Gustavo Guilherme Arrais (1)

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  • 7/23/2019 Gustavo Guilherme Arrais (1)

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Gustavo Guilherme Arrais

    Do marco interruptivo final (dies ad quem) do prazo prescricional para a cobrana docrdito tributrio em execuo fiscal.

    MESTRADO EM DIREITO TRIBUTRIO

    SO PAULO

    2014

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    Gustavo Guilherme Arrais

    MESTRADO EM DIREITO TRIBUTRIO

    Dissertao apresentada BancaExaminadora da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, como exigncia

    parcial para obteno do ttulo deMESTRE em Direito Tributrio, sob aorientao do(a) Prof.(a), Dr.(a) Fabiana del Padre Tom.

    SO PAULO

    2014

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    Banca Examinadora

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    AGRADECIMENTO

    Dedico este trabalho ao Seu Z, meu av, modelo de homem, profissional, chefe de

    famlia, responsvel pela formao de toda minha base, minha famlia. Dedico tambma minha me, aos meus irmos, Henrique e Lucas fontes de inspirao, dedicao emotivao para chegar at aqui. Agradeo ao meu pai, meus tios, Jnior e Rogrio queme deram o suporte e o exemplo em todos os momentos. Agradeo aos meus amigos's

    pela compreenso quando tive de me ausentar para conseguir concluir esta jornada, eem especial Luana que sem a ajuda de todas as horas este trabalho jamais sairia.

    Natlia, obrigado pela parceria incondicional. Finalizo com um agradecimento especialaos mestres que tanto me ensinaram e me mostraram o caminho da pesquisa.

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    RESUMO

    Busca-se traar um panorama geral sobre o ad quemdo prazo prescricional em sede deexecuo fiscal, descrevendo, para tanto, o correspondente atual cenrio legislativo e

    jurisprudencial. A justificativa para o presente estudo baseia-se no conhecimento daconduta futura do sujeito passivo disciplinada pela norma, e o alcance da segurana

    jurdica a ser propiciada pelo ordenamento. Para tanto, parte-se do pressuposto de que odireito texto imerso em um sistema comunicacional por excelncia, o que atrai onecessrio e efetivo conhecimento de sua mensagem pelos sujeitos da comunicao.Outrossim, entende-se que o texto jurdico submete-se ao postulado da hierarquia, coma supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas que disciplinam oassunto. A abordagem se d atravs do panorama do neopositivismo lgico, adotado edesenvolvido pelo Professor Paulo de Barros Carvalho aqui no Brasil, o que propicia

    uma anlise objetiva e lgica dos textos normativos sobre o tema e a corretaidentificao de todos os vcios existentes na linguagem hoje utilizada.

    Palavras-chave: marco interruptivo, prescrio, ao de execuo fiscal, validade,constitucionalidade, texto, comunicao, segurana jurdica.

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    ABSTRACT

    The intention of this dissertation is to get a general view about the last day of thelimitation period in fiscal execution actions, describing, this way, the legal and

    jurisprudential scenario. It is justified for the needs of knowing the future behaviorexpected by the receiver of the norm, and the legal certainty inherent in law.Based on an assumption that law is a text belonging to the communicacional system, weassume that the norms must carry their message until the receiver of thecommunication. Likewise, we understand that the hierarchy of laws must be respected,

    by the supremacy of the Constitution compared to the others norms about this subject.The logical positivism is used as the methodological approach, especially ProfessorPaulo de Barros Carvalho theory. The result is an objective and logical analyses of thesubject, and the correct identification of the problems of the law text used nowadays.

    Key words: last day of the period, limitation, fiscal execution actions, validity,constitutionality, text, communication, legal certainty.

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    SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................................... 9

    CAPTULO 1 - TEORIA COMUNICACIONAL.................................................................... 12

    1.1 Bases conceituais e delimitao do sistema comunicacional. ............................................ 12

    1.2 Da norma jurdica. .............................................................................................................. 19

    1.3 Da introduo da norma jurdica no direito positivo e das normas gerais de direito

    tributrio. .................................................................................................................................. 31

    1.4 Alguns apontamentos acerca do processo legislativo......................................................... 35

    CAPTULO 2 - DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E PRINCPIOS JURDICOS. ............ 48

    2.1 Breves consideraes sobre direitos fundamentais. ........................................................... 48

    2.2 Princpios do Direito Tributrio e da importncia destes na construo semntica

    dos direitos fundamentais. ........................................................................................................ 53

    2.3 Do sobreprincpio da segurana jurdica. ........................................................................... 57

    2.4 Do princpio da reserva legal. ............................................................................................. 61CAPTULO 3 - CONCEITOS NECESSRIOS AO DESENVOLVIMENTO DA

    PROPOSTA. ............................................................................................................................. 64

    3.1 Da autonomia do Direito Tributrio e da relao do Estado versus contribuinte. .............. 64

    3.2 Conceito e funo da prescrio. ........................................................................................ 70

    3.3. Da natureza jurdica do processo e breves comentrios sobre a citao. ......................... 75

    CAPTULO 4 - ANLISE DO TEOR DO ART. 174, PARGRAFO NICO, I, DO

    CDIGO TRIBUTRIO NACIONAL.................................................................................... 794.1 Redao original. ................................................................................................................ 79

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    4.2 Da coexistncia do art. 174, I, do Cdigo Tributrio Nacional e do art. 8., 2., da

    Lei de Execuo Fiscal. ............................................................................................................ 86

    4.3 Alterao promovida pela Lei Complementar n. 118/2005. ............................................. 89

    4.4 Justificativa do Projeto de Leidos atos de fala. .............................................................. 91

    4.4 Consequncias e verificao da validade da alterao normativa. ................................... 101

    CAPTULO 5 - ANLISE DO RECURSO ESPECIAL N. 1120295/SP ............................ 107

    5.1 Descrio do caso concreto. ............................................................................................. 108

    5.2 Da (in)viabilidade da aplicao do Cdigo de Processo Civil ao Direito Tributrio. ...... 119

    5.3 Das implicaes do posicionamento jurisprudencial........................................................ 122

    5.4 Outros casos do Supremo Tribunal Federal ..................................................................... 126

    CONCLUSO ........................................................................................................................ 128

    BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................132

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    INTRODUO

    Causa certa estranheza a atual redao do inciso I do pargrafo nico do art. 174

    do Cdigo Tributrio Nacional, alterada pela Lei Complementar 118/2005, bem como o modo

    de aplicao do novel dispositivo pela jurisprudncia ptria, sendo estes o objeto de estudo

    deste trabalho. A recente alterao legislativa determina a interrupo da prescrio, em sede

    de execuo fiscal, pelo despacho judicial que ordena a citao e no mais pela citao

    pessoal do devedor, como dispunha a redao original do texto. Dessa feita, houve um

    alargamento do prazo para o fisco procurar haver o crdito tributrio administrativamente, j

    que no mais precisar computar o prazo necessrio para a citao quando calcular o perodo

    de tempo disponvel para a propositura da ao fiscal. Ademais, h quem cogite a

    possibilidade de imprescritibilidade das aes fiscais quando a demora da citao for

    imputvel exclusivamente ao Poder Judicirio, consoante o Enunciado de Smula n. 106 do

    Superior Tribunal de Justia, o que certamente causa insegurana jurdica ao contribuinte.

    Acerca da novel legislao, o Superior Tribunal de Justia construiu o

    entendimento de que o maro interruptivo atinente prolao do despacho que ordena a

    citao do executado retroage data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser

    empreendida no prazo prescricional. Assim, a propositura da ao constitui o dies ad quemdo

    prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita s causasinterruptivas previstas no artigo 174, pargrafo nico, do CTN, alargando ainda mais o prazo

    para cobrana administrativa do crdito. O julgado representativo do entendimento

    jurisprudencial levado a efeito pelo Superior Tribunal de Justia acerca do tema o Recurso

    Especial (REsp) 1120295/SP.

    A posio vantajosa obtida pela Fazenda Pblica a partir das alteraes

    legislativas e entendimentos jurisprudenciais merece maiores estudos e reflexes, mormente

    em relao aos direitos dos contribuintes e ao sistema comunicacional em que se insere o

    Direito.

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    A celeuma ora estudada diz respeito mais especificamente delimitao do termo

    final do prazo prescricional que corre em desfavor da Fazenda Pblica que busca o crdito

    tributrio atravs da ao de execuo fiscal. De outra forma: quando a prescrio

    interrompida em favor da Administrao Pblica em caso de propositura da ao de execuo

    fiscal? Com a citao pessoal, com a propositura da ao ou com o despacho do juiz que

    determina a citao? Este trabalho busca compreender a atual estrutura, no direito ptrio, das

    normas (gerais e abstratas e concretas e concentradas) atinentes interrupo da prescrio

    em sede de execuo fiscal, bem como fazer uma releitura das mesmas a partir dos conceitos

    do sistema comunicacional e relacional do direito, bem como das garantias constitucionais

    relativas ao tema.

    Tal discusso implica em notveis efeitos para contribuinte. Com o decurso do

    prazo de 05 (cinco) anos aps a regular constituio do crdito tributrio sem a ocorrncia de

    evento interruptivo haver a extino do crdito tributrio. E o fato de haver orientaes

    distintas para a delimitao do marco interruptivo, parte delas extremamente vantajosas para o

    Fisco, traz prejuzos ao contribuinte seja pela incerteza do direito, seja pelo alargamento do

    prazo para a cobrana administrativa e judicial do dbito. E tudo isso em detrimento de seu

    direito propriedade.

    Os questionamentos aumentam quando a alterao legislativa e o entendimento

    jurisprudencial so analisados a partir da teoria comunicacional. Sendo a interrupo da

    prescrio um efeito sentido e suportado pelo contribuinte, no deveria ele integrar a

    comunicao dessa mensagem? Cogitar de interromper o decurso do prazo para a execuo de

    crdito tributrio pela propositura da ao (Recurso Especial n. 1120295/SP) ou pelo

    despacho do juiz que ordena a citao (inc. I do p.. do art. 174 do CTN, com redao dada

    pela Lei Complementar 118/2005) implica em alijar do processo comunicacional o ru da

    ao executiva, o sujeito passivo do crdito tributrio e o destinatrio da norma de prescrio?

