diminui-se a necessidade de relações comerciais com empresas capitalistas convencionais e,
com isso, também a necessidade de competição no mercado.
Considerando o aspecto econômico das redes, que se trata de uma estratégia para
conectar empreendimentos solidários de produção, comercialização, financiamento,
consumidores e outras organizações populares (associações, sindicatos, ONGs, etc) em um
movimento de crescimento conjunto, auto-sustentável, antagônico ao capitalismo. O objetivo
básico dessas redes é remontar de maneira solidária e ecológica as cadeias produtivas.
Essa configuração está atrelada ao comércio alternativo com uma organização
democrática dos produtores e compartilhamento dos lucros, de forma igualitária entre os
associados, onde os trabalhadores tomam as decisões de forma coletiva e participativa,
caracteriza-se também, pela autogestão, ou seja, pela autonomia de cada unidade ou
empreendimento e pela igualdade entre os seus membros.
Além dessa, outra forma de comércio alternativo é o comércio justo, cujas
características estão atreladas à conscientização dos produtores para uma atividade
transparente e co-responsável na cadeia produtiva e comercial; a criação de condições de
capacitação e acesso dos pequenos produtores a informações sobre os mercados; ao
pagamento de preço justo no recebimento do produto; ao desenvolvimento de formas de
produção ambientalmente corretas e estímulo ao consumo responsável; a articulação entre o
mercado local e o mercado de exportação.
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Dentre os produtos que tem agregado elementos de desenvolvimento sustentável ao
longo dos elos de sua cadeia, tendo em vista a formação de uma estratégia de
internacionalização, destaca-se a produção de algodão agroecológico. Iniciada nos anos 90 no
sertão do Ceará por agricultores agroecologistas, esta atividade tem se estendido por vários
estados brasileiros e formado uma rede que vai desde o agricultor do sertão cearense e outros
estados do nordeste (Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba), aos trabalhadores das
áreas urbanas do sul do Brasil, aliando trabalhadores extrativistas da Amazônia e se
estendendo até os mercados internacionais da Europa e Japão.
Do ponto de vista da sustentabilidade, a cor é natural e a organização da produção
procura inserir pequenos produtores rurais e trabalhadores artesanais (rurais ou urbanos)
procurando melhorar suas condições econômicas, de inclusão social e de promoção da
cidadania, bem como, a produção emprega técnicas de conservação do solo e da água,
valorizando a biodiversidade, sem uso de agrotóxicos. Para produzir organizam-se em
associações, cooperativas, ONGs ou outras organizações solidárias e cooperam entre si
estabelecendo relações verticalizadas formando verdadeiras cadeias de produção ou
horizontalizadas formando redes.
Entretanto, o algodão agroecológico produzido pela ADEC está também sendo
comercializado por meio do denominado comércio justo para o mercado europeu, sendo que
um ator com poder de mercado, a empresa Veja Fair Trade, tem a visão econômica
predominantemente. Partindo disso, levanta-se como problema de pesquisa: Quais as
estratégias implantadas ou vislumbradas pela Veja Fair Trade para a
internacionalização de produtos derivados da cadeia-rede do algodão agroecológico e
como tais estratégias interferem no relacionamento com os associados da ADEC?
1.2. OBJETIVOS
1.2.1. Objetivo Geral
Identificar as estratégias de internacionalização da empresa francesa Veja Fair Trade
para comercializar os produtos derivados da cadeia-rede do algodão agroecológico.
1.2.2. Objetivos Específicos
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Identificar a forma como produtos derivados da cadeia-rede algodão agroecológico
estão sendo ofertados no mercado internacional;
Compreender a visão dos gestores quanto à internacionalização de produtos do
comércio justo;
Explicar a configuração da relação Veja Fair Trade e ADEC para compra de algodão
agroecológico.
REFERENCIAL TEÓRICO
Uma característica da economia globalizada é a existência de organizações com
diversos formatos organizacionais atuantes em rede, tendo como elo uma determinada
atividade produtiva. Estes arranjos organizacionais existem para dar sustentabilidade a própria
atividade produtiva e inserida nestes arranjos, destacam-se as chamadas organizações sociais
que formam um universo bem heterogêneo, composto de organizações de diferentes matizes,
com suas próprias estruturas organizacionais, tais como: ONGs, cooperativas e associações.
Está em evidencia atualmente uma forma de comércio alternativo que busca atrelar
transparência com responsabilidade socioambiental denominado comércio justo. Suas
características estão atreladas tanto à conscientização dos produtores para uma atividade
compromissada com a sustentabilidade da cadeia produtiva e comercial, quanto ao pagamento
de preço justo no recebimento do produto e ao desenvolvimento de formas de produção
ambientalmente corretas. (METELLO, 2007; NAVAES et al 2005).
O comércio Justo visa criar meios e oportunidades para melhorar as condições de
vida e de trabalho dos produtores, especialmente os pequenos produtores desfavorecidos. A
sua missão é a de promover a equidade social, a proteção do ambiente e a segurança
econômica através do comércio e da promoção de campanhas de conscientização (HERTH,
2005; GOMES, 2003).
