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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
A TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO NA REVISÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO
Nova Lima 2010
1
GRETCHEN LÜCKEROTH NOVAES
A TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO NA REVISÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.
Área de concentração: Direito Empresarial
Orientadora: Professora Doutora Miriam de Abreu Machado e Campos.
Nova Lima 2010
2
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
NOVAES, Gretchen Lückeroth
N935 t A teoria da base do negócio jurídico na revisão dos contratos de consumo. / Gretchen Lückeroth Novaes – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2010 109 f. enc.
Orientadora: Profa. Dra. Miriam de Abreu Machado e Campos
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.
Bibliografia: f. 106-109
1. Base do negócio jurídico. 2. Revisão contratual. 3. Onerosidade excessiva. 4.
Equivalência. 5. Imprevisibilidade e justiça contratual. I. Machado e Campos, Miriam de Abreu. II. Faculdade de Milton Campos III. Título
CDU 347.44
3
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “A teoria da base do negócio jurídico na revisão dos contratos de consumo”, de autoria da Mestranda Gretchen Lückeroth Novaes, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:
Profa. Dra. Miriam de Abreu Machado e Campos Orientadora
Prof. Dr.
Prof. Dr. Prof. Dr.
Nova Lima, ________ de___________ 2010 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
3
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a elaboração deste trabalho.
Em especial, à Professora Doutora Miriam de Abreu Machado e Campos, pela atenção, pela criteriosa análise e orientação com que conduziu ao meu trabalho, primando sempre pelo conteúdo e fundamentos.
Ao Cristiano Dayrell, meu marido, pela compreensão, pelas valiosas críticas e pela seriedade com que acompanhou e revisou este estudo.
4
RESUMO
A revisão das cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que
as tornem excessivamente onerosas foi inserida de forma expressa na parte final do
art. 6º, inciso V, da Lei n. 8.078/90, dentre o rol de direitos básicos do consumidor.
Isso demonstra a preocupação do legislador com a conservação dos contratos,
desde que seja mantida a relação de equivalência que existia no momento da
formação do vínculo. Como o artigo não especifica em quais casos se devem rever
os contratos, são de extrema importância a análise e a delimitação das situações
que estão abrangidas por essa proteção. Em que pese ter sido desenvolvida em
outra sociedade e em um contexto histórico, social e econômico diverso do atual, a
Teoria da Base do Negócio Jurídico de Karl Larenz delineou, de forma precisa, em
que consiste a base do negócio e quais circunstâncias supervenientes autorizam a
revisão dos contratos. Tendo em vista que nossa legislação já regulamenta algumas
situações para as quais o sistema alemão não previa ou não o fazia
satisfatoriamente à época em que essa teoria foi desenvolvida, a sua adoção, assim
como ocorre com a adoção de qualquer teoria alienígena, exige uma releitura e uma
adequação ao ordenamento jurídico brasileiro, notadamente em atenção aos
princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da proteção do consumidor, da
função social e da conservação dos contratos. Este trabalho tem por objetivo
analisar a Teoria da Base do Negócio Jurídico como parâmetro para a definição das
situações em que o contrato deve ser revisto, restabelecendo a justiça nas relações
contratuais que tenham sofrido alteração anormal e superveniente, causando
onerosidade excessiva ao consumidor.
Palavras-chave: Base do negócio jurídico. Revisão contratual. Onerosidade excessiva. Equivalência. Imprevisibilidade e justiça contratual.
5
Abstract
The review of contractual clauses due to supervening events which render
the obligations therein too burdensome was expressly set forth under article 6, item
V, of statute 8.078/90 among the list of basic consumer rights. This demonstrates the
lawmaker’s concern with the maintenance of contracts provided that the relation of
equivalence established at the moment of contract formation remains unchanged.
Whereas article 6 of the aforementioned statute does not specify the occasions when
there must be a contract review, the analysis and delimitation of the situations
encompassed by this protection are extremely relevant. Taking into account that
despite Karl Larenz’s Theory of the Legal Transaction Basis was developed in a
different society and in a different social, historical and economic context, it
delineated precisely what the basis of the legal transaction consists of and when a
change of circumstances gives rise to a contractual review. Considering that our
legislation regulates some situations which the German system did not foresee or
was not able to do so satisfactorily by the time this theory was developed, its
adoption, as occurs with the adoption of any alien theory, requires a reexamination
and an adaptation to the Brazilian legal system, especially with regard to the
principles of legal security, good-faith, consumers’ protection and contracts’ social
function and maintenance. This paper aims to analyze the Theory of the Legal
Transaction Basis as a parameter to the definition of the situations in which a
contract shall be reviewed, reestablishing fairness in the contractual relations which
have been subject to abnormal and supervening changes, causing excessive burden
to consumers.
Key words: Legal transaction basis. Contractual review. Excessive burden. Equivalence. Unpredictability. Contractual fairness.
6
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 08
2 CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS .................................................... 13
2.1 A cláusula rebus sic stantibus e a justiça ............................................. 19
3 TEORIAS REVISIONISTAS ...................................................................... 24
4 TEORIA DA IMPREVISÃO ........................................................................ 27
5 TEORIA DA PRESSUPOSIÇÃO DE BERNHARD WINDSCHEID ........... 38
5.1 Breve relato sobre o problema dos motivos, da causa e da vontade . 41
5.1.1 O problema dos motivos ............................................................................ 42
5.1.2 O problema da causa ................................................................................. 45
5.1.3 A vontade contratual .................................................................................. 48
6 TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO DE PAUL OERTM ANN ... 52
7 TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO DE KARL LAREN Z ......... 57
7.1 Base sujetiva .............................................................................................. 59
7.2 Base objetiva .............................................................................................. 64
7.2.1 Destruição da relação de equivalência .......................................................66
7.2.2 Impossibilidade de alcançar o fim do contrato ...........................................68
7.3 Críticas à Teoria de Karl Larenz ................................................................ 69
8 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DO CÓDIGO DE DEFE SA DO
CONSUMIDOR ...........................................................................................72
9 A TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO E O CÓDI GO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR .................................................................... 81
10 TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO E A REV ISÃO DOS
CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL EM UMA BREVE COMPARAÇÃO
7
COM A REVISÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO ..............................96
11 CONCLUSÃO ............................................................................................103
REFERÊNCIAS ....................................................................................................106
8
1 INTRODUÇÃO
O princípio da força obrigatória dos contratos determinava que, celebrado
o contrato com a observância de todos os pressupostos e requisitos de validade, ele
deveria ser executado quaisquer que fossem as circunstâncias.
Pelo espírito do Código Civil de 1916, as cláusulas contratuais não
poderiam ser alteradas judicialmente, independentemente da vontade das partes.
Caso algum motivo justificasse a intervenção judicial, permitida excepcionalmente
pela lei, essa intervenção era realizada para declarar a nulidade ou a resolução do
contrato, mas não para modificar o seu conteúdo.
Hoje, contudo, atribuem-se aos contratos princípios que a visão liberal e
individualista do Código Civil de 1916 rechaçava. Superada a concepção
estritamente positivista que inspirou o legislador do início do século XX, o Direito
Contratual incorporou novos princípios orientadores, a exemplo da função social e
da boa-fé objetiva. O intransigente respeito à liberdade individual que repelia a
intervenção do Estado perdeu espaço ante a nova realidade social. A mudança de
paradigmas deveu-se a acontecimentos extraordinários que revelaram a injustiça da
aplicação do princípio da força obrigatória em seus termos absolutos.
As guerras, as crises e as instabilidades econômicas, a globalização, com
o aparecimento dos conglomerados econômicos, o incremento do comércio e da
indústria alteraram de forma definitiva o cenário contratual. A impossibilidade de
prever as mudanças gerou verdadeiras injustiças na manutenção de alguns
contratos celebrados, cuja execução futura acarretaria enriquecimento a um dos
contratantes às custas da ruína do outro.
Tornava-se evidente a necessidade de revisão ou de extinção de alguns
vínculos, com o fim de preservar a justiça contratual. A ideia de justiça corretiva –
que, na concepção aristotélica, pressupunha a igualdade das prestações –
contrapunha-se, porém, à necessidade de preservação da segurança jurídica.
Se, por um lado, o ideal de justiça impelia o jurista à busca pela
restauração do caráter sinalagmático do vínculo contratual, por outro, a segurança
jurídica erigia-se como um valor também merecedor de tutela. Afinal, é igualmente
perene a busca do homem pela segurança jurídica. Basta observar que, mesmo
para admitir a modificação dos contratos, o jurista procura amparar-se em critérios
9
seguros e precisos. Em outras palavras, mesmo para afastar, no caso concreto, o
valor segurança jurídica, o homem, paradoxalmente, procura guiar-se por critérios
que lhe possibilitem uma certa segurança jurídica. Embora ainda não se falasse em
ponderação de valores, o que se almejava, em última análise, era o estabelecimento
de critérios objetivos para se proceder ao sopesamento entre a justiça contratual e a
segurança jurídica. Era indubitável que ambos os valores mereciam a tutela jurídica,
mas também não havia dúvida de que, em inúmeras hipóteses, tornar-se-ia inviável
a integral preservação de ambos os valores.
Diante da inevitável colisão entre valores igualmente merecedores de
tutela, cumpria ao jurista a tarefa de estabelecer critérios para o sopesamento
desses valores no caso concreto. Em suma, cabia-lhe o labor de estabelecer
parâmetros que pudessem nortear o intérprete na difícil atividade de decidir, diante
de eventuais alterações supervenientes das circunstâncias inicialmente existentes, e
à luz das peculiaridades do caso concreto, quando deveria prevalecer a justiça
contratual, fundada na preservação do sinalagma ou, ao contrário, quando o valor
justiça deveria ceder espaço à necessidade de manutenção da segurança jurídica.
A doutrina e a jurisprudência estrangeiras, retomando a ideia já contida na
milenar cláusula rebus sic stantibus, passaram, por conseguinte, a desenvolver
teorias e princípios que, sem abandonar o valor segurança jurídica,
fundamentassem a revisão dos contratos em face da alteração superveniente das
circunstâncias, visando manter o equilíbrio contratual. No Brasil, igualmente, o labor
doutrinário e jurisprudencial fez-se presente, a despeito da resistência que, à míngua
de expressa previsão legal, as teorias revisionistas compreensivelmente
enfrentavam em uma sociedade marcada por uma concepção positivista e
profundamente influenciada pelo dogma do pacta sunt servanda. Sensível à
necessidade de disciplinar a revisão dos contratos, o nosso legislador também
procurou adequar as leis brasileiras à nova realidade social e econômica do mundo
contemporâneo, para buscar soluções mais justas, focadas na preservação do
equilíbrio contratual, sem se afastar totalmente, porém, da segurança jurídica.
Esse intento foi, v.g., o que levou o legislador do Código Civil de 2002 a
mitigar o rigor do princípio da força obrigatória dos contratos, possibilitando, em seu
art. 317, que o juiz assegure o valor real das prestações se, em decorrência de
motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação
10
devida no momento da celebração do contrato e aquele do momento de sua
execução.
Com esse mesmo intento, o legislador, mais de uma década antes do
Codex de 2002, já havia elencado, no art. 6º, V, segunda parte, da Lei n. 8.078/90,
dentre os direitos básicos do consumidor, o direito à revisão das cláusulas
contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornassem excessivamente
onerosas, de forma a demonstrar a preocupação com a relação de equivalência
entre prestação e contraprestação nas relações de consumo.
E é justamente a necessidade de adequada compreensão desse
dispositivo que está a justificar o presente trabalho. Com efeito, decorridas duas
décadas do início da vigência da mencionada Lei n. 8.078/90, que instituiu o Código
de Defesa do Consumidor, a aplicação do referido dispositivo, diante da sucinta
redação empregada pelo legislador, ainda enseja grande dificuldade, tornando
indispensável o esforço doutrinário no estabelecimento de parâmetros para se
proceder à revisão dos contratos de consumo. A análise do citado dispositivo revela
que, para a revisão dos contratos de consumo, o legislador fixou requisitos menos
rigorosos do que aqueles exigidos pelo direito comum. Mas quais são os parâmetros
para essa revisão? Qual a teoria revisionista adotada pelo Código de Defesa do
Consumidor?
A doutrina oscila, basicamente, entre duas teorias principais: a da
Imprevisão e a da Base do Negócio Jurídico. A jurisprudência também se divide
entre essas duas teorias, embora muitos dos julgados em matéria de revisão
contratual se limitem a restabelecer a equivalência entre as prestações, sem
qualquer preocupação com a denominação dos institutos.
Ao longo deste trabalho, proceder-se-á à exposição das principais teorias
revisionistas desenvolvidas ao longo da história, com especial destaque para a
Teoria da Base do Negócio Jurídico, de Karl Larenz, que estabeleceu parâmetros
mais objetivos para a revisão dos contratos, possibilitando uma adequada
ponderação entre a justiça contratual e a segurança jurídica.
Procurar-se-á demonstrar que a Teoria da Base do Negócio Jurídico de
Larenz, desde que consideradas as peculiaridades do direito brasileiro e, em
especial, do Direito do Consumidor, mostra-se de grande valia para a aplicação do
mencionado art. 6º, V, segunda parte, da Lei n. 8.078/90.
11
Para tanto, tratar-se-á, inicialmente, da denominada cláusula rebus sic
stantibus, apontada como a origem das teorias revisionistas.
No terceiro capítulo, discorrer-se-á sobre as razões do surgimento das
principais teorias revisionistas que foram desenvolvidas a partir da concepção ampla
da cláusula rebus sic stantibus.
No quarto capítulo, analisar-se-á a Teoria da Imprevisão, desenvolvida na
França, o momento histórico que propiciou o seu desenvolvimento e os requisitos
que a caracterizam.
No quinto capítulo será abordada a Teoria da Pressuposição, de Bernhard
Windscheid, que foi de extrema relevância para o desenvolvimento dos
pressupostos para a revisão dos contratos, tendo influenciado, ainda, o
desenvolvimento de diversas outras.
No sexto capítulo discorrer-se-á sobre a Teoria da Base do Negócio, de
Paul Oertmann. Serão tratados, também, sucintamente, alguns aspectos inerentes
aos motivos, à causa e à vontade, tendo em vista que tais conceitos, bem como a
maior ou menor relevância conferida a eles em cada ordenamento e em cada
momento histórico, serviram de orientação para o desenvolvimento das teorias
revisionistas e, também, para a elaboração do conceito de base do negócio jurídico.
No sétimo capítulo, analisar-se-á a Teoria da Base do Negócio Jurídico,
de Karl Larenz, e as principais noções por ele desenvolvidas, abordando,
notadamente, a base subjetiva, a base objetiva, a quebra da base, suas
consequências e as críticas que foram levantadas à época.
No oitavo capítulo, abordar-se-á a principiologia do Código de Defesa do
Consumidor para se introduzir o espírito que deve nortear a utilização da Teoria da
Base do Negócio Jurídico, no âmbito da revisão dos contratos regidos pela Lei n.
8.078/90.
No nono capítulo, tratar-se-á da Teoria da Base do Negócio Jurídico, de
Karl Larenz, dentro do contexto do Código de Defesa do Consumidor, com o intento
de demonstrar que, respeitadas as peculiaridades do ordenamento jurídico brasileiro
– notadamente o fato de que a legislação consumerista tem por escopo tutelar
apenas uma das partes da relação contratual, tida por vulnerável ope legis –, tal
teoria é a mais adequada para auxiliar na revisão dos contratos regidos pelo Código
de Defesa do Consumidor.
12
No último capítulo, analisar-se-á sucintamente a adoção da Teoria da
Base do Negócio Jurídico na revisão contratual no âmbito do Direito Civil em
comparação ao Código de Defesa do Consumidor.
13
2 CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
A doutrina muitas vezes confunde as definições da cláusula rebus sic
stantibus, ocasionando grande confusão no estudo das teorias revisionistas, razão
pela qual cumpre aqui elucidar de forma adequada o seu alcance para o
desenvolvimento deste trabalho.
A cláusula rebus sic stantibus é adotada em duas acepções, uma ampla e
outra mais restrita. De forma ampla, considera-se que rebus sic stantibus
corresponde à manutenção dos contratos e dos atos jurídicos de forma geral no
estado em que estavam quando foram firmados.
Segundo Moraes (2001, p. 29),
[...] não é essencial, nessa concepção mais larga, a existência de uma onerosidade excessiva ou da imprevisibilidade de um fato que cause um desequilíbrio; basta o advento de uma mudança substancial no estado em que as coisas estavam para se justificar a mudança na execução do ato jurídico.
Essa acepção ampla da cláusula rebus sic stantibus foi o ponto de partida
para o surgimento de inúmeras teorias revisionistas, cada qual desenvolvida com um
argumento próprio.
Dentre as teorias que surgiram para explicar o fundamento da revisão dos
contratos, pode-se citar a Teoria da Pressuposição, desenvolvida por Bernhard
Windscheid; a Teoria da Vontade Marginal, de Giuseppe Osti; a Teoria da Base do
Negócio desenvolvida por Paul Oertmann e, posteriormente, reestruturada por Karl
Larenz; a Teoria do Erro, de Achille Giovene; a Teoria da Situação Extracontratual,
de A. Brunzin; a Teoria do Dever de Esforço, de R. Hartmann; a Teoria do Estado de
Necessidade, de Lehmann e Covielo; a Teoria do Equilíbrio das Prestações, de
Giorgi e Lenel e, por fim, a teoria do Fundamento na Moral, desenvolvida por Ripert
e Voirin1.
Na concepção restrita, aplicada especificamente às relações contratuais,
a cláusula rebus sic stantibus é adotada como sinônimo de imprevisão. A
1 Oliveira (1968) analisou a evolução das teorias revisionistas em sua obra A cláusula Rebus Sic Stantibus através dos tempos e classificou essas teorias em dois grandes grupos. O primeiro relaciona a imprevisão a um problema de
apreciação da vontade contratual, e o segundo fundamenta-a de forma diversa e mais geral, adotando os princípios da equidade, da boa-fé, da regra moral ou da noção de direito.
14
imprevisão, no entanto, limita a abrangência da incidência da cláusula rebus sic
stantibus, na medida em que exige alguns requisitos para que ela possa ser
adotada.
Sidou (1962, p. 18) aponta como requisitos adotados pelos códigos
germânicos: a aplicação da cláusula apenas aos casos em que a alteração do
ambiente objetivo existente à época da formação do contrato não houvesse sido
ocasionada por mora ou culpa do devedor; a alteração não devia ser fácil de prever
e, por fim, a alteração deveria ser de tal monta que, se o devedor a tivesse previsto,
não teria consentido em se obrigar.2
A cláusula rebus sic stantinbus, como sinônimo de imprevisão,
considerava-se inserta nos contratos de duração continuada e nos de execução
diferida como condição de sua força obrigatória. Para que o contrato conservasse
sua eficácia, era subentendido que não deveria ser alterado o estado de fato
existente no momento de sua formação.
Admitia-se que contractus que habent tractum sucessivum et
dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur, ou seja, os contratos de
trato sucessivo, dependentes de circunstâncias futuras, entendem-se pelas coisas
como se acham.
Tratava-se de condição resolutiva implícita nos contratos sucessivos que
dependiam, para sua manutenção, da permanência da situação fática existente no
momento da celebração contratual.
De acordo com Sidou (1962, p. 15),
[...] a doutrina entende pela cláusula tácita r.s.s. a condição implícita em virtude da qual, em certa categoria de contratos, o vínculo contratual se deve considerar subordinado à continuação daquele estado de fato existente ao tempo de sua formação, de tal sorte que, modificado o ambiente objetivo por motivos supervenientes e imprevistos, a força obrigatória do contrato não deve ser mantida, justificando-se a intervenção judicial para revê-lo ou rescindi-lo.
2 Segundo Sidou (1962, p. 19), “[...] esses requisitos da cláusula tendem a ampliar-se à medida em que é ela aplicada através dos tempos e em intensidade tal que só lhe respeitam o esboço, conferindo-lhe figuração nova que, no entanto,
não se pode dizer uma reformulação radical. Daí não passar de requinte onomástico pretender-se a proscrição do seu nome histórico em favor das denominações modernizadas. Ela permanecerá sendo sempre a “cláusula rebus sic stantibus”, cujo núcleo está no – “as coisas assim permanecendo” à época em que se concluiu o contrato.”
15
Para Fiuza (2006, p. 420), a cláusula rebus sic stantibus não abrigava a
alteração das circunstâncias por motivos meramente imprevistos, pois se restringia a
motivos imprevisíveis, conforme se transcreve a seguir.
Começando com a doutrina da cláusula rebus sic stantibus, o fato de na fórmula medieval – “os contratos de execução sucessiva, dependentes de circunstâncias futuras, entendem-se pelas coisas como se acham” – não se encontrar o termo “fato imprevisível”, explicitado em todas as suas letras, não o torna dispensável. Muito antes pelo contrário, seria fazer pouco caso da inteligência dos antigos supor que concebessem ser possível a revisão de um contrato, com base em risco assumido pelas partes, ou por elas necessariamente previsível. Assim, não têm razão aqueles que advogam a tese de que, na antiga doutrina da cláusula rebus sic stantibus, não era pré-requisito a imprevisibilidade do fato posterior, que ensejava o pedido de revisão.
Torna-se importante ressaltar que a cláusula rebus sic stantibus não foi
criada para corrigir os desequilíbrios dos contratos causados pela guerra. Ao revés,
o instituto já era conhecido desde os estoicos que há muito identificaram que
determinadas alterações nas circunstâncias justificavam o não cumprimento da
palavra dada.
Não resta dúvida, contudo, de que foram os conflitos armados que
fizeram ressurgir a discussão em torno da revisão contratual, tendo em vista que o
cumprimento dos contratos tal como ajustados levaria à ruína inúmeras pessoas,
com a consequente e inevitável propagação do caos social3.
Todavia, mesmo nos períodos de guerra, a revisão dos contratos em
decorrência de alterações supervenientes sempre contou com opositores, que
consideravam atentatório à justiça e à segurança contratual a revisão de contratos
livremente ajustados pelas partes.
O fundamento da cláusula rebus sic stantibus está na manutenção do
equilíbrio do contrato. Um contrato comutativo exige que, por uma prestação, a outra
parte receba algo em troca. O valor dessa contraprestação não precisa ser igual,
3 Nesse sentido, veja-se o relato de Carneiro (1959, p. 18). “Manifesta-se (a cláusula rebus sic stantibus) em todas as épocas, na paz como na guerra, desde que concorram acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. A subversão das
bases econômicas do contrato, que não pode ficar indiferente aos anseios da justiça comutativa, ocorre quando atuam fatores extraordinários. E estes fatores não são privativos das condições gerais de instabilidade que a guerra acarreta. Também nos períodos de concórdia dos povos, o surgimento de fatos imprevistos invencíveis pode tornar impossível o cumprimento de cláusulas contratuais. A guerra, que quase sempre gera desequilíbrio econômico e conturbação política, produzindo instabilidade geral, por isto mesmo constitui conjuntura para a teoria florescer. Haja vista como, na primeira conflagração mundial, ela assumiu aspecto particularmente intenso e despertou novo interesse em sua aplicação.”
16
mas necessita de uma equivalência, ainda que seja apenas subjetiva. Se algum
acontecimento imprevisto, que escapa ao risco normal ou assumido pelas partes,
ocasiona um desequilíbrio, é necessário restabelecer a equivalência subjetiva,
admitida no momento da formação do contrato.
Em defesa da adoção da cláusula rebus sic stantibus no direito brasileiro,
se posiciona Oliveira (1968, p.132).
O estudioso do direito jamais poderá se afastar da lição do Summum Jus, summa injuria4. Os homens jamais poderiam dar-se ao luxo de profetizar. A cláusula rebus sic stantibus deve ser aplicada no direito brasileiro porque, acima de tudo, ela se fundamenta também nos princípios do Jus Naturale, esse direito superior que, em última análise, seria a própria súmula de tudo aquilo que Deus gravou, de maneira imutável, no coração dos homens...
A cláusula rebus sic stantibus foi adotada, de forma expressa, nos
contratos de locação, na medida em que permite a rescisão do contrato pelo
locatário sem o pagamento da multa que seria devida pela rescisão antecipada, se
seu empregador o transferir para localidade diversa daquela prevista em contrato5.
Foi adotada no Código Civil para a prestação de alimentos, que permite a
revisão da pensão fixada se, conforme as circunstâncias, sobrevier alteração na
situação financeira de quem os supre ou de quem os recebe.6
A jurisprudência igualmente reconhece a cláusula rebus sic stantibus
como condição implícita adotada pelo nosso ordenamento. É ela citada e utilizada
para fundamentar inúmeras decisões em que os magistrados foram chamados a
enfrentar o problema da alteração superveniente das circunstâncias.
Sidou (1978, p. 105-106) anota que seria um contrassenso exigir o
cumprimento dos contratos atingidos por situações futuras imprevisíveis, já que o
nosso ordenamento reconhece como excludente de responsabilidade o caso fortuito
4 A expressão latina significa, conforme interpretação de Larenz (2002) que a rígida sujeição a um princípio jurídico, sem
levar em conta a situação em que é aplicado, leva às maiores injustiças. 5 Lei n. 8.245/91: Art. 4º - Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário,
todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
Parágrafo único. O locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência.
6 Art. 1.699 do Código Civil: Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
17
e de força maior, os quais produzem efeitos que não foram possíveis de ser evitados
ou impedidos.7
Se o devedor não responde pelos prejuízos resultantes do caso fortuito (art. 1.058), por que responderá o obrigado contratual premido por circunstância impeditiva da obrigação e para a qual não contribuiu? Se uma lei de caráter locatício, ou empregatício, ou de compra e venda, dispõe que em determinado tipo de contrato, com vistas sobretudo aos ‘contratos de adesão’, é defeso o emprego de tal modus contrahendi, por que, em contrato análogo, fechar os olhos ou cruzar os braços, e permitir que a lesão de direito se manifeste, quando a cláusula moral implícita jamais foi negada pelos princípios gerais de direito? Daí nenhuma corte judiciária brasileira poder dizer-se infensa à afirmação da teoria revisionista, inspirada no princípio rebus sic stantibus..
Confiram-se as recentes decisões proferidas pelo Superior Tribunal de
Justiça, abaixo colacionadas, que confirmam a incorporação da cláusula rebus sic
stantibus, nas diversas áreas do Direito.
DIREITO PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CUSTO DE MANUTENÇÃO DE APARELHO ORTOPÉDICO. DEFASAGEM DA QUANTIA FIXADA EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PRESTAÇÃO DE NATUREZA ALIMENTAR. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. A indenização destinada à manutenção dos aparelhos ortopédicos utilizados pela vítima de acidente reveste-se de natureza alimentar, na medida em que objetiva a satisfação de suas necessidades vitais. 2. Por isso, a sentença que fixa o valor da prótese não estabelece coisa julgada material, trazendo implícita a cláusula rebus sic stantibus, que possibilita sua revisão face a mudanças nas circunstâncias fáticas que ampararam a decisão. 3. Recurso especial não conhecido. REsp 59238/RJ; Recurso Especial 2003/0175122-3, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, T4, DJe 17/08/2009
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. COMETIMENTO DE NOVO DELITO (TRÁFICO DE DROGAS) DURANTE O PERÍODO DE PROVA DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. PERDA DOS DIAS REMIDOS PELO TRABALHO. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. O art. 127 da Lei de Execução Penal preceitua que o condenado que for punido com falta grave perderá o direito ao tempo remido pelo trabalho, iniciando-se o novo cômputo a partir da data da infração disciplinar.
7 Art. 393 do Código Civil, que correspondia ao art. 1058 do Código Civil de 1916: O devedor não responde pelos prejuízos
resultantes de caso fortuito e força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou
impedir.
