11
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 GUILHERME FONTAINHA (1887-1970): PROTETOR DOS PIANOS ESSENFELDER Nathalia Lange Hartwig* 1 [email protected] Álvaro Carlini 2 [email protected] Resumo: Este artigo avalia a colaboração do pianista e pedagogo musical Guilherme Fontainha no desenvolvimento e apresentação dos pianos Essenfelder desde a Exposição Internacional de Turim, em 1911, até a consagração do piano “orquestral” nas instituições musicais brasileiras. Este artigo realiza breve biografia do pianista, seguido por um levantamento histórico da Fábrica de Pianos Essenfelder no período de 1890 a 1911 e conclui com a relação de Guilherme Fontainha com os pianos Essenfelder, destacando a sua colaboração para o desenvolvimento desses instrumentos, para a sua aceitação em um mercado que priorizava marcas estrangeiras e, consequentemente, a sua colaboração com a indústria brasileira de pianos. Palavras-chave: Guilherme Fontainha; Essenfelder; Pianos brasileiros. Abstract: The aim of this work is to examine how the pianist and music educator Guilherme Fontainha collaborated with the development of Essenfelder pianos, since the Turin International Exhibition in 1911, until the acclaim of the Concert Grand Piano by Brazilian musical institutions. This text gives a brief biography about Guilherme Fontainha, followed by a historical survey on Essenfelder pianos factory from 1890 to 1911 and concludes with Fontainha's relationship with Essenfelder pianos, highlighting its contribution to the development of this instrument, its acceptance in a market that preferred foreign brand and, consequently, his collaboration with the Brazilian piano industry. Keywords: Guilherme Fontainha; Essenfelder; Brazilian pianos. CONSIDERAÇÕES SOBRE A BIOGRAFIA DE GUILHERME FONTAINHA (1887-1970) No final do século XIX, começaram duas histórias que vieram a se encontrar. Em 1887, nasceu Guilherme Fontainha e três anos depois, com a construção do primeiro piano, iniciou- se a Fábrica de Pianos Essenfelder. Ao longo do século XX, essas histórias se entrecruzaram, contribuindo para o desenvolvimento de uma indústria nacional de pianos. O pedagogo 1 Graduanda de Bacharelado em Produção Sonora na Universidade Federal do Paraná. Integrante do Grupo de Pesquisa CNPQ/UFPR “Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e sociedade”, liderado pelo Prof. Dr. Álvaro Carlini. 2 Professor adjunto no Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (DeArtes-UFPR). Líder do Grupo de Pesquisa CNPq denominado "Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e sociedade", na linha de pesquisa intitulada "Musicologia Histórica: entidades civis vinculadas à Música no Paraná, século XX".

GUILHERME FONTAINHA (1887-1970): PROTETOR DOS … · de Guilherme Fontainha com a inserção dos pianos Essenfelder nas ... a Fábrica de Pianos Essenfelder começou a sua história

  • Upload
    builien

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

GUILHERME FONTAINHA (1887-1970): PROTETOR DOS PIANOS ESSENFELDER Nathalia Lange Hartwig*1

[email protected] Álvaro Carlini 2

[email protected]

Resumo: Este artigo avalia a colaboração do pianista e pedagogo musical Guilherme Fontainha no desenvolvimento e apresentação dos pianos Essenfelder desde a Exposição Internacional de Turim, em 1911, até a consagração do piano “orquestral” nas instituições musicais brasileiras. Este artigo realiza breve biografia do pianista, seguido por um levantamento histórico da Fábrica de Pianos Essenfelder no período de 1890 a 1911 e conclui com a relação de Guilherme Fontainha com os pianos Essenfelder, destacando a sua colaboração para o desenvolvimento desses instrumentos, para a sua aceitação em um mercado que priorizava marcas estrangeiras e, consequentemente, a sua colaboração com a indústria brasileira de pianos. Palavras-chave: Guilherme Fontainha; Essenfelder; Pianos brasileiros. Abstract: The aim of this work is to examine how the pianist and music educator Guilherme Fontainha collaborated with the development of Essenfelder pianos, since the Turin International Exhibition in 1911, until the acclaim of the Concert Grand Piano by Brazilian musical institutions. This text gives a brief biography about Guilherme Fontainha, followed by a historical survey on Essenfelder pianos factory from 1890 to 1911 and concludes with Fontainha's relationship with Essenfelder pianos, highlighting its contribution to the development of this instrument, its acceptance in a market that preferred foreign brand and, consequently, his collaboration with the Brazilian piano industry. Keywords: Guilherme Fontainha; Essenfelder; Brazilian pianos.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A BIOGRAFIA DE GUILHERME FONTAINHA (1887-1970)