Inseridos nessa lógica competitiva, e atrelada aos novos desafios que a globalização
vem trazendo, os produtos derivados do algodão agroecológico tendem a concorrer com
produtos de várias partes do mundo (MACHADO & LIBONE, 2007), logo a
internacionalização se mostra como a melhor estratégia (MINTZBERG & QUINN, 2001)
para que esses produtos possam adentrar no mercado global (HUMPHREY, 2003;
HUMPHREY; SCHMITZ, 2000).
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Governança na cadeia de valor global
A cadeia de valor, primeiramente, nos remete a ideia de um conjunto de atividades
inerentes à transformação que vai desde a produção da matéria-prima básica, até o produto
final. Ademais, a cadeia é composta por todos os atores responsáveis, direta ou indiretamente,
pela composição do produto final, sendo eles: os produtores dos insumos, da matéria-prima,
os atores transformadores, os distribuidores e por final o consumidor final.
A cadeia de produção é denominada por cadeia de valor, pelo simples fato dela ser
composta por vários atores presentes em cada elo da cadeia de produção, ao qual, agregam de
alguma forma, um valor necessário na produção do produto final, haja vista, sendo que o
produto que chega até o consumidor final, nada mais é, que a soma de todos os valores
introduzidos por cada elo no decorrer da cadeia produtiva.
Com isso, a forma que o produto se encontra disposto ao cliente final depende tanto
das atividades interfirmas, ou seja, dentro da organização, quanto da sua coordenação que é
realizada com os elos que compõe a cadeia produtiva Humprhey e Schmitz (2000) destacam
nessa mesma linha de pensamento, que as cadeias que são dotadas por grande controle por
parte dos fornecedores, ou seja, as quase-hierárquicas, as empresas que se aglomeram e forma
de clusters, possuem maiores facilidades no aperfeiçoamento dos processos e dos produtos,
que as organizações que não possuem este tipo de governança na cadeia produtiva.
A governança global nada mais é que todas as atividades desenvolvidas
internacionalmente em torno de um produto ou mercadoria, sendo que, esta é composta por
membros dispersos em locais ou até mesmo países diferentes, formando redes globais, ao
qual, são governadas por uma empresa líder que possui como uma característica
predominante, a integração de diferentes estágios da produção, culminando na verticalização
da produção (HUMPHREY, J.; SCHIMITZ, 2000).
De um modo geral a governança pode ser considera pelas formas de controlar,
direcionar e coordenar as diversas atividades inerentes à cadeia de produção, logo sendo
definida pelo tipo de hierarquia que ela é estabelecida na estrutura de relacionamento entre
todos os elos que compõe a cadeia (HUMPHREY; SCHMITZ, 2000).
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Gereffi1 (1999), apud Souza e Neto destaca que a globalização corroborou para que
as cadeias de valor globais passassem por grandes transformações estruturais, sendo a
governança é tratada como peça chave para o entendimento das relações de poder entre todos
os elos de uma cadeia produtiva que possua relacionamento com mercados globais. Ademais,
sabe-se que um determinado ator pode ser detentor do poder de uma cadeia, ditando suas
regras e estabelecendo suas normas e diretrizes, com isso ele se responsabiliza pelo
desenvolvimento e melhoramento nos elos que compõe toda cadeia produtiva.
Essa forma de se trabalhar os níveis de poder no relacionamento entre elos e atores
na cadeia, denomina-se governança, cuja divisão se dá de duas formas, sendo a primeira do
tipo producer-driven, em que a cadeia é coordenada pelo produtor, que por sua vez estabelece
suas regras para os agentes ao longo de toda cadeia produtiva; e a segunda forma é a do tipo
buyer-driven, em que a cadeia é controlada pelo comprador, que coordena todas as atividades
desenvolvidas entre os elos da cadeia. Esses tipos de governança nas cadeias de valor global
podem ser assim definidos: quando dirigida pelo produtor (empurrada); porém quando
dirigida pelo comprador (puxada).
A estas diferenciações nos formatos dos relacionamentos dentro da cadeia de valor
global, correspondem às distintas estruturas de governança. Entretanto, nos dois casos, a
forma de se estruturar a governança é claramente determinada pelas características, ao ponto
que:
a estrutura de governança é determinada pela capacidade da firma em deter ativos
estratégicos “chave” que, pelo seu caráter tácito e específico, não são reproduzidos
pelos outros agentes que participam da cadeia. No primeiro caso, nas cadeias
dirigidas pelo comprador, os ativos-chave são produtivos, sustentados por atividades
fundamentais de desenvolvimento de produto e gestão de ativos comerciais. No
segundo caso, das cadeias dirigidas pelo comprador, as empresas coordenadoras
geralmente não possuem atividades produtivas e seu poder decorre da posse de
ativos comerciais, como marca ou canais de comercialização e distribuição
(SUZIGAN et al. 2002).
Segundo Dolan et al. (1999), quem dita as regras na cadeia de vegetais frescos
advindos da África, delimitando o número de fornecedores, bem como, desenvolvendo
sistemas de monitoramento da qualidade e do desempenho, são os grandes varejistas ingleses,
que por sua vez, desenvolveram também um sistema que os permitam a rastreabilidade dos
produtos do campo até a prateleira do mercado, inserindo códigos de barra para aumentar
ainda mais o controle de toda cadeia.
