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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115020838015 Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Sistema de Información Científica Márcia Rejane Semensato, Carlo Schmidt, Cleonice Alves Bosa Grupo de familiares de pessoas com autismo: relatos de experiências parentais Aletheia, núm. 32, mayo-agosto, 2010, pp. 183-194, Universidade Luterana do Brasil Brasil Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista Aletheia, ISSN (Versão impressa): 1413-0394 [email protected] Universidade Luterana do Brasil Brasil www.redalyc.org Projeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

Grupo de Familiares de Pessoas Com Autismo- Relatos de Experiências Parentais

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família de pessoas com autismo

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    Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y PortugalSistema de Informacin Cientfica

    Mrcia Rejane Semensato, Carlo Schmidt, Cleonice Alves BosaGrupo de familiares de pessoas com autismo: relatos de experincias parentais

    Aletheia, nm. 32, mayo-agosto, 2010, pp. 183-194,Universidade Luterana do Brasil

    Brasil

    Como citar este artigo Fascculo completo Mais informaes do artigo Site da revista

    Aletheia,ISSN (Verso impressa): [email protected] Luterana do BrasilBrasil

    www.redalyc.orgProjeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto

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    Aletheia 32, p.183-194, maio/ago. 2010

    Grupo de familiares de pessoas com autismo:relatos de experincias parentais

    Mrcia Rejane SemensatoCarlo Schmidt

    Cleonice Alves Bosa

    Resumo: Este estudo tem como objetivo explorar a percepo parental a respeito das prioridades e necessidades no cuidado dos filhos com autismo. Baseia-se na observao de um grupo de pais de indivduos com autismo, que tem como principal funo o apoio e orientao aos familiares. Os relatos referem-se sntese da observao de cinco encontros grupais, posteriormente examinados atravs de anlise de contedo. Os resultados apresentam categorias relativas s dificuldades e sucessos ao manejar Problemas de Comportamento na rotina diria, as Influncias das Relaes Familiares e as Dificuldades na Relao com Profissionais e Servios de Sade. Esses resultados ressaltam a importncia do trabalho grupal com os familiares de pessoas com autismo e a necessidade dos profissionais de valorizar a escuta da percepo parental sobre suas experincias e necessidades a fim de estabelecer planos teraputicos adequados ao indivduo autista como algum inserido em um contexto familiar. Palavras-chave: autismo, famlia, grupos de apoio.

    Group for families of persons with autism: Parental experiences reportsAbstract: The purpose of this study is to explore the parental perception of the priorities and needs of parents in taking care of their children with autism. It is based on the observation of a group for parents of autistic children. The goal of this group is to provide family support and orientation. The reports refer to the observation synthesis of five group meetings, later examined by analysis of content. The results show different categories related to hardships and successes on Handling Behavior Problems on daily routines, the Influences of the Family Relationship and also the Family Difficulties on the Relationship with Professionals and Health Services. These results highlight the importance of supporting groups for autists family members and the needs for professionals to take into account the relevance of parental perceptions about their experiences and needs in order to establish therapeutic plans adequate to the autistic person as an individual in a family context. Keywords: autism, family, supporting groups.

    Autismo

    A tendncia atual considerar o autismo como uma sndrome comportamental de etiologias mltiplas (Klin, 2006). No DSM IV-TR (2002), o Transtorno Autista, fi gura entre os Transtornos Globais do Desenvolvimento, tendo como critrios diagnsticos a presena de alteraes qualitativas nas interaes sociais recprocas e nas modalidades de comunicao, bem como de interesses e atividades restritas, estereotipadas e repetitivas, se manifestando at os trinta e seis meses de idade.

    Estudos de seguimento tm mostrado que adultos com autismo tendem a modifi car o seu comportamento ao longo do ciclo evolutivo (adolescncia e adultez).

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    Por exemplo, so relatadas menores difi culdades s mudanas nas relaes com pares, ao passo que os interesses restritos e repetitivos podem persistir ao longo da vida (Gadia, Tuchman & Rotta, 2004; Howlin et al. 2004). O autismo tambm tem sido associado a problemas de comportamento, tais como a hiperatividade, impulsividade, agressividade, comportamentos autodestrutivos, alm de distrbios de humor e de afeto (DSM IV-TR, 2002; Gadia & cols., 2004).