18
2. O entendimento desta Corte Superior e do Pretório Excelso é de que o instituto da remição constitui, em verdade, um benefício concedido ao apenado que trabalha e a decisão acerca de sua concessão sujeita-se à cláusula rebus sic stantibus. 3. Tratando-se a remição de mera expectativa de direito do reeducando, não afronta a coisa julgada a decisão que determina a perda do referido benefício legal, mesmo que transcorridos 2 anos do decisum que reconheceu o cometimento da falta grave. 4. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 5. Ordem denegada. HC 116653/SP, Habeas Corpus 2008/0214136-0, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, T5, DJe 11/05/2009
DIREITO TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - ATO DO MINISTRO DE ESTADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL - CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS) - INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE RENOVAÇÃO - ENTIDADE DECLARADA DE UTILIDADE PÚBLICA ANTES DO DECRETO-LEI N. 1.572/77 - DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO - NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. [...] 3. Não há direito líquido e certo a regime jurídico tributário; com isso, a renovação do CEBAS cria para o interessado uma situação jurídica rebus sic stantibus (assim permanecendo as coisas). Como decorrência, inexiste vedação a que a lei estabeleça supervenientemente requisitos para o gozo de imunidade e obtenção do CEBAS. [...] Segurança denegada. Agravos regimentais prejudicados. MS 10734/DF, Mandado de Segurança 2005/0097309-0, Rel. Min. Humberto Martins, S1 – Primeira Seção, DJe 30/03/2010
CLÁUSULA ''REBUS SIC STANTIBUS''. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CONSTRUÇÃO E VENDA DE UNIDADE HABITACIONAL EM PREDIO EM CONDOMINIO. PRETENSÃO DA CONSTRUTORA E VENDEDORA A CORREÇÃO MONETARIA DAS PARCELAS DEVIDAS COM E APOS A ENTREGA DAS CHAVES. CONTRATO AVENÇADO DURANTE O ''PLANO CRUZADO I''. A correção monetária, como um aspecto diferenciado da teoria da imprevisão no contexto peculiar da economia brasileira, pode incidir mesmo nos contratos avençados sem a sua previsão. Contrato firmado durante o Plano Cruzado I, sob custos congelados e geral expectativa, em todas as classes sociais e com raras exceções, de que a inflação estivesse debelada ou reduzida a razoáveis proporções, permitindo assim a contratação de construções por preços acrescidos apenas de juros. Retomada da inflação, autorizadora da atualização da moeda desvalorizada a ponto de afetar a comutatividade contratual. Recurso especial conhecido e provido.
REsp 8473/RJ, Recurso Especial 1991/0003084-8, Rel. Min. Athos Carneiro, T4, DJ 25/10/1991
Resta, portanto, admitido que determinadas alterações que ocasionam
sensível desequilíbrio aos contratos justificam a revisão do acordado, constituindo
medida de justiça a modificação do pactuado se as coisas não permanecerem no
estado em que se encontravam no momento da formação do vínculo.
19
2.1 A cláusula rebus sic stantibus e a justiça
Os estudiosos da cláusula rebus sic stantibus apontam como sua origem
as lições de Cícero e de Sêneca. A cláusula rebus sic stantibus teve, portanto, seus
primeiros traços na filosofia estoica mitigada.
Cícero foi o grande divulgador dos princípios da ética estoica, sendo um
deles o de que todos devem viver em harmonia com a natureza, o que implica, em
última análise, que o homem deve viver em harmonia consigo mesmo. Pautar a vida
segundo as prescrições da natureza correspondia a servir ao interesse geral da
coletividade, antes que ao seu próprio8.
Comparato (2008, p. 113) ensina que, para Cícero, o termo lex tinha o
sentido de princípio; a lei verdadeira era a expressão da razão e da justiça. Segundo
Cícero, “[...] existe um único direito, que mantém unida a comunidade de todos os
homens; ele é formado por uma só lei, que é o critério justo que impera e proíbe”.
Essa unidade fundamental do direito, correspondente à de toda a moralidade, tem
sua fonte na consciência ética com que o homem foi dotado pela própria natureza.
Sem ela, o homem seria incapaz de discernir não só o que é justo e injusto, senão
também o que é honesto ou torpe.
Cícero (apud Maia, 1959, p. 30), ao discorrer sobre os deveres dos
homens, descreveu em sua obra sobre a moral, denominada De Officiis.
Apresentam-se-nos, muitas vezes, circunstâncias nas quais as coisas que parecem eminentemente justas, para aqueles que nós chamamos homem honrado, mudam de natureza e tomam um caráter oposto. Assim, em certas ocasiões, será conforme a justiça não restituir o depósito, não cumprir a promessa, desconhecer a verdade e a fé empenhada. A alteração dos tempos e das circunstâncias levam à alteração da verdade.[...] Há promessas que por vezes não podem ser mantidas; como também depósitos que não é possível restituir. Um homem, em seu juízo perfeito, vos confiou uma espada; tornou-se louco e vos pede a restituição. Sereis culpado pela devolução; cumprireis vosso dever recusando-a. Sois depositário de uma soma em dinheiro. Aquele que vo-la confiou toma as armas contra a pátria; restituireis esse depósito? Não o creio: importaria isso em agir contra a república, que vos deve ser mais cara do que todo o mundo. Assim, muitas ações que parecem honestas em si, deixam de sê-lo por circunstâncias. Manter sua palavra, satisfazer sua promessa, devolver um depósito, são igualmente coisas que deixam de ser honestas, desde que elas perdem sua utilidade.
8 Conforme Comparato (2008), em sua obra Ética: direito, moral e religião no mundo moderno.
20
Também Sêneca (apud Maia, 1959, p. 32), em sua obra De Beneficiis,
discorreu sobre a alteração das circunstâncias para justificar o comportamento
contrário ao da palavra inicialmente dada.
Não terei faltado à minha palavra e merecido a censura de inconstância, senão quando todas as coisas tenham permanecido como no momento de minha promessa, e eu não me tenha empenhado no seu cumprimento. A menor mudança deixa-me inteiramente livre para modificar minha determinação, desobrigando-me da promessa. Prometi-vos minha assistência de advogado: porém, verifiquei que sua pretendida ação era contra meu pai. Prometi-vos acompanhar em viagem: certifiquei-me, ao depois, que ladrões infestavam a estrada; prometi-vos patrocínio: no entanto meu filho adoece ou minha mulher é acometida de dores de parto. Todas essas coisas devem estar na mesma situação que a do momento em que vos prometi, para que possais reclamar essa promessa como obrigatória.
Os exemplos dados por Cícero e Sêneca demonstram que exigir o
cumprimento das promessas, desconsiderando-se a alteração das circunstâncias,
acarretaria grandes injustiças. Foi disseminado, desde essa época, o
restabelecimento da justiça como fundamento que justificava a modificação do
pactuado se as condições não permanecessem no estado que se encontravam no
momento em que a promessa era feita.
O conceito de justiça foi sendo moldado ao longo dos anos em
conformidade com a visão que os filósofos tinham do mundo e do próprio homem,
considerando-o como integrante de uma sociedade.
Alguns séculos antes de Cícero e Sêneca, Platão relacionou a justiça ao
cumprimento das respectivas funções do homem na polis. Cada um deveria cumprir
a função que dele era esperada, respeitando-se a divisão de funções políticas.
Surge aí a justiça identificada como solidariedade. Competia às leis e aos
governantes cuidar da justa distribuição dos bens na polis, de forma que ninguém
fosse lesado (COMPARATO, 2008).
A solidariedade foi denominada por Aristóteles justiça proporcional ou
distributiva, que parte da desigualdade de fato entre os cidadãos para estabelecer a
igualdade de direito: aqueles que fossem menos favorecidos deviam receber mais,
tanto dos outros cidadãos quanto da coletividade. A justiça proporcional não se
confundia com a justiça corretiva, que deveria existir nos contratos bilaterais de
intercâmbio entre particulares (synallagmata), que pressupunha a igualdade entre os
21
contratantes e, por conseguinte, implicava a igualdade de valor das coisas ou
serviços intercambiados (COMPARATO, 2008).
Aristóteles considerou também outra espécie de justiça: a equidade. A
equidade se presta a corrigir a generalidade da norma legal, razão pela qual tem
sido considerada como a justiça do caso concreto.9
Para Santo Tomás de Aquino, a justiça e o direito se inter-relacionam,
visando o direito ao estabelecimento da justiça de maneira plena. O direito não é a
justiça, mas visa à realização da justiça (BITTAR; ALMEIDA, 2010).
No período conhecido como positivismo jurídico, ao contrário da filosofia
de Santo Tomás de Aquino, as concepções de direito e justiça foram afastadas.
Para Hans Kelsen discutir a justiça era discutir normas morais. O jurista deveria se
ater apenas ao estudo das normas jurídicas. As normas jurídicas eram consideradas
válidas ainda que contrariassem os alicerces morais (BITTAR; ALMEIDA, 2010).
Segundo Bittar e Almeida (2010, p. 396), para Kelsen “[...] validade e
justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto (uma norma
pode ser válida e justa; válida e injusta; inválida e injusta)”.
Superado o positivismo jurídico, vivencia-se hoje, no chamado pós-
positivismo, o retorno de valores ao nosso sistema jurídico. A preferência dada às
cláusulas gerais pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Código Civil de 2002,
tais como a boa-fé e a função social, mostra a abertura do nosso sistema jurídico,
que passa a ser permeável aos valores.
Segundo Barroso (2008, p. 30), no artigo Fundamentos teóricos e
filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro, os princípios constitucionais
passam a ser, no pós-positivismo, a síntese dos valores abrigados no ordenamento
jurídico, espelhando a ideologia da sociedade, seus postulados básicos e seus fins.
A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central.
9 “Toda lei (nómos), frisou Aristóteles, tem um enunciado necessariamente geral, pois o legislador leva em consideração, tão-só, os casos mais freqüentes. Nesse sentido, a lei se distingue do decreto (psephisma), que atende a situações
específicas e concretas. Ao surgir um caso não incluído de modo explícito no texto da lei, é de justiça interpretá-la num sentido mais preciso e concreto, a fim de estender a norma genérica à hipótese em questão, atendendo-se, assim, mais ao espírito do que à letra da lei” (COMPARATO, 2008, p. 528).
22
A evolução da cláusula rebus sic stantibus seguiu a interpretação que foi
dada à própria justiça, e o tratamento dado a esta em cada momento histórico.
A cláusula rebus sic stantibus surgiu com os filósofos e foi acolhida nos
séculos XII e XIII. Desenvolveu-se e afirmou-se nos séculos XIV a XVI, quando
atingiu o seu apogeu, o que perdurou até fins do século XVII. A partir do século XVII,
entrou em franco declínio.
Seu estudo pareceria relegado ao campo histórico se não surgissem, de
espaço a espaço, algumas decisões judiciais espelhando-lhe a resistência
(CARNEIRO, 1959).
Com a conflagração das duas grandes guerras mundiais, foi a cláusula
rebus sic stantibus novamente invocada para mitigar a rigidez das normas, cuja
aplicação acarretaria enorme injustiça.
Hoje, mesmo com novas denominações (onerosidade excessiva,
imprevisão ou base), continua viva, sendo invocada sempre que as alterações das
circunstâncias causem alteração do ajustado, modificando o equilíbrio das relações
existentes no momento da formação do vínculo.
Por ser um instituto intrinsecamente relacionado com a justiça, não pode
a cláusula rebus sic stantibus ser desconsiderada quando as partes sofrerem
profundas alterações na ordem econômica e social, mesmo em suas relações
privadas.
Como bem sintetizado por Oliveira (1968, p. 28),
[...] a cláusula “rebus sic stantibus” como regra de moral firma-se nos princípios do jus naturale e por isso mesmo identifica-se como um corolário decorrente da própria natureza humana e a ela intrínsecos. E podemos facilmente observar, nesse direito superior, a própria súmula de tudo aquilo que Deus gravou, de maneira imutável no coração dos homens, achamos que os princípios dessa cláusula nesse próprio direito natural encontraria a sua mais remota e primitiva base. A cláusula “rebus sic stantibus” ou a moderna teoria da imprevisão decorreria da própria Equidade e da própria Justiça, pois o magistrado, na sua árdua função de realizar o direito, posto em contato com o caso prático, pelo inato e irresistível desejo de evitar a iniqüidade, não pode fugir à natural tendência de humanizar a lei.
23
Conclui-se, portanto, que, nos períodos em que prevaleceu o ideal de
justiça dos estoicos, de Platão e de Aristóteles, e os valores inter-relacionavam-se
com o sistema jurídico, foi a cláusula rebus sic stantibus abraçada para a
manutenção do equilíbrio nas relações. Nos períodos em que o direito se distanciou
da moral e a autonomia da vontade e as leis prevaleceram sobre os valores, a
preocupação com a justiça foi relegada a segundo plano, e a cláusula rebus sic
stantibus afastada por ter sido considerada atentatória à segurança jurídica.
24
3 TEORIAS REVISIONISTAS
A cláusula rebus sic stantibus pode ser apontada como a origem comum
das teorias que foram desenvolvidas para justificar a revisão dos contratos. A sua
adoção – e, de modo geral, a adoção de qualquer teoria revisionista – sempre foi, no
entanto, cercada de grande polêmica.
Sidou (1978, p. 91) admite a cláusula rebus sic stantibus como base da
revisão e defende sua incorporação por interessar a toda a sociedade a manutenção
do equilíbrio contratual.
É de reconhecer, portanto, que malgrado as opiniões que lhe são infensas e sustentadas por mestres também notáveis, a teoria da imprevisão, da superveniência, da base negocial ou qualquer que outro nome tenha – sintetizadas em três palavras que dizem tudo e todas as situações correlatas cobrem: rebus sic stantibus – conta em seu favor o beneplácito dos melhores cultores do moderno direito brasileiro, coincidentes sem dúvida com o mesmo sentimento de Aguiar Dias, notável juiz, ao escrever que, “posta na fábula para que mais penetrasse nos espíritos a parábola do homem que matou a galinha dos ovos de ouro, nem assim se convencem os romanistas ferrenhos de que não é útil, mas pernicioso à coletividade, impor o cumprimento do contrato que arruíne o devedor.
As teorias revisionistas foram desenvolvidas para solucionar problemas
decorrentes da mudança de circunstâncias em uma relação negocial. Afinal, quando
circunstâncias supervenientes alteram a base do contrato, deve ele ser cumprido
mesmo assim? Em caso contrário, em quais hipóteses estaria autorizada a revisão?
Alguma teoria revisionista teria conseguido solucionar, de forma completa
e adequada, todos os problemas advindos de um contrato baseado em
circunstâncias que sofreram alterações posteriores?
Moraes (2001) lembra que o jusracionacionalismo entendia que era
possível, no direito, a construção de um sistema completo, perfeito e em
conformidade com a natureza humana, que servisse para todos os lugares e
épocas.
Essa pretensão jusracionalista de construção de um sistema modelo
mostrou-se falaciosa, e as teorias surgidas foram moldadas, como não podia ser
25
diferente, em conformidade com o pensamento dos juristas de cada país, seguindo
as necessidades e as situações econômicas vividas em cada época.
Sem desmerecer ou desprestigiar o trabalho da doutrina na construção de
diretrizes que propiciassem uma solução justa para os contratantes que fossem
surpreendidos por uma posterior alteração das circunstâncias, antecipa-se a concluir
que as teorias que se propõe analisar neste trabalho, todas elas, não dispensaram a
análise do caso concreto, nem conseguiram superar a necessidade de trabalhar com
cláusulas abertas e conceitos indeterminados, tais como a boa-fé objetiva, a
equidade e a própria base do negócio.
Torna-se importante ressaltar que as teorias revisionistas foram
desenvolvidas para solucionar problemas decorrentes de alterações supervenientes,
razão pela qual não contemplam a lesão e os contratos abusivos ou leoninos.
Observe-se que, na lesão, a desproporção das prestações é analisada ao tempo em
que foi celebrado o negócio jurídico10. Os contratos leoninos ou firmados com abuso
de direito, da mesma forma, são celebrados já contendo o vício.11
As teorias revisionistas dividiram a doutrina em dois grandes grupos, a
favor e contra a revisão dos contratos em decorrência de alterações supervenientes.
Cada qual com seu fundamento, as teorias foram desenvolvidas ora para permitir a
intervenção no pactuado, ora para impedir qualquer intervenção sob o fundamento
de que a intervenção afrontaria a segurança jurídica.
Klang (1991, p. 13), na obra: A Teoria da Imprevisão e a revisão dos
contratos, ao analisar a postura adotada pelos defensores e pelos opositores da
revisão dos contratos que sofreram alteração superveniente, questiona se o homem
que criou o princípio pacta sunt servanda não é o mesmo que desenvolveu a Teoria
da Imprevisão. E é ele mesmo quem esclarece o porquê de posicionamentos tão
divergentes.
10 Art. 157 do Código Civil: Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a
prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio
jurídico. § 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar
com a redução do proveito. 11 Nesse sentido, pontuou Sidou (1978, p. 36). O contrato leonino trás a vilta na origem, no ato da conclusão do ajuste. E não
se torna fraudulento, porque já assim nasce. Logo, escapa à teoria revisionista, restrita às perturbações sobrevenientes, ou manifestadas durante a execução e que, modificando o valor respectivo das prestações prometidas, destroem o equilíbrio que as partes concordaram em realizar.
26
O homem que adotou o pacta sunt servanda como norma obrigatória dos contratos tinha a postura de quem estava certo da estabilidade dos negócios e da moeda, onde o não cumprimento literal das avenças era questão de forte imoralidade, punível com sanções previstas no próprio acordo, além daquela mais grave e eficiente, a perda do crédito na praça. Por outro lado, o defensor da teoria da imprevisão enxerga além, desejoso que está em que não haja injustiça na relação credor-devedor pela simples satisfação de uma tradição, nos dias de hoje, injustificável. É até uma questão de lógica, pois se agora há instabilidade dos negócios e da moeda, como conseqüência de um mundo dinâmico, cibernético e em ebulição social intensa, não há que se falar em servidão a um acordo, em cumprimento estático e imutável, mas em cumprimento das obrigações adaptável e adequado às novas situações.
Os fundamentos contrários à revisão partem do pressuposto de que todo
contrato traz um risco, que é assumido pelas partes. Entende-se que permitir a
revisão traria enormes transtornos, pois se teriam contratos cujo cumprimento
poderia deixar de ser exigido.
Segundo Timm, (2008, p. 68), no artigo intitulado Direito, economia e a
função social do contrato: em busca dos verdadeiros interesses coletivos protegíveis
no mercado do crédito,
[...] a revisão judicial dos contratos empresarias pode trazer instabilidade jurídica, insegurança ao ambiente econômico, acarretando mais custos de transação para as partes negociarem e fazerem cumprir o pacto. Ademais, aqueles casos de revisão dos pactos demonstram que, muitas vezes, o risco ou mesmo o prejuízo da interferência é distribuído entre a coletividade, que acaba por pagar pelo inadimplente judicialmente protegido.
Outro argumento contrário é o de que, ao proceder à revisão, o juiz
ultrapassaria os limites do contrato, pois, se as partes livremente se obrigaram, o
Estado não poderia alterar as cláusulas para criar um novo conteúdo, em razão de
não terem sido previstas determinadas situações.
Para Ripert (1937, p. 156), contratar é prever. Para ele, por ser o contrato
um empreendimento sobre o futuro, garante o credor contra as circunstâncias que
se oporiam à sua satisfação. As partes estipulam livremente as condições para
terem a segurança de que o contrato será cumprido da forma ajustada, prevenindo-
se de oscilações posteriores do mercado.
Segundo o referido autor,
27
[...] admitir a revisão dos contratos, todas as vezes que se apresente uma situação que não foi prevista pelas partes, seria tirar ao contrato a sua própria utilidade que consiste em garantir o credor contra o imprevisto. Quando um industrial assegura por muitos anos a quantidade de carvão necessária à sua fábrica por um preço determinado, não sabe quais serão, no futuro, as dificuldades de aprovisionamento ou as flutuações do mercado, mas quer poder regular, em qualquer hipótese, a sua produção e fixar o preço dos seus produtos. Se uma guerra vem transformar os preços do carvão, não se lhe pode dizer que este acontecimento não tinha entrado nas suas previsões; pois o contrato feito por vários anos tinha justamente por fim não deixar os preços ao sabor das flutuações posteriores do mercado.
Vejamos o posicionamento de Medeiros, citado por Othon Sidou (1978, p.
92), também contrário à revisão dos contratos.
Depois de instar que é preciso combater a tendência sentimental que vê sempre no devedor um infortunado e no credor um ganancioso sem escrúpulos, diz mestre Arnoldo da improficuidade dos esforços daqueles que acharam base para a noção da imprevisão na própria idéia do contrato. E aduz que admitir, como regra, a revisão dos contratos pela superveniência imprevista, simplesmente pelo fato de acarretar para o devedor uma onerosidade não esperada, seria, em verdade, privar o contrato de sua utilidade mesmo, que consiste em garantir o credor contra o imprevisto.
Os autores que se manifestam a favor da revisão consideram, em linhas
gerais, que a equivalência é da essência do contrato bilateral. As partes não
contratam para gerir sua própria ruína e analisam as circunstâncias no momento da
formação do vínculo. Se fatores supervenientes ocasionam um excessivo
desequilíbrio na relação instituída, é necessária a adequação das cláusulas para que
o contrato cumpra sua finalidade12.
A justiça é o princípio que deve nortear as ações humanas. Na introdução
de sua obra: A lesão nos contratos, Pereira (1997) adverte que nem sempre as
partes são iguais civil e economicamente, e aquela que se encontra em posição
12 Segundo Wilson Melo da Silva, citado por Oliveira, (1968, p. 132), [...] o que se encontra ao fundo de todas essas doutrinas
e teorias é sempre o desejo do restabelecimento ou da continuidade do equilíbrio que circunstâncias fortuitas, anormais ou excessivamente onerosas, pudessem estabelecer, nos contratos de longa execução, entre as situações de seu início e as de seu término. E nem mais nem menos se busca, com tudo isso, senão evitar-se o ganho injustificado de um, sem contudo cair-se no extremo oposto de se dar a outrem mais do que aquilo a que teria direito ou do que foi razoavelmente querido por ocasião da conclusão do contrato”.
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superior em algumas situações tira proveito da desigualdade, sacrificando o
patrimônio da outra.
Analisando a situação supramencionada, com o foco no anseio de justiça,
ou mais precisamente da regra de conduta moral, conclui o referido autor: “[...]
chega-se à conclusão de que o negócio pode ser juridicamente perfeito, mas será
moralmente repugnante” (PEREIRA, 1997).
Também Pontes de Miranda (1959, p. 216) ressalva que determinadas
situações justificam a mitigação do rigor da força obrigatória dos contratos, conforme
se transcreve.
O princípio de adimplir-se o que se prometeu exige que não se levem em conta os sacrifícios dos devedores. Deve, pague. Mas esse absolutismo levaria a soluções que destoam dos propósitos de adaptação social, que tem todo sistema jurídico.
O princípio da força obrigatória não deve prevalecer sobre os ideais de
justiça se, diante de eventos futuros e incertos, houver a alteração das
circunstâncias sob as quais as partes basearam a negociação, criando instabilidade
e desproporção.
Entende-se que as relação jurídicas são dinâmicas e que não é possível
prever ou imaginar todas as alterações que possam surgir no futuro. Se essas
alterações acarretarem instabilidade nos negócios e a quebra da relação de
equivalência subjetiva admitida inicialmente pelas partes, é contrário à justiça exigir
o cumprimento da obrigação sem adequar o contrato às novas situações.
29
4 TEORIA DA IMPREVISÃO
A Teoria da Imprevisão é tratada por muitos doutrinadores como sinônimo
de revisão. Isso porque a maioria das teorias revisionistas considera o aspecto
imprevisibilidade para fundamentar ou rechaçar a revisão.
A imprevisibilidade é um fator tão importante, que Fiuza (2006, p. 417)
chega a considerar a Teoria da Imprevisão como gênero, do qual teriam surgido
várias espécies, dentre elas a Teoria da Base do Negócio Jurídico.
Dos vários autores que tratam do assunto, nenhum traz resposta segura a respeito da correta localização e dos contornos da teoria ou das teorias da imprevisão. Ora se fala em teoria da imprevisão como doutrina autônoma, ora a ela se refere como gênero, ao qual pertenceriam várias doutrinas, tais como a da condição implícita, a da base negocial objetiva e outras. A nós parece ser mais correta a segunda posição, que toma a teoria da imprevisão como gênero, sendo espécies suas as demais teses, inclusive a própria doutrina da cláusula rebus sic stantibus. Isto porque, analisando detidamente cada uma das teorias revisionistas, não se lhes pode negar, quando nada, um quê de imprevisibilidade que todas supõem como fundamento para a revisão dos contratos.
Na opinião da autora desta dissertação, o ponto comum de todas as
doutrinas revisionistas é a cláusula rebus sic stantibus. Discorda-se de que a Teoria
da Base do Negócio Jurídico, entre outras, seja espécie da qual a Teoria da
Imprevisão seria gênero, pois cada qual traz contornos bem definidos. Ademais,
aproximadamente na mesma época em que foi construída a Teoria da Imprevisão na
França, foi desenvolvida a Teoria da Onerosidade Excessiva, na Itália, e a Teoria da
Base do Negócio Jurídico, na Alemanha.
É certo, contudo, que as três teorias acima mencionadas consideraram a
imprevisão, em maior ou menor grau, cada uma delas estabelecendo requisitos mais
ou menos rígidos, visando estabelecer diretrizes para orientar os tribunais, quando
acionados para julgar demandas em que as circunstâncias do contrato tivessem se
sujeitado a alterações ocasionadas por acontecimentos supervenientes.
Analisando o desenvolvimento da Teoria da Imprevisão, Moraes (2001)
cita dois julgados em que a alteração das circunstâncias por fato superveniente e
imprevisível ensejou posicionamentos divergentes pela Corte Francesa.
30
Em 1876, no caso que ficou conhecido como Canal de Crappone, a Corte
de Cassação Francesa reformou o julgado de primeira instância, que havia admitido
a revisão dos valores da prestação devidos pelos beneficiários do canal em
contratos celebrados em 1560 e 1567.
Em que pese a defasagem dos valores ajustados, a Corte entendeu que
não competia aos tribunais considerar o tempo e as circunstâncias para modificar as
convenções e substituir as cláusulas livremente aceitas pelos contratantes, por mais
equitativa que parecesse a decisão.
Já no caso do arrendamento de gado, julgado em 1921, a Corte de
Cassação Francesa manteve a sentença que considerou a alta no valor do gado
durante a Primeira Grande Guerra Mundial, permitindo que o fazendeiro restituísse,
ao final do empréstimo, um número inferior ao que havia recebido de cabeças de
gado.
A despeito da decisão citada no parágrafo precedente e da edição da Lei
Failliot, que reconheceu os males que a manutenção dos contratos em termos
absolutos poderia causar à sociedade, atingida pela alteração repentina do cenário
econômico, notadamente em razão das guerras, essa mudança de orientação a
favor da revisão dos contratos ocorreu de forma muito tímida na França, e foi
admitida apenas em casos excepcionalíssimos.
A citada Lei Failliot, de 21 de maio de 1918, foi uma lei emergencial que
consagrou o princípio da revisão para contratos mercantis estipulados antes de 1º de
agosto de 1914, cuja execução se prolongasse no tempo. Os contratos poderiam ser
revistos se, em virtude da guerra, o cumprimento das obrigações por qualquer dos
contratantes causasse prejuízo que excedesse em muito a previsão que
razoavelmente pudesse ser feita, ao tempo de sua celebração.
Essa lei foi um marco decisivo na evolução do pensamento jurídico, na
medida em que enfraqueceu o princípio da força obrigatória dos contratos. Confira-
se parte desse importante diploma traduzido por Sidou, (1978, p. 55), que comprova
a transitoriedade e a excepcionalidade da sua aplicação na revisão dos contratos.
Art. 1º Durante a duração da guerra e até sua expiração, por um prazo de três meses a partir da cessão das hostilidades, os dispositivos excepcionais desta lei são aplicáveis nos negócios e nos contratos de caráter comercial às partes ou a uma delas somente, concluídos antes de 1º de agosto de
31
1914, e que consistam, seja na entrega de mercadorias ou gêneros, seja em outras prestações, sucessivas ou apenas adiadas. Art. 2º Independentemente de causas resolutórias de direito civil ou de convenções particulares, os negócios e contratos mencionados no artigo anterior podem ser rescindidos a pedido de qualquer das partes, se provado que por motivo do estado de guerra a execução das obrigações de um dos contratantes envolve encargos que lhe causam prejuízos cuja importância ultrapassa de muito as previsões razoavelmente feitas à época do ajuste. “A rescisão será pronunciada, segundo as circunstâncias, com ou sem indenizações”. “O juiz, quando estabelecer indenizações por perdas e danos, deverá reduzir seu montante se constatar que, em virtude do estado de guerra, o prejuízo ultrapassou demasiadamente aquele que os contratantes puderam prever”. “Se, conforme as condições e os usos do comércio, a compra foi feita por conta e risco do vendedor, e as mercadorias não foram entregues, o montante da indenização deve ser reduzido na forma da terceira alínea acima”. “O juiz poderá também, a pedido de uma das partes, determinar a execução do contrato durante um período que determinar”. “Art. 3º Nenhuma ação será ajuizada pelos tribunais civis e comerciais se o demandado não for previamente chamado para efeito de conciliação, ante o presidente do tribunal”.[...]