1 Gereffi, G. International trade and industrial upgrading in the apparel commodity chain. Journal of
International Economics, Vol.48, 1999, pp.37-70.
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Nessa mesma linha, entende-se que a cadeia de valor global caracterizada pelo
Buyer-driven, sendo composta pelos grandes varejistas, distribuidora, multimarcas, entre
outros, possuem como principal característica a total liberdade de trabalhar a configuração dos
contratos me sua cadeia, culminando na redução dos custos de transação (HUMPHREY;
SCHMITZ, 2000).
Para que a governança ocorra em uma cadeia de valor é fundamental que
determinados atores necessitem possuir maior controle acerca das atividades que compõe a
cadeia de valor em função das especificações, seja de produtos, ou processos, bem como o
que tange o nível de perdas caso o fornecedor não atenda às normas demandadas. Ademais, o
nivelamento da governança poderia ser demonstrado a partir de dois aspectos, em que o
primeiro engloba as relações de mercado, revelando uma total ausência de controla por parte
dos atores que governam a cadeia; enquanto, no segundo aspecto, englobando a integração
vertical, a firma internaliza as atividades, para aumentar o nível de controle na cadeia global
(HUMPHREY e SCHMITZ, 2000); (SCHMITZ e KNORRINGA, 2001).
De acordo com Humphrey e Schmitz (2004)2 citado por Souza (2005), é possível
identifica cinco tipos de relacionamentos em uma cadeia de valor global. Sendo eles:
(a) No tipo mercado: é mínimo o grau de dependência entre o comprador e o fornecedor,
haja vista, existe uma padronização do produto, sendo possível encontra-lo em vários
fornecedores;
(b) No tipo redes de produção modulares: é mínimo o grau de dependência entre ambas,
diferenciando do tipo anterior, apenas no nível de informações que é trabalhada, pois
que, neste o fornecedor possui habilidades para atender as demandas dos compradores;
(c) No tipo rede: é alto o grau de dependência, ocorrendo de forma recíproca;
(d) No tipo quase-hierárquica: uma empresa exerce um controle rígido e direto sobre os
fornecedores na cadeia. Isso ocorre, devido às incertezas que o s compradores possuem
em relação à competência dos fornecedores;
(e) hierarquia: é quando uma empresa atua diretamente nas operações da cadeia, integrando
para si parte da produção.
4. METODOLOGIA
Para a elaboração deste trabalho foram necessários dois momentos distintos: O
primeiro foi à busca de material teórico para fundamentar a temática proposta, realizando-se
2 Humphrey, J. Schmitz, H. Chain governance and upgrading: tacking stock. In: Schmitz, H. (ed) Local
enterprises in the global economy – issues of governance and upgrading. Edward Elgar : Cheltenham,2004.
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então a revisão bibliográfica a cerca da Governança e seus pressupostos nas cadeias de valor
global. O segundo momento foi à realização do estudo de caso envolvendo entrevistas e
aplicação de questionários semi-estruturados.
A abordagem empírica escolhida para o trabalho é a qualitativa e descritiva, por se
tratar de um tema complexo e pouco explorado, além do trabalho ter como objetivo identificar
como os produtores estão atendendo às exigências do mercado externo, bem como os
elementos que determinam ou contribuem para a inserção da cadeia-rede no comércio
internacional.
Como instrumento de pesquisa utilizado foram entrevistas, viabilizadas por meio de
questionários semi-estruturados e com diálogos abertos, cujo objetivo principal foi
compreender o entendimento dos entrevistados às questões relativas à internacionalização dos
produtos produzidos a partir do algodão agroecológico.
A pesquisa foi conduzida primeiramente por uma entrevista feita, via telefone, com a
representante da empresa Veja no Brasil, responsável pela fiscalização o algodão
agroecológico utilizado pela empresa francesa, a fim de entender os fatores determinantes na
escolha da utilização do algodão agroecológico cearense na produção do tênis comercializado
pela empresa francesa, e posteriormente fez-se uma visita in loco para entrevistar duas
gestoras da empresa francesa, ao qual uma administrava a filial da empresa na Inglaterra e a
outra era responsável pela gestão na França.
ESPLAR: Centro de Pesquisa e Assessoria (ESPLAR) é uma organização não
governamental, sem fins lucrativos, fundada em 1974, que atua no semi-árido cearense,
desenvolvendo atividades voltadas para a agroecologia, a serviço da Agricultura Familiar,
ONG que proporciona capacitação, acompanhamento técnico e assessoria à comercialização.
ADEC: Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural (Adec) foi
originada em 1986 por um grupo de mulheres que trabalhava com artesanato na cidade de
Tauá. Posteriormente, em 1993, foi transformada em associação de agricultores, abrangendo
então todo o município, não atuando mais apenas na área urbana.
VEJA: É uma empresa que francesa que atua no comércio justo (fair trade),
confeccionada a partir de látex de borracha natural, couro curtido vegetal e algodão orgânico,
cujos sócios proprietários são François Morilion e Sebastian Kopp.