    Manter o status quo legislativo e jurisprudencial significa impor ao contribuinte os efeitos de

    um ato ao qual no foi chamado a participar, e que sequer lhe foi oportunizado ter

    conhecimento? No possvel deixar de ressaltar que as demais hipteses interruptivas da

    prescrio (incisos II, III e IV do pargrafo nico do art. 174 do CTN) envolvem o

    conhecimento do sujeito passivo do crdito em um processo de cobrana, seja via protesto,

    ato judicial ou inequvoco que constitua em mora ou importe em reconhecimento do dbito

    pelo credor.

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    Cumpre ressaltar que o trabalho do legislador, a despeito do esforo

    eventualmente empreendido, normalmente incorre em vcios, j que composto, de forma

    mesclada, de linguagem cientfica e termos de uso comum, o que autoriza o cientista do

    direito a realizar um trabalho de reconstruo, com base em ferramentais lgicos, e a

    desenvolver pesquisas semnticas e pragmticas que possibilitem obter um produto idneo.1

    Quem se propuser a conhecer o direito positivo no pode aproximar-se delena condio de sujeito puro, despojado de atitudes ideolgicas, como seestivesse perante um fenmeno da natureza. A neutralidade axiolgicaimpediria, desde o incio, a compreenso das normas, tolhendo ainvestigao. Alm do mais, o conhecimento jurdico j encontra no seuobjeto uma auto-explicao, pois o direito fala de si mesmo e este falar-de-si componente material do objeto. Da a funo reconstrutiva do saber

    jurdico expressa nas proposies da Cincia do Direito.2

    Pretende-se com este trabalho conhecer os dispositivos atinentes interrupo do

    prazo prescricional em sede de ao execuo fiscal a partir das premissas da corrente

    filosfica neopositivista lgica e os paradigmas estabelecidos na Constituio Federal em

    favor do contribuinte, mormente os direitos fundamentais.

    Entende-se, desta forma, haver ambiente para indagaes cientficas acerca da

    legalidade da norma abstrata, construda pelo legislativo nacional, e concreta, oriunda daatividade jurisdicional. Lanar-se- as bases tericas necessrias, expondo ao leitor as

    premissas adotadas neste trabalho para o desenvolvimento do estudo para s ento realizar-se

    a anlise propriamente dita. Justifica-se essa postura metodolgica pela importncia do

    modelo filosfico adotado pelo exegeta na construo do conhecimento cientfico, ao passo

    que propicia ao leitor a verificao da coerncia lgica do estudo. 3

    1Paulo de Barros CAVALHO, Curso de Direito Tributrio. p. 208-209.2IDEM,Direito Tributrio, linguagem e mtodo,p. 82-833 Por uma circunstncia que o tempo ainda no permite identificar com clareza, importante segmento dadoutrina dos tributaristas autodeterminou-se no sentido de oferecer fundamentos de sua concepo jurdico-filosfica, de modo expresso, antes de iniciar o desenvolvimento da matria proposta, ensejando ao leitor ocontrole e a vigilncia sobre o contedo do trabalho.Ibid.,p. 5

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    CAPTULO 1 - TEORIA COMUNICACIONAL.

    1.1 Bases conceituais e delimitao do sistema comunicacional.

    O pensamento humano indissociavelmente ligado linguagem, meio exclusivo

    de obter e transmitir o conhecimento em situaes comunicacionais4. De fato, o pensamento

    no se expressa atravs de sensaes fsicas advindas de objetos da realidade, ao revs,

    centra-se na figura humana e nas organizaes lingusticas utilizadas na comunicao5.

    O desenvolvimento desta premissa pela corrente filosfica neopositivista lgica,

    notria na segunda dcada do Sculo XX em Viena, destacou a linguagem como instrumentoe meio de controle do saber cientfico, para ela convergindo as atenes. 6 Sob esta

    perspectiva, percebeu-se a necessidade da criao de modelos artificiais para a construo

    cientfica, os quais possibilitavam o conhecimento mais claro do objeto do estudo, e

    proporcionariam uma viso mais rigorosa dele. De outra forma, no basta a unio de

    vocbulos para que se alcance alguma significao, h de se observar certa ordem,

    verdadeiros modelos de construo do pensamento e comunicao. E mais, o enunciado bem

    formado deve ser empiricamente verificvelrelao do signo com a realidade denotada, sobpena de sua excluso do discurso cientfico.7

    As implicaes mais relevantes dessa concepo filosfica, para este estudo, so o

    rigor e sistematizao do discurso cientfico, o afastamento dos enunciados metafsicos,

    4Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo,p. 71.5Ibid.,p. 6-7.6Ibid.,p. 277Ibid.,p. 27-29.

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    porque insuscetveis de experimentao8, o uso da lgica enquanto ferramenta de anlise da

    linguagem9, e a natureza de texto do Direito10.

    O movimento tornou-se conhecido como giro-lingustico, e direcionou o exegeta a

    abordar o objeto do estudo enquanto texto, linguagem, uma vez que no h essncia a ser

    descoberta ou linguagem a ser desvendada. Salientou-se, dessa forma, que estamos imersos

    em um mundo lingustico no qual tudo o que temos das coisas so ideias, paradigmas

    lingusticos construdos atravs de nomes, e, portanto, a nica coisa passvel de ser objeto de

    aprendizado o costume lingustico de um conjunto populacional. 11

    Penetrando o objeto de estudo deste trabalho, pode-se afirmar que o direito

    uma comunicao, e a comunicao entre os homens se pe por meio de uma linguagem. 12

    Tanto o Direito Positivo quanto a Cincia do Direito manifestam-se em linguagem, que os

    constitui.13 Trata-se do cerco inapelvel da linguagem ao direito, to bem tratada pelo

    Professor Paulo de Barros Carvalho em suas obras. E tal caracterstica possibilita desvendar

    os meandros jurdicos atravs do uso de instrumentais lingusticos. O objetivo da

    instrumentao no chegar a uma ontologia do direito, mas to somente possuir um ponto de

    partida seguro para poder-se discorrer sobre o direito.

    A utilizao do instrumental lingustico forma uma estrutura slida e propicia a

    construo de um panorama acerca do atual cenrio normativo da interrupo do prazo

    prescricional em sede de execuo fiscal. Assim, a delimitao dos conceitos a serem

    utilizados medida que se impe a fim de subsidiar a anlise das normas referenciadas.

    8Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo.p. 29.9O saber lgico pressupe a linguagem, que seu campo de eleio (...). Tudo porque o pensamento humanose acha indissociavelmente jungido linguagem, meio exclusivo de fixar o produto da atividade cognoscitiva ede transmiti-lo nas situaes comunicacionais. Ora, transportando essas consideraes para o campo do direito,

    podemos falar numa lgica dentico-jurdica que ter como objeto a linguagem dos enunciados prescritivos e deuma lgica da Cincia do Direito, preocupada com os enunciados descritivos proferidos pelos juristas. Ibid.,p.7110Ibid.,p. 165.11Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito,p. 55.12Ivo GABRIEL,Norma jurdica: produo e controle, p. XXXII.13Concebido como discurso, o Direito apresenta-se em duas dimenses lingsticas:a dimenso de linguagem

    prescritiva de condutas, dotada de imperatividade, bem como a dimenso descritiva dessa primeira, suametalinguagem, consubstanciada na Cincia do Direito, que a doutrina jurdica. Clarice Von Oertzen deARAUJO, Semitica do Direito,p. 21.

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    Conforme enunciado, a adoo da Lgica enquanto ponto de vista para a obteno

    do conhecimento se justifica por sua capacidade de expressar a dimenso formal da

    linguagem mediante um conjunto de regras morfolgicas e sintticas aplicveis na

    composio dos signos, bem como por expor as possveis associaes dos entes e suas

    relaes no plano ideal.14 De fato, os modelos lgicos possibilitam a criao dos modelos

    artificiais para a comunicao cientfica a serem aplicados em todo o discurso jurdico, e

    inclusive ao problema proposto.15

    A linguagem, recorte cientfico do neopositivismo lgico, pode ser definida como

    a capacidade de comunicao do ser humano atravs de signos previamente sistematizados

    em um conjunto denominado lngua16. Trata-se de instrumento de comunicao entre

    membros de uma determinada comunidade social.17Com isso, evidencia-se dois aspectos da

    linguagem: relacional e comunicacional, caractersticas essas indissociveis ao direito e base

    deste trabalho.

    O signo se insere em um sistema lgico de relao em face da necessria

    associao de um suporte fsico, significado e significao. O suporte fsico, de natureza

    material, a palavra falada ou escrita, que se refere a algo de existncia imaginria ou

    concreta, ou seja, seu significado, e gera na mente do destinatrio uma noo ou conceito,

    denominado significao.18 Trata-se, aqui, dos aspectos da semiologia importantes para a

    anlise do direito positivo, j que evidencia a relao existente entre o os enunciados

    prescritivos (suporte fsico), conduta intersubjetiva almejada (significado) e norma jurdica

    criada na mente do destinatrio do texto (significao)19.

    Ainda sob o aspecto da unidade da linguagem - o signo20, a semitica o estuda apartir de seus trs planos: o sinttico, que versa sobre as relaes dos signos entre si, o

    semntico, preocupado com o vnculo do signo e o objeto representado, e pragmtico, que

    14Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, linguagem e mtodo, p. 70.15 To somente o processo de formalizao libertar-nos- da concretude imanente daquelas linguagens,

    propiciando o salto para o universo das formas lgicas, autnomo e irredutvel.Ibid., p. 76.16Ibid., p. 32.17Ibid., p. 30.18Ibid., p. 33-34.19Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito,p. 163.20Ibid., p. 162-164.

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    preocupa-se com os utentes da linguagem e suas reaes aos signos (emissor e destinatrio)21.

    Assim, as relaes estruturais do sistema do direito positivo e da norma jurdica so objeto da

    sinttica, ao passo que a semntica viabiliza o estudo do contedo do texto normativo e a

    pragmtica versa sobre a forma de utilizao da linguagem jurdica para alcanar certos

    valores, bem como sobre questes acerca da criao e aplicao de normas jurdicas.22

    Seja sob o enfoque da semitica ou da semiologia, certo o aspecto relacional da

    linguagem, uma vez que a construo de sentido necessariamente passa pela mobilizao de

    diversos elementos, e das relaes existente entre eles. A linguagem existe como instrumento

    de comunicao do homem e tem a finalidade de produzir efeitos externos, evidenciando,

    assim, a relao que se pretende ver construda. No h comunicao sem linguagem, bem

    como sem emissor ou receptor. A ausncia de um desses elementos, ou da ligao entre eles,

    gera o nada.

