1
SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 SALVADOR REGIÃO METROPOLITANA A5 COMPORTAMENTO Para especialistas, clima de insegurança interferiu em questões básicas do cotidiano da sociedade baiana Greve da PM disseminou ‘cultura do medo’ JULIANA BRITO Diante dos casos de assassi- natos, saques e ataques a ôni- bus, a população de Salvador viveu momentos de medo a qualquer sinal de desordem, comportamento que ainda não foi de todo superado. A vulnerabilidade causada pela ausência da polícia nas ruas fez com que boatos, alguns deles infundados, e desaba- fos ganhassem as redes so- ciais e conversas do cotidiano, o que aumenta a sensação de insegurança do cidadão. “Para a criança, o adulto é o protetor; para o adulto essa função é do governo e da po- lícia. A ausência dessa pro- teção gera uma sensação de desamparo que faz com que você entre em pânico”, ana- lisa o psicólogo e mestrando em cultura e sociedade Gil- mário Nogueira. A greve da polícia, na interpretação do especialista, mexeu com questões básicas do cotidia- no. “Quando você sai, pensa em como vai voltar. Na greve, você pensa no que pode te acontecer. Não temos garan- tia de que vamos voltar para casa”, diz Nogueira. A psicóloga Cristina Tiauhy acredita que a situação de vul- nerabilidade evoca questões mais primitivas das pessoas, como a sensação de desam- paro. “Fora a real vulnerabi- lidade, acabamos trazendo à tona conteúdos dramáticos da nossa história. Esse medo que sentimos, em parte, é im- portante para que as pessoas se protejam do real perigo, mas do outro nos imobiliza”, pondera Cristina. Para o sociólogo especialis- ta em criminologia Eduardo Paes Machado, a sensação de insegurança existe desde os anos 1980, e é intensificada pelos episódios ocorridos nesta greve. “É uma insegu- rança que ultrapassa gover- nos. Uma parte dela tem fun- damentos objetivos e a outra parte é subjetiva”, diz. Traço cultural Ele acredita que a situação vi- vida pela cidade nos últimos dias reflete um traço cultural que precisa ser modificado. “Vivemosnumasociedadein- civilizada que acredita forte- mente no valor da violência para lidar com o conflito. Quando a gente fala que a PM é violenta, temos que analisar a nossa parte na violência. Precisamos melhorar os nos- sos costumes”, analisa. Se os fatos geram medo, os boatos aumentam ainda mais a insegurança da popu- lação. O sociólogo Eduardo Paes Machado vê o fenômeno como “natural” e parte do ins- tinto social. “A mídia não dá conta de tudo, e se informar é preciso. Os boatos se desen- volvem em contextos onde há desconhecimento. É um meio que as pessoas têm para se anteciparem e terem algum controle sobre a situação, fan- tasioso por sinal”, diz Macha- do. Mas como qualquer men- sagem divulgada, os efeitos desses boatos são imprevisí- veis. Vulnerabilidade causada pela ausência da polícia nas ruas fez com que boatos, alguns infundados, ganhassem as redes sociais e conversas do cotidiano “Na greve, você pensa no que pode te acontecer. Não temos garantia de que vamos voltar para casa” GILMÁRIO NOGUEIRA psicólogo Ministério Público Federal investiga ações de grevistas DA REDAÇÃO O Ministério Público Federal na Bahia (MPF-BA) solicitou a abertura de inquérito policial para investigar o que consi- dera “atentados contra a se- gurança nacional e a ordem política e social”, cometidos durante a greve de integran- tes da Polícia Militar baiana. O núcleo criminal da Pro- curadoria da República na Ba- hia divulgou já está colhendo elementos que possam ser usados como provas “para a responsabilização criminal dos indivíduos que planeja- ram atentados, sabotaram meios e vias de transporte e impediram o funcionamento de poderes públicos durante a greve”. O núcleo criminal da Pro- curadoria da República na Ba- hia (PR-BA) requisitou, na tar- de da última sexta-feira, à Su- perintendência Regional da Polícia Federal, abertura de inquérito policial para inves- tigar os crimes, que são des- critos nos artigos 15, 18, 19 e 23 da Lei de Segurança Nacio- nal. Gravações O procurador da República André Batista, que acompa- nha o caso, solicitou ao Mi- nistério Público do Estado da Bahia (MP-BA) o compartilha- mento das gravações telefô- nicas que demonstraram a ar- ticulação do comando da gre- ve com a prática de atos con- tra a ordem pública. “O movimento grevista efe- tivamente atentou contra a sociedade e os valores basi- lares da democracia, basta lembrar que a sede estadual do Poder Legislativo se viu ocupada e os Judiciários es- tadual e federal deixaram de operar”, disse o procurador. A atuação partiu da deter- minação expedida pelo coor- denador criminal da PR-BA, Vladimir Aras, solicitando a autuação de notícia-crime pa- ra apurar o movimento rei- vindicatório ilegal de poli- ciais militares, “que causa gravíssimo quadro de insta- bilidade política e social”. No despacho, Aras destaca que, mesmo diante do comando federal da segurança no Es- tado, “policiais amotinados e insubordinados não recua- ram de atos de vandalismo e apropriação”.

