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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, v.35, n.126, p.161-176, jan./jun. 2014 161 Grandes Empreendimentos Terciários e a Estruturação Metropolitana Contemporânea: Gravataí, Região Metropolitana de Porto Alegre* Large-Scale Retail Developments in Contemporary Metropolitan Structure: Gravataí, Metropolitan Region of Porto Alegre Grandes Empreendimientos del Terciario y la Estructuración Metropolitana Contemporánea: Gravataí, Región Metropolitana de Porto Alegre Clarice Maraschin*, Heleniza Ávila Campos**, Leonardo Marques Hortencio*** e Letícia Thurmann Prudente**** RESUMO Este artigo aborda o fenômeno da descentralização de grandes empreendimentos terciários no espaço das regiões metropolitanas brasileiras. Privilegia-se, neste estudo, a análise desse processo a partir de um município periférico à sede metropolitana, utilizando como caso a cidade de Gravataí, situada na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), a qual vem recebendo atualmente muitos investimentos privados de grande porte. O objetivo é discutir o papel dos grandes empreendimentos terciários no processo de estruturação espacial da região metropolitana na contemporaneidade. Inicialmente o trabalho situa as regiões metropolitanas no novo momento do capitalismo globalizado, submetidas a processos como a polinucleação de atividades, crescimento populacional difuso, redefinição de infraestruturas regionais, entre outros. Nesse contexto, procura-se discutir o potencial de estruturação que possuem os grandes empreendimentos terciários sobre o espaço no qual se inserem. Na sequência, apresenta-se o caso de Gravataí, identificando e localizando os principais empreendimentos terciários (previstos e em construção). Discutem-se as lógicas de localização bem como os possíveis impactos desses novos empreendimentos sobre o espaço. O trabalho evidencia que * Os autores agradecem à Prefeitura Municipal de Gravataí, especialmente aos arquitetos Cleiraci Zanela e Fábio Miranda Becker pelas informações fornecidas. ** Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Planejamento Urbano e Regional, e doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Atualmente é professora adjunta da UFRGS. E-mail: [email protected] *** Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFP), Recife, Pernambuco, Brasil. Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Atualmente é professora adjunta na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] **** Graduado em Arquitetura e Urbanismo pelas Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Mestre e doutorando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Arquiteto e Sócio-Diretor da Empresa 3C Arquitetura e Urbanismo. Atua como professor no Centro Universitário Ritter dos Reis, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] ***** Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Engenharia Civil e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. E-mail: [email protected] Artigo recebido em janeiro/2014 e aceito para publicação em abril/2014.

Grandes Empreendimentos Terciários e a Estruturação Metropolitana Contemporânea: Gravataí, Região Metropolitana de Porto Alegre

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Este artigo aborda o fenômeno da descentralização de grandes empreendimentos terciáriosno espaço das regiões metropolitanas brasileiras. Privilegia-se, neste estudo, a análise desseprocesso a partir de um município periférico à sede metropolitana, utilizando como casoa cidade de Gravataí, situada na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), a qual vemrecebendo atualmente muitos investimentos privados de grande porte. O objetivo é discutir opapel dos grandes empreendimentos terciários no processo de estruturação espacial da regiãometropolitana na contemporaneidade. Inicialmente o trabalho situa as regiões metropolitanasno novo momento do capitalismo globalizado, submetidas a processos como a polinucleaçãode atividades, crescimento populacional difuso, redefinição de infraestruturas regionais,entre outros. Nesse contexto, procura-se discutir o potencial de estruturação que possuemos grandes empreendimentos terciários sobre o espaço no qual se inserem. Na sequência,apresenta-se o caso de Gravataí, identificando e localizando os principais empreendimentosterciários (previstos e em construção). Discutem-se as lógicas de localização bem como ospossíveis impactos desses novos empreendimentos sobre o espaço. O trabalho evidencia que tais lógicas e impactos não podem ser buscados numa abordagem da cidade isolada, mas inseridos em um processo de estruturação regional dinâmico e complexo.

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    Clarice Maraschin, Heleniza vila Campos, Leonardo Marques Hortencio e Letcia Thurmann Prudente

    Grandes Empreendimentos Tercirios e a Estruturao Metropolitana Contempornea: Gravata, Regio Metropolitana de Porto Alegre*

    Large-Scale Retail Developments in Contemporary Metropolitan Structure: Gravata, Metropolitan Region of Porto Alegre

    Grandes Empreendimientos del Terciario y la Estructuracin Metropolitana Contempornea: Gravata, Regin Metropolitana

    de Porto Alegre

    Clarice Maraschin*, Heleniza vila Campos**,Leonardo Marques Hortencio*** e Letcia Thurmann Prudente****

    RESUMO

    Este artigo aborda o fenmeno da descentralizao de grandes empreendimentos tercirios no espao das regies metropolitanas brasileiras. Privilegia-se, neste estudo, a anlise desse processo a partir de um municpio perifrico sede metropolitana, utilizando como caso a cidade de Gravata, situada na Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), a qual vem recebendo atualmente muitos investimentos privados de grande porte. O objetivo discutir o papel dos grandes empreendimentos tercirios no processo de estruturao espacial da regio metropolitana na contemporaneidade. Inicialmente o trabalho situa as regies metropolitanas no novo momento do capitalismo globalizado, submetidas a processos como a polinucleao de atividades, crescimento populacional difuso, redefinio de infraestruturas regionais, entre outros. Nesse contexto, procura-se discutir o potencial de estruturao que possuem os grandes empreendimentos tercirios sobre o espao no qual se inserem. Na sequncia, apresenta-se o caso de Gravata, identificando e localizando os principais empreendimentos tercirios (previstos e em construo). Discutem-se as lgicas de localizao bem como os possveis impactos desses novos empreendimentos sobre o espao. O trabalho evidencia que

    * Os autores agradecem Prefeitura Municipal de Gravata, especialmente aos arquitetos Cleiraci Zanela e Fbio Miranda Becker pelas informaes fornecidas.

    ** Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Planejamento Urbano e Regional, e doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Atualmente professora adjunta da UFRGS. E-mail: [email protected]

    *** Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFP), Recife, Pernambuco, Brasil. Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Atualmente professora adjunta na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

    **** Graduado em Arquitetura e Urbanismo pelas Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Mestre e doutorando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Arquiteto e Scio-Diretor da Empresa 3C Arquitetura e Urbanismo. Atua como professor no Centro Universitrio Ritter dos Reis, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

    ***** Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Engenharia Civil e doutoranda em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. E-mail: [email protected]

    Artigo recebido em janeiro/2014 e aceito para publicao em abril/2014.

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    Grandes Empreendimentos Tercirios e a Estruturao Metropolitana Contempornea...

    tais lgicas e impactos no podem ser buscados numa abordagem da cidade isolada, mas inseridos em um processo de estruturao regional dinmico e complexo.

    Palavras-chave: Tercirio. Regio metropolitana. Descentralizao. Estruturao de espaos metropolitanos. Impactos socioespaciais.

    ABSTRACT

    This article discusses the decentralization of large-scale tertiary ventures in the space of metropolitan areas in Brazil. The study focuses on Gravata, a peripheral city of Porto Alegre Metropolitan Area, which has received many recent private investments. The objective of this paper is to discuss the role of large-scale tertiary ventures in the process of spatial structuring of metropolitan areas in contemporary times. Initially the work addresses the metropolitan areas in the new era of globalized capitalism, submitted to different processes, such as the multi-nucleation of activities; diffuse population growth, redefinition of regional infrastructures, among others. The paper also deals with the potential of large-scale tertiary ventures on structuring the space in their surroundings. Sequentially, the case study of Gravata is presented, identifying and locating the main recent tertiary ventures (planned and under construction). The paper discusses the location strategies as well as the possible impacts of these new developments on the space. The work concludes that location strategies and impacts should not be sought in an isolated city perspective, but considered in a dynamic and complex process of regional structuring.

    Keywords: Large-scale tertiary ventures. Metropolitan area. Decentralization. Structuring of metropolitan areas. Socio-spatial impacts.

    RESUMEN

    El artculo aborda el fenmeno de la descentralizacin de grandes emprendimientos de los sectores terciarios en el espacio de las regiones metropolitanas brasileas. Destaca el anlisis de ese proceso a partir de Gravata, una municipalidad perifrica a la sed metropolitana de Porto Alegre (Regin Metropolitana de Porto Alegre - RMPA), la cual ha recibido actualmente muchas inversiones privadas de gran porte. El objetivo del trabajo es discutir el papel de los grandes emprendimientos terciarios en el proceso de la estructuracin espacial de la regin metropolitana en la contemporaneidad. El trabajo sita inicialmente las regiones metropolitanas en el nuevo momento del capitalismo globalizado, sometidas a procesos, como la polinucleacin de las actividades, el crecimiento poblacional difuso y la redefinicin de las infraestructuras regionales. En ese contexto, se discute el potencial de estructuracin de las grandes empresas terciarias sobre el espacio en donde estn localizadas. En la secuencia, se presenta el caso de la cuidad de Gravata, identificando y localizando los principales emprendimientos terciarios (previstos y en construccin). Se discuten las lgicas de localizacin, as como tambin los posibles impactos de esos nuevos emprendimientos sobre el espacio. El trabajo evidencia que esas lgicas e impactos no pueden ser analizados en el abordaje de una cuidad aislada, sino en un proceso de estructuracin regional dinmico y complejo.

    Palabras clave: Sector terciario. Regin metropolitana. Descentralizacin. Estructuracin de espacios metropolitanos. Impactos socioespaciales.

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    Clarice Maraschin, Heleniza vila Campos, Leonardo Marques Hortencio e Letcia Thurmann Prudente

    INTRODUOA estrutura e a forma de organizao dos espaos metropolitanos no Brasil tm

    assumido diferentes aspectos ao longo do tempo. Na dcada de 1970, quando de sua institucionalizao pelo governo federal, observavam-se grandes investimentos, tanto pblicos como privados, nas cidades-sede, com destacada nfase na construo de infraestrutura viria para implementao de distritos industriais e parques tecnolgicos. Assim, expandiram-se as regies metropolitanas no Pas, caracterizando-se por forte conurbao, contrastes socioespaciais e vazios urbanos.

    Mais recentemente, ou seja, nas duas ltimas dcadas, tem se verificado a migrao de funes tradicionalmente concentradas na cidade-sede para novos nichos metropolitanos, tornando a estrutura espacial da metrpole ainda mais complexa. Como componentes importantes desse processo esto o crescimento populacional e dos empregos de forma mais dispersa, assim como a presena de infraestruturas regionais que permitem a acessibilidade e mobilidade em escala metropolitana.

    O objetivo deste trabalho discutir o papel dos grandes empreendimentos tercirios no processo de estruturao espacial da regio metropolitana na contemporaneidade. Pretende-se analisar as suas lgicas de localizao e discutir os seus possveis impactos sobre o espao metropolitano. Toma-se como estudo emprico o municpio de Gravata, situado na Regio Metropolitana de Porto Alegre (RMPA), o qual vem recebendo atualmente muitos investimentos privados de grande porte. Inicialmente o quadro terico situa as regies metropolitanas no novo momento do capitalismo globalizado e tambm discute o potencial de estruturao que possuem os grandes empreendimentos tercirios sobre o espao no qual se inserem. Na sequncia, apresenta-se o caso de Gravata, discutindo aspectos sobre a localizao e os possveis impactos urbanos de cinco grandes empreendimentos tercirios recentes, entre os anos de 2010 e 2013.