    O carter relacional da linguagem tambm pode ser evidenciado pela sua essencial

    presena no sistema social23, do qual faz parte do Direito Positivo, enquanto subsistema. O

    homem tende a sistematizar a realidade que o cerca, e o faz atravs de associaes

    lingusticas, tornando-a compreensvel. Sistema a totalidade construda e composta de vrias

    partes que se relacionam e se comunicam entre si, e se aglutinam em torno de um referencial

    comum, composta de elementos, ou repertrio, e relaes, ou estrutura. Logo, a prpria noo

    de sistema estruturada na relao entre seus elementos, sob pena de estarmos diante de um

    grupo.24

    E tendo em mente que todo sistema social constitudo por atos de comunicao,

    conclui-se que a relao entre duas pessoas s possvel quando estas desejam se entender, equando h um sistema de signos que permita a interao. Assim, comunicao , segundo

    Romam Jakobson e Aurora Tomazini de Carvalho:

    ... transmisso, por um agente emissor, de uma mensagem, veiculada por umcanal, para um agente receptor, segundo cdigo comum e dentro de um

    21Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, linguagem e mtodo,p. 36.22Aurora Tomazini de CARVALHO,Curso de Teoria Geral do Direito. p. 165-166.23A sociedade o sistema comunicacional por excelncia. O ser do social reside no fato relacional, isto , na

    circunstncia de duas ou mais pessoas conectarem-se, o que s possvel mediante um ato de comunicao. (...)Da a afirmao segundo a qual a sociedade o sistema comunicacional por excelncia e sua unidade acomunicao.Ibid., p. 136.24Ibid., p. 122-123.

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    contexto. O autor identifica seis elementos do processo comunicacional: (i) oremetente, que envia a mensagem; (ii) o destinatrio, que a recebe. (iii) amensagem; (iv) um contexto que a envolve, comum ao remetente e aodestinatrio; (v) um cdigo, tambm comum ao remetente e ao destinatrio,no qual ela se verbalize; (vi) um contato, canal fsico que conecte o receptorao destinatrio. A estes seis elementos PAULO DE BARROS CARVALHOadiciona mais um: (vii) a conexo psicolgica entre emissor e receptor. Nafalta de um deles a comunicao no se instaura, de modo que no hsociedade e nem direito.2526

    Evidencia-se, dessa forma, um arcabouo terico que possibilita a anlise da

    linguagem atravs de suas relaes e caracteres, instrumentando o exegeta para a difcil tarefa

    de desvendar as nuanas do direito positivo, e de descrever todas as fases da necessria

    comunicao que deve existir. Ademais, refora a ideia de que no h comunicao sem o

    recebimento da mensagem pelo destinatrio, o que se quer provar neste trabalho, que no h

    cobrana sem que o contribuinte saiba que ela existe.

    Transferindo tais premissas para o estudo jurdico, tem-se por objeto da Teoria do

    Direito um corpo de linguagem produzido dentro de um contexto comunicacional.2728 O

    direito positivo caracteriza-se como sistema prescritivo voltado a disciplinar condutas

    intersubjetivas.29De fato, ensina Aurora Tomazini de Carvalho que:

    O direito positivo, enquanto corpo de linguagem voltado regio dascondutas intersubjetivas, com a finalidade de implementar certos valoresalmejados pela sociedade, tem como suporte fsico os enunciados

    prescritivos que o compem materialmente (ex. artigos, incisos e pargrafosde uma lei). Tais enunciados reportam-se conduta humana, maisespecificamente s relaes intersubjetivas, que seu significado. E

    25Aurora Tomazini CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito. p. 167-168.26Alis, tudo se encaixa bem naquela noo que apresentamos sobre a pragmtica, como ngulo semitico emque se analisa a relao dos signos com seus usurios. E os estudos pragmticos se projetam exatamente nessesentido, isto , considerando o ser humano enquanto produtor da mensagem e, por meio dela, visando a obtercertos efeitos.

    No processo constitutivo da interao comunicacional, Robman Jakobson descreve a coalescncia de seiscomponentes:O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer umCONTEXTO a que se refere (ou referente, em outra nomenclatura algo ambgua), apreensvel pelodestinatrio, e que seja verbal suscetvel de verbalizao; um CDIGO total ou parcialmente comum aoremetente e ao destinatrio (ou, em outras palavras, ao codificador e decodificador da mensagem); e finalmente,um CONTACTO, um canal fsico e uma conexo psicolgica entre o remetente e o destinatrio, que os capacitea entrarem e permanecerem em comunicao.Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e

    Mtodo, p. 38.27Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito, p. 157.28O direito, no seu particularssimo modo de existir, manifesta-se necessariamente na forma de linguagem. Elinguagem texto. Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo, p.165.29Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito, p. 130.

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    suscitam na mente daqueles que o interpretam a construo de normasjurdicas, que se constituem na sua significao.30

    A realizao de valores socialmente escolhidos tem sido o principal objetivo do

    direito, e a interlocuo da autoridade constituda com a sociedade se d por meio da

    linguagem. No h forma diversa da comunicao para direcionar as relaes inter-

    humanas.31E no basta qualquer linguagem. H de se tratar de um texto que consiga alterar

    materialmente as condutas reguladas. imperativo que o destinatrio seja motivado a se

    autodeterminar conforme o prescrito, sob pena de comprometer-se a eficcia social da

    norma.32

    Ora, se se pretende normatizar, regular e nortear relaes sociais, o ato

    comunicacional inevitvel, at mesmo para que tais normas cheguem ao conhecimento de

    seu destinatrio e o motivem a agir conforme o prescrito. Nesse sentido, imperioso o

    tratamento do direito como texto, j que do processo comunicacional apenas se tem acesso ao

    substrato lingustico, e toda a construo de sentido de competncia e esforo do

    destinatriodecodificao do cdigo e compreenso da mensagem legislada.33

    Dessa feita, a interrupo da prescrio sem sede de execuo fiscal, por ser

    disciplinada pelo direito (texto normativo), deve evidenciar tambm os seus caracteres

    relacionais e comunicacionais, buscando a interao entre as partes envolvidas no processo,

    bem como a efetiva comunicao entre eles.

    Nesse sentido, importante relembrar que todo texto permeado por um

    contexto, ou seja, enunciados que se relacionam com aquele. A construo de sentido nunca

    neutra, sendo necessria a relao com outros textos.34 E mais, qualquer estudo que sepretenda fazer acerca de um sistema comunicacional deve observar o conjunto dos elementos

    que se integram no processo dialtico: emitente, da mensagem, do canal e do receptor. 35Este

    30Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito, p. 162-163.31Ibid., p. 167.32Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo,p. 162.33Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito, p. 1170-171.34Ibid., p. 175.35Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo,p. 164.

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    trabalho quer demonstrar que sem o receptor no h sistema comunicacional, bem como sem

    a presena do ru no h estabelecimento de uma relao processual.36

    Chama-se a ateno, aqui, para a necessria participao do receptor no processo

    dialtico da comunicao. Conforme j dito, no h como normatizar condutas sem integrar

    ao processo o destinatrio da mensagem. Dessa feita, entende-se imperiosa a participao do

    contribuinte na discusso acerca da interrupo do prazo prescricional para a cobrana de

    crdito tributrio no qual figure como sujeito passivo. De fato, em relao a essa norma, o

    contribuinte o destinatrio da comunicao, devendo integr-la de forma efetiva para

    garantir que o processo dialtico exista.

    Para tanto, em termos normativos, utiliza-se a funo prescritiva da linguagem,

    que se caracteriza pela entonao imperativa direcionada a outrem. Trata-se da expedio de

    ordens, de comandos, de prescries direcionadas conduta humana e abrange tanto condutas

    intersubjetivas e intra-subjetivas. Pode-se afirmar, ainda que todas as organizaes normativas

    se valem dessa linguagem para interferir na conduta humana. A linguagem prescritiva, e mais

    especificamente suas ordens, no se classificam em verdadeiras ou falsas, mas sim em vlidas

    ou invlidas, valores lgicos estudados pea Lgica Dentica subconjunto da Lgica

    Dentico-jurdica, que tem por objeto a organizao sinttica do texto do direito positivo.3738

    Considerada a norma jurdica como linguagem prescritiva por excelncia, no h

    como dissociar as prescries contidas na norma do seu campo de atuao, que o

    comportamento das pessoas. Assim, consoante j dito, fundamental que o destinatrio tenha

    conhecimento da norma de forma clara e efetiva, seja para cumpri-la, seja para sujeitar-se s

    sanes decorrentes de sua inobservncia, inclusive para fins de interrupo do prazoprescricional para a cobrana de crdito tributrio.

    36No se desconsidera o disposto no art. 263 do CPC, que aduz que os efeitos da relao processual j existenteapenas surgem ao ru com a citao vlida. Entende-se aqui, com base na teoria comunicacional, que a relao

    processual no existe para o ru at que haja a sua citao vlida atravs de uma das modalidades legalmenteprevistas.37Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo,p. 41-42.38 Vlido e no vlido so dois (e somente dois) valores lgicos das proposies do direito posto, que no se

    confundem com os modalizadores das condutas intersubjetivas. Estes so trs e somente trs (lei deontolgica doquarto excludo): obrigatrio (Op), proibido (Vp) e permitido (Pp). O chamado comportamento facultativo (Fp)no um quarto modal, precisamente porque se resolve sempre numa permisso bilateral: permitido cumprir aconduta, mas permitido tambm omiti-la (Pp . P-p).Ibid., p.83.

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    Comprovada a existncia e necessidade do processo comunicacional para a

    aplicao da norma impositiva, tem-se que a relao havida entre os elementos da

    comunicao ao direito positivo opera da seguinte forma:

    O agente competente como emissor; os sujeitos das prescries comodestinatrios; a norma jurdica como mensagem; as circunstncias histrico-culturais que envolvem emissor e receptor como contexto; a concentraosubjetiva de ambos na expedio e recepo da mensagem como a conexopsicolgica; a lngua portuguesa como cdigo comum; o dirio oficial,enquanto suporte fsico, onde se encontram gravadas as palavras na forma demarcas de tintas no papel, como o canal que estabelece a conexo entreemissor e destinatrio.

