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GUIA PARA CRIAR COMITÊS E MECANISMOS DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA Subsídios para implementação do Pacto Federativo para Prevenção e Combate à Tortura Ministério dos Direitos Humanos 2017

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GUIA PARA CRIAR COMITÊS E MECANISMOS DE

PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA

Subsídios para implementação do Pacto Federativo para Prevenção e Combate à Tortura

Ministério dos Direitos Humanos 2017

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Expediente Michel Temer Presidente da República Luislinda Valois Ministra dos Direitos Humanos Flávia Piovesan Secretária Nacional da Promoção e Defesa dos Direitos Humanos Karolina Alves Pereira de Castro Coordenação Geral de Combate à Tortura Conteúdo produzido pela Coordenação Geral de Combate à Tortura. Edição finalizada em 11 de setembro de 2017.

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Apresentação A Constituição Brasileira de 1988, na qualidade de marco jurídico da transição democrática e da institucionalização de direitos humanos no país, estabeleceu de modo inédito a prática da tortura como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ela respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-la, se omitirem. Embora desde 1988 houvesse o dever constitucional de puni-la como crime, tendo o Estado Brasileiro assinado a Convenção da ONU contra a Tortura em 1989, foi apenas em 7 de abril de 1997 que se adotou a Lei n° 9.455/97, prevendo a definição e a punição do crime. Não há qualquer possibilidade de se derrogar a proibição contra a tortura. A referida Convenção é enfática ao determinar que nenhuma circunstância excepcional, seja qual for (ameaça, estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública), pode ser invocada como justificativa. A Recomendação Geral nº 20 do Comitê de Direitos Humanos1 ressalta que a proibição da tortura objetiva proteger tanto a dignidade quanto a integridade física e mental do indivíduo. Assim, é obrigação dos Estados adotar todas as medidas cabíveis (legislativas, executivas e judiciais) para a abolição. O Comitê observa que nenhuma justificativa ou circunstância excepcional pode ser invocada para tortura por qualquer razão, incluindo aquelas baseadas em cumprimento a ordem de superior hierárquico ou autoridade pública. Em 2013, foi adotada a Lei 12.857, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção à Tortura, criando o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em cumprimento ao Protocolo Facultativo à Convenção de

1 NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Humanos. CCPR General Comment No. 20: Article 7 (Prohibition of Torture, or Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment), 1992. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/453883fb0.html>. Acesso em 8 set. 2017.

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Combate à Tortura ratificado pelo Brasil em 2007, ao determinar aos Estados que estabeleçam um sistema preventivo de visitas regulares a locais de detenção visando ao combate à prática. Como legado de mais de duas décadas de arbítrio no país, a tortura persistirá na medida em que se assegurar a impunidade de seus agentes. No dizer de Nigel Rodley (ex-relator da ONU para a tortura), a tortura é um “crime de oportunidade”, que pressupõe a certeza da impunidade. O combate exige a adoção pelo Estado de medidas preventivas e repressivas. De um lado, são necessárias a criação e manutenção de Mecanismos que eliminem a “oportunidade” de torturar, garantindo a transparência do sistema de privação de liberdade2. Por outro lado, a luta contra a tortura impõe o fim da cultura de impunidade, demandando do Estado o rigor no dever de investigar, processar e punir os seus perpetradores. Missões realizadas pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos em Manaus, Boa Vista e Natal, em virtude do colapso do sistema carcerário, envolvendo construtivo diálogo com as autoridades locais, sistema de justiça, familiares de vítimas e organizações da sociedade civil têm enfatizado a urgência da prevenção e combate. Nesse sentido, o Pacto Federativo para Prevenção e Combate à Tortura objetiva fortalecer as políticas para a temática, com destaque para:

1) Criação de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura;

2 Como locais de privação de liberdade entende-se, por exemplo, unidades do sistema penitenciário, unidades do socioeducativo, carceragens da segurança pública, instituto de longa permanência para idosos, hospitais de custódia e psiquiátricos e comunidades terapêuticas.

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2) Elaboração, em conjunto com o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, de novo Plano de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura; e

3) Fortalecimento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Ao lançar o Pacto, esperamos reforçar antigas parcerias e fomentar novas parcerias, de forma a contribuir para o fortalecimento da institucionalização das políticas de Prevenção e Combate à Tortura no Brasil.

Brasília, 11 de setembro de 2017.

Flávia Piovesan Secretária Nacional da Promoção e Defesa dos Direitos Humanos

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Sumário

Introdução ........................................................................................... 6

1. O que é tortura? ........................................................................... 9

2. Quem são as vítimas da tortura?................................................ 12

3. Quais são as ações para prevenir e combater à tortura? ........... 21

3.1. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas (1984) .................................................................... 21

3.2. Plano de Ações Integradas para Prevenção e Combate à Tortura (2006) ................................................................ 22

3.3. Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (2002) ........................................................... 24

4. Como criar um Comitê?.............................................................. 25

5. Como criar um Mecanismo? ...................................................... 30

6. Qual é a relação com a Lei 12.847/2013?................................... 39

6.1. Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura .............................................................................. 39

6.2. Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura .............................................................................. 40

6.3. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura .............................................................................. 41

Considerações finais .......................................................................... 44

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Introdução O Pacto Federativo para Prevenção e Combate à Tortura (“Pacto”) compreende uma cooperação articulada e integrada envolvendo Governo Federal e governos estaduais e distrital, no que se refere ao compromisso de criação e fortalecimento de estruturas fundamentais para a erradicação da tortura no país. Adicionalmente, a adesão ao Pacto impulsiona ainda o compromisso com ações relativas à organização de novo Plano de Ações Integradas para Prevenção e Combate à Tortura e ao fortalecimento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT). Está prevista também a edição de documento com Diretrizes para Criação e Funcionamento de Comitês e Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, cuja minuta está sob análise do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT). Com o lançamento do Pacto, a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos (SNPDDH/MDH) identificou a necessidade de sistematizar, de forma simples objetiva, conceitos e primeiras medidas para criação dos Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura e dar subsídios aos governos estaduais e distrital para iniciar a implementação do Pacto. Os atores do Estado e representantes da sociedade civil são convidados a consultar também as Diretrizes do CNPCT, assim que publicadas. Nesse sentido, as indicações deste guia refletem conceitos e orientações internacionais e ecoam as experiências da SNPDDH/MDH na criação da Lei n° 12.847/2013 e no acompanhamento da criação e instalação de Comitês e Mecanismos no âmbito das unidades federativas. As orientações e observações descritas não são exaustivas e não pretendem dar caminho único sobre a institucionalização das estruturas de prevenção e combate à tortura. A proposta é oferecer um roteiro para auxiliar os atores do tema em relação às primeiras discussões e passos para criar e efetivar essas estruturas.