    1 REGIO METROPOLITANA E EMPREENDIMENTOS TERCIRIOS: novas relaes em pauta

    Se a metrpole moderna do sculo XX pode ser associada fase industrial, a metrpole contempornea insere-se numa fase ps-industrial, estando submetida a novas demandas urbanas geradas nesta nova fase do capitalismo. O que ocorre no a simples substituio da atividade industrial pela de servios, mas algo bem mais complexo. As metrpoles passaram a ser vistas como lugares privilegiados onde se organiza o conjunto de relaes econmicas e sociais especficas da nova etapa do capitalismo. A nova economia global articula-se territorialmente em torno de redes de cidades, que assumem papeis distintos nos arranjos espaciais, sobretudo nos casos metropolitanos, facilitados a partir do acesso a novas tecnologias de comunicao, informao e transportes (SASSEN, 2000).

    Na realidade brasileira, Rolnik e Klink (2011) ressaltam a continuidade das centralidades urbano-regionais situadas em grande parte nas regies do Sudeste e

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    no Sul, transbordando de forma gradual para territrios especficos do Centro-Oeste. Nestas centralidades destacam-se claramente as regies metropolitanas, definidoras de um territrio densamente ocupado, articulado por grandes eixos virios e, ainda, com grandes vazios urbano-metropolitanos situados em interstcios de reas estratgicas de investimento. Essa configurao caracteriza-se historicamente pela condio hierrquica de distribuio das reas urbanizadas, tendo um centro urbano que se constitui na sede da gesto metropolitana e das principais atividades econmicas. Geralmente a cidade-sede concentra grandes distritos industriais, polos tecnolgicos, atividades comerciais, varejistas e atacadistas, servios e atividades logsticas de grande porte.

    Para alm da ideia de regio metropolitana, um conceito que vem sendo proposto o de cidade-regio, caracterizando agrupamentos de cidades com eventuais interesses comuns relativos aos processos globais de transformao socioeconmica. Segundo Klink (2001) e Scott et al. (2001), constituem cidades-regio as reas metropolitanas com mais de um milho de habitantes, cujas bases econmicas e polticas nem sempre coincidem com sua delimitao administrativa e institucional. Para Magalhes (2008), a cidade-regio definida como a forma urbana do processo de metropolizao em seu estgio contemporneo, que apresenta continuidades e rupturas com os processos anteriores.

    A urbanizao sem fronteiras aparentes une no espao conurbado metrpoles que outrora eram facilmente delimitveis, e diversas regies se tornam espaos inteiramente urbanizados, dando origem a uma nova entidade socioespacial que vem sendo denominada de cidade-regio (MAGALHES, 2008, p.10).

    Segundo Soares e Schneider (2012), destacam-se duas vertentes principais na interpretao das cidades-regio: (1) vinculadas disperso e mudana de escala dos fenmenos espaciais, seguindo ondas de desconcentrao e descentralizao verificadas na histria da urbanizao capitalista; (2) relacionadas a novas lgicas produtivas pautadas pela flexibilizao, pela desregulao e pela desconcentrao e mudana cultural. Na reestruturao do espao metropolitano so identificadas:

    [...] novas formas de organizao produtiva, mais amplas que os distritos, nas quais esto estabelecidos sistemas locais, distritos clssicos e zonas especializadas, formando o que se pode considerar uma aglomerao metropolitana estendida, cuja referncia espacial passa a ser a escala urbano-regional e no apenas a escala urbana (SOARES; SCHNEIDER, 2012, p.117).

    Sobre esse processo, Lopes Jr. e Santos (2009), apoiando-se em Sposito (2001), destacam algumas dinmicas que influenciam a estrutura urbana contempornea, tais como: a flexibilizao do uso do espao industrial, atravs da diminuio das plantas industriais e separao entre gesto e produo; as recentes reconfiguraes do habitat urbano e as diferentes formas de assentamentos humanos, mais segregados em relao ao seu entorno; e as localizaes estratgicas de equipamentos de consumo e prestao de servios (shopping centers, hipermercados, centros empresariais outros), que geralmente se instalam em reas no loteadas, mas com forte capacidade de acessibilidade.

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    Clarice Maraschin, Heleniza vila Campos, Leonardo Marques Hortencio e Letcia Thurmann Prudente

    A lgica dessas dinmicas ocorre no apenas no mbito da cidade, mas tambm nos atuais arranjos das cidades-regio, concentrando empregos, assentamentos, atividades econmicas e de servios, sendo compostos por espaos heterogneos e descontnuos. Nesse mbito, perdem importncia noes como: centro-periferia, dicotomia cidade-campo e continuidade, em favor de ideias como as relaes em rede, configuradas por espaos ditos estratgicos ou novas centralidades. A cidade-regio, ou o territrio metropolitano contemporneo, acentuou seu papel enquanto locus da reproduo econmica, sem deixar de ser o espao de reproduo da sociedade.

    Os arranjos metropolitanos vm atraindo novos investimentos, cujo capital no provm apenas de agentes locais ou regionais, mas de outros contextos, inclusive internacionais. A lgica de tais investimentos coloca em questo a sua adequao ao interesse coletivo das comunidades locais. Evidenciam-se contradies entre o consumo produtivo do espao e a produo dos espaos de consumo, bem como os conflitos e interesses que se projetam no territrio, este entendido tambm como mercadoria.