    No intento de explicar esses comportamentos luz das relaes familiares, em dcadas passadas houve uma tendncia em se destacar as infl uncias unidirecionais do comportamento dos pais sobre a criana (Bettelheim, 1967; Eisenberg, 1956). Porm, atualmente a infl uncia do comportamento da criana sobre os pais e a natureza recproca dessas relaes tem ganhado espao (Bosa, 2002; Hastings, 2002; Kim, Greenberg, Seltzer & Krauss, 2003; Schmidt & Bosa, 2007). Essa mudana de perspectiva foi responsvel por um aumento de interesse nas infl uncias bidirecionais entre a pessoa com autismo e seus familiares.

    A famlia de pessoas com autismoTendo em vista as difi culdades inerentes prestao de cuidados continuados

    a indivduos com autismo, estudos tm demonstrado a existncia de altos nveis de estresse parental (Bosa, 2002; Hastings, 2002; Konstantareas & Homatidis, 1989; Schmidt & Bosa, 2007), principalmente nas mes (Bosa, 2002; Schmidt & Bosa, 2007). A sobrecarga de tarefas (ex.: cuidados com a criana, responsabilidades com consultas e com a casa), demora na lista de espera para atendimentos, despesa com diversos profi ssionais, pouco espao para cuidados pessoais e das suas outras relaes (Bosa, 2002) e o excesso de responsabilidades concentrado nas mes (Schmidt, 2004) so aspectos frequentemente presentes nos relatos dessas famlias, mostrando a necessidade de intervenes que levem em considerao toda a unidade familiar (Bosa, 2002). Esses estudos reforam a importncia do acompanhamento e orientao dos familiares, visando auxiliar na reduo direta do estresse familiar.

    Ainda que vrias pesquisas mostrem os benefcios da orientao familiar dada pelos profi ssionais (Dvortcsak & Ingersoll, 2006; Hastings, 2002; Kim & cols., 2003; Prichard, 2004), outros estudos apontam a existncia de estressores experimentados pelos pais ao lidarem com os mesmos (Jones & Passey, 2004). Esses mesmos autores, no entanto, ressaltam que algumas intervenes, como os grupos de apoio, podem auxiliar a reduzir o estresse, pois facilitam a coeso e integrao da unidade familiar.

    Como principal responsvel, a famlia v-se frente necessidade de dar conta de uma grande demanda de cuidados dirios, o que tem se relacionado aos ndices elevados de tenso fsica e psicolgica, culpa e risco de crise nas mes (Schmidt & Bosa, 2003). Alm disto, alguns estudos relatam uma correlao entre problemas de comportamento de crianas com transtornos do desenvolvimento e os nveis de estresse, depresso e ansiedade nos pais (Bosa, 2002; Hastings, 2002; Kim & cols., 2003; Trevarthen, 1996).

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    Por outro lado, entre os fatores protetivos encontram-se o desenvolvimento de estratgias de coping (Lazarus & Folkman, 1984; Schmidt, DellAglio & Bosa, 2007), o processo de resilincia familiar (Yunes & Szymansky, 2001) e o locus de controle parental (Jones & Passey, 2004). Pesquisas mostram que, quando acionados de modo adequado s necessidades especfi cas de um grupo familiar, estes fatores podem auxiliar na superao da crise e fortalecer estratgias e mudanas estruturais da famlia (Carter & McGoldrick, 2001). Porm, parece que estes recursos no esto cumprindo satisfatoriamente seu papel nas famlias de pessoas com autismo, j que estas tm sido descritas a partir da tendncia comunicao pouco clara entre seus membros, pouca individuao e integrao e um relacionamento conjugal no gratifi cante (Falcetto, 1989; Sprovieri & Assumpo Jr., 2001).

    Para que uma interveno consiga atingir resultados satisfatrios, torna-se imprescindvel que seus objetivos estejam voltados abordagem das necessidades especfi cas da populao a que se destina. Nesse sentido, o modelo inspirador desse estudo, o modelo de Bradford (1997), desenvolvido para o estudo do impacto da doena crnica na famlia. Esse modelo prope uma abordagem psicossocial, que integra concepes cognitivas e sistmicas, na rea da Psicologia da Sade. O modelo de adaptao doena crnica de Bradford (1997) postula que a doena crnica uma condio especfi ca que requer cuidados especiais. Portanto o objetivo desse estudo foi explorar as prioridades e necessidades parentais frente aos cuidados dirios do fi lho com autismo, atravs da observao de um grupo de pais, cujos encontros eram sistemticos.