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O documento é estruturado em seis capítulos com vistas a auxiliar representantes do Estado e sociedade civil nos primeiros passos para criação de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura. Os capítulos são independentes e podem ser lidos pontualmente. Entretanto recomendamos a leitura completa do documento de forma a compreender as propostas, os desafios e a responsabilidade dos atores do Estado em relação à tortura de forma integral. O primeiro capítulo traz as definições da tortura a partir da legislação nacional e da normativas internacionais, auxiliando a esclarecer o conceito de tortura. O segundo capítulo apresenta as vítimas de tortura e destaca raça e gênero como eixos estruturantes da tortura. É essencial ter essas questões em mente ao traçar medidas e políticas para prevenção e combate à tortura. O capítulo seguinte apresenta informações sobre as ações necessárias para erradicação da tortura a partir de três referências: a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas(“Convenção Contra a Tortura”), o Plano de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura (PAIPCT) da então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas (“Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura”). A lista apresentada não é exaustiva e tem por objetivo apenas fornecer panorama geral sobre as ações necessárias para enfrentar a prática da tortura no Brasil. Os Comitês de Prevenção e Combate à Tortura são estruturas essenciais para reunir os atores e articular as medidas de forma a enfrentar adequadamente as práticas e rotinas que levam à tortura. Nesses termos, o capítulo “Como criar um Comitê?” apresenta informações básicas sobre sua organização e caminhos para sua criação, estruturado em perguntas e respostas. Em seguida, o capítulo

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“Como criar um Mecanismo?” indica as informações essenciais para criação desta estrutura. Este capítulo também é apresentado em forma de perguntas e respostas, pautada principalmente nas diretrizes do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da ONU e na experiência da SNPDDH/MDH com a implementação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O capítulo seguinte contém informações sobre a Lei 12.847/2013, acerca do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em especial com indicações dos trabalhos realizados pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Os relatos são sucintos. Contudo, ilustram na prática o trabalho e a importância do bom funcionamento dessas estruturas. Por fim, apresentamos nossas considerações finais, na qual reforçamos a necessidade da participação da sociedade civil neste processo, bem como apontamos à Secretaria Nacional de Promoção e Defesa para diálogo permanente para auxiliar tecnicamente a criação de Comitês e Mecanismos.

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1. O que é tortura? Para os fins deste material, apresentaremos apenas as definições previstas pela Lei n° 9.455/1997, bem como estabelecida pela Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas – não se pretende aqui fazer uma discussão aprofundada sobre as definições e suas aplicações. Antes de passar para a Lei n° 9.455/1997, destacamos que a Constituição Federal3 consagra no inciso III do Art. 5º que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Estabelece no inciso XLIII do referido artigo que a tortura é crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. O Art. 1º da Lei n° 9.455/19974 define que constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como

3 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 8 set. 2017. 4 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 8 abr 1997.

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forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas5, aprovada em 1984 e promulgada pelo Brasil em 1991, define em seu primeiro artigo:

Para os fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

Observa-se que a lei brasileira não segue a Convenção Contra a Tortura da ONU em, ao menos, dois aspectos: na ampliação do conceito da tortura para prática no âmbito privado e na restrição das discriminações (a lei brasileira considera apenas as discriminações

5 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991. Promulga o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado em 18 de dezembro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília/DF, 20 abr 2007.

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raciais e religiosas). Entretanto a definição no Brasil traz em si os elementos básicos da Convenção Contra a Tortura da ONU, resumidos pela Professora Camille Giffard6:

A imposição de um sofrimento ou uma dor mental ou física grave; Por parte das autoridades estatais ou com seu consentimento ou aquiescência; e Por um motivo determinado, por exemplo, extrair informação, castigar ou intimidar.

É fundamental a existência desses elementos para tratar do tema da tortura. A definição da tortura traz elementos importantes para serem apreciados no desenvolvimento da política pública.

6 GIFFARD. Camille, Manual de denúncia de tortura. Centro de Direitos Humanos da Universidade de Essex, 2000. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/documentos/relatorios/denunciatortura.html>. Acesso em 5 set. 2017.

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2. Quem são as vítimas da tortura? O Relatório do Relator Especial para Tortura das Nações Unidas, Juan Mendez7, apresenta o contexto da tortura no Brasil:

50. Diversos testemunhos críveis de detentos — mulheres, homens, meninas e meninos — escolhidos aleatoriamente, em vários estabelecimentos de detenção, apontam para o uso frequente da tortura e maus-tratos, variando nos métodos e na gravidade da dor e do sofrimento infligido. Isto ocorre no contexto da prisão e interrogatório pela polícia e no tratamento pelos agentes prisionais. 51. Perigosos chutes, espancamentos (algumas vezes com porretes e cassetetes), sufocamento, emprego de choques elétricos com armas de choques, uso de gás de pimenta, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha, além de abuso verbal e de constantes ameaças são relatados como os métodos mais frequentes usados pela polícia e agentes prisionais, não como meio de legítimo de controle de multidão ou para dispersar distúrbios que mereçam o uso da força, mas em contextos de uso excessivo da força e/ou de punição. 52. Dentro das penitenciárias, os agentes frequentemente estão fortemente armados, inclusive com fuzis de assalto, carabinas e revolveres – num exemplo, a delegação até viu um lançador de gás lacrimogêneo e de granadas de luz e som – que testemunham um elevado grau de tensão. O Relator Especial observa com preocupação o risco de que

7 Relator Especial para Tortura das Nações Unidas entre 2010 e 2016. Visitou o Brasil em 2015.

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tal armamento alimente o círculo de desconfiança e tensão entre os agentes e detentos. (...) 54. Os adolescentes sujeitos a medidas socioeducativas relataram uma elevada frequência de maus-tratos pela polícia no ato da apreensão e pelos agentes dos centros socioeducativos. Os espancamentos, às vezes com porretes e cassetetes, parecem ser costumeiros, assim como abusos e ameaças verbais são numerosos. (Destaque nosso)8

O Relatório destaca os seguintes grupos como vulneráveis a tortura: adolescentes em conflito com a lei, negros, população LGBT, mulheres privadas de liberdade e familiares de pessoas privadas de liberdade. Especificamente, destaca-se a questão racial como marcador estruturante da tortura:

27. Totalizando 50,7% da população total, negros constituem apenas 20% do produto interno bruto; 78% vivem abaixo da linha de pobreza, enquanto que 40% completaram menos de sete anos na escola e são significativamente mais afetados de forma negativa do que o total da população em praticamente todos indicadores possíveis. 28. De acordo com o Infopen, em 2014, aproximadamente 67% da população carcerária do Brasil era classificada como “preta” ou “parda”. 29. Negros estão num risco significativamente maior de encarceramento em massa, de abuso policial, de tortura e maus-tratos, de negligência médica, de serem assassinados pela polícia, de

8 MENDEZ, J. Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment on his mission to Brazil. Human Rights Council. General Assembly. United Nations, 2016. Disponível em: <http://bit.ly/1Qylq17>. Acesso em: 31 ago.