RESULTADOS
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O algodão, que é considerado a mais importante das fibras têxteis existentes no meio
ambiente, é também a planta de aproveitamento mais completo e que oferece os mais variados
produtos de utilidade. Embora não seja cultivado de modo generalizado em todo o território, o
algodão, até 1980, estava classificado entre as sete primeiras culturas no tocante ao valor de
produção.
É conhecido que o uso de produtos químicos nas lavouras conduz, ao longo dos anos,
a problemas ambientais, diminuindo a biodiversidade, e gerando grandes prejuízos para todos
os tipos de vida, motivo pela qual a sociedade tem buscado processos produtivos alternativos
para viabilizar um meio de se ter produtividade e ainda ser ecologicamente correto. Uma das
alternativas que tem crescido ao longo dos anos é a produção agroecológica.
A Agroecologia é uma nova abordagem da agricultura que integra diversos aspectos
agronômicos, ecológicos e socioeconômicos, na avaliação dos efeitos das técnicas agrícolas
sobre a produção de alimentos e na sociedade como um todo. Trata-se de uma abordagem
diferente em um momento em que as pessoas estão passando por um processo de
transformação, em que começam a pensar na conservação ambiental, assim buscando meios
que possam de alguma forma viabilizar a interação do homem com a natureza, sem que esta
seja degradada, com isso havendo uma interação ecologicamente correta entre estes
(AMBIENTEBRASIL, 2009).
Em busca de meios de produção, voltadas à utilização de produtos ecologicamente
corretos e uma redução de despesas provenientes da utilização de agrotóxicos, o algodão
agroecológico chega a um mercado ávido por produtos ecologicamente corretos, levando-se
em conta a conservação do solo e consequentemente a preservação do meio ambiente e além
destas vantagens este tipo de produção é menos agressivo ao solo dando origem assim a uma
agricultura sustentável, que segundo Singer (2002) compreende que a economia solidária
busca práticas sociais e ambientais sustentáveis, entre grupos que a praticam.
Para que a produção de algodão agroecológico ocorra sem a necessidade de
agrotóxicos, são feitas pulverizações com extrato de folhas de nim, ou seja, realmente os
gastos com a produção do algodão agroecológico é superior à do algodão convencional. É
uma prática que associa, em seus objetivos, a geração de renda, a melhoria da qualidade do
solo, a diversificação da oferta de alimentos sadios e o desenvolvimento de uma consciência
ecológica entre famílias que dela participam, mas isso se dá pela busca de um comércio justo
e ecologicamente correto trabalhando com os princípios da economia solidária e construindo
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uma nova forma de pensar na preservação da natureza, vendendo produtos de qualidade e com
preços que garantem a competitividade dos seus produtos no mercado nacional e
internacional. Haja vista, os consumidores finais estão cada vez mais exigentes.
A prática da produção de algodão agroecológico e orgânico3, começou em 1993, no
Ceará, quando, em Tauá, a Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural (Adec),
formada por agricultores familiares agroecológicos se responsabilizou pela compra do
algodão em rama, bem como pelo beneficiamento e venda da pluma. A primeira safra de
algodão agroecológico, foi para o Sertão Central e o Norte do Ceará pelas mãos do Centro de
Pesquisa Esplar. Por três anos consecutivos o produto foi destinado à fabricação de camisetas
para o Greenpeace pela Filobel Indústrias Têxteis do Brasil.
A ADEC foi fundada em 1986, por iniciativa de grupos de mulheres artesãs de Tauá,
Ceará. Desenvolve todo o cultivo sem a aplicação de nenhum agrotóxico. Contando com
aproximadamente 300 agricultores, com sua sede em Tauá e se estende em Quixadá, Choro,
Massapé, Canindé, Sobral, Forquilha, Santana do Acaraú e Parambú. O algodão
agroecológico é cultivado em sistemas consorciados com culturas alimentares como milho,
feijão, gergelim e guandu, além de espécies arbóreas como nim e leucena. Essa forma de
plantio é resultado de estudos feitos pela ESPLAR, como explica Pedro Jorge4, em que se
identificou que a diversidade de plantas proporciona melhor aproveitamento do potencial de
cada área, em função de exigências diferenciadas de luz, umidade e nutrientes por parte de
cada planta, além de reduzir os riscos de perdas totais em casos de seca ou surtos de pragas.
Em cada uma dessas cidades os agricultores reúnem suas produções de algodão agroecológico
em rama (ou seja, ainda com caroço), nas sedes dos sindicados dos agricultores rurais de cada
município, onde a produção é pesada e o valor da produção é pago a cada agricultor. Em
seguida, a produção é encaminhada para a sede da Adec, em Tauá, onde será beneficiado.
Essa realidade vivida pelos agricultores associados, atualmente, somente foi
possível, graças aos projetos de P&D implantados pela ESPLAR, no intuito de encontrar
saídas para o beneficiamento e a comercialização do algodão produzido, que,
tradicionalmente eram realizados por usinas de beneficiamento, que se apropriavam das
elevadas margens de lucro daí decorrentes.