    Mtodo

    ParticipantesParticipou deste estudo um grupo composto por 7 mes e pais de crianas,

    adolescentes ou adultos com diagnstico de Transtorno Autista de um centro de atendimento particular em Porto Alegre. O grupo tinha frequncia quinzenal e durao de uma hora por encontro, sendo aberto a todos os pais e mes de crianas e adolescentes atendidos no local.

    Delineamento e procedimentosTrata-se de um estudo exploratrio que buscou identifi car os principais temas que

    emergiram no grupo atravs da sntese da observao e do registro dos relatos dos pais, com base em cinco encontros. Esses encontros eram coordenados pelo Psiclogo da instituio e pela autora deste estudo, a qual tambm atuava diariamente no atendimento aos fi lhos dos participantes do grupo.

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    Por questes ticas, o contrato de pesquisa foi feito previamente com o grupo, o qual esteve ciente e aprovou a execuo deste estudo. O trabalho grupal tinha um enfoque psicoeducacional, buscando oferecer orientao e oportunizar a troca de experincias entre os pais de pessoas que tem em comum um fi lho com autismo.

    Instrumentos e materiaisFoi utilizado para a coleta de dados os relatos dos contedos expressos durante

    os encontros, registrados em um dirio de campo pela observadora. Os dados do dirio de campo foram posteriormente agrupados em categorias por temas, atravs do mtodo de anlise de contedo e tratados de forma interpretativa (Bardin, 1977). As unidades de anlise foram construdas, portanto, a partir da compreenso dos temas surgidos nos encontros grupais.

    Resultados

    As categorias geradas na anlise de contedo, a partir do relato dos pais no grupo foram: a) Manejo de Comportamento b) Relaes com Profi ssionais e/ou Servios de Sade, c) Infl uncia das Relaes Familiares e Envolvimento no Cuidado com o Filho. A categoria de Manejo do Comportamento refere-se aos relatos de difi culdades na compreenso e manejo dos comportamentos do fi lho. A categoria envolvendo as Relaes com Profi ssionais e Servios de Sade, caracteriza-se pelos relatos da percepo parental sobre o apoio prestado pelos profi ssionais de sade e difi culdades de acesso aos servios de sade, pouco consenso entre os profi ssionais e demora para o diagnstico. J na categoria envolvendo as Relaes Familiares, foram citadas as relaes entre os pais e a relao com demais fi lhos e com outros familiares no que concerne aos cuidados e envolvimento com o fi lho com autismo.

    Discusso

    A psicopatologia familiar, no modelo preconizado por Bradford (1997), no vista como uma consequncia direta da ocorrncia de doenas crnicas na famlia, mas como um processo que depende, entre outros aspectos, da forma como a famlia maneja os estressores. A nfase dada forma como se comportam a criana e sua famlia frente aos desafi os inerentes a esta situao, baseando-se numa perspectiva sistmica para o entendimento do fenmeno. Na observao dos encontros grupais, um fato que mereceu destaque foi a presena majoritria de mes. Isto pode ser entendido pelo fato de elas serem as principais responsveis pelos cuidados diretos do fi lho com autismo, justifi cando sua necessidade de maior busca de apoio do que os pais (Fvero, 2005; Schmidt, 2004). Portanto, compreende-se tambm por que a

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    maior parte dos estudos sobre estresse e depresso familiar enfocam as mes (Bosa, 2002; Schmidt, 2004; Trevarthen, 1996).

    Na categoria de Manejo do Comportamento, observaram-se difi culdades na compreenso e o manejo dos comportamentos do fi lho. A falta de uma sinalizao clara, por parte da criana, acerca de suas necessidades e desejos (Bosa, 2002), impele o cuidador a manter-se sempre extremamente atento a fi m de compensar esta falta. O controle e superviso, portanto, fi cam ligados a uma necessidade de prestar ateno quase que integral a ele. O desejo de ser auxiliado na comunicao com o fi lho aparece nas inmeras dvidas dos familiares sobre o que signifi cam determinados comportamentos do fi lho (ex: agitao, teimosias, no atendimento de solicitaes, morder-se, negar-se a andar). Pelos relatos, percebe-se que o sucesso na comunicao, por si s, costuma ser sentido com satisfao e expectativas mais positivas.

    Mostra-se uma tarefa difcil antecipar-se a algo que no se entende, tanto para pessoas com autismo, quanto para os cuidadores (pais, irmos, educadores). O senso de previsibilidade e de controle facilita a adaptao dos indivduos com autismo (Bosa, 2002) e deve fazer parte do ambiente, pois sintomas como a depresso, a ansiedade, autoagresso e hiperatividade tendem a se reduzir em uma ambiente favorvel, isto , organizado, calmo, onde todos saibam o que esperado deles, e com meios apropriados de se comunicar (Gilberg, 2005).

