Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    1/33

    CON SC I N C I A D E SI E CON H EC IM EN TO

    O B JET I V O N A D ED U O T RAN SCEN D EN T A L

    D A CR T I CA D A R A Z O P UR A

    Guio Antnio de Almeida

    Universidade Federal d o Rio de Janeiro

    O trabalho que ora apresento prope-se investigar a questo

    se

    e

    eni que sentido

    a conscincia do sujeito que conhece constitui para Kant um princpio para o

    aclaramento e a fundamentao da possibilidade do conhecimento.

    Em face das declaraes expressas de Kant, sem dvida h de parecer inslita

    a pergunta

    se

    a conscincia de si constitui semelha nte princpio. Kan t no o afirmou

    textualmente? Certamente, mas se lemos com ateno os textos, vemos que esto

    longe de ser to claros e d ecisivos qu anto se pod eria pensar. Sobre isso quero fazer to

    somente, nesta introduo, duas observaes preliminares. Em primeiro lugar,

    convm ob servar que nem sempre a conscincia de si sem ma is, mas a "unidade da

    conscincia de si" que se v erigida em princpio do conhecimento. Modificao

    pouco imp ortante? A penas uma qualificao do aspecto da conscincia de si que faz

    dela um princpio? De modo nenhum. Por "unidade da conscincia de si" Kant

    entende a unidade das intuies sintetizadas segundo conceitos de objetos,

    (1 )

    alis a

    unidade

    objetiva

    que se produz quando as intuies sintetizadas so submetidas

    no

    juzo

    a um conceito de objeto. Mas isso quer dizer que a "unid ade da conscincia de

    (1) Cf. CRP, B1 36-3 7. (As referncias so sempre ao texto da I

    a

    e da 2

    a

    edies daCrtica da Razo Pura,

    designadas respectivamente, como de slito, pelas letras A e B.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    2/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    , t j

    TICA

    s i"

    n

    o outra coisa seno a conformidade das intuies a conceitos de objetos no

    juzo. Isto posto, fica fcil entender por que a "unidade da conscincia de si" assim

    entendida pode ser declarad a o prprio princpio do conhecimen to. Com efeito, uma

    proposio dizendo: "toda intuio necessariamente conforme a conceitos de

    objetos" exprime d e m aneira abstrata a forma de todo juzo cognitivo particular, e

    provar que essa propos io vlida provara priori,isto , em princpio, a possibilidade

    de conhecer o valor de verdade de cada juzo cognitivo particular.

    verdade que o p rincpio formulado, no como o m ero princpio da unidade

    dasintuies (ou de sua conformida deaconceitos), mas com o o princpio da un idade

    das intuies

    n a

    ou

    para a conscincia de

    si A expresso grifada indica a condio sob

    a qual possvel afirmar a validade do princpio da unidade das intuies. No

    significa isso, ento, que a conscincia de si a condio em que possvel o

    conhecimento? E no a mesma coisa dizer que a conscincia de si a condio, o

    fundamento ou o princpio ltimo do conhecimento?

    Para ter clareza so bre isso preciso entender o que Ka nt se prope provarecomo

    pensa poderfaz-lo.Na estratgia argumentativa da

    CRP

    (ou pelo menos da

    An altica),

    o objetivo ltimo prova r a possibilidade do conh ecimen to ob jetivo em geral, e isto

    significa, podem os dizer, m ostrar, no como podem os d ecidir se tal

    ou

    qual proposio

    particular verdadeira ou falsa, mas, sim, que podemos

    em princpio

    determinar o

    valor de verdade d e qualqu er proposio cognitiva. Se admitimo s a anlise kantiana

    do conceito de conhecimento como o conceito da necessria conformidade de

    intuies dadasaconceitos d e objetos, podemos dizer tambm queoobjetivo final da

    CRP provar o princpio da necessria conformidade das intuies a conceitos de

    objetos.

    Ora, possvel

    ter intuies

    sem queporisso mesm o seja preciso

    pens-las

    atravs

    de conceitos, ou por outras, sem que seja preciso identif icar e caracterizar

    conceptualmente (como tal ou qualobjeto)aquilo m esm o que intumos - e tanto isso

    possvel que podem os atribuir a capacidade de perceber o mun do em sua volta aos

    animais e aos seres incapazes

    de

    pensar e exprimir conceptualmente

    o que

    percebem.

    A conformidade a conceitos de objetos no , pois, uma con dio de ter intuies, e

    podem os dizer que nad a h nas intuies enquanto tais que as relacione porsisaum

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    3/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    j i

    (2) Cf.

    CPR,

    A 89-90 = B122-23;

    Lgica

    (ed. Jsche), A 40 s..

    1993

    conc eito de objeto

    (2)

    Da se segue, porm, que no possvel provar a possibilidade ANAM^IC /

    do conhecimento a partir do aclaramento das meras condies em que possvel ter volume

    intuies. Todaadificuldade de provarapossibilidade d o conhecimento reside nisso . nmero

    Mas tampouco podemos, como propem alguns, nos eximir da necessidade de

    procurar uma soluo alegando que

    a

    questo foi mal colocada e que o problema um

    falso problema. Pois, se admitimos a anlise dada do conceito de conhecimento, a

    proposio dizendo que as intuies so em princpio conformes a conceitos de

    objetos uma proposio sinttica, logo uma proposio contingentemente verdad eira,

    podend o ser negada sem contradio e cuja assero exige, ento, uma justificativa

    que se estenda alm da simples elucidao do significado de seus termos.

    O argum ento que Ka nt inventa para estabelecer o princpio da possibilidade do

    conhecimentobaseia-se na hiptesedeque possvel pro var a necessria conformidade

    das intuiesaconceitos de objetos para todo sujeito que no ap enas tenha intuies ,

    mas saiba queas tem,isto , que tenha conscincia de si mesm o como tendo in tuies.

    A conscincia de si fornece assim otertiuscapaz de fundamentar a relao entre

    intuieseconceitosdeob jetos. A questo, porm,:de que modo?Nomeu entender,

    de duas maneiras apenas:ou bem

    a

    conscincia de si uma con dio da con formida de

    das intuies

    a

    conceitos de ob jetos, e esta

    produzida pelo fato de que nos tornam os

    conscientes de nossas intuies,ou bema conformidade das intuies a conceitos de

    objetos uma condio d a existncia de um sujeito consc iente d e si, e a conscincia

    de si a condio no da conform idad e das intuies a conceitos de objetos, ma s d o

    discernimento

    de sua possibilidad e. Eis por que dizia acima que preciso pergu ntar

    em que sentido a conscincia de si fornece para Kant um princpio para a fundamentao

    da possibilidade do conhecimento. Num sentido, ela o prprio fundamento da

    possibilidade

    de

    conhecimento; n o outro, ela apenas a perspectiva que nos p ermite

    discernir a possibilidade do conhecimento objetivo.

    Em qual desses sentidos, ento, devemos compreend eraafirmao kantiana de

    que a conscincia proporciona um princpio para a fundam entao da possibilidade

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    4/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D E N T A L D A C R T I CA D A R A Z O P U R A

    'A W TI C A do conhecimento? Para responder a esta questo, eu me proponho retomar o

    olu

    ^

    e ]

    argumento pelo qual Kant pretende provar, nas duas verses

    da

    D eduo Transcendental,

    nmeroi que as noss as intuies so em princpio con form e s categorias, logo a conceitos de

    1993

    objetos em gera l.

    Minha investigao baseia-se num a hiptese que no pretendo d iscutir aqui,

    mas que espero possa ser aceita como tend o algum a p lausibilidade. Essa hipteses

    que o argumento da Deduo, ou seja, o argumento para provar a necessria

    conformidade de nossas intuies a conceitos de objetos e, por conseguinte, s

    categorias, possa ser reconstrdo como um argumento dirigido contra o cptico que

    duvida da necessidade para nossas intuies de serem conformes a conceitos de

    objetos, mas no duvida de que se possa ter conscincia dessas intuies como algo

    que se passa em ns.

    Tenta rei dem onstra r aqui duas teses gerais. A primeira

    que aDeduoconsiste

    na prova que a conscincia das intuies, admitida pelo cptico que duvida da

    possibilidade de determin-las segundo conceitos de objetos, tem por condio a

    conscincia de si (do sujeito que tem consc incia de suas intuies) como um sujeito

    num ericamente idn tico equeesta conscin cia de siimplica por sua vez a conscincia

    de objetos, vale dizer, a capacidade de determinar as intuies dadas por meio de

    conceitos de objetos.

    A segunda tese geral que as duas verses da Deduo divergem quanto

    natureza dess a imp licao. A primeira ver so tenta prova r, se minha interp retao

    correta, que a possibilidade de pensar as intuies por conceitos de objeto uma

    conseqncia da conscincia de si, mais precisamente, do fato que o mltiplo das

    intuies sintetizado p or um sujeito conscien te de si e, por conseguinte, d o que faz.

    A conscincia de si aparece aqui, pois, pode-se dizer, como uma ratio essendi do

    pensamento de objetos e, por conseguinte, como a "fonte" das categorias ou o

    princpio que permite explicar sua gnese. Na segunda verso, ao contrrio, a

    conscincia de si (o "E u p enso " que descrito no # 16 como a "unida de analtica da

    apercepo") ap arece como tendo por cond ioopoderdefazer juzos objetivam ente

    vlidos (e que correspond e "unidade sinttica" que necessria para a conscincia

    de si). Esta desempenha ainda o papel de uma premissa no argumento contra o

    9

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    5/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    1993

    cptico, mas agora no mais a ttulo de um princpio explicativo da gnese das

    A N

    ^ T

    C A

    categorias, mas to somen te com o uma prem issa perm itindo explicar a necessidade volume 1

    de se admitir a nece ssria con formidade de nossas intu ies a conceitos de objetos. O nmeroi

    argumento , ento, em sum a, que no posso ser consciente de mim m esmo, com o

    adm ite o cptico,sen o sou capaz de julgar objetivamente, vistoque opoder de julgar

    uma condio necessria da conscincia de si.

