GRIMAL, Pierre. a Mitologia Grega1

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  • 7/25/2019 GRIMAL, Pierre. a Mitologia Grega1

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    MITOLOGIA

    OREGApierre grimal

    Traduo:Carlos Nelson Coutinho

    1? edio 19824? edio

    GRIMAL, Pierre. A mitologia grega.So Paulo: Brasiliense, 1982.

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    MURAS

    MM

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    Ttulo original em Francs: La Mythologie Grecque

    Copyright () Presses Universitaires de France, 1953

    Capa:Alfredo Aquino

    Reviso:

    Newton T. L. Sodr

    Sonia Rangel

    Editora Brasiliense S.A.

    R. General Jardim, 1B0

    01223 - So Paulo - SP

    Fone (011) 231-1422

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    NDICE

    O mito no pensamento dos antigos g reg o s .................. 7

    Mitos e mitologia ............................................................ 13

    Os grandes mitos teognicos ......................... ................ 25

    O ciclo dos olimpianos ................................................... 42

    Os grandes ciclos hericos .......................................... 65

    A vida das lendas ............................................................ 97

    Os mitos em face da cincia m oderna ....................... 113

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    O MITO NO PENSAMENTO DOSANTIGOS GREGOS

    D-se o nome de mitologia grega ao conjunto derelatos maravilhosos e de lendas de todo tipo, cujos textos e monumentos figurados nos mostram que sua ocorrncia se deu nos pases, de lngua grega, entre o IX ou

    VIII sculo antes de nossa era, poca qual nos reportam os poemas homricos, e o fim do paganismo, trs

    ou quatro sculos depois de Cristo. Temos neles um imen

    so material, muito dificilmente definvel, de origem e

    caractersticas bastante diferenciadas, que desempenhou

    e ainda desempenha ha histria espiritual do mundo

    um papel considervel.

    Todos os povos, em dado momento de sua evolu

    o, criaram lendas, ou seja, relatos maravilhosos nosquais, durante um certo tempo, e pelo menos em certa

    medida, acreditaram. Na maioria das vezes, as lendas

    por movimentarem foras ou seres considerados superiores aos humanos pertencem ao domnio da religio.Elas se apresentam assim como um sistema, mais ou me

    nos coerente, de explico do mundo: cada gesto do

    heri cujas faanhas so narradas um gesto criador eimplica conseqncias que tm efeitos sobre todo o Uni

    verso. Pertencem, a esse tipo os grandes poemas pico-

    religiosos da literatura hindu. Em outros pases, predo

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    8 PIERRE GR1MAL

    mina o elemento pico. Decerto, os deuses no estoausentes da narrativa, onde sua ao sensvel; mas a

    gnese do mundo no por isso colocada em questo.

    O heri se limita a realizar grandes gestos de bravura,

    inventar astcias memorveis, empreender viagens por

    pases maravilhosos; e mesmo que supere a medida

    humana permanece da mesma essncia que a huma

    nidade. Pertencem a esse tipo, sobretudo, os ciclos len

    drios dos celtas, que nos foram transmitidos, por exem

    plo , pelos romanos gauleses. Em ou tros locais , os rela

    tos do mito terminaram por perder quase todo carter

    maravilhoso, dissimulando-se sob as aparncias da hist

    ria. Os romanos, em particular, parecem ter assim inte

    grado s suas mais antigas crnicas verdadeiras gestas

    lendrias: o herosmo de Horcio Cocles, ao defender

    a ponte do Tibre contra os invasores, no passa do lti

    mo avatar de um demnio caolho, cuja esttua colo

    cada nas margens do rio perdera sua significao

    originria e terminara por servir para fabricar, pea por

    pea, um episdio da lu ta (em parte histrica ) entre

    romanos e etruscos.

    Na Grcia, o mito possui todas essas caracte rsticas.

    Ora colore-se de histria e serve como ttulo de nobreza

    para cidades ou fam lias. Ora desenvolve-se em epopia .

    Ora serve para apoiar ou explicar as crenas e os ritos

    da religio. Nenhuma das funes que a lenda assume

    em outros lugares estranha ao mito grego. Mas ele tambm algo bem diverso. A palavra grega que serve

    pa ra design-lo s) aplica-se a qualquer histrianarrada, seja o assunto de uma tragdia ou a intriga de

    uma comdia, seja o tema de uma fbula de Esopo. O

    mito se ope ao logos como a fantasia razo, como a

    pa lavra que narra palavra que de monstra. Log os emythos so as duas metades da linguagem, duas funesigualmente fundamentais da vida do esprito. O logos,

    sendo uma argumentao, pretende convencer; implica,

    no auditor, a necessidade de formular um juzo. O logos

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    A MITOLOGIA GREGA 9

    verdadeiro, no caso de ser justo e conorme lgica;

    falso quando dissimula alguma burla secreta (um sofis-ma ). Mas o mito" tem por .finalidade apenas a si

    mesmo. Acredita-se ou no nele, conforme a prpria

    vontade, mediante um ato de f, caso parea belo ou

    verossmil, ou simplesmente porque se quer acreditar. O

    mito, assim, atrai em torno de si toda a parcela do irra

    cional existente no pensamento humano; por sua prpria

    natureza, aparentado arte, em todas as suas enaes. talvez seja esse o carter mais m arcante do mito gre

    go: pode-se constatar sua integrao em todas as ativi

    dades do esprito. No h nenhum domnio do helenis-

    mo. seja a plstica ou a literatura, que no tenha cons

    tantemente recorrido a . ele. Pa ra um grego, o mito no

    conhece nenhuma fronteira. Insinua-se por toda parte. to essencial a seu pensamento quanto o ar ou o sol

    sua prpria vida.

    As primeiras epopias de lngua grega que conhe

    cemos hoje, a llada e a Odissia, j so mitos no sen

    tido amplo da palavra. Os heris da llada tm como

    ancestrais uma ou vrias divindades e, ao mesmo tempo,

    so considerados como os ancestrais de famlias nobreshistricas. Aquiles filho de Ttis, deusa do mar, e seu

    destino determinado por orculos que existem eterna

    mente. Helena, objeto da guerra de Tria, filha de

    Zeus; e foi por vontade de Afrodite, deusa do amor, que

    ela foi levada a deixar seu marido e sua filha quando o

    troiano Pris veio busc-la em Esparta. Nos dois campos,combatem deuses e deusas: Apoio, protetor de Pris,

    alm de ter sido ofendido na pessoa de um dos seussacerdotes, cuja filha Criseida foi raptada pelos aqueus,

    espalha a peste no exrcito desses. Posseidon, Aten,

    Ares intervm na luta. E ais faanhas de Aquiles teste

    munham, decerto, o valor pessoal do heri, mas tam

    bm a proteo divina que no lhe falta em nenhummomento.