    Nesse contexto da metrpole contempornea verifica-se que a economia de servios passou a ter um papel cada vez mais relevante, sendo que o setor tercirio vem passando por processos de transformao e diversificao, buscando novas frmulas para atrair os consumidores e manter suas taxas de lucratividade. No caso do comrcio varejista, alm da concentrao fsica das atividades tem-se observado tambm uma grande concentrao empresarial e organizacional, gerando as conhecidas tipologias modernas de varejo, entre as quais se destacam os shopping centers, super e hipermercados, megalojas, entre outras. Dentre essas tipologias, o shopping center merece destaque pela sua grande difuso quantitativa e sucesso comercial, principalmente no caso brasileiro.

    Desde 1916 (ano a que se atribui o surgimento do primeiro centro de compras planejado nos Estados Unidos), assiste-se gradual retirada de cena do capital mercantil e difuso de shopping centers atravs de grandes firmas imobilirias e capitalizados por empresas financeiras ou pelo sistema de venda de aes (GARREFA, 2011). Nesse contexto, h a submisso do capital comercial ao capital imobilirio, afastando os lojistas das principais tomadas de deciso e do poder sobre o seu ponto. Entretanto, apesar da concepo voltada aos interesses do empreendedor imobilirio e dos consumidores, os shopping centers proporcionam benefcios aos lojistas, como a diminuio dos custos por meio da distribuio de gastos em propaganda, segurana, promoes, entre outros e o aumento das vendas por impulso.

    A localizao dos shopping centers considerada uma importante estratgia para seu sucesso de vendas. Estes empreendimentos necessitam de terrenos com grandes dimenses, para abrigar as funes, gerando um forte impulso descentralizao urbano-metropolitana. Os primeiros empreendimentos deste tipo no Brasil localizaram-se preferencialmente no interior das reas urbanas das sedes metropolitanas (VARGAS; BRUNA, 2009). No final dos anos de 1980 surgem os primeiros centros com localizao perifrica na Regio Metropolitana de So Paulo, junto a rodovias de acesso regional. Novos formatos foram posteriormente implantados em espaos estratgicos da cidade, a exemplo das estaes do metr em So Paulo.

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    A acessibilidade e mobilidade ao pblico-alvo so aspectos fundamentais na localizao destes empreendimentos, sobretudo para situaes de compras frequentes (PETROLA; MONETTI, 2004). No entanto, o fato de o shopping center criar sua prpria polarizao comercial faz com que no necessite se localizar em pontos comerciais consagrados, tampouco em reas com densidade consolidada. Estudos tm demonstrado que muitas das condies prvias localizao varejista convencional, como a presena de densidade de demanda, podem ser viabilizadas a posteriori, influenciadas pela prpria presena do shopping center (VARGAS, 1993). Os shopping centers so considerados polos geradores de trfego por atrarem um grande contingente de usurios e viagens. No entanto, os impactos desencadeados, a mdio e longo prazos, refletem-se tambm em alteraes nos padres de uso e ocupao do solo na rea de influncia dos empreendimentos, atravs de adensamentos, novas construes e mudanas de atividade, atribuindo caractersticas de centralidade sua rea de influncia (KNEIB; SILVA; PORTUGAL, 2010).

    O porte do empreendimento e as condies especficas de sua tramitao para aprovao pelos rgos de gesto urbana conferem aos seus empreendedores uma alta capacidade de manipulao da estrutura espacial urbana em proveito prprio. So exemplos os alargamentos de vias, construo de viadutos, reassentamento de reas de subabitao, entre outros, respaldados por estudos de impacto que, inclusive, modificam legislaes urbansticas. Este tipo de interveno gera uma tendncia de valorizao imobiliria no seu entorno. Shopping centers de abrangncia regional so implantados com previso de construo de outros empreendimentos adicionais, com atividades residenciais, de servios, ou corporativos, a serem lanados na sequncia da sua inaugurao ou at mesmo conjuntamente ao processo de implantao da nova centralidade, visando justamente se apropriar de um novo mercado imobilirio mais valorizado.

    Os aspectos brevemente apresentados evidenciam o forte papel que detm estes grandes empreendimentos tercirios no processo de estruturao das reas urbanas e metropolitanas.

    2 CARACTERIZAO DA REGIO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE E GRAVATA

    A Regio Metropolitana de Porto Alegre composta atualmente por 34 municpios1 e foi delimitada em 1968 pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Localizada na zona leste do Estado, e estendendo-se ao norte da Laguna dos Patos, a RMPA ocupa hoje 3,67% da superfcie total do Estado e equivale a 37,70% de sua populao total. Sua taxa de urbanizao se destaca, estando sempre acima da mdia

    1 Atualmente so considerados oficialmente integrantes da RMPA 31 municpios. Os trs ltimos, acrescidos em 2011 e 2012, somente tero os efeitos legais da incluso a partir de 2015, dada a regulamentao da organizao regional do Estado do Rio Grande do Sul. Portanto, apenas 31 municpios so considerados regularmente participantes da RMPA.

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    Clarice Maraschin, Heleniza vila Campos, Leonardo Marques Hortencio e Letcia Thurmann Prudente

    do Estado (MARTINS, 2013). Com uma populao total de 3.958.985 habitantes (IBGE, 2010), possui uma taxa de urbanizao de 96,9% e densidade demogrfica de 390 hab./km. A figura 1 apresenta os municpios da RMPA diferenciados segundo sua densidade demogrfica.