    1. O Argumento da Deduo: da Conscincia Conscincia de Si

    1.1 O Argum ento na edio de 1781 (A)

    A melhor e mais suscinta exposio do esquem a do argumento em sua primeira

    verso, ns a encon tramos no pargrafo sobre a "E xplicao ProvisriadaPossibilidade

    das Categorias com o Cognies a Priori .Diz a Kant:

    A possibilidade, porm, e mesmo a necessidade dessas categorias repousa sobre a

    relao que a sensibilidade - e com ela todas as aparies (Erscheinungen) possveis

    - tm com a apercepo originria, na qual tudo tem que estar necessariamente

    conforme s condies da

    unidade

    omnipresente (durchgngig) da conscincia de si,

    isto , sob as funes gerais da sntese, a saber, da sntese segun do conceitos, como o

    nico lugar onde a apercepo pode provar a priori sua identidade omnipresente e

    necessria. Assim, o conceito de um a causa nada mais do que uma sntese (daquilo

    que se segue na srie temporal com outras aparies) segundo conceitos, e sem

    semelhante unidade, que tem sua regra a priori, no se encontraria uma unidade

    omn ipresente e universal, logo necessria, da conscincia, no mltiplo das percepes

    (A 111-12).

    Por obscura qu e seja, esta passagem d eixa razoavelmente claro pelo menos o

    ponto segundo o qual a prova da validade objetiva das categorias repousa, em sum a,

    sobre duas premissas b sicas : 1) a relao de nossa s intuies, que so sensveis, com

    a conscincia de si, 2) a relao da conscincia de si, ou antes, da "unidade da

    conscincia de si" , com as "fun e s" da sntese das intuies segundo conceitos. A

    passagem no deixa claro, verdade, a natureza exata dessas relaes e, sobretudo,

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    6/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I CA D A R A Z O P U R A

    \ M TIC A rio indica as razes que Kan t teria para fundam entar essas premissa s elas prprias.

    i

    ^

    i

    Para esclarecer isso, preciso procu rar naDeduoas passagens onde K ant expe por

    m e r oi extenso o seu argumento.

    No que concerne primeira premissa, as razes de Kant para afirm-la esto

    apenas sum ariamente indicadas em seis passagens diferentes. Em A 10 7, a " unidade

    da conscincia " (identificada na frase seguinte "apercepo transcendental")

    apresentada com o a condio da ocorrncia em ns de "cog ni es" (

    Erkenntnisse),

    (3)

    bem como de sua conexo e unidade.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    7/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    T F I

    1993

    a "conscincia emp rica",apossibilidade de uma conscincia emprica apresentada

    A N A L ^TI C A

    como a cond io da existncia de represen taes e a conscincia transcen den tal, por

    volume 1

    sua vez, como a condio da conscincia emprica.

    (7 )

    Em A 120, a conscincia mero 1

    apresentada com o a condio, no da apario, mas de que esta seja "um objeto de

    conhec imento" e assim exista para ns - mais ainda, de que ela seja de todo alguma

    coisa, "j que ela s existe na cognio".

    (8 )

    Finalmente, em A 123-24, o "Eu" da

    "aperce po" uma condio da conscincia de nossas representaes'

    9

    '.

    Istotudooque temos para tentar entenderoque Kant quer dizer. Conv enham os

    que pouco e que as explicaes de Kant parecem querer remediar a pouca clareza

    com uma maior escurido. Das passagens citadas podemos extrair, no entanto, pelo

    menos duas coisas: 1) Kant no entende provar

    a

    relao necessria das intui es com

    a

    conscincia de si diretamen te, mas em dois passos, provando prim eiro a relao das

    intuies com um a conscincia em prica possvel e, depois, que a conscincia d e si

    uma condio da conscincia em prica, logo das prprias intuies. 2) A prova d e que

    toda intuio est necessariame nte ligada auma conscincia baseia-se na alegao de

    que de outro modo ela no existiria para ns, ou pura e simplesmente no existiria

    como representao.

    (7) "Todas as representaes tm uma relao necessria com uma conscincia em pricapossvel:pois,

    seno tivessem

    isso

    e fosse inteiramente im possvel tor nar-se consciente delas; isto seria a mesma coisa

    que dizer que elas no existiriam de todo. Toda conscincia emprica, porm, tem uma relao

    necessria com uma conscincia transcendental (precedendo toda experincia particular), a saber, a

    conscincia de mim mesm o, como a conscincia originria" (A 117).

    (8)

    "A primeira coisa que nos

    dada uma apario,

    a

    qual, se ela

    est

    ligada com conscincia, se chama

    percepo (sem a relao com uma conscincia ao m enos possvel, a apario jam ais po deria ser para

    ns um objeto do conhecimento (

    der Erkenntnis),

    e portanto, nada seria para ns, e, no tendo em si

    mesma nenhuma realidade objetiva e s existindo na

    cogro(imErkenntnisse),

    no seria nada em

    parte alguma" (A 120).

    (9) "Pois o Eu fixo e permanente (da apercepo pura) constitui o correlato de todas as nossas

    representaes, na m edida em qu e meramente possvel tom ar-se consciente delas, e toda conscincia

    pertence a uma apercepo pura omnicompreensiva, do mesmo modo que toda intuio sensvel

    enquanto representao a uma intuio interna pura, a saber, o temp o" (A 12 3-34).

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    8/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I CA D A R A Z O P U R A

    ,N A ^ J TIC A

    Mas essas indicaes deixam ainda inmeras dvidas. verdade que a ligao

    volumei entre o conceito de cons cincia e o de conscincia de si tem uma certa plausibilidade

    nmeroi iniciai, que se ucVc so xto u.e que pensamos as intuies com o ocorrncias men tais

    1993

    ou estados subjetivos (em frases do tipo: "Eu sei que eu" onde substitui um

    predicado psicolgico do tipo: "estou vendo ", "estou o uv indo " etc). Mas no basta

    constatar

    que

    ordinariam nte exprim imos a conscincia que temos de nossas intuies

    com o estados su bjetivos (isto , estados de um su jeito que se refere a si mesm o com o

    algo distinto dos estados qu e tem). Importa ainda e sobretu do explicar por que deve

    ser assim.

    As dificuldades s o ainda maiores

    no que

    concerne relao entre

    a

    conscincia

    e as intuies. Aqui, a afirma o de que, parater intuies, seria precisoterconscincia

    dessas intuies no s implausvel em si mesma, como contradiz a declarao

    expressa de que as representaes em geral podem ser inconscientes (A 320), e at

    mesm o a doutrina da

    Esttica

    acerca das condies da intuio segun doaqual espao

    e tempo so as nicas condies (formais) da intuio.

    Creio que as dificuldades derivam da qivocidade do termo "conscincia".

    Com efeito, podem os tom ar o conceito de conscincia em d ois sentidos diversos. Em

    sentido prprio, "ter conscincia dex eqivale a "sab er qu e uma proposiopsobre

    x o caso ". Assim, dizer p. ex.: "Tenh o conscincia da presena de D eus" o mesmo

    que dizer: "Sei que Deus est presen te", e dizer: "Tenh o conscincia de meu valor"

    o mesmo quedizer:"S ei q ue tenho (algum) valor". Com o em todo saber proposicional,

    "ter conscincia" neste sentido envolve a aplicao de conceitos a instncias desses

    conceitos. Se quisermos acolher um outro sentido, no-proposicional , para

    "conscincia" ser preciso defini-la como uma forma de saber que no envolva a

    utilizao de conceitos e a compree nso de proposies, ma s apenas a capacidade de

    realizar certas operaes, por ex emplo, a capacidade de discriminar

    o

    que dado, no

    por caracterizaes concep tuais, mas p or sua posio no espao e no tempo.

    Se tomamos "c on scin cia" no sentido proposicional, no podemos dizer que a

    conscincia seja uma cond io de ter intuies (ou mesm o representaes em sentido

    geral, abrangendo conceitos e proposies), pois, em sentido proposicional, "ter

    conscincia" abrange a aplicao de conceitos, e "ter intuies" por definio no

    9 4

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    9/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    fy

    i

    nvo lve a aplicaodeconceitos. Eis por q ue Kant tem que adm itirapossibilidade de ANA \M TICA

    existirem intuies e mesmo outras classes de representaes inconscientes'

    10

    '. volume 1

    Se tomam os "con sci ncia " no sentido no-pro posicional, podem os dizer que a ""1993

    1

    conscincia uma condio de ter intuies, mas neste caso "ter conscincia" no

    pode significar outra coisa seno a capacidade de discriminar o que dado, seja

    externamente segundo relaes espaciais, seja internamente, segundo relaes

    temporais. Dada a sinnima entre "ser consciente de" e "saber", bem como a

    possib ilidade de falar de uma forma de saber no-proposiciona l, a afirmao de que

    a conscincia uma condio de ter intuies sempre possvel e explica por que

    pod em os atribuir aos seres bru tos algum a forma de conscincia. De fato, dos animais

    e dos infantes dizemos que esto conscientes ou, ao contrrio, que perderam a

    conscincia, quando tm ou perderam a capacidade de discriminar os objetos

    exteriores, bem como de sentir (ter sensaes e sentimentos). Em Kant e na tradio

    filosfica em geral no encontram os

    a

    noo

    de

    conscincia como sinnima

    do

    sentido

    externo,m uito embora no haja nada que impea esse uso do termo.