    Logo percebemos que sem um destes elementos o direito no existe.39

    Em suma, uma relao normativa faz parte do sistema social que constitudo por

    atos de comunicao, relacional por excelncia. Afinal, sociedade ope-se individualidade, e

    no existe comunicao de uma pessoa consigo mesma. Afirma-se, dessa forma, que s

    possvel se relacionar quando as pessoas envolvidas se dispem a se entenderem mediante um

    sistema de signos que viabilize a interao. Da mesma forma, impor normas ao

    comportamento humano s possvel atravs de um processo comunicacional que possua

    linguagem prpria e seja efetiva, levando a mensagem ao destinatrio da mesma, inclusive.40

    Lanadas as bases acima, tem-se que presente trabalho procura estudar, sob o

    enfoque da necessria comunicao, os efeitos advindos da alterao pela Lei Complementar

    118/2005 no tocante interrupo do prazo prescricional para o sujeito passivo do Tributo,

    bem como as implicaes da orientao jurisprudencial exposta no julgamento do Recurso

    Especial n. 1120295/SP, relatado pelo Ministro Luiz Fux, e julgado pela primeira seo do

    Superior Tribunal de Justia em 12/05/2010. Busca-se saber, em termos comunicacionais, se

    h um interesse do Estado de se entender com seu contribuinte, e se coloca a disposio do

    sujeito passivo tributrio um sistema de signos que possibilite a interao e a sua defesa.

    1.2 Da norma jurdica.

    Partindo da premissa de que direito o conjunto de normas vlidas dentro de um

    pas, imprescindvel delimitar, em qualquer estudo jurdico que se pretenda levar a efeito, a

    39Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito. p. 169.

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    noo do que sejam normas jurdicas.41Deveras, ausente a norma jurdica no h que se falar

    em deveres ou direitos, mas to somente em fatos e relaes sociais. Portanto, h de estudar as

    unidades do sistema do direito positivo, leia-se, as normas jurdicas, sem prejuzo do

    desenvolvimento de uma teoria do ordenamento jurdico a fim de perscrutar as relaes

    existente entre tais unidades.

    Assim, temos que a norma jurdica a unidade irredutvel da manifestao do

    dentico42, sendo, portanto, ponto fundamental para a anlise e interpretao do direito.

    Ademais, a construo de uma teoria normativa evidencia um momento histrico da evoluo

    do Direito Tributrio, que iniciou sustentado na chamada obrigao tributria, passou para o

    estudo do fato gerador para s ento concentrar-se nas especulaes entorno do que sejanorma jurdica.43

    Cumpre ressaltar desde logo: norma jurdica uma expresso lingustica44 que,

    em meio a diversos textos, se manifesta na forma prescritiva e encontra-se inserida em um

    sistema comunicacional, o direito. Alis, a norma jurdica construda, pelo intrprete, a

    partir da transformao de textos em significados. Trata-se de produto da interpretao de

    enunciados prescritivos.45Tal enfoque possibilita a utilizao das categorias da Semitica na

    delimitao do objeto de estudo46. Pode-se dizer, portanto, que a estrutura jurdica possvel

    de ser analisada pelo plano sinttico da linguagem do direito positivo; o contedo normativo,

    por sua vez, pode ser compreendido atravs do plano semntico da norma; enquanto os temas

    de aplicao e incidncia podem ser visualizados atravs do enfoque pragmtico das normas

    jurdicas. Ressalte-se, a tempo, a inegvel a contribuio da lgica no vis semntico do

    direito positivo, mormente a partir da construo da regra-matriz de incidncia.47Assim, tratar

    o direito como texto, e a norma jurdica como sua unidade mondica, municia o estudioso de

    ferramentas importantes para o trabalho no campo cientfico48, as quais, neste estudo,

    40Ibid., p. 167.41Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito. p. 275.42Paulo de Barros CARVALHO.Direito Tributrio, linguagem e mtodo. p. 16843Ibid.,p. 12744Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito. p. 277.45Gabriel IVO,Norma jurdica: produo e controle, p. XXXVIII.46Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, linguagem e mtodo. p. 12747Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito. p. 277.48 Aplicando esta tcnica ao direito positivo, o estudo de seu plano sinttico, que tem a Lgica como forte

    instrumento, permite conhecer as relaes estruturais do sistema e de sua unidade, a norma jurdica. O ingressono seu plano semntico possibilita a anlise dos contedos significativos atribudos aos smbolos positivados. nele que lidamos com os problemas de vaguidade, ambiguidade e carga valorativa das palavras e queestabelecemos a ponte que liga a linguagem normativa conduta intersubjetiva que ela regula. E as investidas de

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    possibilitaro a anlise das normas atinentes interrupo do prazo prescricional em sede de

    execuo fiscal.

    Desvendado o mtodo da anlise da unidade do sistema do direito positivo, norma

    jurdica, necessria a sua conceituao. E esta no uma tarefa fcil, j que a doutrina

    utiliza a expresso para denominar diversos aspectos do sistema jurdico posto, e nem sempre

    preocupa-se em classificar as diversas utilizaes dadas ao mesmo termo.

    Toda confuso se instaura porque utilizamo-nos da expresso normajurdica para designar as unidades do sistema do direito positivo, quandoeste, por manifestar-se em linguagem, apresenta-se em quatro planos: (i) S1 plano fsico (enunciados prescritivos); (ii) S2 plano das significaes

    isoladamente consideradas (proposies jurdicas); (iii) S3 plano dassignificaes estruturadas (normas jurdicas); e (iv) S4 plano dacontextualizao das significaes estruturadas (sistema jurdico). Temos,assim, pelo menos trs tipos de unidades ontologicamente distintas,dependendo sob qual plano analisamos o sistema jurdico.

    Se pensarmos no direito positivo, levando-se em conta seu plano deexpresso (S1), as unidades do sistema so enunciados prescritivos; seavaliarmos o plano das significaes construdas a partir dos enunciados S2),as unidades do sistema so proposies jurdicas; se tomarmos o direitocomo conjunto de significaes deonticamente estruturadas (S3), quemantm relaes de coordenao e subordinao entre si (S4), as unidades

    do sistema jurdico so aquilo que denominamos norma jurdica em sentidoestrito. Neste sentido, considerando a expresso norma jurdica, quandoutilizada para apontar indiscriminadamente as unidades do sistema jurdico,pode denotar: (i) enunciados do direito positivo; (ii) a significao delesconstruda; ou (iii) a significao deonticamente estruturada, dependendo doplano em que o intrprete trabalha.49.

    Conforme indicado, o uso em pelo menos trs acepes diferentes da expresso

    norma jurdica exige a qualificao de seu uso de forma a evitar equvocos, e prestigiando a

    necessria clareza que qualquer estudo cientfico merece. Assim, trabalhar com norma

    jurdica implica em dialogar permanentemente com uma trialidade existencial

    indecomponvel do direito: o suporte fsico e a integrao de enunciados (textos de lei), a

    construo de significaes isoladamente e a estruturao dentica destas em sentido

    ordem pragmtica permitem observar o modo como os sujeitos utilizam-se da linguagem jurdica para implantarcertos valores almejados socialmente. nele que se investiga o manuseio dos textos pelos tribunais, bem comoquestes de criao e aplicao de normas jurdicas.

    Em suma, o ngulo sinttico conduz a uma anlise estrutural, o semntico uma anlise conceitual (de contedo) eo plano pragmtico a uma anlise do uso da linguagem jurdica.Aurora Tomazini de CARVALHO. Curso deTeoria Geral do Direito. p. 165-166.49Ibid.,. p. 278.

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    normativo. certo, ainda, que a noo de sistema comporta a amplitude da norma jurdica,

    em seu suporte fsico, significao e estruturao.50

    Nesse contexto de diversas significaes para a expresso, de extrema

    relevncia a classificao das normas jurdicas em sentido amplo e em sentido estrito

    apontada pelo professor Paulo de Barros Carvalho. Aquelas se referem s frases enquanto

    suporte fsico dos textos da lei e aos contedos significativos isolados delas, enquanto estas

    ltimas (normas jurdicas em sentido estrito) dizem respeito s significaes articuladas e

    oriundas do direito posto, na forma hipottico-condicional, produzindo mensagens com

    sentido dentico completo. Assim, os planos S1 e S2 diriam respeito s normas jurdicas em

    sentido amplo e os planos S3 e S4 corresponderiam s normas jurdicas em sentido estrito.51

    O benefcio em se manter a classificao proposta reside na diminuio das inconsistncias

    semnticas do uso da expresso norma jurdica, viabilizando seu uso no meio cientfico de

    forma clara e transparente.52 53

    Portanto, pode-se dizer que A norma jurdica encontra-se no plano das

    significaes, do contedo dos textos do direito positivo. Ela existe na mente humana como

    resultado da interpretao dos enunciados que compem seu plano de expresso.54 E

    classifica-se em norma jurdica em sentido estrito a significao obtida a partir dos textos de

    direito positivo estruturada na forma hipottico-condicional.55

    Dessa feita, h de se perscrutar a significao da norma contida do inciso I do

    pargrafo nico do art. 174 do CTN, bem como no comando contido no Recurso Especial n.

    1120295/SP a fim de evidenciar as normas contidas, para ento realizar-se a anlise das

    normas prescritivas que afetam o contribuinte no que tange interrupo do prazo

    prescricional em ao executiva fiscal.

    50Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito. p. 279.51Ibid., p. 278-279.52CARVALHOIbid., p. 280.53A despeito disso, porm, interessa manter o secular modo de distinguir, empregando normas jurdicas emsentido amplo para aludir aos contedos significativos das frases do direito posto, vale dizer, aos enunciados

    prescritivos, no enquanto manifestaes empricas do ordenamento, mas como significaes que seriamconstrudas pelo intrprete. Ao mesmo tempo, a composio articulada dessas significaes, de tal sorte que

    produza mensagens com sentido deontico-jurdico completo, receberia o nome de normas jurdicas em sentidoestrito.Paulo de Barros CARVALHO.Direito Tributrio, linguagem e mtodo.p. 128.54Aurora Tomazini de CARVALHO. Curso de Teoria Geral do Direito. p. 174.55Ibid., p. 280.