    O mesmo pode ser dito da Odissia. A descendncia

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    divina de Ulisses certamente menos bem comprovada(a tradio que faz dele um filho bastardo de Autlico,

    por sua vez filho de Hermes, no . a n ica co nhec ida) ;

    mas a deusa Aten se converte em sua protetora, e ela, em ltima instncia, quem o salva da clera e do

    rancor do deus do mar Posseidon. A essncia da epopia grega enaltecer os conflitos humanos e, atravs

    do mito, ampli-los at as dimenses do universo. Seusrelatos, tomados ao p da letra, testemunham uma freligiosa: Zeus e as divindades do Olimpo intervm materialmente nas questes humanas; preciso honr-los

    atravs de sacrifcios, aplacar seus ressentimentos, con

    quistar sua confiana por todos os meios. Mas j a in

    terpretao do mito tende a superar essa estreita materialidade. Quando Zeus pesa numa balana os desti

    nos (as Moiras) de Aquiles e de Ptroc lo que se

    batem em combate ind ividual sob os muros de Tr ia

    , difcil admitir que os gregos da poca clssica ac reditassem realmente na gigantesca balana, um de cujos

    pratos toca o cu, enquan to o ou tro imerge nas trevas

    infernais; e, isso mesmo quando recordamos que Esquilo, numa tragdia perdida, acreditou ser possvel repre

    sentar materialmente esse ato de pesar as almas. O mitono se limita a seus termos. Esboa uma imagem, umsmbolo, se se quiser, de uma realidade que, de outro

    modo, seria inefvel. bastante provvel que, aos prprios olhos do poeta, o episdio no seja mais do que

    um meio de expresso, uma forma de revelao, queajuda a conceber o mistrio do mundo, mas que no

    pode ser tomado ao p da letra. .

    Do mesmo modo,, os santurios erigidos s divin

    dades apresentavam, em seus frontes, um episdio ca

    racterstico da lenda do deus ou da deusa a que pertencia o templo. No fronto leste do Partenon, temos o

    nascimento milagroso de Aten; no oeste, a disputaentre Posseidon e Aten, que reivindicavam, cada um

    para si, a posse da tica. Essas imagens encarnam , de

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    modo total .e melhor d que poderia faz-lo qualquer

    anlise apoiada em palavras, o sentimento que os ate

    nienses experimentam em face de sua cidade e de si

    mesmos: Aten brotando da cabea do senhor todo-po-

    deroso, nascida sem me, assim como o povo tico

    surgiu do solo (autctone, como se dizia ento), mas

    tambm filha da Prudncia (M tis), a quem seu pai se

    unira outrora. Demter e Cor, a Terra e a Vegetao,esperam serenamente o anncio do nascimento milagro

    so. E imediatamente, sobre a terra banhada pelos presentes do mar, impregnada pelo sal e pelo vento marinho de PosSeidon, a deusa far brotar a oliveira, a

    mais lenta, sbia e luminosa de todas as rvores. O mito

    de Aten, embora no mais se acredite em sua verda

    de literal, nem por isso deixa de propor meditaes in

    finitas e uma espcie de inspirao cujo poder mesmo aps tantos sculos ainda no se esgotou.

    Reserva de pensamento, o mito terminou por Viver

    uma vida prpria, a meio caminho entre a razo e a f

    ou o jogo. Foi a fonte de toda meditao dos gregos e,

    mais tarde, de seus herdeiros longnquos; foi no mito

    que os poetas trgicos recolheram seus temas e os lricos, suas imagens. PrometeUj dipo, Orestes; todos fo

    ram, inicilmente, heris de lenda. As imagens de Aquiles e de Ulisses, a locura de Ajax, infinitamente repro

    duzidas nos vasos (nos cntaros de vinhos, nas copas,

    em recipientes de todo tipo), misturavam o mito com

    a vida cotidiana e tomavam-no familiar. Em casa e noteatro, suas figuras so companhias que impregnam o

    pensamento, ocupam a imaginao, dominam as con

    cepes morais. Nem mesmo s filsofos, quando o ra

    ciocnio alcanou seu ponto extremo, deixaram de re

    correr ao mito como a um modo de conhecimento ca

    paz de revelar o incognoscvel. Assim, Plato no

    Fdon, no Fedro, no Banquete, na Repblica e em ou

    tros dilogos explicita se pensamento atravs dosmitos que inventa. No certamente excessivo afirmar

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    que essa generalizao do. mito, essa liberao de suaspo tencialidades representaram uma das contribuies

    fundamentais talvez mesmo a contribuio mais es

    sencial do helenismo ao pensamento humano. Gra

    as ao mito, o sagrado perdeu seus terrores; toda umaregio da alma abriu-se reflexo. Graas ao mito, a

    poesia pde se to rnar sabedoria.

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    MITOS E MITOLOGIA

    O trabalho dos escritores e dos sbios antigos, queutilizaram os dados lendrios oii os recolheram por simesmos, no poderia esconder a espantosa diversidade

    at mesmo a incoerncia que esses dados teste

    munham. Homero, Hesodo, Pridaro, squilo, na ver

    dade, do a impresso de se referirem a um sistema

    mtico bem definido, no qual deuses e heris apresentam caracteres fixos de uma vez para sempre e pare

    cem possuir uma lenda d episdios conhecidos. Mas

    trata-se de uma impresso enganadora; ela resulta, so

    bretudo, do fato de esses poetas (Hesodo, enquantoautor da Teogonia, um caso parte) se expressarem

    quase s alusivamente, no expondo de modo didticoas genealogias divinas ou os relatos aos quais se refe

    rem. Mas, inclusive nessas condies, uma anlise um

    pouco mais atenta suficiente para revelar diferenas ou

    contradies entre os autores, algumas vezes at no interior de uvn mesmo autor. A unidade s introduzida

    de modo artificial e secundrio. Os mitos no nascem

    como um conjunto organizado, ao modo de um sistemafilosfico, teolgico ou cientfico. CTescem ao acaso,

    como as plantas; e cabe ao mitlogo descobrir famlias,

    espcies e variedades.

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    Sobre um ponto to essencial, aparentemente, como

    o nascimento de Zeus, o maior dos deuses, existem as

    mais diversas tradies. A mais conhecida situa o local

    desse nascimento no monte Ida, em Creta; mas,

    na mesma ilha, o monte Dict reivindicava igual honra

    e, no sul do Peloponeso, ainda existe no longe de

    Messnia uma fonte cham ada Clepsidra, junto qual

    teria nascido o divino infante.

    So santu rios variados e lendas diferentes,' que s

    se tomaram contraditrios no dia em que se resolveu

    identificar o Zeus cretense, demnio do Ida ou do Dict,

    com o Zeus messnio do monte Itomo. A contradio

    s existe no interior de uma mitologia pan-helnica.Mas evidente que a constituio de uma tal mitologiano absolutamente primitiva, resultando j de uma

    reflexo sobre o mito.

    Em alguns casos, as dificuldades encontradas sode soluo mais complexa, j que resultam do fato de

    que a lenda desenvolveu-se em pocas e em estgios

    sociais e histricos diferentes. As genealogias dos tri-

    das nos falam de senhores de Micenas, de senhores de

    Tirinto e de senhores de Argos: e, por vezes, difcil

    distinguir entre esses reinos. Tudo se esclarece quando

    lembramos que o grande desenvolvimento de Tirinto e

    de Micenas no contemporneo do de Argos. Umalenda local de Micenas, que punha em ao um rei

    do pas, toma-se incompreensvel numa poca em que asuserania no estava mais em Micenas, porm em Argos.

    Espontaneamente, o narrador fazia a transposio ne

    cessria, mas alguns elementos tip icamente locais

    se mantinham e geravam a confuso. o que se passa

    ainda em toda uma srie de lendas tesslicas, que tm

    correspondentes no Peloponeso. Coronis, amante de

    Apoio e me de Asclpio, o deus da medicina, passa

    habitualmente por ser filha do tesslio Flgias. Mas, ao

    mesmo tempo, somos informados de que esse Flgiasera, na realidade, um habitante de Epidauro, no Pelo-

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    A MITOLOGIA GREGA 15

    poneso, e que isso explica por que o culto de Asclpio

    floresceu em Epidauro. Essas variantes refletem, na ver

    dade, uma poca na qual o mesmo povo ocupava umterritrio que se estendia da Tesslia at Epidauro (ou,

    se.se prefere, que emigrou da Tesslia para o Pelopone-

    so, e as duas hipteses explicam igualmente bem os

    fatos), antes de ser submergido por ondas de invasores

    que o fizeram perder a conscincia da prpria unidade.Essa unidade ancestral sobreviveu apenas na comunidade

    das lendas e dos nomes de lugares. similaridade do

    Flgias epidurio e do Flgias tesslio corresponde a

    das duas Larissas, a cidade tesslica e a cidade de

    Argos.