    (11)

    Em com pensao,

    encontramos a noo de sentido interno assimilada noo de conscincia.

    Se, porm, tomamos a "conscincia" em sentido no-proposicional e por

    conseguinte, em Kant, como sinnimo de "sentido intern o", no ser mais possvel

    extrair da nenhuma das conseqncias que Kant quer extrair da tese de que ter (ou

    pelo menos poderter)conscin cia de nossas intuies urnacondiode terintuies,

    a saber: (1) que toda intuio est relacionada necessa riamen te com um a conscincia

    possvel ; (2) que toda conscincia de uma intuio est relacionada

    conscincia d e si.

    (10) Para ter e aplicar um conceito, no preciso ser capaz de caracteriz-lo com o tal por meio de um

    conceito de conceitos. Assim, para ter o conceito de "ho me m" e aplic-lo no juzo: "Scrates

    homem"

    no p reciso ter o conceito formal-semntico de "ob jeto", ou o conceito sintctioo de "pred icado", ou

    qualqu er conceito superior com que eu ocaracterize como conceito.verdade que, ao dizer: "Scrates

    e h o m e m "

    sei

    necessariamente

    o

    que estou fazendo, mas no (a no ser que seja filsofo ou lgico) que

    estoujulgando ou aplicando um conceito.

    (11) Cf., porm, em Tugendhat o uso da expresso "conscincia de esp ao "

    (Vorlesungen

    zur E infhrung

    in ai sprachanalytische Philosophie,

    Fran kfurt: Suhrkam p, 1976, p. 83).

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    10/33

    CONSCI NC I A DE SI E CONH ECI M ENTO OB JE TI VO NA

    DEDU O TRANSCEND ENTA L DA CRT I C A DA RA Z O PURA

    JA

    W t I C A Vejamos, no entanto, at onde poderam os chegar interpretando as passagens

    , , em cmesto com aiuda do conceito

    no-proposicional

    de conscincia. Diremos, ento,

    vo lu m e 1 ->-

    1 r r

    1 - 1 1

    nmero

    i que

    a

    tese

    de

    Kant que

    a

    conscincia

    no

    sentido do sentido interno, ou da capacidade

    1993

    de discriminar no temp o, a condio de term os intuies a ttulo de represe ntae s,

    isto , algo que existe em n s e s pode existir de tod o em ns. E, dado o fato de que

    toda intuio externa est ligada a algo em ns (a afeco sensvel, a sensao),

    podemos dizer que a conscincia tambm a condio das intuies externas na

    medida em que elas tam bm so ou esto ligadas a ocorrncias internas. Isto permite

    efetivamen te dar conta da primeira concluso qu e Kant deseja tirar,asaber, que todas

    as intuies esto ligadas conscincia (que assimilamos ao sentido interno),

    A dificuldade dessa interpretao que ela leva a uma concluso muito mais

    forte do que a extrada por Kant, pois dela se segue que a condio das intuies

    enquanto representaes (ocorrncias mentais) uma conscinciaactual: no pode

    haver intuio externa que no sejaao mesm o tempo apreendidanotempo como uma

    representao interna, portanto consciente no sentido no-proposicional. Ora, isso

    quadra mal com arestrio da tese

    possibilidade

    de se ter conscincia. Em todoocaso,

    como quem prova o mais prova o menos e dado que o que real tambm possvel,

    poder-se-ia sempre argumentar que a objeo no decisiva.

    Mas decisiva

    a

    segunda objeo,

    a

    sabe r, que Kan t no poderia concluir da (de

    que temos uma conscincia no-proposicional, ou seja, discriminamos nossas intuies

    no tempo como oco rrncias mentais) que a con scincia de si (que proposicional)

    uma condio dessa conscincia (no-proposicional) das intuies.

    Vejamos, ento, o que conseguimos com o conceito proposicional de

    "conscincia". Seg und o esse conceito, como vim os, ter conscincia de uma intuio

    x

    consiste em saber que se tem a intuio

    x

    e, envolve, portanto, a capacidade de

    empregar predicados pelos quais caracterizamos a intuio como uma representao,

    vale dizer, com o algo em nspelo qual intum os algo fora de ns.

    (12)

    Ser que este o

    1 9 6

    (12) Cf. a esse respeito K.Cramer, "ber Kants Staz: Das: Ich denke, mufi alie meine Vorstellungen

    begleiten knnen ,

    in

    K..Cram er u. a. (Hg.),

    Theorie der Subjektivitt,

    Frankfurt: Suhrk amp , 1990. Mu ito

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    11/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    conceito de conscincia que Kant tem efetivamente em vista nas passagens citadas?

    ANA | ICA

    Em A 106, a conscincia

    (13)

    apresentada como a condio daocorrncia em ns de

    volume 1

    "cognies", vaie dizer de "intuies"/

    14

    * Em A 113, a conscincia

    (1S)

    apresentada

    nmero

    como condio de representaes, o que podemos interpretar como a condio da

    existncia de algo em ns que nos apresenta algo fora de ns e, finalmente, em A 12 0,

    a conscincia aprese ntada com o condio de que as aparies sejam para ns ob jeto

    de conhecimento, o que podem os interpretar no sentido de que spodemos saber que

    as aparies existem em ns como representaes se temos conscincia delas.

    No h dvida, portanto, de que em todas essas passagens se trata do

    reconhecimento das intuies como representaes - em termos cartesianos: do

    conhecimento das intuies em sua

    realidade formal

    de representaes em ns por

    oposio sua

    realidade objetiva

    enquanto representaes de algo fora de ns. A

    dificuldade que subsiste que Kant parece estar enun ciando u ma tautologia quando

    afirma que a conscinc ia um a condio de as intuies (aparies, cognies )

    existirem para ns, ou serem um objeto de conhecimen to para ns. Pois, o que pode

    significar "existir para n s " ou "ser um objeto de conhecimento para n s" seno "ser

    algo de que temos conscincia"? Kant estaria dizendo ento que no podemos ter

    conscincia

    de

    nossa s intuies como nossas representaes se no temos conscincia

    delas. O que se espera, ao contrrio, que se estipule para a conscincia das intuies

    uma condio que seja distinta do simples fato de ter conscincia das intuies.

    1993

    embora Cramer interprete uma passagem

    da

    ed. B, creio que muito do que ele a

    diz

    pode ser u tilizado

    para a interpretao da primeira verso da Deduo.

    (13) Na verdade a "unidade da conscincia", identif icada na frase seguinte "apercepo

    transcendental". Mas Kant distingue posteriormente a conscincia de si, enquanto condio da

    conscincia

    das

    intuies, e a conscincia (ou,

    antes, a

    possibilidade da conscincia) como con dio da

    ocorrncia em ns das intuies a ttulo de representaes. Em vista disso e do fato de que se aqui se

    fala da condiodas"cog ni es", p odemos dizer que se trata diretamente da conscincia aas intuies,

    e da conscincia de si apen as indiretamente, na medida em que ela uma condio da primeira.

    (14) Intuies

    e

    conceitos so d uas sub-classes

    da

    classe das cog nies, segundo

    A 320.

    Obviamente, Kant

    no pod e estar falando aqui da conscincia de conceitos. Por isso, podem os substituir "cog ni es" por

    "intuies".

    (15) Textualmente, a conscincia de si . M as o que se diz aqui da conscincia de si s possvel dizer

    porque tambm se diz da conscincia de intuies. V. n. 13 acima.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    12/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    k

    vol u me 1

    TIC A

    Voltem os nossa ateno mais uma vez para o conceito proposicional de

    "conscin cia'. Este envolve, como vimos, a caracterizao das intuies em ns como

    nmeroi represe ntae s, e isto quer dizer: por m eio de predicados de representa es. M as,

    1993

    s e

    assim , pod em os dizer (para evitar a interpretao da tese de Kant como uma

    tautologia) que a tese que a consc incia de ter intuies tem por condio a

    possibilidade de pens-las atravs de conceitos com os quais as especificamos, no

    relativam ente ao que nelas repres entad o, mas relativam ente ao fato de serem

    represen taes em ns. Em suma, se a tese inicial de Kant no uma simples

    taulolog ia, ela a tese de que a conscin cia de ter intuies precisamen te uma

    conscin cia no sentido proposicional, e isto significa que s podem os dizer que

    temos conscin cia de nossas intuies se podemos caracteriz-las com o tais, isto ,

    com o representae s em ns de algo distinto de ns. Certam ente, no temos que

    empregar predicados como "intu io" ou "representao" para nos tornar conscientes

    de nossas intuies como representaes.

    (16)

    Estes so conceitos de segunda ordem

    (formais) com queofilsofo explicita os con ceitos de primeira ordem (materiais), com

    os quais caracterizamos prefilosoficamente nossas intuies como representaes (a

    saber, predicados como "ver", "ouvir", "sentir", etc.). justamente essa classe de

    predicados que preciso dominar para saber que se tem intuies. Devemos dizer

    ento que s temos conscincia de nossas intuies quando podemos enunciar

    proposies da forma: "estou vendo, ouvindo, sentindo etc. . ." , ou seja, quando

    podem os fazer aquelas enunciaes que, nos

    Prolegomena,

    Kant denominou "juzos

    de percepo".