3 Considera-se algodão orgânico aquele que é auditado e certificado por um organismo credenciado; já o
agroecológico é cultivado conforme as práticas da Agroecologia, já preenchendo os requisitos para a certificação
orgânica. 4 Engº Agrônomo, MSc, Pesquisador do Esplar, bolsista do CNPq.
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Atualmente, a produção de algodão agroecológico da Adec segue dois caminhos do
comércio alternativo. Conforme pode ser observado na figura 2.
Figura 1 - Fluxo do algodão agroecológico cearense. Fonte: Dados da pesquisa.
A pluma comercializada segue dois caminhos de comércio alternativo. Uma parte da
produção atende uma rede solidária, que é enviada para a Cooperativa Coopertextil, em Pará
de Minas - Minas Gerais, que transforma a pluma de algodão em fios e tecidos para a cadeia
produtiva Justa Trama – marca de Rede Solidária de produtos têxteis –,uma cadeia em
articulação entre sete cooperativas localizadas no Ceará, Rondônia, Rio Grande do Sul, São
Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. A segunda, para a empresa Veja fair trade, – marca de
tênis fabricados no Brasil – com os princípios no comércio justo fabricando tênis
ecologicamente correto, mas que compete no mercado tradicional, e é enviada para a empresa
terceirizada Bercamp situada em São Paulo, que transforma a pluma em tecido, que
posteriormente segue para o estado do Rio Grande do Sul para unir-se com o couro e a
borracha para confeccionar o tênis.
A empresa Veja Fair Trade
Uma nova categoria de atores comerciais tem crescido nos últimos anos na Europa: a
de empreendedores que desenvolvem pequenos projetos de comércio justo onde seu maior
desafio é viabilizá-lo economicamente como um negócio, criando empresas privadas e marcas
próprias, diferente das principais ONGs européias e suas redes de lojas que impulsionaram o
comércio justo e que vêm sendo financiadas por recursos externos aos das vendas (ASTI,
2007). A entrada destes novos atores no comércio justo é crescente e vem aliada a um
sentimento de que é possível viabilizar o comércio justo economicamente em torno de
Rede Solidária
Justa
Trama
ADEC/
ESPLAR
Produtores de
algodão agro
ecológico
Empresa Veja
Fair Trade/
Comércio
Justo
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pequenas e médias empresas. O estudo de caso apresentado nesta pesquisa é um exemplo
desta ação de empreendedorismo social onde uma empresa privada é formada para sobreviver
economicamente e exclusivamente de um projeto de comércio justo, a empresa Veja fair
trade.
Em 2003, François Morilion e Sebastian Kopp, os fundadores da empresa, viajaram
ao redor do mundo estudando projeto de desenvolvimento sustentável e responsabilidade
social. Nas fábricas chinesas, nas minas sul-Africanas e da Amazônia, eles têm procurado
soluções para os problemas do nosso tempo: a desflorestação maciça, esgotamento dos
recursos naturais, exploração do trabalho infantil, entre outros. A empresa Veja foi fundada
em 2005, com sua sede na França para produção de tênis, contando apenas com um escritório
e três colaboradores. O fluxo produtivo da empresa inicia com o algodão agroecológico
cearense, cultivado sem pesticidas ou adubos químicos, com preços justos, determinados em
conjunto.
No caso da cadeia produtiva do algodão agroecológico, há inúmeras exigências
relativas à qualidade do produto final, no caso estudado, o tênis fabricado com algodão
agroecológico, com isso, não basta ser um produto que vislumbra a sustentabilidade do meio
ambiente e ser ecologicamente corrente, tem que ser de alta qualidade, para poder competir
com os produtos comercializados no mercado internacional, tendo em vista que os tênis
ecológicos são mais caros que os convencionais. Em se tratando das exportações, vale
ressaltar as barreiras comerciais impostas pelos países desenvolvidos para importação desses
produtos em geral.
Evidências de otimização de recursos dentro da cadeia com características
tradicionais são necessárias para que a empresa ganhe espaço no mercado europeu. O que
pode ser explicado, conforme entrevista pela competitividade do produto no mercado
internacional. Ser ecológico é critério ganhador de pedido, mas para participar do mercado de
tênis, tem que ter qualidade. O couro, adquirido no Rio Grande do Sul, é curtido sem cromo,
com o uso de extratos naturais de acácia. A produção dos tênis também é gaúcha, observando
boas condições de trabalho e respeito aos direitos dos trabalhadores. O responsável pela
logística da empresa francesa no Brasil, pela produção e qualidade do algodão agroecológico
é o senhor Thomas Favennet. Ele trabalha juntamente com a sra. Valdenira5 responsável pelas
inspeções realizadas nas produções do algodão, colhendo amostras para levar ao laboratório
para fazer o controle de qualidade pela certificadora. A logística de distribuição, na França,
5 Engenheira agrônoma e prestadora de serviços à empresa francesa.
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fica a cargo de uma organização não governamental (ONG) francesa, que agregam ex-
presidiários, dando a eles uma oportunidade de adentrar, novamente, o mercado de trabalho,
comercializando nas principais lojas do mercado europeu. Mas também os tênis já são
comercializados nos Estados Unidos, Canadá e Ásia.