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receberem penas maiores do que pessoas brancas pelo mesmo crime e de sofrerem discriminação na prisão — o que sugere um alto nível de racismo institucional. 30. Adicionalmente, os negros são severamente impactados por grave crime: a morte por homicídio é 87% maior entre negros do que na população como um todo; em algumas regiões, o número de homicídios entre negros é mais de 400% maior do que entre outros grupos. O Relator Especial ouviu relatos preocupantes sobre o envolvimento policial com esquadrões da morte que estão aterrorizando comunidades negras. (Destaque nosso)9

A questão de gênero está diluída no relatório da ONU, sendo abordada na privação de liberdade, seja no sistema penitenciário, seja no sistema socioeducativo, com destaques para a atenção e espaços adequados para saúde da mulher e mulheres grávidas ou parturientes; bem como aborda a situação das mulheres que visitam seus/suas parceiros/parceiras e que são submetidas a procedimentos de revista vexatória. Nesse aspecto, é importante compartilhar de forma resumida a avaliação do Departamento Penitenciário Nacional sobre as demandas das mulheres encarceradas:

Segundo os últimos dados de junho de 2014, o Brasil conta com uma população de 579.7811 pessoas custodiadas no Sistema Penitenciário, sendo 37.380 mulheres e 542.401 homens. No período de 2000 a 2014 o aumento da população feminina foi de 567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%, refletindo, assim, a curva ascendente do encarceramento em massa de mulheres.

9 Idem.

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Em geral, as mulheres em submetidas ao cárcere são jovens, têm filhos, são as responsáveis pela provisão do sustento familiar, possuem baixa escolaridade, são oriundas de extratos sociais desfavorecidos economicamente e exerciam atividades de trabalho informal em período anterior ao aprisionamento. Em torno de 68% dessas mulheres possuem vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas não relacionado às maiores redes de organizações criminosas. A maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico. As mulheres em situação de prisão têm demandas, necessidades e peculiaridades que são específicas, o que não raro é agravado por histórico de violência familiar, maternidade, nacionalidade, perda financeira, uso de drogas, entre outros fatores. A forma e os vínculos com que as mulheres estabelecem suas relações familiares, assim como o próprio envolvimento com o crime, apresentam-se, em geral, de maneira diferenciada quando comparado este quadro com a realidade dos homens privados de liberdade. (Destaque nosso)10

Vale destacar também as análises do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura sobre a tortura e seu perfil no Brasil:

10 BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN MULHERES. Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-perfil-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf >. Acesso em: 31 ago 2017.

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259. As unidades de privação de liberdade visitadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) em seu primeiro ano de atuação têm um perfil violador dos direitos humanos, incapaz de garantir um retorno digno da pessoa privada de liberdade ao mundo livre. A tortura e os maus tratos foram observados como práticas sistemáticas nas unidades de privação de liberdade, estando fortemente enraizadas no cotidiano de tais estabelecimentos. 260. No caso do sistema de justiça criminal e no sistema socioeducativo, a prática da tortura e dos maus tratos balizava todas as fases do processo de detenção, desde o momento da custódia policial até o período de permanência da pessoa no cárcere. Nas unidades de saúde mental, imperava uma lógica de submetimento contínuo de pessoas em forte vulnerabilidade, vinculando-as a supostos tratamentos cronificantes, em ambiente asilar e pautados pela excessiva contenção química e mecânica. Nos três contextos visitados, eram comuns agressões físicas, xingamentos, isolamentos por tempo prolongado, espaços superlotados, permanência de pessoas em ambientes insalubres, práticas de discriminação religiosa, de gênero, racial, entre outros. 261. O perfil socioeconômico das pessoas privadas de liberdade é majoritariamente composto por pessoas negras e pardas, jovens, oriundas de espaços populares, com baixa escolaridade e pertencentes às camadas mais pobres da população. (Destaque nosso)11

11 BRASIL. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Relatório Anual 2015-2016. Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-

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É interessante trazer os dados do Disque Direitos Humanos12 que foram apresentados em abril de 2017 e são referentes aos dados de 2016. No módulo “Pessoas em restrição de liberdade”, o Departamento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (DONDH) do Ministério dos Direitos Humanos recebeu 8.921 denúncias:

ANO NEGLIGÊNCIA VIOLÊNCIA

INSTITUCIONAL VIOLÊNCIA

FÍSICA VIOLÊNCIA

PSICOLÓGICA

TORTURA E OUTROS

TRATAMENTOS OU PENAS

CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES

OUTRAS VIOLAÇÕES

TOTAL

2015 32,61% 16,84% 16,66% 13,91% 18,30% 1,68% 100,00%

2016 36,31% 19,16% 19,65% 14,99% 6,56% 3,34% 100,00%

2015 3.015 1.557 1.540 1.286 1.692 155 9.245

2016 3239 1709 1753 1337 585 298 8.921

Sobre os registros, o DONDH observa:

É importante ressaltar que os registros se relacionam diretamente com as violações de pessoas em locais de privação, tais como: cadeias públicas, presídios, delegacias, manicômios judiciários, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas, unidades

social/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-relatorio-anual-2015-2016>. Acesso em: 31 ago 2017. 12 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Ministério dos Direitos Humanos divulga balanço do Disque 100 nesta terça (11). Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/noticias/2017/abrc/ministerio-dos-direitos-humanos-divulga-balanco-do-disque-100-nesta-terca-11>. Acesso em: 8 set. 17.

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de internação socioeducativa e instituições de longa permanência para pessoas idosas (ILPI).

Em relação ao perfil das vítimas, tem-se:

GÊNERO: homens são a maior parte da população privada de liberdade (47%), 42% são dados não informados, e 11% do gênero feminino.

ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO: informado apenas em 0,40% das denúncias. Quando informado, 50% são gays, 25% de lésbicas e 16,7% pessoas trans (travestis e transexuais) e 8,3% bissexuais.

RAÇA/COR: que a maioria dos registros é de não informados, com 78%. Dos informados, 12% de pretos e pardos, 10% de brancos,0,12% amarelos e 0,09% de indígenas.

FAIXA ETÁRIA: em sua maior parte de registros é de não informados, alcançando 63,07%. A soma da faixa que compreende de 18 a 30 anos alcança 13%, mostrando uma predominância de jovens em privação de liberdade, 10% de 61 anos ou mais, 6% de 31 a 40 anos, 4% de 12 a 17 anos, 2% de 41 a 50 anos e 2% 51 a 60 anos.