    M as isto no basta ainda para dar conta de tudo oque est dito nos tex tos; mais

    precisam ente, no basta ainda para exp licar por que Kant afirma

    {17)

    que a conscincia

    uma condio de existirem as representaes no apenas para ns, mas pura e

    simplesmente de existirem representaes. O ra, essa afirmao incompatvel com

    (16) Assim como tam pouco precisamos emp regar conceitos como "objet o" ou "fen me no " para saber

    A Q o que intumos.

    J LJ 0 (17) Em A 11 6, 12 0 e , implicitamente, em A1 23-2 4.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    13/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    ,CTJ I

    n mero 1

    1993

    a admisso da existncia de representaes inconscientes e no se segue da tese do

    ANAM^/TIC/

    carter proposicional da conscincia de ter intuies.

    vo h

    ,

    me r

    Ob servem os m ais uma vez, porm, que, em A1 17n ., Kant qualifica sua afirmao:

    apossibilidade de um a conscincia emprica, no uma conscincia em prica actual,

    que a apresentada como condio da existncia de representaes. O que

    necessrio, pois , para ter representaes (intuies) que se

    possa

    ter, no que se

    tenha actua lmen te, conscincia de ter um a representao . Ser que esta afirmao

    pode ser derivadadetese do carter proposicional da conscinciadeter representaes?

    O que se pode argumentar a este proposito, a meu ver, o seguinte. Para ter

    conscincia de ter representaes preciso, como vimos, saber caracteriz-las como

    representaes. Suponhamos, porm, que se queira negar que as nossas intuies

    possam ser conceituadas como representaes e que essa impossibilidade seja

    entendida com o um a impossibilidade de princpio, portanto como algo que se deva,

    no a algum impedimento fortuito, mas "lgica" do conceito de representao.

    Neste caso, poderamo s alegarduas coisas: 1) oconceitoautocontraditrioedesigna

    algo to impossvel em si mesmo quanto um crculo quadrado; 2) o conceito no

    autocontraditrio, mas problemtico, porque no podemos indicar a que tipo de

    objeto poderia se aplicar e, neste caso, no designaria nada de impossvel de pensar

    em si mesm o, mas im possvel de se conhecer.

    Ora, no podemos dizer quelogicamente impossvel caracterizar nossas intuies

    como representaes, porque -

    ateno

    - no se

    trata

    aqui da lgica de um a teoria filosfica

    da representao, mas da lgicadenossos juzos de percepo. Qualquer teoria filosfica

    , sem dvida, impugnvel por razes lgicas. Mas no podemos impugnar por razes

    lgicas

    os juzos

    que

    fazemos

    sobre o

    que vem os, ouvimos, sentimos, percebemos

    etc.

    Isto

    faz parte do discurso cognitivo que as teorias filosficas tm qu e explicar e, portanto,

    devem

    pressupor.

    Pela mesm a razo no podem os dizer que so vazios ou problemticos

    os conceitos co m quecaracterizamos, nos juzo s de percepo, nossas intuies. Ora,se os

    conceitos com que caracterizamos nossas intuies no so nem autocontraditrios nem

    vazios, segue-se da

    que,

    em princpio, todas

    as

    nossas intuies pod em

    ser

    pensadas por

    conceitos, logo qu e de tod as elas

    podemos

    ter conscincia, mesmo que

    de jacto

    no tenhamos.

    Podem os resumir agoraaparte inicial do argum ento. Kant parte do facto de que

    9 9

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    14/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O TR A N S CE N D E N T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    , i ih'

    |

    I 11Qfr

    temos conscincia de nossas intuies,

    isto , podemos d izer que temos intuies, mesm o

    que por hiptese no sa ibamos se so intuies de algo objetivo. Nas verdade, dizer

    que temos conscincia de noss as intuies parte da hip tese d e que nossas intuies

    iuu'i no seriam intuies

    de

    objeto s d elas distintos. Por isso, a rigor n o correto dizer que

    Kant parte da conscincia de nossas intuies como um fato, que simplesmente se

    constata como um qualquer outro facto emprico. O que a chamamos de "fato" ,

    antes, um pressuposto da questo, e s por isso que no podemos recus-lo.

    Isso posto, Kant prova primeiro que a conscincia de nossas intuies tem um

    carter proposicional e depende da possibilidade de caracterizar conceitualmente

    nossas intuies, no quanto quilo que nelas intuido, mas quanto quilo que elas

    so em ns, ou seja, como u ma representao. Finalmente, baseando-se nesta anlise,

    segundo a qual "ter Conscincia" o mesmo que "sab er d izer que intuies tem os",

    Kant prova em seguida que nenhum a intuio pode haver em n s que

    seja

    imp ossvel

    de se tornar conscien te, porqu e afirmar isto eqivaleria alegao inadmissvel de

    que no podemos nos referir s nossas intuies, seja por razes lgicas (suas

    caracterizaes conceptuais seriam contraditrias), seja por razes epistemolgicas

    (ascaracterizaes co ncep tuais no teriam instncias). Para resum ir numa palavra: se

    temos conscincia de nossa s intuies, podemos pens -las por conceitos, ese podemos

    pens-las por conceitos, nenhum a intuio em ns pode enquan to tal ser impensvel.

    Com isto descrevemos apenas o primeiro passo para a fundamentao da

    primeira premissa da Deduo. O segundo passo consiste em provar a relao

    necessria entre "ter conscincia de uma intuio" e "ter con scincia de si me sm o".

    A necessidade de provar a existncia dessa relao fica obscurecida pelo fato de que

    desde o incio caracterizamos a conscincia como um juizo de forma: "sei que eu

    ",

    onde"" o que chamamos de "predicado de representaes" (como os "juzos de

    percepo", d que fala Kant nos Prolegomena.) Mas, a rigor, no temos ainda

    nenhum a razo para dizer que o sujeito dessas predicaes um sujeito capaz de se

    referir a si mesmo pelo pronome "eu" e, tanto quanto se pode saber, os juzos de

    percep o pod eriam ser da for m a: "e u sei que eu

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    15/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M E I D A

    fy i

    ara ns, antes de toda reconstruo filosfica, que os predicados de representao A NA L^TIC A

    se aplicam, a um sujeito capaz, de se referir a si m esm o. M as a questo filosfica ,

    volume 1

    precisamente, saber por que mesm o tem que ser assim. nmero

    Vejamos, mais uma vez, o que Kant tem a dizer nas passagens em questo.

    Dessas passagens apenas duas contm algo que ainda no encontrou explicao, e

    qu erazovel supor que sirva de argumento para prov ararelao entreaconscincia

    das intuies e a conscincia de si. Refiro-me a A 107, onde a "apercepo

    transcendental" apresentada com o condio da "unidad e e conex o" das cognies

    que ocorrem em n s, e a A1 16 , onde a tese de Kant expressamente fundam entada

    co m aalegao de que "a s representaessrepresentam algo em mim "sepertencem

    a e "podem ser conectadas em um a nica e a mesma conscincia". Tudo o m ais so

    afirmaes

    no

    fundamentadas (A117n.

    e

    A1 23-24 ), ou pode ser explicado em termos

    da relao entre a intui o e um a conscincia possvel.

    A conscincia de si apresentada, pois, em suma, como necessria para a

    unidade e conexo das cognies enquanto representaes de algo em m im. O ra, no

    argum ento anterior p ara m ostrar a relao entre as intuies. e a possibilidade de se

    ter conscincia d elas no foi preciso mencionar a "co nex o

    e a

    unidade das intu ies".

    Assim , se Kant qu er provar que a conscincia d e si necessria para se ter intuies

    alegando que ela uma condio de sua "unidad e e con exo", preciso antes de m ais

    nad a admitir que a conscincia das intuies inclui uma conscincia de sua "un idad e

    e conexo". M as isso est longe de ser bvio. Em p rimeiro lugar, muito embora Kant

    fale das intuies (co gnies, aparies) no plura l, nada indica que ele tenha em vista

    as intuies consideradas coletivamente, quando diz que a conscincia de si uma

    condio de possibilidade da conscincia emprica de ter intuies. Ao contrrio,

    razovel supor que as intuies sejam tomadas a divisivamente, pois o que Kant

    afirma que de nenhu ma intuio (e no: de nenhum mltiplo de intuies) se pode

    dizer que impo ssvel ter conscincia dela

    (18)

    .

    (18) Ver a esse respeito, K. Cram er,

    op. cit.

    (n. 12 acima), p. 168.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    16/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    iA ^ ju C A Mais, uma vez mais, aqui tambm o carter propo sicional, logo conceituai, da

    vo

    ,

    um e

    1

    conscincia das intuies que indica o que preciso consid erar para entender o

    nmero

    i pens am ento de Kan t. A primeira vista, antes de analisar o conce ito de conscincia,

    1993

    parece que pod em os falar de um a conscincia de intuies isoladas. Ma s, essa

    suposio, vemos que preciso descart-la, to logo atribumos um contedo

    proposicional a essa conscincia e a identificamos capacidade de caracterizar

    conceitualmente aquilo de que se tem conscincia. Com efeito, conceitos so, na

    terminologia de Kant, "representaes por notas comu ns" servindo para comparar e

    distinguir as intuies entre si.