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    Ao tratar de norma jurdica em sentido estrito, que merece nossa ateno por

    veicular o sentido dentico completo, e que por isso subsidiar a anlise do problema

    proposto, h de se salientar que a estrutura hipottico-condicional, absolutamente constante

    quando considerada de forma abstrata, to somente uma forma lgica. Assim, o vnculo

    implicacional dentico que liga a hiptese ao consequente por ato de autoridade no , deper

    si,norma jurdica. A norma , antes de mais nada, uma significao, um algo imaterial, um

    juzo do intrprete havido a partir dos textos do direito positivo. E por ser um ato intelectivo

    encontra-se sempre na implicitude dos enunciados do direito positivo. Pode-se afirmar que as

    normas so sempre implcitas, e havidas intelectualmente de enunciados sempre explcitos. O

    juzo, porm, necessita de uma frmula lgica que o sustente em linguagem prescritiva

    inerente aos atos de autoridade (ordem).56

    Outro aspecto a se salientar que no h correlao entre o nmero de enunciados

    prescritivos e o nmero de normas correspondente. De fato, por vezes necessrio a leitura de

    diversos textos para formular-se to somente uma norma, ao passo que h casos de um s

    enunciado gerar diversas normas, construdas de acordo com a carga valorativa de cada

    intrprete.57Assim, os pontos caractersticos da norma jurdica so a (i) a estruturao em

    modal dentico (ii) de significaes havidas a partir da leitura e inteleco do texto do direitopositivo.

    Ademais, em se tratando das normas jurdicas em sentido estrito, pode-se apontar

    uma homogeneidade sinttica do direito, j que a compreenso da norma s possvel a partir

    da estruturao na forma hipottico-fundamental das significaes, que inaltervel

    [D(HC)]. Por outro lado, dada a diversidade de matrias reguladas pelo direito positivo, e

    considerada modificao axiolgica inerente sociedade, pode-se indicar a existncia de uma

    heterogeneidade semntica. A diversidade tambm aplicvel ao plano pragmtico,

    consideradas as infinitas maneiras diversas de se aplicar uma mesma norma em casos

    concretos, bem como por juristas diversos.58

    Todas as regras do sistema tm idntica esquematizao formal: umaproposio-hiptese H, descritora de um fato (f) que, se verificado nocampo da realidade social, implicar como proposio-consequente C, umarelao jurdica entre dois sujeitos (S R S), modalizada com um dosoperadores denticos (O, P, V). Nenhuma norma foge a esta estrutura, seja,

    56Aurora Tomazini de CARVALHO. Curso de Teoria Geral do Direito,p. 282-283.57Ibid.,p.284.58Ibid.,p.284.

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    civil, comercial, penal, tributria, administrativa, constitucional, processual,porque sem ela a mensagem prescritiva incompreensvel.

    Todo comando jurdico apresenta-se sob a mesma forma. A variaoencontra-se no contedo que satura a frmula. (...) A estrutura do direito,necessria para se transmitir um comando capaz de disciplinar relaesintersubjetivas, invarivel, ao passo que seu contedo, pela diversidade decondutas a serem reguladas, nunca constante. (...)

    Com relao ao plano pragmtico, tambm opera a premissa daheterogeneidade, devido s infinitas possibilidades de aplicao de umanorma para diferentes casos prticos. O uso das normas jurdicas tanto pelosaplicadores como pelos juristas muito diversificado.59.

    O cnone da homogeneidade sinttica no se aplica s normas jurdicas em

    sentido amplo, que so heterogneas nos trs nveis semiticos. De fato, a organizao frsicados enunciados prescritivos obedece a regras gramaticais que possibilitam vrios arranjos

    distintos, diferentes estruturas de alocao dos sujeitos, verbos, complementos, etc.. Ademais,

    certo ainda que as proposies ainda no atreladas ao sentido dentico tambm so variveis

    ao infinito.60

    Saliente-se que a homogeneidade sinttica das normas jurdicas strictu sensu

    representa um limite ontolgico-sinttico (formal), dada a sua estrutura lgica invarivel, aotempo que h um limite semntico (material) que indica que o contedo da norma deve ser

    possvel e no necessrio.61 Afinal, no h qualquer razo para regular-se uma conduta

    impossvel, e igualmente careceria de sentido atribuir efeitos jurdicos a fatos obrigatrios.

    Para melhor compreenso da norma, delimitao de seus limites formais oriundos

    de sua estrutura lgica, bem como para a identificao de seus elementos fundamentais, faz-se

    necessrio a anlise da estrutura normativa, que nada mais do que a formula obtida atravs

    do processo de formalizao da estrutura mnima para viabilizar a transmisso de uma

    mensagem prescritiva.

    por isso que, como j vimos, a estrutura normativa composta por: (i)duas proposies (i.a) hiptese, pressuposto ou antecedente (H), cujafuno descrever uma situao de possvel ocorrncia (f), que funcionacomo causa para o efeito jurdico almejado pelo legislador; e (i.b)consequente ou tese (C), cuja funo delimitar um vnculo relacional entredois sujeitos (SRS), que se consubstancia no efeito almejado; e (ii) um

    59Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de teoria geral do direito.p.285.60Ibid.,p.286-287.61Ibid.,p.288.

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    conectivo condicional (), tambm denominado vnculo implicacional, cujafuno estabelecer o liame entre a causa e o efeito ao imputar a relaoprescrita no consequente normativo, caso verificada a situao descrita nahiptese.62

    Conforme exposto, essa estrutura composta pela hiptese e consequente

    normativo, dois categoremas que se referem ao mundo real, unidos pelo functor dever-ser

    interproposicional e intraproposicional, sincategoremas articuladores da estrutura normativa.

    A hiptese prev um fato da realidade social escolhido pelo legislador para desencadear

    efeitos jurdicos. Trata-se de proposies descritivas, e no cognoscitivas, que nada

    prescrevem. Sua dimenso denotativa, e importa em um recorte na linguagem da realidade

    social a fim de gerar efeitos jurdicos. A seleo dos fatos axiolgica, redutora de

    complexidades (o mundo emprico muito mais complexo), e depende exclusivamente do

    arbtrio da autoridade legislativa.63Por exemplo, a redao original do art. 174, pargrafo

    nico, inciso I do CTN elegeu a citao pessoal do devedor como o fato do mundo emprico

    apto a ensejar a interrupo do prazo prescricional do crdito tributrio. Isso porque com a

    citao que se estabelece a comunicao, e no com o despacho que recebe a inicial ou

    tampouco com a propositura da ao executiva.

    O operador dentico expressa conceitos funcionais ao passo que estabelecevnculos entre os termos de sujeitos e proposies, evidenciando o aspecto relacional da

    norma. De outra forma: o functor dentico uma particula relacional que conecta, na frmula

    normativa, dois termos de sujeitos, e por essa mesma razo no consegue sozinho expressar

    um sentido completo. sempre o dever-ser de algo.64

    O consequente, por sua vez, consubstancia-se na proposio correspondente

    relao jurdica que se instaura caso o fato descrito na hiptese ocorra, acarretando o vnculoentre dois ou mais sujeitos, e criando direito subjetivo e um dever subjetivo do outro em

    relao ao primeiro.65

    Na estrutura da norma jurdica temos: (i) o dever-ser como operadordentico inter-proposicional, conectando hiptese e consequente D(H C) deve ser que H implique C; e (ii) como operador intraproporsicional,inserto no consequente da norma, impositivo da relao entre dois sujeitosem torno de uma previso de conduta obrigatria (O), proibida (V) ou

    62Aurora Tomazini de CARVALHO.. Curso de teoria geral do direito.p.289-290.63Ibid.,p.29364Ibid.,p.296.65Ibid.,p.297.

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    permitida (P), que deve ser obedecida D[HC (S

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    operador dentico intraproposicional que aproxima dois termos de sujeitos.(...)

    Por estabelecer o papel de conceito funcional, estabelecendo relaes entreproposies (hiptese e consequente) e termos de sujeitos (sujeito ativo esujeito passivo), destaca-se o carter relacional do dever-ser.68

    Para que surja uma relao jurdica decorrente de uma hiptese normativamente

    prevista, ou seja, um fato relacional, necessita-se de dois elementos: o subjetivo e o

    prestacional. O primeiro diz respeito aos sujeitos de direito que se relacionam, um enquanto

    sujeito ativo detentor de direitos e prerrogativas, e outro na posio de sujeito passivo,

    portador do dever subjetivo de cumprir a exigncia do pretensor, no importando se se trate

    de pessoa fsica ou jurdica, de direito pblico ou privado, etc. J o elemento prestacional a

    conduta modalizada como obrigatria, proibida ou permitida exigvel pelo sujeito ativo.69A

    conexo lgica que deve existir entre o antecedente da norma, que gera o direito subjetivo ao

    sujeito ativo, e o elemento prestacional verdadeira garantia de segurana das relaes

    sociais. Isso porque a caracterizao da conduta que satisfaz o direito subjetivo do sujeito

    ativo confere certeza e segurana ao sujeito passivo, e s interaes sociais como um todo. O

    elemento prestacional confere a orientao que se deve seguir nas condutas sociais a fim de

    evitar ilicitudes e realizar os valores institudos pela ordem jurdica.70

    In casu, deve-se perscrutar a (in)existncia o liame lgico entre os sujeitos da

    relao tributria e o elemento prestacional interrupo do prazo prescricional em sede de

    execuo fiscal quando da anlise do inciso I do pargrafo nico d o art. 174 do CTN e da

    interpretao conferida pelo Superior Tribunal de Justia no Recurso Especial n.

    1120295/SP. Busca-se, dessa forma, delimitar a orientao a ser seguida de forma que se

    alcance a certeza das relaes sociais e a implementao dos valores jurdicos, mormente os

    conferidos em prol do contribuinte, observando o limite do Estado em subtrair o patrimniodo sujeito passivo.

    Ainda acerca da estrutura normativa, h de se salientar que o operador dentico

    interproposicional existente entre hiptese e consequente no qualificado, ou seja, neutro.

    Por outro lado, o operador dentico intraproposicional constante do consequente da norma

    modalizado como obrigatrio (O), proibido (V) ou permitido (P). Os operadores denticos, ou

    68Aurora Tomazini de CARVALHO. Curso de teoria geral do direito. p. 212-213.69Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, linguagem e mtodo, p. 134-135.70Ibid., p. 135.