Em que pese, portanto, o reconhecimento da necessidade de
abrandamento da força obrigatória dos contratos, a França apenas o fez em leis
específicas e transitórias, mantendo-se fiel ao pensamento de que a revisão fora da
excepcionalidade acarretaria grave insegurança ao tráfego negocial13.
É importante ressaltar que a França é o berço do Direito Administrativo e
da Teoria da Imprevisão. Lembre-se que a Teoria da Imprevisão foi admitida na
França no Direito Administrativo, ramo em que o motivo é elemento integrante do ato
jurídico, ao passo q ue, no Direito Civil, a imprevisão não foi admitida, salvo em leis
13 Veja-se, nesse sentido, as considerações de Sidou (1978, p. 53). “A França destaca-se como infensa à teoria revisionista
numa coerência que vem doutrinalmente, não será demais repetir, dos dois de seus mais notáveis civilistas, Pothier e Domat, numa época, final do século XVIII, portanto da Idade Moderna, em que a cláusula rebus sic stantibus merecia plena acolhida por outros povos e pelos direitos canônico e internacional. A moral – salienta Ripert – manda que se não maneje o contrato como uma ação social em que o juiz tem o direito de tirar tal ou qual conseqüência. A cláusula – adjunta, já agora em seu famoso estudo sobre o regime democrático – pareceu em direito civil um perigo para a ordem estável, e o Código não fez a menor concessão à teoria da superveniência. Daí a garantia plena de execução nos contratos franceses, embora do cumprimento obrigacional possa resultar a ruína do contratante. Só o fortuito é causa exoneratória do dever de prestação. Nenhum dos contratantes pode escudar-se na imprevisão ao ajustar ou em fato supervindo ao ajuste, para evitar a prestação voluntariamente assumida. É a lição de René David, professor de Direito Comparado da velha Sorbonne”.
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excepcionais e transitórias, posto que perquirir os motivos no âmbito civil era
considerado contrário à segurança jurídica.
A postura divergente adotada pela França, se comparada com a dos
juristas alemães, fez com que os estudiosos das teorias revisionistas chegassem a
justificar que a adoção da revisão de forma mais efetiva pelos tribunais alemães
deveu-se às repercussões mais catastróficas sentidas pela guerra. Todavia, tal
fundamento deve ser rechaçado, tendo em vista que, mesmo em proporções
menores, a França também sofreu os efeitos arrasadores da guerra.
A diferença de posicionamento da Alemanha e da França deve-se,
primordialmente, à filosofia reinante em cada país. A Alemanha buscou justificar a
revisão com base no § 242 do Código Civil Alemão, ao passo que a França editou a
Lei Faillot e normas específicas posteriores à Primeira Grande Guerra Mundial, que
abrangeram um número restrito de casos, limitados por determinado período de
tempo, de forma a deixar clara a postura conservadora e a primazia do respeito ao
princípio pacta sunt servanda.
Menezes Cordeiro (2007, p. 957) ressalta que
[...] no cotejo entre o não reconhecimento de eficácia à alteração das circunstâncias por parte dos tribunais franceses, e o sucesso obtido por esse reconhecimento junto dos juízes alemães aponta-se, por vezes, de modo mais ou menos explícito, as convulsões radicais atravessadas pela Alemanha nos últimos cem anos, como factor (sic) de diferenciação. Importa desfazer tal impressão, através de breve análise à jurisprudência francesa, durante as guerras, cujas perturbações causadas em França, embora aquém das alemãs, foram significativas.
Ressalte-se, ainda, que a França é conhecida pela aversão à intervenção
judicial na revisão dos contratos em decorrência da modificação das circunstâncias,
confirmada pela famosa frase que teria sido proferida por Pothier, um dos seus
principais juristas, mencionada por Menezes Cordeiro, (2007, p. 948): “Deus nos
livre da equidade dos parlamentos”.
Gagliano (2001), no artigo intitulado Algumas considerações sobre a
Teoria da Imprevisão, esclarece que, em 1915, foi editado na Itália um decreto que
equiparava à força maior a circunstância que tornasse excessivamente onerosa a
obrigação assumida antes da mobilização geral ocasionada pela guerra. Ressalta
33
que esse decreto é anterior à Lei Failliot e demonstra a preocupação dos italianos
em corrigir os desequilíbrios causados aos contratos em decorrência da guerra.
Foi, contudo, apenas em 1942 que o Código Civil italiano passou a
adotar, de forma expressa, a onerosidade excessiva como causa de resolução dos
contratos. Transcreve-se abaixo o dispositivo do Código italiano, em razão de ter ele
servido de inspiração ao nosso Código Civil de 2002, conforme pode ser
demonstrado pela leitura dos seus artigos 478 e 479 (SANTOS, 2007, p. 957):
Art. 1647 do Código Civil Italiano: nos contratos de execução continuada ou periódica, ou então de execução diferida, se a prestação de uma das partes tornar-se excessivamente onerosa pela ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá a parte que deve tais prestações pedir a resolução do contrato com os efeitos estabelecidos no art. 1.458. A resolução não pode ser pedida se a onerosidade superveniente entra no risco normal do contrato. A parte contra a qual é pedida a resolução pode evitá-la oferecendo para modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 478 do Código Civil Brasileiro: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479 do Código Civil Brasileiro: A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
A jurisprudência brasileira reconheceu a aplicabilidade da Teoria da
Imprevisão para abrandar o princípio da força obrigatória dos contratos, mesmo na
vigência do Código Civil de 1916. O posicionamento dos tribunais, quando favorável
à revisão, sempre destacou o caráter excepcional dessa com base na Teoria da
Imprevisão, que apenas deveria ser utilizada em casos de extrema gravidade.
Registre-se que, mesmo à época das piores inflações que assolaram o
País, houve o posicionamento jurisprudencial, inclusive do STF, no sentido de que,
em um país que convive com inflações crônicas, as oscilações da moeda não
ensejam a aplicação da revisão, por faltar o elemento surpresa14.
14 Em sentido contrário, manifestou-se Klang (1991, p. 68): “[...] é evidente que num país de surtos inflacionários
imprevisíveis, onde em março de 1986 houve deflação e apenas um ano após a inflação se tornara galopante, apesar da incidência de índices de escala móvel, sempre haverá a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão, remédio eficaz em prol da autenticidade e integridade da base negocial das partes”.
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Confira-se, a respeito, a ementa de acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo.
Os males provenientes do quadro econômico-financeiro do País não se mostram como fenômeno novo e imprevisível apto a romper o equilíbrio entre as partes contratantes. No mesmo sentido: TAMG, Ap 30829, 19.12.86, DJMG 9.12.87; TJRJ, Ap 2936/89, rel Des Carlos Alberto Menezes, 20.12.89, RT 664/127. (Ap 80235-1, 18.02.87, RT 619/87)
Veja-se também o posicionamento do STF.
O fenômeno inflacionário já era uma infeliz realidade (para os contratantes), não podendo dizer-se, portanto, ter ele surpreendido o vendedor. (STF; RE 80575-3-RJ, rel Min Neri da Silveira, 20.9.83, RT 593/252)
Fiuza (2006, p. 428) delimita que, para a revisão dos contratos com base
nas Teorias da Imprevisão, é necessária a conjugação das seguintes condições:
1º) O contrato deve ser de execução futura, ou seja, deve ser daqueles que se celebrem no presente para se executarem no futuro. É o caso da compra e venda a prazo. 2º) Deve ocorrer alteração das condições ambientes, principalmente das econômicas, no momento da execução do contrato. 3º) Tal alteração deve ser imprevisível. A imprevisibilidade poderá ser mais ou menos radical, segundo a tese que se abrace. Basicamente, pode-se dizer haver dois tipos de imprevisão, a relativa e a absoluta. A imprevisão será absoluta quando o fato for imprevisível para qualquer pessoa medianamente dotada. Exemplo seria o “Plano Collor”, que, de uma só tacada repentina, bloqueou os recursos bancários de toda a população. Já a imprevisibilidade relativa é aquela aferível no caso concreto, dadas as circunstâncias que envolvem o contrato e as próprias partes. Exemplo seria a variação cambial. Duas pessoas podem celebrar um contrato, contando que esta variação seja pequena. Baseiam-se, para tanto, em fatos objetivos, como o sucesso de um plano de estabilidade econômica. De repente, o câmbio sofre variação extremada, sem nenhum aviso prévio e de uma hora para outra. Este fato pode não ser imprevisível de modo absoluto, mas relativamente àquele contrato, celebrado por aquelas partes, naquele momento e naquelas circunstâncias, o fato foi imprevisível. 4º) A adversidade deve acarretar onerosidade para uma das partes. Também a onerosidade pode ser mais ou menos excessiva, dependendo da teoria. O que é excessivo para alguém pode não ser para outra pessoa. Esse elemento deve ser analisado com cuidado, uma vez que é sempre muito relativo.
35
5º) Finalmente, o contrato deve ser pré-estimado, ou seja, a prestação de cada uma das partes deve ser previamente conhecida. Tal não ocorre, por exemplo, no contrato de seguro, em que a prestação do segurador é totalmente incerta.
Em uma análise de diversos julgados, Moraes (2001, p. 204) chega à
seguinte conclusão quanto ao entendimento da jurisprudência sobre os requisitos
para aplicação da Teoria da Imprevisão.
Ainda que certos acórdãos ou juristas possam referir-se a requisitos diferentes dos examinados anteriormente, a verdade é que todos podem ser reduzidos a um dos quatro estudados. No fundo, esses requisitos diversos nada mais seriam do que especificações ou desenvolvimentos dos já indicados, isto é, o contrato ser de execução diferida, continuada ou periódica; a imprevisão; a desigualdade grave; a ausência de culpa por parte do devedor. E as exigências que não se encaixem em alguma destas, por tratarem de realidades diversas, parecem exageradas e terminam por restringir excessivamente o campo de aplicação da teoria da imprevisão.
Observe-se que, além dos requisitos discriminados por Fiuza (2006), as
decisões judiciais acrescentam a ausência de culpa do devedor para aplicação da
Teoria da Imprevisão.
Cumpre destacar, ainda, dois recentes acórdãos em que a revisão dos
contratos foi rejeitada por faltar o requisito imprevisibilidade, confirmando o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a alteração das
circunstâncias apenas em casos excepcionais autoriza a modificação das cláusulas
contratuais pelo Judiciário.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. CONTRATO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUMENTO SALARIAL. DISSÍDIO COLETIVO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O exame da violação de dispositivos constitucionais é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 102, III, do permissivo constitucional. 2. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ. 3. O aumento salarial determinado por dissídio coletivo de categoria profissional é acontecimento previsível e deve ser suportado pela
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contratada, não havendo falar em aplicação da Teoria da Imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo. Precedentes do STJ. 4. Recurso Especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido. REsp 1190549 / RJ, Recurso Especial 2010/0074606-9, Rel. Min.
Herman Benjamin, DJe 01/07/2010
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. ATENDIMENTO. CONTRATO. COMPRA E VENDA. SAFRA FUTURA. RESCISÃO. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO JURÍDICO. TEORIA DA IMPREVISÃO. INAPLICABILIDADE. 1. Mantém-se a decisão recorrida quando seus fundamentos não restam suficientemente ilididos pela argumentação do agravante. 2. Uma vez demonstrado que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, deve o recurso especial ser conhecido. 3. Não se aplica a teoria da imprevisão nos contratos de compra e venda de safra futura a preço certo. 4. Agravo regimental desprovido.
AgRg no REsp 1016988 / GO, Agravo Regimental no Recurso Especial 2007/0302859-5, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 29/06/2010.
Ressalte-se, ainda, que o fortuito não se confunde com a imprevisão. A
imprevisão não impede a prestação da obrigação; esta é possível, mas, se for
exigida tal como inicialmente ajustada, poderá acarretar a ruína patrimonial do
devedor. O fortuito, por sua vez, inviabiliza o cumprimento da obrigação.
Nesse sentido, são os ensinamentos de Sidou (1978, p. 119-120).
O fortuito, portanto, pressupõe a impossibilidade absoluta, como expõe doutrinalmente Bonnecase; a imprevisão, a impossibilidade relativa. No fortuito, encara-se o evento que o determinou (circunstância objetiva); na imprevisão, encara-se o animus das partes ao momento da conclusão do ato jurídico (circunstância subjetiva). O fortuito tem latitude ampla e abrange todo o direito das obrigações, assim as que nascem do contrato como do delito, do quase-contrato e do quase-delito; a imprevisão tem esfera restrita aos contratos e pactos. Finalmente, o fortuito justifica a inexecução total da responsabilidade; a imprevisão justifica só um atenuamento da obrigação. A imprevisão não é força maior, preleciona Abgar soriano; desta se aproxima pelo caráter da imprevisibilidade, que é o traço comum, de ligação.
Registre-se, por fim, que a Teoria da Imprevisão não soluciona o
problema dos casos em que é inalcançável a finalidade objetiva do contrato e, nos
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quais, por conseguinte, o que ocorre é que as prestações perdem o sentido, embora
se mantenha o equilíbrio econômico entre elas.
Essa questão foi contemplada na Teoria da Base do Negócio Jurídico, de
Larenz (2002), conforme se demonstrará no momento oportuno.
38
5 TEORIA DA PRESSUPOSIÇÃO DE BERNHARD WINDSCHEID
Seguindo uma linha bem diferente da imprevisão francesa, o alemão
Bernhard Windscheid criou a Teoria batizada de Pressuposição, que estabeleceu
requisitos bem mais flexíveis para a revisão dos contratos. Segundo essa teoria, as
partes, ao contratarem, o fazem na pressuposição de que as condições existentes
no momento da formação do contrato serão mantidas.
A pressuposição deve ser compreendida como uma condição não
desenvolvida. Essa teoria tem por enfoque os aspectos subjetivos que levaram as
partes a contratar. É, sem dúvida, inegável a valorização e a proteção à real vontade
das partes.
Para Bernhard Windscheid, se as circunstâncias pressupostas no
momento da contratação, por algum motivo, sofrerem alteração ou não se
concretizarem, isso justificaria a revisão do contrato, sob pena de se obrigar a parte
cuja pressuposição não foi realizada a cumprir um contrato em desconformidade
com a sua vontade.
Veja-se a transcrição da obra de Bernhard Windscheid, citada por
Menezes Cordeiro (2007, p. 970).
W. indica os pressupostos da sua teoria logo no § inicial do seu livro; fá-lo, aliás, com a sua clareza habitual. Diz ele: A pressuposição pertence às auto-limitações da vontade. A doutrina habitual enumera como factos através dos quais uma vontade expressa se pode limitar a si própria, a condição, o termo e o modus. Penso que esta enumeração não é exaustiva e, designadamente, que no lugar do modus deve ser colocada a pressuposição. Pode-se considerar a pressuposição uma condição não desenvolvida. Com isso quer dizer-se que a relação jurídica originada através da declaração de vontade é feita depender de um certo estado de coisas. [...] Assim, se o estado de coisas pressuposto não existir, ou não se concretizar ou deixar de existir, a relação jurídica constituída através da declaração de vontade não se mantém a não ser sem, ou melhor, contra a vontade do declarante. Resulta daí que ele pode repelir aquele, perante o qual esteja obrigado, com uma exceptio (doli), caso este a queira fazer valer ou, sem que este a faça valer, exigir-lhe a restituição daquilo que dele tenha. Precisa, ainda, W.: A pressuposição é uma condição não desenvolvida (uma limitação da vontade que não se desenvolve para condição. Ela pode ser expressa ou tacitamente manifestada. O interessado só pode alegar a pressuposição «... quando da sua declaração de vontade se possa reconhecer que sob a sua declaração de vontade está uma outra, a verdadeira, i. é., quando, na sua declaração de vontade, o motivo se tenha elevado a pressuposição». A pressuposição pode reportar-se ao passado, ao presente ou ao futuro; pode respeitar a uma realidade positiva
39
ou negativa; pode ligar-se a um acontecimento momentâneo ou a uma relação duradoura”.
Fácil é, nos dias de hoje, visualizar que, admitir-se a revisão do contrato
com base na pressuposição, expressa ou, até mesmo, tacitamente manifestada, traz
enorme insegurança para as relações jurídicas.
Imagine-se a execução de um contrato em que uma das partes pretenda
escusar-se do pagamento das prestações às quais se obrigou, em razão da não-
concretização da condição que idealizou e que sequer chegou a ser manifestada?
Quais meios de prova teria a outra parte para exigir o cumprimento da obrigação e
refutar o argumento de que a pressuposição não se concretizou, ou que não havia
sido feita tal pressuposição?
Pode-se dizer que a pressuposição acarretaria a chamada prova
diabólica15, na medida em que uma parte tivesse que demonstrar que a alegada
representação mental da outra em verdade não existiu.
A regra processual insculpida no art. 333 do CPC determina que o ônus
da prova incumbe ao autor, em relação aos fatos constitutivos do seu direito, e ao
réu, em relação aos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.
O réu em uma ação de revisão do contrato, ante a não concretização de
uma pressuposição tácita do autor, teria o ônus de comprovar que determinada
circunstância não estava no pensamento do autor.
Sobre a dificuldade de se apurar a representação mental não manifesta
relata Pontes de Miranda (1959, p. 221) que a crítica de Otto Lenel foi decisiva, pois
aceitar, em sua generalidade, a Teoria da Pressuposição seria abrir portas ao que
está na mente do outro figurante, ou que não está nítido na mente dos dois, para se
atender a alguns casos que não justificariam quebrarem-se as linhas retas dos
princípios.
Veja-se a leitura que fez Oliveira (1968, p. 91-92) sobre a Teoria da
Pressuposição.
15 A prova diabólica é aquela que é impossível, senão muito difícil, de ser produzida. “[...] é expressão que se encontra na
doutrina para fazer referência àqueles casos em que a prova da veracidade da alegação a respeito de um fato é extremamente difícil, nenhum meio de prova sendo capaz de permitir tal demonstração” (JÚNIOR, BRAGA e OLIVEIRA 2009, p. 89).
40
Esta doutrina se funda na hipótese de quem faz um contrato parte do pressuposto de que tudo ocorrerá normalmente e se, por acaso, isto não ocorrer a parte contrária não terá culpa, ela se desobriga.
[...] quem manifesta sua vontade sob uma certa pressuposição, quer, à semelhança de quem emite uma declaração de vontade condicionada, que o efeito jurídico pretendido só venha a existir se ocorrer um certo estado de relações, mas não vai até ao ponto de fazer depender dele a sua existência. A conseqüência é que o efeito querido subsiste e perdura ainda que falte o pressuposto, mas, então, sem corresponder ao verdadeiro e próprio querer do autor da declaração de vontade. [...] Inclinando a pressuposição, isto é, frustrada que seja essa o efeito jurídico, não mais corresponde ao querer inicial do autor da declaração de vontade. Não há correspondência entre o que quis, quando da celebração do contrato e o que terá de cumprir, na sua fase de conclusão. E, por isto mesmo, justifica a revisão do contrato.
As críticas à pressuposição dirigiram-se a dois pontos fundamentais, que
eram falhos na teoria. O primeiro ponto cinge-se ao fato de que a teoria não logrou
êxito em distinguir a causa dos motivos. As razões subjetivas que levaram a parte a
contratar não têm relevância para o direito, conforme será esclarecido neste
trabalho.
O segundo ponto diz respeito à possibilidade de extinção do contrato de
forma unilateral, o que não satisfaz, pois quebra o sinalagma, sem o qual o contrato
deixa de ter sentido e utilidade16.
Menezes Cordeiro (2007, p. 1.032) relata que Bernhard Windscheid
defendeu sua tese até o final de seus dias, mesmo havendo inúmeros opositores
ressaltando as falhas e as consequências indesejáveis que poderiam advir da
adoção de sua teoria. Convencido da relevância do seu trabalho, Bernhard
Windscheid teria dito: “É minha convicção firme de que a pressuposição, tacitamente
expressa, far-se-á sempre valer de novo, faça-se o que se fizer contra ela. Expulsa
pela porta, ela volta pela janela”.
Ver-se-á adiante que, de fato, mesmo que debaixo de nova roupagem, a
pressuposição permaneceu viva nas teses de Paul Oertmann e Karl Larenz, ao
desenvolverem a denominada base subjetiva do negócio jurídico.
16 Segundo Pontes de Miranda (1959, p. 221), “[...] ou a teoria da pressuposição se reduz à da cláusula rebus sic stantibus,
ou se trata de afirmação de existir condição tácita ou implícita, ou desatende a que, nos negócios jurídicos bilaterais, pode levar a se atender ao que só um dos figurantes pressupôs. É compreensível que logo se houvesse exprobrado à teoria da pressuposição o permitir unilateralidade de querer, ou de pressuposição, em negócios jurídicos bilaterais”.
41
5.1 Breve relato sobre o problema dos motivos, da causa e da vontade
Viu-se acima que a pressuposição não conseguiu distinguir a causa dos
motivos. Também no nosso ordenamento, notadamente no Anteprojeto do Código
Civil de 1916 e de 2002, surgiram inúmeros questionamentos acerca da relevância
da causa, dos motivos e da vontade contratual como integrantes ou não do negócio
jurídico e da conceituação de cada um desses elementos.
São requisitos de validade do negócio jurídico: agente capaz, objeto lícito,
possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei17.
Nem o legislador do Código Civil de 1916, nem o do Código de 2002 fizeram
menção à causa, à vontade ou aos motivos como requisitos de validade dos
negócios jurídicos. Seriam, portanto, irrelevantes?
Para o Direito Administrativo, além do objeto, da forma e do agente
capaz, que são requisitos do ato jurídico, devem-se acrescentar mais dois
elementos: o motivo e a finalidade. No Direito Administrativo, a discussão paira em
torno da motivação, se esta é ou não obrigatória.
Nesse sentido, Carvalho Filho (2007, p.105) esclarece que “[...] quanto ao
motivo, dúvida não subsiste de que é realmente obrigatório. Sem ele, o ato é írrito e
nulo. Inconcebível é aceitar-se o ato administrativo sem que se tenha delineado
determinada situação de fato”.
No direito civil, os motivos que levaram as partes a realizar determinado
contrato são, de per si, relevantes ou, diversamente, se tornam relevantes apenas
quando são considerados como condição do negócio? As motivações psicológicas
influem no contrato? A vontade é elemento do negócio jurídico? É o que será
abordado adiante.
17 Art. 104 do Código Civil: A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
42
5.1.1 O problema dos motivos
A intenção das partes corresponde aos motivos. Os motivos, em regra,
não integram o negócio jurídico. Fiuza (2006, p. 401) conceitua o motivo como “[...] a
razão intencional determinante do contrato”.
Silva (2008, p. 40) esclarece que
[...] os motivos, por serem elementos subjetivos – cálculos, planos, conjeturas, probabilidades -, que não se manifestam socialmente de forma visível, não são, de regra, valorizados pelo ordenamento jurídico.
De acordo com o art. 140 do Código Civil de 2002, o falso motivo só vicia
a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
Se, porém, o motivo é de ordem psicológica e só vicia a declaração de
vontade se expresso como razão determinante, por que o legislador determina que é
nulo o negócio jurídico se o motivo determinante for ilícito?18
Campos Filho (s.d.) entende que o fundamento reside na limitação da
autonomia da vontade e no interesse social e de ordem pública. Essa postura
fundamenta a possibilidade de se anular os negócios jurídicos que tenham
motivação imoral.
Azevedo (2008, p. 107) critica o posicionamento de Campos Filho (2007),
que açambarca no conceito de objeto tudo aquilo a que vise o agente, reputando-se
como lícitos apenas os atos que não visem à realização de interesses antissociais.
Azevedo (2008) critica também a estrutura do Código Civil, ao determinar a nulidade
do negócio jurídico em razão da ilicitude do motivo determinante.
Para ele, se o motivo que, em regra, não integra o negócio jurídico passar
a fazer parte dele porque as partes assim o quiseram, ele passa a integrar o próprio
objeto, e a nulidade em decorrência da ilicitude já está prevista no inciso II do art.
166, o que faz do inciso III uma redundância. Por outro lado, se o objeto é lícito, mas
18 Art. 166 do Código Civil: É nulo o negócio jurídico quando:
[...] III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito.
43
a motivação é ilícita, não existe fundamento legal para eivar o negócio jurídico de
nulidade, conforme se transcreve a seguir.
Não vemos a menor possibilidade lógica de se confundirem os motivos determinantes com o objeto do negócio. Objeto do negócio é o seu conteúdo. O objeto faz parte do próprio negócio; é um dos seus elementos constitutivos. Os motivos, pelo contrário, estão no agente e, portanto, ficam na pessoa e fora do negócio. É claro, por outro lado, que os motivos poderão ser transpostos do agente para o próprio conteúdo do negócio e, então, naturalmente, passarão a fazer parte deste; nesse caso, se forem ilícitos, a ilicitude estará também no próprio objeto, e aí, como já há a regra específica da nulidade do negócio com objeto ilícito, não há mais necessidade de qualquer referência à causa ilícita. O problema da causa ilícita limita-se, portanto, exclusivamente, àqueles negócios, cuja motivação é ilícita e cujo objeto é lícito; ora, nesses casos, ainda que toda a jurisprudência e doutrina se decidam pela nulidade do negócio, não há base legal para tal.
O referido autor sugere que, para solucionar o problema da causa ilícita, o
ideal seria a inclusão de uma regra, a exemplo do Código Civil Alemão, que previsse
uma disposição para o negócio contrário à lei ou aos bons costumes, pois ele
entende ser necessário que a motivação se reflita no próprio negócio, não sendo
suficiente que apenas a motivação seja ilícita ou imoral.
Como exemplo de contrato com objeto lícito e motivação ilícita, pode-se
citar uma doação feita a um amante ou o compromisso de um homem casado pagar
uma pensão alimentícia a uma prostituta.
Para Gomes (2000, p. 55), “[...] se o propósito negocial é contrário à lei ou
à moral, a invalidação do contrato se justifica por ter causa ilícita ou imoral”.
Na opinião da autora desta dissertação, a causa, por opção do legislador,
propositadamente não foi adotada pelo Código Civil, seja ela lícita ou ilícita.
Igualmente, os motivos são irrelevantes, salvo, porém, em duas hipóteses: se
expresso como razão determinante, caso em que passam a integrar o contrato e
deixam de ter o status de meros motivos psicológicos; ou se forem ilícitos, caso em
que ensejam a nulidade do negócio.
O legislador não quis tutelar o contrato em que ambas as partes, cientes
da ilicitude de suas razões internas, ainda assim as estipularam como determinantes
para a conclusão do negócio.
44
Essa postura do legislador está em conformidade com a principiologia do
Código Civil, que determina, nos seus artigos 421 e 422, que a liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato e que os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Na mesma linha do Código Civil Brasileiro, o Código Civil Espanhol
também não deu relevância aos motivos, conforme se verifica dos ensinamentos de
Lasarte (2008, p. 33).19
A insistência em objetivar ou objetivizar a causa, em convertê-la na função socioeconômica do contrato, separada da causa de cada um dos contratantes, serve a duas finalidades fundamentais: a) Rastrear a causa do contrato em seu conjunto. b) Tornar independente a causa contratual dos motivos, móveis ou caprichos das partes. Como é fácil supor, a existência e a validade do contrato (lembre-se que estamos falando sobre os seus elementos essenciais), não podem restar subordinadas a móveis ou razões de caráter subjetivo que, em princípio, são irrelevantes para o Direito. Quem se importa se eu compro um vaso de plantas para presentear para minha mulher ou por encomenda do Reitor da Faculdade? Os motivos (ou intenções concretas das partes contratantes) não fazem parte do acordo contratual. Na melhor das hipóteses, são premissas do mesmo, porém irrelevantes na formação do contrato (Tradução da autora da dissertação).