    (19)

    Por isso, sempre que um con ceito aplicado a uma

    intuio, com o algo de singular, essa intuio se v ao mesmo tempo comparada a e

    distinguida de outras intuies possveis.

    razovel supor, pois, que a "unidade e conexo" das intuies enquanto

    represen taes em ns sejaaunidad e conceituai das intuies quand o caracterizadas

    como rep resen taes. E assim fica claro por que a conscinciade si uma condio da

    unidade das representaes em ns. De fato, a aplicao de conceitos envolve a

    comparao e a distino das intuies entre si, e essa comparao e distino no

    seria pos svel se quem faz a com para o (o sujeito que se designa p or "e u " ao dizer:

    "eu sei que")n o fosse o mesmo relativamenteacada uma das intuies comparadas

    e distinguidas. Por conseguinte, preciso ter uma conscincia das intuies

    consideradas coletivamente com o existindo para um nico e o mesm o sujeitoafim de

    que seja possvel pensar cada intuio. Eis por que Kant caracteriza, em A 123-24, a

    conscincia de si como durchgangig, ou seja, perpassando, ou presente em, toda

    conscincia de intuies como um a condio d esta, e faz da identidade do "E u" que

    sabe ter tais e tais intuies um "co rrela to de todas as nossas repr esen tae s", isto ,

    de todas as nossas intuies na medida em que temos conscincia delas. E no mesmo

    sentido tamb m que Kantserefere indiferentem enteseja "unid ade (transcendental)

    da apercepo" ou da "conscincia de si", seja conscincia da identidade de si

    mesm o, como cond io da conscincia de intuies.

    2 2

    (19) Cf.

    Lgica

    (ed. Jsche), 1 e 6.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    17/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M E I D A

    T F I

    .2. O argumento na edio de 1787 (B) A NA I^TIC /

    Term inada a exposio do argumento em A. preciso investigar agora qual o

    alcance das mudanas a que o texto foi submetido na segunda edio de 1787. O nmero

    essencial da nova verso, ns o encontramos no #16. Nessa nova verso, a premissa

    inicial consiste ainda em mostrar a relao entre o mltiplo das intuies e a

    conscincia d e si. N o que diz respeito a essa prim eira premissa, o argum ento de Kan t

    est apresentado logo nas primeiras frases do #16. Diz a Kant o seguinte:

    O: Eu penso tem que poder acompanhar todas as minhas representaes; pois de

    outro modo seria representado algo em mim quede modonenhum poderia ser pensado,

    o que eqivale

    a

    dizer que a representao ou bem seria impossvel, ou bem nada seria

    para mim. A representao que pode ser dada antes de todo pensamento chama-se

    intuio. Portanto,

    todo o

    mltiplo da intuio tem

    uma

    relao necessria com o: Eu

    penso, no mesmo sujeito em que esse mltiplo encontrado. (B 131-32)

    Se estivssemos comeando nossa interpretao pelo texto da ed. B., teramos

    que refazer todas as consideraes que fizemos, a propsito da ed. A, acerca do

    sentido em que se pode dizer que a conscincia uma condio da existncia de

    representaes em n s. Dou por pressuposto tudo isso e, com base nas explicaes

    dadas, propon ho que se reconstrua o argum ento da seguinte ma neira.

    O ponto de partida , como em A, a constatao de que tenho conscincia de

    representaes em mim, e, em particular, das intuies. Numa palavra: sei que

    existem intuies a ttulo de representaes em mim , mesmo que no possa saber se

    a elas corresp ond em algum objeto. Isso posto, a cond io para que eu saiba ou tenha

    conscincia de representaesque eu possa p ens-las, isto , que eu possa caracteriz-

    las com o represen taes (atravs de predicad os co mo ver, ouvir, sentir etc.). neste

    sentido que o "e u pe ns o" deve poder acompanh ar todas as minhas representaes:

    eu devo ser capaz de pens-las como tais.

    O argum ento para essa tese , ento, o seguinte. Negar que eu possa pen sar as

    representaes de que, por hiptese, tenho conscincia eqivale a dizer que os

    conceitos pelos qua is eu as penso so ou autocontraditrios (isto

    ,

    que logicamente

    impossvel dizer que v ejo, ouoetc.)ou problemticos (isto , que no posso saber se ^ Q ^

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    18/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O TR A N S CEN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    ^ A W t IC A algo corresponde a eles). M as, visto que por hiptese posso dizer que tenho

    volu

    ^

    e1

    represen taes (que estou ven do isto, ouvindo aquilo etc.), impo ssvel negar que eu

    nmero 1 possa pens-las. Em sum a, no possvel negar que eu possa

    pensar

    minhas

    1993

    represen taes, se admiti de antem o que tenho con scinc ia, isto , sei que tenh o

    representaes.

    Se minha interpretao correta, dizer queo"eu pen so" deve poder acompanhar

    todas as minhas representaes eq ivale, pois,adizer que n o posso saber que ten ho

    representaes, se no posso pens-las como tais. Podemos dizer ento que, na

    concepo de Kant, essa conscincia conceituai das representaes se exprime

    linguisticamente em frases da forma : "eu sei que ", onde um predicado de

    representaes.

    Com isso ainda no est demon strado que

    a

    conscinc ia de representaes , ao

    mesmo tempo,

    a

    conscincia

    de

    si mesm o como um sujeito distinto das representaes

    das quais tem conscincia e num ericamen te idntico relativam ente a elas. Tan to

    quanto sepossa saberaesta alturadaargumentao,o"eu p ens o" pode ser a condio

    de cada representao considera da isolada men te, de tal sorte quearefernciaao" e u "

    poderia ser diversa em cada caso. A concluso do argumen to de Kant, no entanto,

    a de que o mltiplo das intuies tem uma relao necessria com o "eu p enso" em

    um mes mo sujeito

    (20)

    e da se segue que o "eu p enso " que acom panha o mltiplo d as

    representaes "um e o mesmo", como diz Kant ainda na mesma alnea.

    (21)

    Essa

    concluso deve se seguir, por conseguinte, do fato de que possvel em princpio

    pens ar por conceitos todas as representaes de que tenho con scincia. Por que ela se

    segue o que podemos entender se levamos em conta ( o mesm o argumento da ed.

    (20) "Logo, todo m ltiplo da intuio tem um a relao necessria com o : Eu penso no mesmo sujeito

    em qu e este mltiplo e encontrad o" (B 132).

    (21) "Denomino -a [a saber: a espontaneidade, a que devemos o "E u p ens o" - GAA] apercepo pura,

    para d istingu-la da emprica, ou tambm apercepo originria,por que ela aquela conscincia de si

    que, ao produzir a representao

    Eu penso,

    q ue tem que poder acompanh ar todas as demais e em

    toda conscincia uma e a mesma, no pod e ser acompanhada de nenhu ma m ais" (B 132).

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    19/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    , u -

    ) que o que pensam os por um con ceito a unidade de um m ltiplo dado, e isso no

    A NA VY TIC A

    possvel se o "eu penso" for diverso para cada elemento do mltiplo. volume 1

    O argum ento de Kant em

    B

    no , pois, substancialmente div erso do argumen to

    n

    ^o

    r

    1

    em A , no que tangeprimeira premissa: aqui comoltrata-se de prova ranecessidade

    da conscincia de si relativamente ao mltiplo das intuies do qual temos, por

    hiptese, conscincia, e o fundamento da prova a necessidade de reconhecer que,

    para ter conscincia, devemos ser capazes de pensar a unidade do mltiplo das

    intuies mediante conceitos de representaes

    (22)

    .

    2. Da conscincia de si ao conhecimento objetivo

    2.1. O argum ento na edio de 1781 A)

    Passem os agora segunda prem issa da Deduo, que , com o vimos, a tese da

    relao necessria da conscincia de si com a sntese das intuies segund o conceitos

    de objetos, vale dizer, com a condio de possibilidade do conhecimento objetivo.

    Como a conscincia de si foi afirmada na primeira premissa como a condio da

    conscincia das intuies, de se esperar que unidade sinttica das intuies seja

    agora apresen tada co mo a cond io da conscincia de si. Se for assim, a doutrina de

    Kan t pod er ser exposta como um a cadeia de inferncias que, partindo da conscincia

    das intuies como premissa inicial, estabelece sucessivamente por um argumento

    regressivo as condies e as condies das condies dessa premissa. Poderamos

    dizer, ento, que o argumento de Kant se desdobra dando resposta seguinte

    questo: que condies d evem ser satisfeitas para que um sujeito tenha concincia de

    (22) Cf. a recapitulao da primeira premissa da D eduo em B: "O m ltiplo dado em uma intuio

    sensvel est necessariamente submetido unidade sinttica originria da apercepo, porque s

    atravs desta possvel aunidadeda intuio (B143),b em como o comen trio acrescentado em nota de

    rodap: "O fundamento da prova baseia-se naunidade representada da intuio pela qual um objeto

    dado,

    a

    qual inclui um sntese

    do

    mltiplo dado a u ma intuio e j contm

    a

    relao deste ltimo com

    a unidade da apercepo" (B144 n.).

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    20/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO O B JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D E N T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    k[/MJICA si mesm o e das intuies com o intuies suas? O que se espera ento que se possa

    provar que a conformidade da sntese das intuies a conceitos de objetos seja

    precisamente essa condio.

    Essa expectativa parece encontrar uma con firma o que no se poderia d esejar

    mais satisfatria na seguinte pa ssagem : "De acor do com este (a saber: o"p rinc pio da

    unidade da apercep o" -

    GAA)

    todas

    as

    aparies devem entrar na mente, ou devem

    ser apreendidas, de tal sorte que concordem p ara a unidade d a apercepo, o que sem

    unidade sinttica em sua conexo - que,

    por conseguinte, tambm

    necessariamente

    objetiva- seria impo ssv el" (A 122, grifo meu).