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    functores denticos, no possuem significao prpria. Trata-se de dever-ser de alguma

    coisa, que no se confunde com o dever ser empregado em linguagens no normativas,

    quando o operador assume o modo altico. No estudo das normas, lida-se sempre com uma

    relao de ordem dentica.7172

    de se ressaltar que o arbtrio do legislador ao escolher condutas para a hiptese e

    consequente normativo possui limitaes decorrentes do prprio sistema. H de se preocupar

    com o aspecto comunicacional da mensagem, bem como da sua validade perante o resto do

    sistema jurdico, atentando-se ainda pela relao lgica a ser observada entre os elementos da

    estrutura, entre outros aspectos. Especificamente acerca da correlao lgica entre os

    elementos estruturais da norma, necessria a relao semntica ente a hiptese e oconsequente uma vez que este ltimo s pode conferir efeitos a sujeitos que contribuem para o

    fato descrito no antecedente. Conforme j salientado, trata-se do aspecto relacional da norma,

    e tem por finalidade manter a segurana das relaes.

    O legislador, assim como faz na hiptese, seleciona os efeitos jurdicospresentes no consequente normativo, com base em critrios valorativos. Namesma medida, esta seleo axiolgica, porque depende exclusivamente deum ato de vontade do agente legislativo e redutora de complexidades, dado

    que diante de infinitos efeitos o legislador escolhe apenas alguns comojuridicamente relevantes. No entanto, a liberdade de escolha do legisladorno assim to ampla, ela est adstrita ao fato descrito no antecedentenormativo.

    Os critrios informativos do consequente devem guardar estreita relao como acontecimento factual descrito na hiptese, justamente porque este causadaquele. Este um limite lgico s escolhas do legislador: a proposioconsequente deve guardar relao semntica com a proposio antecedente,de modo que o sujeito, sob qual incide o mandamento, se vincule, de algumaforma, ao fato que motivou a obrigao, proibio ou permisso e o objetoda prestao (ao qual est obrigado, proibido ou permitido) faa, de algum

    71Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de teoria geral do direito.p.296-297.72Nas duas causalidades temos a implicao, o conectivo condicional atrelando o antecedente ao consequente.Entretanto, quando usado e no simplesmente mencionado, o dever ser denota uma regio, um domnioontolgico que se contrape ao territrio do ser, em que as proposies implicante e implicada so postas por umato de autoridade: D(p->q) (deve ser que p implique q). Falamos, por isso, num operador denticointerproposicional, ponente da implicao. No fora o ato de vontade da autoridade que legisla e a proposio-hiptese no estaria conectada proposio tese. Da por que esse operador dentico seja chamado de neutro,visto que nunca aparece modalizado.Cumpre acrescentar, contudo, que no arcabouo normativo, enquanto estrutura lgica, encontraremos outro

    dever-ser, expresso num dos operadores denticos, mas inserto no consequente da norma, dentro da proposio-tese, ostentando carter intraproposicional, triparte-se nos modais proibido (V), permitido (P) e obrigatrio(O), diferentemente do primeiro, responsvel pela implicao, e que nunca se modaliza. Paulo de BarrosCARVALHO,Direito Tributrio, linguagem e mtodo,p. 124.

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    modo, referncia ao acontecimento que deu causa ao vnculo relacionaljuridicamente estabelecido entre os sujeitos.73

    Exige-se, desta forma, uma relao de causalidade semntica entre hiptese e

    consequente, sob pena de se esvair a possibilidade efetiva de regular comportamento entre

    sujeitos. imprescindvel a existncia de um liame lgico-causal entre antecedente e

    consequente, sob pena de enfraquecer o vnculo implicacional. Exige-se, portanto, que a

    proposio-antecedente seja causa suficiente da proposio consequente74. Busca-se, tambm,

    verificar a existncia ou no dessa lgica implicacional nas normas atinentes interrupo da

    prescrio em sede de execuo fiscal, bem como na interpretao jurisprudencial dada sobre

    o tema pelo Superior Tribunal de Justia.

    Para tanto, parte-se do pressuposto de que o direito positivo enquanto linguagem

    prescritiva de condutas um fato social por excelncia, e no uma construo puramente ideal

    ou um dado do mundo natural. Assim, evidencia-se o processo de relao existente nos fatos

    sociais, processo este que exige a construo e compreenso de um sentido que direcione as

    condutas humanas, sem o que seria impossvel compreender o direito e se autodeterminar

    conforme ele. Isso porque os fatos jurdicos, sejam eles previstos nos antecedentes ou

    consequentes da frmula relacional, se apresentam enquanto fenmeno fsico, na forma derelaes de causa e efeito, estas ltimas permeadas por um sentido jurdico que os permeia e

    legitima. Da a importncia na construo e perfeita compreenso do sentido do texto

    jurdico.75

    Ademais, os categoremas da norma devem ser estabelecidos dentro de condutas

    possveis e no necessrias, bem como respeitadas as limitaes constitucionais sobre a

    matria, sob pena da perda de sentido do prescritivo normativo e do esvaziamento da prpria

    juridicidade, respectivamente.tem-se a seguinte deciso:

    Dentro da tarefa de alterar a conduta humana, o elaborador dos documentosnormativos depara-se com um limite semntico. A relao que se estabeleceentre o suporte fsico (a palavra falada ou escrita) e o significado, que areferncia objetiva (o que prescreve a norma) tem um bice instransponvelnsito ao prprio direito. Ser um sem-sentido dentico o direito prescreveraquilo que for factualmente impossvel ou factualmente necessrio. (...)Assim, a prescrio de uma tautologia ou de um estado de coisas necessrio

    73Aurora Tomazini de CARVALHO, Curso de Teoria Geral do Direito, p. 298-299.74Ibid., p. 301.75Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, linguagem e mtodo.p. 82.

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    ou impossvel, fica destituda de qualquer sentido. Melhor: um sem-sentidodentico. a negao da prpria juridicidade. (...)

    Dentro das balizas do necessrio e do possvel que o legislador dosa aregulao da conduta. A extrapolao das barreiras desemboca na ineficciado Direito, posto que desautoriza a prpria juridicidade. (...) A matria,portanto, consiste no limite ontolgico do direito. So as condutas passveisde serem alcanadas pelo direito.76

    O que se prope, aqui, que a necessidade do estabelecimento da comunicao

    com o destinatrio da norma integra o limite ontolgico do direito, j que aquele que possui

    sua vida regulada e limitada, pelas normas produzidas pelo Estado, ente existente e legitimado

    por vontade do homem. Assim, imperiosa a necessidade de efetiva comunicao entre

    Estado e destinatrio nas atividades daquele, sob pena do Estado perder a legitimidade deregular condutas e de deter o monoplio do uso da fora fsica, inclusive no que tange aos

    marcos interruptivos da prescrio em sede de execuo fiscal.

    Ademais, a necessidade da efetiva comunicao entre agente regulador de

    condutas e destinatrio da norma decorre da prpria natureza de texto do direito, que impe o

    aspecto relacional correspondente, e da relao existente entre antecedente e elemento

    prestacional que se estabelece a relao jurdica oriunda da norma.

    Por fim, merece destaque o duplo recorte metodolgico dado norma jurdica

    pelo discurso cientfico, cuja completude se obtm pelo tratamento conjunto das normas

    primrias, na qual institui-se direitos e deveres a sujeitos em consequncia ocorrncia da

    hiptese prevista; e secundrias,onde se estabelece a sano a ser exercida mediante coao

    estatal em caso de no observncia do elemento prestacional da norma primria.77

    Em que pese a importncia e robustez da teoria normativa, bem como os diversosdesdobramentos da estrutura completa da norma jurdica, abster-se- de desenvolver maiores

    comentrios sobre o assunto neste trabalho, buscando utilizar nos conceitos j delineados para

    desvendar os problemas apresentados.

    76Gabriel IVO,Norma jurdica: produo e controle, p. 131-132.77Na completude, as regras do direito tm feio dplice (i) norma primria (ou endonorma, na terminologia de

    Cossio) a que prescreve um dever, se e quando acontecer o fato previsto no suposto; (ii) norma secundria (ouperinorma, segundo Cossio), a que prescreve uma providncia sancionatria, aplicada pelo Estado Juiz, no casode descumprimento da conduta estatuda na norma primria.Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio,linguagem e mtodo,p. 138.

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    1.3 Da introduo da norma jurdica no direito positivo e das normas gerais de direito

    tributrio.

    A norma jurdica, para ingressar no ordenamento posto, depende de um ato de

    autoridade inaugurando a linguagem prescritiva no sistema jurdico normativo, ato este

    calcado em norma fundante. De fato, conforme explicitado, a relao jurdica criada por uma

    norma vincula dois sujeitos (S e S) e somente vlida se emanada da autoridade legisladora

    competente, observados todos os ditames da(s) norma(s) que a fundamenta(m). 78

    Nesses termos, h de se ressaltar que a autoridade legisladora, apesar de possuirgrande margem discricionria, deve observar alguns limites formais e materiais previstos na

    norma que legitima a sua atividade. De fato, a noo de fundamento de validade leva o

    exegeta ideia de hierarquia existente entre as normas do Direito Positivo. Se a norma X

    possui fundamento no texto Y, este ltimo hierarquicamente superior quela, e ambos

    fundamentam-se na norma hipottica fundamental.

    Deve-se ter em mente que a relao hierrquica existente no direito foi construda

    pelo sistema positivo, e no por uma necessidade da ontologia do objeto. O escalonamento

    das normas jurdicas no uma necessidade da regulao da conduta, mas antes uma

    determinao do detentor do poder poltico em determinado tempo e sociedade.79

    Assim, temos que a ordenao jurdica indecomponvel e nica, reforando a

    ideia de que as unidades normativas (elementos do sistema) esto ligadas pelo vnculo de

    hierarquia e coordenao. Aquele que se presta a conhecer e compreender uma determinada

    norma precisa conhecer o conjunto no qual ela est inserida, tratando-a conforme verdadeiraproposio prescritiva imersa em um sistema, ainda que suas unidades desempenhem papis

    diferentes dentro da estrutura. Por outro lado, inegvel a existncia de uma arquitetura

    formal idntica entre as unidades normativas. Conclui-se, portanto, pela homogeneidade

    sinttica, e pela heterogeneidade semntica e pragmtica das normas, estas ltimas

    78Se o ato legislativo, que subjetivamente tem o sentido de dever-ser, tem tambm objetivamente este sentido,quer dizer, tem o sentido de uma norma vlida, porque a Constituio empresta ao ato legislativo este sentido

    objetivo. (...) Portanto, no do ser ftico de um ato de vontade dirigido conduta de outrem, mas ainda eapenas de uma norma de dever-ser que deflui a validade- sem sentido objetivo da norma segundo a qual esseoutrem deve conduzir em harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade. Hans KELSEN, Teoria Pura do

    Direito, p. 6-7.