    Pode-se ver que o mito no uma realidade inde

    pendente, mas algo que evoluiu segundo as condies

    histricas e tnicas; e que, em alguns casos, conservatestemunhos inesperados sobre situaes que, no fosse

    o mito, estariam esquecidas. Sob ss aspecto, revela-se

    um precioso mei de investigao: e , . embora no se

    creia mais to ingenuamente, com h um sculo ou

    dois, no fato de que a lenda seja sempre uma deforma

    o da histria, sabe-se hoje investig-la e, de certo modo, faz-la revelar o que conserva d tempo e do meio-

    em que surgiu. Os mitogos modernos so mais sensveis que seus precedecessores antigos variante rara e

    reveladora. Desconfiam dos mitos que se tomaram muito

    perfeitos: a coerncia deles trai as manipulaes e o tra balho secundrio de que foram objeto.

    O trabalho sobre os mitos comeou bastante cedo;

    e, no mais das vezes, o que apreendemos nos textos o

    resultado de uma longa evoluo. As fontes clssicas

    da mitologia encontram-se geralmente nesse caso. Desdeo fim do sculo VI antes de noss f, o milsio Hecateu

    escrevera quatro livros de Genealogias, dos quais possumos apenas alguns fragmentos, ms cuja doutrina pas

    sou para a obra de seus sucessores. Tal doutrina do

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    mina as especulaes dos primeiros . historiadores

    Acusilau de Argos, Fercides de Atenas que recolheram as lendas consideradas como captulo primeiro da histria nacional. certamente a Fercides que

    se deve a primeira elaborao dos mitos relativos s

    origens ticas, asssim como a constituio de uma listacannica dos reis do pas, na qual se unem intima

    mente velhos demnios do solo (como Erictnio e seu

    duplo Ericteu) e personagens provavelmente histricas.

    Mas ele no se limitou s tradies de seu pas; pode-se

    constatar tambm sua preocupao em conciliar entre si

    as lendas argivas, que j aparecem e com razo

    como fundamentais para o conhecimento da Idade Mdia grega. Fercides, nesse particular, foi o precursor

    de um outro escritor cuja importncia revelou-se consi

    dervel, Helnico de Mitilene. Tambm ele debruou-sesobre as crnicas argivas; e sua Cronologia das sacerdo-

    tisas de Hera (a grande deusa de Argos) recolhe tra

    dies sagradas muito preciosas, a maior parte das quais,

    infelizmente, desapareceu, a Helnico que cabe a hon

    ra de ter falado pela primeia vez na cidade de Roma,

    que ele considera uma cidade grega, fundada aps a

    grande disperso que se seguiu ao retorno dos ven

    cedores de Tria. A tendncia fundamental de todos

    esses trabalhos e coletneas, escritos entre o sculo VI

    e o fim do sculo V antes de nossa era, o desejo de

    fixar uma cronologia dos eventos, tanto histricos

    quanto lendrios. A distino entre as duas ordens de

    fatos distino inteiramente moderna, em certo sentido, e freqentemente fugidia, j que a lenda pode no

    ser mais do que uma interpretao da histria, no existindo assim nenhum critrio que permita estabelecer a

    separao de modo seguro no airida percebida. Ea classificao dos eventos , sobretudo de natureza tem

    poral. Trata- se de determ inar concomitncias em rela

    o a pontos fixos, que se supe conhecidos, como, por

    exemplo, a tomada de Tria ou a fundao dos jogos

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    olmpicos. O quadro mais adotado, geralmente, o for

    necido pelas geraes'; e h um esforo para niserirem tal quadro os eventos e os personagens. Surgem,

    naturalmente, dificuldades. As aventuras de Hrcules, em

    particular, que se processam num universo que se supo

    ria vazio : a lenda, em sua forma mais antiga, no

    conhece o encontro de Hrcules com nenhum dos outros

    heris principais , colocam problemas de concordn

    cia particularmente delicados, j que a tradio fala dosfilhos de Hrcules e os mostra envolvidos em uma ou

    outra das grandes aventuras coletivas, ao mesmo tempo,por exempo, que os filhos de Teseu. Como possvel,ento, que Teseu e o grande heri argivo no se tenham

    encontrado? A engenhosidade grega no esgota nunca

    os seus recursos: e ir explicar esse desencontro dizendo que a atividade de Teseu teve lugar durante o cati

    veiro de Hrcules na Ldi, sob as ordens de nfale, e

    que, durante toda a ltima parte da vida de Hrcules,

    Teseu se encontrava nos Infernos, prisioneiro de Pluto.

    Assim, h episdios obrigatrios ns biografias len

    drias. Esses episdios no so naturalmente primitivos;foram introduzidos para realizar as concordncias cro

    nolgicas necessrias. Por vezes, so geraes inteiras de

    duplos que tm de ser intercaladas para evitar sobre-

    vivncias ou longevidades impossveis. A idade muito

    avanada de Nestor, um ds combatentes aqueus na guer

    ra de Tria, explica-se unicamente porque Nestor figuracomo comparsa no ciclo de Hrcules. Criana na poca

    em que o heri combatia Neleu e seus filhos, em Pilos

    de Messnia, Nestor tem de estar ainda vivo quando daexpedio aquia: por isso que lhe concedida a vida

    de trs geraes humanas, o qe, ao mesmo tempo, faz

    dele um ancio encancido, sbio, escutado no conse

    lho, e sugere imaginao toda unia figura tornada tra

    dicional. Sobre esse ponto* a cronologia foi criadora: e

    pode-se capta r ao vivo o nascimento de um episdio.

    Com o incio da poca clssica, os grandes quadros

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    Todavia, ao lado das grandes coletneas cannicas,

    cujo objetivo essencial introduzir uma unidade factcia,

    encontramos outras fontes, trabalhos concebidos com umesprito absolutamente oposto e bem mais conforme s

    preocupaes modernas. O mais precioso, para ns,

    a Descrio da Grcia, de Pausnias, que conservou amemria de um nmero considervel de lendas locais,

    excludas das grandes snteses, mas que constituem va

    riantes raras que se mantiveram vivas no folclore. In

    felizmente, a obra de Pausnias, tal como nos chegou smos, no cobre a totalidade dos pases gregos e, para

    determinadas regies, nossa ignorncia permanece. Con

    seguimos super-la, em cert medida, graas s indica

    es esparsas agrupadas pelos comentadores dos poetase contidas nos esclios, que s notas acrescentadas

    pelos editores antigos s obras clssicas. Esse trabalhode erudio paciente foi empreendido, sobretudo, em relao aos poemas homricos e prosseguiu depois do finr

    do paganismo. Os sbios bizantinos Johannes e Isaac

    Tztzes nos fornecem um manancial de fatos que remontam, algumas vezes, a uma antiguidade bem longnqua.

    essa, em seu conjunto, a mitologia grega: mat

    ria de origens muito diversas, fragmentos freqentemente

    mal articulados em snteses artificiais, a que o lento tra

    balho dos sbios, dos escritores, dos poetas acrescentou

    e cortou ao sabor do capricho de cada um, mas onde

    se distingue ainda, por vezes, dados primitivos da ima

    ginao e da piedade populares. O sbio e o espontneo,o vivo e o artificial, esto intimamente mesclados.