Ressalte-se que a discussão sobre a causa, os motivos, a vontade e a
integração ou não de tais elementos aos contratos foi e, ainda hoje, é relevante,
tendo em vista que eles serviram de embasamento para a construção e para a
19 Texto original de Lasarte (2008, p. 33): “la insistência em objetivar u objetivizar la causa, em convertirla em la función
socioeconômica del contrato, desligándola de la causa de cada uno de los contratantes, persigue dos finalidades fundamentales:
a) Rastrear la cuasa del contrato em su conjunto. b) Independizar la causa contractual de los motivos, móviles o caprichos de las partes.
Como es fácil suponer, la existência y validez del contrato (recuérdese que estamos hablando de los elementos esenciales) no pueden quedar supeditadas amóviles o razones de carácter sujetivo que, por principio, son intrascendentes para el Derecho. Qué más da que yo compre uma maceta para regalársela a mi mujer o por encargo del Decano de la Facultad? Los motivos (o intenciones concretas de los contratantes) no Forman parte del acuerdo contractual. Em el mejor de los casos, son premisas del mismo, pero irrelevantes em la formación del contrato.
45
crítica das teorias desenvolvidas com o escopo de justificar quais circunstâncias
supervenientes autorizariam a revisão dos contratos.
5.1.2 O problema da causa
Assim como os motivos, a causa não é elemento do contrato. Conforme já
mencionado acima, Clóvis Beviláqua optou por não adotar a causa como condição
de validade dos atos jurídicos.
Questionava-se, à época da elaboração do Código Civil de 1916, se era
ou não necessária uma causa lícita na obrigação como condição de validade das
convenções. Campos Filho (s.d.,) justifica que Clóvis Beviláqua rejeitou a causa
como condição de validade por dois motivos: invencível dificuldade de precisa
conceituação e a não adoção pelos Códigos recentes àquela época.
Campos Filho (s.d.,) relata que a exclusão da causa, como requisito de
validade do negócio jurídico, no Projeto do Código Civil de 1916, foi objeto de
críticas por Amaro Cavalcanti, para o qual, embora fosse a causa uma presunção de
direito que não precisasse vir expressa, não deixava de constituir requisito de
validade da obrigação, e que assim vinha sendo reconhecido no direito civil de
vários povos, dentre eles o inglês e o alemão.
Em resposta às críticas, Campos Filho (s.d., p. 30) noticia que Clóvis
Beviláqua
[...] sustentou, então, arrimando-se a conhecida afirmação de Huc, que a noção de causa havia entrado para o Código Napoleão em virtude de verdadeiro qui pro quo filológico. Ainda no século XIII, quisera dizer Beaumanoir que não se constituía obrigações sem objeto, ou sem que o tivesse lícito. E empregara, para isso, o termo cose, do francês anterior ao de Racine, no sentido comum de “cousa” material, ou de “res”. O termo, porém, nas expressões sans coze, sur une fausse coze, ou sur coze illicite, juristas posteriores o teriam traduzido por “causa”, ensejando a Domat oportunidade e elementos para a complicada teoria que então construiu, tivesse embora, para isso, que torturar e deformar os textos romanos. Estes, realmente, não teriam deixado, segundo Clovis, de aludir às obrigações “sine causa”, mas o teriam feito apenas para dizer que ninguém pudera conservar como sua “coisa sobre a qual não tivesse título jurídico”. Da questão da causa, portanto, teria possivelmente cuidado o direito
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romano, mas o teria feito em matéria de posse, ou propriedade, nunca no campo do Direito das Obrigações. Sustentou, ainda, que, assim concebida por Domat, foi a teoria da causa esposada por Pothier e, afinal, acolhida pelo Código Napoleão, causando até estranheza que isso houvesse acontecido sem maior discussão do assunto “no momento da elaboração desse vasto campo de leis”. Assim agasalhada pelo grande monumento legislativo, fora natural – reflexiona Clóvis – que os seus comentadores procurassem justificá-la, arvorada, já então, a teoria em doutrina legal. “Mas que dispêndio de lógica e que esforço inaudito” – acentua o crítico – não foi necessário fazer-se “para explicar o inexplicável”, até que, primeiro na Holanda e depois na Bélgica, surgiram os primeiros protestos que, “encontrando eco na autoridade de Laurent, permitiram que a reação entrasse vitoriosa na França, sendo logo abraçada pelos maiores vultos da jurisprudência francesa contemporânea, entre os quais basta citar Theophilo Huc e Planiol”. Hoje – concluía o defensor do Projeto – pode-se afirmar que da jurisprudência francesa está inteiramente banida a questão da causa e que todos estão convencidos de que, onde o Código fala de causa, é como se falasse de objeto”.
Dentre os adeptos da Teoria Causalista, surgiram duas correntes para
explicar a natureza jurídica da causa: a chamada corrente subjetivista e a corrente
objetivista.
Segundo Gagliano (2009, p. 326),
[...] na trilha do pensamento da corrente subjetivista, a causa seria a razão determinante, a motivação típica do ato que se pratica, ou, como quer RÁO, é o fim imediato que determina a declaração de vontade. Nessa perspectiva, não há confundir-se a causa com o motivo (móvel subjetivo) da prática do ato, uma vez que este último, relegado ao plano psíquico do agente, é irrelevante para o direito. A corrente objetivista, por seu turno, não atrela a noção de causa ao aspecto interior, subjetivo ou finalístico. Preocupa-se mais, lembra Orlando Gomes, com a “significação social do negócio e sua função, desprendendo a noção de causa de sua conotação psicológica, que dificultava distingui-la da concepção subjetivista. Para os adeptos de tal teoria, rica em tons e matizes doutrinários, a causa seria a função econômica-jurídica do ato (ASCARELLI) ou a função prático-social do negócio jurídico reconhecida pelo Direito (CARIOTA FERRARA), de forma que o ordenamento só poderia tutelar aqueles atos socialmente úteis.
Além dos fundamentos trazidos por Clóvis Beviláqua, no sentido de que a
inserção da causa no Código Civil Francês se deveu a um erro de tradução, a Teoria
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Causalista foi alvo de críticas, pois não logrou êxito em abolir, de forma satisfatória,
a distinção entre causa e motivo. Campos Filho (s.d.,) relata que a concepção
subjetiva de causa parte do falso pressuposto de que intentos ou interesses
individuais podem justificar a tutela jurídica do negócio.
Em defesa da opção do legislador do Código Civil de 1916, seguida pelo
Código Civil de 2002, Campos Filho (s.d., p. 112) justifica o porquê da não inserção
da causa como elemento do contrato:
Diz-se, de uma coisa, que é “elemento” de outra quando participa de sua natureza, ou estrutura. E a causa dos atos humanos, sendo sempre uma finalidade a alcançar, não pode, por definição, fazer parte da natureza ou estrutura dos mesmos atos, sendo apenas algo que em parte os condicione, determine ou explique. Por isso mesmo já vimos, citando Francisco Invrea, que a “causa final se identifica substancialmente com o fim”; que é o próprio fim enquanto considerado como causa daquilo que se faz em vista dele. Ora, o fim visado ao se contrair uma obrigação, ao se concluir um contrato, aos se praticar um ato jurídico, não deve ser havido, necessariamente pelo menos, como “elemento” dessa mesma obrigação, desse mesmo contrato, ou desse ato jurídico. Poderá sê-lo, se assim o tiverem querido e manifestado os contratantes, ou agentes. Fora desse caso, porém, será apenas um pressuposto, ou um “prius”, da obrigação, do contrato, ou do ato, antecedente dele na ordem de intenção, embora seu conseqüente na de execução.
Por não ter adotado a causa como elemento do contrato20, verifica-se da
leitura do art. 90 do Código Civil de 1916 em comparação com o atual art. 140 do
Código Civil de 2002, que o legislador reviu a terminologia do antigo diploma e
substituiu a palavra causa por motivo, conforme se transcreve.
Art. 90 do Código Civil de 1916: Só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição. Art. 140 do Código Civil de 2002: O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.
20 Gomes (2000, p. 55) esclarece que a dificuldade de conceituação da causa levou alguns juristas a substituí-la pela noção
de móvel, que incita a parte a concluir o contrato. Fiuza (2006, p. 401) conceitua causa como a “[...] atribuição jurídica do negócio, relacionada ao fim prático que se obtém como decorrência dele. Responde à pergunta ‘para que serve o contrato’?”. Para Roppo (2009, p. 197), “[...] a causa do contrato identifica-se, então, afinal, com a operação jurídico-econômica realizada tipicamente por cada contrato com o conjunto dos resultados e dos efeitos essenciais que tipicamente, dele derivam, com a sua função econômico-social, como freqüentemente se diz. Causa de qualquer compra e venda é, assim, a troca pelo preço; causa de qualquer locação é a troca entre entregas periódicas de dinheiro e concessão do uso de um bem [...]”.
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Dessa forma, resta claro que o Código Civil de 2002, seguindo o de 1916,
optou também por não incluir a causa como elemento do contrato.
5.1.3 A vontade contratual
Segundo Pereira (1997, p. 7) “[...] o contrato é um acordo de vontades, na
conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar,
modificar ou extinguir direitos”. De forma resumida, o referido autor conceitua o
contrato como “o acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”.
Observe-se que, no conceito de contrato, a vontade, ou melhor, o acordo
de vontades, aparece como a base de formação do instituto.
Durante muitos anos defendeu-se que a vontade era a essência do
negócio jurídico. Buscando explicar a manifestação volitiva como fonte de obrigação,
duas teorias foram desenvolvidas na Alemanha: a primeira denominada Teoria
Voluntarista ou Subjetivista (Willenstheorie) e a segunda denominada Teoria da
Declaração ou Objetivista (Erklärungstheorie).
Os defensores da Teoria Voluntarista sustentavam, em linhas gerais, que
o núcleo existencial do negócio jurídico seria a vontade interna, ou seja, a intenção.
O negócio jurídico, portanto, se traduziria na intenção. Os adeptos da Teoria da
Declaração, por sua vez, defendiam que o núcleo do negócio jurídico seria, em
verdade, a vontade declarada, externalizada.
Segundo Costa (2007, p. 63),
[...] a teoria da vontade tem como ponto capital a vontade interna do agente, ao passo que sua oponente estaqueia o núcleo central do negócio jurídico na vontade declarada do agente, como forma de trazer mais segurança ao comércio jurídico ante as dificuldades que surgiriam se a todo momento fosse necessário recorrer à dificílima pesquisa do impulso volitivo interno, psíquico, que levou o agente a exprimir aquela manifestação de vontade. A teoria da vontade que teve em Savigny e Windscheid fervorosos defensores, pugna pela prevalência interna do estado anímico que levou o agente a emitir a declaração de vontade, de tal arte que em havendo contradição entre a vontade interna do agente e a vontade afinal declarada deve prevalecer a primeira desprezando-se a segunda.
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A teoria que exerceu maior influência no Código Civil Brasileiro foi a
Voluntarista, manifestada no art. 112, embora o nosso Código Civil tenha sofrido
também a influência da Teoria da Declaração, conforme se verifica do seu art. 111.
Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.
Art. 112 do Código Civil: Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem.
Não se pode dizer que as duas teorias sejam antagônicas. O negócio
jurídico válido pressupõe a conjugação da vontade interna e da vontade declarada.
Se constatada uma desarmonia entre o que se quer e o que se declara, está-se
diante de um provável vício da vontade.
Silva (2008, p. 31) observa que nos contratos de massa, em que a oferta
é direcionada a consumidores indeterminados, é necessária uma releitura da
vontade das partes. Mas, mesmo em tais casos, permanece invicta a sua relevância.
É manifesto, assim, que a autonomia da vontade e a teoria das fontes das obrigações, que com ela se vincula, se encontram em período de transformação e de reelaboração dogmática. De um lado, a intervenção estatal, os atos de planificação e os formativos de direitos privados e, de outro, a tipificação social, e sobretudo os atos jurídicos de caráter existencial, forçaram a revisão dos conceitos. Não se conclua, porém, que a vontade foi relegada a segundo plano. Ela continua a ocupar lugar de relevo dentro da ordem jurídica privada, mas, a seu lado, a dogmática moderna admite a jurisdicização de certos interesses, em cujo núcleo não se manifesta o aspecto volitivo. Da vontade e desses interesses juridicamente valorizados dever-se-ão deduzir as regras que formam a dogmática atual.
Humberto Teodoro Júnior (2002, p. 316), na palestra que proferiu no VI
Seminário de Estudos sobre o Novo Código Civil, manifestou seu entendimento no
sentido de que a teoria que maior influência exerceu no Código Civil de 2002 não foi
50
a voluntarista nem a da declaração, mas a denominada Teoria da Confiança, que foi
desenvolvida posteriormente para tutelar, além da vontade do declarante, o
interesse daqueles que confiam na segurança das relações jurídicas.
Em toda a celeuma gerada pela luta entre teoria da vontade e teoria da declaração, o novo Código, ao disciplinar genericamente os vícios de consentimento tomou, apenas em aparência, partido da defesa da vontade real, permitindo a anulação dos negócios em que o consentimento não for livre e conscientemente manifestado (coação, dolo, lesão, estado de perigo). [...] No entanto, até mesmo no campo do dolo e da coação, o regime do atual Código, prestigia a teoria da confiança e não dispensa a culpa do beneficiário para a configuração do vício de consentimento. Se o ardil ou a ameaça tiverem sido praticados por estranho e não pela parte do contrato que deles se beneficia, a anulação somente será possível quando esta deles tiver tido conhecimento ou condições de conhecê-los (arts. 148 e 154).
Em que pesem a vontade e a declaração de vontade não estarem
expressamente indicadas como requisito de validade, a doutrina as aponta como
elemento do negócio jurídico21:
Segundo Azevedo (2008, p. 83),
[...] somente a declaração de vontade é elemento do negócio jurídico (plano de existência). Mesmo sem vontade, o negócio existe, e apenas poderá acontecer de ser nulo ou anulável (plano de validade), ou de não produzir efeitos (plano de eficácia – em que a vontade age principalmente através da interpretação).22
Em decorrência da relevância da vontade na formação e execução dos
contratos, seja ela interna ou declarada, é natural que ela tenha ocupado papel de
21 Gagliano (2009, p. 322) enumera como elementos constitutivos do negócio jurídico, sem os quais nenhum negócio jurídico
existe, a manifestação da vontade, o agente emissor da vontade, o objeto e a forma. Para Roppo (2009, p. 93), “[...] a proposta e a aceitação de um contrato são declarações de vontade, dizendo-se geralmente que o contrato resulta do encontro ou da fusão das vontades das partes. Mas para ser juridicamente relevante e produzir efeitos jurídicos, a vontade – que, de per si, não é mais que um modo de ser da psique, como tal não cognoscível e não comprovável objectivamente – deve ser tornada socialmente conhecida, deve ser declarada ou pelo menos manifestada para o exterior.
22 Para Marques (2006, p. 54), tanto a vontade quanto a declaração de vontade são elementos do contrato. Segundo ela “[...] na teoria do direito, a concepção clássica de contrato está diretamente ligada à doutrina da autonomia da vontade e ao seu reflexo mais importante, qual seja o dogma da liberdade contratual. Para esta concepção, portanto, a vontade dos contratantes, declarada ou interna, é o elemento principal do contrato. A vontade representa não só a gênesis, como também a legitimação do contrato e de seu poder vinculante e obrigatório”.
51
destaque na busca de fundamentos que servissem de base para a revisão dos
contratos.
De acordo com Moraes (2001, p. 31),
[...] as doutrinas que fundamentam a cláusula rebus sic stantibus, ou figuras similares, na análise da vontade contratual, consideram que as partes, ainda que tacitamente, quereriam a revisão contratual caso o estado de fato, baseado no qual elas declararam sua vontade, tivesse se mudado de maneira imprevisível e profunda. Afinal, ao se comprometerem a uma prestação, sua vontade pressupunha um determinado estado de coisas.
Tiveram a vontade como fundamento as seguintes teorias: Teoria da
Pressuposição, Teoria da Vontade Marginal, Teoria da Base do Negócio, Teoria do
Erro, Teoria da Situação Extraordinária e Teoria do Dever de Esforço. Em que
pesem a relevância e a contribuição de cada uma dessas teorias, limitar-se-á neste
trabalho, à abordagem da Teoria da Pressuposição e da Base do Negócio Jurídico,
por serem as que interessam diretamente ao objeto deste estudo.
Na Teoria da Pressuposição, a comum representação das partes deu
relevo essencialmente à vontade interna, seguindo a linha da Willenstheorie. Mas a
vontade, nessa teoria, ora se confundia com os motivos, elementos subjetivos ou
psicológicos, ora com a causa, operação jurídico-econômica relacionada ao fim
prático que se obtém como decorrência do negócio. Daí as críticas que, como visto,
lhe foram dirigidas.
Tal indefinição, somada ao fato de que a pressuposição poderia ser
unilateral e tácita, ocasionava grande insegurança na adoção dessa teoria.
Na Teoria da Base do Negócio Jurídico de Paul Oertmann e de Karl
Larenz, como será abordado adiante, passa-se a exigir que a pressuposição seja
bilateral e, ainda, que a vontade seja manifestada, seguindo a Teoria da Declaração,
ou Erklärungstheorie.
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6 TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO DE PAUL OERTMA NN
Partindo da Pressuposição, Paul Oertmann, em 1921, reformulou a teoria
de Windscheid e desenvolveu a chamada Teoria da Base do Negócio Jurídico, por
meio do qual pretendeu corrigir os dois maiores equívocos do seu antecessor.
Paul Oertmann se propôs a elucidar, em sua teoria, a distinção entre a
pressuposição e os motivos, além de ter o mérito de desconsiderar a pressuposição
unilateral.
Nesse sentido, pondera Sidou (1978, p. 41-42).
O método consiste essencialmente na análise psicológica do conteúdo da vontade e das representações mentais das partes contratantes. Explica seu autor constituir “base do negócio” a manifestação mental de cada uma das partes no momento da conclusão do ajuste, conhecida na globalidade e não repelida pela outra parte, ou a comum intenção quanto ao que está exteriorizado e quanto ao que possa sobrevir. Se um negócio é concluído em obediência a determinada condição, ambas as partes sabem que aquela condição é mutável por fatores supervenientes, em face dos quais qualquer delas pode escusar-se ou exonerar-se sem violentação da vontade do parceiro, uma vez que já o previa. A diferença entre a teoria da pressuposição, tal como a montou Windscheid, e o substitutivo do também notável jurisconsulto alemão Oertmann está em que naquela a pressuposição é unilateral, ou de uma só das partes, ao passo que a ‘teoria da base do negócio jurídico’ assenta não em reservas mentais isoladas, mas erige a pressuposição como um de seus fatores, como intenções subjetivas recíprocas. Trata-se agora de uma pressuposição, melhor dizer, um subentendimento bilateral.
Menezes Cordeiro (2007, p. 1033) resume a construção teórica de Paul
Oertmann, concluindo que a teoria deve ser entendida como Base do Negócio
Subjetiva, conforme se transcreve a seguir.
O. explica que os negócios se firmam sobre certos fundamentos – certa base – que não podem ser ignorados sem formalismo. Esses fundamentos são menos que os motivos: não conduzem à decisão de contratar tendo, quando muito, o alcance negativo de que, sem eles, não se teria contratado; por outro lado, enquanto o motivo é algo unilateral, que só por coincidência rara é compartilhado entre as partes, os fundamentos representam uma realidade meramente psicológica, que se prende, quando muito, apenas a uma declaração negocial e não ao contrato no seu todo. Tão pouco, porém,
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ela surgiria como parte do conteúdo contratual, por não ser querida, com consciência como tal, pelas partes, expressa ou tacitamente, ou corresponderia a uma limitação da vontade das partes. Colocando a questão decisiva de saber se se trata de algo subjetivo, i. e., posto pelas partes, ou de objetivo, O. opta decisivamente pela primeira hipótese, por duas razões: sendo objetivo, posto pelo Direito, perder-se-ia na doutrina da conclusão do contrato; por outro lado, como o conteúdo e o objeto do negócio são determinados pelas partes, só delas pode depender que as circunstâncias constituam, para elas, o fundamento negocial.
Oliveira (1968, p. 99) também analisou essa nova formulação, conforme
se transcreve.
Que é base do negócio? Paul Oertmann explica que ela “consiste na representação mental de uma das partes no momento da conclusão do negócio jurídico, conhecida na sua integridade e não repelida pela outra parte, ou a comum representação das diversas partes sobre a existência ou aparição de certas circunstâncias, em que se baseia a vontade negocial.
[...] distingue-se esta teoria da de Windscheid porque esta é parte de uma declaração isolada, não do ato negocial bilateral, ao passo que a teoria de Oertmann refere-se, não à declaração isolada, mas ao negócio como um todo. Desaparece, continua, a base do negócio objetivo quando se destrói a relação de equivalência das prestações até um ponto tal que o contrato não pode considerar-se mais razoavelmente como contrato bilateral.
[...] Quando, depois de concluído o contrato em virtude de fatos imprevistos, a “base do negócio” desaparece, o contrato não corresponde mais à vontade das partes. O juiz deve, neste caso, intervir readaptando-o à vontade das partes ou resolvendo-o.
[...] E, para explicar o que seja base do negócio lança – Oertmann – mão de um exemplo que deverá esclarecer melhor a questão:
A e B comerciam na mesma praça e no mesmo ramo. Todavia A não quer concorrente e propõe a B o afastamento deste do comércio mediante certa quantia, paga periodicamente. Fechado o negócio, B retira-se do comércio e começa a receber o prometido. Acontece que A resolve deixar suas atividades comerciais. “Quid juris?” Consoante Oertmann, A não mais é obrigado a pagar as prestações prometidas e B pode voltar a comerciar porque houve modificação das circunstâncias que os levaram a contratar e a avença não mais representa o que era querido pelas partes: evitar a concorrência.
Não parece razoável que se possa alterar um contrato tão-somente
porque uma das partes mudou interna e unilateralmente as suas intenções,
manifestadas em um contrato validamente firmado.
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No exemplo acima, verifica-se que não houve nenhum fator externo ou
qualquer circunstância que justificasse a mudança de postura de A. Este, por sua
conta e risco, devido a razões pessoais e posteriores ao ajuste, resolveu alterar as
condições livremente ajustadas. Por qual razão deveria B se submeter a esse novo
ajuste e alterar as condições do contrato?
O exemplo dado pelo próprio Paul Oertmann demonstra que essa teoria
também falhou na tentativa de solucionar o problema de alterações supervenientes,
na medida em que instituiu uma base demasiadamente subjetiva, da qual estaria a
depender todo o negócio.
Outro ponto a ser considerado como deficiente na teoria de Paul
Oertmann reside no fato de que a representação mental deve ser conhecida na sua
integridade e não repelida pela outra parte, exigindo-se uma atitude de insurgência
do declaratário, sob pena de a representação comunicada integrar o negócio
jurídico.
Pelas razões acima expostas, entende-se que a teoria de Paul Oertmann
é a Teoria da Base Subjetiva do Negócio Jurídico. Não se ignora a importância da
vontade na formação dos contratos. Todavia, Paul Oertmann, na mesma linha de
Bernhard Windscheid, concentrou demasiadamente o desenvolvimento de sua teoria
em torno dos sujeitos, ou melhor, dos motivos que os levaram a contratar.
Base subjetiva do negócio jurídico para Paul Oertmann é, portanto, o que
levou as partes a concluirem o contrato, ou o que as partes haviam suposto para
concluí-lo. Pontes de Miranda (1959, p. 222) contextualiza a Teoria da Base
Subjetiva nos seguintes termos:
[...] todo negócio jurídico se concebe dentro de momento histórico-social, econômico e político, de modo que as circunstâncias gerais entram por muito no seu conteúdo. Se alguma alteração total ou radical sobrevém que se há de ter como tal que o declarante ou os declarantes não teriam feito a declaração, ou não teriam feito as declarações, que fizeram, se as tivessem previsto, seria despótico submeter o figurante ou submeter os figurantes à inflexibilidade dos deveres e obrigações, a despeito de tão profunda mudança. A psique humana mergulha em espaço social, cheio de relações, e das representações que têm no momento é que os homens partem para as suas atividades dispositivas e aquisitivas, bem como para quaisquer outras atividades. Tal a teoria da base subjetiva.
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Ao criticar a teoria de Paul Oertmann, Larenz trabalha com o exemplo de
uma compra e venda, na qual o pai comunica ao vendedor que está adquirindo o
enxoval para a sua filha, ou seja, ele comunica ao vendedor os motivos da compra.
O fato de o vendedor guardar silêncio sobre isso não converte os motivos do
comprador em base do negócio decisiva para ambas as partes.
Larenz (2002, p. 21) faz o seguinte questionamento: qual pretexto teria o
vendedor para refutar a representação do pai sobre o iminente matrimônio de sua
filha, enquanto o comprador não intente estabelecer como condição do contrato de
compra e venda a realização do matrimônio? Mesmo que o vendedor tivesse
duvidado da exatidão da representação do comprador, não seria necessário que
manifestasse suas dúvidas.
Se não teve nenhum pretexto para duvidar da exatidão da representação que lhe comunicou a outra parte, porque teria de rechaçá-la? Se não se pode contar com nenhuma exteriorização de vontade, não se pode interpretar o silêncio, a falta de rechaçamento, como consentimento. Só se pode esperar um consentimento ou uma negação, ou seja, a manifestação de uma opinião, quando a outra parte declare que quer comprar unicamente sob uma determinada pressuposição23. (Tradução da autora desta dissertação)
Sobre as imperfeições da teoria Oertmanniana, veja-se a análise de
Pontes de Miranda (1959, p. 228).
Observe-se que a teoria da base do negócio jurídico atribui ao silêncio do figurante que não refusou a representação mental do outro ser manifestação de vontade consentinte (idem, Eugen Locher, Geschäftsgrundlage und Geschäftsweck, Archiv für die civilistische Praxis, 121, 67). Os perigos de tal recepção do silêncio como elemento do suporte fáctico do negócio jurídico, sem haver dever de responder ou de manifestar vontade, são evidentes. Tanto mais quanto, nem na teoria de Paul Oertmann, nem na B. Windscheid, se exige que o figurante de que parte a pressuposição, ou a base, haja dito que somente quer concluir negócio jurídico em que se atendam as circunstâncias futuras. Se entendemos que tal atitude tem de ser assumida, estamos a compor o conteúdo do negócio jurídico, e são supérfluas, sobre serem fora do sistema, as teorias que procuram resolver o problema das circunstâncias extraordinárias com conceito que não cabe no conteúdo do negócio jurídico. Estariam a explorar
23 Texto de Larenz (2002, p. 21): “Si no tuvo ningún pretexto para dudar de la exactitud de la representación que le comunicó
la outra parte, por qué tenia que rechazarla? Si no puede contarse con ninguna exteriorización de la voluntad, el silencio, la falta de rechazamiento, no puede interpretarse como asentimiento. Un asentimiento o una negación, o sea, la manifestación de una opinión, sólo puede esperarse cuando la outra parte declare que quiere comprar únicamente bajo uma determinada presuposición.
56
terreno entre o motivo e a condição abarcante do negócio jurídico, ou em torno deles. Aprofundando a escavação, tem de encontrar, no fundo, aquele ou essa. A investigação de B. Windscheid era entre os dois, e nisso teve razão a crítica de Paul Oertmann; a de Paul Oertmann, em torno. Mas ambas não encontraram mais do que já se conhecia, ou caíram em digressão de iure condendo, sem o confessarem.
Menezes Cordeiro (2007, p. 1044) assevera que a Teoria da Base de
Oertmann pecou por recorrer às partes e à sua vontade, incorrendo no mesmo erro
de Bernhard Windscheid.
Perante uma alteração concreta, a base do negócio oertmanniana não diz, a nenhum juiz, se deve averiguar a situação psicológica real das partes, se deve procurar representações típicas em termos de normalidade, se deve retocar ou suprimir um contrato em nome do processo funcional da prossecução do seu próprio fim ou se, numa integração coletiva, deve estudar as repercussões do contrato atingido, no seio do espaço jurídico. A alteração das circunstâncias é isto tudo; a base do negócio a tudo cobre e a nada responde.
Como visto acima, para Paul Oertmann, o contrato deveria ser mantido da
forma como as partes o imaginaram. Ocorre que geralmente as partes não
atentaram para determinadas situações, de que sequer chegaram a cogitar, a
exemplo de uma instabilidade da moeda ou da economia. Por que razão então
pretender a revisão do contrato com fundamento na prevalência de uma vontade
que não chegou a ser considerada?
Para a construção de uma sistemática articulada, Menezes Cordeiro
(2007, p. 1044) sustenta que é imperiosa a superação do dogma da vontade, pois a
esta não se pode imputar aquilo que, por desconhecimento, ela nunca poderia ter
querido.