A seguir, incluímos os gráficos produzidos pelo DONDH sobre os locais da violação e sobre a relação suspeito/vítima:

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Local da violação

Relação suspeito/vítima

Por fim, o Departamento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos apresenta dados sobre os encaminhamentos dados às denúncias recebidas:

62%

17%

10%

7% 4%

Unidade Prisional - Presídio

Instituição de LongaPermanência para Idosos - ILPI

Delegacia de Polícia

Unidade de Medida SócioEducativa

Manicômio / HospitalPsiquiátrico

58%29%

6%5%

2%Não informado

Diretor(a) de Unidade dePrivação de Liberdade

Desconhecido(a)

Cuidador (a)

Outras relações com vínculode convivência comunitária

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Tipo de Serviço Encaminhamentos Respondidas %

Secretaria da Administração Penitenciária

2406 863 35,87%

Ministério Público 1885 264 14,01%

Vara de Execução Penal

528 65 12,31%

Corregedorias 407 59 14,50%

Secretaria Segurança Pública

313 85 27,16%

Outros Serviços 1308 251 19,19%

Total Geral 6847 1587 23,18%

Faz-se relevante destacar o perfil das vítimas de tortura, de forma a contemplá-las na ordenação e organização das ações de prevenção e combate à tortura. Gestores, operadores do Direito, legisladores, representantes da sociedade civil, Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura devem incorporar as questões raciais e de gênero em seus planejamentos e propostas de ação.

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3. Quais são as ações para prevenir e combater à tortura?

As ações para prevenção e combate à tortura tem como base em três documentos: Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas (1984), Plano de Ações Integradas para Prevenção e Combate à Tortura da Secretária Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (2006)13 e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (2002)14. A intenção é trazer as várias dimensões das ações necessárias para a erradicação da tortura. Observa-se, contudo, que a lista não é exaustiva. 15

3.1. Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas (1984) São exemplos de obrigações:

Treinar profissionais da segurança pública, equipes médicas, funcionários públicos e quaisquer funcionários que atuem na custódia, interrogatório ou no tratamento da pessoa em privação de liberdade, em relação à proibição da tortura;

13 BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Plano de ações integradas para a prevenção e o combate à tortura no Brasil. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/combates-as-violacoes/programas/coordencao-geral-de-combate-a-tortura/plano-de-acoes-integradas-de-prevencao-e-combate-a-tortura-paipct>. Acesso em: 06 set. 2017. 14 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 6.085, de 19 de abril de 2007. Promulga o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado em 18 de dezembro de 2002. Diário Oficial da União. Brasília/DF, 20 abr. 2007. 15 As obrigações e recomendações apresentadas nesta seção foram adaptadas para dar objetividade ao texto.

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Revisar manuais, normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem como as relacionadas à privação de liberdade, com vistas a evitar e prevenir a tortura;

Indenizar as vítimas de tortura; Realizar investigação imparcial da denúncia de tortura; Não aceitar declarações ou confissões obtidas sobre tortura.

3.2. Plano de Ações Integradas para Prevenção e Combate à Tortura (2006) Algumas medidas para prevenção à tortura:

Declaração contra a tortura pelos altos escalões, deixando claro que na estrutura política da instituição não há espaço para essa prática.

Vincular o financiamento federal de estabelecimentos policiais e penais à existência de estrutura e programas para garantir o respeito aos direitos das pessoas detidas;

Criar e distribuir uma biblioteca básica de documentos, estudos, pesquisas e manuais nacionais e internacionais referentes à integridade das instituições do

Sistema de Justiça Criminal com atenção especial para a prevenção e controle da tortura;

Desenvolver estudos, pesquisas e manuais sobre a integridade das instituições no Sistema de Justiça Criminal com atenção especial para a prevenção e controle da tortura;

Desenvolver um módulo sobre direitos humanos e tortura para ser aplicado em escolas de formação de policiais e de agentes penitenciários.

Criar um banco de dados de boas práticas para a prevenção e controle da tortura.

Sistematizar os dados e informações existentes e integrar os bancos de dados e informações sobre a estrutura e funcionamento das instituições do Sistema de Justiça Criminal;

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Oferecer condições e incentivos para que os órgãos responsáveis pela fiscalização dos locais de privação de liberdade16 cumpram o que determina a lei.

Estimular e promover a capacitação de pessoal para criação de Conselhos da Comunidade, conforme prevê a Lei de Execução Penal;

Realizar, com frequência, visitas surpresa aos estabelecimentos de privação de liberdade.

Citam-se algumas medidas para responsabilização dos agressores:

Criação de corregedorias específicas do Sistema Policial e do Sistema Penitenciário;

Criação de ouvidorias independentes em ambos os sistemas para receber denúncias de tortura e acompanhar as investigações.

Criação de grupos especializados de promotores para o combate à tortura;

Adoção de medidas que tornem mais rápidas as apurações das denúncias de tortura e maus tratos e que levem à demissão do pessoal envolvido;

Capacitar os profissionais da saúde que atuam no sistema prisional para o registro e encaminhamento legal dos casos de tortura e de maus tratos a que forem submetidos os presos

Articular com o Conselho Federal de Medicina a conscientização dos médicos para que comuniquem a prática de crime de tortura às autoridades competentes;

Por fim, indicam-se propostas em relação a acolhimento, assistência, proteção e reparação às vítimas:

Ampliar a capacidade técnico-científica dos Institutos Médico-Legais (IML) ou de Criminalística e dotá-los de autonomia

16 Ver nota de rodapé n° 2 deste documento para exemplos de locais de privação de liberdade.

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orçamentária, administrativa e operacional em relação às polícias;

Ampliar a colaboração de órgãos pertencentes às universidades públicas para a realização de exames de corpo de delito;

Tornar mais ágil a realização do exame de corpo de delito na entrada e saída do preso, disponibilizando um profissional da medicina em regime de plantão;

Ampliar e aperfeiçoar os serviços de acolhimento, assistência e proteção a vítimas, testemunhas e familiares de vítimas e testemunhas de violência institucional;

Adotar medidas visando à reparação dos danos causados às vítimas de abuso de poder e uso excessivo da força por agentes públicos.

3.3. Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (2002) Destaca-se a obrigação relacionada aos Mecanismos Preventivos Nacionais:

Manter, designar ou estabelecer um ou mais Mecanismos preventivos nacionais independentes para a prevenção da tortura em nível doméstico.

Reitera-se que as ações listadas não abrangem todas as dimensões da tortura. Sugerimos profundar as medidas a partir das recomendações internacionais, relatórios e pesquisas da sociedade civil, as recomendações dos Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, os compromissos assumidos nas Conferências de Direitos Humanos, bem como as conferências temáticas, entre outras fontes, para aclarar e inspirar mudanças para prevenção e combate à tortura.