    mrito da cincia moderna ter empreendido uma anlise que ainda est longe de ter sido concluda, mas que

    j permite compreender melhor o verdadeiro significado

    e o alcance de um modo de pensamento essencial ao

    esprito humano.Se consideramos agora a mitologia clssica no

    mais em sua formao e evoluo, mas como um todo

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    zo PIERRE GRIMAL

    fixo, em sua forma cannica, constatamos que nem

    todos os mitos que ela nos prope tm o mesmo alcance

    ou a mesma forma. Uns so relatos concernentes formao do mundo e ao nascimento dos deuses. a

    eles, e somente a eles, que se deveria atribuir a quali

    ficao de mitos, em seu sentido mais estrito. Iremosdesign-los aqui com o nome de mitos teognicos ou

    cosmognicos, conforme o caso. Esses relatos foram

    reunidos sobretudo por Hesodo, mas so naturalmente

    bem anteriores , e rep re sentam contribu ies que so, algumas, puramente gregas, enquanto outras provm de

    religies orientais, at mesmo pr-helnicas. Seria um

    erro, todavia, consider-las como dados primitivos. Sao,no mais das vezes, concepes bastante evoludas que

    se formaram nos meios sacerdotais e foram progressiva

    mente enriquecidas com elementos filosficos, sob a forma de smbolos pouco dissimulados. Esses mitos n

    deixaram de viver mesmo em plena poca clssica e nem

    mais tarde. Continuaram a servir de suporte s crenas

    religiosas e, como veremos, as religies de salvao os

    integraram em seus mistrios.

    Ao lado dos mitos propriamente ditos, encontramosciclos divinos e hericos. Esses ciclos constituem s

    ries de episdios ou de histrias cuja nica unidade fornecida pela identidade do personagem que seu heri.

    Ao contrrio dos mitos, esses relatos no possuemnenhuma significao csmica. Quando Hrcules susten

    ta o cu sobre os ombros, prova com isso apenas sua

    fora fsica. Nem o cu nem o universo ficaram mar

    cados por essa faanha. Pouco importa que o heri

    desses relatos seja um deus (Hermes, Afrodite, o pr

    prio Zeus) ou um m ortal semidivinizado. N em to da

    lenda relativa a uma divindade assiime, somente por

    isso, uma dimenso teolgica. Hermes rouba bois e os

    pu xa pe lo rab o para ev itar que os ra stros revelem o es

    conderijo onde os guardou. Trata-se e um tema foi-

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    20/121

    A MITOLOGIA GREGA 21

    clrico bastante conhecido, que no apresenta nenhuma

    significao religiosa particular.O carter essencial do ciclo sua fragmentao. O

    ciclo no nasce inteiramente formado: o resultado de

    uma longa evoluo, no curso da qual episdios origi-

    nariamnte independentes se justapem, de um modo

    mais ou menos articulado, e se integram em um todo. o caso, por exemplo, das aventuras de Hrcules, que

    durante muito tempo no tiveram nenhuma ligao recproca. Cada um dos grandes trabalhos liga-se a um

    local ou a um santurio; no mesmo certo que, orgi-

    nariamente, o heri tenha sido sempre o prprio Hr

    cules. provvej que este tenha confiscado em seuproveito episdios preexistentes. O leo morto por Al-

    catoos, a servio do rei Megareu, lembra singularmenteo de Cteron, de que Hrcules livrou o rei Tspios. O

    procedim ento evidente n caso das ampliaes ociden

    tais mais recentes do ciclo de Hrcules: os viajantes gre

    gos e, depois, romanos reconheceram Hrcules nos pa-

    ss italianos, gauleses e at nas fronteiras da Germnia.Assim, o jogo das assimilaes com divindades, indge

    nas terminou pr integrar ao ciclo elementos que, na

    origem, lhe eram estranhos. E o prprio Hrcules grego

    tem, desse modo, caractersticas que pertencem aos se-

    mitas (ou semitizads) Gilgams e Melquarte, assim

    como outros deuses, cuja recordao se perdeu em

    nossos dias.

    O terceiro tipo d relato lendrio por vezes designado com o nome de novela. Como o tipo anterior,

    situa-se m lugares determinados; tal como ele, no as

    sume valor csmico. ou simblico, mas enquanto ociclo agrupado em torno de uma nica figura a

    unidade da novela puramente literria e se define

    pl enredo. Assim, a guerra de Tria no nem umciclo de Helena, nem um ciclo de Aquiles, nem um ciclo

    dos priamidas. a histria de uma longa aventura, de

    episdios complexos e com diferentes personagens. O

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    poe ma ho mrico conh ecido sob o no me de Il t da de

    senvolve apenas uma pequena parte dessa aventura, pre

    cisamente a que se centra em tomo da clera de Aquiles;

    o resto lembrado apenas de modo alusivo: os dez anos

    do stio, a pilhagem das cidades asiticas, a expedio

    fracassada na primeira vez, o infeliz desembarque na

    Msia, a nova expedio, os ventos que se recusam asoprar e que precisam ser aplacados com o sacrifcio de

    uma virgem, e, depois d a m orte de H eitor, de . Aquiles e

    de Pris, a tomada da cidade, a luta dos pressgios e dos

    adivinhos. Tudo isso supera de longe o quadro da obra

    literria. Nem mesmo certo que cada um desses epi

    sdios tenha sido objeto de rapsdias distintas. guerra de. Tria um tema livre, ao qu al se acrescentavam

    todos os prolongamentos, todas as seqncias que se

    desejassem, com total fantasia. Estamos a meio caminho

    entre a lenda e a criao literria. Todavia, subsiste uma

    diferena essencial entre a novela lend ria e a ficode um romancista ou de um poeta: houve um momento

    em que a aventura de Helena era considerada como

    verdadeira. Os heris do romance jamais foram objeto

    de um culto. Ora, Helena como sabemos uma

    divindade decada, divindade lunar, certamente ligada

    religio das popula es pr-helnicas d o , Pelopon eso.

    Existia um tmulo de Helena, um tmulo de Mene-

    lau, um tmulo de Aquiles, onde Alexandre, mais

    tarde ofereceu sacrifcios. Aos olhos dos gregos, tudo

    isso histria verdadeira, aind que a imaginao dospoetas tenh am -na om ad o com enfeites lite rrios . Os he-

    is das novelas lendrias podem se prestar a todas as

    fantasias, mas jamais se identificam com elas, por maior,

    e mais genial que seja a obra que as utiliza.

    Finalmente, se formos ainda mais. longe na anlise,encontraremos ho mais conjuntos lendrios, porm sim

    ples relatos elem entares , an ed otas etiolgicas, ou seja,

    destinadas a explicar algum detalhe surpreendente do

    real: uma anomalia num ritual religioso, um costume, a

    22 PIERRE GRIMAL

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    A MITOLOGIA .GREGA

    forma singular de. um rochedo, a consonncia de um

    nome prprio. Assim, havia num templo de Chipre a

    esttua de uma mulher inclinada para a frente testemunha de um rito esquecido, figurante de alguma magiasimptica da fecundidade. Pra explicar essa atitude ina-

    bitual da est tua, contava-se tra tar-se do corpo metamor-

    foseado em pedra de uma jovem curiosa, surpreendida

    pelos deuses quando olhava pela janela; e, a partir desse

    tema, construa-se uma histria de amor. Essa a lendade Anaxareta, cuja crueldade causara a morte do seuamante e que no experimentar outro sentimento alm

    do desejo de ver passar, pla janela, o cortejo fnebre

    da sua vtima. Corao de pedra, Anaxareta tomou-seesttua; e seu corpo, assim imortalizado, foi posto no

    templo de Afrodite.Muitos relatos anlogos referem-se a nomes de lugares e fundam-se em jogos tiniolgicos. A imaginao

    popular jamais fraquejou dian da tarefa de explic-los.