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    imprescindveis para albergar todo o leque de situaes diversas sobre o qual deve incidir o

    direito (pluralidade do real-social).80

    Assim, as normas em estudo se submetem s disposies constitucionais e legais

    que as fundamentam e que lhes so hierarquicamente superiores. De fato, tanto o inciso I do

    pargrafo nico do art. 174 do CTN quanto a orientao jurisprudencial criada pelo Recurso

    Especial n. 1120295/SP submetem-se s determinaes do poder poltico vigente na

    sociedade brasileira, concentradas na Constituio Federal e nas normas que disciplinam seus

    comandos em decorrncia da unidade do sistema jurdico positivo brasileiro.

    A partir do critrio da funo exercida no sistema, e, consequentemente,consoante o diferente regime jurdico a elas imposto, pode-se dividir as normas em dois tipos:

    normas de estrutura e normas de conduta. Esta diferenciao deve ser observada durante a

    atividade legislativa, desde que presente o vnculo hierrquico.

    Outrossim, em planos epistemolgicos, as normas jurdicas, como unidadesatmicas do sistema, cumprem dois papis diferentes: umas disciplinam,pronta e diretamente, o comportamentoso as regras de conduta; enquantooutra se ocupam tambm do proceder do homem no seio da sociedade,porm o fazem de maneira mediata e indireta, so regras de estrutura. nessas ltimas que se encontram as normas gerais de direito tributrio.

    Tais formulaes normativas gerais encontram-se presentes no ato deaplicao do direito, quando, no curso do processo de positivao dasestruturas individuais e concretas so verificadas todas as regras superioresque lhe do fundamento de validade. pela aplicao que se constri odireito em cadeias sucessivas de regras, a contar da norma fundamental,axioma bsico da existncia do direito enquanto sistema (...).81

    Quando tratamos do direito tributrio, pode-se ressaltar que as normas gerais

    restringem-se s regras de estrutura, construindo o direito atravs de cadeias sucessivas deregras a partir da norma fundamental, e chegando at s regras particulares, leia-se,

    desdobramentos que funcionam como pontos terminais do processo derivativo de produo

    jurdica. De outra forma, certo que as normas gerais tecem a estrutura das outras regras,

    sendo invivel a construo destas sem a observncia dos limites normativos daquelas.82

    79Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo, p. 362-363.80Ibid.,. p. 359.81Ibid., p. 359-360.82Ibid., p. 360.

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    Nesse contexto, pode-se dizer que a Constituio Federal atribuiu lei

    complementar, observada sua natureza ontolgica-formal, a pecha de veculo introdutor de

    normas gerais, estas entendidas como aquelas destinadas a prevenir conflitos e invases de

    competncia (art. 146, I, da Carta Maior). Portanto, em termos tributrios, a lei complementar

    possui o papel de mecanismo de ajuste, garantindo a sintonia da produo legislativa com os

    mandamentos constitucionais, especialmente o princpio federativo e a autonomia

    municipal.83

    Sem prejuzo do j dito, e ressaltando o vis da hierarquia existente no direito

    posto, tambm possvel classificar a hierarquia exercida pelas normas gerais (veiculadas por

    leis complementares em matria tributria) em sinttica, de natureza eminentemente lgica, ehierarquia semntica, esta ltima dividida em formal e material. Para melhor desenvolvimento

    deste estudo, discorrer-se- um pouco acerca da hierarquia semntica material e da hierarquia

    sinttica, nesta ltima ressaltando a seu aspecto formal.

    A hierarquia semntica material de uma norma ocorre quando a norma

    subordinante ditar os contedos de significao do texto prescritivo inferior. Aqui a norma

    subordinada busca o ncleo do assunto que veicular na compostura semiolgica da norma

    superior. Pode-se afirmar que em relao hierarquia material, muitas normas devero

    procurar seu mbito de validade em lei complementar, como, por exemplo, as regras que

    dispem acerca de conflitos de competncia entre as entidades tributantes, sem prejuzo das

    pores privativas para a atuao da lei complementar.84Neste sentido, o Cdigo Tributrio

    Nacional uma forte base para a edio das demais normas, sendo considerado lei nacional

    dirigida a todos os entes da federao85.

    No que diz respeito especificamente matria tributria, foi-lhe [CdigoTributrio Nacional] atribuda a funo de introduzir no ordenamentojurdico normas gerais de direito tributrio, voltadas a regulao de matrianecessria para evitar conflitos de competncia, bem como para regular aslimitaes constitucionais ao poder de tributar, atuando como mecanismo deajuste que assegura o funcionamento do sistema. To s nesse sentido queh de ser entendido o art. 146, III, da Constituio da Repblica. Ao disporsobre a definio de tributos e suas espcies, fato gerador, base de clculo,contribuintes, obrigao, lanamento, crdito, prescrio e decadncia

    83Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo,p. 361-362.84Ibid., p. 36385Ibid., p. 368

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    tributrias, a lei complementar apenas pode faz-lo com as finalidades acimarelacionadas.86

    Assim, temos que a matria prescrio, toda e qualquer disposio legislativa

    deve ser feita atravs de Lei Complementar e com a finalidade de evitar conflitos de

    competncia e de regular as limitaes constitucionais ao poder de tributar, entre eles o

    princpio da reserva legal e da segurana jurdica, presentes na Carta Maior.

    J a hierarquia sinttica formal dita os pressupostos de forma a serem respeitados

    pela norma inferior. Trata-se de regulao acerca do modo de produo legislativo, os

    requisitos procedimentais a serem observados desde a propositura at a sano (se for o caso),

    os mtodos de revogao, alterao ou modificao de umas pelas outras. Aqui inegvel ogrande alcance da inovao trazida pelo pargrafo nico do artigo 59 da Constituio Federal,

    que outorgou lei complementar a disciplina das regras gerais de elaborao, redao,

    alterao e consolidao das leis. Estes critrios j se encontram prescritos pela Lei

    Complementar 95/98, que consagra a superioridade hierrquica formal em relao s demais

    leis.87

    A lei complementar, com sua natureza singular, matria especialmente

    prevista na Constituio e quorum qualificado a que alude o art. 69 desteDiploma maioria absoluta nas duas Casas do Congresso cumpre hojefuno institucional da mais elevada importncia para a estruturao danorma jurdica brasileira. Aparece como significativo instrumento dearticulao das normas do sistema, recebendo numerosos cometimentos nasmais diferentes matrias de que se ocupou o legislador contribuinte. Viuafirmada sua posio intercalar, submetida aos ditames da Lei Maior e, aomesmo tempo, subordinando os demais diplomas legais. No h comonegar-lhe, agora, supremacia hierrquica com relao s outras leis que, pordisposio expressa no pargrafo nico do art. 59, nela tero que buscar ofundamento formal de suas validades.88

    Dessa feita, possvel efetuar a anlise mormente da alterao promovida pela Lei

    Complementar n. 118/05 no teor do inciso I, pargrafo nico do art. 174 do CTN tambm

    pelo prisma da hierarquia sinttica de seu texto normativo. H de se observar, dessa forma, se

    houve a observncia do rito legislativo exigido na espcie, e se a forma (sinttica) do texto

    no foi prejudicada.

    86Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo,p. 368-369.87Ibid., p. 363-364.88Ibid., p. 365.

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    Assim, delimitou-se dois grandes planos de anlise das normas objeto deste

    estudo: semntico material e sinttico formal. De tudo, pode-se perceber o relevante papel

    desempenhado pelas leis complementares no que tange necessria regulao das limitaes

    ao poder de tributar, assim tambm entendida a prescrio, sem prejuzo da necessria

    observncia formal disciplinada pela Lei Complementar 95/98, tudo a fim de garantir-se a

    elas o fundamento de validade enunciado por Kelsen.

    1.4 Alguns apontamentos acerca do processo legislativo.

    Este trabalho, no que tange a novel redao dada pela Lei Complementar n.

    118\2005 ao inciso I do pargrafo nico do art. 174 do CTN, percorrer tambm o processo

    legislativo correlato. No se presta, aqui, anlise da poltica que gerou a alterao, mas as

    atenes dirigem-se aos atos de fala da produo do texto legislativo, que podem ser vlida e

    cientificamente estudados. Enxerga-se, dessa forma, o momento legislativo a partir da teoria

    geral do direito (constitucionalismo), de forma a evidenciar que este um trabalho dogmtico.

    Assim, busca-se delimitar quais so as normas que disciplinam a produo da norma-objeto

    do caso concreto, bem como estudar comparativamente os atos de fala ela relativos.

    Dito isso, inegvel que o direito destina-se regulao de condutas, de forma a

    disciplin-la de acordo com um sistema de valores. Entretanto, tal regulao no abrange to

    somente as relaes intersubjetivas: a produo das normas pelos rgos competentes tambm

    disciplinada. Trata-se da regulamentao da conduta que gera a linguagem prescritiva. A

    funo exercida pela norma no sistema jurdico gera a classificao entre regras de estrutura e

    de conduta.

    O critrio para a classificao das normas reside na funo que elas exercem,

    permitindo, dessa forma, a separao entre os diversos regimes jurdicos impostos a elas pelo

    direito. Dessa feita, as unidades atmicas e indivisveis do sistema, quais sejam, as normas

    jurdicas, dividem-se entre aquelas que normatizam o comportamento humano de forma

    direta, denominadas regras de conduta; ao passo que outras tratam do proceder humano na

    sociedade de forma indireta, mediata, chamadas de regras de estrutura. As normas gerais de

    direito tributrio so classificadas como regras de estrutura.89

    89Paulo de Barros CARVALHO,Direito Tributrio, Linguagem e Mtodo, p. 359-360.