    (23)

    A formu lao de Kant deixa, porm,

    em aberto de que precisamente a unidade objetiva das intuies uma condio, se

    da unidade da apercepo com o um todo, abrangend o conscincia de si econscincia

    das intuies como suas , ou se apenas desta ltima (a conscincia de si dep end endo

    de outras condies, ou sendo dada de alguma outra maneira qualquer).

    verdade que, em outras passagens, a unidade da conscinciaexpressamente

    identificada

    conscincia de si e considerada im possve l sem a unidade sinttica das

    intuies. Assim, em A 10 8,a"identidadedaconscincia"expressamente iden tificada

    "conscincia da identidade de si mesmo", e esta Kant diz ser impossvel "se no

    tivesse diante dos olhos a identidade de seu ato (de sntese - GAA)". Contudo, a

    explicao que se dar posteriormente da necessidade de subsumir as intuies

    sintetizadas a categorias parece se basear numa outra doutrina, segundo a qual a

    sntese , junto com a conscincia de si, condio da conscincia das intuies como

    minhas, e a conscincia de si condio da conformidade a conceitos das intuies

    sintetizadas.

    Deixemos essa questo em aberto, por enquanto, e vejamos como Kan t entende

    provar sua

    lese.

    Qualquer que seja

    a

    resposta questo acima,

    a

    tese

    de

    Kan t s estar

    provada se duas coisas estiverem provadas: 1) que a condio indicada para a

    "unidade da apercepo" seja uma condio suficiente; logo, pela indicao daquilo

    que, na sntese das intuies segundo conceitos de objetos, torna possvel a unidade

    2 6

    (23) A mesma tese repetida em formulaes diferentes em A 10 8, A 111-12, A 11 3 e A 117n.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    21/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    nsro 1

    1993

    da apercepo. Provar isso , em outros termos, mostrar por que a capacidade de

    a n a

    M

    ^ t c /

    efetuar snteses segund o conce itos acarreta para o sujeito o poder de se aperceber de volume 1

    si mes mo e de suas repres enta es. 2) Que a cond io indicada uma cond io nume

    necessria, logo, que a "unidade da apercepo" s possvel sob essa condio.

    Provar isto , em outros termos, provar que no h alternativa possvel.

    A nica coisa que Kant faz no sentido de provar que a unidade sinttica das

    intuies uma condio da unidade da apercepo consiste em chamar a ateno

    paraofatoque esteconceito envolveoconceitodeidentidade e que nenhuma intuio

    emprica pode nos dar aquilo que deve ser pensado como idntico. "Aqu ilo que deve

    ser necessariamente represen tado com o numericamente idntico no pode enquanto

    tal ser pensado mediante dados em pricos" (A 107)

    (24)

    . Mas da se segue apenas que

    o sujeito (alis do mesmo modo que o objeto das intuies) s pode ser pensado, e a

    questo : quando, ou em que condies, ns nos pensamos como sujeitos, mais

    precisamente, como o sujeito que sabe que tem um mltiplo de intuies?

    Se fazemos abstrao do sujeito prtico e nos restringimos ao sujeito que

    conh ece, e se exclumos o rec urso intuio, a nica base p ossvel para a conscincia

    de si deve se encontrar na efetua o de operaes cognitivas. Se exclumos mais u ma

    vez as operaes cognitivas complexas (por dependerem das elementares), a nica

    base possvel para a "unida de da apercepo" deve ser buscada, na anlise de Kant,

    na funo de sntese de um mltiplo dado esua subs un o a conceitos de objetos. Eis

    por que Kant afirma, num a passag em j citada, que a "sntese segundo co nceitos"

    o lugar "n o qual apenas a apercepo pode provar sua omnipresente (durchgngige)

    e necessria identidade a priori." (A112)

    Isto posto, nossa questo passa a ser: o que, na efetuao de atos de sntese

    segundo conceitos de objetos, possibilita a quem faz isso tornar-se consciente de si

    (24) Em outras passagens, Kant qualifica de duas maneiras sua afirmao. Em A10 8, a

    identidade

    da

    funo ou do ato de sntese que apresentada como condio da "identidade da conscincia de si

    me sm o". Kant quer dizer com isso, parece-me, que as representaes devem ser apreendidas por u m

    mesm o ato para que elas possam ser pensadas

    e

    ligadas

    na

    "unidade da apercep o' .

    Cf. a

    esse respeito

    f%

    A F f

    B 137. Na segunda edio, no a efetuao actual de uma sntese, mas a conscincia de poder ligar / 1 1 /

    representaes que a condio da unidade da apercepo. m \J i

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    22/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N S CE N D E N T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    A l/M TICA mesmo e das intuies dadas como representaessuas?A que precisamente se deve

    volumei

    a

    "

    , j r i

    idade da apercepo"? realizao de um

    ato,

    que acontece ser um ato de

    nmeroi sntese, ma s pod eria ser outro? Ou realizao de um atodesntese? O u, antes, ao fato

    1993

    de que a sntese subsumida a conceitos?

    A primeira hiptese sofre de dificuldades to bvias que mal vale a pena

    consider-la. Pois est claro que, ainda qu e todo agir suponh a um ag ente, da no se

    segue que todo agir seja o agir de um sujeito consciente de si mesm o - pelo menos

    no sentido proposicional de conscincia, que , como vimos, o nico relevante para

    nossa discusso. Os argumentos expostos acima para mostrar que, em sentido

    proposicional, a conscincia no uma condio de ter representaes, valem

    tambm para n ossas aes. Do mesmo mo do que um sujeito no precisa ser capaz de

    dizer o que intui, para ter intuies, tampouco precisa ser capaz de dizer o que faz,

    para agir

    (25)

    . No percamos tempo, pois, com esta primeira hiptese.

    primeira vista, a segunda hiptese no poderia sair-se melhor do que a

    primeira, pois o que vale paraoagir em g eral de ve valer para esta espcie de atividade

    que se chama "snte se". Assim, se possvel agir sem p or isso mesm o ter conscincia

    (proposicional) de agir, do mesmo modo deve ser tambm possvel efetuar snteses

    sem ter conscincia de faz-lo. Eis por que podemos atribuir aos seres incapazes de

    pensar a capa cidad e de efetuar snteses. poss vel, porm, que, por seuresultado (a

    conexo das representaes),asntese seja relevante paraaconscincia das intuies.

    Kant entende por " sn tese " a operao (que, de resto, atribui imag inao)

    (26)

    pela

    qual discrim inam os o que dado segu ndo rela es de exterioridade e su cessividade.

    Sem a sntese, o dado mltiplo no tem a conexo que necessria para que seja

    possvel apreender um m ltiplo enquanto tal. Ora, vimos que s podem os atribuir a

    (25) No, porm , o agir intencional e imputvel, que sup e a conscincia proposicional do ato.

    (26) Cf.

    CRP,

    A 77 s. =B 1 0 3s.e B130s., que noprecisa ser interpretado como uma m udana da teoria

    da sntese, uma vez que fica preservada a distino entre a operao do entendimento (que Kant

    denomina ligao e define como a "representao da unidade sinttica do mltiplo") e a sntese

    propriamente dita, que continua a ser pensada com o um a opera o anterior

    do

    entendimento. Sobre

    este ltimo ponto, cf. tambm B 150, que trata da

    sntese figurada

    como operao da imaginao.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    23/33

    G l I I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    T| -

    1993

    conscincia (proposicional) das intuies a quem capaz de caracteriz-las A N A M TI C A

    conceptuaimente e podemos argumentar agora que essa caracterizao conceptual

    volume 1

    pressupe a possibilidade de combinar os dados de tal maneira que possamos mero 1

    discrimin-los, antes de ompar-los e distingui-los segundo conceitos. Assim, diz

    Kant em A118:

    "Esta unidade sinttica pressupe, porm, ou inclui,uma sntese e se aquela

    deve ser necessariamente a priori, ento esta deve tambm ser uma sntese a

    priori. Portan to, a unidade transcendental da apercepo relaciona-se sntese

    pura da imaginao como uma condio a priori da possibilidade de toda

    composio do mltiplo num conhecim ento."

    Podemos, ento, interpretar da seguinte maneira a afirmao inicial de que a

    "conscincia da identidade de si mesmo" tem por condio a "identidade" ou a

    "unidade da sntese das aparies segundo conceitos" (em A 108). S podemos ter

    conscincia de ns m esmos, se, de antemo, podemos dar s nossas intuies, num

    nico e o mesmo ato de sntese, a conexo que necessria para que elas possa m ser

    apreendidas

    em conjunto

    com o intuies de um nico e o mesm o sujeito. Neste

    sentido, a efetuao (ou a capacidade de efetuar snteses) apenas um a cond io

    negativa, uma

    conditio sine qua non

    (necessria, embora no suficiente) da unidade

    da apercepo. Ela diz apenas que a capacidade de se aperceber de si mesmo

    permaneceria uma potencialidade apenas virtual, uma "faculdade morta e de ns

    desconhecida no interior da m ente", (para extrapolar um a expresso que u sada por

    Kant para caracterizar uma outra),

    (27)

    se no pudssemos efetuar snteses.

    Essa explicao d um a resposta parcialque sto inicial sobreoque precisamente,

    na efetuao de snteses segundo conceitos, tom a p ossvel a unidade da apercepo.

    Ela deixa em aberto dois pontos:

    primeiro,

    naturalmente, a questo em que se baseia

    a conscincia d e si, pois m esm o que

    a

    sntese seja um a condionecessria,sem a qual

    no possvel a conscincia de si, ela no uma condio

    suficiente.

    preciso

    determinar de man eira po sitiva o que preciso para que haja conscincia de si: por

    (27) Cf.