    As variaes no nome dos rios um fenmeno bastante

    conhecido pelos gegrafos, j qe todo curso dgua apre

    senta vrias designaes, conforme as populaes insta

    ladas em suas margens fornecem, em particular, um

    material inesgotvel. E o mesmo ocorre com a figura

    das constelaes, ou cm o curso de um planeta, no qual

    se enxergam atraes ou dios cuja origem atribuda auma aventura ocorrida outrora com seres transforma

    dos depois em estrelas.

    A matria mtica, portanto, pode ser classificadaem um certo nmero de categorias que permitem tor

    nar a anlise mais cmoda. Todavia, no nos devemos

    enganar com semelhantes classificaes, cujas fronteiras

    so incertas. O mito cosmognico pode se degradar em

    ciclo ou em novela; lenda tiolgica integra-se em um

    ou em outro com extrem facilidade. ma mesma lendapbde, conforme a fantasia ou as exigncias espirituais

    de cada um, assumir o carter de um'romance ou de

    uma revelao mstica. Essa plasticidade do mito ine-

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    24 PIERRE GRIMAL

    rente sua natureza: no uma caracterstica adquiridatardiamente, mas uma propriedade fundamental do mi

    thos, ativa desde o perodo mais remoto da histria daslendas.

    Como para todos os seres vivos, as dissecaes ana

    tmicas no podem, fazer esquecer que a realidade ltima da mitologia reside no em membros esparsos, mas

    num organismo com pulsaes e metamorfoses inces

    santes.

    I

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    S GRANDES MITOS TEOGNICOS

    Todos os povos, num determinado momento de suahistria, sentiram a necessidade de explicar o mundo.Os gregos, em busca (como tantos outros) de um prin

    cpio motor no interior do Ser, acreditaram descobri-lo no

    Amor. No comeo, havia a Noite (N y x ) e, a seu lado,

    o rebo, seu irmo. So as duas faces das Trevas do

    Mundo: Noite do alto e obscuridade dos Infernos. Essasduas entidades coexistem no seio do Caos, que o

    Vazio: no o vazio inexistente negativo dos fsicos e

    dos cientistas, mas um Vazi que inteiramente potn

    cia e matriz do mundo, vazio por desorganizao e

    no por privao, vazio por ser indescritvel e no por

    ser nada. Paulatinamente, Nyx e rebo separam-se nesse

    vazio. rebo desce e liberta a Noite, que por sua vezse encurva, torna-se uma imensa esfera, cujas duas me

    tades se separam como um vo qe se quebra: o

    nascimento de Eros (o Amor). Enquanto isso, as duasmetades da casca se convertem, um na abbada celes

    te, a outra no disco, mais achatado, da Terra, O Cu e

    a Terra (Urano e Gaia) possuem uma realidade mate

    rial. Amor uma fora de natureza espiritual; e ele

    que assegura a coeso do universo nascente. Urano se

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    *

    cf

    ^

    (

    t,frp

    f

    rf

    i*r('

    r*c(t'ri

    ,r*( inclina para Gaia e essa unio d incio s geraes

    divinas.

    Existem outras verses dessa lenda. Dizia-se, por-

    vezes, que a terra surgira diretamente do Vazio, e que

    engendrara ela mesma, apenas com o auxlio de Eros,; o secundognito do Mundo, a abbada celestial. Po r

    outro lado, o Caos engendraria a Noite, a qual, por suavez, daria nascimento ao ter, que a luz brilhante, o

    . fogo mais puro, e ao Dia, que ilumina os mortais. Mas,5 qualquer que seja a variante, sempre Eros o animador

    e o elemento motor do universo em seus incios.

    A unio de Urano e de Gaia revelou-se fecunda.

    Dela surgiram, inicialmente, por duas vezes, seis casais

    de Tits e Titanesas. Os seis Tits eram: Oceano, Ceos,

    Crios, Hiprion, Japeto e Cronos. As seis Titanesas:Tia, Ria, Tmis, Mnemsine, Febe e Ttis. So seres

    divinos, mas, ao mesmo tempo, foras elementares, algumas das quais conservaram at o fim m carter qua

    se exclusivamente naturalista. Oceano o mais clebre

    de todos. a personificao da gua que envolve oMundo, sobre a qual flutua o disco terrestre. No uma

    entidade geogrfica, mas uma fora csmica; sua con

    cepo nasceu numa poca em que se pensava qe a

    terra habitada era uma imensa ilha, posta no centro deum rio que a cercava. Tinha-se a impresso de encon

    trar essa gua primordial no Ocidente, no pas vermelhodas Filhas da Noit, alm do que ser chamado em seguida de Colunas de Hrcules; e entre os etopes, no

    m ar Eritreu, que o ra nosso Mar Vermelho, Ora o

    Golfo Prsico. Podia ser encontrada tambm ao Norte,

    nas curvas de Erdano, sinuosa linha de gua que, ao

    norte dos pases conhecidos da Europa, levav do Orien-

    ] te para o Ocidente, e na qual geraes posteriores qui-

    | seram reconhecer o curso do Danbio, do P, do Rda-| no e at mesmo do Re no. Mas, antes dessas determinaes

    ; geogrficas incertas, o Oceano existia. gua primordial,

    I o pai dos rios, que so alimentados por ele graas a

    !

    26 PIERRE GRIMAL

    i....................................................

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    A MITOLOGIA GREGA 27

    canais subterrneos ou dele derivam de modo misterio

    so, como o Nilo, cujo segredo est guardado no fundo

    das areias da Etipia. Primognito dos Tits, Oceano casado com Ttis, a mais jovem das Titanesas, que

    personifica a potncia feminina do M ar. No deve surpreender a presena de um duplo smbolo do M ar: toda

    fecundidade dupla. Somente uma potncia feminina

    pode amadurecer e chamar vida o smen do macho.

    Ttis mora longe, no sentido do Oeste; s vezes brigacom Oceano, mas chega o momento da reconciliao e a

    ordem do mundo salva, e despeito dos caprichos ine

    rentes natureza da mulher.Ao lado da gua primordial, temos o Fogo astral:

    Hiprion (cujo nome significa 0-que-vai-pa ra-cima )

    une*se a Tia, a divina, e lhe d trs filhos: um varo,

    Hlios, o Sol, e duas fmeas, Selene, a Lua, e Eos, a

    Aurora. Depois, Hiprion e Tia desaparecem da lenda,

    aps terem, de certo modo, estabelecido a ligao entre

    as geraes divins. Crios, por sa vez, casa-se fora das

    Ttanesas e iremos reencontr-lo na posteridade de Pon

    tos. Seu irmo Ceos uniu-se a Febe, a Brilhante, e

    tomou-se pai de Leto, que desempenhou um grande papel na gerao dos olimpiarios. Japeto, rompendo com

    a tradio que atribua aos Tits uma Titanesa como

    esposa, casou-se com Climene, uma das filhas de Oceano e de Ttis, e seus quatrp filhos Atlas, Mencio,Prometeu e Epimteu sero os intermedirios entre

    os deuses e os homens. A criao dos mortais remontaindiretamente a Japeto.