No final do século XIX, começaram duas histórias que vieram a se encontrar. Em 1887,

nasceu Guilherme Fontainha e três anos depois, com a construção do primeiro piano, iniciou-

se a Fábrica de Pianos Essenfelder. Ao longo do século XX, essas histórias se entrecruzaram,

contribuindo para o desenvolvimento de uma indústria nacional de pianos. O pedagogo

1 Graduanda de Bacharelado em Produção Sonora na Universidade Federal do Paraná. Integrante do Grupo de

Pesquisa CNPQ/UFPR “Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e sociedade”, liderado pelo Prof. Dr. Álvaro Carlini. 2 Professor adjunto no Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (DeArtes-UFPR). Líder do Grupo

de Pesquisa CNPq denominado "Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e sociedade", na linha de pesquisa intitulada "Musicologia Histórica: entidades civis vinculadas à Música no Paraná, século XX".

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 Guilherme Fontainha foi figura fundamental para esse desenvolvimento, assim como para o

ensino desse instrumento no Brasil. Nasceu no estado de Minas Gerais, em Juiz de Fora, no dia

25 de junho de 1887. Estudou piano no Instituto Nacional de Música e especializou-se

posteriormente na Europa. Na Alemanha, foi aluno do pianista português Vianna da Motta

(1868-1948), e de ex-alunos do pianista italiano Ferrucio Busoni (1866-1924)3. Já em Paris,

Fontainha estudou com o pianista Ferdinand Motte Lacroix4 (1882-1955). Ainda na Europa,

apresentou-se em vários recitais em Berlim, Turim e Lisboa. Foi em 1911, quando estava na

etapa final de seus estudos na Europa, que conheceu Frederico Essenfelder e teve seu

primeiro contato com os pianos Essenfelder.

Em 1916, de volta ao Brasil, instalou-se na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio

Grande do Sul, onde nesse mesmo ano, assumiu as funções de professor de piano e diretor do

Conservatório de Músicade Porto Alegre. Fontainha, juntamente com José Corsi5, elaborou um

projeto de interiorização da cultura artística, projeto que pretendia a criação de um

movimento musical autônomo no Rio Grande do Sul. Isso se daria mediante o

“estabelecimento de uma rede de centros culturais que permitisse a circulação permanente de

artistas nacionais e internacionais, além de promover a educação musical da juventude”

(CALDAS, 1992, p. 17). Com isso, Fontainha fundou conservatórios em várias cidades gaúchas

como, por exemplo, Pelotas, Rio Grande, Uruguaiana e Bagé. Considerando a formação

musical de Fontainha, é possível afirmar que esse foi um “projeto modernista no sul do país”

(NOGUEIRA, 2005, p. 19). Em 1919, teve um segundo contato com os pianos Essenfelder,

inclusive, encomendando um para uso particular. Guilherme Fontainha permaneceu em Porto

Alegre de 1916 a 1924, quando retornou ao Rio de Janeiro como professor de piano do

Instituto Nacional de Música.

Em 1931, após o falecimento do então diretor José Gallet, Fontainha foi nomeado

diretor do Instituto Nacional de Música. Projetos de mudança já vinham sendo pensados desde

a gestão de Gallet, mas foi durante a administração de Fontainha que esses planos de reforma

foram executados.

3 Além de professor e pianista, Busoni era compositor e maestro. “Ao mesmo tempo em que ele é considerado um

pensador visionário, que previu o emprego de instrumentos eletrônicos, lutou pela expansão da linguagem tonal e pela inclusão de procedimentos microtonais, ele tem sido visto por muitos críticos como sendo um artista conservador, cujas obras parecem contradizer tais ideias inovadoras” (SCHITTENHELM, 1997). O ideal de Busoni pode ter influenciado Guilherme Fontainha na elaboração de um projeto modernista. 4 Motte-Lacroix pode ser considerado um típico representante da escola pianística francesa, estudou na mesma

classe de Maurice Ravel (1875-1937) e Ricardo Viñes (1875-1943). Lecionou na Schola Cantorum (a partir dos anos de 1910), no Conservatório de Strasbourg (da década de 1920 em diante) e na École Normale de Musique (nos anos de 1930) (CORVISIER, 2011). 5 Bandolinista húngaro que fundou em 1913 o Instituto Musicalde Porto Alegre. Foi também presidente do Centro

Musical Porto-Alegrense e inspetor e organizador da Banda Municipal de Porto Alegre (CERQUEIRA, 2008, p. 7).