    Embora os municpios limtrofes com Porto Alegre possuam grande concentrao populacional, dados dos censos demogrficos mais recentes demonstram que h uma tendncia de crescimento mais desconcentrado da regio, sobretudo ao longo de eixos virios estratgicos de acesso a outras regies. Na tabela 1, a seguir, apresentam-se dados relativos populao residente total de Gravata, comparativamente a Porto Alegre e RMPA, em 1996, 2000 e 2010.

    TABELA 1 - EVOLUO DA POPULAO RESIDENTE POR MUNICPIO DA REGIO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE - 1996/2010

    MUNICPIOSPOPULAO (nmero de habitantes) CRESCIMENTO %

    2000-20101996 2000 2010

    Gravata 206.023 232.629 255.660 9,90

    Porto Alegre 1.288.879 1.360.590 1.409.351 3,58

    RMPA 3.245.306 3.708.746 3.958.985 6,75

    FONTE: IBGE - Contagem populacional (1996), Censos Demogrficos (2000 e 2010)

    FIGURA 1 - LOCALIZAO DOS MUNICPIOS NA REGIO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE E EIXOS DE CONCENTRAO ECONMICA

    FONTE: Martins (2013)NOTA: Elaborao dos autores.

    52W

    N

    51W

    30S

    SoSebastio

    do Ca

    Montenegro

    PortoAlegre

    Lagoados

    Patos

    ViamoLagoGuaba

    SoJernimo

    Guaba

    BR-116

    BR-290

    BR-116

    BR-290

    BR-290RS

    -030

    RS-02

    0

    RS-11

    8

    RS-040

    RS-118

    BR-290

    BR-1

    16

    RS-030

    RS-239

    RS-040

    RS-118RS

    -020

    BR-386

    Arroiodos Ratos

    Eldoradodo Sul

    SantoAntonio

    daPatrulha

    Glorinha

    AlvoradaCharqueadas

    CachoeirinhaCanoas

    NovaSantaRita

    Triunfo

    NovoHamburgo

    Gravat

    GRAVAT

    PORTOALEGRE

    LagoGuaba CIDADE PLO

    CANOAS

    Esteio

    Esteio

    Sapucaiado Sul

    Sapucaiado Sul

    SoLeopoldo

    NovoHamburgo

    SoLeopoldo

    Porto

    Capelade

    Santana

    EstnciaVelha

    CampoBom

    Sapiranga Araric

    ParobTaquara

    Rolanto

    IgrejinhaNovaHartz

    DoisIrmos

    Ivoti

    0 10 20 30km

    EIXONORTE-SUL

    BR 116(IPOA Serra So Paulo

    Manchas Urbanas

    Sistema Virio Principal 22 - 120

    138 - 315

    Municpios - hab/km

    423 - 551

    813 - 1069

    2093 - 2932

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    Os dados histricos permitem verificar que a populao de Gravata cresceu mais intensamente do que Porto Alegre e RMPA como um todo, indicando que o municpio est atraindo mais populao do que a regio.

    Em termos econmicos, o ncleo produtivo mais dinmico da RMPA fundamenta-se em um parque industrial bastante diversificado, com destaque para os setores da petroqumica, metalrgica, produtos alimentares e do complexo automotivo. Sobressai tambm por um setor tercirio igualmente diversificado, com presena marcante de servios comerciais, sade, educao, transportes, telecomunicaes e intermedirios financeiros.

    Na composio do PIB metropolitano, Porto Alegre concentrava, em 2010, 38,40% do total do Estado, seguida de Canoas, com 14,76%, Gravata (6,32%), Triunfo (5,15%), Novo Hamburgo (4,81%), Cachoeirinha (3,89%), So Leopoldo (3,68%), Esteio (2,29%) e Guaba (2,20%). O PIB desses nove municpios equivale a 81,52% do PIB metropolitano, destacando-se Gravata na terceira posio em relao RMPA (MARTINS, 2013).

    Quanto ao PIB per capita, Martins (2013) classifica os municpios da RMPA em cinco faixas de valores a preo de mercado: Gravata encontra-se na quarta faixa (entre R$ 20 mil e R$ 30 mil) e Porto Alegre na terceira faixa (entre R$ 30 mil e 40 mil). Do ponto de vista da estrutura do Valor Agregado Bruto (VAB), dados da Fundao de Economia e Estatstica (FEE) de 2010, segundo Martins (2013), indicam que os servios representam a maior participao na RMPA, contribuindo com 66,92%, seguidos da indstria (32,38%) e da agricultura (0,70%).

    Alonso (2009) ressalta que, dentre as atividades de servios, os chamados servios produtivos (servios financeiros e de seguros, servios profissionais e de negcios e os servios imobilirios) e os distributivos (comrcio varejista, comrcio atacadista, servios de transportes e de comunicaes) so os que mais tm se destacado na RMPA. Em termos da espacializao dessas atividades, o autor identifica dois recortes territoriais importantes: (1) quatro centros histricos vinculados aos servios produtivos e distributivos (Porto Alegre, Novo Hamburgo, So Leopoldo e Canoas) e, (2) quatro centros emergentes de servios distributivos (Gravata, Viamo, Esteio e Cachoeirinha).

    Apesar da continuidade espacial e da forte ligao entre os municpios, a RMPA apresenta caractersticas intrarregionais bem distintas. Como resultado de seu processo de configurao territorial, pode-se identificar trs grandes reas de forte concentrao econmica: um centro tradicional (Porto Alegre) e dois grandes vetores de desenvolvimento, a saber, o eixo norte-sul e o leste-oeste (ver figura 1).