    A teoria da mente explica a difi culdade antecipatria e a necessidade de organizao do ambiente. De acordo com Uta Frith (1989), a teoria da mente refere-se habilidade para pensar sobre os prprios pensamentos e sobre o dos outros, possibilitando uma adequao e sucesso nas interaes. A teoria da mente uma das difi culdades mais signifi cativas dos indivduos com autismo (Frith, 1989).

    As possibilidades de interveno com pessoas com autismo, podem envolver abordagens educacionais, terapias comportamentais e farmacoterapia (Facion, 2002; Martins, Preussler & Zavaschi, 2002). Os alvos bsicos do tratamento de um indivduo com autismo so estimular o desenvolvimento social e comunicativo, aprimorar o aprendizado e a capacidade de solucionar problemas, diminuir comportamentos que interferem no aprendizado e no acesso s oportunidades para experincias do cotidiano e ajudar as famlias a lidar com o autista (Bosa, 2006). Quanto tendncia a apresentar pouca generalizao das habilidades adquiridas em um ambiente (Klin, Jones, Schultz & Wolkmar, 2003), Bosa (2006) sugere que uma estratgia de sucesso, pode ser o aprendizado de habilidades sociais em situaes especfi cas.

    Os problemas de comportamento tm sido uma difi culdade percebida pelos pais no manejo dos fi lhos com autismo (Gadia & cols., 2004; Schmidt, 2004). Nos relatos grupais a sensao de impotncia frente ao comportamento do fi lho foi associada pelos pais a uma sensao de irritao e reduo do senso de autocontrole. O sentimento de impotncia mostrou-se frequente, desde os cuidados de rotina at situaes de doenas ou mudanas, decorrendo das difi culdades de entendimento e manejo dos mesmos.

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    Os comportamentos parentais coercitivos e inefi cazes relatados (ex: vontade de brigar ou bater no fi lho), foram associados difi culdade de entender e manejar atitudes, tais como rasgar as prprias roupas, rejeitar alimentos, se autoagredir. Na literatura encontra-se que h o risco que pais sob estresse, adotem comportamentos que reforam os problemas de comportamento da criana (Hastings, 2002; Neidert, Iwata, & Dozier, 2005), ou seja, infl uncias recprocas dos comportamentos (Hastings, 2002). J o entendimento de determinados comportamentos (ex. agitao) mostrou-se um fator de reduo de tenso. Jones e Passey (2004), por exemplo, entendem que a orientao e informao tendem a aumentar o senso de controle parental.

    Por vezes, os pais relatam confuso, por no conseguir diferenciar questes comportamentais ligadas ao ambiente, das ligadas s caractersticas do autismo ou at de possveis efeitos de medicao. possvel que as difi culdades das pessoas com autismo em expressar suas necessidades e desejos de forma efetiva (Scheuer, 2002), levem os pais a se sentirem extenuados na tentativa de estabelecer uma comunicao.

    Apesar da tendncia sobrecarga, algumas mes relataram a sua percepo acerca de uma possvel relao entre o seu prprio estado de humor e a tranquilidade apresentada pelo fi lho. De acordo com Bosa (2002), os indivduos autistas so bastante sensveis s mudanas de humor de seus cuidadores, talvez por reagirem ao aspecto no verbal do comportamento (ex.: tom de voz, expresso facial, presso do toque), mesmo que no saibam signifi c-lo. Alm disso, h evidncias que os problemas de comportamentos desses indivduos podem desenvolver-se como uma tentativa de comunicao (Scheuer, 2002).

    Os comportamentos preocupantes relatados envolveram aspectos que afetavam diretamente os pais ou a rotina familiar, como teimosia e agitao nos cuidados rotineiros (ex: na alimentao, no banho, nas sadas, no vestir-se), enquanto os comportamentos preocupantes menos relatados (beliscar-se, morder-se) foram os autoabusivos. Nos estudos de Konstantareas e Homatidis (1989), os comportamentos autoabusivos foram os maiores preditor paternos de estresse, enquanto que a irritabilidade e a idade mais avanada da criana foram o maior preditor materno de estresse.