A empresa Veja não trabalha com propagandas e publicidade, sendo os recursos
assim economizados são redistribuídos diretamente a cadeia produtiva do algodão. O produtor
de matérias prima assim é retribuído ao seu justo valor - que inclui no impacto social e
ambiental - e as sapatilhas e acessórios fabricados na dignidade. A ausência de publicidade
permite propor as sapatilhas a um preço equivalentes aos das grandes marcas, enquanto que a
fabricação das sapatilhas Veja custam 7 a 8 vezes mais caro (matéria prima/fabrica).
A origem do projeto de Veja pode ser resumida em uma pergunta: é um mundo
possível? Com algodão agroecológico do nordeste de Brasil, a borracha do Amazonas
selvagem e o couro ecológico, a empresa francesa Veja estão inventando métodos novos do
trabalho. O projeto apoia-se em três principais pontos: privilegiar materiais ecológicos;
utilizar o comércio do algodão de forma equilibrada; e fabricar os produtos com dignidade,
numa nova maneira de pensar e de agir, criando um canal de solidariedade ecológica do
produtor ao consumidor (VEJA.FT 2010).
Governança no comércio justo da cadeia-rede do algodão
agroecológico
Com o desenvolvimento do projeto de comércio justo, aplicado pela empresa
francesa desde 2005, a realidade dos produtores de algodão agroecológico foi sendo
modificada. Isso refletiu, na primeira safra comercializada, em contrato firmado entre a
empresa e a associação, com a compra do algodão das safras de 2003 e 2004, que ficaram
estocados por não possuir empresas que pagassem o preço justo pela produção, a empresa
francesa juntamente com a rede solidaria pagaram mais que o dobro dos preços do mercado
convencional estava ofertando.
Muito também se investiu na melhoria da qualidade do serviço e da produção do
algodão para o padrão exigido pelo consumidor europeu, demandando assim, que a empresa
francesa coordenasse as diferentes atividades econômicas no interior da cadeia. Nesse sentido,
foi construído um escritório no estado do Rio Grande do Sul, a qual contava com três
colaboradores, sendo cada um responsável pelos produtos que são utilizados para a confecção
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do tênis: algodão agroecológico, couro, borracha ecológica. Os primeiros pares de tênis, não
foram vendidos com facilidade no mercado europeu, haja vista, possuir vários defeitos na
confecção e também no tecido. Partindo deste fato, a empresa, contratou uma pessoa que
ficasse responsável, somente pela qualidade do algodão, com o objetivo que atendesse as
exigências do mercado europeu e pudesse ganhar poder de competir com as marcas
tradicionais.
A responsável por esta análise da qualidade do algodão agroecológico é a senhora
Maria Valdenira, que presta serviços à empresa francesa desde 2006, desenvolvendo trabalhos
de capacitação para os produtores associados à ADEC, cujo objetivo é dividir as informações
e aumentar a interação, entre a empresa e a associação.
Com esse controle, realizado pela empresa, nos arranjos das atividades necessários
para produzir um algodão de ótima qualidade, auxiliando os produtores desde o plantio até a
colheita e posteriormente a estocagem e transporte do algodão, proporcionou um tênis melhor
na sua consistência e qualidade, logo, gerando a confiança dos lojistas europeus no produto.
De certa forma o controle de qualidade é feito pela Veja, isso se justifica, conforme
verificado em entrevista, que existem inúmeras exigências relativas à qualidade do tênis
fabricado com algodão agroecológico, não sendo apenas produtos que vislumbra a
sustentabilidade do meio ambiente e ser ecologicamente correto, tem que ser de alta
qualidade, para poder competir com os produtos comercializados no mercado internacional,
tendo em vista que os tênis ecológicos são mais caros que os convencionais.
“Convencer os clientes que já estão convencidos com os princípios do comércio
justo não é nossa prioridade. Queremos que o tênis Veja esteja ao lado de outras
marcas tênis nas lojas onde os consumidores compram normalmente. O principal
objetivo é que os consumidores comprem o tênis porque gostam deles. Aspectos
éticos não deve ser a única razão para explicar a compra, especialmente quando se
trata de "tênis"” explica Aurelie, gerente comercial da empresa na França.
Constatou-se que a Veja controla firmemente sua produção e produz somente ordens
solicitadas com seis meses de adiantamento, ou seja, não há nenhum estoque extra produzido.
A produção dos tênis tem que adaptar-se às variações climáticas próprias ao sertão semi-
árido. Isto significa ter que às vezes reduzir as quantidades requisitadas por varejistas para
refletir a colheita, ou seja, há uma interdependência vislumbrada de ambas as partes, seja pela
empresa francesa restringir sua demanda de vendas pela restrição do clima, ou pela própria
associação não possuir subsídios para produzir, dependendo muitas vezes, de antecipação de
50% do valor que será pago pelo algodão que será colhido.