    Entre as Titanesas, sobretudo duas Tmis e

    Mnemsine merecem ateno. A primeira a potncia por excelncia da Ordem do Muiido: Tmis a Lei,

    o etemo equilbrio. Sua irm, Mnemsine, o poder do

    Esprito, a Memria que garante a vitria do espritosobre a matria instantnea e funda toda inteligncia.Elas no se uniram aos Tits; foram, de certo modo,

    reservadas a Zeus e gerao.dos olimpianos. que

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    28 PIERRE GRIMAL

    os Tits so foras brutais, elementares, nas quais o

    espiritual pressentido ainda apenas em estado rudimen

    tar. singular e significativo que as duas potncias nas

    quais se prefigura o esprito sejam de natureza femi

    nina, talvez porque o esprito recuse a violncia e adie

    toda ao imediata; talvez porque ela seja de lenta maturao; talvez simplesmente porque temos, nessas cren

    as, o reflexo de um estado social bem conhecido em

    outros locais onde as mulheres so as depositrias

    dos segredos e da cincia comuns tribo.

    De todos os Tits, o mais importante para o desen

    volvimento do mundo foi Cronos, o mais jovem, o queengendrou os olimpianos.

    A unio de Urano e de Gaia no limitara seus

    frutos aos Tits e s Titanesas. Depois deles vieram os

    Ciclopes: Arges, Esteropes e Brontes, os quais figuram

    evidentemente (como os seus nomes o provam) a luz

    do relmpago, as nuvens da tempestade e o ronco do

    trovo. Depois, .nasceram os Monstros de Cem-Braos

    (os Hecatnquiros), gigantescos e violentos, que se cha

    mavam Cotos, Briareu e Gies. Todos esses filhos inspi

    ravam horror a Urano, que no lhes permitia ver a luz,

    obrigando-os a permanecer imersos nas profundezas daTerra. Gaia queria libert-los e tentou articular umaconspirao com eles contra Urano. Nenhum aceitou,

    com exceo do mais jovem dos Tits, Cronos, que odia

    va seu pai. Gaia confiou-lhe ento uma foice de ao mui

    to afiada, e quando, certa noite, Uranos se aproximou

    de Gaia, abraando-a inteiramente, Cronos com um

    golpe de sua foice cortou os testculos do pai e ati

    rou-os longe. O sangue da ferida caiu sobre a Terra e,mais uma vez, fecundou-a. Foi assim que nasceram novos

    monstros, as Ernias, os Gigntes e as Melades, que so

    as Ninfas dos freixos.Desse modo, Cronos passou ser o nico a reinar

    sobre um universo cujos primeiros delineamentos se iam

    esboando. Mas ele era violento, alm de trazer em si

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    A MITOLOGIA GREGA 29

    a maldio do seu crime. Longe de libertar seus irmos

    monstruosos, apressou-se depois de retir-los do

    seio de sua me em mergulh-los nas trevas infer

    nais, no fundo do Trtaro. Isso indisps Gaia contra

    ele. E, como esta lhe dissera que ele seria um dia des

    tronado por um dos seus filhos, apressou-se em devorar

    todos os que ia tendo com a Titanesa Ria, com quem

    se casara. Foi assim que gerou e, sucessivamente, engoliu

    trs filhas Hstia, Demter e Hera e dois filhos Hades e Posseidon. Porm, quando o mais jovem

    dos filhos, Zeus, estava para nascer, Ria quis lhe evi

    tar o sorte dos irmos e fugiu secretamente. Com acumplicidade de Gaia, encontrou asilo em Creta, onde

    deu luz. Depois, pegou uma pedra, enfaixou-a, deu-lhe

    o aspecto de uma criana recm-nascida e ofereceu-aa Cronos. Iludido pela aparncia, esse devorou a coisa

    que pensava ser seu filho e Zeus se salvou. O orculo

    de Gaia iria agora se cumprir.

    Ria protegeu a infncia d pequeno deus, escon

    dendo-o numa caverna de Creta, onde o confiou s Nin

    fas e aos Curetas. Os Curetas erm demnios turbulentos, que haviam inventado o uso das armas de bronze

    e passavam seu tempo a danar entrechocando lanas e

    escudos. Ria pensou que o tumulto que eles assim faziam

    serviria para abafar os vagidos da criana e impediria

    Cronos de descobrir o ardil de que fora vtima. A

    criana divina bebeu o leite da cabra Amaltia e comeu

    o mel que as abelhas de Ida destilaram expressamente

    para ele. Quando a cabra provedora morreu, Zeus guar

    dou sua pele, com a qual fez uma couraa, a gide (ou

    pele de cabra), que ele agita no cu tempestuoso.

    Uma vez crescido, Zeus pensou em destronar se

    pai. Conseguiu, por meio da astcia, fazer Cronos beber

    uma droga que o obrigava a restituir os filhos que havia

    devorado. Zeus, tendo assim encontrado os irmos, de

    clarou guerra a Cronos. Os Tits tomaram partido em

    favor de seu irmo. A guerra durou dez anos, at o dia

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    30 PIERRE GRIMAL

    em que Gaia revelou a Zeus que ele obteria a vitria

    se chamasse para seu lado os monstros que Cronos encerrara no Trtaro. Foi assim que, com a ajuda dos

    Hecatnquiros e dos Gigantes, os filhos de Cronos con

    seguiram destronar o pai. Cronos e os Tits foram acor

    rentados e passaram a substituir no Trtaro os outros

    filhos de Urano. Essa a Titanomaquia, ou Guerrados Tits, que expulsou do poder a gerao primordial

    e nele instalou os primeiros olimpianos.

    * * *

    Vemos assim que o essencial das lendas teognicas

    consiste numa srie de substituies, com uma gerao sucedendo, pela violncia, a gerao que a precedera

    no poder sobre o mundo. E pode-se constatar que, por

    duas vezes, foi o mais jovem dos deuses, o caula de

    cada gerao, a conquistar a preeminncia: Cronos, caula dos Tits, e Zeus, caula dos Crnides. Concor

    da-se geralmente em reconhecer nesse fato o trao de um

    estado social no qual a sucesso pertencia ao mais jovem

    dos filhos; mas nenhuma cidade helnica fornece um

    exemplo comprovado de sucesso desse tipo no plano dahistria e bastante verossmil que o esquema de suces

    so sobre o qual so construdos esses mitos provenha deum pas no-helnico. O carter nitidamente astral do

    mito de Urano, a mutilao fecundante infligida por

    Cronos a seu pai, sugerem pelo menos para esses episdios origens asiticas; mitos anlogos, conhecidos

    atravs dos textos hititas de Hatusha, na natlia Cen

    tral, podem ser encontrados desde a Cilcia at a Sria,

    e sabe-se que ligaes estreitas sempre uniram essas re

    gies bacia do Egeu. Portanto, parece que os mitos

    propr iamen te gregos s comeam com o advento de

    Zeus; mas e talvez seja essa a conseqncia mais impo rtante disso resu lta tambm que essa dupla suces

    so das geraes divinas no representa necessariamente,como por vezes se cr, a recordao da substituio de