    O eixo norte-sul da regio metropolitana, primeiramente, seguindo a via frrea e depois a rodovia BR-116 (concluda no final dos anos 1940), o mais consolidado e o mais antigo em sua conformao, atravs de grandes investimentos no setor industrial desde os anos 1960. O eixo leste-oeste articula a RMPA ao litoral norte do Rio Grande do Sul e marcado pela concentrao mais recente de investimento em atividades industriais e do tercirio ao longo da rodovia BR-290, construda na dcada de 1970. De fato, a construo desta rodovia, ligando Porto Alegre BR-101 e, assim, ao Estado

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    de Santa Catarina, favoreceu a implantao de indstrias no eixo leste-nordeste, ou seja, nos municpios de Gravata, Cachoeirinha e Alvorada.

    Um fato marcante para o desenvolvimento econmico desse eixo foi a inaugurao, em 2000, de uma unidade da montadora de automveis da empresa General Motors (GM) no municpio de Gravata. Sobre a localizao da GM, Fernandes (2008) afirma que a proximidade com Porto Alegre parece ter atuado como um dos fatores fundamentais para a sua localizao. Segundo a autora, na capital que se complementa o conjunto de condies necessrias sua presena, como vias de acesso rodovirio e aerovirio, tecnologias dos meios informacionais e, at mesmo, alternativas de lazer direcionadas para as classes sociais de padro mais elevado (FERNANDES, 2008).

    No que se refere especificamente ao municpio de Gravata, sua incorporao RMPA e criao de seu distrito industrial nos anos 1970 promoveram grande mudana de seu perfil, de agrcola para industrial. A partir da segunda metade da dcada de 1990 consolidou-se a atividade industrial no municpio, sobretudo aps a instalao da GM. Este movimento de deslocamento do interesse industrial da capital para Gravata se deu como fenmeno de absoro do excedente e pela condio locacional privilegiada de Gravata. Foi a partir do final dos anos 1990 que o setor tercirio comeou a crescer, devido a um parque industrial j em adiantado processo de consolidao e implantao de infraestrutura de acesso. A tabela 2 apresenta os dados sobre os empregos formais do municpio em 2011.

    TABELA 2 - NMERO DE EMPREGOS FORMAIS EM GRAVATA (RMPA) SEGUNDO SETORES DA ECONOMIA - 2011

    SETOR ECONMICO EMPREGOS % DO TOTAL

    Indstria da Transformao 23.559 45,37

    Comrcio 10.093 19,43

    Servios 11.360 21,87

    Demais setores 6.908 13,30

    TOTAL 51.920 100,00

    FONTE: MTE -RAIS (2011)

    Esses dados permitem verificar que os empregos no comrcio e nos servios, somados, correspondem a 41,30% do total, abaixo apenas do setor tradicionalmente mais atrativo do ponto de vista dos empregos no municpio, a Indstria de Transformao. Isto demonstra a importncia que o setor tercirio vem assumindo na economia de Gravata. o que se busca apresentar a seguir.

    3 EMPREENDIMENTOS TERCIRIOS EM GRAVATA

    Antes de iniciar a anlise dos empreendimentos selecionados em Gravata necessrio estabelecer um breve balano acerca da importncia do setor tercirio para a economia do municpio, visando contextualizar os indicadores referentes a estas atividades em face das transformaes socioespaciais atualmente em curso. O grfico 1 mostra a evoluo do Valor Adicionado Bruto (VAB) no municpio de Gravata no perodo entre 2000 e 2011, em alguns anos selecionados.

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    Os dados do grfico evidenciam um forte crescimento dos setores da indstria e dos servios ao longo do perodo analisado. Pode-se observar que o setor industrial cresce de forma acentuada a partir de 2000, ano da implantao do complexo General Motors. Entre os anos de 2000 e 2011, o VAB da indstria cresceu 5,4 vezes, e, o dos servios, 4,17 vezes. Considerando apenas o perodo mais recente, 2009 a 2011, os dados apontam para um crescimento mais expressivo do setor de servios (31,1%) do que da indstria (8,6%), indicando a grande importncia que vem assumindo o setor de servios.

    Iniciando a anlise especfica, foram identificados cinco grandes empreendimentos tercirios em andamento na cidade de Gravata, dentre os quais quando da realizao da pesquisa de campo em 2013 trs se encontravam em obras e dois ainda em fase de aprovao na Secretaria Municipal de Planejamento e Oramento.

    Verifica-se que os empreendimentos destinam-se a vrios tipos de atividades tercirias: grandes equipamentos comerciais (shopping center, power center), comrcio atacadista, centros logsticos, hotel e prdios de escritrio. Os investidores, em sua maioria, so de origem de fora do Estado, indicando que Gravata concorre por investimentos em um nvel ampliado alm do mbito local. A presena de um grupo investidor de Cingapura associado a um grupo local (o caso do Centro Logstico Brasil - CLB), por exemplo, ilustra a amplitude dessas redes de agentes e das relaes comerciais globalizadas. O quadro 1 apresenta dados sobre esses empreendimentos.

    A figura 2 situa os cinco empreendimentos em Gravata em um recorte microrregional da RMPA, adequado anlise das suas lgicas locacionais.

    GRFICO 1 - VALOR ADICIONADO BRUTO (VAB) DOS SETORES PRODUTIVOS A PREOS CORRENTES NO MUNICPIO DE GRAVATA (RMPA) - 2000/2011

    FONTE: IBGE (2000, 2005, 2007, 2009, 2011). Disponvel em: http://www.cidades.ibge.gov.br(1) O setor inclui tambm o comrcio.

    1.500

    500

    0

    2.500

    3.000

    2005 2007 2009 20112000

    1.000

    Agropecuria Indstria Servios(1)

    3.500

    R$/Milho

    2.000

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    QUADRO 1 - EMPREENDIMENTOS RECENTES EM GRAVATA (RMPA) - 2010-2013

    EMPREENDIMENTO PROGRAMA AGENTES

    Majestic Business

    1 etapa: Shopping center (160 lojas); Hotel; 3 torres residenciais; e 2 torres de servios 2 etapa: Prdio de escritrios (42 pav.)