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4. Como criar um Comitê? Os Comitês surgem no início dos anos 2000 por iniciativa da sociedade civil e reúnem atores responsáveis e interessados na prevenção e combate à tortura. Conforme observamos nas ações e medidas para prevenção e combate à tortura, a mobilização e organização desses atores é fundamental para avançar no enfrentamento à tortura. Com vistas a dar agilidade na leitura e apresentar questões gerais sobre Comitês, elaboramos perguntas e respostas que podem auxiliar as unidades federativas na criação ou reforma das suas estruturas. Observa-se que está em construção pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura o documento “Diretrizes para a organização e funcionamento de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura”, que trará orientações mais claras e mais aprofundadas sobre o trabalho dos Comitês. Recordamos que este guia tem por objetivo apenas orientar os primeiros passos na criação de Comitês.

Qual é a responsabilidade do Estado?

Ao ratificar a Convenção Contra a Tortura das Nações Unidas, o Estado brasileiro é responsável articular e implementar medidas com vistas a combater e prevenir a tortura. Por Estado, incluímos União, Estados e Distrito Federal, Municípios, bem como incluímos os três poderes em todos os níveis federativos. É fundamental o engajamento das unidades federativas para erradicação da tortura.

Por meio de qual instrumento cria-se um Comitê?

Existem Comitês criados pela sociedade civil, que funcionam sem um marco normativo definido, bem como existem Comitês criados por leis, decretos e portaria. A partir das experiências acompanhadas pela SNPDDH/MDH, sugere-se a criação para estabelecer ações de prevenção e combate à tortura como ações de Estado.

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Quantas pessoas devem compor o Comitê?

O número de órgãos e entidades da sociedade civil varia entre os Comitês Estaduais. O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, por exemplo, é composto por 23 órgãos e entidades da sociedade civil. Nesses termos, não há um número ideal, mas é importante ter em mente dois aspectos:

O número deve refletir os principais órgãos que atuam no tema17, sugerindo integração dos três Poderes e do Ministério Público; e

A composição deve ser ou paritária ou com maioria da sociedade civil.

Como deve ser feita a composição do Comitê?

Em relação aos membros do Estado, é importante buscar uma composição que permita a discussão franca e construtiva sobre a temática. Especificamente sobre a sociedade civil, como ocorre no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, sugere-se a realização de consulta pública com regras claras para selecionar os membros da sociedade civil. Adicionalmente, sugere-se abordar na redação da criação do instrumento para criar o Comitê, questões práticas como tempo de mandato, presidência e vice-presidência e também definir o modelo de titular e suplente.

17 Para exemplificar, citamos as Secretarias responsáveis pela administração penitenciária, pela segurança pública, pelo sistema socioeducativo, saúde, assistência social e educação, além dos representantes do sistema de justiça – Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública.

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Quais são as competências do Comitê?

As competências variam entre os Comitês e essa diversidade é bem-vinda na medida em que as unidades federativas podem adaptar e chamar atenção para problemas específicos locais. Sugerimos ao menos três competências básicas: (i) acompanhar, avaliar, propor e recomendar aperfeiçoamentos às ações, aos programas, aos projetos e aos planos do tema; (ii) propor medidas legislativas e (iii) elaborar e publicar relatório das atividades. Entende-se fundamental incluir competências que auxiliem na execução das medidas e ações para prevenção e combate à tortura, conforme as indicações da seção anterior.

Quais os custos para o Estado ao criar o Comitê?

Os custos são mínimos, se comparados às políticas da saúde ou da educação, por exemplo. É importante dispor de funcionário do Estado para executar as funções de secretariado executivo com equipamentos básicos como computador, máquina fotográfica, impressora, e sala para reuniões. É interessante prever recursos orçamentários para diárias e passagens para realizar diligências ou cursos e ter a possibilidade de utilizar o site do órgão para divulgar as atividades e relatórios do Comitê. Há possibilidade de custos com seminários e publicações. Os custos acima citados são essenciais ao bom funcionamento do Comitê. Observa-se que no decorrer das atividades e a partir das necessidades e planejamento de cada Comitê outros custos podem ser acrescentados.

Quais são as condições mínimas para o trabalho do Comitê?

É fundamental que o Comitê se reúna com regularidade, tenha organização das pautas e das atas (ambas divulgadas publicamente) e organize planejamento mínimo de atividades e priorização de ações. A

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realidade da tortura é presente no Brasil e cada Comitê deve organizar sua agenda de trabalho com a priorização de temas que são sensíveis para aquela realidade.

Qual deve ser a relação com o Mecanismo?

Comitê e Mecanismo ocupam o mesmo nível hierárquico. O Comitê tem papel importante para o Mecanismo ao subsidiar com dados e informações, auxiliando na definição das visitas, e ao trabalhar para a implementação das recomendações do Mecanismo. Adicionalmente, o colegiado tem lugar privilegiado na implementação das recomendações, uma vez que reúne em muitos casos os órgãos que são objeto das recomendações do Mecanismo. O Comitê exerce papel de controle social do Mecanismo a partir da análise dos relatórios e atuação do Mecanismo. Entretanto, alerta-se que o acompanhamento das atividades não implica na criação de instância superior e inferior. É essencial que os retornos sejam dados de forma a cooperar com o aperfeiçoamento do Mecanismo. A atuação do Comitê, sem a colaboração com o Mecanismo, não é frutífera e não avança para o fim da prática de tortura. É fundamental uma atuação conjunta dos dois órgãos. Leituras indicadas: BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991. Promulga o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado em 18 de dezembro de 2002. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013. Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; cria o

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Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; e dá outras providências. BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 8.154, de 16 de dezembro de 2013. Regulamenta o funcionamento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, a composição e o funcionamento do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e dispõe sobre o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direito Humanos. Questões fundamentais para prevenção à tortura no Brasil. 1ª Ed – Brasília, 2015. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/promocao-e-defesa/publicacoes-2015/pdfs/Questoes_fundamentais.pdf. Acesso em: 05 set. 2017.

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5. Como criar um Mecanismo? Os Mecanismos preventivos nacionais surgem a partir do entendimento internacional que as pessoas privadas de liberdade estão mais vulneráveis à tortura e, sendo assim, é importante criar um modo para realizar inspeções regulares a esses locais18. Como o próprio nome revela, o enfoque do trabalho dos Mecanismos é na prevenção à tortura. Isso significa que o olhar nas inspeções tem por objetivo identificar rotinas e procedimento que permitam ou favoreçam a prática da tortura. No Brasil, convencionou-se chamar essas estruturas de “Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura”. A criação dos Mecanismos está prevista no Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura das Nações Unidas, que foi promulgado pelo Brasil por meio do Decreto n° 6.085/2007. Observamos que este instrumento define as orientações para o estabelecimento de Mecanismos preventivos nacionais e, nesse sentido, as indicações deste documento são com base no Protocolo Facultativo. As questões práticas para sua implementação são indicações da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos a partir da criação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e a partir do acompanhamento da criação de Mecanismos Estaduais. Seguindo a estrutura da seção sobre Como criar um Comitê?, apresentamos perguntas e respostas para auxiliar na criação de Mecanismos Estaduais ou Distrital de Prevenção e Combate à Tortura. Reitera-se que está em construção pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura o documento Diretrizes para a organização e funcionamento de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, que trará orientações mais claras e mais aprofundadas sobre esta questão. As informações a seguir têm por intenção orientar as primeiras medidas em relação à criação de Mecanismos.