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    Tratando especificamente das normas de estrutura, pode-se dizer, assim, que o

    direito dinmico, j que criar direito implica em aplicar direito, e o processo gerador de

    normas inclui o de eliminao das mesmas, como duas faces da mesma moeda.90

    No se afirma que as normas sejam criadas por inferncia. Entre elas h osatos. A norma confere a determinada autoridade a competncia para criaruma outra norma. o carter dinmico do sistema jurdico. Os atos quecriam normas so previstos em outras normas. Para que os atos de umaautoridade normativa possam criar normas preciso que exista uma normaque faculte. O direito se desenvolve mediante uma redetecida por normas.Cada norma autoriza, por meio de atos, a criao de outra norma. Por issono se pode afirmar que o sistema normativo funcione s,independentemente de atos de pessoas competentes para produzi-los. Dessaforma o prprio direito alberga, dentro de si mesmo, as regras de formao ede transformao de sua linguagem prescritiva.91

    Mais uma vez afigura-se importantssimo relembrar a natureza de texto do direito,

    bem como o cerco inapelvel da linguagem, que constitui o direito positivo e tambm faz

    cincia a partir dessa linguagem, discorrendo sobre o texto positivado. Afinal, a introduo de

    uma norma no sistema jurdico visa comunicao com seu destinatrio, que deve apreender

    o contedo da norma.

    Assim, o uso da lingustica enquanto ferramenta para a compreenso de sentido vivel para o estudo das normas de estrutura, especialmente utilizando-se dos conceitos de

    enunciao e enunciado, aquele entendido como o processo criador dos textos prescritivos e

    este como o produto da enunciao (texto prescritivo). Os conceitos de enunciao e

    enunciado possuem relao equivalente a de um processo e seu produto. So conceitos

    interdependentes, ainda que o produto ofusque o processo de produo do texto normativo.

    Assim, possvel estudar um texto jurdico, bem como fundamentar o processo de

    gerao de sentido decorrente desse substrato, a partir das noes de enunciao, enunciao

    enunciada, enunciado e enunciado enunciado.92

    A (i)enunciao, como dito, o ato que produz o enunciado. Constitui oenunciado. Sem enunciao no h enunciado, por isso ela antecede-o,sempre. O (ii) enunciado o produto, o resultante da enunciao. Oenunciado, no entanto, alm de comportar o enunciado propriamente dito,suporta as marcas da enunciao. a (iii) enunciao enunciada. Osimulacro da enunciao, que no se confunde com a prpria enunciao.

    90Gabriel IVO,Norma Jurdica: produo e controle, p. XXVII- XXVIII.91Ibid., p. XXVII- XXVIII.92Ibid., p. XLIV-XLV

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    Esta inacessvel ao conhecimento, a no ser quando promove oprocedimento de catlise, ou seja, investigar a causa a partir da suaconsequncia. Da consequncia (enunciao enunciada), investiga-se a causa(enunciao). O enunciado tambm contm o (iv) enunciado enunciado, que sequencia enunciada sem as marcas da enunciao. O enunciado enunciado o contedo do texto, abstrado seu processo. O enunciado sem aenunciao enunciada.93

    A natureza de texto do direito possibilita a identificao de todos os elementos

    acima mencionados. O processo de produo do direito, que se consome no tempo e no

    espao por no possuir imanncia, nada mais do que a enunciao, que se encerra com a

    publicao do texto legal. Por sua vez, o enunciado diz respeito ao texto, e composto da

    enunciao enunciada e enunciado enunciado. A enunciao enunciada decorre da

    reconstruo da enunciao a partir dos diticos (marcas de pessoa, espao e tempo)

    existentes no enunciado. Os diticos so decorrentes do desaparecimento do processo

    legislativo, ao passo que so provas da ocorrncia do mesmo. Trata-se de mecanismos de

    controle da produo legislativa, sem os quais no seria possvel regular condutas. J o

    enunciado enunciado diz respeito mensagem normativa, refere-se ao que se pretende

    regular. No se trata do contedo, que ser construdo pela interpretao, mas o seu plano de

    expresso. Enunciado enunciado est para o contedo tal como a enunciao enunciada est

    para a forma.94

    Indo alm, tem-se que a enunciao enquanto processo de produo de

    enunciados possui duas fases: a) uma inerente ao jogo poltico, no regulada pelo direito; e b)

    uma rgida regulao atravs de regras de produo jurdica, tambm conhecidas como regras

    de estrutura, ou seja, aquelas que ditam os preceitos de produo, extino e alterao de

    outras normas. Elas existem na Constituio Federal e em outros instrumentos

    infraconstitucionais que se fundamentam na Carta Maior.95

    As normas de produo jurdica, portanto, no surgem do nada. Necessitamde documento normativo (suporte fsico) que veicula enunciados prescritivos(disposies), que, interpretados, se transformam em norma de estrutura.Aqui tambm entram os planos expostos pelo Professor PAULO DEBARROS CARVALHO. Do percurso dos quatro planos surge a normajurdica agrupada em uma estrutura escalonada em face de relaes decoordenao e subordinao.96

    93Gabriel IVO,Norma Jurdica: produo e controle, p. XLV.94Ibid., p. XLV e ss.95Ibid., p. 5-696Ibid., p. 6.

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    O ato de enunciao de textos jurdicos exercido, regra geral, pelo legislativo, e

    pode-se indicar duas grandes fases: a pr-legislativa e a legislativa. A fase pr-legislativa, na

    qual elabora-se o anteprojeto e compreende as avaliaes polticas de convenincia e

    oportunidade, ainda pode ser subdividida em momentos no regulados pelo direito e

    momentos regulados pelo direito. Os momentos no regulados pelo direito, de forma simples,

    so aqueles referentes s razes da lei e todo processo poltico-social que envolve a avaliao

    da necessidade de normatizar determinada conduta. Os momentos regulados pelo direito

    concentram-se nos aspectos de configurao do documento (projeto de lei).97

    J a fase legislativa compreende o processo legislativo em si, que entendido

    como conjunto de atos que desemboca na criao de um instrumento introdutor de normas,tomando como paradigma a lei

    98. Trata-se de sequencia de atos deflagrada pela iniciativa

    de lei e concluda com a publicao, e que observa todas as normas que disciplinam a

    produo legislativa, inclusive as atinentes ao mbito material e competncia. Aqui tambm

    h e se fazer uma distino acerca da natureza da regra de estrutura: h as regras

    constitucionais, previstas na Carta Magna e todas atinentes competncia, matria e

    procedimento; e as infraconstitucionais, constantes de outros textos jurdicos para legislar

    sobre a forma que os enunciados tm que se apresentar. Logo, o processo legislativo quealterou a redao do inciso I do pargrafo nico do art. 174 do CTN passvel de controle em

    seus aspectos jurdicos, seja quanto competncia, matria e procedimento.

    ...so cinco as normas sobre produo jurdica, todas reconduzveis acompetncia, procedimento e matria: (i) normas que conferemcompetncia normativa. (ii) as normas que regulam o exerccio dacompetncia normativa; (iii)as normas que circunscrevemo objeto de umacompetncia normativa; (iv) as normas que reservam uma competncianormativa; e (v)as normas que limitam o possvel contedo normativode

    uma competncia.

    99

    Tais categorias lingusticas relacionam-se ainda com os conceitos de nomoesttica

    e nomodinmica. Aquela preocupa-se com o contedo do texto e de suas normas, enquanto

    esta diz respeito aos processos de produo e aplicao do direito. Assim, resta claro que a

    nomoesttica pode ser desvendada a partir da utilizao do conceito de enunciao enunciada

    enquanto a nomodinmica advm do enunciado enunciado.100Pode-se dizer, tambm, que os

    97Gabriel IVO,Norma Jurdica: produo e controle, p. 10 e ss.98Ibid., p. 12-13.99Ibid., p. 14-15.100Ibid., p. XLV e ss..

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    vcios formais de inconstitucionalidade so atinentes enunciao enunciada, enquanto o

    enunciado enunciado fornece vestgios de inconstitucionalidade material.101

    importante ressaltar que a enunciao ocorrida no direito positivo tambm

    regulada por normas, o que viabiliza o controle da produo do texto jurdico, ou seja, do

    enunciado. Esse controle imprescindvel j que se trata de linguagem prescritiva, submetida,

    portanto, ao crivo da (in)validade, este no exigido em textos literrios, por exemplo, ante a

    ausncia de imannciaausncia de normas que disciplinem a produo literria. Portanto, o

    processo de produo do direito deve sempre ser registrado, e as suas marcas devem estar

    devidamente impregnadas na enunciao enunciada, possibilitando o retorno enunciao e o

    controle de validade inerente aos textos prescritivos da conduta humana.102

    De todo o exposto, revela-se dois aspectos de validade a serem checados em um

    texto jurdico: o formal, verificvel a partir do estudo da enunciao enunciada, e o material,

    passvel de anlise atravs do enunciado enunciado. E a checagem se d atravs do cotejo da

    norma produzida com outras normas, j que o processo de positivao do direito ocorre por

    meio de sua aplicao.103.

    O processo de produo do direito consiste na sua enunciao. O produtodesse processo so os enunciados prescritivos. Destes enunciados, produtodo processo de formao, podemos fazer a seguinte distino: (i)enunciaoenunciada e (ii) enunciado enunciado. A partir desses enunciadosprescritivos construmos as normas jurdicas. Todo ano resultante daaplicao do direito d ensejo, por meio da interpretao dos enunciados queproduz, construo de pelo menos duas normas. A norma que retrata oprocesso de produo, devidamente localizado no tempo e no espao, e anorma que o instrumento criado pretendia produzir, o seu contedo. A normaque documenta o processo de produo resulta do enunciado chamadoenunciao enunciada. As outras normas, que significam o contedo do

    instrumento normativo, decorrem do enunciado enunciado.

    104

    Assim, pode-se afirmar, com certeza, que existem normas de produo jurdica

    que disciplinam o processo de enunciao, normatizando questes de competncia,

    procedimento e matria, e que deixam marcas no documento produzido. Da a necessidade de

    realizar o controle to somente aps findo o processo legislativo, a partir dos diticos do

    101Gabriel IVO,Norma Jurdica: produo e controle, p. L102Ibid., p. XLVII-XLVIII103Ibid., p. 1.104Ibid., p. 2.

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    enunciado105, o que autoriza a anlise do inciso I do pargrafo nico do art. 174 do CTN a

    partir de seus diticos neste momento.

    Dito de outra forma, certo que todas as normas relacionam-se no sistema

    jurdico consoante o primado da hierarquia, que submete cada nova norma ao controle

    daquelas que sejam superiores produzida e que analisa o processo legislativo em si,

    condicionando a produo de um novo enunciado prescrito observncia estrita da