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7 TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO DE KARL LARENZ
Larenz (2002, p. 3), na sua obra: Base do negócio jurídico e cumprimento
dos contratos, procura construir uma teoria que seja completa e adequada para
solucionar os problemas decorrentes de um contrato cujas circunstâncias tenham
sofrido alteração superveniente.
Com base em estudos de casos e em uma análise minuciosa de diversas
decisões proferidas pelos tribunais alemães, ele critica seu antecessor, Paul
Oertmann, e se propõe a fixar as diretrizes que devem ser seguidas pela
jurisprudência. Para ele, competia à doutrina estabelecer as condições que
autorizariam o Estado-juiz a intervir no contrato.
É a sua proposta, conforme se transcreve.
Por conseguinte, a jurisprudência necessita de diretrizes concretas, de validade geral, nas quais se expresse este ordenamento e se esboce a decisão acertada. A renúncia a estas diretrizes obrigatórias e o que se sentencia apenas conforme a equidade pode-se, portanto, considerar um desenvolvimento normal da jurisprudência somente como uma “ultima ratio” ou como uma solução extrema para uma situação que, por outro modo, não poderia ser resolvida. Antes de proceder assim ter-se-ia que considerar se não seria possível alcançar para determinados casos, típicos por causa de sua freqüente repetição, alguns princípios que serviram de base para a decisão, os quais não teriam origem na lei ou em sentenças anteriores, mas na natureza das coisas e em uma observação crítica e comparativa da jurisprudência de um amplo período e de diversos ordenamentos jurídicos. Preparar o terreno para ela e ajudar a jurisprudência a fazê-lo é tanto um direito como um dever da Ciência do Direito, a qual se destruiria a si mesma se renunciasse a esta tarefa. (Tradução da autora da dissertação)24
É importante ressaltar que Larenz (2002, p. 3) desenvolveu sua teoria em
um momento em que se buscava uma construção doutrinária sem recurso às
normas abertas, deixando aos juízes pouco espaço interpretativo.
24 Texto de Larenz (2002, p. 3). “Por conseguiente, la jurisprudência necesita diretrices concretas, de validez general, en las
cuales se exprese este ordenamiento y se esboce la decisión acertada. La renuncia a estas diretrices obligatorias y el que se sentencie solo conforme a la equidad pueden, por tanto, considerarse en el desarrollo normal de la jurisprudencia solo como ultima ratio o como solución extrema de una situación que de outro modo no prodía resolverse. Antes de proceder así habría que examinar si no podrían obtenerse para casos determinados, típicos por su frecuente repetición, ciertos princípios em que basar la decisión, los cuales procederían, já que no de la ley ni de sentencias previas, de la naturaleza de las cosas y de una observación crítica y comparativa de la jurisprudência de un amplio período y de diversos ordenamientos jurídicos. Preparar el terreno para ello y ayudar a la jursiprudencia a hacerlo es tanto um derecho como un deber de la Ciencia del Derecho, la cual se destruiria a si misma si renunciase a esta tarea.”
58
Menke (2004, p. 120) esclarece que, apesar de a Alemanha ter
apresentado condições propícias para que as cláusulas gerais fossem utilizadas,
devido à crise inflacionária sentida após a Primeira Grande Guerra Mundial, sua
aceitação naquele país jamais foi unânime, notadamente em razão da simpatia que
a técnica legislativa da boa-fé alcançou junto aos nazistas.
Ainda em 1933, exatamente no ano de ascensão ao poder do partido nacional-socialista, Justus Hedemann, na clássica e oportuna obra, Die Flucht in di Generalklauseln – eine Gefahr für Recht und Staat (A fuga para as cláusulas gerais – Um perigo para o direito e para o Estado), alertava para as potenciais ameaças de tal técnica legislativa. Lutz Mager afirma que, assim como hoje em dia cláusulas gerais servem como porta de entrada de valores constitucionais, na época do nacional-socialismo elas foram utilizadas como janela de abertura para a concepção valorativa do momento, especialmente para as teorias raciais. John Dawson – em extenso e cuidadoso trabalho que trata da aplicação das cláusulas gerais de boa-fé e dos negócios jurídicos contrários aos bons costumes no direito alemão – salienta que do amplo espectro de questões nas quais o Führer havia editado legislação ou ordens pessoais, exigia-se estrita obediência dos juízes, da mesma forma que se fazia com qualquer pessoa normal. Adiante, aponta que as lideranças do regime viam com bons olhos as cláusulas gerais e a extensão de poder que conferiam aos magistrados, desde que a “boa-fé” e os “bons costumes” pudessem assimilar a ideologia reinante no momento .
Em diversas passagens de sua obra, Larenz (2002, p. 2) critica o uso
excessivo do recurso à boa-fé e da repartição dos custos entre as partes. Para ele, o
amparo judicial para a revisão dos contratos não deveria ser admitido, em caráter
geral, com base no § 242 do Código Civil Alemão.
Basta aqui observar que, sob o prisma do amparo judicial para a revisão dos contratos, a nova fixação do dever de prestação deve realizar-se de acordo com o princípio da equidade e tendo em conta todas as circunstâncias individuais dos interessados. Aquele que acredita que isto é precisamente o que exige o princípio do § 242, deve fazer as conseqüências jurídicas do desaparecimento da base do negócio depender de um amparo judicial para a revisão de contratos com base no § 242 do Código Civil, que o abrange a todos e não está sujeito a nenhum requisito especial de fato. Salvo engano, este é o objetivo ao qual tende atualmente não só parte da doutrina, mas também a jurisprudência. Não acredito que esta evolução seja afortunada; mas vejo nela uma grave ameaça, não somente para a manutenção do mínimo indispensável de
59
segurança jurídica, mas também à manutenção do prestígio da jurisprudência e ciência do Direito alemãs25.
Moraes, (2001) pontua que entre nós os autores que foram influenciados
pela pandectística alemã, a exemplo de Pontes de Miranda e Orlando Gomes,
também encararam com dificuldade a utilização de conceitos de equidade e justiça.
Isso porque a escola pandectista buscava noções científicas puras e dedutivas,
rejeitando a utilização de conceitos indeterminados.
Bernhard Windscheid, criador da Teoria da Pressuposição, é o
responsável também pelo surgimento da escola pandectista, sendo o autor da obra
Tratado dos pandectas, que recebeu essa denominação por pesquisar os Pandectas
ou Digesto de Justiniado (BITTAR E ALMEIDA, 2010).
A partir do direito comum romano, passaram os pandectistas a extrair
princípios fixos e conceitos. A partir desses conceitos, foram desenvolvidas as
codificações organizadas de forma que um conceito se submetia ao outro. É
característica do Pandectismo a compreensão dos dispositivos legais mediante a
cuidadosa pesquisa da vontade do legislador.
7.1 Base subjetiva
A construção teórica de Larenz (2002, p. 34) se diferencia das anteriores
por ter separado a análise da base do negócio em duas acepções: uma subjetiva e a
outra objetiva. Ele entendia ser necessário diferenciar os pressupostos de fato e as
consequências jurídicas de cada uma dessas acepções, pois a jurisprudência não
aceitaria uma teoria unitária, que abrangesse todos os casos de desaparição
relevante da base do negócio.
25 Original do texto de Larenz (2002, p.2). “Baste aqui señalar que, dentro del amparo judicial para la revisión de contratos, la
nueva fijación del deber de prestación ha de realizarse de acuerdo com el principio de la equidad y teniendo en cuenta todas las circunstancias individuales de los interesados. El que crea que esto es precisamente lo que exige el principio del § 242, tiene que hacer depender las consecuencias jurídicas de la desaparición de la base del negocio de um amparo judicial para la revisión de contratos con base en el § 242 del Código civil, que lo comprende a todos y no está sujeito a ningún requisito especial de hecho. Si no me equivoco, este es el objetivo al que tiende actualmente no solo parte de la doctrina, sino también la jurisprudência. Yo no creo que esta evolución sea afortunada; más bien veo en ella un grave peligro, no solo para el mantenimiento del mínimum indispensable de seguridad jurídica, sino también para el mantenimiento del prestigio de la jurisprudência y ciência del Derecho alemanas.”
60
Os pressupostos de fato da base subjetiva e objetiva do negócio têm que ser regulados separadamente, ainda mais levando-se em conta que do ponto de vista da dogmática jurídica pertencem a tratados diversos. A base subjetiva do negócio enquadra-se, como dissemos, no campo dos motivos e deve se conceber juridicamente dentro da teoria do erro nos motivos e dos vícios do consentimento. A base objetiva do negócio, ao contrário, se refere à questão da possibilidade de realizar-se o fim do contrato e a intenção conjunta das partes contratantes; deve ser estudada na teoria da incapacidade, da posterior impossibilidade e da consecução do fim.
É importante ressaltar que o Código Civil Alemão, diferentemente do
nosso Código, não contemplava, à época em que Larenz (2002, p. 37) desenvolveu
a sua teoria, tratamento específico para a disciplina do erro e de outros vícios nos
negócios jurídicos. A diferenciação entre base subjetiva e objetiva foi construída
para suprir a ausência de normas específicas no BGB, já que as consequências da
quebra da base em razão de circunstâncias subjetivas e objetivas requerem
tratamento diverso.
Veja-se em que consiste a base subjetiva do negócio jurídico para Larenz
(2002, p. 37).
Entendemos por base subjetiva do negócio aquela comum representação mental dos contratantes pela qual ambos se deixaram guiar ao fixar o conteúdo do contrato. A representação tem que haver induzido não a uma, mas a ambas as partes a concluir o contrato. Se a representação não se realiza, cada uma das partes incorreu em erro nos motivos, que se refere a uma situação de fato por ambas admitida, ou seja, uma pressuposição comum a ambas. A análise jurídica destes casos há de partir, por conseguinte, da disciplina geral do erro nos motivos (o qual é, em regra, unilateral).
Como exemplos de recíproco erro nos motivos, isto é, de erro mútuo
sobre a base do contrato, decisiva, em igual medida, para ambas as partes, Larenz
(2002) descreve os seguintes casos:
a) Caso dos Rublos: em 1920, a demandante havia emprestado em
Moscou 30.000 rublos ao demandado para seu retorno do cativeiro ao término da
61
guerra alemã. Ambos acreditavam que o câmbio do rublo era de 25 pfennig. O
demandado emitiu um recibo a favor do demandante no qual declarava dever 7.500
marcos recebidos em razão do empréstimo. Ocorre que o câmbio do rublo era de
apenas 1 pfennig. O demandado ofereceu em pagamento apenas 300 marcos, mas
o demandante pleiteou 7.500.
b) Casos da Cotação de Ações:
b.1) o demandante informou ao Banco/demandado que a cotação do dia
de um determinado título/valor era 340/42. Em decorrência disso, o demandante deu
ordem de comprar, no máximo, a 342. Ocorre que a cotação era na realidade 437 ½.
O banco comprou o mesmo e informou ao demandante, por equívoco, que havia
comprado a 337 ½.
b.2) o demandado havia encarregado o banco/demandante, em 1924, de
comprar, da melhor maneira possível, determinados títulos hipotecários por um valor
de 400.000 marcos. O boletim oficial de cotações fixava, em razão de um erro de
impressão, uma cotação desses títulos que era mil vezes inferior à real. O saldo a
favor do demandado, que importava tão somente 796 marcos ouro, cobria a aquisição
pela cotação hipotética, porém não pela cotação real. O banco, apesar disso, cumpriu
o encargo e exigiu que os títulos fossem reconhecidos e fosse pago o preço por ele
desembolsado.
c) Venda do ferro velho: a demandada vendeu ao demandante seu
depósito de ferro velho da seguinte forma – as partes deviam calcular o peso dos
lotes respectivos e depois averiguar o preço total, tomando por base o preço ordinário
das diversas classes de metal. A demandada impugnou o contrato, afirmando que
uma quantidade de ferro velho que as partes haviam fixado em 40 vagões
compreendia, na realidade, 80 vagões. O cálculo do preço foi objeto das declarações
jurídico-negociais e, desse modo, conteúdo do contrato.
d) Caso da prata: a demandada vendeu à demandante 200 kg de prata de
1.000 milésimas a 360 marcos o kilo. Aquela havia oferecido, nas negociações
contratuais, 200 kilos de prata de 800 milésimas ao preço de 320 marcos. Como a
demandante desejava prata de 1.000 milésimas, o agente da demandante calculou o
preço da prata na presença da demandante, partindo do pressuposto de que 320
marcos era o preço da prata de 800 milésimas, porém, por um erro de cálculo, o fixou
em 360 marcos no lugar de 400 marcos. Esse cálculo foi objeto das negociações
contratuais decisivas, e o preço pedido foi fixado mediante tais cálculos.
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Os exemplos acima caracterizam a seguinte situação para Larenz (2002):
1) as partes agiram na suposição de que existia uma situação de fato determinada;
2) ambas concluíram o contrato em consideração a que essa situação de fato
existia, de tal modo que nenhuma delas – supondo um leal proceder – teria
concluído o contrato, se tivesse conhecido a verdadeira situação, tal como o fizeram.
Essa situação de fato bilateralmente admitida é, para Larenz (2002), a base do
negócio subjetiva, a que precisamente se refere a base da transação juridicamente
relevante. Se falta ou desaparece a base do negócio subjetiva, o contrato é ineficaz.
De início, cumpre observar as seguintes definições de extrema
importância para a interpretação da definição de base subjetiva. Para ser
considerada base subjetiva relevante, a representação tem que ser comum aos
contratantes. Essa comum representação deve ter sido considerada para concluir o
contrato e deve influir na decisão de ambos.
Essa comum representação são as razões internas, os motivos que
impulsionam as partes a praticar o ato. Não basta, portanto, que os motivos que
levam as partes a contratarem sejam conhecidos, é necessário que esses motivos
sejam aceitos por elas como determinantes para que os agentes realizem o negócio.
É exatamente o que o nosso Código Civil adota no já citado art. 90, o qual se aplica
também ao Código de Defesa do Consumidor.
Dessa forma, a representação mental, desenvolvida pelos seus
antecessores Bernhard Windscheid e Paul Oertmann, foi considerada na teoria de
Karl Larenz, mas tão-somente se for ela bilateral.
As Teorias da Pressuposição e da Base de Paul Oertmann deram
relevância demais à intenção das partes, aos motivos psicológicos que levaram as
partes a contratar, independentemente da aceitação destes pela outra contratante.
Como se viu, o nosso direito civil, em regra, é averso à busca dos motivos, salvo na
hipótese de causa ilícita ou motivos eleitos pelas partes como determinantes, caso
em que integram o contrato.
Larenz (2002, p. 88) corrigiu os inconvenientes da representação mental
unilateral, que foi a principal falha apontada nas teorias anteriores, pois permitia à
parte que tivesse eleito determinada condição como base do negócio, em caso de
alteração das circunstâncias, a possibilidade de rever o contrato, sem que
necessariamente a outra parte houvesse expressamente aceitado essa condição
como base do negócio, causando verdadeira instabilidade.
63
Era injusto e desprovido de razoabilidade pretender que o declaratário
suportasse o desfazimento do negócio tão-somente porque tinha ciência dos
motivos. Se o motivo não foi manifestado como determinante para a celebração do
contrato, ou se a eficácia do negócio não estava vinculada à condição, não se
poderia pretender a alteração ou rescisão do contrato com base na quebra da base
do negócio jurídico.
Veja-se a definição de base subjetiva juridicamente relevante de Larenz
(2002, p. 88):
[...] por base subjetiva juridicamente relevante do negócio, entendemos a comum representação dos contratantes da qual tenham partido ao concluir o contrato e que tenha influenciado na decisão de ambos. Esta representação pode referir-se a uma circunstância considerada como existente ou esperada no futuro. Porém, tem que se tratar de uma determinada representação ou expectativa; não é suficiente a simples falta de expectativa de uma posterior variação das circunstâncias existentes na conclusão do contrato. A representação ou expectativa tem, ademais, que ter sido decisiva para ambas as partes no sentido de que ambas – supondo um leal modo de proceder – não teriam concluído o contrato ou não teriam concluído tal como o fizeram se houvessem conhecido sua inexatidão. Não é suficiente que a representação ou expectativa haja determinado de modo decisivo tão somente a vontade de uma das partes, inclusive no caso de que a outra parte houvesse tido conhecimento disso. Com efeito, cada parte suporta, em princípio, o risco de que se realizem suas próprias expectativas.
A representação mental pode referir-se a uma circunstância considerada
como existente ou esperada no futuro. Utilizando os exemplos dados por Larenz
(2002), haveria circunstância considerada como existente na venda de um anel, em
que comprador e vendedor acreditavam ser de diamante, mas era uma imitação sem
valor, ou na venda de uma obra de arte, em que as partes acreditavam que o quadro
era original, mas era apenas uma cópia.
Como circunstância esperada no futuro, cite-se o exemplo da cavalgada,
em que algumas pessoas alugaram imóveis na expectativa de ver a cavalgada que
passaria em determinada rua, conforme informação divulgada em um jornal, mas o
referido evento não ocorreu.
64
Há de tratar-se, porém, de uma determinada representação ou
esperança; não é suficiente a simples falta de esperança de uma posterior variação
das circunstâncias existentes na conclusão do contrato.
Advirta-se que os contratantes, ao celebrar um contrato, muitas vezes não
levam em consideração todas as eventuais situações que possam advir no futuro.
Isso não significa que o aparecimento de uma situação nova possa ser considerado
como um erro recíproco sobre as bases do contrato. O erro pressupõe algumas
suposições que, caso não ocorram, contrariam o que foi vislumbrado pelas partes.
Se as partes sequer chegaram a conjeturar sobre determinada
circunstância, não se está diante da figura do erro, devendo ser analisado em cada
caso qual o tratamento a ser dado a essa alteração superveniente não prevista pelas
partes ou, em outras palavras, se ocorreu a quebra da base objetiva.
7.2 Base objetiva
Larenz (2002, p. 159) considerou que algumas circunstâncias, que vão
além do conteúdo do contrato, influenciam diretamente as partes na formação do
vínculo. A esse conjunto de circunstâncias determinantes para a conclusão do
negócio Larenz (2002) denominou base objetiva, conforme se transcreve.
Entendemos por base objetiva do negócio as circunstâncias e estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é objetivamente necessária para que o contrato se mantenha, segundo o significado das intenções de ambos contratantes, como regulação dotada de sentido.
A construção da base objetiva partiu da interpretação de que os
contratos não devem ser analisados exclusivamente pelas palavras utilizadas ou
pelo seu significado dado pelas partes. Devem ser levadas em consideração as
circunstâncias que influenciaram na sua conclusão. Essas circunstâncias são
econômicas, culturais e sociais, e não se deduzem apenas do texto literal dos
contratos.
65
A base objetiva ou, em outras palavras, as circunstâncias que são
determinantes para a formação do vínculo, não pode ser desconsiderada na
execução do contrato, sob pena de os efeitos produzidos não corresponderem à
intenção das partes.
Segundo Larenz (2002, p. 91),
[...] cada contrato cria ou regula determinadas relações entre as partes, relações que, por sua vez, são, em maior ou menor medida, uma manifestação das circunstâncias sociais existentes e, em certa medida, as pressupõe. Aquele que conclui um contrato pensa e age partindo de uma situação dada, que não é preciso que se represente claramente, que, talvez, nem sequer estava em condições de compreender, porém cujos sedimentos penetram no contrato como pressuposições imanentes. A interpretação de um contrato não depende, pois, exclusivamente das palavras usadas e de sua significação inteligível para as partes, mas também das circunstâncias em que foi celebrado e que foram ajustadas. Se posteriormente ocorre uma transformação fundamental das circunstâncias, possibilidade em que não haviam pensado as partes contratantes e que de nenhum modo haviam levado em consideração ao ponderar seus interesses e ao distribuir os riscos, pode ocorrer que o contrato, executado nas mesmas condições, perca por completo seu sentido originário e tenha conseqüências totalmente distintas das que as partes haviam projetado ou deveriam razoavelmente projetar. É este o velho problema da cláusula rebus sic stantibus, da consideração das circunstâncias transformadas, das quais se originam as hipóteses em que uma relação contratual existente é afetada por uma variação imprevista das circunstâncias com tal intensidade que sua ulterior manutenção não está justificada apesar do princípio, tão importante, de fidelidade ao contrato.
Ressalte-se que não são quaisquer circunstâncias que integram a base
objetiva do contrato. Larenz (2002, p. 159) desconsidera as circunstâncias pessoais,
as que incidiram no contrato em decorrência de mora da parte prejudicada, e as que
são inerentes ao risco assumido pelas partes, conforme se transcreve a seguir.
Não se deve levar em conta, pelo contrário, os acontecimentos e transformações que: a) São pessoais ou estão na esfera de influência da parte prejudicada (neste caso opera como limite a força maior); b) Repercutiram no contrato tão somente porque a parte prejudicada se encontrava, ao se produzirem os mesmos, em mora solvendi ou accipiendi;
c) Porque, sendo previsíveis, formam parte do risco assumido no contrato.
66
Para se analisar a base objetiva, é importante entender que a
preocupação de Larenz (2002, p. 159) voltou-se principalmente a dois pontos que
não foram respondidos pela teoria de Oertmann. Como resolver as situações em
que a alteração das circunstâncias, não prevista pelas partes, acarreta a destruição
da relação de equivalência ou a impossibilidade de se alcançar o fim do contrato?
Larenz (2002, p. 159) analisou casos julgados pelos tribunais de diversos
ordenamentos nos últimos cem anos anteriores à edição de sua obra e concluiu que
esses dois casos típicos - destruição da relação de equivalência e a impossibilidade
de se alcançar o fim do contrato - ocorreram com frequência, ensejando que fosse
levada em conta a transformação das circunstâncias em conformidade com o
sentido do contrato.
7.2.1 Destruição da relação de equivalência
Os contratos sinalagmáticos devem guardar uma certa relação de
equivalência. Uma vez rompido o equilíbrio entre as prestações, tal condição deve
ser restabelecida.
Para Larenz (2002, p. 159), um contrato não pode subsistir como
regulação dotada de sentido “[...] quando a relação de equivalência entre prestação
e contraprestação, que se presume, se tenha destruído em tal medida que não se
possa falar racionalmente em uma contraprestação”.
Ocorre a quebra da base objetiva, portanto, quando a relação de
equivalência das prestações se destroi de modo tão absoluto que o contrato perde o
sentido originariamente estabelecido: de contrato oneroso ou de troca.
Para ilustrar a destruição da equivalência entre as prestações ajustadas,
Larenz (2002, p. 159) cita o exemplo de uma compra e venda de aguardente, na
qual as partes não consideraram, na fixação do preço, a incidência de um imposto,
que à data da celebração do contrato não existia.
A demandante havia comprado, em abril de 1887, aguardente que deveria
ser entregue de agosto a outubro desse mesmo ano. Ocorre que, de forma
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imprevisível, ocorreu a criação de um imposto muito elevado sobre a aguardente,
por meio de uma lei que entrou em vigor em 1º de agosto de 1887.
Em razão da criação inesperada desse imposto, a vendedora/demandada
ofereceu a entrega dos barris selados pelo fisco, em outubro, incluindo o imposto
incidente sobre a aguardente. A demandante entendeu que essa oferta não se
ajustava ao pactuado e se abasteceu em outro canal. Além de não ter aceitado o
acréscimo do preço em decorrência do novo imposto, requereu a compradora
judicialmente o pagamento de perdas e danos em razão de não ter recebido a
aguardente na forma originalmente contratada.
Larenz (2002, p. 159) esclarece que um contrato bilateral pressupõe
sempre que cada um obtenha pela sua prestação o seu equivalente considerado no
momento da formação do vínculo. Essa equivalência não é objetiva, podendo ser
notavelmente inferior ao valor da prestação, se as partes assim ajustaram, porém há
de poder considerar-se como equivalente pela prestação.
No exemplo acima, o preço acordado inicialmente não alcançava o
montante do imposto, razão pela qual, se fosse exigida a prestação sem o aumento
decorrente do imposto, não se poderia mais falar em equivalência. A desaparição da
base do contrato permitiria ao vendedor desistir do contrato, se o comprador não
aceitasse a entrega da aguardente incluindo o novo imposto.
Larenz (2002, p. 159) não ignorou as dificuldades de se determinar qual o
limite a parte afetada deve suportar quando ocorre a perturbação da equivalência.
Essa situação apenas no caso concreto pode ser avaliada pelo juiz, que decidirá, na
hipótese submetida à sua apreciação, se houve a perda da relação de equivalência
com tal magnitude que não se possa mais falar em contrato sinalagmático.
O princípio da equivalência não é absoluto e deve ser analisado em
conjunto com o princípio da autonomia. As partes são livres para estipular as
obrigações de cada uma, desde que respeitem as leis e os princípios do seu
ordenamento jurídico.
Vasconcelos (2003) esclarece que o princípio da equivalência exige que
as contraprestações sejam materialmente equivalentes, não sendo suficiente a
equivalência formal. Não se exige, todavia, que a equivalência seja exata ou
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absoluta, pois não foram definidos ainda critérios objetivos aptos a apurar
satisfatoriamente essa avaliação da equivalência.26
O mencionado autor reconhece que a relação valorativa das
contraprestações leva em consideração uma série de fatores objetivos e subjetivos
que, em consequência, possibilitam que a relação valorativa originalmente
considerada não se mantenha estável por muito tempo.
7.2.2 Impossibilidade de alcançar o fim do contrato
Larenz (2002, p. 159) observou que, em alguns casos estudados, a
prestação prometida era possível de ser cumprida, mas o fim pretendido com o
contrato não seria atingido. Ocorre a quebra da base objetiva, nesse caso, quando a
prestação é possível, porém não se pode realizar o resultado que, segundo o
contrato, se esperava da prestação e, em consequência, esta não tem agora fim ou
objeto.
Larenz (2002, p. 159) esclarece que, se a realização da finalidade última
de ambas as partes resultar impossível, cada uma delas pode resolver o contrato, e
tão- somente haverá lugar para indenização por perdas e danos quando uma parte
haja produzido a transformação das circunstâncias por seus atos livres e deva, por
conseguinte, responder por eles.
Como exemplo de contrato em que a prestação seria possível, mas cujo
fim não seria alcançado, Larenz (2002, p. 159) menciona o caso em que o dono de
uma granja comprou determinada quantidade de forragem, mas, antes da data
ajustada para a entrega, vendeu a granja na qual a forragem seria utilizada.
A entrega da forragem, portanto, restaria inútil para a finalidade pela qual
o dono da granja contratou. Nesse caso, o dono da granja teria, contudo, que aceitar
os artigos já adquiridos pelo fornecedor ao tempo da resolução, além de ter que
indenizá-lo pelos gastos realizados.
26 “No relacionamento do princípio da equivalência com o princípio da autonomia, não existe a prevalência necessária de uma
sobre o outro. Quando os interesses em jogo sejam puramente privados, prevalece a autonomia, no sentido de que às partes é lícito fixar como entenderem a equação valorativa do contrato, desde que o façam livre e esclarecidamente. Quando no contrato estejam também em jogo interesses públicos ou de terceiros, já o princípio da equivalência prevalece sobre o da autonomia e a equação valorativa deverá ser objetivamente procurada” (VASCONCELOS, 2003, p. 26).
69
Larenz (2002, p. 159) define da seguinte forma a quebra da base objetiva
pela impossibilidade de alcançar o fim do contrato.
Um contrato não pode subsistir como regulação dotada de sentido: a) [...] b) Quando a finalidade objetiva do contrato, expressa em seu conteúdo, tenha resultado inalcançável, mesmo que a prestação do devedor seja, todavia, possível.
c) Finalidade objetiva do contrato é a finalidade de uma parte se a outra a fez sua. Isso deve ser admitido especialmente quando tal finalidade se deduza da natureza do contrato e quando se determinou o conteúdo da prestação ou a quantia da contraprestação.
Ressalte-se que a impossibilidade de alcançar o fim do contrato não se
confunde com a impossibilidade de prestação. No nosso ordenamento, o Código
Civil de 2002 estabelece que, se a prestação for impossível, sem que haja culpa do
devedor, a obrigação será resolvida. Se a prestação se tornou impossível por culpa
do devedor, este deve responder por perdas e danos27.
7.3 Críticas à teoria de Karl Larenz
A teoria de Larenz não ficou ilesa a críticas. Vejam-se a respeito os
comentários de Menezes Cordeiro (2007, p. 1048).