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Em seminário ocorrido, na cidade de Quixadá – CE, em novembro de 2010, foram
levantadas várias discussões relacionadas ao preço pago pelo algodão, haja vista, o mesmo
contar a presença de três representantes da empresa francesa, uma da Inglaterra, uma da
França6 e Thomas. A discussão inicial foi com relação à dificuldade para obtenção de um
preço justo começa pela subjetividade do que seria “justiça” no contexto da formação de
preços. No caso da associação a dificuldade é ainda maior por comercializarem o algodão,
tanto para a rede solidária, quanto para a empresa francesa, pois eles possuem o conhecimento
da realidade local, porém, até que ponto o preço que são pagos pelos franceses é justo, haja
vista, o congelamento dos preços pagos pelo algodão desde 2006, sendo que por outro lado os
custos da produção houve aumentos significativos.
[...] tem que entender que a realidade de cada local mudou desde 2006 pra cá. [...] o
preço do tênis aumentou de lá pra cá e o trabalho da gente, os custos da produção
também, e o lucro do algodão nada, to vendo que quem ta saindo perdendo nessa
história aí é a gente e é a empresa quem ta lucrando [...]
Para se chegar a um preço que pode ser considerado justo na comercialização de
cada etapa da cadeia produtiva do algodão agroecológico, é possível propor três aspectos
relevantes. São eles: a formação de preços em diálogo entre os grupos; o entendimento
comum de justiça, no contexto da produção e da remuneração; a consideração dos cálculos de
custos diretos e indiretos de uma produção.
Porém, segundo os representantes da empresa francesa no Brasil, o custo do algodão
que era de R$ 3,00 kg da pluma em 2006 representava 2 euros, hoje representa 3 euros, ou
seja, mesmo com o aumento do euro com relação ao real, a empresa continua pagando o
mesmo valor.
Isso reflete não somente no valor pago pelo algodão, mas também em todo custo logístico que
se tem para que o tênis chegue à França.
[...] o custo do algodão ao longo de cinco anos aumentou para nós, ou seja, a
empresa não ta ganhando mais, e sim pagando mais e lucrando menos, porque o
tênis é vendido em euros [...] o algodão da Índia, da Ásia, é mais barato, de alta
qualidade, é certificado além de ser produzido em grande quantidade, ou seja, eles
são mais competitivos [...] o objetivo da empresa não é somente a comercialização
do algodão, e sim, o desenvolvimento da cadeia [...] mas também que a associação
6 Inez Goodman é responsável pela divulgação dos tênis nas lojas da cidade de Londres na Inglaterra.
Aurélie é a gerente comercial da empresa, com escritório em París na França.
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não dependa somente da empresa para comercializar o algodão, como acontece nos
dias de hoje.
Alguns produtores colocaram que imaginam que seja justo, o preço pago pelo
algodão, devido ao maior custo de vida na Europa e aos diferentes custos que a estrutura da
Veja fair trade tem para viabilizar a comercialização do tênis. Entretanto, não existe um
consenso entre os produtores, pois alguns afirmam que qualidade de vida melhorou após a
entrada da Veja.
Com relação à margem das lojas, Thomas Favennec explicou que normalmente as
margens das lojas tendem a serem ainda maiores, os custos de manutenção de um espaço
comercial e funcionários na França são extremamente elevados, afirma ainda que às vezes a
empresa lucra menos que poderia, para manter-se competitiva no mercado europeu e não
reduzir o valor pago pelo algodão.
Nota-se que a falta de informações por parte de alguns produtores, no tocante ao
valor do tênis praticado no mercado europeu, acarreta em desconfiança e insegurança no
relacionamento com a empresa, mesmo ela pagando o dobro do mercado convencional.
Contudo, não é possível identificar se a empresa está ou não tendo lucros elevadíssimos, ainda
que tenha pagado preços acima da média, pois ela não apresenta seu fluxo financeiro aos
produtores.
Por outro lado, têm-se o entendimento, por parte de outros produtores, no tocante à
estagnação do preço, em que afirma que antes da empresa interessar-se pela compra do
algodão agroecológico nordestino, os agricultores produziam, sem ter a garantia de que seria
comercializada ou que se pagaria um preço justo, essa configuração permitiu a expansão da
produção, através de agricultores familiares de mais sete municípios cearenses, em atenção à
demanda crescente.
Dentro da cadeia-rede do algodão, a Veja é o ator que atua no mercado internacional,
já no mercado nacional, a ADEC atua como ator da rede solidária Justa Trama, da qual
participam trabalhadores organizados que integram empreendimentos da economia solidária.
São homens e mulheres agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecedores e costureiras.
Os empreendimentos destes trabalhadores cobrem todos os elos da indústria têxtil — do
plantio do algodão à roupa.
Hoje essas famílias integram a rede de produtores de Algodão Agroecológico e
caminham para a organização da sua produção de algodão agroecológico e graças a Veja fair
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trade foi possível o acesso ao mercado justo internacional, cuja qual, não seria possível,
atuando apenas na rede solidária.
As famílias estão vivendo um processo de fortalecimento na organização da sua
produção. O valor que o produto tem no comércio justo, tem sido importante para estimulá-las
no cultivo. Outro ponto positivo é que elas estão com a autoestima bastante elevada, em
virtude de poderem resgatar a cultura do algodão, considerado o “ouro brando” do agricultor e
antes abandonado por causa da praga do bicudo. Para o futuro há a expectativa quanto à
sustentabilidade da cadeia, isso é um objetivo a ser seguido.