    CRP,

    A 100. Trata-se a da imaginao.

    : 9

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    24/33

    CON SC I NC I A DE SI E CON HEC I M ENTO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC END EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    t*

    voltltiw 1

    mitiu

    1

    i

    f

    u

    1|

    t

    IC A

    assim dizer, o que o sujeito deve fazer para que possa por isso mesm o tornar-se

    consciente de si. Em segundo lugar, fica em aberto tambm a questo acerca da

    possibilidade da

    unidade objetiva

    das intuies. A funo da sntese por si s, sem o

    i

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    25/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    fy

    i

    n u mero i

    1993

    o que essa pa ssage m parece afirmar que a conform idade da sntese s categorias ANAM fTICw

    uma conseqncia do fato de que a sntese efetuada de uma maneira consciente. volume 1

    Encontramos uma formulao mais clara do mesmo argumento, na chamada

    "Exposio Definitiva" (3

    a

    Seco da Deduo). Em A 119, o entendimento e,

    portanto, os conceitos pelos quais se pensa a unidade da sntese, so apresentados

    como o fruto da relaodaapercepo com asntesedaimaginao

    (28)

    . Em A 124, Kant

    explica que, sendo a sntese em si mesma "sensvel", ela incapaz de assegurar por

    si a unida de d as intuies segundo conceitos de objetos. Para isso, preciso que ela

    seja"intelectua lizada ", o que acontece justam ente quand o a apercepo "se acrescenta"

    imaginao, e a esse "acrscimo" da apercepo ao mltiplo sintetizado pela

    imaginao que devemos o surgimento d os conceitos de objetos.

    A doutrina que emerge dessas explicaes relativamente clara. Pelo menos

    est razoavelmente claro o que Kant

    quer dizer.

    O poder de fazer snteses e a

    conscincia de si aparecem como poderes independentes mas correlacionados. do

    relacionam ento desses poderes, i.e., do fato que as snteses sejam realizada s por um

    sujeito consciente de si, que resultam duas coisas: por um lado, a possibilidade de

    apreender om ltiplodasintuies como tend oaunidade subjetiva que tm enquan to

    representaes minhas;por outro lado, a possibilidade de apreender o mltiplo das

    intuies como tendo a unidade objetiva que tm como intuies de objetos delas

    distintos. No primeiro caso, a sntese que torna possvel a unidade subjetiva das

    intuies com o representaes m inhas, pois sem a possibilidade de ligar as intuies

    entre si, a aperce po, o poder de se tornar conscien te de si me sm o, existiria de uma

    maneira a pena s virtual no sujeito. No s egun do cas o, a conscincia de si, despertada

    no sujeito pela sntese, que torna possv el pensa r o que apresentad o pelas intuies

    sintetizadas.

    (28) A unidade da apercepo em relao com a sntese da imagina o oentendimento, e precisamente a

    mesma unidade,

    relativamente sntese transcendental da imaginao,

    o

    entendimento puro.

    Portan to, esto

    contidas no entendimento cognies puras a priori, as quais contm a unidade necessria da sntese

    pura da imagina o, com respeito a todas as aparies possveis. Estas, porm, so ascategorias, isto

    , conceitos puros do entend imento" (A 119).

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    26/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO O B JE TI VO NA

    D E D U O TR A N S CEN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    a

    IC A

    vol u me 1

    n mero 1

    1993

    Essa doutrina deixa em aberto duas questes. A primeira , que j mencionam os

    acima, a questo: o que torna possvel a conscincia de si (e no apenas a auto-

    atribuio das representaes)? A segunda :por que afinal as categorias,e,com elas,

    conceitos de objetos, podem surgir do "acrscim o" da conscincia de si sntese?

    Que a primeira questo fique em aberto no parece grave para a teoria. Pois

    podemos tomaraconscincia sim plesmente com o um facto, cuja possibilidade talvez

    possa,m as em todo caso noprecisaser investigada para cum prir a tarefa da Dedu o,

    a saber, provar a conformidade das intuies a categorias. O nico cuidado que se

    precisa tero de reformular as passagens em que Kan t fala da sntese como condio

    da (identidade

    da)

    conscincia de

    si.

    Ser preciso reescre v-las n a interpretao com o

    a afirmaode que asntese acondiodaunidade das representaesnaconscincia

    de si.

    Mas a segunda questo no pode ficar em aberto, porque dela depende a

    plausibilidade da doutrina. essencial, pois, que se esclarea por que, afinal de

    contas, a "intelectualizao" da sntese, ou a subordinao das intuies sintetizadas

    a conceitos de objetos, decorreria do "acrscimo" da conscincia de si ao poder de

    efetuar snteses.

    Essa maneira de dizer (que a conscincia de si se "acr esce nta " ou se "relacion a"

    ao poder de efetuar snteses) deve manifestamente ser entendida no sentido de que

    o poder

    de

    sintetizar

    e

    as snteses efetuadas

    se

    tornam con scientes elas

    prprias.

    O que

    Kan t quer dizer ento o seguinte: quando as snteses, que em si mesmas podem ser

    efetuadas de maneira inconsciente ou impensada, passam a ser efetuadas por um

    sujeito consciente de si m esm o, elas se tomam

    ipsofacto

    conscien tes para o sujeito que

    as efetua. Mas da no decorre ainda que as categorias sejam engendradas quando o

    sujeito se torna consciente e passa a pensar as snteses que efetua - a no ser que

    estejamos dispostos a identificar as categorias a formulaes abstratas das regras de

    sntese. Mas essa identificao no lcita. Categorias so regras para a identificao

    dos

    objetos

    de nossas intuies

    (29)

    . As regras da sntese, ao contrrio, so regras para

    adiscriminao espcio-temporal das intuies.

    (29) Reg ras de identificao s o, a rigor, apenas os conceitos de objetos particu lares, que cham aramo s

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    27/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    Por isso, s poderemos dar o passo das regras de sntese para as regras

    A N A M ^ / T C

    conceituais, se pudermos su por que um sujeito consciente desij dispe de antemo volume 1

    do conceito de objeto

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    28/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    NAM l

    TI C A

    A objeo primeira alternativa que ela no explica por que as intuies

    , , sintetizadas devem ser referidas

    a

    um objeto

    rfzsmo

    do

    sujeito.

    C om efeito, admitamos

    olum e 1 , j r t '

    nmeroi que o sujeito consc iente ue si se pense a si m esm o com ouniobjeto. Dai nao se segue

    1993

    ainda que haja outros objetos (concebidos segundo o seu original "sub jetivo") aos

    quais seria precis o referir as intuies. N o de estranha r, pois, que essa alternativa

    no tenha sido explorada por Kant. A segunda alternativa exige que se reabra a

    questo quan to s condies de possibilidade d a conscincia de si. M as, se fizermos

    isso, estaremos abandonand o

    a

    suposio inicial de que podemos tom ar

    a

    conscincia

    de si como um dado que no precisa ma is ser explicado.

    Na nova verso de 1786, uma das modificaes mais salientes do argumento

    kantiano o pap el conferido aojuzo, em lu gar da sntese, na elucidao d o conceito

    da "unidade objetiva da apercepo". O ra, o juzo justamente a operao pela qual

    as intuies so subsumidas a conceitos de objetos. Minha hiptese que, no

    argumento reformulado da segunda edio, o dom nio da capacidade de julgar a

    condio, no apenas da auto-atribuio das representaes (ou da unidade das

    representaes num sujeito consciente de si mesmo), mas da prpria conscincia de

    si. Ou seja, m inha h iptese que Kant exp erim ente, na segunda edio , a terceira das

    alternativas que distinguimos mais acima.

    (32)

    2.2. Conscincia de Si e Conhecimento Objetivo na edio de 1786 (B).

    Vejamos, ento, que novidades o novo texto de 1786 contm n o que concerne

    relao entre

    a

    conscincia de

    si

    e

    a

    possibilidade

    do

    conhecimento ob jetivo. Uma das

    novidades m ais salientes, como j indicamos,o destaque dad o ao juzo na explicao

    da conscincia d a unidad e objetiva que necess ria para a conscincia d e si. N o se

    pode dizer, verdade, que a noo do juzo esteja ausente, mesmo que no seja

    mencionada pelo nome, da Deduo em A, uma vez que o resul tado da

    2 1 4

    (32)

    A

    saber,

    qu e

    a

    "unidad e da apercepo" se explique pela subsuno

    da

    sntese a conc eitos.

    V.

    acima

    p. 208.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    29/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    T J I

    intelectu aliza o" da s ntese precisamen te o juzo . O que preciso saber ag ora se

    ANA TICA

    o juzo continua a ser pensado da mesma maneira em B, ou se, ao contrrio, ele

    introduzido como uma condio da conscincia de si. nmero 1

    1993

    O novo argum ento comea com consideraes que j nos so familiares sobre

    a relao da conscincia que tem os de nossas intuies (e que muda sempre com as

    intuies) com a conscincia de si mesmo enquanto sujeito dessas intuies (e que

    permanece sempre a mesma). O que preciso explicar, ento, a identidade da

    conscincia de si, isto , o facto de que, na conscincia de cada uma de minhas

    intuies, eu me relaciono comigo m esmo enquanto o mesm o sujeito de um mltiplo

    de intuies.