18 Ver nota de rodapé n° 2 deste documento para exemplos de locais de privação de liberdade.

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Qual é a responsabilidade do Estado?

Na seção anterior, já indicamos a responsabilidade dos governos e outras estruturas do Estado em relação à adoção de medidas e políticas para prevenção e combate à tortura. Especificamente para a criação de Mecanismos, sua obrigação está prevista no Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura das Nações Unidas. Destaca-se que o Protocolo Facultativo determina a criação de Mecanismos subnacionais para o Brasil, uma vez que o sistema brasileiro é federativo. Sendo assim, apesar da criação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura por meio da Lei n° 12.847/2013, é fundamental que os Estados e o Distrito Federal criem também seus próprios Mecanismos. Por meio de qual instrumento cria-se um Mecanismo?

Os Mecanismos instituídos no Brasil, até a edição deste guia, foram criados por leis específicas. Nesse sentido, recomenda-se a criação por meio de leis, sendo um passo importante em relação a institucionalização da política de prevenção e combate à tortura no Estado. Sugere-se que os projetos de leis indiquem as competências, garantias, mandatos e aspectos adicionais para o bom funcionamento do Mecanismo, conforme o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura. É fundamental apresentar ou indicar a previsão de cargos em projeto de lei, seja junto à criação do Mecanismo ou à parte, em um PL próprio. Para a criação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o Governo Federal optou por separar a criação do Mecanismo (Lei n° 12.847/2013) e a criação dos cargos (Lei n° 12.857/2013).

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É importante lembrar que, ao propor a criação dos cargos do Mecanismo no Executivo, a iniciativa do PL deve ser do próprio Executivo e qualquer disposição contrária compromete o rito no legislativo.

Quais são as competências básicas do Mecanismo?

Segundo o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura, em seu Art. 19, os Mecanismos devem ter competência para:

a) Examinar regularmente o tratamento de pessoas privadas de sua liberdade, em centro de detenção conforme a definição do Artigo 4, com vistas a fortalecer, se necessário, sua proteção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; b) Fazer recomendações às autoridades relevantes com o objetivo de melhorar o tratamento e as condições das pessoas privadas de liberdade e o de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, levando-se em consideração as normas relevantes das Nações Unidas; c) Submeter propostas e observações a respeito da legislação existente ou em projeto.

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura tem outras competências, além destas, previstas em sua lei de criação. Cabe aos representantes do Estado e da sociedade civil local analisarem as competências adequadas para o Mecanismo, de forma que não se definam novas competências que concorram com as estabelecidas pelo Protocolo Facultativo.

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Quais são as garantias mínimas para o funcionamento do Mecanismo?

As garantias estão previstas no Art. 20 do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura:

a) Acesso a todas as informações relativas ao número de pessoas privadas de liberdade em centros de detenção conforme definidos no Artigo 4, bem como o número de centros e sua localização; b) Acesso a todas as informações relativas ao tratamento daquelas pessoas bem como às condições de sua detenção; c) Acesso a todos os centros de detenção, suas instalações e equipamentos; d) Oportunidade de entrevistar-se privadamente com pessoas privadas de liberdade, sem testemunhas, quer pessoalmente quer com intérprete, se considerado necessário, bem como com qualquer outra pessoa que os Mecanismos preventivos nacionais acreditem poder fornecer informação relevante; e) Liberdade de escolher os lugares que pretendem visitar e as pessoas que querem entrevistar; f) Direito de manter contato com o Subcomitê de Prevenção, enviar-lhe informações e encontrar-se com ele.19

Adicionalmente, é fundamental criar uma estrutura que permita a independência funcional dos Mecanismos e a independência pessoal 19 Sobre esta última garantia, o Subcomitê de Prevenção a Tortura das Nações Unidas, órgão criado pelo Protocolo Facultativo, observa que a comunicação com Mecanismos é principalmente com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, no caso do Brasil. Entretanto, isto não impossibilita o envio de relatórios e informações de Mecanismos Estaduais ao SPT, bem como impede que eles trabalhem com o SPT em situações pontuais.

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de seus membros, conforme o Art. 18 do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura. A independência do Mecanismo deve ser entendida como a autonomia para fazer recomendações, análises e observações sobre as condições dos locais de privação de liberdade e sobre a prática de tortura sem sofrer represálias por parte do Estado. Na prática, a independência na prática também se refere na escolha sem interferência do Estado nos locais a serem visitados, na alocação dos recursos como diárias e passagens e na independência das decisões da equipe do Mecanismo. Há vários debates que podem ser feitos sobre a melhor forma de garantir a independência do Mecanismo dentro da estrutura de Estado. Entretanto, o que foi destacado é o ponto de partida mínimo para o bom funcionamento do Mecanismo. Essas indicações não são impeditivas para adoção de outras medidas para melhorar condições e as garantias de atuação do Mecanismo.

Em relação ao trabalho do Mecanismo, quais são as responsabilidades dos Estados?

De acordo com os Arts. 21, 22 e 23 do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura, os Estados devem atuar no sentido de evitar represálias após as visitas do Mecanismo a locais de privação de liberdade, engajar-se na implementação das recomendações do Mecanismo e difundir os relatórios produzidos pelo Mecanismo.

Quem deve compor o Mecanismo?

Sobre esta questão, o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura indica no item 2 do Art. 18:

Os Estados-Partes deverão tomar as medidas necessárias para assegurar que os peritos dos Mecanismos preventivos nacionais tenham as habilidades e o conhecimento profissional

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necessários. Deverão buscar equilíbrio de gênero e representação adequada dos grupos étnicos e minorias no país.

Sendo assim, o Estado deve buscar metodologia de seleção que contemple as indicações do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura, privilegiando a formação de equipe multidisciplinar e que compreenda as especificidades da privação de liberdade naquela localidade. No âmbito do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o CNPCT é o órgão responsável pela seleção dos membros do MNPCT, sendo o Ministério dos Direitos Humanos responsável por auxiliar administrativamente a seleção. É muito importante contar com a efetiva participação da sociedade civil neste processo de escolha.

Qual é o cargo do membro do Mecanismo?