    M. Grupo (SP)

    Power Center Zaffari Hipermercado e lojas Zaffari (RS)

    Destro Macroatacado1 etapa: Armazns atacadistas 2 etapa: Centro comercial

    Destro (PR)

    Centro Logstico Brasil (CLB) Condomnio logsticoGlobal Logistic Properties (Cingapura, sia) Salvadori Incorporaes (RS)

    ROMAC- Mquinas e Equipamentos

    Comrcio de mquinas e equipamentos de grande porte

    Romac e empresas parceiras

    FONTE: Dados da Prefeitura Municipal de Gravata e imprensa

    NOTA: Elaborao dos autores.

    Do ponto de vista da localizao dos empreendimentos tercirios, em geral observa-se uma forte relao com os principais eixos de articulao dos municpios com a regio metropolitana. Um dos mais importantes o eixo leste-oeste, que coincide com a rota principal da BR-290 (Freeway), partindo do limite entre o sul de Canoas e o norte de Porto Alegre na direo do litoral norte do estado. Em Porto Alegre importante destacar que, no limite oeste, ocorreu a recente construo da Arena do Grmio grande empreendimento realizado para a Copa de 2014, que no

    FIGURA 2 - LOCALIZAO DOS CINCO EMPREENDIMENTOS TERCIRIOS EM GRAVATA E DE PONTOS REFERENCIAIS AO EIXO LESTE-OESTE DA REGIO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE

    FONTE: Os autores (2013)

    Majestic Business

    Power Center Zaffari

    Destro Macroatacado

    Centro Logstico Brasil

    N

    Romac - Mquinas e Equipamentos

    Canoas

    Esteio

    Sapucaiado Sul

    Cachoeirinha

    Porto Alegre

    Gravata

    Rio GravataArena do Grmio

    Centro Histrico

    Lim

    ite M

    unic

    ipal

    Complexo GM

    Aeroporto InternacionalSalgado Filho

    4

    4

    1

    1

    3

    3

    2

    2

    5

    5

    Alvorada

    BR-116

    BR-290

    BR-116

    RS-118

    RS-030

    BR-386

    BR-290

    BR-290

    BR-290

    RS-020

    RS-118

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    apenas contempla o estdio de futebol, mas tambm prev um shopping center, torres residenciais e de servios. Este eixo cruza a poro sul dos municpios de Cachoeirinha e Gravata, em que se encontra a confluncia e cruzamento desta rodovia federal com duas importantes rotas estaduais: a RS-118 e a RS-030.

    Na rodovia RS-030 localiza-se o maior dos empreendimentos tercirios analisados, o Majestic Business (ver figura 2), formado por um shopping center, um hotel, trs torres residenciais e duas torres de servios. Est prevista ainda, em uma segunda etapa, a construo de uma torre de 42 pavimentos, divulgada como a mais alta do Rio Grande do Sul. O pblico-alvo deste empreendimento a populao metropolitana, mais concentrada ao norte de Porto Alegre e nos municpios de entorno. Nas notcias veiculadas pela imprensa, os empreendedores (M Grupo) reforam esse fato:

    Fruto de R$ 260 milhes em investimento, o empreendimento refora a tendncia de grandes grupos buscarem negcios fora das capitais. A proposta do M Grupo, responsvel pelo empreendimento, atrair no apenas clientes de Gravata, mas tambm de Cachoeirinha, Glorinha, Viamo, Alvorada, Montenegro e at da zona norte de Porto Alegre. [...] os consumidores dessas cidades costumam ir at a Capital fazer compras em razo da falta de um centro de compras de grande porte. A perspectiva receber 600 mil consumidores por ms mais que o dobro da populao de Gravata, de 270 mil habitantes (ABRAS, 2013).

    Na rodovia RS-118 concentram-se os empreendimentos do setor de comrcio atacadista e de mquinas de grande porte, tendo grande importncia na integrao ao norte com a rodovia BR-116 (principal eixo estruturador da poro norte da RMPA), no municpio de Sapucaia do Sul. A figura 2 mostra que essa rodovia tem um papel de grande diagonal metropolitana, pois faz a ligao da BR-290 (Freeway) com a BR-116. Os empreendedores do Centro Logstico Brasil, localizado nesta rodovia, afirmam que a regio foi escolhida justamente devido a esta situao de interligao (entre a BR-116 e a Freeway). Segundo notcia da Folha de S. Paulo, o polo industrial da cidade de Gravata (liderado pela General Motors) e o poder de consumo local tambm influenciaram (FRIAS, 2013).

    Essa concentrao de empreendimentos atacadistas e de grande porte na RS-118 estimulada pelo zoneamento previsto no Plano Diretor do municpio (GRAVATA, 2000), o qual destina uma grande rea no entorno deste eixo para uso industrial. Alm disso, o local tambm atende s demandas dos empresrios por grandes reas de terreno, logstica adequada e pela proximidade com o Aeroporto Internacional Salgado Filho em Porto Alegre (ver figura 2).

    J o Power Center Zaffari, o conjunto de hipermercado e lojas, possui uma localizao estratgica na confluncia das RS-030 e RS-020, junto divisa com Cachoeirinha, e volta-se ao atendimento dessa populao conurbada. Segundo o diretor do Grupo Zaffari, o investimento est estimado em R$ 300 milhes e visa abranger mais de um milho de habitantes dos dois municpios (Cachoeirinha e Gravata), mas tambm de Esteio, Sapucaia do Sul e Canoas (LAMPERT, 2012).