Greve da PM disseminou cultura do medo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Para especialistas, clima de insegurança interferiu em questões básicas do cotidiano da sociedade baiana

Citation preview

Page 1: Greve da PM disseminou cultura do medo

SALVADOR DOMINGO 12/2/2012 SALVADOR REGIÃO METROPOLITANA A5

COMPORTAMENTO Para especialistas, clima de insegurança interferiu em questões básicas do cotidiano da sociedade baiana

Greve da PM disseminou ‘cultura do medo’JULIANA BRITO

Diante dos casos de assassi-natos, saques e ataques a ôni-bus, a população de Salvadorviveu momentos de medo aqualquer sinal de desordem,comportamento que aindanão foi de todo superado. Avulnerabilidade causada pelaausência da polícia nas ruasfez com que boatos, algunsdeles infundados, e desaba-fos ganhassem as redes so-ciais e conversas do cotidiano,o que aumenta a sensação deinsegurança do cidadão.

“Para a criança, o adulto é oprotetor; para o adulto essa

função é do governo e da po-lícia. A ausência dessa pro-teção gera uma sensação dedesamparo que faz com quevocê entre em pânico”, ana-lisa o psicólogo e mestrandoem cultura e sociedade Gil-mário Nogueira. A greve dapolícia, na interpretação doespecialista, mexeu comquestões básicas do cotidia-no. “Quando você sai, pensaem como vai voltar. Na greve,você pensa no que pode teacontecer. Não temos garan-tia de que vamos voltar paracasa”, diz Nogueira.

A psicóloga Cristina Tiauhyacredita que a situação de vul-

nerabilidade evoca questõesmais primitivas das pessoas,como a sensação de desam-paro. “Fora a real vulnerabi-lidade, acabamos trazendo àtona conteúdos dramáticosda nossa história. Esse medoque sentimos, em parte, é im-portante para que as pessoasse protejam do real perigo,mas do outro nos imobiliza”,pondera Cristina.

Para o sociólogo especialis-ta em criminologia EduardoPaes Machado, a sensação deinsegurança existe desde osanos 1980, e é intensificadapelos episódios ocorridosnesta greve. “É uma insegu-

rança que ultrapassa gover-nos. Uma parte dela tem fun-damentos objetivos e a outraparte é subjetiva”, diz.

Traço culturalEle acredita que a situação vi-vida pela cidade nos últimosdias reflete um traço culturalque precisa ser modificado.“Vivemosnumasociedadein-civilizada que acredita forte-mente no valor da violênciapara lidar com o conflito.Quando a gente fala que a PMé violenta, temos que analisara nossa parte na violência.Precisamos melhorar os nos-sos costumes”, analisa.

Se os fatos geram medo, osboatos aumentam aindamais a insegurança da popu-lação. O sociólogo EduardoPaes Machado vê o fenômenocomo “natural” e parte do ins-tinto social. “A mídia não dáconta de tudo, e se informar épreciso. Os boatos se desen-volvem em contextos onde hádesconhecimento. É um meioque as pessoas têm para seanteciparem e terem algumcontrole sobre a situação, fan-tasioso por sinal”, diz Macha-do. Mas como qualquer men-sagem divulgada, os efeitosdesses boatos são imprevisí-veis.

Vulnerabilidadecausada pelaausência dapolícia nas ruasfez com queboatos, algunsinfundados,ganhassem asredes sociaise conversasdo cotidiano

“Na greve, vocêpensa no quepode teacontecer. Nãotemos garantiade que vamosvoltar paracasa”GILMÁRIO NOGUEIRA psicólogo

MinistérioPúblico Federalinvestiga açõesde grevistas

DA REDAÇÃO

O Ministério Público Federalna Bahia (MPF-BA) solicitou aabertura de inquérito policialpara investigar o que consi-dera “atentados contra a se-gurança nacional e a ordempolítica e social”, cometidosdurante a greve de integran-tes da Polícia Militar baiana.

O núcleo criminal da Pro-curadoria da República na Ba-hia divulgou já está colhendoelementos que possam serusados como provas “para aresponsabilização criminaldos indivíduos que planeja-ram atentados, sabotarammeios e vias de transporte eimpediram o funcionamentode poderes públicos durantea greve”.

O núcleo criminal da Pro-curadoria da República na Ba-hia (PR-BA) requisitou, na tar-de da última sexta-feira, à Su-perintendência Regional daPolícia Federal, abertura deinquérito policial para inves-tigar os crimes, que são des-critos nos artigos 15, 18, 19 e 23da Lei de Segurança Nacio-nal.

GravaçõesO procurador da RepúblicaAndré Batista, que acompa-nha o caso, solicitou ao Mi-nistério Público do Estado daBahia (MP-BA) o compartilha-mento das gravações telefô-nicas que demonstraram a ar-ticulação do comando da gre-ve com a prática de atos con-tra a ordem pública.

“Omovimentogrevistaefe-tivamente atentou contra asociedade e os valores basi-lares da democracia, bastalembrar que a sede estadualdo Poder Legislativo se viuocupada e os Judiciários es-tadual e federal deixaram deoperar”, disse o procurador.

A atuação partiu da deter-minação expedida pelo coor-denador criminal da PR-BA,Vladimir Aras, solicitando aautuaçãodenotícia-crimepa-ra apurar o movimento rei-vindicatório ilegal de poli-ciais militares, “que causagravíssimo quadro de insta-bilidade política e social”. Nodespacho, Aras destaca que,mesmo diante do comandofederal da segurança no Es-tado, “policiais amotinados einsubordinados não recua-ram de atos de vandalismo eapropriação”.