A experiência do Governo Federal ajuda a responder essa questão. Conforme mencionamos anteriormente, optou-se por criar os cargos em projeto de lei específico – Lei n° 12.857/2013. O Governo Federal propôs ao Congresso que aprovou a criação de 11 cargos de livre nomeação e vinculados a estrutura da então Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, agora vinculados a Secretaria Nacional da Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos pelo Decreto 9.122/2017. A solução para os cargos dada pelo Governo Federal é sui generis. Todavia, foi forma encontrada para que membros da sociedade civil também possam compor o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Esse arranjo também permite a multidisciplinaridade necessária aos trabalhos do Mecanismo. As possibilidades de exoneração estão indicadas na Lei n° 12.847/2013 e as nomeações iniciais são feitas por meio de dois instrumentos,

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sendo um da Presidência da República com o tempo do mandato e outro do Ministério com a designação para o cargo. É importante prever o período de mandato, tanto na lei para criação quanto para as nomeações dos peritos. A remuneração dos membros do Mecanismo Nacional é referente ao cargo DAS 102.4, que os peritos ocupam. É importante garantir remuneração adequada de forma a garantir profissionais com a expertise necessária, bem como a dedicação integral ao cargo. Por fim, é fundamental também garantir salários iguais entre os peritos.

Quantas pessoas devem compor o Mecanismo?

O número de membros varia entre os Mecanismos Estaduais, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, por exemplo, é composto por 11 peritos. No Rio de Janeiro são 5 peritos e em Pernambuco são 6 peritos. Assim como o número de membros de um Comitê, não há um número ideal. Entretanto é fundamental assegurar um número de pessoas que:

Permita os membros do Mecanismo se revezem em tarefas e licenças;

Reflita o número de locais a ser inspecionado regularmente.

Quais os custos para o Estado ao criar o Mecanismo?

Inicialmente, é importante pontuar que o item 3 do Art. 18 do Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura estabelece que “Os Estados-Partes se comprometem a tornar disponíveis todos os recursos necessários para o funcionamento dos Mecanismos preventivos nacionais”. Nesses termos, é um compromisso do Brasil, e consequentemente de todas as unidades federativas, envidar esforços

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para garantir estrutura e orçamentos mínimos para o funcionamento do Mecanismo. Os custos mínimos para manutenção da estrutura de Mecanismo englobam: folha de pagamento, diárias e passagens e publicações. Assim como em outras políticas, é interessante ter servidores para auxiliar os serviços dos membros do Mecanismo, bem como equipamentos básicos como estação de trabalho, computador, máquina fotográfica, impressora, e sala para reuniões. É interessante ter a possibilidade de utilizar o site do órgão para divulgar as atividades e relatórios do Mecanismo, bem como é interessante ter disponibilidade para custear diárias e passagens para participar de seminários e capacitações. Adicionalmente, é importante ressaltar que os custos citados referem-se ao mínimo para o bom funcionamento do Mecanismo. Entretanto, com o desenvolvimento do seu trabalho, outros custos podem ser acrescentados. Qual deve ser a relação com o Comitê?

Comitê e Mecanismo ocupam o mesmo nível hierárquico. Para bom funcionamento do Mecanismo, é importante colaborar com as informações do Comitê que auxiliem na decisão dos locais a serem visitados, contar com o retorno sobre os relatórios produzidos e com a articulação do colegiado para a implementação das recomendações. Não há que se falar em “aprovação de relatório” ou outras práticas que impliquem em criação de superioridade de um órgão sobre o outros. É essencial que os dois órgãos trabalhem em cooperação. O avanço para a erradicação a tortura só ocorre quando as duas estruturas trabalham de forma conjunta e articulada.

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Leituras indicadas: BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direito Humanos. Questões fundamentais para prevenção à tortura no Brasil. 1ª Ed – Brasília, 2015. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/promocao-e-defesa/publicacoes-2015/pdfs/Questoes_fundamentais.pdf. Acesso em: 05 set. 2017. ASSOCIAÇÃO PARA PREVENÇÃO À TORTURA; INSTITUTO INTERAMERICANO DE DERECHOS HUMANOS. Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura: Manual de Implementação. San José, Costa Rica, 2010. Disponível em: <http://www.apt.ch/content/files_res/OPCAT%20Manual%20Portuguese%20Revised2010.pdf>. Acesso em: 05 set. 2017.

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6. Qual é a relação com a Lei 12.847/2013? A Lei nº 12.847, de 2 de agosto 2013, impõe um importante avanço na construção de uma política pública de Estado, visando ao enfrentamento de graves violações de direitos humanos que se constituem como práticas no âmbito da ação das instituições de privação de liberdade, revelando-se prática sistêmica conforme relatos internacionais e, também de relatórios produzidos por organizações da sociedade civil que monitoram a implementação dos direitos humanos. Ao propor uma nova dimensão para o tratamento da questão, a Lei institui um Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT) e cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), com suas competências definidas no texto normativo.

6.1. Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura O Estado brasileiro consolida a formalização de uma rede de atores em nível nacional e local que favorece a articulação de ações para prevenção e combate à tortura com o SNPCT. A partir da rede, facilita-se o intercâmbio de boas práticas, organização de medidas para implementação de recomendações feitas no âmbito do MNPCT, negociação de soluções para questões de privação de liberdade levadas para organismos internacionais, dentre outras ações. Propõe-se uma relação integrada entre órgãos do MDH e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, os quais CNPCT, MNPCT, CNPCP e DEPEN, objetivando ações conjuntas, troca de informações, gestão compartilhada de instrumentos para a prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, assegurando o respeito integral aos direitos humanos, em especial os direitos das pessoas privadas de liberdade.

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Destaca-se a adesão de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura20 e a adesão de atores do Estado e da sociedade civil por meio de instrumento de adesão ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura21. As ações se tornam mais efetivas e estratégicas quando unificadas em uma política pública articuladas com as esferas do governo, especialmente com os órgãos responsáveis pela segurança pública, pela custódia das pessoas privadas de liberdade e pela proteção e defesa de direitos humanos, com participação da sociedade civil. Contato com o SNPCT O Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é coordenado pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos por meio da Coordenação Geral de Combate à Tortura: Site: http://www.sdh.gov.br/assuntos/prevencao-e-combate-a-tortura/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura Telefone: (61) 2027-3901 Correio eletrônico: [email protected]

6.2. Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é um órgão colegiado composto por representantes do Poder Executivo Federal e da sociedade civil e tem como finalidade prevenir e combater a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Foi instalado em julho de 2014 e priorizou, no seu primeiro semestre de funcionamento, a aprovação do Regimento Interno e do edital de seleção para compor o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Além de colaborar com o MNPCT, o Comitê recebe os

20 O termo de adesão foi publicado pela Portaria SDH/PR n° 324/2015. 21 Este instrumento para adesão está em análise pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