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    A MITOLOGIA GREG 31

    crenas preexistentes por uma religio conquistadora. Isso

    talvez seja verdade para Zeus em sua vitria sobre Cro

    nos; mas no poderia s-lo para Cronos assassino de

    Urano. A mutilao de Urano um ato ritual de fecun-didade, atravs do qal Crnos libera as fontes da vida

    csmica; e foi em torno desse rito, real ou simbolizado

    pela imagem, que o mito se desenvolveu. O mesm no

    ocorre no caso do acesso ao poder dos olimpianos.As divindades substitudas por Zeus e seus irmos

    parecem representar, numa certa medida, um sistema religioso anterior chegada na Grcia dos conquistadores

    arianos. Essas divindades no foram suprimidas; con

    tinuaram a viver nas lends e at mesmo, pelo menosem certos locais, a ser cultuadas. Mas aparecem como

    potncias secundrias, decadas, cujo carter monstruoso

    causa repugnncia ao pensamento grego. Muitos sugerem

    associaes com o mar. bastante provvel que os He-

    catnquiros, por exemplo, os Gigiites de Cem-Braos,

    no sejam mais do que a transposio mtica dos poivos

    que aparecem to freqntemente na cermica mais an

    tiga do Egeu. E h mais. J sublinhamos a importncia

    de Oceano entre os filhos de Urano e de Gaia. Uma

    srie de lendas paralelas, mais ou menos bem articuladascom a genealogia cannicaV faz-nos conhecer um outro

    filho da Terra, nascido sem interveno de nenhuma potncia masculina, e que se chama Pontos, o Fluxo marinho. Gaia uniu-se a ele e deu-lhe toda uma posteridade,

    entre a qual se encontra precisamente um grande nme

    ro desses demnios secundrios em qe parece legtimoreconhecer divindades anteriores chegada dos primeiros

    helenos. Todas esto prximas das foras e dos fenme

    nos da Natureza, o que no gerlmente o caso dos

    olimpianos. Todas, ou quase todas, so seres monstruo

    sos, de dupla forma, que se encontram como figurantes

    nos mitos mais recentes.. O primognito de Pontos e Gi foi o V elho ' do

    Mar, Nereu. Unido a Dris, uma das filhas de Oceano,

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    32 PIERRE GRIMAL

    engendrou as Nereides, filhas das ondas. Nereu ve

    lho, sbio e conhece todos os segredos e todas as pro

    fecias. Mas causa-lhe repugnncia revel-los e, para es

    capar dos indiscretos, usa de bom grado o poder que

    tem de se metamorfosear. A figura de Nersu lembra a

    de Proteu, que j nos apresentada na Odissia e que

    um demnio do mar situado em guas egpcias. Na poca grega clssica, ele no mais do que um servidor de

    Posseidon, encarregado de guardar os rebanhos de focas

    pertencentes ao gran de deus.

    O segundo filho de Pontos Taumas, que se casou

    com Electra, uma outra filha de Oceano, e deu-lhe filhas:

    ris, a mensageira dos deuses, personificao do arco-ris,

    e as Harpias, chamadas Aelo e Ocpete (a Borrasca e o

    Voa-rpido), s quais por vezes se acrescenta uma ter

    ceira, Celeno (a Obscura). So os gnios do Temporal,

    impetuosas como o turbilho que se abate sobre o mar

    e arrasta tudo sua passagem. As Harpias so essencial

    mente Rapina doras. Mulheres a ladas ^ possuem garras

    agudas; e sua morada situa-se no corao do mar Jnio,

    nas ilhas Estrfades.

    O terceiro filho de Pontos Frcis, que mora na

    regio de Cefalnia, na costa ocidental da Grcia. Dele

    derivam as Graias, que so as Velhas do Mar, chamadas

    nio, Pefredo e Dino. Viviam no extremo Ocidente, no

    pas onde jamais brilh a o sol. Eram irms das tr s Gr-

    gonas Esteno, Eurale e Medusa , das quais somen

    te a ltima era mortal. As Grgonas tinham uma aparncia tenebrosa. A cabea delas era rodeada de serpen

    tes; estavam armadas com enormes presas, semelhantes s

    do javali; suas mos eram de bronze; asas de ouro lhes

    permitiam voar. Seus olhos faiscavam , e deles bro tava um

    olhar to penetrante que quem o visse era transformado

    em pedra. Objeto de horror, haviam sido relegadas aos

    confins do mundo, noite, e ningum era suficientemen

    te corajoso para abord-las. Somente Posseidon se havia

    unido a Medusa e a engravidara. Os filhos dessa unio

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    A MITOLOGIA GREGA 33

    eram Pgaso, o Cavalo Alado, e Crisaor, o Ser da Es

    pada de Ouro, que foi, por seu turno, o pai de Gerio,

    o gigante de trs corpos que matar Hrcules, e da Vbo

    ra, Equidina. Essa Equidina iria, mais tarde, unir-se aomais horrvel dos monstros, Tifon, que durante um certo

    tempo ameaou suplantar-o prprio Zeus. Da unio, nas

    ceram filhos: Ortros, o Co Monstruoso; Crbero, o Co

    dos Infernos; a Hidra de Lema; e a Quimera, que foi

    inimiga de Belerofonte. De Ortros e Equidina, nascerama Esfinge tebana e o Leo da Nemia. Assim, a imagina

    o grega atribua uma descendncia aos seres de pesa

    delo, contra os quais Hrcules iria triunfar.

    O ltimo descendente de Pontos era uma mulher,Eurbia. Ela se casou com o Tit Crios e a posteridade

    deles foi astral. Seu filho mais velho, Astreu, casou-secom a Aurora (Eos), que lhe deu como filhos os Ventos,a Estrela da Manh (Hesphoros) e, finalmente, todos os

    Astros. Seu segundo filho foi o gigante Palas, marido de

    Estige. Ele engendrou apenas potncias simblicas: Ci

    me, Vitria, Potncia e Violncia. Mas o terceiro filho de

    Crios e Eurbia, casando-se com Asteria, filha de Ceose de Febe, tomou-se o pai d deusa infernal, Hcate, que

    tinha uma trplice forma.

    A gerao pr-olimpiana ou seja, todas as divin

    dades que no se ligam diretamente a Cronos, mas que

    surgiram dos Tits e das outras unies de Gaia com

    preende, portanto, todos os monstros que a lenda conhece

    e que desempenharam um papel nos ciclos divinos e he

    ricos, assim como nas novelas. Mas compreende tam

    bm, e sobretudo, divindades puramente naturalistas :

    o Sol, a Lua, a Aurora, os Astros, os Ventos e os gnios

    de fenmenos naturais, como a Tempestade e a Borrasca.

    Com efeito, a essa gerao primordial que pertencem os

    Ciclopes, filhos de Urano, que devem ser cuidadosamentedistinguidos dos Ciclopes construtores, que so uma po

    pulao mtca, proveniente da Lcia, que se ps a ser

    vio dos reis de Argos; tribuam-se a esses Ciclopes as

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    construes aparentemente sobre-humanas, feitas de blo

    cos enormes, ainda, visveis em Micenas ou Tirinto . Os

    Ciclopes uranianos so apenas trs: Brontes, Esteropes

    e Arges; e j nos referimos relao evidente entre eles

    e a Borrasca. J que Zeus era tambm um deus do cu,

    ir mais tarde tom-los a seu servio: eles ser.0 encarregados de forjar os raios. H mesmo uma tradio

    que diz terem sido eles a dar ao recm-chegado essasarmas, que antes Zeus no possua. Os Ciclopes sero

    considerados, cada vez mais, como os fabricantes das ar

    mas divinas: do arco de Apoio* da couraa de Aten etc.,que seriam por eles confeccionadas sob a direo de He-

    faisto, o deus-ferreiro da nova gerao. Mas provvelque essas sejam criaes imaginrias bastante tardias, da

    tando j da poca alexandrina. Nesse momento, a ativi

    dade dos Ciclopes situada sob os vulces sicilianos;

    o fogo de sua forja que, noite, ilumina o cume do

    Stromboli ou do Etna; e o ronco de seus foles, o martelar de suas bigornas, que reboam por aquelas paragens.

    Lendas mais antigas, porm, explicam diferentemente osfenmenos vulcnicos. Atribuem tais fenmenos s mani

    festaes dos Gigantes imersos sob a terra depois de sua

    revolta contra Zeus, no trmino da Gigantomaquia.