    Observaram-se tambm relatos de satisfao pelo entendimento e pelo manejo das peculiaridades do comportamento do fi lho. Essa capacidade de desenvolver uma forma prpria e efi caz de lidar com as situaes estressantes considerada um aspecto de sade dessas famlias. A autoefi ccia parental (Bandura, 1977), fatores de personalidade, sociais e culturais (Fvero, 2005), a resilincia (Yunes & Szymansky, 2001) e a confi ana nos profi ssionais (Lazarus & Folkman, 1984) tm sido relacionados a uma maior tolerncia frustrao para lidar com estas situaes. Estudos com familiares apontam evidncias que enquanto algumas mes desenvolvem problemas referentes sade mental, outras so capazes de manter seu bem estar emocional (Fvero, 2005; Kim & cols., 2003).

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    Tem sido sugerido que a pessoa autista no suporta o toque fsico ou aproximaes (Aarons & Gittens, 1992), porm nos relatos grupais o fi lho, por vezes, foi descrito como grudento, principalmente em momentos de medo, doena e necessidade de auxlio. A literatura mostra que a busca de contato fsico pode ser intensa (Trevarthen, 1996) e apesar da falta de reciprocidade ser um marcador signifi cativo do autismo, a noo de uma criana no comunicativa e sem afeto no corresponde s observaes (Bosa, 2002), havendo, inclusive, evidncias de desenvolvimento de apego de uma forma diferenciada (Sanini, Damasceno, Spillari, & Bosa, 2008). De fato, a intensifi cao de contato fsico com o cuidador nos momentos de medo e doena, pode ser compreendida como a reativao dos comportamentos de apego (Bowlby, 1989).

    Outra categoria identifi cada diz respeito aos Profi ssionais e Servios de Sade. Observou-se que assim como a famlia se sente, por vezes, insegura no entendimento do fi lho com autismo, os profi ssionais tambm so percebidos pelos pais como evidenciando uma difi culdade de consenso quanto condio do fi lho, a medicaes e a intervenes. Os relatos dos familiares indicam que as constantes trocas de medicao, por exemplo, tendem a ser percebidas como inefi cazes e frustrantes em relao s expectativas iniciais.

    Outra frustrao explicitada refere-se demora no estabelecimento do diagnstico do fi lho, desde a percepo inicial de algo diferente com o fi lho, pelos pais. A demora na busca de um diagnstico correto causa dor e aumenta a possibilidade de sofrimento, com sentimento de perda de tempo, o que pode gerar ou incrementar frustrao, confuso, sentimentos de culpa, expectativas irreais de cura e de desaparecimento dos sintomas do fi lho (Howlin, 1997). Nos estudos de Jones e Passey (2004), mais da metade dos pais relataram a falta de suporte dos profi ssionais e a difi culdade de ter o diagnstico como uma fonte de estresse; no entanto, a busca de informaes e apoio de outras fontes, assim como a perseverana e a possibilidade de fazer as coisas a sua maneira, foram consideradas como estratgias de sucesso pelos pais.

    Verifi cou-se, ainda, a difi culdade de acesso a servio de sade qualifi cado (preos altos, pouca disponibilidade dos profi ssionais nas urgncias). A escola, no entanto, foi vista como um importante recurso auxiliar no manejo de certas rotinas desgastantes e como uma forma de ligao entre os pais e alguns servios (ex: corte de cabelo, avaliao odontolgica dos fi lhos). A necessidade de estruturao da rotina mostra-se adaptativa para esses indivduos (Bosa, 2002; Gilberg, 2005). Nesse sentido, torna-se adaptativa famlia tambm.

    De acordo com o modelo psicossocial de Bradford (1997), o ajustamento familiar infl uenciado pela qualidade da comunicao entre as famlias e as equipes dos servios de sade. O manejo dos mdicos em relao aos aspectos emocionais com a criana e sua famlia pode ser fonte de insatisfao e de estresse, como relatos de no ser escutado e no receber apoio emocional, alm do uso de linguagem pouco clara (Bradford, 1997; Jones & Passey, 2004).

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    Uma das concluses de Jones e Passey (2004) foi que a maior parte dos pais viu o lidar com amigos, famlia, vizinhos e profi ssionais como potencialmente estressante, no que tange aos cuidados com o fi lho. Apesar disso, como ressalta Bradford (1997), geralmente os familiares buscam envolvimento com o sistema de cuidado mdico.