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

Partidário convicto da necessidade de reforma como meio de integrar o INM ao sistema universitário, Fontainha logrará implementá-la gradualmente durante a sua gestão, efetivando a integração do INM à recém-criada Universidade do Brasil em 1937 (MARCONDES et al., in NOGUEIRA, 2005, p. 21).

O cargo de diretor do Instituto Nacional de Música foi fundamental para a colaboração

de Guilherme Fontainha com a inserção dos pianos Essenfelder nas instituições musicais

brasileiras.

Em 1934, Fontainha criaria a Revista Brasileira de Música, o primeiro periódico de

musicologia no Brasil. A sua criação foi resultado dessa reforma que vinha acontecendo e da

implementação do Instituto Nacional de Música à Universidade do Brasil. Um dos motivos

apontados por Fontainha era que “faltava ao INM um órgão de publicação onde o aluno

pudesse acompanhar todos os passos do progresso musical” 6. A sua gestão frente a essa

instituição foi até 1937. Nas décadas seguintes, continuou lecionando piano e seguiu

colaborando com reformas acadêmicas e administrativas no INM, escrevendo artigos e obras

de orientação a docentes e estudantes. Guilherme Fontainha escreveu O Ensino do piano em

1956 e A criança e o piano em 1968. Faleceu no Rio de Janeiro em 1970.

FÁBRICA DE PIANOS ESSENFELDER: DA FUNDAÇÃO À EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE TURIM

Apesar de ter se consolidado em solo paranaense, a Fábrica de Pianos Essenfelder

começou a sua história na cidade de Buenos Aires, Argentina. Florian Essenfelder, o fundador

da fábrica, juntamente com sua família, deixou a Alemanha rumo a América do Sul. O motivo

por ter escolhido a cidade de Buenos Aires era um emprego garantido na empresa Drangosch,

representante da empresa Bechstein7 (MELLO, 1987, p. 8).

Um ano depois, em 1890, Florian resolveu deixar o emprego e se dedicar à construção

do seu primeiro piano. Esse ano tornou-se marco referencial para a criação da Fábrica de

Pianos Essenfelder8. Carvalho Neto (1992, p. 56), define esse começo “de maneira familiar e

doméstica, possuindo característica artesanal, ensinando e treinando seu pessoal através do

sistema de corporação – mestre-aprendiz – pelo qual fora treinado na Alemanha”. Os

resultados começaram a aparecer. Em 1898, levou o seu primeiro piano de cauda para a

6 Trecho retirado do site <URLhttp://www.docpro.com.br/escolademusica/DetalhesAcervo5.html>. Acesso em: 22

abr. 2012. 7 Florian Essenfelder trabalhou, aproximadamente, dez anos na fábrica de pianos alemã Bechstein, ocupando o

cargo de mestre de instrumentos musicais. 8BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS. Trabalho, técnica e arte: Pianos Essenfelder. Curitiba:

Fundação Cultural de Curitiba, v. 22, n. 103, mar. 1995. p. 9.

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 Exposição Nacional da Argentina, ganhando então o Grand Prix de Buenos Aires. Mas a falta de

capital e de matéria prima era um problema naquela cidade. Por esse motivo, Florian

Essenfelder, movido pela promessa de um capitalista, mudou a sua fábrica de local.

Em 1902, Florian desembarcou na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, com

sua família, com os materiais da fábrica e com dois operários. Mas logo descobriu que as coisas

não eram como o imaginado. O sócio capitalista não apareceu e os dois operários o

abandonaram. Mesmo assim ele começou a fabricação de pianos.