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    A implantao de grandes empreendimentos tercirios em Gravata remete questo de seus impactos na estrutura do espao municipal e regional. O aumento de fluxos virios no entorno dos empreendimentos geralmente a transformao mais evidente aps sua implantao. A presena das novas atividades deveria significar aumento de acessibilidade: alargamentos de ruas, acessos, passeios, novas vias e percursos, extenso do transporte coletivo etc. No entanto, nem sempre isso ocorre, podendo gerar conflitos de trnsito e sobrevalorizao do modo de transporte individual.

    Outro aspecto importante a valorizao imobiliria que tende a ocorrer no entorno desses empreendimentos. o caso do Majestic Business, que fica prximo ao Centro Histrico, junto a uma zona de ocupao rarefeita ao longo da RS-030, na qual predominam estabelecimentos de servios. Ao sul encontra-se rea de fragilidade ambiental (proximidade ao Rio Gravata). Atualmente a rea de entorno do empreendimento habitada por uma populao de renda mdia-baixa em pequenas casas unifamiliares.

    Processos de valorizao imobiliria associados aos grandes investimentos tercirios tendem a deslocar a populao de menor renda preexistente, recebendo um novo perfil de moradores. No caso do Majestic, o empreendimento j conta com trs torres residenciais de padro mdio, financiadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Esse ncleo residencial j estabelece, de certa forma, um novo padro socioeconmico dos moradores deste entorno.

    O mercado imobilirio tem a oportunidade de adquirir reas ainda a baixos custos e de vender novos produtos imobilirios a preos de reas mais valorizadas. Recentemente, o grupo investidor do complexo Majestic comprou uma grande rea industrial desativada ao lado do shopping center, visando futuras incorporaes. No caso do Power Center, a rea adquirida um grande vazio em rea de ocupao predominantemente unifamiliar de mdia e baixa rendas. Tambm, neste caso, so esperados processo de valorizao imobiliria e mudana do perfil socioeconmico da populao.

    Tais processos de valorizao imobiliria tornam-se mais crticos frente ao quadro de dficit habitacional dos municpios. Em estudo de 2000, Mammarella (2004) verificou que Gravata era o municpio da RMPA com maior dficit habitacional (7,13% do total de seus domiclios particulares permanentes) e o segundo na inadequao por infraestrutura (23,37%). Esteio apresentava o segundo maior dficit habitacional (6,74%), e Cachoerinha o terceiro (6,61%). Dessa forma, h que se atentar para um processo de deslocamento das populaes de menor renda para locais mais distantes e sem infraestrutura, contribuindo para um espalhamento desqualificado da mancha urbana.

    Um aspecto mais geral refere-se capacidade de alguns desses empreendi-mentos analisados (principalmente os comerciais) se constiturem como novos polos atratores. Nesse sentido, haver a tendncia de atrair a urbanizao para o seu entorno. No nvel macro da cidade, podem vir a gerar novas direes de crescimento. Tal parece ser o caso do Majestic, que tende a atrair urbanizao de Gravata na direo sul, tensionando as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor, que concebem

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    esta rea com um papel mais suburbano e de proteo ambiental vrzea do Rio Gravata. Adicionalmente, parece haver pouca articulao deste novo polo com outros setores do municpio, como, por exemplo, o centro histrico de Gravata, estando mais voltado a ser um polo metropolitano.

    CONSIDERAES FINAISEste trabalho procurou discutir o papel dos grandes empreendimentos

    tercirios na estruturao da metrpole brasileira contempornea. O estudo emprico verificou a ocorrncia de um processo de desconcentrao de grandes empreendimentos tercirios na direo de novos locais metropolitanos at ento inexplorados, evidenciando que a lgica de localizao no reconhece os limites municipais, mas visualiza o espao da cidade-regio. O caso de Gravata ilustra uma situao de municpio perifrico de rea metropolitana que apresentou forte crescimento industrial nas dcadas passadas e, recentemente, tem expandido o setor tercirio. Pode-se observar que essa expanso do tercirio apresenta tipologias que se particularizam pela concentrao empresarial e organizacional, caractersticas do investimento de agentes fortemente capitalizados, que provm, em sua maior parte, de fora da regio e estabelecem redes com agentes locais.

    Quanto localizao, identificou-se que tal crescimento faz parte de um eixo leste-oeste na RMPA, ao longo da BR-290, emergente em atividades tercirias. Verificou-se que os grandes empreendimentos tercirios analisados em Gravata apresentam uma lgica de localizao direcionada a obter uma posio metropolitana privilegiada. Tm como alvo um mercado consumidor metropolitano ainda no atendido e cujo poder de compra est em ascenso. A situao peculiar de cruzamento de eixos estratgicos para a RMPA nos territrios municipais de Gravata e tambm de Cachoeirinha estimula a concentrao de atividades e a conurbao de sua mancha urbana. O potencial de acessibilidade desses eixos metropolitanos tende a concentrar novos investimentos advindos de grandes empreendimentos industriais e tercirios.

    Se, por um lado, tais empreendimentos representam oportunidades de crescimento econmico e do emprego, desencadeiam uma srie de transformaes no territrio. Tais transformaes no podem ser analisadas apenas na tica do municpio, pois envolvem o conjunto das cidades. Foram discutidos, aqui, alguns aspectos desses possveis impactos, sem a pretenso de um estudo aprofundado, buscando levantar pontos a serem considerados pelo poder pblico e pela comunidade.

    Nesse sentido, coloca-se a importncia de instncias regionais de planejamento que possam conceber o territrio regional de forma integrada, para alm dos limites municipais, fazendo a gesto desses novos processos complexos de produo do espao.

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