    O primeiro passo paraaexplicao aconsiderao que, nosebaseando numa

    intuio intelectual de si m esm o, a conscincia de si s pode se fundar no ato que liga

    uma outra as intuies de uma mesma conscincia, ou seja, a conscincia ou a

    representao de seu ob jeto. , pois, a unidade sinttica das intuies (ou antes o ato

    que a constitui) o fundamento da identidade da conscincia de si

    (33)

    Ora, o ato que

    constitui a unidade sinttica d as intuies o juzo. P ode-se dizer, ento, que pelo

    juzo que as intuies so reduzidas unidade objetiva que necessria para a

    conscincia de si.

    Kant d ento uma form ulao muito sumria de sua teoria:

    Um juzo no outra coisa seno o modo de trazer cognies dadas unidade objetiva

    da apercepo . Tal o objetivo da cpula nos juzos, afim de distinguir a unidade

    objetiva de representaes dadas da unidad e subjetiva. Pois eladesignaa relao d essas

    representaes com a apercepo originria e sua unidade necessria.

    (34)

    A tese a provar , pois, a afirmao que o juzo exprime a unidade objetiva que

    acondiodaap ercepo. Kant fala, verdade, da

    unidade objetiva da apercepo,

    mas,

    visto que essa unidade foi apresentada como o fun dam ento (Grund)ou condio da

    (33) Cf.

    CRP,

    B 134.

    (34)

    CRP,

    B 141.

    1 5

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    30/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO O B JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    TICA apercepo/

    35

    ' a parfrase que fiz (a unida de objetiva que acondio da conscincia

    de si) admissvel. A tese , pois, dup la: que o juzo exprime a un idad e objetiva das

    1 representaes e que a unidade expressa pelo juzo a condio exigida pela

    conscincia de si.

    O argu mento em favor da primeira parte datese, em suma, qu e o juzo exprime

    aasserodaobjetividade de uma conexo de cognies dadas,oque se v claramente

    se se considera o papel da palavra

    no juzo. Embora Kant utilize a expresso

    "cpula"

    (VerMltnisiortchen),

    o contexto no deixa dvida que ele no pensa

    unicamente nos juzos predicativos. Com efeito, Kant comea o # 19 sobre o juzo

    criticando precisamente a definio tradicional que s leva em conta os juzos

    categricos. Convm, pois, compreender o verbo no sentido, no da relao

    predicado-sujeito, mas no sentido de um op erador (" verdade que ") que transforma

    conexes de representaes (no caso, proposies) em asseres.

    O argumento para a segunda parte da tese a considerao que a palavra (o

    operador) serve para distinguir a unidade objetiva das representaes dadas de

    sua unidade subjetiva. Mas o que que isso quer dizer exatamente? Poderamos

    pensar que Kant qu eria dizer que as expresses "objetivo " e "subjet ivo" so termos

    correlatos e que, por conseguinte, no se pod e compreender um sem compreender o

    outro. As sim , a afirma o da unidade o bjetiva da s representaes s seria possvel se

    sepudesse contrastaraunidade objetiva com aunidade subjetiva das represen taes.

    Apen as, como se poderia falar da unida de s ubjetiva das representaes sem se referir

    conscincia que temos delas enquanto representaes nossas? A referncia

    unidade subjetiva

    das

    representaes por op osio objetiva supe , pois,

    a

    conscincia

    de si. Ora, a questo colocada era precisamente a questo sobre a condio dessa

    conscincia. Portanto, estaramos a andar em crculo se quisssemos explicar a

    possibilidade da conscincia da un idade subjetiva pelo contraste com a conscincia

    da unidade objetiva.

    (35) Cf.

    CRP,

    B 134.

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    31/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    Se o juzo perm ite efetivamente exp licar a identidad e da conscincia de si,como ANAvy TiC/

    afirma Kan t, a noo de juzo no pode pressupor, mas deve ter como conseqncia a

    volume 1

    distino entre o subjetivo e o objetivo. Ou por outras, a noo de juzo no pode nmero 1

    depender da noo da conscinciadesi, ma s deve exp licar, ao contrrio, como agente

    pode vir a se aperceber de si mesm o pelo simp les fato de

    ser

    capaz de julgar. Vejam os,

    ento, o que se pode fazer nesse sentido.

    Se a anlise proposta por Kant

    correta, poderam os dizer que a forma

    do

    juzo

    : " verdade quep ,ondepdesigna um a proposio (Kant diria: uma "conexo de

    cognies" ou de "representaes"). Mas o queooperador

    verdade qu e" exprime,

    como vimos, p recisamenteapretenso de que uma proposio seja verda deira. O ra,

    visto que essa afirmao pode ser negada e m ostrar-se injustificada, torna-se possvel

    fazer uma distino entre o verdadeiro e o falso e neste momento apenas que se

    poder fazeradistino entre oqueera con sidera do verdad eiro, mas se revelou falso,

    deum lado,e oque foi dito verdad eiro e se confirmo u como efetivamen te verd adeiro,

    de outro lado - e isso quer dizer: a distino entre o real e o aparente. E s ento,

    enfim, que se poder fazer a distino entre o que realmente v erda deiro(objetivo)e

    o que apenas parece ser, a

    mim,

    verdadeiro

    (subjetivo).

    Ora, a partir

    do

    mom ento em que nos tornamos capazes de distinguir a unidade

    objetiva das representaes (a ttulo de representaes

    de um objeto

    ) da unidade

    subjetiva das representaes (a ttulo de representaes em mim), tambm nos

    tornamos capazes de fazer duas outras coisas: uma exprimir a conscincia da

    unidade subjetiva das representaes (e isso quer dizer a conscincia emprica) por

    meio de juzos apropriados, aqueles precisamente que Kant denominou juzos de

    percepo.

    {36)

    A outrareferir-sea simesmo comoosujeito que est de agora em diante

    consciente da unidade subjetiva das representaes expressas em um juzo, e isso

    quer dizer a conscincia de si que est presente em toda conscincia emprica. Em

    suma, o poder de julgar que Kant explica pelo poder de empregar o operador

    c

    (36) O termo no se encontra, verdade, na passagem interpretada, mas est implcito a. Cf. as duas / g V

    ltimas frases do # 19. m J L

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    32/33

    CON SC I NC I A D E SI E CON HEC IM EN TO OB JE TI VO NA

    D E D U O T R A N SC EN D EN T A L D A C R T I C A D A R A Z O P U R A

    \ HTIC A

    assertrico:

    ,

    ou " verdade qu e", confere tambm ao indivduo que dispe dele

    oiumei P

    o c

    ie rdeexprimiro queele percebe p or oposio ao qu e ele afirma ser verdadeiro/

    37

    '

    mero i e com isso o poder de se referir a si me sm o como aquele que julga, num a palavra, o

    1993

    poder de empregar a palavra "eu ".

    A interpretao que dei baseia-se na suposio que possvel julgar sem se

    referir a si mesmo como o auto r do juzo, logo sem estar co nsciente de julgar. Tentei

    explic-lo mostrando: (1) que o ato de julgar pode se explicar pelo emprego do

    operador " verdade que",e(2) quearefernciaasi mesm os constitutiva dos juzo s

    de percepo,isto ,dos juzos que exprimem aunidade subjetiva das representaes

    e que derivam da negao dos juzos objetivos. Mas ser verdade que podemos fazer

    juzos sem estar conscientes disso?

    Imag ino que se poderiam fazer du as objees. A primeira uma constatao

    textual: ocorre a Kant dizer, com o na passag em m esma que come ntei, que o juzo traz

    as intuies identidade da apercepo e unidade objetiva. A outra uma

    considerao sobre

    a

    coisa mesm a: h muitas coisas que no podem os fazer sem sab er

    que estam os fazendo (no sentido p roposicional de sab er, est claro, no no sentido da

    conscincia imediata), por exem plo os comprom issos e as aes de que podemos ser

    responsabilizados. Por que o juzo no pertenceria a esse gnero de coisas?

    Respondo primeiro a questo temtica, considerando to somente como seria

    preciso representar a forma do juzo, se a conscincia de si fosse por hiptese uma

    cond io d e julgar. Seria preciso, ento, incluir a expre sso da conscincia

    de

    julgar

    na exp resso do prprio juzo , o que nos levaria a um a expre sso d a seguinte form a:

    "Julgo que verdadeiro que p , ou mais simplesmente: "Julgo que p . Mas isso

    acarreta a dificuldade que dizer que eu julgo no eqivale a julgar. Em outras

    palavras, no chego a julgaraodizer que julgo que a lgo ocaso.Co m efeito, seeudigo:

    "Julgo quep ,ou bem limito-me a exprimir uma opinio (e no um juzo no sentido

    da a ssero de uma verdade) - e um outro ato que realizo ao dizer que julgo, ou bem

    2 1 8

    (37)

    Esse poder

    pode, por sua vez, ser

    analisado como

    o

    poder de emp regar um nov o operador: "par ece

    que".

  • 7/21/2019 Guido-Antonio-de-Almeida-Consciencia-de-Si-e-Conhecimento-Objetivo.pdf

    33/33

    G U I D O A N T N I O D E A L M EI D A

    exprim o a conscincia reflexiva (propo sicional) de ju lg ar -e o

    que eu

    quero dizer ento A Na

    ^ / t IC ;

    que eu sei que estou julgando (e no que verdade que

    p ).

    volume 1

    No que concerne

    objeo textual, penso que possvel afast-la considerando

    que verd ade, em certo sentido, que o juzo traz as intuies conscincia de si, mas

    issodamaneira precisamente pela qual reconstrumos o argum ento kantiano,asaber,

    como um a conseqncia do ato de julgar, e no como um a condio prvia.

    n u mero

    1993