Em dois anos de permanência no Rio Grande do Sul, construiu quatro pianos de

cauda e iniciou a construção de mais três, que não foram concluídos por terem sido

penhorados pelo senhorio da casa, juntamente com todo o material aos mesmos

destinado, por alugueres atrasados (ESSENFELDER, Frederico, 1950).

Sem o retorno esperado, e com a produção de pianos comprometida pelas dívidas,

Florian resolveu tentar outra cidade. Conforme diz Carvalho Neto (1992, p. 91), “uma vez que

na cidade de Rio Grande não conseguira obter tal objetivo (capital para investir), talvez

pudesse encontrar em Pelotas a chance de finalmente estabelecer-se, com a ajuda de capitais

locais”. Em janeiro de 1904, Florian e a sua família desembarcam em Pelotas.

A fábrica de pianos que havia sido transportada por iate até Pelotas, constituía-se de

alguns instrumentos e máquinas adaptadas por Florian, juntamente com alguma

matéria prima, visto que a maior parte havia sido penhorada em Rio Grande para

acerto de dívidas. Desta forma, a fábrica contava muito mais com a capacidade e

criatividade do empresário do que condições materiais (CARVALHO NETO, 1992, p.

92).

Mesmo com a dificuldade de achar a madeira ideal, a fábrica produziu cerca de vinte

pianos (MELLO, 1987, p. 12) no período em que permaneceu em Pelotas.

Foi a partir daí “que começou a aprendizagem dura e eficiente dos filhos, entrando

Floriano Helmuth e Frederico definitivamente para a oficina. O primeiro contava 15 anos; o

segundo, 14” (MELLO, 1987, p. 12). Essa data tornou-se importante, já que anos mais tarde,

Frederico ajudou o pai a construir o piano que foi enviado para a Exposição na Itália, onde

conheceu Guilherme Fontainha. Sobre esse aprendizado Frederico Essenfelder conta que,

Dirigidos por meu Pai, que era o nosso mestre, executávamos os trabalhos auxiliados

por um operário estranho. As centenas de peças que compõem um piano eram

serradas e trabalhadas à mão em suas mais variadas dimensões e formas. Essa

rigorosa aprendizagem muito nos valeu mais tarde, quando fomos solicitados a

construir pianos (ESSENFELDER, Frederico, 1950).

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

Quatro anos mais tarde, Florian inscreveu um de seus pianos para concorrer na

Exposição Nacional de 1908, em Comemoração ao 1º Centenário da Abertura dos Portos do

Brasil ao Comércio Internacional, efetuada no Rio de Janeiro. O seu piano ganhou medalha de

ouro (CARVALHO NETO, 1992).

Figura 1 – Certificado da Medalha de Ouro obtida na Exposição Nacional de 1908. Fonte: Acervo Essenfelder – IHGPr.

Entretanto, a situação em que se encontrava a fábrica não era a ideal. Mesmo com o

reconhecimento da qualidade dos pianos Essenfelder, os investidores locais não se

interessaram pelo negócio. Com isso, a única saída possível era procurar outra localidade.

Buscando melhores condições de trabalho e matéria prima de qualidade, Florian Essenfelder

ficou sabendo da abundância de madeiras nobres no Paraná. Estimulado por um amigo da

família chamado A. Concentius9, resolveu visitar Curitiba.

Primeiramente, Florian viajou para a capital do Paraná sozinho, deixando seus filhos

cuidando da oficina de pianos em Pelotas. Em Curitiba o “primeiro amparo foi dado por Will

Kröhne que, por sua vez, lhe apresentou Alberto Wilsing. Este animou o nobre paranaense

9 A. Concentius residia em Pelotas e trabalhava como viajante representante da firma Neugebauer, de Porto Alegre.

Devido ao seu trabalho ele já havia conhecido Curitiba (CARVALHO NETO, 1992, p. 97).

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 Bertholdo Hauer a investir capital na fábrica de pianos que se iniciava” (MELLO, 1987, p. 30).

Com a ajuda de Will Kröhne, Florian conseguiu uma serraria então instalada na Avenida

Graciosa (atual João Gualberto), cujo terreno poderia perfeitamente abrigar uma fábrica de

pianos. Logo Florian tratou de mandar chamar seu filho Frederico,

Atendendo o sinal favorável de nosso Pai, em poucos dias tudo estava pronto para o

embarque. Por ordem dele, fui o primeiro a embarcar, acompanhando uma parte da

fábrica de pianos, com destino a Paranaguá, onde desembarquei a 7 de julho de

1909 (ESSENFELDER, Frederico, 1950).