A orientação de Larenz foi objeto de críticas diversas. Blomeyer estranha, na base do negócio objetiva, a repartição entre as duas previsões – perturbação na equivalência das prestações e inobtenibilidade do fim do contrato – com exaustividade; ficariam, sem mais, excluídos todos os riscos estranhos ao contrato em si. Esser contesta que seja possível cindir a base do negócio em objetiva e subjetiva. Ambas requerem, na sua determinação elementos objetivos e subjetivos: na base objetiva, a consideração de que ela estaria frustrada quando o contrato, mercê das alterações, não fizesse sentido, implica um regresso não assumido à vontade das partes: na
27 Art. 248 do Código Civil de 2002. “Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a
obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos.”
70
subjetiva, a utilização de intenções e pressuposições comuns das partes torna-se impraticável sem introduzir critérios objetivos28.
Com relação à crítica da construção da base objetiva sob duas vertentes
principais – perturbação na equivalência das prestações e não obtenção do fim do
contrato –, essas são, exatamente, as situações mais recorrentes que ensejam a
revisão dos contratos e que levam as partes a submeter o conflito de interesses ao
crivo do Judiciário.
Ao contrário das críticas, a Teoria da Base não excluiu as demais
hipóteses aptas a ensejar a revisão dos contratos, que podem ser resolvidas pela
aplicação do raciocínio em torno do que contempla a base relevante para as partes,
de modo a averiguar-se, no caso concreto, se houve ou não a quebra do ajustado.
Além disso, as consequências advindas da quebra da base subjetiva e
objetiva requeriam, inegavelmente, um tratamento diferenciado. Cumpre frisar que o
Código Civil Alemão não previa, à época, tratamento para regulamentar as situações
em que as partes incorressem em recíproco erro nos motivos - quebra da base
subjetiva -, o que levou Karl Larenz a proceder a essa distinção entre a base
subjetiva e a objetiva.
De fato, a avaliação da relação de equivalência entre prestação e
contraprestação apresenta certa subjetividade e deve ser feita no caso concreto. A
existência de alguma subjetividade na base objetiva e a distinção entre a base
subjetiva e a objetiva – que, como visto, era plenamente justificável à época – não
retiram, contudo, o mérito da construção da Teoria da Base do Negócio Jurídico, que
traz uma orientação bastante plausível e fundamentada quanto às situações que
ensejam a revisão dos contratos e as situações em que cada parte deve arcar com
as consequências advindas da alteração superveniente das circunstâncias.
Não foi por acaso que, com a reforma do Código Civil alemão de
2001/2002, o legislador, ao tratar da alteração das circunstâncias, disciplinou a
quebra da base do negócio, tanto em sua acepção objetiva quanto em sua vertente 28 Na mesma linha da crítica trazida por Menezes Cordeiro (2007), veja-se a observação de Pontes de Miranda (1959). “A
observação sobre ser subjetiva qualquer base do negócio jurídico é verdadeira. Ainda quando a base do negócio jurídico é ligada ao tipo do negócio jurídico, ou a alguma função que ele exerce em virtude do objeto que tem psiquicamente é que se incrusta no conteúdo. O que se quer com um fim, porque só se há de querer com esse fim, quer-se como se quer o que teria fim intrínseco ou derivado da composição ou conformação do objeto, mas só se quer com outro fim. Trata-se de manifestação de vontade e o todo que ela abrange, ainda se por incidência de regra jurídica imperativa, foi querido. Tanto se quer o que se tem liberdade que querer como o que é imposto, por lei, à vontade. Se não queria o que a lei impõe, não tinha outro caminho o figurante que o de não querer o que implica que a regra jurídica cogente incida (PONTES DE MIRANDA, 1959, p. 257).
71
subjetiva, seguindo-se, aliás, os princípios consagrados pela jurisprudência alemã.
Confira-se a redação do atual § 313 do BGB (MENEZES CORDEIRO, 2004, P. 114):
§ 313 (Perturbação da base do negócio) (1) Quando, depois da conclusão contratual, as circunstâncias que constituíram a base do contrato se tenham consideravelmente alterado e quando as partes, se tivessem previsto esta alteração, não o tivessem concluído ou o tivessem feito com outro conteúdo, pode ser exigida a adaptação do contrato, desde que, sob consideração de todas as circunstâncias do caso concreto, e em especial a repartição contratual ou legal do risco, não possa ser exigível a manutenção inalterada do contrato. (2) Também se verifica alteração das circunstâncias quando representações essenciais que tenham sido base do contrato se revelem falsas. (3) Quando uma modificação do contrato não seja possível ou surja inexigível para uma das partes, pode a parte prejudicada resolver o contrato nas obrigações duradouras, em vez do direito de resolução tem lugar o direito de denúncia.
Verifica-se da leitura do § 313 do BGB acima transcrito que foram
harmonizadas a base objetiva, acolhida no item 1, com a base subjetiva, acolhida no
item 2.
Observe-se que o item 1 trata especificamente da alteração subsequente
das circunstâncias29, ao passo que o item 2 disciplina a carência inicial de
circunstâncias que serviram de base do contrato.
A redação do § 313 do BGB não deixa dúvidas quanto à relevância da
construção teórica de Karl Larenz e a atualidade da Teoria da Base, que, nos dias
de hoje, se mostra a mais adequada para solucionar os problemas decorrentes da
modificação posterior das circunstâncias não prevista pelas partes.
29 Menezes Cordeiro (2004, p. 115) traça os pressupostos da alteração subsequente das circunstâncias previstos no item I do
§ 313 do BGB: “1. Determinadas circunstâncias devem modificar-se ponderosamente, após a conclusão do contrato; 2. Tais circunstâncias não pertencem ao conteúdo do contrato, constituindo, porém, a sua base; 3. As partes não previram as alterações. 4. Caso as tivessem previsto, elas não teriam fechado o contrato ou tê-lo feito com outra base; 5. Em conseqüência das alterações, e tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto e, em especial, a repartição, legal ou contratual do risco, seria inexigível, perante uma das partes, a manutenção inalterada do contrato”.
72
8 PRINCIPIOLOGIA CONSTITUCIONAL DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
Nos capítulos precedentes, foram abordadas as principais teorias
revisionistas desenvolvidas ao longo da história, a partir da milenar cláusula rebus
sic stantibus, culminando na Teoria da Base do Negócio Jurídico, de Karl Larenz,
tanto em sua acepção subjetiva quanto em sua vertente objetiva.
Mais adiante, procurar-se-á demonstrar que a Teoria da Base do Negócio
Jurídico de Larenz, desde que consideradas as peculiaridades do direito brasileiro e,
em especial, do Direito do Consumidor, mostra-se a mais adequada para a
aplicação do art. 6º, V, segunda parte, da Lei n. 8.078/90.
Para tanto, afigura-se indispensável, primeiramente, abordar a
principiologia do Código de Defesa do Consumidor, com o fim de introduzir o espírito
que deve guiar o intérprete na utilização da Teoria da Base do Negócio Jurídico, no
âmbito da revisão dos contratos de consumo.
É isso o que se propõe fazer no presente capítulo que se inicia por uma
pequena digressão histórica.
O liberalismo dominou a filosofia dos séculos XVIII e XIX. As partes eram
consideradas livres para contratar, razão pela qual a vontade manifestada era
soberana. Durante longo período, não se admitiu a modificação ulterior dos
contratos. Afastava-se qualquer ideia relacionada à revisão ou intervenção judiciária,
já que o estipulado deveria ser cumprido exatamente na forma contratada.
O grande crescimento econômico, experimentado notadamente pela
Inglaterra e França, fez prosperar a ideia de que era necessário deixar o mercado se
autorregular pela lei da oferta e da procura, sem interferência nos contratos,
instrumentos que permitiam a circulação de riquezas.
Ocorre que a Revolução Industrial causou uma profunda transformação
na sociedade, na economia e, consequentemente, nos contratos. A parte mais forte
passou a ditar as normas do mercado de trabalho e de consumo, de tal forma que
não se podia mais falar em liberdade contratual.
Permitir que as condições fossem livremente impostas pelos grandes
conglomerados empresariais e industriais mostrou-se desastroso sob o aspecto
73
social, causando verdadeiro empobrecimento da população e submissão a todo tipo
de arbitrariedades.
Seguindo esse novo cenário, no final do século XX, novamente ocorreram
profundas transformações socioeconômicas, resultantes da globalização, da
urbanização, da competição, do desenvolvimento do marketing e da generalização
de contratos massificados e dos contratos eletrônicos.
As relações comerciais tornaram-se impessoais e mais sofisticadas. A
oferta de produtos e serviços deixou de ser direcionada a determinada pessoa, para
alcançar uma generalidade de indivíduos.
Em consequência, reconheceu-se ser inverídico o dogma da igualdade
das partes. A desigualdade econômica das partes contratantes e a imposição dos
contratos de adesão pela parte mais forte fizeram surgir a necessidade de
intervenção estatal, para regular as atividades dos particulares.
A liberdade contratual passou então a sofrer certas limitações,
notadamente quanto ao conteúdo das cláusulas dos contratos, já que o Estado
passou a vincular a validade das condições estabelecidas à sua aprovação,
fenômeno denominado dirigismo contratual.
Nesse contexto, assinala Becker (2000, p. 66), que
[...] aquela idéia, ainda defendida por Schmidt-Rimpler neste século, segundo a qual, ao pressupor um controle recíproco dos contratantes, traduzido na prossecução egoísta de seus interesses e repulsa a pretensões injustas, a mecânica do contrato automaticamente garantiria um resultado justo ou, pelo menos, uma “probabilidade de justeza” foi definitivamente rechaçada por Ludwig Raiser, para quem o consenso quase nunca é o ponto de encontro de duas vontades que, tendo dialogado, encontram uma base de entendimento, mas sim a resultante da intensidade e eficácia dos meios de pressão com que cada um procurou levar o outro a cedências em relação às suas posições iniciais: negociar não é um exercício de razão, mas um exercício de poder. Quando o poder deixa de ser a exceção para tornar-se a regra e o próprio modo de contratar exclui a intervenção conformadora do aderente, deixando-o inteiramente sujeito à possibilidade de abuso por parte do predisponente, é evidente que não pode subsistir aquela visão otimista do contrato como instrumento cujo mecanismo de formação é a melhor garantia da justiça, a justiça comutativa, enquanto participação, tornou-se obsoleta.
74
No Brasil, foi instituído o Estado Democrático de Direito, e assumiu-se
expressamente na sua Constituição, promulgada em 5.10.1988, o compromisso de
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos.
A Constituição de 1988 adotou, portanto, o modelo regulatório social ou
programático, que interfere na espontaneidade do mercado.
Consagrou, também, as ideias de livre iniciativa, defesa do consumidor,
busca do pleno emprego, determinando que o Estado intervenha sempre que a
liberdade de iniciativa não estiver sendo exercida em prol da sociedade ou em
conformidade com os anseios sociais.30
Dentre os princípios gerais da atividade econômica, o legislador
constituinte determinou, expressamente, que seja observada a defesa do
consumidor. Conforme Marques (2008, p. 25),
[...] o direito do consumidor seria, assim, o conjunto de normas e princípios especiais que visam cumprir com este triplo mandamento constitucional: 1) de promover a defesa dos consumidores (art. 5º, XXXII), da Constituição Federal de 1988: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”; 2) de observar e assegurar como princípio geral da atividade econômica, como princípio imperativo da ordem econômica constitucional, a necessária “defesa” do sujeito de direitos “consumidor” (art. 170 da Constituição Federal de 1988: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor [...]” e 3) de sistematizar e ordenar esta tutela especial infrainconstitucionalmente através de um Código (microcodificação), que reúna e organize as normas tutelares, de direito privado e público, com base na idéia de proteção do sujeito de direitos (e não da relação de consumo ou do mercado de consumo), um código de proteção e defesa do “consumidor” (art. 48 do ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Visando à harmonização do mercado de consumo, conferiu-se ao Estado,
portanto, o dever de intervir, preventiva e corretivamente, para coibir abusos e
30 Sidou (1978, p.105) exemplifica as áreas em que o Estado interviu para assegurar a utilidade dos contratos. “No campo
empregatício; de acidentes do trabalho e previdência social; na defesa da agricultura e pecuária; na compra e venda a prazo com o pacto de reserva de domínio; nos transportes, em sua multiforme configuração; no loteamento de terrenos para venda parcelada; no sistema habitacional; no mercado de valores; no comércio do crédito; num ror enfim de atividades, o Estado tomou a si a tarefa de dirigir o contrato, visando sobretudo a impedir as cláusulas leoninas, as práticas onzenárias, o enriquecimento ilícito, numa palavra, a lesão de direito em sua multifária nocividade”.
75
garantir a proteção dos bens fundamentais, dentre eles, a saúde, a segurança e a
integridade física de uma coletividade de indivíduos, identificados como
consumidores, vulneráveis técnica, financeira e juridicamente.
As normas protetivas do consumidor, sujeito vulnerável ope legis, foram,
nesse contexto, expressamente reconhecidas pela lei como normas de ordem
pública e de interesse social, o que lhes conferiu um caráter cogente e, por
conseguinte, colocou-as fora da esfera de disponibilidade das partes.
O legislador consumerista elegeu, dentre os princípios fundamentais da
política nacional de consumo, a boa-fé como a base para a harmonização dos
interesses dos participantes das relações de consumo e para a compatibilização da
proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico.
A cláusula geral da boa-fé objetiva assumiu, então, a função de princípio
orientador do Código de Defesa do Consumidor, dela decorrendo inúmeros reflexos.
Como uma dessas decorrências da boa-fé, Marques (2006, p. 97) aponta a
tendência de exigir das partes um dever de renegociação nos contratos cativos de
longa duração.
Em resumo, a teoria do contrato relacional pode contribuir, especialmente, nos contratos de mútuo e em geral de fornecimento de serviços, para uma nova compreensão da confiança despertada pela atividade dos fornecedores e para a aceitação de uma readaptação constante das relações de longa duração de forma a não frustrar as expectativas legítimas das partes, apesar da limitada vontade manifestada inicialmente. Assim, também alerta a doutrina argentina, que considera um novo imperativo a visualização desse continuum e da conexidade dos vínculos e deveres no tempo, requerendo cooperação renegociadora contínua em matéria de contratos de longa duração. Da mesma forma, a doutrina francesa manifesta-se pela necessidade de uma razoável equivalência de prestações em face do princípio da igualdade no direito privado. Também a doutrina alemã, dessa vez com base nos deveres de cooperação, da boa-fé e na antiga exceção da ruína, está ativamente estudando a existência de um dever geral de renegociação nos contratos de longa duração. Partindo da premissa de que há uma cláusula ou um dever de modificação de boa-fé (no caso brasileiro, com previsão expressa no art. 6º, V, do CDC) dos contratos de longa duração, sempre que há quebra da base objetiva do negócio (Wegfall der Geschäftsgrundlage) e onerosidade excessiva daí resultante, considera parte majoritária da doutrina que haveria uma espécie de dever ipso jure de adaptação (ipso jure-Anpassungsplicht) ou dever de antecipar e cooperar na adaptação, logo, dever (ou para alguns Obligenheit) de renegociar (Neuverhandlungsplicht) .
76
Na Alemanha, foi na jurisprudência comercial que a boa-fé objetiva31 se
firmou como um princípio. Posteriormente, o BGB, antes da reforma de 2002,
reservou dois parágrafos consagrando-o: o § 242, que ordenava ao devedor e ao
credor que agissem de acordo com os costumes do tráfego e consoante os ditames
da boa-fé objetiva, de modo a resguardar os legítimos interesses do alter originados
a partir do contato negocial; e o §157, que regulava a interpretação dos contratos,
determinando que a sua interpretação fosse realizada de acordo com a confiança e
a boa-fé.
A partir dos parágrafos supramencionados, os juristas alemães
começaram a identificar a existência de deveres acessórios ou obrigações anexas
decorrentes da própria natureza do vínculo assumido, ainda que não expressas nos
contratos, prescindindo, assim, da vontade dos contratantes.
Menezes Cordeiro (2007, 973) cita a evolução da jurisprudência alemã,
que reconheceu a aplicação da boa-fé como fundamento para alterar os contratos
que sofreram alterações em decorrência das guerras.
A propósito de alterações emergentes da Guerra de 1914-18, o RG repetiu várias vezes: «... um dever de prestar não pode existir mais, quando o cumprimento do contrato deva ter lugar sob circunstâncias tais que ele não corresponderia mais ao que as partes razoavelmente pretenderam e o cumprimento forçado seria contrário à consideração pela boa fé e pelos usos do tráfego, prescritos pelos §§ 157 e 242 BGB» -- RG 20-Out.-1918, RGZ 94 (1919), 68-71 (69), RG 19-Mai.-1920, RGZ 99 (1920), 115-120 (120) e RG 8-Jul.1920, RGZ 99 (1920), 258-260 (259)
No Brasil, o dever de modificação dos contratos com base na boa-fé e no
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores está expressamente
previsto na parte final do art. 6º, V, conjugado com o inciso III32 do art. 4º, ambos do
31 A boa-fé objetiva é uma exigência de lealdade. Ela determina que as partes contratantes ajam com lisura e honestidade,
correspondendo à confiança depositada. Já a boa-fé subjetiva é um estado psicológico em que a pessoa tem a crença de ser titular de um direito que, em verdade, existe na aparência. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância sobre a realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. Quando houver referência à boa-fé neste trabalho tratar-se-á especificamente da boa-fé objetiva.
32 Art. 4º do CDC: A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
77
CDC. Este último determina que a boa-fé sempre deverá ser utilizada como base
para a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo.
Também no Código Civil de 2.002, foi positivada a boa-fé objetiva. O art.
422 do Código Civil determina que os contratantes são obrigados a guardar, tanto na
conclusão quanto na execução dos contratos, os princípios de probidade e boa-fé.
Segundo Reale, no artigo A boa-fé no Código Civil,
[...] o resultado da compreensão superadora da posição positivista foi a preferência dada às normas ou cláusulas abertas, ou seja, não subordinadas ao renitente propósito de um rigorismo jurídico cerrado, sem nada se deixar para a imaginação criadora dos advogados e juristas e a prudente, mas não menos instituidora, sentença dos juizes. Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial.
Ao mesmo tempo em que as cláusulas gerais conferem certa liberdade ao
julgador, ao preencher valorativamente a norma abstrata, vincula o juiz aos
fundamentos de sua decisão, que deverá ser orientada pelos melhores valores
jurídicos.
Menke (2004, p. 33) pondera que “[...] as cláusulas gerais também
impõem limites ao julgador, que não poderá preenchê-las apenas com seu livre
arbítrio; ao invés disso, exige-se do magistrado fundamentação racional e
convincente para a finalidade de se afastar os abusos”.
Reale, no artigo Sentido do Código Civil, assevera que:
[...] é indispensável, porém, ajustar os processos hermenêuticos aos parâmetros da nova codificação, pois como nos ensina o insigne filósofo Hans Georg Gadamer – falecido recentemente aos 102 anos – a hermenêutica não se reduz a mero conjunto de normas interpretativas, porque é da essência mesma da realidade cultural que se quer compreender. Nada seria mais prejudicial do que interpretar o novo Código Civil com a mentalidade formalista e abstrata que predominou na compreensão da codificação por ele substituída. A boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências.
78
A técnica hermenêutica das cláusulas gerais remete o intérprete não
apenas a outras normas e valores do próprio sistema jurídico, mas também a valores
externos ao sistema. Nesse processo hermenêutico, o aplicador deverá buscar
suporte em outras fontes valorativas para fundamentar suas decisões.
Nesse sentido, Canaris (1996, p. 147) ensina que
[...] a multiplicidade dos postulados singulares da idéia de Direito solicita, por isso, o legislador a fazer uso de todas as referidas possibilidades formulativas e apenas uma escolha criteriosa entre elas dá bons resultados perante o problema da polaridade dos mais altos valores jurídicos. Não se pode, porém, dizer em geral qual a solução preferível; isso depende da estrutura particular da matéria em causa e do valor que lhe subjaza.
As cláusulas gerais colocaram em maior relevo o trabalho dos julgadores.
Criou-se um instrumento hábil a restaurar o equilíbrio das relações negociais,
ensejando ao Estado-juiz a recomposição da justiça social.
A incorporação do princípio da boa-fé objetiva no nosso ordenamento
jurídico opera positivamente, criando deveres jurídicos e, negativamente, limitando o
exercício de direitos subjetivos, impedindo condutas contraditórias.
Por configurar uma norma vaga, constitui o princípio da boa-fé objetiva
um importante fator de mobilidade do sistema jurídico. Entende-se que essa
cláusula geral, em conjunto com a Teoria da Base do Negócio Jurídico, permitirá ao
juiz que adote o caminho mais adequado para a solução do caso concreto.
O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu também a nulidade de
pleno direito das cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade33.
Segundo Roppo (2009, p. 5),
33 Art. 51 do CDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade. [...]
79
[...] do ponto de vista dos conteúdos e dos valores, aumenta a sensibilidade para o problema «da justiça contratual». Cada vez mais freqüentemente pede-se ao legislador e ao intérprete que saiam da lógica segundo a qual – repetindo as palavras de Georges Ripert – o «contractuel» é automaticamente sinônimo de «juste»; e até mesmo que superem o velho dogma da inatacabilidade do equilíbrio econômico do contrato.
Sidou (1978, p. 11) relata que não é recente a preocupação com a
equidade nos contratos, tendo sido considerada pelo direito canônico.
O Cristianismo, escreve Serpa Lopes, não podia suportar a concepção de contrato em que a forma era tudo e a vontade nada produzia. Mas, prossegue, não quis uma vontade sem limites, assim impondo uma vontade limitada pela idéia de eqüidade; de modo que a vontade que o direito canônico estabeleceu foi uma vontade em função das obrigações, cuja peça vital é a equivalência de prestações. E conclui o saudoso mestre compatrício: é que os atos a título oneroso, ao diverso dos a título gratuito, exigem paridade.
Martins-Costa (1991, p. 46) aponta a preocupação com a relação de
equivalência dos contratos mediante a intervenção do Estado na economia, fixando
preços em prol da sociedade.
Da mesma forma tem entendido a jurisprudência mais inovadora no concernente às hipóteses em que o desequilíbrio contratual tem como causa a direta intervenção estatal, como, p. ex., mediante a fixação de preços mínimos para produtos agrícolas objeto do contrato. Nesses casos, “a lei obriga o comprador a cumprir um contrato em condições diversas das que foram convencionadas”, de modo que “a fixação dos preços modifica o conteúdo do contrato em seu ponto mais sensível, na relação de equivalência entre a mercadoria e o preço”, alcançando-se em conseqüência, a possibilidade da revisão judicial do contrato no concernente à condição-preço porquanto como já decidiu o TJRS, “as normas instituidoras de preços mínimos não se destinam a privilegiar determinado setor da economia, mas mantê-lo minimamente capitalizado e produtivo no interesse de toda a sociedade. Se observa, assim, tanto nos contratos de Direito Privado, quanto nos de Direito Público, a preocupação de se atingir, ainda que minimamente, o critério da justiça contratual, exteriorizado na manutenção de relação de equivalência.
80
Essa breve exposição evidencia que, no Direito do Consumidor, a
preocupação com o equilíbrio entre as partes mereceu uma especial atenção do
legislador, que procurou atenuar a desigualdade entre os sujeitos da relação de
consumo, mediante a adoção de normas de ordem pública e de interesse social,
alheias, portanto, à esfera de disponibilidade das partes.
Com o fim de alcançar esse equilíbrio, conferiu-se ao Estado o dever de
intervir, preventiva e corretivamente, para coibir abusos e garantir a proteção dos
interesses dos consumidores, reconhecidamente vulneráveis no mercado de
consumo.
A preocupação com o equilíbrio entre as partes, presente em inúmeras
regras da Lei n. 8.078/90, encontrou na cláusula geral da boa-fé objetiva um campo
propício para a sua concretização. Por tratar-se de um conceito aberto, permeável a
valores do próprio sistema e, também, a valores externos ao sistema, a boa-fé
objetiva tornou-se um instrumento de concretização de valores tendentes à busca da
equivalência entre as partes e, em última análise, da justiça contratual.
Partindo do reconhecimento da desigualdade entre os sujeitos da relação
de consumo, o legislador tutelou, de forma diferenciada, os interesses do
consumidor, sujeito vulnerável da relação, com o objetivo de alcançar a igualdade
sob o prisma material. Para tanto, reconheceu-lhe, expressamente, diversos direitos,
dentre os quais o direito à “[...] modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (art. 6º, V).
Em um contexto como esse, caracterizado pela permeabilidade aos
valores, pela ênfase na defesa do consumidor e marcado por uma busca incessante
pelo equilíbrio entre os sujeitos da relação obrigacional, não é de se admirar que
tenha sido reconhecido ao consumidor, expressamente, o direito à revisão das
prestações em razão de alteração superveniente das circunstâncias, como forma de
restabelecimento da equivalência entre as prestações e, portanto, como mecanismo
de busca da justiça contratual.
É com os olhos voltados para esse contexto que o intérprete deve
procurar compreender e aplicar a regra prevista no art. 6º, V, segunda parte, do
Código de Defesa do Consumidor. E, para tanto, a Teoria da Base do Negócio
Jurídico, de Karl Larenz tornar-se-á um instrumento extremamente útil, conforme se
verá no próximo capítulo.
81
9 A TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO E O CÓDIGO D E DEFESA DO
CONSUMIDOR
Quando Karl Larenz construiu a Teoria da Base do Negócio Jurídico, o fez
em razão da ausência de normas específicas no Código Civil Alemão, o que havia
levado os tribunais a aplicar a boa-fé objetiva, prevista no § 242 do BGB, como
fundamento para a revisão dos contratos.
Foi precisamente em razão dessa lacuna legal que o referido autor
analisou as decisões jurisprudenciais que adotaram a boa-fé como fundamento e
partiu dessa análise para estabelecer critérios objetivos que orientassem as
decisões judiciais34.
O nosso Código de Defesa do Consumidor, ao revés, consignou de forma
expressa que, se as prestações se tornarem excessivamente onerosas em
decorrência de fatos supervenientes, o julgador deve rever o contrato.
Com efeito, o art. 6º do CDC elencou, exemplificativamente, os direitos
básicos do consumidor e, dentre eles, contemplou, no seu inciso V, o direito à “[...]
modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas”.
O direito à revisão do contrato, como visto no capítulo precedente, foi uma
decorrência natural da principiologia do CDC, marcada pela ênfase na defesa do
consumidor, na busca pelo equilíbrio entre os sujeitos da relação obrigacional e na
boa-fé objetiva – o seu princípio orientador –, conceito aberto e permeável a valores
do próprio sistema e, também, a valores externos ao sistema, o que lhe conferiu
importante papel na concretização da justiça contratual. Chama a atenção, no
referido dispositivo, o fato de que o direito à revisão foi assegurado pela lei apenas
ao consumidor. E não é de se estranhar que seja assim, já que o objetivo do
34 Sobre a relevância que o método de estudo de casos teve na Alemanha e sua contribuição para a interpretação das
cláusulas gerais ensina Menke (2004, p. 27). “Outros institutos jurídicos nascidos a partir da criação jurisprudencial por meio dos grupos de casos seriam o dos direitos e deveres anexos ao contrato, do exercício abusivo do direito e o da quebra da base do negócio jurídico. Alfim (sic), Beater reafirma que o trabalho das cláusulas gerais por meio dos grupos de casos possibilitou uma cooperação entre os juízes e o legislador, proporcionando uma efetiva divisão de funções que leva à melhoria das leis. Isso porque, sobre determinadas matérias, não é necessário que o legislador, de antemão, edite leis com regras exaustivas. Deve, isso sim, restringir-se ao estabelecimento de padrões mínimos e aguardar pelo desenvolvimento posterior a ser procedido pelos magistrados, que enfrentam e percebem as variações valorativas do meio social no seu dia-a-dia”.
82
legislador, como ressaltado anteriormente, foi, exatamente, o de promover a defesa
do consumidor. Com o intento de alcançar a igualdade sob o aspecto material,
procurou-se corrigir a desigualdade existente entre os sujeitos da relação de
consumo, mediante a adoção de normas protetivas do consumidor, parte vulnerável
ope legis.