CONCLUSÃO
Nota-se com os estudos feitos acerca de cadeias de valor globais que a distinção
entre a cadeia de valor dirigida pelo produtor e aquela dirigida pelo comprador se distingue
pelos sistemas de organização e industriais, bem como, na coordenação especializada e
flexível por parte dos atores ao longo da cadeia. É importante destacar que as cadeias de valor
comandadas tanto pelo comprador ou pelo produtor devem ser compreendidas como pólos
extremos, porém não significa dizer que são excludentes. A ênfase na questão da governança
da cadeia de valor global e a caracterização de seus determinantes básicos proporcionam um
auxilio na análise das barreiras a entrada que dificultam as políticas para exportações e a
complexidade no relacionamento entre os atores. Permite, também, identificar os fatores que
afetam a distribuição dos ganhos entre os atores e segmentos da cadeia de valor e a elaboração
de estratégias de melhoria competitiva mais adequada aos diversos contextos organizacionais
nos quais estão inseridos os empreendimentos do comércio justo e os clusters dos países em
desenvolvimento.
A governança nas cadeias de valor global surge como uma ferramenta “chave” na
geração de uma vantagem competitiva diante do mercado internacional, tendo em vista que, o
aumento exponencial da concorrência a nível global, tornou-se a força motriz para que as
organizações a priori formem pequenas redes de contatos (network), para culminarem na
formação de cadeias de valor, objetivando o posicionamento no mercado de forma estratégica,
introduzindo produtos inovadores, com designs diferenciados, sendo ofertados a baixos
preços, no momento certo e na quantidade certa. Diante das modificações na esfera
mercadológica que abrange todas as organizações a nível global, mostra que a tendência
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crescente das empresas que almejam um posicionamento estratégico para competir a nível
internacional, está fortemente ligada à formação de cadeias globais de valor.
É importante destacar que apesar da formação de cadeias de valor global mostrar-se
como a melhor opção para as organizações que visam competir no ambiente global. Estas se
defrontam nas barreiras territoriais, culturais, sociais e econômicas dos países que estão
inseridos os elos que iram compor a cadeia. Logo, se faz necessária uma análise sistêmica dos
custos de transação que abordam tanto a questão da especificidade dos ativos, a frequência,
quanto às incertezas. Para que a cadeia de valor global alcance um nível competitivo
adequado no ambiente internacional é necessário que haja a inserção de estruturas de
governança que reduzam ao máximo os custos de transação, criando uma relação de
confianças entre todos os elos que compõe a cadeia, minimizando o comportamento
oportunista, logo proporcionando um valor agregado no produto final.
Com base nisso, o presente estudo teve como uma de suas finalidades mostrar a
forma que, um dos atores da cadeia-rede do algodão agroecológico, estabelecem seu
relacionamento com a empresa Veja fair trade, e vice-versa, ou seja, o tipo de governança que
configura as mesmas. Nesse ponto, foi possível identificar que a empresa francesa, pelas
exigências estabelecidas pelo consumidor final, pelo baixo conhecimento, por parte dos
produtores, das práticas no mercado estrangeiro, a pouca capacidade de gestão dos seus
negócios, de controle de produção e prazos, menor acesso a recursos financeiros e tecnologias
de ponta, a falta de capital de giro e as dificuldades logísticas, exerça certo controle, seja na
qualidade ou na produção, sob a ADEC, caracterizado assim por uma governança do tipo
buyer-driven.
Porém, essa ocorre de forma complexa, pois mesmo que a empresa francesa
coordene a produção do algodão pela associação, não é possível prever quanto será produzido.
Contudo se faz necessário, assegurar uma capacidade de demanda que seja o mínimo do ponto
de equilíbrio produtivo da própria cadeia. Esta capacidade demanda desejada pela Veja não
vem sendo atendida pela associação, levando a mesma a buscar alternativas, no mercado
convencional, reformulando suas estratégias de inserção no mercado e de produção. Por isso,
sua estratégia está voltada para construção do diferencial da marca e não de preço.
Logo, como estratégia comercial a Veja determinou ser essencial à entrada de seus
produtos no mercado do grande varejo europeu, este sim capaz de impulsionar a demanda
pelos tênis ecológicos, a um nível que viabilize uma quantidade mínima necessária, do
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algodão agroecológico, proporcionando a sustentabilidade dos demais atores da cadeia
produtiva, além da própria empresa.
O grande sucesso do tênis no mercado europeu provocou grandes demandas, logo,
sendo necessário realizar mudanças estruturais significativas nos sistemas produtivos, que até
então trabalhavam em menores escalas. Essa realidade vivida pela empresa francesa deixa
evidente que o mercado para este produto é bastante promissor, pois consegue associar à
lógica inexorável das relações de mercado, um produto que não agride a natureza, fazendo
uso consciente de seus recursos naturais, sem deixar de atender às necessidades dos clientes
locais (produtores e costureiras das cooperativas), e as expectativas dos clientes globais
(consumidores finais).
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