    Na categoria envolvendo as Relaes Familiares, um dos aspectos ressaltados foi a relao dos pais com os demais fi lhos e entre os irmos. As relaes entre os irmos foram vistas como difceis quando o irmo com desenvolvimento tpico ainda criana. Observou-se tambm que os fi lhos maiores tendem a ser vistos como bons auxiliares no cuidado do fi lho com autismo e que h percepo de menor ateno ao irmo com desenvolvimento tpico. Outros estudos vm demonstrando essa tendncia dos pais em terem mais expectativa e menos ateno e disponibilidade em relao aos demais fi lhos (Bradford, 1997; Gomes & Bosa, 2004; McHale, Simeonsson & Sloan, 1984).

    A comunicao entre os pais sobre as questes com o filho evidenciou difi culdades, tais como relatos de formas incompatveis de manejo, sobrecarga e queixa materna sobre a necessidade de insistir com o cnjuge para dividir os cuidados. Na literatura encontra-se que os principais tipos de apoio dos cnjuges, desejados pelas mes, so propiciar maior alvio materno no cuidado com a criana, assumir maior responsabilidade disciplinar com fi lho e obter ajuda paterna de forma espontnea (Fvero, 2005; Konstantareas & Homatidis,1989; Schmidt, 2004). O nvel de suporte conjugal um aspecto relevante nos estudos sobre estresse e famlia de crianas autistas (Konstantareas & Homatidis, 1989; Sifuentes, 2007).

    A convivncia com outros familiares tambm pode tornar-se difcil, pela tendncia das pessoas com autismo a apresentarem problemas em relao s mudanas e necessidade de estruturao de seu ambiente. Essas difi culdades podem levar alguns pais ao isolamento em relao a familiares, vizinhos e amigos (Jones & Passey, 2004; Sprovieri & Assumpo Jr., 2001). O convvio com os demais, conforme relatos, frequentemente est restrito escola.

    O isolamento tem sido relacionado ao fato de que as outras pessoas geralmente querem dar um conselho diferente do que os pais fazem (Jones & Passey, 2004), alm do desconhecimento e as atitudes negativas em relao ao fi lho (Schmidt, 2004). Apesar da frequente restrio na vida social (Sprovieri & Assumpo Jr., 2001), h relatos de sucesso, como explicar as condies ou defi cincias dos fi lhos s pessoas de suas relaes (Jones & Passey, 2004). O apoio social (familiares, amigos) pode ser um fator protetor frente ao estresse parental (Hamlet, Pellegrini & Katz, 1992; Krahn, 1993).

    Pde se perceber, pelos relatos parentais que muitas difi culdades relacionam-se s caractersticas peculiares dos portadores de autismo, as quais exigem dos cuidadores extrema ateno e s diferenas individuais dos portadores de autismo, pois como ressalta Gilberg (2005) no h uma criana que tenha somente autismo. Para este autor, o autismo um sinal de que se deve procurar por outros fatores associados.

    Quanto relao familiar, entende-se que a presena de Transtornos do Desenvolvimento no necessariamente um evento adverso para a famlia (Bradford,

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    1997), mas certamente os familiares so confrontados por estressores que impem riscos, exigindo uma reorganizao e a adaptao familiar. Algumas famlias, ou alguns membros da famlia, adaptam-se s condies impostas com menor grau de sofrimento que outros, sendo que diferentes fatores podem estar envolvidos neste processo. Dentre os fatores percebidos esto as caractersticas do fi lho com autismo, idade dos demais fi lhos, caractersticas familiares e individuais dos pais, da relao entre estes e pela qualidade e tipo de suporte que recebem.

    Tendo em vista a relevncia do apoio aos familiares de pessoas com autismo encontrada na literatura e corroborada atravs dos presentes relatos parentais, o trabalho com grupo de familiares pode ser um auxlio para reduzir os nveis de tenso das famlias. Isto porque pode propiciar conhecimento, oportunidade de troca de experincias e de informao e o desenvolvimento de novas habilidades para enfrentar os desafi os dirios.

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    _____________________________ Recebido em maro de 2008 Aprovado em maio de 2010

    Mrcia Rejane Semensato: Psicloga; Especialista em psicologia clnica - Transtornos do Desenvolvimento (UFRGS); Doutoranda no Programa de Ps-Graduao em Psicologia(UFRGS).Carlo Schmidt: Psiclogo (ULBRA/RS); Especialista em psicologia hospitalar (ULBRA), mestre e doutor em Psicologia (UFRGS). Cleonice Alves Bosa: Professor Adjunto do Programa de Ps-Graduao em Psicologia (UFRGS); Coordenadora do NIEPED (Ncleo de Estudos e Pesquisas em Transtornos do Desenvolvimento).

    Endereo eletrnico para contato: [email protected]