Marques (2006, p. 36), baseada na obra Theorie des subjekts –
Subjektivität und Identität zwischen Moderne und Postmoderne, do sociólogo alemão
Peter Zima, lembra que, na pós-modernidade,
[...] aquele que era considerado o centro, o “rei” do mercado, perdeu a centralidade, desconstruíram e manipularam sua vontade (ou desejos), sua liberdade de consumo é mera ilusão, este consumidor ideal tornou-se mero símbolo, a ser usado como metáfora da linguagem, no imaginário e no jogo coletivo e paradoxal do mercado de consumo e de marketing globalizado dos dias de hoje.
Com efeito, os fornecedores, mediante estratégias de produção e
circulação e, sobretudo, mediante agressivas técnicas de marketing, passaram a
controlar os hábitos de consumo dos consumidores, inculcando-lhes necessidades e
desejos artificiais de aquisição de bens e serviços.
Vivencia-se, na conjuntura pós-moderna, uma modificação da estrutura
social da sociedade de consumo. Inverteu-se a posição dos sujeitos no mercado: o
consumidor, antes considerado o rei do mercado, deixou de ditar as regras, que
passaram a ser determinadas e dominadas pelos fornecedores de produtos e
serviços35.
Em um estudo sobre a responsabilidade civil das empresas fabricantes de
cigarros, Cruz (2003, p. 72) trata da falsa liberdade do consumidor quanto à
aquisição de alguns produtos, conforme se transcreve a seguir.
35 Nesse sentido, pontua Nunes Barbosa (2008, p. 66) “[...] o mercado da oferta parece-nos comandar o da procura em certa
medida, uma vez que, sendo detentor dos meios de comunicação, das informações e de mecanismos cada vez mais modernos de propaganda e publicidade, faz chegar ao público a idéia da necessidade e da conveniência da aquisição de produtos e serviços postos à disposição no mercado de consumo”. Essa questão é, se não a mais relevante no contexto sociológico da defesa do consumidor, de grande importância, porquanto acarreta o surgimento de uma massa de ‘consumidores-robôs’, isto é, criados para consumir, e não propriamente para satisfazer necessidades pessoais, ou de sua família ou grupo social. É também neste sentido que assume relevância a informação, especialmente no seu sentido de prática comercial – publicidade – como criadora de situações desfavoráveis ao consumidor. A importância da repercussão das técnicas publicitárias no direito tem em vista o seu caráter persuasivo, que busca entorpecer ou mesmo suprimir a vontade real do consumidor, que é o elemento nuclear da autonomia privada”.
83
O Estado brasileiro tem entre seus objetivos o de assegurar que a sociedade seja livre. Isso significa que, concretamente, no meio social, dentre as várias ações possíveis, a da pessoa designada como consumidora seja livre. A conseqüência disso é que o Estado deverá intervir quer na produção, quer na distribuição de produtos e serviços, não só para garantir essa liberdade como para regular aqueles bens que, essenciais às pessoas, elas não possam adquirir por falta de capacidade de escolha. Explica-se. Primeiramente, como dissemos, o sentido de liberdade da pessoa consumidora aqui é o de “ação livre”. Essa ação é livre sempre que a pessoa consegue acionar duas virtudes: querer + poder. Quando a pessoa quer e pode, diz-se, ela é livre; sua ação é livre. Assim, a regra básica será a da escolha com possibilidade de aquisição: a pessoa quer algo, tem dinheiro ou crédito para adquiri-lo, então é livre para fazê-lo. Contudo, haverá casos em que, justamente por não poder escolher, a ação da pessoa não será livre. E nessa hipótese a solução tem que ser outra. Estamos nos referindo a necessidade. O conceito é clássico: liberdade é o oposto da necessidade. Nesta não se pode ser livre: ninguém tem ação livre para não comer, não beber, para voar etc. Aplicado o conceito à realidade social, o que se tem é o fato de que o objetivo constitucional da construção de uma sociedade livre significa que sempre que a situação real for de necessidade o Estado pode e deve intervir para garantir a dignidade humana.
Essa manipulação dos hábitos de consumo soma-se à desigualdade de
informações entre os consumidores, em regra leigos, e os fornecedores,
conhecedores das características, funcionalidades e riscos dos produtos e serviços
oferecidos no mercado.
O atual mercado de consumo, produto das transformações socio-
econômicas, por sua vez resultantes da globalização, da competição, do
desenvolvimento do marketing e da generalização de contratos massificados e dos
contratos eletrônicos, modificou as relações de produção integradas ao sistema
industrial.
Estejam ou não capacitados para agir com discernimento no mercado, os
consumidores recebem uma multiplicidade de chamados ao consumo, fomentadores
do desejo de aquisição de bens e serviços, muitas vezes, dispensáveis e supérfluos.
Sampaio Júnior, no artigo A Defesa do Consumidor e o Paternalismo
Jurídico, relata a conclusão de estudos apresentados nos Estados Unidos sobre o
mercado de consumo, que demonstram como as pessoas reagem frente à oferta de
produtos e serviços:
84
As pesquisas sobre o comportamento econômico apontam que freqüentemente as pessoas se comportam de uma maneira que os economistas assumem não ser a mais racional. Portanto, tem-se defendido que as empresas alterem os seus contratos, tornando-os claros, ou forneçam informações adicionais que aparentemente seriam irrelevantes. Tais exigências podem ajudar pessoas que agem de forma irrefletida a tomarem as melhores decisões, enquanto não teriam nenhum efeito nas pessoas que já agiriam de forma realmente racional.
Em um contexto como esse, caracterizado por uma marcante
desigualdade entre os sujeitos da relação de consumo, o equilíbrio entre fornecedor
e consumidor – um dos grandes objetivos do CDC – somente poderia ser alcançado
mediante a adoção de medidas destinadas a compensar essa desigualdade, visando
a alcançar a igualdade material.
E foi com esse objetivo – o de tratar desigualmente os desiguais na
medida de sua desigualdade – que a Lei n. 8.078/90 conferiu apenas ao
consumidor, sujeito vulnerável ope legis, o direito à revisão das prestações em razão
de alteração superveniente das circunstâncias que as torne excessivamente
onerosas. Esse é um ponto de grande relevo a ser observado na interpretação e na
aplicação do citado art. 6º, V, segunda parte, do Código de Defesa do Consumidor.
Registre-se, ademais, que o legislador, no mencionado dispositivo,
referiu-se expressamente apenas à revisão das cláusulas contratuais – e não à
extinção do negócio jurídico –, disposição que se encontra em harmonia com o
princípio da conservação dos contratos, previsto no § 2º do art. 51 da Lei 8.078/90.
Art. 51 §2º. A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
Ressalte-se, contudo, que, à luz da principiologia do CDC, a conservação
não subsistirá se implicar ônus excessivo ao consumidor. A conservação será
adotada se for possível restabelecer a relação de equivalência entre prestação e
contraprestação.
85
Afinal, a análise sistemática e teleológica do Código de Defesa do
Consumidor revela que o objetivo da lei é, em suma, a busca do equilíbrio entre os
sujeitos da relação de consumo, como forma de concretização da justiça contratual.
Não é difícil concluir, portanto, que a manutenção do vínculo contratual somente
será levada a efeito se for possível o restabelecimento da equivalência entre as
prestações.
A busca da equivalência das prestações – que, na concepção aristotélica,
se identificava com a própria ideia de justiça – exsurge, portanto, como um outro
ponto relevante para a compreensão da regra do art. 6º, V, segunda parte, do CDC.
E, nesse contexto, a Teoria da Base do Negócio Jurídico, de Karl Larenz, mostra-se,
em cotejo com as demais teorias revisionistas, a mais adequada para a correta
aplicação do citado dispositivo.
Afinal, sob o prisma da referida teoria, não se exige que a alteração das
circunstâncias seja imprevisível, nem que a excessiva onerosidade advinda para um
contratante acarrete, na mesma medida, uma vantagem excessiva para o outro. Tal
construção teórica se concentra, em suma, na destruição da base do negócio e na
necessidade de seu restabelecimento, o que atende à busca da justiça contratual e
se compatibiliza com o espírito do Código de Defesa do Consumidor.
Além disso, tal teoria teve o mérito de estabelecer parâmetros mais
objetivos e seguros para a revisão dos contratos, o que representa uma significativa
vantagem sobre as demais teorias revisionistas analisadas ao longo deste trabalho.
Como visto, com a Teoria da Pressuposição e a Teoria da Base Subjetiva
de Paul Oertmann preocupou-se demasiadamente com a vontade e com a
representação mental das partes, que sequer chegou a ser manifestada, ou, que
deveria, em tese, ser refutada. A adoção de alguma dessas duas teorias deixaria, na
prática, a solução da revisão ou não dos contratos ao arbítrio de apenas uma das
partes, o que causaria enormes transtornos aos negócios, pois não haveria certeza
quanto ao cumprimento dos contratos.
A Teoria da Imprevisão, por sua vez, exige requisitos muito rígidos para a
revisão, requisitos esses que não foram acolhidos pelo legislador consumerista.
Para a revisão dos contratos com fundamento da Teoria da Imprevisão, seria
necessária a ocorrência de eventos extraordinários e imprevisíveis. Ademais, a
Teoria da Imprevisão é voltada para a análise da influência de fatores externos,
diferentemente da Teoria da Base do Negócio Jurídico, de Karl Larenz, que leva em
86
conta as circunstâncias ou o estado geral de coisas efetivamente considerados
pelas partes, ou seja, ela dá relevo aos fatores que influenciaram a decisão das
partes naquela negociação.
Observe-se, a propósito, que a parte final do art. 6º do CDC não exige a
extraordinariedade ou a imprevisibilidade para a revisão, mas tão-somente que a
alteração superveniente das circunstâncias torne as prestações excessivamente
onerosas. Criar exigências adicionais, como a extraordinariedade do evento e a
imprevisibilidade, condições que ultrapassam aquelas previstas em lei, equivaleria a
privar o consumidor do direito ao restabelecimento da equivalência das prestações.
A Teoria da Base do Negócio, de Karl Larenz – que, como visto, não exige nem a
extraordinariedade nem a imprevisibilidade do evento superveniente – amolda-se
perfeitamente, também por essa razão, à disciplina legal do CDC.
Resta responder duas indagações: quando estará autorizada a revisão
das prestações? E em que a Teoria da Base do Negócio Jurídico, de Karl Larenz,
pode contribuir para a aplicação do art. 6º, V, segunda parte, do CDC?
Responder à primeira dessas perguntas é, em última análise, dizer quais
parâmetros devem guiar o intérprete no trabalho de ponderação entre dois valores
igualmente merecedores de tutela e que, com certa frequência, entram em colisão:
de um lado, a justiça contratual, fundada na preservação do sinalagma e, de outro, a
segurança jurídica.
No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, a esses dois valores
colidentes acrescem-se outros, que passam a integrar o procedimento de
ponderação e levam a balança a se inclinar para o lado da preservação da justiça
contratual, sem que se despreze, contudo, a segurança jurídica. Afinal, em um
contexto caracterizado pela permeabilidade aos valores, pela ênfase na defesa do
consumidor e marcado por uma busca incessante pelo equilíbrio entre os sujeitos da
relação obrigacional, a segurança jurídica – simbolizada pelo dogma do pacta sunt
servanda – acaba por ceder muito espaço para a justiça contratual, fundada na
preservação do sinalagma.
Não foi por outra razão que o legislador optou por enunciar o direito do
consumidor à revisão das prestações, em razão de fatos supervenientes que as
tornem excessivamente onerosas, sem exigir que a alteração das circunstâncias
ocorra em razão de fatos extraordinários e imprevisíveis e sem exigir, igualmente,
que à onerosidade excessiva advinda para o consumidor corresponda, em igual
87
medida, uma excessiva vantagem para o fornecedor. Em suma, o próprio legislador
deu início ao labor de sopesamento dos valores, inclinando-se, notavelmente, para a
busca da preservação da equivalência das prestações.
Nesse contexto, torna-se fácil perceber que a resposta à primeira
indagação proposta acima se encontra na própria literalidade do dispositivo: a
revisão das prestações deve ocorrer quando, em razão da alteração superveniente
das circunstâncias, elas se tornarem excessivamente onerosas para o consumidor.
A onerosidade, por si só, não conduz, como se percebe, à revisão das
prestações. Até certo limite, portanto, opta-se pela preservação da segurança
jurídica. Quando a onerosidade se torna excessiva, ou seja, ultrapassa a fronteira do
razoável, a restauração do sinalagma se impõe, e a segurança jurídica cede espaço
para a justiça contratual.
A chave para a compreensão do dispositivo está, por conseguinte, na
expressão excessivamente onerosas. E é aqui que a Teoria da Base do Negócio
Jurídico, de Karl Larenz, passa a contribuir para a aplicação do art. 6º, V, segunda
parte, do CDC, respondendo à segunda indagação que foi proposta. Essa teoria
permite, exatamente, compreender quando ocorrerá essa onerosidade excessiva
para o consumidor.
A onerosidade excessiva é um conceito relacional. Evidentemente, não há
como compreender que algo seja excessivamente oneroso sem que se tenha um
parâmetro para se proceder à comparação. A onerosidade excessiva não existe em
si mesma. Um objeto somente pode ser considerado excessivamente oneroso em
relação a outro.
A Teoria da Base do Negócio Jurídico irá fornecer o parâmetro para a
apreciação dessa excessiva onerosidade. Em outras palavras: ela indicará ao
intérprete as circunstâncias iniciais a serem consideradas como o parâmetro para a
análise das alterações supervenientes. Ela permitirá, portanto, a identificação de um
ponto de partida que, em cotejo com as circunstâncias atuais, permitirá dizer se a
onerosidade é ou não excessiva.
Mas, afinal, qual deve ser esse parâmetro? A essa indagação responderia
Larenz (2002) que se deve partir da análise das circunstâncias ou estado geral de
coisas cuja subsistência é objetivamente necessária para que o contrato exista como
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regulação dotada de sentido. O parâmetro é, portanto, a base do negócio jurídico, ou
seja, as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar36.
A justiça contratual exige que a base relevante considerada pelas partes
seja mantida. Se ocorrer a quebra da equivalência subjetiva ou se a finalidade
objetiva for inalcançável, ocasionando excessiva onerosidade para o consumidor, o
contrato deve ser revisto.
Fixadas essas premissas, pode-se indagar: se o consumidor perder o
emprego, ou sofrer os efeitos da desvalorização da moeda, ou precisar se submeter
a um tratamento de saúde oneroso, que altere a sua situação econômica,
impossibilitando-lhe o pagamento das prestações assumidas, terá ele direito à
revisão do contrato?
A resposta, em quaisquer das hipóteses, deverá partir da análise do caso
concreto, para verificar se houve ou não a quebra da base do negócio jurídico, tanto
em sua acepção subjetiva37 quanto em sua vertente objetiva. Somente a análise das
circunstâncias concretas em que as partes fundaram a decisão de contratar
permitirá que se responda a tais questões.
Veja-se o seguinte caso que já foi objeto de análise e julgamento pelos
nossos tribunais.
Perda de uma das fontes de renda dá direito a mutuário de tentar renegociação da dívida 24/09/2001 O mutuário pode pleitear a renegociação do financiamento no caso da perda de um dos empregos demonstrados quando do cálculo do empréstimo e, com isso, sua renda tenha sido reduzida. Com essa conclusão, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu, em parte, o recurso da servidora pública aposentada Alba Lúcia Oliveira contra a Poupex. Segundo os ministros, a perda de um dos empregos com diminuição da renda não é caso de automático reajuste do financiamento, mas autoriza o mutuário a solicitar a renegociação. A servidora pública Alba Lúcia Oliveira adquiriu, em abril de 1994, um apartamento na Asa Sul de Brasília. Para efetivar a compra, Alba Lúcia firmou um contrato de financiamento com hipoteca com a Associação de Poupança e Empréstimo
36 Segundo Ascensão (2002, p. 186), “[...] base do negócio e circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de
contratar são exactamente (sic) a mesma coisa: são a tradução de Geschäftsgrundlage, portanto a base ou o fundamento do negócio”.
37 Vimos que a base subjetiva é a comum representação dos contratantes, da qual tenham partido ao concluir o contrato e que tenha influído na decisão de ambos. Esclareça-se, neste ponto, que, a princípio, se falta a base subjetiva, não estamos diante de alteração posterior das circunstâncias e, portanto, escapa ao escopo deste trabalho, que é a revisão do contrato. A falta de base subjetiva e as suas conseqüências são reguladas no nosso ordenamento, sobretudo na parte geral do Código Civil. Por outro lado, a base subjetiva terá relevância no âmbito da revisão dos contratos, se a comum representação dos contratantes, da qual tenham partido ao concluir o contrato e que tenha influído na decisão de ambos, não se realiza, em virtude de alteração superveniente que torne as prestações excessivamente onerosas.
89
Poupex, no valor de R$ 56 mil. Na época, Alba Lúcia tinha dois empregos um no Serviço Público, que lhe rendia R$ 1.121,00, e outro na Agência de Turismo Voyage Tour Ltda, onde recebia R$ 2.348,00 para exercer a função de relações públicas. Com a demonstração das duas fontes de renda, a Poupex autorizou o financiamento e Alba Lúcia começou a pagar as prestações calculadas em R$ 679,37 para o prazo de 240 meses. Alba Lúcia acabou perdendo o emprego na Voyage Tour e aposentou pela Fundação da Universidade de Brasília. Com isso, a renda da mutuária caiu de forma considerável e a prestação que, de acordo com o contrato, poderia comprometer até 30% dos valores recebidos, chegou a atingir 82%. Na data da ação, março de 1998, Alba Lúcia recebia R$ 1.585,00 e a prestação da Poupex já atingia o valor de R$ 1.289,00. Preocupada com a dificuldade de quitar os valores, o que poderia causar a perda do imóvel, Alba Lúcia procurou a Poupex tentando a renegociação do débito. Segundo a mutuária, a Associação teria errado ao cadastrá-la como relações públicas, e não, servidora pública, sua principal atividade. E, com isso, os reajustes das prestações estariam sendo efetuados incorretamente e com valores bem acima do que seriam se fossem calculados de acordo com a função servidora pública. A Poupex negou o pedido alegando que o cadastro e os reajustes estariam corretos. Com a resposta da Poupex, Alba Lúcia recorreu à Justiça. A mutuária pediu ao Judiciário que determinasse à Associação a mudança do seu cadastro para servidora pública e, com isso, o recálculo das prestações com a devida compensação dos valores pagos. Alba Lúcia também solicitou que fosse observado o limite de comprometimento de renda de 30%, previsto no contrato. A primeira instância rejeitou o pedido. A servidora apelou, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios manteve a sentença. Segundo o TJ, não seria possível a vinculação do financiamento a outra categoria profissional. Com o julgamento do TJDFT, Alba Lúcia recorreu ao STJ. De acordo com o recurso, perdida uma das fontes de renda, a mutuária teria o direito à renegociação da dívida, com vista a garantir a proporção entre as prestações e sua renda atual. Afirmou ainda que teria direito à correção do seu cadastro para servidora pública e, com isso, a revisão das prestações do empréstimo. O ministro Ruy Rosado acolheu o pedido da mutuária. O relator citou a Lei 9.692 destacando que a perda de um dos empregos com a conseqüente diminuição da renda não é caso de automático reajuste, mas o mutuário tem o direito de pleitear a renegociação de sua dívida. E, segundo o relator, essa renegociação é que foi negada pela Poupex, pois, de acordo com informações da própria Associação, o cadastro de Alba Lúcia já teria sido corrigido para a categoria de servidora pública, mas as prestações não teriam sido recalculadas. Para Ruy Rosado, como Alba Lúcia foi reenquadrada como servidora pública, essa é a classificação que deve regular o reajuste desde a data que perdeu o emprego na companhia de turismo. O voto de Ruy Rosado foi acompanhado pelos demais ministros da Turma. Com a decisão, a Poupex terá que recalcular o financiamento aplicando o reajuste das prestações de acordo com a função do cadastro servidora pública, desde a data em que a mutuária perdeu o emprego na companhia de turismo. Além disso, a Poupex terá que corrigir os valores verificando a diminuição da renda para que as prestações não ultrapassem o percentual previsto no contrato - de 30% da renda. Processos: RESP 305438
Tendo em vista que a renda percebida pela autora, no caso acima
relatado, foi considerada para o cálculo do valor da prestação, com a alteração
90
posterior da sua situação econômica, deveria a Associação proceder à revisão do
contrato.
Conforme bem ponderado na decisão, “[...] a perda de um dos empregos
com diminuição da renda não é caso de automático reajuste do financiamento, mas
autoriza o mutuário a solicitar a renegociação”.
A perda de um dos empregos acarretou a diminuição da renda patrimonial
da autora de tal forma que o valor das prestações passou a equivaler, praticamente,
ao valor da renda por ela auferida, o que inviabilizaria o pagamento das prestações.
A perda do emprego, no nosso País, é fenômeno bastante corriqueiro e,
salvo se aceito por ambas as partes como condição do negócio, não integra a base
do contrato.
Não parece razoável que o devedor que não honre os compromissos
financeiros assumidos possa ser judicialmente exonerado do pagamento, tão-
somente porque houve alteração da sua situação econômica. Todavia, se a renda
da pessoa foi considerada no cálculo da prestação, notadamente nos casos de
mútuo bancário, havendo alteração da situação econômica considerada, deve haver
modificação do valor da prestação, para que seja possível o pagamento, ainda que
seja ajustada uma forma diversa da originalmente prevista, como um parcelamento
ou a concessão de um prazo maior.
Com efeito, se a renda do mutuário foi considerada no cálculo da parcela
devida, essa renda foi levada em conta dentre as circunstâncias nas quais as partes
fundaram a decisão de contratar, ou seja, integrou a base do negócio jurídico. Se um
evento superveniente alterou essa base, ocasionando excessiva onerosidade ao
consumidor, torna-se justificável a revisão do contrato.
O que importa, portanto, é identificar a base do negócio jurídico, já que a
alteração somente terá sentido se a alteração superveniente atingir as
circunstâncias nas quais as partes fundaram a decisão de contratar. Não se deve ter
em conta, portanto, as modificações de circunstâncias meramente pessoais, ou das
que estejam na esfera de influência da parte prejudicada, ou ainda as mudanças que
repercutiram no contrato pelo simples fato de a parte se encontrar em mora.
Outra situação muito recorrente ocorre com os contratos de arrendamento
mercantil indexados ao dólar.
91
Revisão de contrato - Arrendamento mercantil ("leasing") – Valor residual - Descaracterização. Relação de consumo. Taxa de juros - Fundamento inatacado. Indexação em moeda estrangeira (dólar norte-americano) - Crise cambial de janeiro de 1999 - Plano real. Aplicabilidade do art. 6º, inciso V, do CDC - Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior. Recurso Especial. Reexame de provas. Taxa de juros. Lei de Usura. Repetição do indébito. Prova do erro. Compensação. Ato jurídico perfeito. Dívida líquida, certa e exigível. Prévia decisão. - A cobrança antecipada do valor residual implica a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil. - Descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil, não se aplica a autorização excepcional prevista no art. 6º da Lei n. 8.880/94, e indevido mostra-se o reajuste das prestações pela variação cambial de moeda estrangeira. - O preceito insculpido no inciso V do artigo 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. - A desvalorização da moeda nacional frente à moeda estrangeira que serviu de parâmetro ao reajuste contratual, por ocasião da crise cambial de janeiro de 1999, apresentou grau expressivo de oscilação, a ponto de caracterizar a onerosidade excessiva que impede o devedor de solver as obrigações pactuadas. - A equação econômico-financeira deixa de ser respeitada quando o valor da parcela mensal sofre um reajuste que não é acompanhado pela correspondente valorização do bem da vida no mercado, havendo quebra da paridade contratual, à medida que apenas a instituição financeira está assegurada quanto aos riscos da variação cambial, pela prestação do consumidor indexada em dólar norte-americano. - É ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (arts. 6°, III, 31, 51, XV, 52, 54, § 3º, do CDC). - Incumbe à arrendadora desincumbir-se do ônus da prova de captação específica de recursos provenientes de empréstimo em moeda estrangeira, quando impugnada a validade da cláusula de correção pela variação cambial. Esta prova deve acompanhar a contestação (art. 297 e 396 do CPC), uma vez que os negócios jurídicos entre a instituição financeira e o banco estrangeiro são alheios ao consumidor, que não possui meios de averiguar as operações mercantis daquela, sob pena de violar o art. 6° da Lei n. 8.880/94. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial. - Nos termos da jurisprudência do C. STJ, via de regra, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios a 12% ao ano, prevista na Lei de Usura, aos contratos bancários. - É inadmissível Recurso Especial, quando inexistente prévia decisão, no acórdão recorrido, acerca da questão federal suscitada. REsp 376877 / RS, RECURSO ESPECIAL 2001/0168065-2. Rel. Min.
Nancy Andrighi, DJ 24/06/2002.
A decisão acima evidencia que, não obstante a previsibilidade das
flutuações cambiais, o Superior Tribunal de Justiça entendeu por rever o contrato,
92
tendo em vista a excessiva onerosidade advinda para o consumidor, em razão do
rompimento da equação econômico-financeira existente quando da contratação. A
despeito da ausência de menção à teoria desenvolvida por Karl Larenz, observa-se,
claramente, que a justificativa para a revisão foi, em última análise, a excessiva
onerosidade decorrente da quebra da base do negócio.
É relevante observar que o STJ deixou assentado o entendimento – que,
se entende, está em plena consonância com o CDC – de que a previsibilidade do
fato superveniente não obsta a revisão do contrato, o que evidencia a rejeição da
Teoria da Imprevisão como parâmetro para a aplicação do art. 6º, V, segunda parte,
do Código de Defesa do Consumidor.