Frederico veio primeiro para providenciar as instalações para os demais irmãos. “Este

chegou quando a empresa ainda estava sendo organizada”.

Em 1911, a Firma F. Essenfelder & Cia. começava a tomar forma, sendo integrada por

Florian Essenfelder Sênior, Bertholdo Hauer e Alberto Wilsing (FRANCOSI, p. 30). Acredita-se

que no decorrer desse mesmo ano os irmãos Floriano, Carlota, Carlos, Ernesto e Margarida

vieram para Curitiba. Ainda segundo Francosi, neste mesmo ano, Frederico começou a ajudar

o seu pai na fabricação de um piano destinado à Exposição Internacional de Turim, na Itália, o

qual acabou por conquistar o maior prêmio do júri, a Medalha de Ouro. Além da premiação, a

fábrica ganhou um amigo e conselheiro, que mais tarde foi considerado um protetor dos

pianos Essenfelder, o professor e pianista, Guilherme Fontainha.

E assim começou a trajetória de uma Indústria de Pianos que permaneceu em

território paranaense até o seu fechamento, no final dos anos 1990.

Apesar de classificada como “fábrica”, por diversos autores, como muitas outras

empresas, podia ser nela encontrada características de uma indústria “caseira” ou

“doméstica”, de cunho “familiar” ou mesmo com aspecto de uma “corporação

artesanal” (CARVALHO NETO, 1992).

GUILHERME FONTAINHA E OS PIANOS ESSENFELDER

Foi em Turim, na Itália, que ocorreu o primeiro encontro do pianista Guilherme

Fontainha com um piano Essenfelder. Nessa ocasião, o jovem Frederico Essenfelder, estava na

Exposição com o primeiro piano de cauda construído no Paraná.

Em 1911, Fontainha terminava seus estudos nos conservatórios de Paris e Berlim, e na

Exposição teve seu primeiro contato com o piano fabricado no Brasil. Inaugurou “um belo

pavilhão brasileiro, destinado a essas solenidades, em memorável concerto, tocando no piano

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 Essenfelder”. Na época foi um acontecimento de grande repercussão, já que, “era um

brasileiro que tocava num instrumento construído no seu país” (MELLO, 1987, p. 34). O piano

Essenfelder conquistou a “Medalha de Ouro”, conferida aos seus fabricantes pelo júri

internacional presente no evento.

Figura 2 – Certificado da Medalha de Ouro obtida na Exposição Internacional de Turim em 1911. Fonte: Acervo Essenfelder – IHGPr.

A partir daí, começou uma amizade entre Frederico Essenfelder e Guilherme

Fontainha. Mello (1987, p. 43) comenta que “essa amizade desenvolveu-se sempre no sentido

construtivo, influenciando positivamente o trabalho dos irmãos Essenfelder, cujo ideal era

chegar à perfeição do piano Bechstein ou Steinway”.

O segundo encontro ocorreu em 1919, quando Fontainha ocupava a direção do

Conservatório de Música de Porto Alegre. O pianista pediu que lhe construíssem um piano de

concertos, que fosse denominado “orquestral”. Frederico Essenfelder relata que “fez-nos

sugestões sobre a construção, pois seus conhecimentos do instrumento eram vastos. Falou do

volume, do som e do timbre. Conhecia minuciosamente o mecanismo todo do piano e as suas

sugestões nos foram valiosíssimas” (MELLO, 1987, p. 35).

A inauguração desse piano ocorreu cinco anos depois no Salão Leopoldo Miguéz,

localizado no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. O piano “orquestral” media

2,75m de comprimento. A inauguração se deu com a apresentação de dois concertos

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 realizados pela pianista soviética Luba D’Alexandrowska10. No Jornal Diário da Tarde, do dia 25

de outubro de 1924, foi publicado um atestado do então diretor do Instituto Nacional de

Música, Alfredo Fertin de Vasconcellos,

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1924. Srs. F. Essenfelder & Cia. Tendo a distincta pianista Sra. Luba d’Alexandrowska realizado neste Instituto dois concertos em que executou num grande piano de cauda da nossa fábrica no Paraná, tive ensejo de verificar o quanto se acha adiantado esse ramo da indústria nacional, que pode apresentar, pelo seu perfeito acabamento, um producto que nada fica a dever ao que nos vem do estrangeiro, o que muito nos honra. Tenho muita satisfação em manifestar a magnífica impressão que tive a apresentar-vos os meus protestos de alta estima e consideração (MELLO, 1987, p. 46).