    Pois, aps a vitria de Zeus, Gaia no ficara satis

    feita-, como no o havia ficado aps a vitria de Cronos.

    Estava descontente com o tratamento infligido pelo ven

    cedor aos Tits, que eram seus filhos, e queri libert-los

    de sua priso. Para isso, recorreu aos Gigantes, que haviam nascido dela mesma e do sangue de Urano. Esses

    Gigantes no eram imortais, mas s podiam ser mortos

    se os golpes de um deus se juntassem aos de um mortal.

    So seres imensos, de invencvel fora e dotados de gran

    de coragem. Possuem uma cabeleira e uma barba hirsu

    tas, e suas pernas so serpentes. Situa-se o ocal de seunascimento na pennsula trcia de Palene. To logo sa

    ram da terra, puseram-se a brandir rvores inflamadas ea cortar o cu a golpes de rochedos. Foi ento que os

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    A MITOLOGIA GREGA 35

    olimpianos intervieram. Zeus armou-se com o raio, Ate-

    n tomou a gide e a lana, Dionsio brandiu o tirso;em suma, cada divindade interveio com sua arma favo

    rita. E, como era necessrio que um mortal ajudasse os

    deuses em sua luta, recorreu-se a Hrcules. Essa inter

    veno de Hrcules singular, pois contraria toda cronologia, j que o nascimento de Hrcules muito posterior

    criao dos homens e ao dilvio do Deucalio, que assinalou o fim da primejra gerao mortal. Isso evidencia,

    certamente, o carter artificial e recente da Gigantoma-quia, a no ser que se queira considerar esse Hrcules

    como ainda apenas o prottipo do heri que ser reco

    lhido pela lenda posterior. De qualquer modo, travou-sea luta entre os deuses e os gigantes. Hrcules interveio

    sobretudo com suas flechas, que atingem os gigantes no

    momento em que um deus s abate. Os gigantes se dispersaram, e o mundo inteiro ficou coberto de destroose projteis. Assim, Encelade foi esmagado pela Sicia,

    sob a qual a deus Ateri o prendeu. A ilha de Nisiron,atirada por Posseidon, esmagou Polibotes. O folclore no

    teve dificuldade em atribuir esse episdio da lenda uma

    grande quantidade de detalhes topogrficos, um pouco

    como se faz quando no Mnt-Saint-Michel e alhures se evoca Gargntua para explicar a form a de uma

    montanha ou de um curso dga.

    Zeus, antes de conquistar o poder sem contestao,

    tinha ainda de passar por uma prova, a luta contra Tifon

    (ou Tifeu). Segundo as verses, Tifon era um filho de

    Hera, que- a deusa engendrara sem a participao de nenhum ser masculino; ou ento era m filho da Terra, ique

    lhe nascera do Titaro. Tifon er maior do que os gigan

    tes e, com freqncia, sua cabea tocava as estrelas. Em

    vez de dedos, possua nas ms cem cabeas de drago.

    Da cintura at bs ps, seu corpo eira envolvido por vbo

    ras. Tinha asas e seus olhos lanavam chamas. Quandoos deuses viram esse m onstro atacar , o cu, fugiram para

    o Egito e se esconderam no deserto,'onde tomaram a for-

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    ma de nimais. Apoio tornou-se um milhafre; Hermes, ^um bis; Ares, um peixe; Dionsio, um bode; Hefasto,um boi etc. Explica-se desse modo o culto prestado pelosegpcios a divindades simbolizadas por animais. Enquantoisso, Zeus e Aten restaram ss diante de Tifon. Zeus e

    Tifon travaram um combate corpo a corpo, nos confinsdo Egito e da Arbia Ptrea. Tifon levou a melhor eapoderou-se. da harp (a foice) com a qual o deusestava armado. Cortou os tendes dos braos e das pernas de Zeus, carregou o corpo j inerte sobre os ombrose o encerrou numa caverna da Cilcia; alm disso, escondeu os nervos de Zeus numa pele de urso e confiou-aa um drago. Mas Hermes e o deus P conseguiram roubar esses tendes e recoloc-los em seu lugar, sem queTifon o soubesse. Zeus reconquistou assim sua fora e ocombate recomeou. Durou muito tempo, e seus episdiosse processaram pelo mundo inteiro, at o momento emque Zeus esmagou seu adversrio sob o Etna, na Sicflia,reduzindo-o impotncia.

    Tifon foi o ltimo adversrio de Zeus. As faanhasdos .dois Alodas, gigantes filhos de Posseidon, que empilharam vrias montanhas para escalarem o Olimpo einsultaram com seu amor Artmis e Hera, no constituram um perigo real para o equilbrio do mundo. Bastoua Zeus lanar um raio para que eles se precipitassem nosInfernos. Doravante, a autoridade do Senhor dos Deuses

    conservou-se incontestada. A poca dos monstros forasuperada. Os monstros que o mundo conhecer em seguida sero descendentes um pouco degenerados dos seres primordiais, filhos da Terra. S causaro temor aoshumanos: eZeus confiar a Hrcules a tarefa de abat-los.

    Faltava explicar a presena dos Homens no universo. A criao deles no atribuda linhagem de Cronos,mas descendncia de um outro Tit, , Japeto, e de suamulher, a ocenide Climene. Japeto teve quatro filhos:Atlas, Mencio, Prometeu e Epimeteu. Os dois primeiros

    so gigantes brutais e "desmesurados. Atlas engendrou

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    demnios astrais, e a ele que remontam as duas cons

    telaes das Hades e das Pliades. Ele mesmo, depois de

    ter participado na Gigantomquia contra os deuses, re

    cebeu um castigo severo. Recebeu a misso de sustentar

    em seus ombros a abbada celeste, no local em que ela

    se inclina para o Oceano, no Extremo Ocidente do mun

    do. Perseu, depois de matar a Grgona Medusa, trans

    formou-o em pedra ao lhe apresentar a face do monstro.Atlas tornou-se a montaiiha que limita a terra habitada,

    ao sul das Colunas de Hrcules, e que marca o incio do

    grnde Oceano.

    Dos quatro filhos de Japeto, diz-se por vezes dePrometeu que foi ele quem criou os mortais, modelan

    do-os com argila. Na verdade, essa tradio no universalmente admitida. Na Togoni de Hesodo, Prome

    teu ainda considerado to-somente como o benfeitor

    dos homens, em favor dos quais ele tenta vrias vezes

    enganar Zeus. Isso ocorreu, pla primeira vez, no curso

    de um sacrifcio solene. Ele dividira um boi em duas par

    tes: de um lado, sob a pele, pusera a carne e as entranhas, cobertas pelo ventre do animal; do outro, os ossos,

    despojados de toda carne, mas disfarados sob uma bela

    capa de gordura branca. Depois, mandara Zeus escolhersua parte; o resto caberia aos homens. Zeus escolheu agordura branca, mas, quando percebeu que ela cobria

    apenas ossos, foi tomado de grande fria contra Prome

    teu e tambm contra os mortais. Para punir esses ltimos,

    recusou-se a enviar-lhes o fogo. Ento, Prometeu subiu

    ao cu e roubou as sementes d fogo roda do sol,

    trazendo-as depois par a terra, escondidas num tronco

    oco. Dessa feita, a vingana de Zeus foi exemplar. Pro

    meteu foi acorrentado no Cucaso com correntes de ferro,

    e uma guia, nascida de Equidina, a Vbora monstruosa,devorava-lhe o fgado, qu sempre renascia. O suplcio

    durou at o dia em que Hrues, com uma flecha, aba

    teu a guia e libertou o gigante de suas correntes. Mas

    como Zeus jurara pela Estige que Prometeu permaneceria

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