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relatórios do Mecanismo, participa de reuniões com os atores locais durante as visitas e atua para a implementação das recomendações. No que tange à avaliação e proposição de aperfeiçoamento de ações, programas, planos e projetos relativos à temática de prevenção e combate à tortura, o CNPCT trabalhou em recomendações sobre as Audiências de Custódia; sobre a importância de respeito aos parâmetros estabelecidos pelo Protocolo de Istambul e Protocolo Brasileiro de Perícia Forense nas apurações de crime de tortura; sobre a privatização do sistema carcerário; sobre o papel fiscalizatório da Defensoria Pública e demais órgãos de defesa dos direitos dos adolescentes em unidades de internação socioeducativa.22 Contato com o CNPCT Site: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura Telefone: (61) 2027-3337 Correio eletrônico: [email protected]

6.3. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura tem como função precípua a prevenção e o combate à tortura a partir de visitas regulares a pessoas privadas de liberdade em todo o território brasileiro. O órgão é composto por 11 peritos e peritas com mandatos fixos previstos em lei, assegurando-lhes a legislação que sejam autônomos, bem como tenham independência de posições e opiniões no exercício de suas funções.

22 As atas e documentos gerais estão disponíveis no link: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/reunioes; as notas e moções estão em: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/notas-e-mocoes; e, por fim, as resoluções estão no link: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/representantes/resolucoes.

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A partir de março de 2015, com a efetiva instalação do Mecanismo, foram construídas diretrizes e protocolos iniciais para a sua atuação, que ao longo do tempo foram sendo consolidados e aperfeiçoados, bem como se realizou um intenso processo de formação de seus peritos e peritas. Durante os dois primeiros anos de funcionamento, o MNPCT visitou 15 Estados e o Distrito Federal, compreendo as cinco regiões do país e um total de 64 unidades de privação de liberdade, entre estabelecimentos penais, unidades socioeducativas, instituições de longa permanência e instituições psiquiátricas. Para definir os Estados e unidades específicas a serem visitadas o MNPCT, realiza-se diagnóstico conjuntural nacional e, a partir disso, analisam-se os Estados onde há maiores indícios de práticas de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Esse diagnóstico se baseia em alguns critérios, como a diversidade regional do Brasil, demandas do CNPCT, além de denúncias registradas no Disque 100 e de notícias veiculadas em meios de comunicação. Adicionalmente, o MNPCT levou em consideração o recorte de gênero que marcam os locais de privação de liberdade, assim como se atentou aos Estados que apresentam pouca informação das violações de direitos humanos em locais de privação de liberdade, analisando a subnotificação como um critério importante para a elaboração do planejamento anual. Antes da realização das missões em si, o MNPCT faz um planejamento das atividades a serem desenvolvidas nos Estados, englobando as interlocuções com a sociedade civil e com o poder público; o levantamento de denúncias; o envio de documentos de apresentação a órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário etc. Isto é, realiza-se um trabalho de articulação prévio cujo objetivo é fundamentar e preparar o trabalho do MNPCT em âmbito estadual. Em geral, as visitas realizadas têm duração média de cinco dias com vistas a contemplar diálogo com a sociedade civil local e reunião com órgãos do poder público estadual/distrital. Essa estratégia possibilita, por um lado, apresentar o trabalho do MNPCT e, por outro, pensar em estratégias de monitoramento da atuação do órgão no Estado. Já nos demais dias, o MNPCT se dedica a visitar os espaços de privação de liberdade, utilizando uma metodologia própria em conformidade com protocolos internacionais de direitos humanos, bem como com as diretrizes estipuladas pela Associação de Prevenção à Tortura (APT). Em todas as visitas aos Estados, os membros do MNPCT realizaram articulações com o poder público e com a sociedade civil local para, entre outros aspectos,

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fortalecer (se existentes) ou fomentar (se não existentes) Comitês e Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura locais. Contato com o MNPCT Site: http://www.sdh.gov.br/assuntos/prevencao-e-combate-a-tortura/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura Publicações do MNPCT: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-mnpct Telefone: (61) 2027-3782 Correio eletrônico: [email protected]

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Considerações finais Ao longo deste documento, a Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos objetivou apresentar informações para auxiliar gestores e demais interessados na criação do Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura. Como indicado em várias seções, as informações não são exaustivas e os leitores e as leitoras são convidados a ler os materiais de referência, tais como a Convenção Contra a Tortura da ONU (Decreto n° 40/1991), o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura (Decreto 6.085/2007), a Lei 12.847/2013 e seu Decreto regulamentador n° 8.154/2013. Adicionalmente, são convidados também a ler o livro “Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura: Manual de Implementação” da Associação para Prevenção à Tortura e o livro “Questões Fundamentais para Prevenção à Tortura no Brasil” editado pela então Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Em especial nos capítulos 4 e 5, buscamos apresentar aspectos iniciais sobre os trâmites e caminhos da burocracia para criar Comitê e Mecanismo. Particularmente, vale comentar a reflexão sobre a criação das estruturas por meio de lei. Por um lado, a criação de lei é um caminho longo a ser percorrido no âmbito do Executivo e do Legislativo; por outro lado, percebe-se a criação de lei como a forma mais adequada para garantir que as ações de prevenção e combate à tortura sejam políticas de Estado. É importante que os Estados considerem essa reflexão e discutam com as organizações locais sobre a melhor forma de criar Comitê e Mecanismo. Somente com este diálogo é possível criar estruturas que de fato reflitam as necessidades e particularidades locais, observando sempre a manutenção da participação social por meio do Comitê e do olhar qualificado e atento do Mecanismo às rotinas que ainda favorecem a tortura. Nesses termos, há duas observações finais a serem feitas. Primeiramente, é fundamental construir a proposta de Comitê e

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Mecanismo em parceria com a sociedade civil. As parcerias podem ser firmadas por meio de grupo de trabalho ou comitês informais. Entretanto, é essencial ouvir e dialogar com a sociedade civil. É importante contar com os subsídios do movimento social, com dados e estudos sobre a temática, para além da própria experiência com a prevenção e combate à tortura. Em segundo lugar, a participação da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos não se encerra neste documento. O trâmite para criação de Comitê e Mecanismo exige muitas vezes informações específicas sobre orçamento, previsão de gastos, estrutura dos cargos, entre outras questões, as quais a Coordenação Geral de Combate à Tortura está à disposição para esclarecer ou refletir de forma conjunta. Os contatos da CGCT estão no item Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura no capítulo 6. Para finalizar, recordamos que está em processo de revisão o documento “Diretrizes para Criação e Funcionamento de Comitês e Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura” pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Este documento contará com indicações aprofundadas sobre o trabalho das estruturas e deverá ser referência para a instalação de Comitês e Mecanismos tão logo seja lançado.

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