Figura 3 – A pianista Luba d’Alexandrowska no concerto realizado no Instituto Nacional de Música em 1924. Fonte: MELLO, 1987, p. 47.

Foi a primeira vez que um piano nacional foi tocado naquele salão. Lá, encontravam-se

as marcas mais famosas de pianos: Steinway, Bechstein, Bluethnere Ehrard, todas estrangeiras.

Logo após o concerto, o piano seguiu para a residência do pianista Guilherme Fontainha, onde,

na presença de familiares e amigos continuou a propagar as qualidades da marca Essenfelder.

Em 1931, Fontainha assumiu a direção do Instituto Nacional de Música e sugeriu a

compra de um piano Essenfelder. Este não deveria exceder 1,75 m. “Pediu sonoridade

brilhante, a máxima perfeição no teclado, pois sabia serem os professores muito exigentes.

10

Luba d’Alexandrowska dava concertos no Brasil e na Europa utilizando somente pianos Essenfelder.

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 Além disso, o piano deveria ser submetido à prova de durabilidade” (MELLO, 1987, p. 36). O

piano foi aprovado e passou a dividir as salas de aula com as marcas famosas. Com a ajuda de

Fontainha, aos poucos, os professores e artistas foram substituindo os pianos estrangeiros

pelos pianos paranaenses.

Mais tarde, o Instituto Nacional de Música manifestou a vontade de adquirir mais um

piano para a sala de concertos. Frederico Essenfelder relata:

Era chegada a oportunidade, já tão esperada, para alcançar mais esta conquista. Cheguei na véspera da reunião do Conselho, que tinha a incumbência de decidir a compra. Já estavam de posse das diversas propostas encaminhadas pelos representantes das mais afamadas marcas estrangeiras. Na proposta que apresentei, punha-me à disposição dos membros do Conselho para, em reunião, dar todas as informações técnicas que desejassem sobre a construção do nosso piano (MELLO, 1987, p. 37).

O piano Essenfelder não foi aceito, pois o Conselho decidiu comprar um Steinway,

alegando que o instrumento tinha que ser de uma marca internacionalmente conhecida. Em

contrapartida, Fontainha sugeriu ao Conselho que fossem adquiridos dois pianos, um Steinway

e um Essenfelder. A sugestão foi aceita. Sem dúvidas, o Instituto representava o grande centro

musical do país e a venda de um piano representou uma grande projeção da marca no Brasil e

fora dele.

Em 18 de janeiro de 1935, Guilherme Fontainha escreveu uma carta elogiando os

pianos à direção de F. Essenfelder & Cia.:

Senhores. A fim de servir no Salão Leopoldo Miguéz, desse Instituto, adquiri, como levei a saber, por intermédio dos vossos dignos representantes nesta Capital, os snrs. Carlos Wehrs & Cia., um piano de grande cauda, de vossa fabricação, que nada deixa a desejar em confronto com os fabricados nos grandes centros europeus e nos Estados Unidos da América do Norte. Se, de há muito, nenhuma dúvida pairava no meu espírito, sobre os produtos de vossa fábrica, mesmo porque sou possuidor, desde o meu regresso da Europa, de um instrumento daquela natureza, de cauda inteira, como o acima referido, feito em vossas oficinas e que até hoje, resistindo francamente ao que dele é exigido, se conserva em perfeito estado, agora mais do que nunca a minha convicção tomou maiores proporções, sentindo-me feliz, como brasileiro, de poder o nosso paiz, sem favor, disputar a logar que lhe compete no ponto de vista em apreço. De grande sonoridade, harmonioso, de tocar suave, não exigindo do pianista nenhum esforço na execução das peças mais transcendentes, o piano adquirido para o Instituto Nacional de Música, que tenho a honra de dirigir, prova de modo absoluto a excellência de vossa fabricação, o que equivale a dizer-me da superioridade de vossa fábrica, em bôa hora fundada neste bellopaiz, tão fácil de ser amado pelo estrangeiro como pelos próprios filhos. Aceitae, pois, calorosas felicitações pelo vosso incontestado triunfo e a segurança do meu alto apreço e distinguida consideração (MELLO, 1987, p. 44).