Em decisão ainda mais recente, a referida Corte, além de rejeitar a tese
de que seria necessária a imprevisibilidade do evento, foi ainda mais além,
referindo-se expressamente à Teoria da Base do Negócio Jurídico, de Karl Larenz.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO Nº 679.815 - SP (2008/0270491-0) RELATOR: MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) EMBARGANTE: TRANSPORTADORA WEISS LTDA ADVOGADO: DIRCEU ROSA ABIB JUNIOR EMBARGADO: HSBC BAMERINDUS LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A ADVOGADO: VALTER PIVA DE CARVALHO E OUTRO(S) DECISÃO [...] De plano, verifica-se que a sentença originária julgou parcialmente procedentes a ação cautelar e a ação principal de revisão de cláusula contratual ajuizadas por Transportadora Weiss Ltda., para tornar definitiva a liminar e determinar a substituição da variação cambial como critério de reajuste das parcelas do leasing pela aplicação da variação do INPC. Na instância a quo foi dado provimento à apelação da parte contrária, em julgado majoritário que recebeu a seguinte ementa: "ARRENDAMENTO MERCANTIL DE BENS MÓVEIS - CLÁUSULA DE REAJUSTE DE ACORDO COM A VARIAÇÃO DO DÓLAR - TEORIA DA IMPREVISÃO - INAPLICABILIDADE - ARRENDANTE QUE CAPTOU RECURSOS NO EXTERIOR - SÚBITA ELEVAÇÃO DA MOEDA QUE ATINGIU A TODOS - AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE - SUCUMBÊNCIA - INVERSÃO - CABIMENTO. Apelação provida." O voto divergente, naquela instância, foi assim fundamentado, no particular: "[...] Em síntese, para o caso presente, basta a onerosidade excessiva, que é evidente, e, no que concerne às prestações desproporcionais e exageradas, atente-se para o que consta da inicial. Ademais, e no tocante à alegação de que a variação cambial afeta a ambos os contratantes, e isso porque os recursos financeiros para a operação foram captados no exterior, é preciso não esquecer que, na aplicação da lei, o julgador deve estar atento aos fins sociais a que ela se destina (cf. artigo 5o da Lei de Introdução ao Código Civil). Esse princípio, na órbita consumerista, significa a ponderação de forças entre o Fornecedor e o Consumidor, isto é, a
93
avaliação concreta da capacidade de cada uma das partes suportar ônus decorrentes das relações entre elas estabelecidas, valendo ressaltar que as instituições financeiras, como é sabido, cercam-se de cautelas que impedem ou minimizam prejuízos decorrentes das flutuações verificadas. Em suma, não se pode equiparar a situação do consumidor individual, homem médio, com a de entidades com recursos muito superiores, e não só financeiros.[...]. No caso do leasing em dólar, a resposta jurisprudencial foi exemplar quanto à proteção do consumidor, mas dispare quanto aos fundamentos. Muitos Tribunais optaram por permitir a rescisão contratual com base nas teorias da imprevisão, visualizando-as no CDC, outros utilizaram-se do art. 6º, V, modificando a cláusula de reajuste do preço, ora substituindo-a por outros índices, ora reequilibrando a relação e o sinalagma funcional deste tipo de contrato, intimamente ligado aos juros do financiamento. O importante desta segunda linha de opiniões, a qual me filio, é ter concretizado a cláusula geral do art. 6º, V, como introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro a teoria da quebra da base objetiva do negócio, preconizada por Larenz. Neste sentido, não há necessidade de que o fato superveniente do art. 6º, V, seja "imprevisível", "bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor" (REsp 268.661-RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, j . 16.08.2001). A riqueza desta linha de decisão está também em ter destacado que os riscos profissionais típicos inerentes à organização da cadeia de fornecimento deste tipo de negócio (por exemplo: decisão da fonte - no reduzido mercado nacional ou no exterior - de proveniência dos recursos usados para o financiamento do leasing) devem ser suportados pelos fornecedores e não podem ser transferidos para os consumidores (mesmo se lei ordinária assim autoriza), sendo abusiva a cláusula contratual que assim autorize. Estas decisões ainda destacam a importância do direito de informação dos consumidores e do dever de aconselhamento dos fornecedores - especialistas em leasing e em captação profissional de recursos para o negócio financeiro - diante dos consumidores leigos: "E ilegal a transferência de risco da atividade financeira, no mercado de capitais, próprio das instituições de crédito, ao consumidor, ainda mais que não observado o seu direito de informação (art. 6o, III, e 10, caput, 31 e 52 do CDC)" (REsp 268.661-RJ. Rei. Min. Nancy Andrighi, j . 16.08.2001). Por fim, merece destaque o fato desta linha jurisprudencial ter bem evidenciado que a técnica do CDC, de assegurar direitos materiais ao consumidor, de modificação das cláusulas excessivamente onerosas, por exemplo, e de impor deveres de informação e de abstenção do abuso ao fornecedores, per se, influencia o direito processual de defesa do consumidor, ao impor ex vi lege determinadas provas ao fornecedor: "A exigência de que a arrendadora prove a origem do dinheiro utilizado no contrato, para efeito de vinculação das contraprestações à variação do dólar americano, não representa inversão quanto ao ônus da prova" (STJ, AGREsp 275.391/MG, 3a Turma, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19.06.2001)" (cf. "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", 4a edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp. 472/483). [...] Assim, e como se tem reiteradamente julgado, no reajuste das prestações do contrato, que é de leasing e atrelado à variação cambial, o ônus decorrente da brusca variação da taxa cambial, ocorrido em razão da mudança da política governamental a partir de janeiro de 1999, deve ser repartido igualmente entre as partes. Em conseqüência da procedência parcial, a sucumbência é recíproca, repartindo-se entre as partes as custas e despesas processuais, ficando cada qual responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios dos respectivos patronos. Isto posto e, considerando tudo o quanto mais consta dos autos, dou provimento parcial à apelação." (grifou-se).
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Verifica-se do exposto que: a sentença de primeiro grau deu provimento ao pedido do autor, para afastar a variação cambial; a decisão majoritária reconheceu ser ela cabível in totum e o voto vencido acolheu parcialmente o apelo, mantendo a variação cambial, contudo minimizando seus efeitos, pela partilha dos ônus dela entre as partes. [...] EAg 679815, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, 04/08/2009
Marques (2006, p. 920) também sustenta que a alteração superveniente,
para ensejar a revisão dos contratos de consumo, não exige a ocorrência de eventos
extraordinários e imprevisíveis, o que afasta, portanto, a Teoria da Imprevisão.
Nesse sentido continuo convencida de que a expressão onerosidade excessiva do art. 6º, V, do CDC não encontra sua fonte no Código Civil italiano de 1942, que, em seu art. 1.647, exige a ocorrência de evento extraordinário e imprevisível, nem no novo Código Civil brasileiro de 2002, art. 478, que, além da onerosidade excessiva, exige a “extrema vantagem para a outra”, mas sim nas teorias mais modernas e objetivas, especialmente a teoria da base do negócio jurídico, conhecidas pela doutrina, mas até então não positivadas no ordenamento pátrio.
Os argumentos decisivos que me moveram a evoluir em relação à opinião defendida na primeira edição desta obra é que mencionar simplesmente que a teoria da imprevisão teria sido aceita pelo CDC pode ser uma interpretação do art. 6º, inciso V, prejudicial ao próprio consumidor, pois dele pode ser exigida a referida imprevisão e extraordinariedade do ocorrido, fatos não mencionados no referido artigo. As mudanças – eqüitativas – da interpretação do STJ no caso do leasing em dólar parecem ter como fundamento, em minha opinião, mais uma idéia de tratamento justo pela boa-fé, a evitar a ruína de ambos os contraentes, do que seguir uma nova teoria sobre a imprevisão, ainda mais se pensarmos que tais decisões não diferenciavam normalmente quanto à profissionalidade do “consumidor” e seu diferente porte econômico. De outro lado, como gênero, as teorias sobre a imprevisão sempre visaram prioritariamente a liberação do contratante supervenientemente debilitado, sua desobrigação, retirando assim do consumidor – ou, pelo menos, diminuindo em intensidade – seu novo direito de manter o vínculo e ver recriado o equilíbrio contratual original por atuação modificadora do juiz. Essa possibilidade de revisão contratual por fatores objetivos e supervenientes parece-me efetivamente a maior contribuição do art. 6º, V, do CDC e sua exceção ao sistema de nulidades absolutas”.
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A doutrina majoritária tem seguido o entendimento do STJ e de Marques
(2006), no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor recepcionou a Teoria
da Base do Negócio Jurídico de Karl Larenz38.
A teoria desenvolvida por Karl Larenz – que dispensa a
extraordinariedade e a imprevisibilidade do acontecimento superveniente – mostra-
se, de fato, a mais adequada para a interpretação e a aplicação do art. 6º, V,
segunda parte do CDC. E as razões para isso são várias, conforme se procurou
demonstrar ao longo do presente capítulo.
38 Assim se manifestou Costa (2007, p. 72). “O Código Civil de 2002 não adotou a teoria da base objetiva do negócio em
nenhum de seus artigos, tal como fez o Código de Defesa do Consumidor no art. 6º, V ao autorizar a revisão do contrato como direito básico do consumidor em virtude de prestações que em razão de fatos supervenientes se tornem excessivamente onerosas”.
Transcreve-se, também, o posicionamento de Garcia (2009, p. 60). “No que tange à segunda parte do inciso V, que contempla a revisão das cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, ocorrendo uma quebra do sinalagma funcional do contrato, no qual o desequilíbrio surge no decorrer da execução contratual, cabe ressaltar que muitos doutrinadores e juízes entendem que o dispositivo se refere à teoria da imprevisão. No entanto, não concordamos com tal entendimento, filiando à corrente majoritária, que entende tratar-se da teoria da base objetiva do negócio jurídico”.
Ainda, segundo Martins-Costa (2008, p. 256), na obra Comentários ao Novo Código Civil, fora de dúvida que, nas relações de consumo, prevalece a Teoria da Base Objetiva, acolhida no CDC, mas mesmo nas relações de direito privado comum a exigência da imprevisibilidade deverá, a meu juízo, ser relativizada, para considerar-se a expressão em seu significado normativo, de correspondência à legítima expectativa das partes no momento da conclusão do ajuste, tendo-se em conta, como fato primordial, o objetivo desequilíbrio não imputável à parte prejudicada.
96
10 A TEORIA DA BASE DO NEGÓCIO JURÍDICO E A REVISÃO DOS
CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL EM UMA BREVE COMPARAÇÃO C OM A
REVISÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO
No capítulo anterior, procurou-se demonstrar que a Teoria da Base do
Negócio Jurídico, de Karl Larenz, é a mais adequada para a correta interpretação e
aplicação da regra do art. 6º, V, segunda parte, do CDC, partindo da análise
sistemática e teleológica das normas de proteção ao consumidor. Pretende-se,
agora, ir um pouco mais além, para esclarecer que, mesmo no direito comum, a
teoria desenvolvida por Karl Larenz pode ser de grande utilidade.
É claro que o objeto deste trabalho – que é a análise da Teoria da Base
do Negócio Jurídico na revisão dos contratos de consumo – não comporta uma
análise mais ampla e pormenorizada das hipóteses de aplicação dessa teoria no
direito brasileiro. Deixar de se referir, contudo, à possibilidade de aplicação da
Teoria da Base do Negócio Jurídico fora do Direito do Consumidor poderia conduzir
à equivocada ilação de que a aplicabilidade de tal teoria estaria restrita ao CDC.
Com o intento de se evitar tal inferência e, ainda, como o propósito de
facilitar a adequada compreensão das diferenças entre a revisão contratual no
regime protetivo do Código do Consumidor e naquele adotado pelo Código Civil,
abordar-se-á, neste capítulo, de forma sucinta, a aplicação da Teoria da Base do
Negócio Jurídico no Direito Civil, em cotejo com o Direito do Consumidor.
Tal exame pressupõe, inicialmente, um breve esclarecimento sobre os
princípios que regem o Direito Civil, os quais, a partir da vigência do Código Civil de
2002, muito se aproximaram daqueles que norteiam o Direito do Consumidor.
Com efeito, o Código Civil de 1916 sofrera grande influência do
positivismo jurídico, sobretudo do Código de Napoleão. Àquela época, a sociedade
brasileira era eminentemente agrária, as relações comerciais menos complexas e a
intervenção do Estado nas relações não era desejada pelo comércio. Prevalecia o
espírito da liberdade de contratação e da autonomia da vontade.
Já o Código Civil de 2002 incorporou outra filosofia. Valorizou as normas
abertas, a atividade criadora dos magistrados, e elegeu a boa-fé objetiva o núcleo
em torno do qual se operou toda a alteração do diploma civil. A sociedade atual
97
brasileira, urbana e globalizada, recepcionou os princípios da eticidade, da
socialidade e da operabilidade.
Miguel Reale, no artigo Sentido do Novo Código Civil, comenta as razões
que levaram o legislador a adotar esses novos princípios.
Quando entrar em vigor o novo Código Civil, a 10 de janeiro de 2.003, perceber-se-á logo a diferença entre o código atual, elaborado para um País predominantemente rural, e o que foi projetado para uma sociedade, na qual prevalece o sentido da vida urbana. Haverá uma passagem do individualismo e do formalismo do primeiro para o sentido socializante do segundo, mais atento às mutações sociais, numa composição equitativa de liberdade e igualdade.
Além disso, é superado o apego a soluções estritamente jurídicas, reconhecendo-se o papel que na sociedade contemporânea voltam a desempenhar os valores éticos, a fim de que possa haver real concreção jurídica. Socialidade e eticidade condicionam os preceitos do novo Código Civil, atendendo-se às exigências de boa-fé e probidade em um ordenamento constituído por normas abertas, suscetíveis de permanente atualização.
O Código Civil de 2002 também inovou em relação ao de 1916, ao
reconhecer o instituto da lesão como fator de nulidade do contrato e valorizar o
princípio da conservação dos contratos. Além disso, também se preocupou com a
equivalência das prestações e disciplinou a possibilidade de resolução ou de
modificação do contrato, se alterações supervenientes acarretarem onerosidade
excessiva a uma das partes.
Ressalte-se, contudo, que o legislador do Código Civil de 2002 foi mais
rígido do que o do Código de Defesa do Consumidor, na medida em que exigiu, para
a revisão dos contratos, a imprevisibilidade e a extraordinariedade do evento,
conforme se depreende da leitura dos artigos abaixo transcritos.
Art. 317: Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Art. 478: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
98
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479: A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Por ser um código para iguais, ao contrário do CDC, que tutela uma
das partes – o consumidor –, o legislador optou por critérios mais rígidos, não
admitindo que quaisquer acontecimentos supervenientes ensejassem a revisão.
Exigiu-se que tais acontecimentos fossem extraordinários e imprevisíveis. É em
decorrência desses requisitos que a doutrina majoritária entende que o Código Civil
adotou a Teoria da Imprevisão39.
Com efeito, diferentemente do que ocorre no Direito do Consumidor – em
que, no sopesamento entre a segurança jurídica e a justiça contratual, a balança
tende a se inclinar, sem maiores dificuldades, para o lado desta última –, a
ponderação desses valores, nas relações regidas pelo Código Civil, apresenta-se
mais complexa. Nas relações entre iguais, o próprio legislador assume uma maior
preocupação com a preservação da segurança jurídica e, como decorrência disso,
passa a exigir requisitos mais rigorosos para se proceder à revisão do que fora
livremente pactuado.
É certo que o Direito Civil, da mesma forma que o Direito Consumerista,
está inserido em um contexto marcado pela permeabilidade aos valores. A boa-fé
objetiva, igualmente, atua como um limitador da autonomia da vontade, e a
socialidade representa a valorização da pessoa humana, consagrando a
humanização do Direito Civil. Sob esse prisma, a balança parece se inclinar para o
lado da preservação da justiça contratual.
Por outro lado, não se despreza que o Direito Civil disciplina relações
entre sujeitos que ocupam posição, pelo menos formalmente, de igualdade. Em
decorrência da maior liberdade de negociação das partes, a ponderação entre a
39 Tepedino, Barboza e Moraes (2006, p. 130) esclarecem que “[...] o escopo da resolução por onerosidade excessiva, tal
como disposta no artigo ora em análise (art. 478 do CC) e nos seguintes, limita-se formalmente àquilo que na doutrina brasileira se convencionou chamar de teoria da imprevisão (a teoria da imprevisão francesa, que deu origem ao modelo, estava ligada originalmente a contratos administrativos): além de subseqüente à celebração do ajuste, a onerosidade excessiva capaz de ensejar a resolução do contrato não implica considerar-se o desequilíbrio contratual em si mesmo decisivo, senão quando se demonstre o caráter extraordinário e imprevisível da alteração das circunstâncias que o hajam determinado e quando se demonstre a vantagem extrema que tal alteração traz para o credor. Daí afirmar Miguel Reale que o instituto constitui um exemplo de solução de compromisso entre liberdade e justiça contratuais: ‘Eis aí um exemplo em que, de um lado, se preserva o direito de contratar e, de outro lado, se previne o abuso que o contratante pode exercer, tirando proveito para si de circunstâncias que estão alheias à vontade de ambos naquele momento em que as vontades se uniram pelo laço contratual’(Miguel Reale, O Projeto de Código Civil, p. 47)”.
99
justiça contratual e a segurança jurídica exige, frequentemente, uma análise
econômica dos contratos, que leva em consideração, entre outros fatores, os custos
de transação e a livre assunção dos riscos pelos agentes no mercado. Essa maior
possibilidade de atuação livre no mercado indica que a balança tende a se inclinar
para o lado da segurança jurídica e, em última análise, da manutenção dos contratos
livremente firmados pelas partes.
Nesse complexo labor de ponderação entre valores igualmente tutelados
pela ordem jurídica, não há como dizer, de antemão, se o contrato deve ou não ser
revisto. Somente a análise do caso concreto poderá permitir que se chegue a uma
resposta conclusiva sobre o valor prevalente. E aqui, tal como no Direito do
Consumidor, a Teoria da Base do Negócio Jurídico poderá oferecer um importante
auxílio ao intérprete.
No capítulo anterior, demonstrou-se que a chave para a compreensão do
art. 6º, V, segunda parte, do CDC está na expressão excessivamente onerosas, e
que a Teoria desenvolvida por Karl Larenz permite ao intérprete, exatamente,
compreender quando ocorrerá a onerosidade excessiva para o consumidor, ao
indicar as circunstâncias iniciais a serem consideradas como o parâmetro para a
análise das alterações supervenientes.
Partindo-se da constatação de que a grande contribuição da Teoria da
Base do Negócio Jurídico encontra-se na identificação das circunstâncias iniciais a
serem consideradas como o parâmetro para a análise das posteriores alterações,
não é difícil concluir que, também no âmbito do direito comum, essa teoria pode ser
de grande utilidade. Com efeito, ela se mostra um instrumento valioso na
identificação das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
É certo que, no tocante aos contratos regidos pelo Código Civil, a revisão
das prestações pressupõe que os acontecimentos supervenientes sejam
extraordinários e imprevisíveis e, também, que a onerosidade excessiva advinda
para um dos contratantes acarrete, de igual modo, uma vantagem extrema para o
outro contratante.
Ainda assim, a teoria desenvolvida por Karl Larenz, de modo similar ao
que ocorre no Direito do Consumidor, poderá auxiliar o intérprete na identificação do
estado geral de coisas a ser utilizado como parâmetro para a compreensão das
expressões excessivamente onerosa, extrema vantagem e desproporção manifesta.
100
Afinal, a onerosidade para uma das partes, a vantagem para a outra e a
desproporção, por si sós, não conduzem à revisão das prestações. De forma similar
ao tratamento dado pela lei consumerista, até certo limite, portanto, opta-se pela
preservação da segurança jurídica. Quando a onerosidade se torna excessiva, a
vantagem exagerada e a desproporção manifesta, ou seja, quando ultrapassada a
fronteira do razoável, a restauração do sinalagma se impõe, e a segurança jurídica
cede espaço para a justiça contratual.
O parâmetro para análise da onerosidade excessiva, da vantagem
exagerada ou da manifesta desproporção deve partir, portanto, da análise das
circunstâncias ou estado geral de coisas cuja subsistência é objetivamente
necessária para que o contrato exista como regulação dotada de sentido. O
parâmetro é, por conseguinte, a base do negócio jurídico, ou seja, as circunstâncias
em que as partes fundaram a decisão de contratar.
Respeitadas, portanto, as características e peculiaridades de cada
diploma legal, entende-se que a teoria desenvolvida por Larenz (2002), mostra-se
extremamente útil ao julgador, esteja ele diante de uma relação regida pelo Direito
Civil ou de uma relação de consumo.
Tal como nas relações de consumo, a revisão dos contratos no Direito
Civil é medida excepcional, só se justificando se houver a quebra da base do
negócio jurídico. Ao analisar uma relação contratual regida pelo Direito Civil, o
julgador precisará avaliar, portanto, se a alteração das circunstâncias, imprevisível e
extraordinária, acarretou a destruição da relação de equivalência ou a
impossibilidade de se alcançar o fim do contrato, de modo a justificar ou não a sua
revisão40.
Aliás, é de se notar que a Teoria da Imprevisão não traz solução para a
hipótese em que a prestação é possível, mas o seu cumprimento, em decorrência de
alterações supervenientes, não permita mais que seja alcançada a finalidade do
40 Segundo Larenz, (2002, p. 209) “A transformação das circunstâncias existentes à conclusão do contrato só pode ser considerada como desaparecimento da base do negócio caso: Ambas as partes contratantes houvessem celebrado o contrato precisamente em atenção a determinadas circunstâncias cuja aparição ou persistência era positivamente esperada pelas partes (base subjetiva do negócio); A subsistência dessas circunstâncias é necessária objetivamente para que o contrato (no sentido das intenções de ambos os contratantes) possa existir como regulação dotada de sentido (base objetiva do negócio). Uma radical transformação da situação econômica do devedor não justifica de imediato a admissão do desaparecimento da base do negócio. No procedimento de execução forçada ou, sempre que se cumpram os requisitos legais pertinentes, durante o procedimento de amparo para a revisão de contratos podem ser levados em conta tão somente as repercussões do cumprimento do contrato na capacidade para a prestação e na posição econômica do devedor”.
101
contrato. Diante disso, a Teoria da Base do Negócio Jurídico pode desempenhar
outro importante papel no âmbito das relações contratuais regidas pelo Código Civil.
Afinal, deverão as partes permanecer vinculadas a um contrato em que a
base objetiva foi quebrada? Definitivamente não. A conjugação dos arts. 113, 421 e
42241 do Código Civil não permite uma interpretação tão simplista.
Silva (2008, p. 95) já defendia a aplicação da Teoria da Base Objetiva do
Negócio Jurídico, na vigência do Código Civil de 1916, no caso de alteração das
prestações em razão da inflação e nos casos de modificações resultantes dos atos
estatais de intervenção na economia, que ocorriam com a fixação de preços
máximos e mínimos.
Em suma, a objetivação, o aspecto institucional do negócio jurídico, permite que o juiz adapte o contrato com mais liberdade; se ele já houver sido cumprido, pode determinar uma complementação do preço, pois não está adstrito à vontade das partes, e, portanto, ao princípio pacta sunt servanda. Deve preencher a dupla lacuna, a do contrato e a da lei. Para isso, tem de observar não só as soluções legais existentes, mas também os aspectos de fato. Se o contrato se insere no campo do Direito dos preços, e se existe um preço mínimo ultrapassado pelo aumento dos insumos normais e necessários à sua produção, pode o juiz tomar o critério do preço mínimo e adequá-lo à realidade presente, corrigindo-o, monetariamente, como uma forma de reequilibrar o contrato, tornando, ainda que somente em parte, equivalente as prestações. Essa possibilidade decorre da circunstância de competir ao juiz superar o conflito existente entre os aspectos voluntarísticos do negócio jurídico e a realidade subjacente, o seu aspecto institucional, sendo certo que uma profunda modificação nas prestações altera o “sistema de riscos”, essencial ao contrato, e sem o qual ele não pode cumprir a função a que se destina. Em conclusão, feitas estas considerações, podemos afirmar que, fora de dúvida, o nosso sistema adota a teoria da base objetiva do negócio jurídico, em razão de a relação jurídica apresentar aspectos voluntarísticos, ou subjetivos, e objetivos, ou institucionais, resultantes da tensão entre o contrato e a realidade econômica. Esta tensão constitui, precisamente, a “base objetiva” do contrato.
Resta claro, então, que, além de auxiliar o julgador na análise de quais
circunstâncias são relevantes e, portanto, integram o contrato, a Teoria desenvolvida
41 Art. 113 do Código Civil de 2002: Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração. Art. 421 do Código Civil de 2002: A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Art. 422 do Código Civil de 2002. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
102
por Karl Larenz também pode ser aplicada aos casos em que o Direito Civil não
contemplou solução para a perda da finalidade do negócio jurídico.
Entende-se, portanto, que a Teoria da Base do Negócio Jurídico é a que
mais se aproxima da solução desejada, para corrigir os desequilíbrios causados pela
alteração superveniente das circunstâncias. Ao estabelecer parâmetros mais
precisos e objetivos para a revisão contratual, Karl Larenz teve o mérito de facilitar o
trabalho de ponderação entre a justiça contratual e a segurança jurídica,
contribuindo para o exame da alteração superveniente das circunstâncias em
quaisquer negócios jurídicos.
Exatamente por isso, a sua aplicabilidade, no direito brasileiro, não se
restringe à revisão dos contratos de consumo. A Teoria da Base do Negócio Jurídico
mostra-se um instrumento extremamente útil para que, no caso concreto, se possa
concluir pela revisão ou não das prestações, independentemente de se tratar de
contrato regido pelo CDC ou pelo direito comum. O importante é que o intérprete
procure compreendê-la e aplicá-la à luz dos princípios e regras próprios de cada
ramo do Direito.
103
11 CONCLUSÃO
A impossibilidade de se prever alterações supervenientes das
circunstâncias existentes no momento da celebração do contrato, causadas por
fatores diversos, tais como as guerras, as crises e as instabilidades econômicas, fez
com que o cumprimento de alguns contratos de execução futura gerasse
verdadeiras injustiças. O enriquecimento de um dos contratantes às custas da ruína
do outro tornou evidente a necessidade de revisão ou de extinção de alguns
vínculos, com o fim de preservar a justiça contratual.
O restabelecimento da justiça como fundamento para a modificação dos
pactos, se as condições não permanecessem no estado em que se encontravam no
momento da avença, não é uma preocupação recente, mas remonta do estoicismo.
Ao longo da história, foram desenvolvidas várias teorias revisionistas,
tendo como objetivo uma adequada ponderação entre a justiça contratual e a
segurança jurídica.
Nos períodos em que prevaleceu o ideal de justiça dos estoicos, de
Platão e de Aristóteles, e os valores inter-relacionavam-se com o sistema jurídico, a
revisão foi admitida para a manutenção do equilíbrio nas relações. Nos períodos em
que o direito se distanciou da moral, e a autonomia da vontade e as leis
prevaleceram sobre os valores, a preocupação com a justiça foi relegada a segundo
plano, e a revisão afastada por ter sido considerada atentatória à segurança jurídica.
Superada hoje a concepção estritamente positivista que inspirou o
legislador do início do século XX, o direito contratual brasileiro incorporou novos
princípios orientadores, a exemplo da função social e da boa-fé objetiva.
No Direito do Consumidor, a preocupação com o equilíbrio entre as partes
mereceu uma especial atenção do legislador, que procurou atenuar a desigualdade
entre os sujeitos da relação de consumo, mediante a adoção de normas de ordem
pública e de interesse social, alheias, portanto, à esfera de disponibilidade das
partes. O direito à revisão do contrato conferido ao consumidor foi, portanto, uma
decorrência natural da principiologia do CDC. Com efeito, partindo do
reconhecimento da desigualdade entre os sujeitos da relação de consumo, o
legislador tutelou, de forma diferenciada, os interesses do consumidor e reconheceu-
104
lhe, expressamente, diversos direitos, dentre os quais o direito à “[...] modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua
revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”
(art. 6º, V).
A teoria mais adequada para auxiliar na exegese e na aplicação da
revisão contratual prevista no referido dispositivo é a da Base do Negócio Jurídico,
desenvolvida por Karl Larenz. Esta teoria teve o mérito de estabelecer parâmetros
mais objetivos e seguros para a revisão dos contratos, o que representa uma
significativa vantagem sobre as demais teorias revisionistas analisadas ao longo
deste trabalho.
Ademais, tal teoria não exige que a alteração das circunstâncias seja
imprevisível, nem que a excessiva onerosidade advinda para um contratante
acarrete, na mesma medida, uma vantagem excessiva para o outro. Ela se
concentra, em suma, na destruição da base do negócio e na necessidade de seu
restabelecimento, o que atende à busca da justiça contratual e se compatibiliza com
o espírito do Código de Defesa do Consumidor.
A Teoria da Base do Negócio Jurídico indicará ao intérprete as
circunstâncias iniciais a serem consideradas como o parâmetro para a análise das
alterações supervenientes. Ela permitirá, portanto, a identificação de um ponto de
partida que, em cotejo com as circunstâncias atuais, permitirá dizer se a
onerosidade é ou não excessiva e, por conseguinte, se deve ou não ocorrer a
revisão do contrato.
A identificação desse parâmetro deve partir da análise das circunstâncias
ou estado geral de coisas cuja subsistência é objetivamente necessária para que o
contrato exista como regulação dotada de sentido. O parâmetro é, portanto, a base
do negócio jurídico, ou seja, as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão
de contratar.
A justiça contratual exige que a base relevante considerada pelas partes
seja mantida. Se ocorrer a quebra da equivalência subjetiva ou se a finalidade
objetiva for inalcançável, ocasionando excessiva onerosidade para o consumidor, o
contrato deve ser revisto.
Não se ignora, contudo, as dificuldades de se determinar qual o limite a
parte afetada deve suportar quando ocorre a perturbação da equivalência. Essa
situação apenas no caso concreto pode ser avaliada pelo juiz, que decidirá, na
105
hipótese submetida à sua apreciação, se houve a perda da relação de equivalência
com tal magnitude que não se possa mais falar em contrato sinalagmático.
Embora Karl Larenz pretendesse construir uma teoria que não se valesse
da equidade e da boa-fé, a Teoria da Base do Negócio Jurídico não dispensa,
portanto, a análise do caso concreto e a sua harmonização com a equidade, com a
boa-fé objetiva e com os demais princípios adotados pelo nosso ordenamento
jurídico.
Essa teoria, como diretriz para a revisão dos contratos de consumo, deve,
por conseguinte, atender, dentre outros, aos princípios da boa-fé, da função social,
da proteção do consumidor e da conservação dos contratos e com eles se
harmonizar.
Desde que seja compreendida e aplicada à luz dos princípios positivados
no ordenamento jurídico brasileiro e, em especial, dos princípios constitucionais e
infra-constitucionais voltados à tutela do consumidor, a Teoria desenvolvida por Karl
Larenz – centrada no restabelecimento da base do negócio jurídico e, por
conseguinte, no da justiça contratual – mostra-se um instrumento extremamente útil
para a efetiva concretização desses princípios.
106
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