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616

Com esse reconhecimento e apoio, abriram-se muitas portas em outras instituições

musicais do Brasil.

No dia 1º de fevereiro de 1957, Guilherme Fontainha esteve em Curitiba e visitou a

Fábrica de Pianos Essenfelder. A sua vinda tornou-se um grande evento e a oportunidade de

agradecer todo o auxílio por ele dedicado durante tantos anos. Mello (1987, p. 34) observa

que,

da mesma forma como o Bechstein teve Franz Liszt e o diretor da Orquestra Filarmônica de Berlim, Hans von Buelow, o Essenfelder teve ao seu lado, durante muitos anos, como amigos dedicados e orientadores, entre muitos excelentes pianistas e professores, os destacados e exímios artistas Guilherme Fontainha e Luba d’Alexandrowska.

O apoio de Guilherme Fontainha fez com que os pianos Essenfelder se tornassem

nacionalmente conhecidos e respeitados.

Considerando tudo isso, Mello (1987, p. 35) afirma que “com o prestígio de seu nome

e o concurso de suas relações nos meios artísticos do Brasil” somados ao seu talento que,

“espontaneamente vieram a se colocar ao lado da indústria brasileira de pianos”, Guilherme

Fontainha se tornou um protetor dos pianos Essenfelder.

REFERÊNCIAS

ACERVO ICONOGRÁFICO DO IHGPr – Referência: Essenfelder. Consultado em: out. 2011.

BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS. Trabalho, técnica e arte: Pianos Essenfelder. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v. 22, n. 103, mar. 1995.

CALDAS, Pedro Henrique. História do Conservatório de Música de Pelotas. Pelotas: Semeador, 1992.

CARVALHO NETO, J. B. P. Floriano Essenfelder: A trajetória de um empresário. 332 f. Dissertação (Mestrado em História) - Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1992.

CERQUEIRA, F. V. et al. O Centro de Documentação Musical da UFPel no horizonte da multidisciplinaridade: articulações entre musicologia histórica, gestão patrimonial e memória institucional. São Paulo, 2008.

CORVISIER, F, M. A trajetória musical de Antônio Leal de Sá Pereira. Revista do Conservatório de Música da UFPel, n. 4, p. 162-193, Pelotas, 2011.

ESSENFELDER, Frederico. História dos pianos Essenfelder (1890-1950). Separata de: Revista Divulgação, Curitiba, out.-nov. 1950.

FRANCOSI, E. Essenfelder, saga de uma família e de uma fábrica. Revista Indústria, n. 73/90, p. 23-34.

Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte.

Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 GALERIA DE EX-DIRETORES UFRJ. Rio de Janeiro. Disponível em: <URLhttp://www.musica.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=132&Itemid=152>. Acesso em: 22 abr. 2012.

LUCAS, M. E. História e patrimônio de uma instituição musical: um projeto modernista no sul do Brasil?. In: NOGUEIRA, I. (Org.). História Iconográfica do Conservatório de Música da UFPel. Porto Alegre: Pallotti, 2005, p. 18-23.

MELLO, E. E. C. A História dos Pianos Essenfelder. 3. ed. Curitiba: 1987.

NOGUEIRA, I. Antônio Leal de Sá Pereira: Um modernista em terras gaúchas. In: ANPPOM (Rio de Janeiro, 2005). p. 811-818.

NOGUEIRA, I. (Org.). História Iconográfica do Conservatório de Música da UFPel. Porto Alegre: Pallotti, 2005.

NOGUEIRA, I. et al. A música se faz porque é a vida: trajetórias de vida de mulheres musicistas e a relação com o Conservatório de Música de Pelotas – RS. MÉTIS: história & cultura, v. 6, n. 12, p. 239-258, Caxias do Sul, 2007.

PERIÓDICOS. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.docpro.com.br/escolademusica/ DetalhesAcervo5.html>. Acesso em: 22 abr. 2012.

SCHITTENHELM, V. A perigosa questão da música moderna na controvérsia entre Busoni e Pfitzner. Revista Eletrônica de Musicologia, v. 2, Curitiba, 1997.